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COLONIZAÇÃO, RESISTÊNCIA
E MESTIZAJE NAS AMÉRICAS
(SÉCULOS XVI-XX)
IFEA
(Lima, Peru)
edições
Abya-Yala
(Quito - Equador)
2002
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ISBN: 9978-22-206-5
Este livro corresponde ao tomo 148 da série “Obras do Instituto Francês de Estudos Andinos
(ISBN: 0768-424-X)
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ÍNDICE
Introdução
Guilherme Boccara .................................................. .................................................. ....................... 7
Primeira parte
COLONIZAÇÃO, RESISTÊNCIA E MESTIZAJE
(EXEMPLOS AMERICANOS)
Segunda parte
HISTÓRIA INDÍGENA, ESTADOS-NAÇÕES E IDENTIDADES
(O CASO MAPUCHE NO CHILE E ARGENTINA)
Capítulo III
COLONIZAÇÃO, RESISTÊNCIA
E ETNOGÊNESE NAS FRONTEIRAS
AMERICANAS
Guilherme Boccara
(CNRS-CERMA)
boccara@ehess.fr
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história", manifesta-se a vontade geral de escapar à reificação das ações, relações e categorias.
É uma pena perguntar-se se o debate pode não ter avançado. E de fato, embora hoje
Os americanistas reconhecem tanto a necessidade de estudar as sociedades indígenas em seu
contexto histórico como a natureza massiva da miscigenação e os fenômenos da etnogênese,
eles não parecem concordar com o problema da historicidade dessas sociedades
nem entendem as modalidades de mestiçagem e a natureza das mudanças. Há, a meu ver, três
temas relativamente novos que parecem animar o campo da atual pesquisa histórico-antropológica
americanista:
Em primeiro lugar, a discussão que se organiza em torno da questão da historicidade
das sociedades indígenas em geral e dos ameríndios em particular, e que nos leva a questionar
os possíveis vínculos entre a história dos ameríndios (etno-história em
o significado tradicional da palavra, entendido como uma reconstrução do passado das
sociedades indígenas a partir de documentos históricos de diferentes tipos -escritos, ícones
gráficos, arquitetura, musicologia) e história(s) ameríndia (etno-história no
sentido antropológico da palavra, ou seja, o modo como os povos indígenas pensam e concebem
a temporalidade). Esta questão, muito presente nos estudos andinos
e amazonistas recentes, refere-se ao problema mais geral da instrumentalização ou objetivação
da cultura em sociedades sem escrita e/ou com concepções cíclicas de tempo.
Refere-se também ao modo como essas sociedades conceberam sua inscrição na nova história
colonial e internalizaram ou interpretaram a presença dos colonizadores.
A segunda linha de pesquisa diz respeito a como lidar com as mudanças e
continuidades. Este segundo ponto parece fazer parte da continuidade de um problema
que não havia sido resolvido durante os anos 1960 e 1970 debate entre história e
antropologia. O fato de a reflexão em torno da questão das mudanças e
permanências não encontrou uma solução satisfatória no debate anterior, parece
em grande parte determinada pela imagem dominante na época das possibilidades oferecidas
aos indígenas em situação de tipo colonial: aculturação ou resistência. Pois ao não levar em
conta a natureza dialética da relação entre esses dois fenômenos, houve uma tendência a
conceber a assimilação como horizonte de aculturação, por um lado, e a permanência de uma
tradição imemorial como horizonte de resistência, por outro lado. outro.
o outro. Condenadas a desaparecer gradualmente ou presas a um eterno primitivismo: tal seria
a alternativa das sociedades coloniais ameríndias. Considerava-se implicitamente que esses
dois processos supostamente antagônicos haviam se desenvolvido em territórios diferentes e
sob modalidades radicalmente diferentes. O processo de aculturação
teria ocorrido em espaços conquistados pela evangelização, normalização
exploração jurídico-política e econômica. Quanto à resistência, encontraríamos nas zonas
fronteiriças, fundamentalmente na forma de confronto militar com os invasores. No entanto,
veremos mais adiante que, ao conceber a trajetória histórica das sociedades indígenas a partir
dessa dicotomia, houve uma tendência a prolongar acriticamente as concepções vigentes na
época colonial. Como escapar desta rua sem saída? As novas reflexões em torno da mestiçagem
e do meio-termo permitem
sair desse impasse? Podemos, tendo em conta os processos bifacetados de etnificação e
etnogénese, quebrar a estagnação da reflexão sobre as dicotomias?
discutível? O que deve ser entendido por mestiçagem, e esta noção é uma armadilha como apa
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esta ou aquela instituição é uma instituição tradicional, ao contrário do que é certificado pelo
fontes que se trata de uma apropriação feita por seus ancestrais durante a época colonial. E,
finalmente, nada nos impede de pensar que essas lutas de qualificação não são
produzidos igualmente durante o período colonial ou no início do período republicano.6
Embora, como escreve Lévi-Strauss, as denominações tenham pouco interesse em si
mesmas, pois se referem na maioria das vezes a uma norma arbitrária (convenção)
(1991: 14-15), notamos que as lutas em torno de etnônimos e heterônimos não são
tão desinteressante quanto parece. Bem, na base do funcionamento de tudo
sistema social, há sempre um princípio legítimo e dominante de visão e divisão do mundo.
Parafraseando Bourdieu (2000), eu diria que a produção de categorias
intervém na construção do mundo social. No entanto, os agentes sociais dominantes que
produzem essas taxonomias afirmam que suas taxonomias são a expressão da
da realidade, justamente pela imposição daqueles como princípio legítimo e dominante de sua
visão-divisão do mundo. Desta forma, eles dão sua visão do mundo
social, muito especial e historicamente datado, de caráter universal e atemporal. Nós sabemos
que a visão do mundo social é fruto de uma luta e que lutas entre grupos
sociais (classes, grupos étnicos, etc.) também são lutas de classificação. Observemos, no entanto,
seguindo Bourdieu, que os diferentes agentes em luta não têm os mesmos recursos
social. A distribuição desigual dos vários tipos de capital (econômico, social, político, cultural) faz
com que os diferentes agentes não tenham a mesma capacidade de ação
quanto ao nível das denominações. Assim, a visão legítima do mundo social reflete o estado das
relações simbólicas de poder. Essa luta simbólica permanente é realizada pelos agentes coletivos
que se confrontam dentro de um determinado campo (Bourdieu, 2000).7
A noção de fronteira
Tomemos um exemplo preciso que nos permitirá avançar em nosso assunto, o da situação
das populações ameríndias na história do Novo Mundo. um grande problema
que abordarei sob o ângulo das denominações e, portanto, das identidades, aplicadas ou impostas
às entidades indígenas.
De modo geral, podemos dizer que a preocupação dos conquistadores e colonizadores
sempre foi determinar a existência de “nações” (período colonial)
ou "grupos étnicos" indígenas (período republicano). Preocupação que tem sua origem na
a vontade explícita das autoridades de circunscrever em um quadro espaço-temporal específico,
e de categorias sociopolíticas muito especiais, entidades concebidas a priori como culturalmente
homogêneas, funcionando em equilíbrio estável e inscritas em um
espaço de fronteiras étnico-políticas bem definidas. O espaço indígena total aparece a partir
este modo composto por entidades culturais e políticas discretas: rígida e fixamente divididas em
territórios ou segmentos, habitados por grupos supostamente dotados de uma
mesma língua, da mesma cultura e de instituições políticas, cada uma delas organizando
segmentos.
Com isso queremos dizer que, pelas necessidades da conquista e por
o uso da escrita e outros dispositivos de poder, os agentes colonizadores,
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Recordemos muito sucintamente duas das expressões mais claras, na minha opinião,
dessa abordagem acrítica e etnocêntrica.
Primeiro, na maioria dos estudos americanistas foi tomado sem qualquer
Outra consideração é a noção de fronteira que aparece nos primeiros escritos do
conquista. Inclusive é possível encontrar nos melhores manuais da História do Novo
Mundo a distinção entre centro e periferias. Mas, haveria um interesse real pelas representações
a que se refere esta noção de fronteira, como na percepção e a-percepção do mundo social
que esta noção implica e pressupõe?8
Na América da conquista, foram desenhados imediatamente dois espaços, ambos reais
como simbólico, que dividiu o continente: os espaços conquistados e os não conquistados.
Como sabemos, os espaços em que se exerceu a dominação colonial correspondem
aproximadamente aos antigos impérios ou às chamadas "grandes civilizações", enquanto os
espaços não subjugados, as chamadas áreas de fronteira, pareciam sobrepor-se às áreas
habitadas. sociedades desprovidas de uma organização política
centralizada.
No entanto, considero que para caracterizar estes espaços é mais adequado
o termo limite do que o termo fronteira, porque o limite é cronológica e logicamente
a primeira, no sentido de que os elementos que habitavam os dois lados do limite são
concebido como heterogêneo e na medida em que todo o trabalho de subjugação
consiste precisamente em transformar este limite em fronteira, ou seja, em introduzir
mecanismos de inclusão através de «um trabalho sobre a liminaridade que visa incorporar no
Outros” (Molinie, 1999). A partir de então, a missão dos intermediários consistirá em dar esse
limite, que as mesmas autoridades coloniais haviam estabelecido no início, com
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a fim de unir os grupos entre si novamente em novas bases. E muitas vezes, a transformação do
limite em fronteira implica sacrifícios, violência, martírio e batalhas rituais. Dentro
Em suma, os dispositivos coloniais criam a alteridade selvagem ou radical nas margens.
Este selvagem está sujeito a um processo de reificação a ser posteriormente incorporado por meio de
múltiplos mecanismos que encontramos em muitas partes da América. Trata-se de uma
operação fundamentalmente contraditória de contatar e estabelecer
separações. A liminar, a cruz, a capela, a humilhação dos "feiticeiros" indígenas, o discurso sobre os
selvagens nômades e canibais, todos esses artifícios devem
ser interpretados como ritos de liminaridade e construção de alteridade. Este espaço
ritualmente fechado é carregado de significado, um espaço arrancado do espaço restante
para imprimir nele as marcas de uma determinada cultura. Os "limites-fronteiras" indígenas tornam-
se emblemas da própria cultura. Há uma diferença qualitativa entre
um lado e o outro do limite. Não é necessariamente uma fronteira territorial. É uma
fronteira social e cultural que serve para identificar uma etnia nem sempre ligada a
um espaço preciso. O limite separa-se para depois tender, através da sua metamorfose em fronteira,
a estabelecer uma relação. Como ele escreve (1999), de quem tomamos emprestado este
modelo interpretativo, o limite, portanto, tende a estimular, num primeiro momento, a afirmação de
particularismos.
Considerando a fronteira como um fato e as etnias selvagens que ali viviam como
entidades que sempre existiram, os americanistas há muito reificados sem
perceber os atos de dominação, construção simbólica e delimitação territorial realizados pelos
agentes coloniais do Estado. Muitas vezes, o fenômeno da reificação das coletividades indígenas
nas fronteiras do império foi prolongado e reforçado,
enquanto o interesse de um estudo etnológico das práticas e representações relacionadas às
construções de limites e fronteiras consideradas como
ritos de conquista e colonização.
Ao romper com essa abordagem, o objeto da perspectiva construtivista que adotamos
consiste em pensar a fronteira como um espaço de transição, pois para o
colonizadores pretendiam unir dois espaços simbólicos: por um lado, o
conquistados, povoados por civilizados ou em processo de civilização e, por outro lado, o indomável
que representa o caos, a não socialização dos povos «sem fé, sem rei e sem lei». S
Assim, ao conceber as margens do Império como fronteiras construídas que tendem a não ter limites,
ou como dispositivos reais e simbólicos da civilização para a reificação, penso que
será possível evitar a ficção de um único princípio de bipartição do continente pré-colonial
entre civilizados e selvagens. Cabe destacar que os ritos de conquista que geram alteridade e
etnicidade tendem, por sua natureza violenta (guerra com sangue e fogo), a
têm efeitos profundos sobre os grupos fronteiriços. Antes caracterizadas por um tecido social muito
flexível, as organizações sociais tendem a se retrair enquanto aparecem
novas unidades políticas. Esses processos de concentração política, impulsionados pela necessidade
de resistir ao invasor e determinados pela violência da primeira guerra,
analisado em dois livros recentes que colocam o problema da "tribalização"
entidades indígenas como consequência da conquista militar pelos estados (Hass, ed. 1990,
Ferguson & Whitehead, eds. 1992, Sider, 1994).
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Dessa forma, podemos afirmar que os limites que emergem dos documentos remetem
a um princípio de visão e divisão produzido pelo mundo ocidental, já
a priori, não temos razão para pensar que correspondiam à territorialidade
e às dinâmicas identitárias ameríndias. O uso acrítico de fontes muitas vezes levou
povoar o continente americano com quimeras.
A fabricação dessas Américas indianas imaginárias foi reforçada por outras
dois tipos de fenômenos que seriam muito longos para detalhar aqui, mas que merecem ser
mencionado.
A primeira é constituída pelo paradigma do Estado-nação, evocado anteriormente e
que orienta nossa visão do passado para a determinação de entidades culturais e políticas
homogêneas, dentro das quais as identidades são imobilizadas, encerradas e definidas
por coincidência mesmo. Esse panorama fixo e constrangido de territorialização da
da nação, impede pensar na mistura, nas construções identitárias interdigitadas
(Martínez, 1998), a fluidez das identidades múltiplas e nômades. Em suma, o que Amselle
(1996) chamou de princípio racional continua a informar a leitura de passados nacionais e
exóticos.
Referimo-nos agora à segunda dificuldade que representa uma certa tradição
antropológica e histórica que assenta numa gestão descontinuista e “deshistoricizante”. Não
feliz em extrair, classificar, purificar, para destacar tipos políticos, religiosos, étnicos e culturais
(Amselle, 1990), a razão etnológica dominante reduz a historicidade das sociedades primitivas
a uma operação de esterilização do devir histórico ( Bocacara, 2000; Hill , 1998, 1996; Taylor,
1988). De acordo com essa tradição antropológica, essas sociedades foram concebidas como
sociedades frias, radicalmente diferentes das nossas e claramente diferenciadas umas das
outras, que só foram transformadas pela contaminação.
ou como uma mancha, às vezes até a ponto de lhes negar qualquer capacidade de inovação:9
eles não podem escapar de seu ser tradicional, de seu destino arcaico. A alternativa é então
proposta da seguinte maneira: ou essas sociedades entram em um processo de aculturação
(espontâneas ou impostas), ou resistem ferozmente para defender uma tradição antiga e
imemorial. Só muito recentemente começaram a observar os processos de
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te-americanas, o que a levou a refugiar-se cada vez mais no sul da Flórida. Segundo Sturte
vant, estamos aqui diante de um caso típico de etnogênese, ou seja, de emergência
de um novo grupo devido à chegada dos europeus.
Mais tarde retomada por numerosos estudiosos norte-americanos, a noção de
etnogênese sofreu uma notável mudança semântica nos últimos tempos. Pois se para
Sturtevant os fenômenos da etnogênese se referiam estritamente ao surgimento "físico" de
novos grupos políticos, há uma tendência hoje em utilizá-lo para caracterizar processos muito
diversos de transformações, não só políticas, mas também nas formas de definição identitária
de um mesmo grupo ao longo do tempo. Ao separar a noção de
etnogênese a partir de seu significado estritamente biológico, estudos recentes têm enfatizado
nas capacidades adaptativas e criativas das sociedades indígenas e começou a
considerar a possibilidade de que novas configurações sociais foram desenhadas não apenas
pelos processos de fissão e fusão, mas também pela incorporação de elementos estranhos e
pelas sucessivas modificações nas definições do Self (Hill, eds.,
mil novecentos e noventa e seis). Por outro lado, considera-se agora que os processos de etnogênese não podem
ser estudado sem levar em conta os fenômenos de etnificação e etnocídio que
acompanhante (Boccara, 1998; Sider, 1994; Whitehead, 1996; Whitten, 1976).
A noção de meio-termo cunhada por White (1991a) enfatiza os fatos
de comunicação e na criação de uma cultura comum entre indígenas e europeus.
Trata-se de sair da abordagem tradicional e, sem dúvida, reduzir o encontro ou desencontro,
em termos de um simples confronto entre dois blocos monolíticos, os índios,
por um lado, e os colonos, por outro. Bem, as múltiplas interações levaram
na formação de novos espaços e novas instituições de comunicação, bem como
também na definição de novos padrões de comportamento. produto da mistura
diferentes «tradições», o meio-termo, concebido como espaço real e simbólico, é a expressão
da criação de novos mundos no Novo Mundo. Nós temos aqui
uma definição de fenômenos de meio-termo bastante próxima das características desse
pensamento mestiço recentemente analisado por Gruzinski (1999).
Observemos que as noções de etnogênese, meio-termo e pensamento mestiço
acabam por referir-se ao mesmo tipo de preocupação: trata-se de sair dos modelos rígidos,
etnocêntricos e «etnicistas» anteriores para devolver toda a sua complexidade
realidade colonial.
Vamos agora ilustrar nosso propósito através de vários exemplos concretos.
os jumanos
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No início do século XVIII, essa nebulosa étnica se dissipa, e essa "nação estendida" desaparece
furtivamente, assim como havia surgido, nos interstícios da história,
sem grandes rebeliões ou resistência retumbante. Ubiquidade, disseminação, passagem, mistura e
desaparecimento são fenômenos que criam problemas.
O enigma apresentado pelos Jumanos questiona diretamente nossas categorias
de análise. A identidade e entidade mista desses indígenas abalam nossos hábitos intelectuais. No
entanto, temos de reconhecer que não são eles que constituem um problema, mas sim a nossa forma de
apreender os mundos mistos, os
identidades múltiplas e metamorfoses constantes (Gruzinski, 1999: 19-20).
Para libertar nosso olhar - e para resolver o enigma jumano que o
os próprios etno-historiadores contribuíram para criar - é essencial modificar
pelo menos três aspectos da abordagem tradicional:
Em primeiro lugar, temos que considerar esta sociedade pelo que ela é, ou seja, uma
sociedade composta principalmente de passadores ou intermediários. Então devemos
pensar na identidade desses aborígenes em termos de diferenciação. Finalmente, é conveniente interpretar
seu desaparecimento em termos de mutação.
A seguir, farei uma breve referência ao caso dos Jumanos. bem para estudar
essa história em detalhes, seria necessário abordar as configurações étnicas regionais e reconfigurações
das planícies do sudoeste entre os séculos XVI e XIX. O que acaba por ser um empreendimento
extremamente arriscado na medida em que os especialistas desta região
Eles estão apenas começando a descobrir o caráter absolutamente arbitrário das velhas divisões étnicas.
Estes deram a imagem de um espaço composto por unidades culturais e sociopolíticas discretas, com
fronteiras bem definidas: os "Apaches", os "Cheyennes",
os Kiowas, os Comanches, etc. Então, se evoco aqui o problema da humanidade, faço-o em particular
para colocar algumas questões sobre nossa maneira de abordar
os grupos étnicos.11
Assim, o que distingue esses índios dos demais povos da região é o que
poderíamos chamar a sua «cultura do comércio». Atuam como uma fase intermediária (interfase)
entre os povos nômades caçadores das planícies e os agricultores dos vales dos rios.
Excelente. Uma vez que nos deparamos com a total ausência de características culturais bem
definidas, pode ser mais apropriado entender o termo jumano como uma categoria que
nomear comerciantes. Consequentemente, esses índios seriam diferenciados dos demais,
essencialmente, pelo tipo de atividade que exercem, e não com base numa suposta série
de atributos culturais. Pode ser que ser Juman significasse ter status de comerciante, como sua
história posterior parece confirmar. Pois quando foram deslocados de sua posição de mediadores
e mercadores pelos Apaches no final do século XVII, os Jumanos desapareceram como uma
suposta etnia, apenas para renascer mais ao norte, mas desta vez sob a
Nome Kiowa, também negociante de pessoas e caçador de bisões.
Consequentemente, se a identidade social dos Jumanos foi definida em função de sua
atividade econômica, é lógico que a perda de seu signo distintivo, devido às mudanças nas
relações de poder na região, tenha levado ao desaparecimento, conversão
e migração de membros deste grupo. Aqui vemos ilustrado o que afirmamos anteriormente, ou
seja, que identidades e miscigenações culturais são, antes de tudo, fenômenos políticos que se
referem ao tecido sociopolítico existente em um determinado sistema regional, em
um determinado momento da história.
Os espanhóis tentaram fazer dos Jumanos uma nação no sentido político da palavra.
finalizado. Reforçaram seu papel de intermediários nas comunicações com os índios da
Texas para criar uma zona tampão ou como baluarte defensivo contra invasões de potências
estrangeiras. Nos anos 1630-1640 os franciscanos iniciaram sua
trabalhos missionários na área de Salinas. Na segunda metade do século XVII, foi nomeado o
líder Juan Sa beata, nascido em 1630 na província de Tompiro e que se dizia cristão
"governador dos cibolos, dos jumanos e das nações do norte" pelo governador
de Nova Biscaia. No entanto, a intensificação das incursões e a presença Apache
transformaram radicalmente as relações de poder na região. A guerra entre Apaches e Jumanos
não era nova. Mas ao longo do século XVII, os Apaches aumentaram muito seu poder militar. Ao
atacar as cidades, eles estenderam seus territórios para o sul
e para o leste, apreendendo assim os eixos de comércio anteriormente controlados pelos Jumans.
As grandes convulsões causadas pelas invasões apaches explicam em grande parte a dispersão
dos Jumanos, que também deve ser entendida como um
mutação. Como dissemos, enquanto parte dos Jumanos se juntou aos Apaches
conquistadores, outro migrou para o leste e participou da formação do Kiowa. Aliados aos
Caddoans, os antigos Jumans redirecionaram seu comércio para o norte, em direção ao Missouri.
Durante o século 18, possivelmente sob pressão Comanche,
os Kiowas se estabeleceram mais ao norte, na região do Arkansas, uma área ideal para pastagem.
Foi assim que os Kiowa se tornaram os intermediários comerciais entre os Wichitas, os
Louisiana francês e índios do Vale do Norte. Como os antigos Jumans,
praticavam o comércio, a criação de gado e a caça.
Dessa forma, os desorganizados Jumanos participam com sua conversão identitária na
gênese de uma nova nação: os Kiowas, também compostos, e que mantiveram relações
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Que bagunça
O terceiro caso que lembramos é o dos Miskitus, que mostra muito claramente que
uma identidade coletiva não se reduz a um patrimônio cultural, mas se constrói como
um sistema de distanciamento e diferenças em relação a "outros significativos em um determinado
contexto histórico e social" (Poutignat & Streiff-Fenart, 1995: 192). fornece,
além disso, um exemplo perfeito de etnicidade como criação colonial e representa um caso de
etnogênese no sentido estrito da palavra.
A costa caribenha centro-americana, povoada por índios considerados "guerreiros" e
pobres em minerais, não atraiu os primeiros espanhóis que se estabeleceram preferencialmente
na costa do Pacífico. Só no século XVII é que se estabeleceram contactos regulares
entre os indígenas da região e os recém-chegados negros e ingleses. De acordo com
primeiras descrições, os indígenas organizavam-se em rancherías dispersas. Eram semi-
nômades e devido à sua localização no litoral ou no interior, praticavam caça, coleta,
horticultura e pesca. A paisagem linguística caracteriza-se pela sua diversidade e parece
guerras entre indígenas têm sido freqüentes. O chamado bloco populacional "su mu" que habita
a região é dividido em vários subgrupos que falam diferentes dialetos.
A nação Miskitu surge do subgrupo dialeto Bawhika de Cape Gracias a Dios. Segundo
Nietschmann, o que caracteriza esses índios e os distingue de outros grupos da região é sua
"cultura marítima" (1993: 23-26). Essa precisão é importante justamente pelo profundo
conhecimento do litoral, que os tornou intermediários quase
exclusivo dos ingleses.
Após um breve contato com os puritanos da ilha de Providencia nos anos
1630 (García, 1999, 1996), uma segunda miscigenação biológica ocorreu em 1641, por ocasião
do naufrágio de um navio que transportava escravos africanos. Os náufragos que foram
capturados pelos índios na área de Cabo de Gracias a Dios rapidamente assimilaram e casaram
com mulheres da sociedade de acolhimento. Após esta primeira incorporação, que desde sua
origem selou a distinção entre os zambos Miskitu e os índios Miskitus, o
a história parece acelerar. Numerosos escravos negros fugitivos encontram refúgio na
costa do mosquito. A miscigenação biológica e cultural é intensificada pelas relações que
Índios se entrelaçam com bucaneiros e mercadores ingleses. Serviço Domestico
e relações sexuais de mulheres e certos produtos locais (carne seca de tartaruga, madeira,
veado e onça, índigo, cacau, canoa, borracha, etc.) são trocados por facas, roupas, pregos,
ganchos, pólvora, machados e armas de fogo. A posse de armas de fogo, a intensificação do
comércio com piratas e mercadores ingleses e a amplitude do
miscigenação, são justamente aqueles que transformaram o sistema de relações interétnicas de
a região. Numa paisagem etnológica, antes caracterizada pela sua fluidez, começam
progressivamente a distinguir-se dois grandes blocos populacionais: por um lado, o mesmo
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que naquela época eram quase completamente dominantes. A estabilidade de sua aliança com
os britânicos e seu gosto pela cultura inglesa só é comparável à repulsa e ao ódio
inspirados pelos espanhóis: "eles consideram o rei da Inglaterra como seu soberano,
aprender nossa língua e considerar o Governador da Jamaica como um dos mais
grandes príncipes do mundo”, escreve uma testemunha da época.13
Em 1787, quando os ingleses deixaram a costa, os Miskitus eram mais poderosos do que
Nunca. Rei George II domina o "viés" dos Zambos entre os rios Coco e Sandy
Bay, e o governador Colville Britânico está à frente dos índios mais ao sul.
Os conflitos internos que se desenvolveram entre zambos e índios entre os anos de 1787 e 1792,
ao abrigo de um fundo de intervenção espanhol, merecem ser recordados. Depois do jogo
dos ingleses, os espanhóis tentam dominar o reino de Miskitu. Como o rei George não estava disposto a
lidar com as autoridades nicaraguenses, os espanhóis tentaram
explorar as tensões existentes entre as duas facções. comprometer o governador
Britânico para devolver os escravos espanhóis que ele tem em seu poder, e diante de seu desejo de se
casar com uma de suas cativas espanholas, eles propõem fazer uma união cristã. Pouco depois, o
britânico se converte ao catolicismo e é batizado em León e se casa com María Manuel la Rodríguez.
Este batismo totalmente político é acompanhado por uma série de acordos
que consideram a libertação de espanholas cativas e a entrada de missionários
Franciscanos para terras indígenas. Estas medidas que vinculam de uma nova forma e de uma forma mais
restritivo ao Miskitus a uma nação estrangeira odiada, além de atenta a
o tráfico de escravos, provocando o descontentamento dos zambos do rei Jorge e dos súditos do
governador. Em 1789, o britânico é assassinado. O novo governador dos índios, Al Paris, sobrinho do
britânico, reivindicou então a coroa Miskitu. Como um «verdadeiro índio»,14
rejeita a autoridade do rei George, bem como a supremacia dos Zambos sobre os índios.
Diante da ameaça que Alparis representa para sua "nação", Jorge o executa em 1792.
Assim, Jorge continua sendo o único dono das duas divisões , unifica o reino Miskitu, joga fora o
missionários e pôs fim às pretensões espanholas de conquistar a Costa do Mosquito. De fato, o reino de
Miskitu existiu até 1860, data em que os ingleses reconheceram o
soberania de Honduras e Nicarágua e deixar definitivamente os territórios costeiros. É interessante notar
que os Miskitus continuarão a ser atraídos pela cultura
anglo-saxão e nunca se sentirá integrado ao Estado nicaraguense que no final do século
XIX tiveram que recorrer a armas para conquistar seus territórios.
Considerando-se mais civilizados que os crioulos e os mestiços do Pacífico, os mis kitus sempre
dirigirão seu olhar para o Atlântico. Nascido do contato entre os ingleses e
negros, não correspondem em nada ao estereótipo da sociedade tradicional a que fomos
acostumados a uma certa etnologia exótica. Rei George Augustus Frederick que reinou entre
Entre 1845 e 1864 estudou na Jamaica, disse que era mais inglês que os ingleses e tinha
uma biblioteca contendo, além de livros sobre a América Central e a Costa do Mosquito,
obras de Schakespeare, Byron e Walter Scott das quais teve prazer em citar passagens
aos visitantes da sua categoria (Garcia, 1996: 50).
Após o golpe militar de 1893, o último rei Miskitu se exilou na Jamaica.
No final do século 19, o reino não existe mais, mas até hoje esses índios não pararam
cultivam sua diferença, rejeitando os elementos culturais e simbólicos hispano-crioulos e
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O Reche-Mapuche