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Conquista colonial, resistência indígena e formação do Estado-Nacional: os índios Guaicuru e

Guana no Mato Grosso dos séculos XVIII-XIX


Author(s): Andrey Cordeiro Ferreira
Source: Revista de Antropologia, Vol. 52, No. 1 (janeiro-junho 2009), pp. 97-136
Published by: Revista de Antropologia
Stable URL: http://www.jstor.org/stable/41616457 .
Accessed: 13/09/2013 17:44

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Conquista colonial, resistencia indígena
e formação do Estado-Nacional:

os índios Guaicuru e Guana

no Mato Grosso dos séculos XVIII-XIX

1
AndreyCordeiroFerreira

Museu Nacional - UFR]

RESUMO: Esteartigoanalisaa história da conquista colonialdo estadodo


Mato Grossono séculoXIX e sua contrapartida, a resistência indígena,a
partirdos relatos
de militarese administradores que atuaram na do
região
Rio Paraguai e Pantanal. O casodosíndiosGuaicurue Guanaé estratégico
paraessegénerode problemática teórica,já que os doisgruposindígenas
tiveram umimportante papelna consolidação da conquista colonialportu-
guesa e, ao mesmo tempo, criaram diversos obstáculos à sua expansãoe es-
O
tabilização. artigoapresenta uma reflexão históricae teórica sobrea rela-
ção entre dominação e resistência
política.

resistência
PALAVRAS-CHAVE: colonialismo
indígena, Guai-
português,
curu-Guana.

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1. Introdução2

"(...) duvidoque haja na Europapovoal-


gumque, em tantose tantos,possacom-
pararlecomestesbárbaros" (FelixAzara)

Este artigo analisa a história da conquista colonial do estado do Mato


Grosso no século XIX e sua contrapartida,a resistênciaindígena, com
base nos relatos de militarese administradoresque atuaram na região
do Rio Paraguai e Pantanal (relatos que forampublicados na Revistado
InstitutoHistóricoe GeográficoBrasileiro, uma das mais importantesfon-
tes de informação científicado Brasil do século XIX).
As fontescoloniais permitema construção de uma análise históricae
etnográficada dinâmica de dominação colonial/resistênciaindígena,
fundamentalpara construção do Estado-Nacional brasileiroe para tra-
jetórias dos povos indígenas.
O caso dos índios Guaicuru e Guana é estratégicopara esse génerode
problemáticateórica,uma vez que os dois grupos indígenas tiveramum
importantepapel na consolidação da conquista colonial portuguesae, ao
mesmo tempo, criaramdiversosobstáculos à sua expansão e estabilização.
Pretendemos demonstrarque a destruição das alianças indígenas
(em especial a aliança Guaicuru/Guana) e o estabelecimentodas alian-
ças entreportuguesese indígenas foi fundamentalpara a construção do
Estado-Nacional no Brasil. Assim, os índios Guaicuru e Guana (inclu-
indo-se neles os seus subgrupos remanescentes,como os Kadiweu e os
Terena) enquanto grupos subalternizados, desempenharam um papel
fundamentalna históriada formaçãodo Estado-Nacional no Brasil. Ire-
mos realizaruma descrição etnográficae históricacentrada na noção de
"resistência".Pretendemos realizaruma análise que permita compreen-

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der as razões pelas quais as formascotidianas de resistênciaaos poderes


coloniais e estataisnão eram contraditóriasnem excludentesem relação
às formascotidianas de colaboração com estes mesmos poderes.
A importância dos índios Guaicuru e de grupos sociais que esta-
beleciam relações de aliança/guerracom eles, especialmente os Guana,
é ilustrada pelo lugar de destaque que os "índios cavaleiros" ocuparam
no imaginário do Brasil Império, sobretudo no final do século XVIII e
na primeirametade do século XIX. Presença que se verificano registro
iconográficorealizado por pintorescomo Jean Baptiste Debret, que re-
tratouos índios Guaicuru em alguns de seus quadros mais conhecidos.3
Emblemático é o fatode o primeiroartigodo volume I da Revista
do InstitutoHistóricoe GeográficoBrasileiro, publicada em 1839, ser o da
"História dos índios Cavaleiros ou da Nação Guaicuru", de autoria de
Francisco Rodrigues do Prado (um dos membros da Comissão de Limi-
tes da América Hispânica e da Portuguesa). Vários outros artigosseriam
publicados na primeirametade do século XIX sobre os índios Guaicuru,
dentre os quais alguns estudos sobre costumes e instituiçõesindígenas
com descrições detalhadas sobre os mesmos. A produção contínua de
informaçõesiconográficase textuais mostra exatamente o lugar que os
índios Guaicuru ocupavam no imaginário da sociedade colonial e im-
perial brasileira da primeira metade do século XIX: uma posição tão
destacada que as imagens desses índios circulavamdesde as cortes brasi-
leiras até as academias de Artese Ciências européias. Isto principalmen-
te em razão da sua capacidade guerreirae da sua habilidade política.
O temor dos índios Guaicuru era justificado. Felix Azara disse clara-
mente que "pouco faltou para que exterminassemtodos os espanhóis
do Paraguai" (¿/»«¿/Holanda,1986). Francisco Rodrigues do Prado ava-
liou em "4 mil o número de paulistas mortos por eles ao longo das vias
de comunicação com Cuiabá" (ver Ribeiro, 1995). Entretanto,e sur-

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preendentemente,no final do século XIX a situação já era completa-


mente distinta.Darcy Ribeiro indica que, depois da Guerra do Paraguai,
estes índios terminaramsubjugados:

Os Guaicuruestiveram,
alternativamente, e lusita-
aliadoscomespanhóis
nos,semguardar a nenhumdeles,mesmoporquenão aceita-
fidelidade
ramjamaisnenhuma dominação(...) Os Mbayáacabaramse fixandono
sulde MatoGrossoque,emgrandepartegraçasa essaaliança,ficoucom
o Brasil;e os Payaguá, deAssunção.
nasvizinhanças A Guerrado Paraguai
deu,a unse outros, suasúltimaschancesdeglória,assaltando
e saqueando
populaçõesparaguaias e brasileiras.
Terminaram, porfim,despojadosde
seusrebanhos de gadoe de suascavalarias, pelaspestesbrancas
debilitados
e escorchados. Semembargo, guardaram atéo fim,e aindaguardam, sua
soberba, naforma de umaidentificaçãoorgulhosaconsigomesmos que os
contrasta, vigorosamente, com os demaisíndios,como pude testemunhar
nos anosem que convivinas suasaldeias,porvoltade 1947. (Ribeiro,
1995,pp. 34-36)

A questão que se coloca então é: como a conquista e dominação co-


loniais puderam se viabilizar num contexto tão adverso? Como a supe-
rioridade militare política desses índios foi suplantada e a região sul de
Mato Grosso (objeto de disputa com a República do Paraguai e com os
índios) pôde ser efetivae definitivamenteincorporada ao Estado-Na-
cional brasileiro?Qual foi o caminho percorridoda anterior"resistência
à dominação colonial" até a "subjugação total" dos índios Guaicuru, no
pós-guerra do Paraguai? A "espoliação e a debilitação por pestes" seria
um fator suficientepara explicar tal processo? Entendemos que não.
A análise de Darcy Ribeiro implica numa perspectivavitimistada histó-
ria indígena e não esclarece os mecanismos que deram tanta eficiênciaà
política colonial e fortaleceramo Estado.

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Para compreendero processo de conquista colonial, é preciso desen-


volveralgumas reflexõesacerca da resistênciae dominação política. Enten-
demos que a compreensão da dinâmica resistência/dominaçãoe o estudo
das formasinternasda política indígena são procedimentosfundamen-
tais para a compreensão da viabilidade da conquista colonial e da forma-
ção do Estado-Nacional, bem como dos seus desdobramentos (como a
nova inserção dos grupos indígenas dentro da sociedade nacional).

2. Etnografia, história indígena e o problema da resistência :


algumas notas metodológicas

O estudo dos grupos sociais subalternizados e da sua atividade social e


política foi profundamenteinfluenciado pelas reflexõescríticassobre as
noções de agência e resistência.Tais categoriasforamfundamentaispara
explicitaras formasde ação de grupos subalternizadospor processos de
colonização, racismo e imperialismo.Especialmente a noção de resistên-
cia, significouuma contribuiçãodecisiva no sentido de mostraros confli-
tos e as formasde luta política cotidianas que muitasvezes eram invisíveis
ao olhar sociológico e historiográfico(ver Ortner, 1995 e Scott, 1986).
A utilização dessa categoria pode assim nos ajudar a analisar a histó-
ria indígena de outra perspectiva,rompendo com as visões fatalistasque
na realidade não apreendem a complexidade e diversidade das formas
de agência indígena. Entretanto,como SherryOrtner observa, é preci-
so adotar certas precauções teóricas no que tange ao emprego de tal ca-
tegoria como chave de análise, visto que muitas vezes os estudos da re-
sistência acabavam incorrendo em visões românticas e idealizadas dos
grupos estudados. Ortner afirmaque uma das principais falhas dos es-
tudos da resistênciaé não levar suficientementeem conta a política, já
que tendia a considerarexclusivamentea política da resistência(a rela-

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ção entredominador e dominado) e não a propria política internados


grupos que estão na condição de 'subjugados', suas categoriase clivagens
internas(conflitosentreirmãos, lutas de sucessão e guerrasde conquis-
ta). Ela afirmaque "é a ausência da análise das formasde conflitosinter-
nos em muitos estudos de resistênciaque dão a eles um ar de romantis-
mo, de que são freqíientementeacusados" (Ortner, 1995, p. 177).
Assim, um dos principais elementos a dificultara compreensão dos
processos de resistência/dominaçãoé a inadequada formade descrição e
análise das categorias e dinâmicas internas da política dos grupos su-
balternos/dominados,de maneira que as suas relações reais, contradi-
tórias e dinâmicas são sublimadas. As estratégiaspolíticas dos grupos
dominados nessa perspectivasão depuradas de contradições e oscilações
e destacada do contexto maior,como se sua política e dinâmica social se
reduzisse "a oposição ao dominador". Tal depuração compromete tam-
bém a compreensão da própria dinâmica da resistência(Ortner, 1995,
p. 177). Por isso, é preciso traçaruma nova leitura das fonteshistóri-
cas, que possibilite uma forma alternativade relação entre etnografia
e historiografia.
As limitações do estudo da resistênciadevem-se em parte a um pro-
blema metodológico. Segundo Ortner, "muitos dos mais influenteses-
tudos sobre a resistênciasão seriamentelimitados pela ausência de uma
perspectivaetnográfica".A ausência da descrição e análise das formasde
organização internados grupos subalternosé a ausência da própria pers-
pectiva etnográfica. O problema consiste em saber como conjugar a
perspectivaetnográficacom a análise histórica,o que implica definiro
próprio sentido da etnografia.
Em termos gerais,a autora propõe também algumas definições me-
todológicas que podemos aqui incorporar.A etnografiaimplica, em pri-
meiro lugar,um compromisso com a "descrição densa" (o detalhismo, o
refinamento) e também uma perspectiva holística, de integração dos

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diversos elementos descritosno interiorde uma cultura e uma socieda-


de. Além do detalhismo e do holismo, a etnografiase caracteriza pelo
esforçocontextualizador,tanto no sentido do local em relação ao geral,
quando das práticas geradoras dos saberes e categorias discursivas
(Ortner, 1995, p. 174).
A perspectivaetnográficaaplicada ao estudo históricose daria exata-
mente no sentido da descrição detalhada, holística e contextualizadora
dos grupos e situações sociais estudadas, de maneira a poder estabelecer
uma possibilidade de compreensão do "ponto de vista" dos atores en-
volvidos nos processos e situações considerados.
As fonteshistóricascoloniais (os saberes administrativosproduzidos
por militarese funcionáriosde Estado) podem se apresentarassim com
um statussimilarao "relatodos informantes"em campo, que devem ser
submetidos a processos de análise e síntese que permitam a produção
do texto etnográficono sentido acima definido. Logo, a etnografiase
descola do empirismo,da descrição da experiência exclusiva do pesqui-
sador e incorpora também as experiênciasindividuais e coletivas de ou-
tros atores históricos.Isto porque o próprio processo de dominação co-
lonial foi também um processo de produção de conhecimentos e saberes
sobre os grupos que foram objeto da conquista, e assim vários relatos
estavam preocupados em fornecerdescrições substantivasdas institui-
ções e costumes dos povos indígenas, e estavam amparados em relações
prolongadas entreo sujeito que descreviae os povos estudados.
A antropologia se caracterizou por uma ruptura com os géneros de
etnografiadenominadas de "não académicas" (que incluíam uma ampla
gama de relatos,de missionários religiosos,militares,servidoresde go-
verno), que foram identificadascom interessese representaçõesadmi-
nistrativase religiosas,acusadas de, na melhor das hipóteses,não estarem
habilitadas a apreender o ponto de vista do nativo, ou mais frequen-
temente,de ser apenas uma compilação de estigmasda sociedade colo-

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nial acerca dos povos colonizados. Assim, as etnografiasnão académicas


seriam desqualificadas enquanto fonte de informação sobre os povos
colonizados, servindo no máximo para analisar as formasde representa-
ção dos próprios colonizadores.
O nosso esforçoserá exatamentesuperartal perspectivano estudo da
história da conquista colonial e resistência indígena no sul de Mato
Grosso. Pois, entre as fontes históricas estão verdadeiros relatos etno-
gráficos,que faziam parte do próprio processo de conquista colonial, o
qual vinculava a conquista ao conhecimento.4E essas fontesfornecem
elementos para percebermos as formasde organização social e política
indígena, bem como suas relações de interação com as forçascoloniais,
o que é um passo decisivo para a compreensão da dinâmica de domina-
ção, resistênciae formação do Estado-Nacional.
Além disso, nenhuma etnografiaé neutra em termosde descrição, e
até mesmo as etnografiasdos antropólogos eram condicionadas por re-
presentações das sociedades de origem dos antropólogos. Na realidade,
a tensão entre "descrição" e "representação" está sempre presente na
etnografia,devendo por isso ser sempre objeto de uma confrontação
crítica,uma vez que não existe apreensão neutra,que não seja mediada
por categorias de conhecimento culturalmente construídas.5A etno-
grafiaé por isso, no limite um texto,uma formade discurso, mas é no
contexto de sua produção que encontramos elementos para compreen-
dê-la também como uma formaespecíficade interação,de práticasocial,
que freqiientementeesteveassociada a processos de dominação, mas que
nem sempre se restringiua meras representaçõesnegativas dos povos
colonizados, uma vez que o próprio processo de dominação não opera
exclusivamentepor mecanismos de estigmatização.

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Assim, o pré-requisitoque legitima a utilização de certos géneros de


etnografiaé: o fornecimentode informações das instituições internas
de uma sociedade no seu contexto e a percepção não somente da
distintividadeem relação ao "nós" mas da diferenciaçãointernados "ou-
tros". É observando esse critérioque empregamos dois documentos em
especial, os quais podem ser considerados como relatosetnográficosso-
bre os povos indígenas do sul de Mato Grosso.

3. Conhecer e conquistar: os colonialismos e o sistema social


indígena do Chaco/Pantanal

Para entender a dinâmica da conquista colonial e resistênciaindígena


no sul de Mato Grosso, é preciso observar que certas forçassociais en-
traramem choque a partirdo século XVI. Isso porque os saberes histó-
ricos sobre os povos indígenas foramproduzidos em meio à confronta-
ção dessas forças.Elas eram o colonialismoespanhol,que estabelecido na
região de Assunção no Paraguai, pretendia avançar ao norte, passando
pelo sul de Mato Grosso; o colonialismoportuguêsque partia do litoral
brasileiro, especialmente de São Paulo, no sentido Oeste, para Mato
Grosso; e os povos indígenas,que ocupavam a região desde o período
pré-colonial e que disputavam o controle dos mesmos territórios.
O colonialismo espanhol se expandia a partirda Gidade de Assun-
ção, no Paraguai, e disputava vários territórioscom portuguesese povos
indígenas, como podemos ver pelo mapa da Figura 1.

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Figura1 - Mapa das disputasterritoriais


no MatoGrosso(Fonte:
do
Serviço EstadoMaior, ArquivoNacional)

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O mapa apresentaum resumo das disputas territoriaisentrePortugal


e Espanha na região sul de Mato Grosso. Uma ampla faixa territoriala
lestee oeste do rio Paraguai era ocupada pelos índios Guaicuru e Guana.
Podemos ver que essa mesma região era rota de confrontação dos colo-
nialismos espanhol e português,sendo visívelpelo número de reduções
jesuíticas e cidades espanholas e portuguesas que se sucederam entreos
séculos XVI e XIX.
A consolidação do colonialismo português se deu a partirde meados
do século XVIII. Em 1748 Mato Grosso foi desmembrado da Capita-
nia de São Paulo e, nesse ano, foi indicado seu primeiro Governador,
Antonio Rolim de Moura, que assumiu o cargo em janeiro de 1751,
permanecendo nele até 1764.
É nesse período que se acirram a tensões entre Portugal e Espanha,
por conta de suas disputas na América. Alguns dos principais indicado-
res dessa hostilidade foram as anulações dos tratados delimitadores de
fronteiras:oTratado de Madrid foi anulado em 1761; e em 1767 e 1777
foramfeitosnovos tratados,(Costa, 1999). A partirde então se acelera a
construção do Estado Colonial português, com a multiplicação das
fortificaçõesmilitares:na região sul do territóriofoi fundada em 1767
um presídio no Iguatemi; em 1775, o Forte de Coimbra; em 1778,
Vila Maria do Paraguai (hoje Cárceres); em 1778, a Povoação do
Albuquerque (onde está localizada a atual Corumbá). Ou seja, na se-
gunda metade do século, inicia-se uma ocupação efetivada região do
"Alto-Paraguai".
Um fato de fundamental importância para o processo da expansão
colonial na região é o "Tratado de Paz e Amizade", assinado pelos
Guaicuru com a Coroa Portuguesa em 1791, na cidade de Vila Bela.
Este tratado possibilitariaa criação dos fortese povoações em território
indígena de maneira que muitos grupos locais se estabelecessem nas
imediações das unidades militarese vilas. Anos antes o acordo com os

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Guaicuru foi fundamentalpara derrotaros Paiaguá e viabilizar o pro-


cesso de colonização mineradora portuguesa entreCuiabá e São Paulo.
A formação e multiplicação dos aldeamentos, a política dos presi-
dentes de província de tratarcom os "chefesindígenas" pela concessão
de presentese honrarias,a política de catequese e civilização, tudo isso
pôde se intensificargraças ao tratado com os Guaicuru, que passaram a
colaborar com os portuguesesna sua luta contra os espanhóis. De ime-
diato, tal política beneficiava também os Guaicuru, porém, à medida
que o processo de colonização avançava e as próprias estratégiasindíge-
nas se alteravam,tal colaboração revelava-sefatalpara o sistema indíge-
na e para a hegemonia Guaicuru.
Esse movimento de conquista colonial foi acompanhado diretamen-
te por um movimento de produção de saberes, conhecer era parte do
conquistar. O processo de produção de saberes sobre o mundo colonial
foi realizado diretamentepor agentes responsáveispela política de colo-
nização da região de fronteira.Alguns desses agentes produziram docu-
mentos etnográficossobre as instituiçõese cultura indígena, bem como
sobre as relações entre indígenas e forçascoloniais. Esses saberes desta-
cam exatamente a centralidade ocupada pelos povos indígenas e suas
ações políticas no processo de conquista colonial.
O mais importanterelatoetnográficodesse género foi produzido por
Ricardo Franco de Almeida Serraque escreveuo "Parecersobre o aldea-
mento dos índios Uaicurus e Guanas, com a descripção dos seus usos,
religião,estabilidade e costumes", publicada na Revistado InstitutoHis-
tóricoe GeográficoBrasileiro(vol. 7, 1845). A "Continuação do Parecer
sobre os índios Uaicurus e Guanas", foipublicada na mesma revista(vol.
13, 1850). Esse documento foi endereçado a Caetano Pinto de Miranda
Montenegro, governadorde Mato Grosso entre 1796 e 1803 e, poste-
riormente,senador e destacado político do Império.

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Ricardo de Almeida Serra nasceu em 1748, tendo ingressado em


1762 na Academia Militar da corte. Foi enviado para o Brasil para fazer
parte da Terceira Divisão da Demarcação dos Limites de acordo com o
Tratado de Santo Ildefonso de 1777. Destacado agente do processo de
demarcação das fronteirasentreos Impérios de Portugal e Espanha, foi
responsável pelo fortede Coimbra, nas margens do rio Paraguai. Che-
gou ao Mato Grosso em 1782 e conviveu cinco anos diretamentecom
os índios por ser o comandante do Forte de Coimbra, onde residiue foi
casado com uma índia Guana com quem teve dois filhos (Campestrini
& Guimarães, 2002, p. 48).
A atuação da comissão de demarcação de limites representouno pe-
ríodo colonial um primeiromovimento de fluxode cientistase técnicos
para a região, aumentando assim a produção de discursos científicos
sobre o sul de Mato Grosso e os povos indígenas ali localizados. Ao
mesmo tempo, visava-se instrumentalizaros homens de Estado na ela-
boração das suas táticas de expansão e dominação colonial.
O Parecersobre os índios Guaicuru Guana constituium documento
de sessenta e uma páginas que foi subdividido em diversos itens, con-
tendo, além de uma apresentação, os seguintestítulos: (1) Número dos
índios dependentes de Coimbra; (2) Divisão; (3) "Guana"; (4)
"Xamicoco"; (5) Bens e "Morada dos Uaicurus"; (6) "Soberba"; (7) Ves-
tidos e Ornatos; (8) Armas; (9) Casas; (10) Ocupações; (11) Casamen-
tos; (12) Mulheres; (13) Religião; (14) Padres ou Curandeiros; (15)
Guerra; (16) Cativos; (17) Língua; (18) Virtudes e Caráter; (19) Estabi-
lidade; (20) Conclusão; (21) Conservação e Utilidades; (22) Apêndice.
Esse documento fornecedescrições dos grupos indígenas e suas relações
com as agências dos colonialismos espanhol e português na região.
Ao acompanhar a estruturanarrativadessa etnografia,podemos re-
ter alguns dados sobre as relações políticas entreíndios e forçascoloni-

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ais, bem como sobre as diferenciaçõese contradições internas às pró-


prias sociedades indígenas. Vejamos alguns trechoscruciais desse texto:

Como me persuadi(...) terreconhecido nelesunicamente uma natural


e afetada
inconstância condescendência,prestando-se a quanto
lisonjeiros
selhesinsinua,massó naocultae firmeresoluçãode nada cumpriremque
seja a
contrário seusinveteradosusose presente sendo
interesse; o seuca-
ráterumarefinada dissimulaçãoe certadesconfiança, aindados mesmo
benefícios
que recebem,os quaismuitasvezesjulgamingratos, menosgra-
ça do que devida...(RicardoAlmeidaSerra)

Esse trechoinicial do relatóriomostracomo essa etnografiatinha uma


representaçãoespecífica dos índios, um metadiscurso acerca do caráter
inconstantee dissimulado dos povos indígenas. Mais adiante observare-
mos como essa representaçãopode servirpara a análise das dinâmicas
políticas e dos processos de poder. Ao mesmo tempo, essa representa-
ção do caráteré acompanhada de certa exaltação da habilidade política
dos índios, que emerge no discurso administrativopela categoria sober-
ba , que é complementada depois pela descrição do seu sistema político
e das relações dos índios Guaicuru não apenas com os demais povos
indígenas, mas também com portugueses e espanhóis. A descrição do
sistema político e da morada dos Guaicuru forneceminformaçõesim-
portantessobre as característicasinternasda organização social dos po-
vos indígenas:

O seusistema e aferro
político, a seusdadoscostumes e abusos,a suavida
errante
e libidinosa, ou simplese mútuas
as suaspoucasleisarbitrárias,
convenções,masregras fixascomque se regulam entresi tranquilamente
poruma tendêncianatural e herdadada tradição; horror
o que têmparao
trabalho,que consideram só própriode escravos
e incompatível comsua

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inatasoberba,
supondo-se e dominante
pelaprimeira naçãodeíndios;con-
tandotodasas outrasporsuascativeiras,não se julgandoinferiores aos
mesmosespanhóis e portugueses,
gabando-sediariamente de que,apesar
de sermosmuitobravos, nossouberam amansar; altiveze ne-
estaridícula
gaçãoao trabalho,lhesfazdesprezar que com
as fadigasda agricultura,
efeitonão precisamparaviveremlongosanos,robustos achando
e fartos,
e nosseusamplíssimos
no rioParaguai, camposa suasempre providadis-
pensa.(...) tudoenfim acumulaumaconfusão deidéiascontraditórias,
que,
parecendo entresi diametralmente constituem
opostas, o a
sistema, moral
e conservação de todoo corpodos Guaicuru,formidável às maisnações
indígenas do amplíssimo Paraguai,e aindamuitasvezesao mesmoportu-
guesese espanhóis, sobreos quaispordoisséculoscometeram repetidas
atrocidades, e quasesempre impunemente.
PortantoIllm.e Exm.Sr,não deixandode tocaremalgunsfatoscons-
tantesque as verificam, a expor,
passarei não quantomeparecenecessário
parase aldearem estes de
índios; talforma ea
que sejamúteisa agricultura
mineração, que achoa umestabelecimento
massimas dificuldades, fixoe
do qualse possamtiraras utilidades
constante, e as quais
que se esperam,
quando,pelanossamaislongacomunicação,
só o tempopoderáfacilitar
se adoçarem
os seuscostumese partedosestranhos princípioscomque se
se acasoissoserposa.(RicardoAlmeidaSerra)
governam,

Essas consideraçõesgeraissobre o sistemapolítico dos índios têm dois


elementos importantes:o autor identificaa existênciade uma profunda
alteridade étnico-cultural(negação do trabalho,organização segmentar,
sentimentode superioridade) que separa os índios dos portugueses;essa
alteridade impede sua utilização para finsdo empreendimentocolonial.
Nos itens referentesao casamento, ocupação e estabilidade são dadas
informaçõesimportantessobre o sistema político e a organização social
indígena, bem como os padrões de comportamento dos Guaicuru, com

-m -

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relação tanto aos demais povos indígenas quanto aos europeus aos quais
teriam "amansado". Enquanto povo, os Guaicuru se organizavam em
unidades segmentares,dispersasterritorialmente, praticavamo casamen-
to matrilocale apresentavamgrandemobilidade espacial. Não eram agri-
cultores,mas sim caçadores-coletores-guerreiros.
Essas relações entre os povos indígenas e as forças coloniais são
mais detalhadas nos itens referentesaos Guana e Xamacoco. Ele mos-
tra que:

Os Guanatambém sedividem emdiferentes tribos:e todaselas,apesarde


teremmaiornúmerode homensdo que os Guaicuru, se viram,parasua
conservação, naurgênciadecomprarem a paze amizadeaquelesseusopres-
sores;porqueos guaicuru, sempre errantes, e sempreatrozmente guerrei-
ros,fiados nos seuscavalos e conhecendo toda sua e
força superioridade
sobreas outrasnaçõesque não os têm,sempreflagelaram os Guanacom
umaguerra dediáriasemboscadas (...) A soberbae rivalidadedosGuaicuru
é tal,que se infunde nosmesmosGuanalogoque passama viver, ou nas-
cementreos altivosGuaicuru, tratando os outroscompúblicodesprezo, e
públicasuperioridade (...) chegandoalgunscapitãesGuaicuru,e ainda
aquelesmesmocujasmãese mulheres sempreforamGuana (...) a fazer
levantarda minhamesae a comer sentados nochãoa algumcapitãoGuana
que viamnela,e a dizerem-me que se eu comiaelesnão faziamo mesmo.
Os mesmosatentados comque os Guaicurureduziram e agregaram a si
os Guana,são semelhantemente os mesmoscomque têmreduzidoparte
dosXamacocos(...) AlémdosGuanae Xamacoco,existem aindaentreos
Guaicurualgunsde outrasdiversas nações,comoBororo,Caiapó,Chi-
quititoou Cauni,que habitamos riosque vertemparao rio Paraná...
(RicardoAlmeidaSerra)

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Os dados relatados por Ricardo Almeida Serra mostram a existência


de relações de dominação entre os próprios grupos indígenas. A desta-
cada relação de subordinação dos Guana aos Guaicuru era apenas parte
de um movimento mais geral de dominação destes últimos sobre o con-
junto dos povos indígenas que habitavam as margens do rio Paraguai.
Apesar das relações matrimoniaise de parentesco,os Guaicuru alimen-
tavam uma imagem de superioridade étnica em relação aos demais po-
vos indígenas e também frenteaos portuguesese espanhóis.
Essa relação de dominação existenteentre os Guaicuru e os Guana
não ficou imune aos efeitosdo processo de conquista colonial, de ma-
neira que a presença portuguesa fez com que os Guaicuru mudassem
em certos aspectos essa relação, buscando revitalizara aliança política
com os Guana, que começavam a estabelecerrelações comerciais e polí-
ticas mais estreitascom os portugueses:

Porém, vendoos Guaicuruque no ditoano foram doisGuanaa Vila-Bela


falara V. ex. e o capitãoAyresPintoe outroGuanáà Vila Maria,para
ondepresumiam queriamse mudaros Guana,desdeessaépocamudaram
os Guaicurude modose estilos, chamandoos Guanade amigose paren-
tes,convidando-osparasuasfestas,e mesmoparaminhamesa,temendo
estamudança;porquenelaperdiam mulheres,partede seusustentoe suas
forças,
pelosconvidarem sempre para suasexpediçõesbélicas;como que,
e comestenovoe maisigualmodode tratamento setemconformado mais
os Guanacom os seusantigose aindaatuaisopressores, que de vez em
quando lhesnão deixamde fazersuasviolências,
e de os chamarsempre
seuscativeiros.
(RicardoAlmeidaSerra)

A presença de forçascoloniais portuguesasmodificou a relação de for-


ças e induziu, em alguma medida, a alteraçõesnas relaçõesentreos Guana
e Guaicuru. Os Guana assim ao mesmo tempo em que eram cortejados

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pelos portugueses,passaram a teruma posição melhor na relação de ali-


ança-subordinaçãoaos Guaicuru. Essa situação complexa, de inserçãoem
subordinações e lealdades diferenciadas,dava margema táticasde mani-
pulação política empregadas pelos indígenas. Essas ações foramretrata-
das por Ricardo de Almeida Serra como inerentesao caráterdo índio.
Outro aspecto decisivo das relações entre índios e forças coloniais,
diz respeito às táticas de luta e resistênciaadotadas pelos indígenas. A
habilidade política dos índios seria traduzida no item "virtude e cará-
ter", em que se apresentam os elementos da "instabilidade" dos índios
Guaicurus: entreos fatoresestão a "dissimulação" e a facilidadecom que
trocavam a aliança dos "portugueses pela dos espanhóis" e vice-versa;
essa dissimulação se dava pelo uso de mentiras ou subterfúgioscomo
não dizer nunca a direção corretade uma viagem ou mesmo não revelar
o objetivo de alguma atividade realizada. Além disso, a "fuga"dos índi-
os após serem recrutadoscomo militaresou trabalhadorese conviverem
dentro dos fortese presídios portugueses era outro dispositivo descrito
como parte da habilidade e instabilidade dos índios.

(...) Ficandoaquio capitãoGuana,detestando a retiradadosdoise a vaci-


lanteinconstância dos maisCadiue-os[Kadiwéu]que ficavam, afirman-
do-meque,se algunsdelesseausentavam, que os embaraçasse (...) Enfim,
estesolapadobárbaro que nem de noite
nem de dia me deixava, e prome-
tiairconvidar os seusparentes,pedindotodosos diasalgumacoisa,ainda
em 10 do presente mêsde janeiromepediuvariasbagatelas e umporcoe
dando-lhe tudoe os maistrastesque guardava no meuquartel, tudolevou
essanoiteocultamente deleparao seurancho, e embarcando de madruga-
da a títuloque ia à pescado jacaré,fugiue se ausentoutãoingrato como
infiel, levandoemsuacompanhia outromonstro de ingratidão no Guana
LuizManoel(...) que todosestimávamos muito,amboselesem umaca-
noa fugiram semmaismotivoque sua inconstância levando-me
natural,

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aindaa roupaque acharamà mão no meuquartel,ondeviviame entra-


vamcomoemsuacasa.(RicardoAlmeidaSerra)

Assim, o item referenteà instabilidade e caráterterminapor compor


o quadro das relações entre índios e portugueses,mostrando que exis-
tiam profundas contradições e interessesvariados, que resultavam em
ações diversificadasda parte dos índios. A fuga dos Guana expressa o
tipo de estratégiae relação dos índios: buscavam mantero acesso a bens
e recursos materiais,freqüentementea informaçõessobre os militares,
para venderem aos adversáriossem, entretanto,se submeteremao regi-
me de trabalho e à fixação que se queria impor a eles. Os índios tinham
uma relação completamenteinstrumentalcom os portuguesesnesse mo-
mento histórico específico.
Observando o relato etnográficode Ricardo Almeida em seu con-
junto podemos notar nele a combinação entre a descriçãode práticas e
formasorganização indígena com a representação que os agentes coloni-
ais faziam dos índios. A imagem da "inconstância natural do caráterdos
índios" é o que melhor sintetizaessa representação.Mas sob essa repre-
sentação, que margeia o estigma, existe a descrição de práticas e táticas
de ação dos índios que, devidamente contextualizadas,ajudam na com-
preensão na dinâmica das relações interétnicasdo início do século XIX.
O que o relato permiteinferirsobre esse contexto histórico em primei-
ro lugar é que ele corresponde a um esforçode pacificação empreendi-
do pelos portuguesespor meio do qual buscava-se fixaros índios ao ter-
ritórioe incorporá-los à economia colonial portuguesa.
O relato surge exatamente na seqiiência do Tratado de Paz formado
entre Portugal e os Guaicuru. Esse Tratado representavaentão a fina-
lização da Guerra, mas não do conflito.Assim, estando nesse momento
a guerraaberta afastada das intenções de portuguesese Guaicuru, toma-
ram lugar entre os índios as técnicas de resistênciacotidiana, as quais

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procuravam sobrevivernum contexto em que um novo poder havia se


instituído. O que a representaçãocolonial estigmatizavacomo caráter
dos índios, na realidade eram estratégiaspolíticas de resistênciaque al-
cançaram destaque em razão da conjuntura histórica singular. Existia
um conjunto diversificadode "Técnicas Indígenas" das quais destaca-
mos as seguintes: (1) Dissimulação; (2) Fuga; (3) Recusa ao Trabalho;
(4) Sabotagem; (5) Deserção; (6) Correrias (assaltos aos campos inimi-
gos). Podemos falarde formascotidianas de resistênciaporque os índios
a empregavamfreqiientementepara se recusara serviraos objetivos co-
loniais (a submissão desses ao trabalho, a agricultura,padrões de casa-
mento, habitação etc.). A representaçãocolonial da inconstância do ca-
ráter indígena na realidade pode ser interpretada como formas de
resistênciacotidiana emergentenuma situação em que a relação de for-
ças entre os índios e as forçascoloniais portuguesas começavam a pen-
der favoravelmentepara as últimas.
Outro aspecto decisivo desse momento histórico é que nele se con-
solidou o processo de formação do Estado português na região. A pro-
dução de saberes científicos e administrativos sobre os índios nesse
sentido fazia parte do movimento global de conquista. Para consoli-
dar o domínio, era preciso compreender o funcionamentodas socieda-
des indígenas.
Nesse momento, a autonomia e a alteridade étnico-culturaldos po-
vos indígenas foi transformadaem problema de Estado. Para realizar
o aldeamento dos índios e garantirsua utilização era preciso modificar
os seus costumes. Vejamos o relato do governador da Província de
Mato Grosso:

A maiordificuldade
que eu encontro
é a do localemquevivementrepor-
e espanhóis,
tugueses que,à porfia
pretendem atraí-los
paraa suaamizade,
e elesmanejando
estascontrárias
pretensões combastante por
sagacidade,

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estemeio,alcançamo que queremde unse de outros,semtrabalho nem


sujeição.Aplainea nossacorteestadificuldade,
de sortequeelessó fiquem
dependentes de nós,e logo,Vmceexperimentará umagrandemudança,
assimcomomaisabatidoo seuorgulho, ou soberba,a qualempartepro-
'
cededo modocomopresentemente são tratados,
e outraparteda possee
usode seuscavalos.(CaetanoPintodeMirandaMontenegro , Cuiabá, 5 de
abrilde 1803,Cartaao Tenente CoronelRicardoFrancodeAlmeidaSerra)

As palavras do então Governador da Província de Mato Grosso reve-


lam exatamenteque, no início do século XIX, os índios que integravam
o sistema social do Chaco sabiam manipular também as contradições
imperiais. Mas o conhecimento e o reconhecimento da supremacia
Guaicuru era pré-condição de sua conquista. O objetivo do Estado co-
lonial era criarcondições para que os índios "ficassemdependentes" so-
mente do Estado português.
O relato etnográficoentão nos informa ao mesmo tempo sobre as
característicasda organização social indígena, seus conflitose diferen-
ciações internas e também sobre as relações de conflito e colaboração
com as forças e agentes coloniais. A própria etnografiafazia parte do
movimento de conhecer que estava associado ao de conquistar.

4. A estratégia da conquista: alianças , correrias e bandeiras

Os relatos produzidos por militares como Ricardo Almeida Serra no


início do século XIX não foramos últimos. Se o relato acima analisado
constitui uma etnografiados povos indígenas, especialmente Guaicuru,
e das relações interétnicas,outros documentos apresentamtambém da-
dos de teor etnográfico.Na realidade, o movimento de "conhecer para
conquistar" se consolidou logo após o Tratado de Paz de 1791. Assim,

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algumas expedições foramrealizadas com vistasà produção de informa-


ções sobre a ampla fronteirade Mato Grosso, com as quais pretendia-se
subsidiar as políticas de Estado.
Outro relato importanteseria dado por Luiz D'Laincourt. Dos do-
cumentos legados por esse processo de produção, o "Resumo das Ex-
plorações feitaspelo Engenheiro Luiz D'Laincourt desde o Registrode
Camapuã até a Cidade de Cuyabá", 1824 {Revistado IHGB , vol. 20,
1857) e "Reflexõessobre o Systemade defesa que adoptar na Fronteira
do Paraguay em Consequência da Revolta e dos Insultos Praticados Ul-
timamentepela Nação dos índios Guaicuru ou Cavalleiros", 1826 {Re-
vistado IHGB , vol. 20, 1857) constituem relatosfundamentais.
Luiz D'Alincourt foi um militare pesquisador português, radicado
no Brasil. Foi oficial do Real Corpo de Engenheiros. Mudou-se para o
Rio de Janeirono ano de 1809, onde concluiu o curso da antiga Acade-
mia Militar do Rio de Janeiro.Participou de numerosas e importantes
comissões militaresna Bahia (1816), Pernambuco (1818) e em Mato
Grosso (1822-1830). Esses relatosnão visavam descrevera organização
social dos povos indígenas em detalhe, mas fazerum levantamentoesta-
tístico das populações territóriosde Mato Grosso. Todavia, sua descri-
ção não apenas atualiza informaçõessobre as relações interétnicas,mas
também delineia como os saberes sobre os povos indígenas produzidos
pelos militarese pesquisadores apontavam para uma determinadaestra-
tégia de dominação que reproduziaa lógica fundamentaldo dividirpara
conquistar. Entretanto,essa estratégiademandava certo conhecimento
das tradições culturaisindígenas, bem como a manipulação das contra-
dições e dos conflitosinternosde sua organização social.
Podemos dizer que o relatode D'Alincourt é equivalente ao discurso
de um informante;um ator social que operava por meio de categorias
que compunham o universoque ao mesmo tempo descreviae interpre-

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tava. Suas informaçõesajudam na composição do quadro geral da dinâ-


mica das relações interétnicase do processo de dominação/resistência.
Nas explorações de 1824-1826 feitaspor D'Alincourt para o Minis-
tério do Estado e de Assuntos de Guerra, vemos que existem menções
aos aldeamentos já existentes,e que estes cumpriam uma importante
tarefana segurança das fronteiras:

Poucoabaixoda confluência do rioMondego,e não longeda margem


orientaldo Paraguai, existea aldeiada Misericórdia,ondeo Padrebar-
badinhoFreiJoséMariada Macerata, hojepreladoda província, ia com
diminutos meiosfazendoprogressos rápidosentreos índiosGuanaque
formam a ditaaldeia,catequizando-os paraa nossaSantaReligião, usose
costumes;e eu vi que muitos mancebos já sabiam1ere escrever
desemba-
a
raçadamente;populaçãochegahoje a 1.300 índios.Estaaldeia,situada
em terreno fértil
e desafogado é muiútilparaa fronteira.(D'Alincourt,
1825 [1857],p. 343)

No esforço de descrevera fronteirae os pontos estratégicosda mes-


ma, o engenheiroindica os aldeamentos Guana. Tais aldeamentos passa-
ram a ser objeto de profunda atenção por parte dos militaresdo Estado,
e a vontade delineada ainda no finaldo século XVIII de usar esses índios
para a segurança da fronteirae para o comércio foi se consolidando.
Mas é no documento intitulado "Reflexões sobre o Systema de
Defesa" que vemos mais claramentese delinear uma política deliberada
tanto no sentido de "destruir"a base económico-política das relações de
subordinação e aliança Guana-Guaicuru quanto no de exploraras con-
tradições e rivalidades entreos próprios grupos indígenas:^

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Desde 1725nosfizeramestesindiosestragos
lamentáveis,
chegandoatéas
destacidade;e apesardas expedições
vizinhanças que man-
dispendiosas
damoscontraeles,e da fundação do Presídiode Coimbra,mesmoà vista
delenosassassinaram 45 homens, e nostraziam emcontínuodesassosse-
go.Estasrazõesponderosas obrigaramo governo da Provínciaa buscaros
meiosmaisefficazespara atraí-los
a nossaamizade; desdeo annode
e só
1791,em que istose conseguiu, porum tratadofeitoe executado com
grandepompae solenidade", comos principaiscapitãesGuaicurus,na ca-
é que pudemosrespirar,
pitalda província, atéos funestose tristíssimos
sucessosda presenteépoca,que nos o
patenteiamperigo eminente a que
estão sujeitosos nossos estabelecimentos do Paraguai,Mondego e
Camapuã.(D'Alincourt, 1826 [1857],p. 361)

A análise histórica do Engenheiro revela que a paz firmada pelo


Tratado de 1791 era apenas relativa,e que ações guerreirasdos Guai-
curu eram ainda freqiientes.Assim os índios manipulavam a tática da
guerrade resistênciae das alianças que eram rompidas, o que perdurou
ao longo de todo o século XIX. Assim, as relações dos colonialismos
(espanhol e português) com os Guaicuru e demais índios oscilavam
rapidamente da guerraà aliança política e comercial. A guerrade resis-
tência e revoltapoderia ser movida pelos Guaicuru contra os espanhóis
com o apoio dos portugueses ou contra os portugueses com o apoio
dos espanhóis.
Essa práticados índios conduziu os portuguesesà formulaçãode uma
estratégiafundada na lógica do "dividirpara governar",que visava que-
braras bases da resistênciaindígena na região. Desta maneira, o sargen-
to concebeu que: "Em consequência, julgo dever-se sustentara defesa
da fronteira,por um método mais político do que guerreiro,o que até
nos dá tempo de chegarem as imperiais ordens, em virtude das partici-
pações do Governo". (D'Alincourt, op. cit.).

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Neste sentido, ele apresenta algumas recomendações para a condu-


ção da política imperial na região:

Tratam-se commelhorfée urbanidade os índiosGuanadas diversas tri-


bos e aldeias,e os Guaxis,que tiverem permanecido no nossopartido,
mimoseando-se os seusprincipais
chefes, e louvando-se a suaConstância e
fidelidade à amizade,e bomagasalho,que nosdevem;desafiando-se por
estemodo,a emulaçãonosíndiosque setiverem voltadocontranós,abra-
çandoo Partidodos Guaicuru.Comprem-se mantimentos portodasas
aldeias,introduzindo-se no pagamento algumgénerode luxo,paraque os
índiosse acostumem a gostardele;o que nostraráas vantagens seguintes;
provimentos necessários paraasguarnições, conduzirem-se os índiosa pra-
ticarem plantações maisavultadas,
vendoprontoo lucrode seutrabalho, e
arraigarem-se nossítiosde suahabitação.
Procure-se persuadir portodosos modose maneiras aos Guanadas al-
deiasabandonadas, que devemtornar a elas,e à nossaamizade,fazendo-se
lheslembrar-se do quejá sofreram da máfée orgulhodosGuaicuru, e do
motivoporque não se devemfiarneles,e cairna nossaindignação.
Busquem-se meiosde fazerchegarao conhecimento dos capitãesGuai-
o
curu,que ressentimento do governoda província é somentecontrao
principal deles(...) Destasorte,semeando a divisãoentre aqueleschefes,
obteremos o meiomaissegurode chegaraos finsque melhorconvêmàs
nossascircunstancias. (D'Alincourt,op.cit.,p. 363)

Aqui a junção entresaber e poder é explícita. Os dados geográficose


etnográficosacumulados nesse período inicial do século XIX são em-
pregados na formulação de uma estratégiade conquista e expansão do
Estado-Nacional. O conhecimento detalhado das relações e contradi-
ções Guaicuru-Guaná seria usado nesse movimento de expansão e con-
solidação do colonialismo português.

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Essa conquista foi materializada ao longo do século XIX por uma


série de políticas diferenciadas.A combinação dessas políticas se deu a
partirde meados do século XIX, e visava destruiras relações de aliança e
subordinação Guaicuru-Guana por meio da fixação dos índios em
aldeamentos, eliminando a alteridade étnico-cultural e a autonomia
política indígena. As ações concretas nesse sentido foram a criação dos
aldeamentos e da diretoriade índios.
Essa dinâmica e essas relações perduraramaté a guerrado Paraguai,
caracterizando as formas das relações interétnicase do Estado com os
índios. A política colonial ao longo de todo século seria estruturadasob
a combinação dessas políticas da parte do Estado:

A catequesemissionária,
temabásicoda retórica
dos presidentes
de pro-
vínciade MatoGrosso,foidifundida
veementemente comoo modeloque
viriaa solucionar
os grandesproblemas da re-
causadospelosindígenas
gião.No entanto, contextualizando-ano quadrogeralda políticaindige-
nistado séculoXIX,notoque elafoiextremamente Como
insignificante.
saldogeral,o que maisseconstatou foia perseguição
armadae a repressão
a todosos gruposindígenas(...) O termobandeirafoiusadopelospresi-
dentesde provínciade MatoGrossoparadefinir basicamentedoistiposde
expediçõespunitivas.(Vasconcelos,1999)

Ao analisarmos as fontes históricas e os dados etnográficosem seu


conjunto, vemos que eles apontam para a existência de uma situação
histórica em que as atividades de resistênciacotidiana coexistiam com
guerrasindígenas. Podemos falarde uma pluralidade de formasde do-
minação, colaboração e resistência,que podiam se combinar ou se al-
ternarno tempo e no espaço. A dinâmica da política imperial para os
índios por sua vez oscilava entre as alianças comerciais e a política de

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aldeamento, catequese e civilização, até a repressão,o uso da violência,


de acordo com a classificação em "índios bravos e mansos". O léxico
político denominava as ações violentas dos índios de "correrias"e as ex-
pedições punitivas de "bandeiras". Assim, a política do Império para os
índios se movia entre as "correrias,bandeiras, catequese e civilização".
São essas formas de luta e interação que é preciso compreender para
entendercomo a conquista colonial se tornou possível naquele contexto.
Nesse contexto históriconão havia somente uma oposição "domina-
ção/resistência"que se colocava, mas sim uma complexa triangulação
entre diferentespossibilidades de aliança, guerra e repressão.E foi gra-
ças a essa complexidade política que a dominação colonial e a formação
do Estado-Nacional se tornaram possíveis. É importante lembrar que
os Guaicuru sabiam também manipular a colaboração de portuguesese
espanhóis, e que esta sua política foi eficaz nas primeirasfasesda coloni-
zação; entretanto,foram as contradições internas nas suas relações de
dominação com outros povos indígenas que, exploradas pelos portu-
gueses, fizerampender a balança em favordo colonialismo português.
Como discutiremosadiante, a complexidade das relações interétnicas
e a organização social indígena, as quais se tornaramobjeto de conheci-
mento e alvo de estratégiasde poder, foramretratadasnos dados etno-
gráficoscontidos nos documentos históricos.E é justamente esse regis-
tro que pode nos ajudar a traçaralgumas formasde análise da história
indígena, seja auxiliando na criticada análise etnológica e alguns de seus
postulados, seja mostrando como os povos indígenas foramsujeitos de-
cisivos do processo de conquista colonial e construção do Estado-Nacio-
nal. Devemos então agora, antes de avançar na análise histórica,inter-
pretarcriticamenteas leiturasda etnologia brasileiraa fim de fixarmos
alguns parâmetrosteóricose históricosnecessáriosa análise subseqiiente.

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5. A etnologia brasileira e a interpretação da


história indígena: agência e poder na sociedade colonial

A descrição dos dados e dos discursos etnográficoscontidos nas fontes


históricasdeve agora ser confrontadacom os dados e análises presentes
na literaturaletnológica brasileira sobre as relações interétnicas,pois
dessa maneira poderemos fixarde formamais precisa alguns elementos
teóricos acerca da históriae da resistênciaindígena.
A etnologia brasileirainterpretoua históriadas relações interétnicas
da região sul de Mato Grosso com base nos pressupostos da teoria da
aculturação e assimilação (mesmo que os assumissem criticamente).
Autores como Kalervo Oberg, Fernando AltenfelderSilva e Roberto
Cardoso de Oliveira empregaram, de diferentesmaneiras, a oposição
moderno/tradicionalpara analisar a história indígena, entendendo que
a cultura tradicional corresponderiaa um momento histórico determi-
nado, sendo transformadapor meio do processo de modernização que
implicou na aculturação das sociedades indígenas (ver Oberg, 1948a e
Silva, 1949). Cardoso de Oliveira afirmaque: "A históriados Terena, ao
menos em sua fase que podemos chamar moderna, é a históriada ocu-
pação brasileirano sul de Mato Grosso." (Oliveira, 1968, p. 40).
A essa análise, era subjacente toda uma estruturanarrativae episte-
mológica. Os estudos partiam de etnografiasde grupos indígenas rema-
nescentes do processo de colonização, especialmente os Terena e os
Kadiwéu. Nas suas descrições e interpretações,tais estudos baseavam-se
no pressuposto de que existia uma situação de isolamento dos grupos
em relação à sociedade colonial e mesmo entresi (no máximo, formula-
ram a perspectiva de uma relação de tipo simbiótica entre Guaná e
Guaicuru, mas sem dimensionar a importância da mesma para a estru-
tura social e a históriado processo de colonização). Segundo essa abor-
dagem, a partirdo momento em que os índios estabeleceram relações

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com a sociedade nacional, iniciou-se um processo de aculturação e assi-


milação. Uma das características(política e epistemológica) principais
dessa análise é a suposição de que as sociedades indígenas eram um pólo
determinado das relações interétnicas,sendo o centrodinâmico a socie-
dade colonial ou nacional. Para Oberg, por exemplo, o processo de
aculturação e desorganização provocado pelo contato interétnicosó não
levou à total destruição dos grupos indígenas do sul de Mato Grosso
por conta da intervençãodo Estado atravésdo SPI (Oberg, 1948).
A etnologia brasileira compartilhou em maior ou menor grau, de
formamais ou menos explícita, teses presentesno discurso administra-
tivo do Estado, especialmente do indigenismo.Tal formulação está pre-
sente também na forma como Darcy Ribeiro interpretaa história in-
dígena e o declínio dos Guaicuru, analisada no início deste texto.
De maneira geral,predomina na interpretaçãoetnológica uma visão da
históriaindígena com traços românticos e fatalistas,na realidade, os ín-
dios aparecem quase sempre como não-sujeitos. De acordo com tal vi-
são, que parte do pressuposto teórico do isolamento e da pureza origi-
nal, as relações interétnicassão formasde desorganização, aculturação e
assimilação. A história indígena seria assim determinada, por essa rela-
ção, na qual figuramcomo não-sujeitos, apenas objetos de políticas de
dominação que levam a mudanças socioculturais,interrompidassomen-
te pela ação do próprio Estado.
É preciso então fazer uma análise crítica da etnologia brasileira,e
nesse sentido, a etnografiados índios do século XVIII e os dados etno-
gráficosdas pesquisas do século XIX são decisivos para uma confronta-
ção. A idéia de tentarconstruiruma etnografiahistórica,nesse sentido,
pode servircomo contrapontoimportantena redefiniçãodos parâmetros
de análise. Os dados etnográficoscontidos principalmenteno relato de
Ricardo Almeida Serra, mas também em diversos outros documentos,
nos permitemrealizaroutra análise da históriaindígena.

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Esses documentos mostram exatamente as contradições internase a


complexidade do processo de organização social e resistênciaindígena.
É a categoria "soberba" que aparece no discurso administrativo que
melhor expressae sinaliza para certas característicassociais das relações
entre sociedades indígenas e forçascoloniais no final do século XVIII.
Na etnografiade Ricardo Almeida Serra,a soberba é um item à parte na
sua descrição dos Guaicuru. Na realidade, sob esse conceito surgem re-
presentações do mundo colonial, bem como descrições das formasde
organização e concepção indígena. Segundo o militar português, os
Guaicuru se recusavam ao trabalho manual (mineração, agricultura),
reivindicavamtratamentodiferenciadoe se consideravamsuperioresaos
portugueses e espanhóis, tratando os povos indígenas por eles subjuga-
dos de modo discriminatório.Os demais índios eram para os Guaicuru
meros "cativos".
Na realidade, essa categoria apreende e expressa a condição domi-
nante dos Guaicuru no interiorda região sul de Mato Grosso, que se
traduzia na auto-imagem que o grupo fazia de si mesmo. Expressa tam-
bém a posição dominante desses índios em face de outros grupos sociais,
os quais forneciamuma série de condições para a reprodução social dos
Guaicuru como grupo étnico. A soberba indicava a profundidade do
contrasteentre,de um lado, os "usos e costumes" dos Guaicuru, emble-
máticos do sistema autóctone, e de outro, não apenas os padrões dos
colonizadores, mas também as formas de poder e capacidade política
desses índios, que combinavam formasde ação guerreiracom táticas de
resistênciacotidiana para manter o seu poder e autonomia.
Um dos elementos principais que essa categoria sinaliza é a existên-
cia de um sistema de relações sociais entreos povos indígenas da região
sul de Mato Grosso.
A relação de subordinação e aliança dos Guana com os Guaicuru for-
mou-se sobre as demandas político-culturáisindígenas em meio ao pro-

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cesso de transformaçãodas relações no Chaco/Pantanal por conta do


processo de colonização. Esta aliança permitiu, no plano da organiza-
ção social e económica (assim como adoção do complexo "cavalo-aço"
no plano da estratégiamilitare dos modos de ação guerreira)o estabele-
cimento da supremacia Guaicuru naquela região.
Mas a interdependência não se esgota na relação Guaicuru-Guana,
já que outros grupos existentes(Guarani, Xamacoco) eram fundamen-
tais para que este tipo de relação se estabelecesse. Outros povos indíge-
nas eram frequentementeatacados pelos Guaicuru (eventualmentecom
apoio dos Guana), como os Guaxi, os Guatò e os Xamacoco que quan-
do vencidos em guerrastinham seus membros transformadosem "cati-
vos" (Oliveira, 1968, p. 33). A categoria cativo ou cativeiro,que surge
no discurso indígena tal como descritopor Ricardo Almeida Serra,apre-
sentava um duplo sentido: interno e externo. Internamente,designava
indivíduos ou mesmo células familiaresraptadasou trocadaspelos Guai-
curu, e que tinham uma profunda importância na organização social
indígena. Externamente,expressavaa própria relação de subordinação e
aliança dos Guaicuru com os Guaná e de mais povos como Xamacoco,
uma vez que esses eram obrigados a pagarem tributose prestarserviços
aos Guaicuru, especialmente através da agricultura.Essa relação com-
plexa e contraditóriade aliança e subordinação entreos povos indígenas
constituía as bases sociais fundamentaisdo próprio sistema social indí-
gena que, por isso mesmo, se transformounum obstáculo ao processo
de colonização e formação do Estado-Nacional. Foi essa complexa rela-
ção que se tornou alvo de políticas de conquista e fragmentação,como
vimos pela análise dos dados dos relatóriosmilitaresdo século XIX.
É por esse motivo que não devemos trataros povos indígenas com
unidades isoladas e sua história como a história de processo paulatino
de encapsulamento e aculturação. Como afirma Guillaume Boceara,
processos de mestiçagem e resistência

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(...) obligael etnohistoriadora abandonar los análisisen términosde so-


ciedadesprimitivas aisladasylo conducea considerar el sistema
de relacio-
nesy las complementariedades entrelas distintasunidades.Inducesu
investigación haciaun micro-análisisque privilegiala reconstrucciónde
lasredesdealianzasegocentradas porsobrelosgrandes rótulosquetienden
a postular
la existencia
de macrounidades
étnicas(Boccara,2005,p. 5)

Nesse sentido, os dados etnográficosaqui utilizados apontam exata-


mente para conformação de um sistemasocial indígena (que denomina-
mos sistema do "Chaco/Pantanal"6). Esse sistema era caracterizadotan-
to pela resistênciaem relação às forçascoloniais como pelas formasde
dominação exercidaspor grupos indígenas uns sobre os outros, grupos
estes que se valiam das suas relações e interação com as agências coloni-
ais para fortaleceremsuas posições dominantes. Não podemos perderde
vista então o elemento internode dominação presenteneste sistema.
Os Guana e Guaicuru não constituíam grupos isolados, com uma
existênciaparalela a outros grupos isolados, mas faziam parte de um sis-
tema social indígena, que só pode ser compreendido à luz das relações
entre os diversos grupos indígenas e em interação com as unidades lo-
cais do sistema mundial - os colonialismos espanhol e português.
A categoria soberba sintetizatambém certascondições históricasque
levaram a uma estratégiade dominação baseada na busca pelas alianças
com os povos indígenas: a forçapolítica e militardos Guaicuru obrigou
o Império português a adotar uma política diferenciadade tratamento
dos índios. O fato do único tratado assinado entre índios e o governo
portuguêsser exatamenteaquele firmadocom os Guaicuru, mostraque
a conquista colonial de Mato Grosso exigiu que o colonialismo levasse a
política de alianças com os indígenas a seu extremo.A aliança forma-
lizada por meio de um Tratadotem um significadohistóricomuito par-
ticular,já que essa é uma categoria jurídica aplicada nas relações inter-

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nacionais para designar acordos comerciais e de paz entre nações reco-


nhecidamente soberanas. Só nações soberanas firmamtal pacto políti-
co. Esse reconhecimento formal pela Coroa portuguesa do domínio
Guaicuru teve como antecedentes históricos as guerras movidas pelos
índios e, como desdobramento, a realização de escaramuças contra o
portugueses e a disseminação de práticas de resistência cotidiana,
registradasno discurso colonial como instabilidadedo caráterindígena.
Assim, a etnografiahistóricanos permitevisualizar toda a complexi-
dade das relações interétnicas,e como as formas de dominação, resis-
tência e colaboração política dos índios com as forças coloniais foram
estratégicaspara o processo de formação do Estado-Nacional. Para o
Império português,não era possível expandir sua conquista sem contar
com a aliança com os povos indígenas. Ao mesmo tempo, eles adota-
ram uma política de fragmentaçãoprogressivado sistema social e das
relações de aliança e subordinação entre as próprias sociedades indíge-
nas. A política do dividirpara conquistar foi adotada pelos portugueses
no início do século XX como resposta a resistênciamilitare cotidiana
dos índios Guaicuru.
A resistênciados Guaicuru era baseada fundamentalmentenas rela-
ções concretas estabelecidas entreos diferentesgrupos indígenas dentro
do sistema social do Chaco/Pantanal. A relação de aliança e dominação
dos Guaicuru com os Guana possibilitou a existênciade uma resistência
indigena à expansão colonial e, ao mesmo tempo, suas contradições in-
ternas(a dominação e exploração Guaicuru dos seus cativos,os saques e
expedições que impunham e o profundo etnocentrismoque marcava
estas relações) criaram condições para fragmentaçãodo sistema social
indígena, eliminando os obstáculos à consolidação do colonialismo por-
tuguês e à conquista definitivade Mato Grosso. Poderíamos dizer que
as relações que viabilizaram a resistênciaindígena aos colonialismos es-
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panhol e portuguêsforamtambém as que possibilitaram em razão das

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suas contradições internas- a própria expansão colonial, quando o Es-


tado e seus agentes passaram a formularnovas estratégiasde interven-
ção político-militarna região.
Nesse sentido, a formação do Estado-Nacional e a incorporação dos
territóriosda região sul de Mato Grosso supunham as relações comple-
xas e contraditóriasentresociedades indígenas e forçascoloniais. Pode-
mos falarde trêsgéneros distintosde relação entreos grupos indígenas
e os colonialismos (português e espanhol). As relações de aliança/cola-
e guerra/repressão,
boração; as relações de guerra/resistência cada qual
ilustrada por diferentesgéneros de discurso político-jurídico e maqui-
nário político-administrativo.De um lado, existiam as ações guerreiras
retratadasno léxico imperial regional como "Correrias"- indicando as
ações violentas dos índios contra as agências coloniais (fazendas,unida-
des militarese os próprios colonos); de outro lado existiam as "Ban-
deiras" - assumiam o caráterde expedições punitivas contra os índios,
movidas tanto pelo Estado quanto pela sociedade - colonos pobres e
fazendeiros,às vezes com o apoio do Estado, às vezes sem este apoio, e
às vezes com o apoio de certosgrupos indígenas (verVasconcelos, 1999);
"as Alianças" (da qual o tratado de 1791 é apenas uma formahistórica
singular,porém emblemática), foramuma formaimportantede estabe-
lecer relações de colaboração política entreos povos indígenas e as insti-
tuições/agênciascoloniais-estatais,como as unidades militarese admi-
nistrativas,e também de estabelecer relações comerciais e económicas
que garantissema exploração dos territórios;a política de "aldeamento,
catequese e civilização". A política de colaboração (que se alternavacom
a política de guerrae resistênciacotidiana que estava diretamenteligada
a ela, já que esta colaboração era mais importante pelos antecedentes
históricos da resistênciaGuaicuru e pela disputa com o colonialismo
espanhol) é que viabilizou a criação das condições para o domínio por-
tuguês na região.

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Mas tanto nas formasde colaboração quanto de resistênciacotidiana


e militar,o que devemos observaré que sem considerarmosas socieda-
des indígenas como sujeitos históricos dotados de agência, não conse-
guimos visualizar adequadamente nem sua complexidade e diferencia-
ção interna,nem sua capacidade política criativade estabelecerpadrões
de relacionamento com as sociedades nacionais e forçasde colonização.
E essa capacidade de criarrelações políticas e de agência não podem ser
resumida as formasde resistência,mas devem ser colocadas no quadro
geral das relações sociais de subordinação e controle,e das contradições
sociais. Os índios não eram sujeitos apenas porque resistiamà coloniza-
ção, mas também pelo próprio processo de sujeição e da sujeição do
conjunto dos povos indígenas. Eles não são vítimas da história nem
tampouco não-sujeitos, mas protagonistasque inventam,criam, são di-
ferenciados internamente- por formas de organização segmentar- e
que têm estratégiasmultifacetadas,às vezes contraditórias.É por isso
que o olhar etnográficoé um elemento decisivo para a reconstruçãoda
história indígena a partirde outras referênciasteóricas.
Neste sentido, podemos afirmarque a análise da dinâmica resistên-
cia/dominação tem de levar em consideração necessariamenteas con-
tradiçõesinternasao sistemasocial indígena, as diferentesestratégiasque
cada unidade de ação política indígena (conjuntos de ação segmentares)
poderiam estabelecer,indo de "correrias"até "alianças", e por outro lado
também as políticas das agências coloniais, que iam das "alianças" até as
"bandeiras". Cada uma destas variáveis dependia de uma combinação
contextual complexa de interessese referênciasculturais,que no longo
prazo possibilitarama consolidação dos interessesdo colonialismo por-
tuguês, e depois do Império do Brasil, graças à intervençãopolítica no
sentido de destruiras bases do sistema social indígena então existente
no sul de Mato Grosso. Sem as alianças políticas com os povos indíge-
nas e sem a colaboração destes (que não era contraditóriaem sentido

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imediato com as políticas da resistência),a consolidação do colonialismo


seria impossível. São nas contradições do sistema social indígena (calca-
nhar de Aquiles da resistência)que residemas principais causas da vitó-
ria do colonialismo português,as causas que possibilitarama formação
do Estado-Nacional brasileironaqueles territórios.

Notas

1 Doutorem Social.Professor de Sociologiae membro do LACED no


Antropologia
MuseuNacional-UFRJ.
2 Umaversão desteartigofoiapresentada na ReuniãoBrasileira de An-
preliminar
tropologia (2006), sendo o mesmo elaborado com base nos dados da nossapesqui-
sa de doutorado no Programa de Pós-Graduação emAntropologia Socialno Mu-
seuNacional,UFRJ.
3 Debretfoium e historiador francês
pintor queresidiu no Brasilentre1816el831,
ao
chegando país como integrante da "Missão Artística Francesa ao Brasil"organi-
zadapelomarquês deMarialva, sobsolicitação de D. JoãoVI. Publicou, entre1834
e 1839,umanumerosa sériede gravuras numaobraem trêsvolumesintitulada
Voyage pitoresqueethistorique au Brésil, ouSéjourdun artiste françaisau Brésil.
Na
gravura, os índiosGuaicuru aparecem sobreseus cavalos e em açãoguerreira,indi-
candoexatamente os elementos maisdestacados peloscronistas, viajantese milita-
resque passaram na regiãodo Pantanaldurante o séculoXIX.
4 Todorovmostra
que "(...) sea compreensão nãoforacompanhada de umreconhe-
cimento pleno do outro como sujeito,então essa corre
compreensão o riscode ser
utilizadacomvistasà exploração, ao tomar;o saberserásubordinado ao poder."
(Todorov, 2003,p. 190).
5 Clifford colocaa questãode forma muitoapropriada: "No quesegue,tratoa
James
própria etnografiacomo uma performance com enredo estruturado através de his-
tóriaspoderosas.Encarnadas em relatosescritos, taishistórias simultaneamente
descrevem acontecimentos culturais reaise fazemafirmações adicionais,morais,
ideológicas e mesmocosmológicas." (Clifford, 1998,p. 63).
6 A dessaabordagem da história é feitade forma maisdetalha-
formulação indígena
da e documentada emnossatesede doutoramento (Ferreira, 2007).

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ABSTRACT:Thisarticle thehistory
analyzes ofcolonialconquestofMato
Grosso statein theXIXthcenturyand its counterparty,theindigenousresis-
withwritten
tance.It starts by militariesand administratorswho actedin
theParaguay Riverareaand Swampland(reports that werepublishedin
scientific
magazines oftheXIXth century). The caseoftheGuaicurus and
Guanasis strategicforthattheoretical
concern, sincethesetwogroupshad
an important roleintheconsolidation ofthePortuguese colonialconquest.
Atthesametime,theycreated severalobstaclestoitsexpansion andstabili-
a historical
zation.The articlepresents andtheoretical aboutthe
reflection
relationshipbetween domination and politicalresistance.

KEY-WORDS: Indigenous
resistance,
Portuguese Guaicuru-
colonialism,
Guana.

Recebido em novembro de 2008. Aceito em maio de 2009.

" *
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