Você está na página 1de 5

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

GABRIELA MONKEN GOMES DE FAYETTI SIQUEIRA


Resenha sobre Segredos Internos, engenhos e escravos
na sociedade colonial 1550-1835, de Stuart Schwartz

Trabalho final da disciplina Brasil Colonial II,


apresentado ao Professor Dr. Pedro Puntoni.
Segredos Internos, engenhos e escravos na sociedade colonial 1550-1835, de
Stuart Schwartz, é um trabalho sobre a sociedade do açúcar na Bahia, que pretende
explicitar as relações sociais nela presentes. A obra incorpora a escravidão como
principal motor para as características da economia e do convívio social brasileiro e, por
meio de fontes tanto conhecidas pela Academia - a exemplo das crônicas coloniaisi -
quanto inéditas, o autor busca trazer a maior quantidade de evidências para sua análise,
evitando especulações. Dentre as fontes utilizadas na obra, estão presentes censos,
registros notariais e testamentosii. A união dos dados das fontes primárias juntamente
com diálogos com a historiografia sobre a colonização brasileira resulta em um livro
que incorpora minuciosamente os aspectos desse recorte da história.
É possível compreender que o eixo da obra está no caráter escravista da
sociedade brasileira. A escravidão é vista como resultado dos modos de produção
vigentes na região, assim como a cultura senhorial ibérica. A hierarquização presente no
Engenho teve como consequência uma sociedade estratificada, determinada pela
posição de sua atividade laboral. O livro demonstra, com detalhes, os segmentos das
diferentes partes do fabrico do açúcar, relacionando com as propriedades culturais e
comportamentais que cada segmento desenvolveria.
O livro é dividido em quatro partes: Formações, 1500-1600; Os engenhos
baianos e seu mundo; A sociedade do açúcar; Reorientação e persistência 1750-1835. A
primeira parte refere-se ao período de implantação e consolidação da monocultura do
açúcar na América. É realizada uma explanação do histórico dessa produção
monopolizada pelos povos ibéricos em diferentes partes do mundo. O cultivo do açúcar
foi “testado” no norte da África, sudeste asiático e mediterrâneo europeuiii. Quando
chega às ilhas atlânticas, fica claro o interesse por parte de Portugal e Espanha do
desenvolvimento de grandes lavouras em territórios americanosiv. Nessa mesma parte, o
autor também retrata as primeiras experiências com mão-de-obra nativa e africana. A
escravização africana na América rapidamente substitui o trabalho forçado indígena, já
que envolvia a comercialização e a movimentação da economia do trabalhov.
Na segunda parte entram descrições detalhadas sobre o cotidiano nos engenhos
baianos, incorporando desde características da geografia da região, passando por dados
sobre os ganhos econômicos senhoriais, até explicitações sobre o processo fabril da
produção de açúcar. Essa parte do livro demonstra a importância das fontes que, mesmo
trazendo informações muito específicas que, no primeiro momento parecem não
condizer com uma análise sociológica, são essenciais para o desenvolvimento de fatos,
que poderão ser usados como base para estudos. Por exemplo, o trecho que fala sobre o
início da safravi aborda detalhes sobre o manuseio do maquinário, a relação dos
trabalhadores com o gado e o processo de fornecimento de cana. No meio da citação
desses detalhes, o autor revela informações referentes às características religiosas da
colônia, mostrando que tanto senhores quanto escravos benziam-se, no local de moenda,
para conseguir proteção durante o trabalho e trazer boa colheita.
A terceira parte aborda a organização social presente na colônia e seus efeitos na
estrutura colonial brasileira. O autor demonstra as origens da hierarquia presentes na
grande lavoura, que derivam de sistemas existentes na Europa medievalvii. Além disso,
como o principal motor dos atributos qualitativos nos engenhos era o trabalho, as
funções e a capacidade dos trabalhos também determinavam a posição social que
pertenceriam. Nessa divisão do livro é também introduzido o debate da associação do
termo feudal para a sociedade do Brasil colonial. Schwartz infere que por não haver
campesinato e existir um impulso capitalista comercial na colônia, o conceito do
feudalismo não pode ser aplicado à região americanaviii.
Por fim, a quarta parte fala sobre o fim do período colonial, que se articula junto
com as revoltas escravas e um processo de desenvolvimento de um nacionalismo
interno. O texto ressalta a importância das reformas pombalinas para a mudança na
dinâmica entre colônia e metrópoleix. O ressurgimento da economia exportadora
desenvolveu tensões entre os dois polos, que passaram a apresentar interesses distintos.
Em meio a esse cenário, rebeliões procuram modificar a estrutura social determinada
pela escravidão, mas até fins do século XIX, não sucedex.
O trabalho de Schwartz mostra intenção em trazer uma multiplicidade de
abordagens à questão da sociedade colonial na Bahia. Por um lado, uma visão com foco
nas dinâmicas do trabalho, nas posições sociais, nas obrigações mediante à estrutura
inserida, que se baseia em conceitos de Marx, sem chegar a ser uma análise de
característica puramente marxistaxi. Por outro lado, uma análise que leva em
consideração a cultura e o cotidiano da região, trazendo exemplos ultra detalhados sobre
os processos rotineiros da colônia.
É viável estabelecer diálogos entre Segredos Internos e outras obras de
diferentes autores. O próprio Stuart Schwartz evoca Gilberto Freyre, com Casa Grande
& Senzala, como um dos principais trabalhos de contraposição. Em uma entrevista, o
autor revela que sua intenção inicial com seu livro sobre os engenhos na Bahia era de
contestar Freyre. Porém, com o tempo percebeu a importância do livro e da análise
interna das famílias patriarcais dos senhores dos engenhos nordestinos, mas ainda
pretendia revelar partes que Casa Grande & Senzala não mostravam, como os grupos
sociais intermediários entre senhores e escravosxii.
Outro autor que estabelece diálogo com Stuart Schwartz, em Segredos Internos,
é Kenneth Maxwell. Em uma passagem da obra A Devassa da Devassa, A Inconfidência
Mineira: Brasil-Portugal – 1705-1808, Maxwell incorpora a importância das reformas
pombalinas para a desconstituição da colônia de Portugal no Brasilxiii. Esse trecho do
livro se assemelha com a parte final do trabalho de Schwartz – analisado nessa
avaliação. As abordagens sobre o assunto, no entanto, têm enfoques diferentes.
Enquanto Maxwell pretende analisar como os eventos políticos acontecidos na
metrópole no século XVIII afetaram o Brasil, Schwartz, em um trabalho mais extenso,
olha para a cultura e para a estrutura social que mudava na colônia no período, com
destaque para a camada dos escravos. É válido notar uma característica semelhante dos
dois autores, o fato de ambos serem estrangeiros e terem obras notadamente conhecidas
na Academia, principalmente por incorporarem visões de fora para a questões do Brasil
Colônia.
Porém, Stuart Schwartz também estabelece conversa historiográfica com autores
brasileiros a ele contemporâneos. Fernando Novais, com Aproximações, estudos de
história e historiografia, no segmento “Passagens para o Novo Mundo”, traz
considerações sobre quais elementos da história os autores devem ficar atentos,
ressaltando a importância de citar “o contexto global de que se faz parte, e que lhe dá
sentindo”xiv. A tratamento de Novais, em seu trabalho, é de analisar o entorno político
em Portugal e seus afetos nos brasileiros. O aspecto econômico – a transição para uma
nova fase do capitalismo – também é bastante relevante para sua análisexv. Enquanto
isso, Schwartz também faz análises sobre o contexto global do Brasil, e infere que, na
última fase da colonização, a região se apresentava bem desenvolvida economicamente
e enfocando em uma política globalxvi.
NOTAS:

i
Stuart Schwartz, Segredos internos, engenhos e escravos na sociedade colonial 1550 - 1835. p. 9 (autor
lista tipos de fontes utilizadas na obra)
ii
Ibidem. p. 9
iii
Ibidem. pp. 21-22
iv
Ibidem. pp. 24-31
v
Ibidem. p. 57
vi
Ibidem. p. 92
vii
Ibidem. p. 209
viii
Ibidem. pp. 217-218
ix
Ibidem. p. 338 (o autor até menciona trechos de textos de Kenneth Maxwell, para falar sobre Pombal)
x
Ibidem. p. 392
xi
Ibidem. p. 10
xii
Andrea Daher e Stuart Schwartz, “A história social atlântica de Stuart Schwartz” Topoi. p. 311
xiii
Kenneth Maxwell, A Devassa da Devassa, A Inconfidência Mineira: Brasil Portugal 1705 – 1808. p. 22
xiv
Fernando Novais, Aproximações, estudos de história e historiografia. p. 183
xv
Ibidem. p. 189
xvi
Stuart Schwartz, Segredos internos, engenhos e escravos na sociedade colonial 1550 - 1835. p. 354

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

SCHWARTZ, Stuart, Segredos internos, engenhos e escravos na sociedade colonial 1550 - 1835. São
Paulo, trad. port., Companhia das Letras, 1988.

MAXWELL, Kenneth, A Devassa da Devassa. A Inconfidência mineira: Brasil e Portugal, 1750 - 1808. Rio
de Janeiro, trad. port. Paz e Terra, 1995, pp. 21-53

NOVAIS, Fernando A., Aproximações: estudos de história e historiografia. São Paulo, Cosac Naify, 2005,
pp. 183-194.

Entrevista: Andrea Daher e Stuart Schwartz, “A história social atlântica de Stuart Schwartz” Topoi (Rio
J.), Rio de Janeiro, v. 15, n. 28, p. 306-324, jan./jun. 2014 | www.revistatopoi.org

CONTAGEM DE CARACTÉRES (DESCONSIDERANDO FOLHA DE ROSTO, NOTAS, REFERÊNCIAS


BIBLIOGRÁFICAS E ESPAÇOS): 5743 caractéres

Aluna: Gabriela Monken Gomes de Fayetti Siqueira (n° USP: 9826306)

Você também pode gostar