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Universidade de Brasília

Programa de Pós Graduação em Artes Visuais

editorial

Nos últimos anos, a entrada em cena de agentes historicamente excluídos ou


silenciados (particularmente mulheres, negros, indígenas e pessoas LGBTQIA+)
transformou acervos, exposições e o perfil dos agentes que atuam ou são
apresentados pelas instituições culturais e demais instâncias do circuito de arte no
Brasil, assim como no meio acadêmico mudou currículos, temas de pesquisa e
bibliografias, em um processo há muito tempo necessário, mas amplamente
inconcluso, se considerarmos as questões de equidade e justiça social que isso
envolve e que, todavia, seguem pendentes; sobretudo quando uma vontade de
eliminação das diferenças é respaldada pelos poderes constituídos e parte da
sociedade civil organizada.

Ao mesmo tempo, não parece haver evento, exposição ou programação que não
sejam hoje, em alguma medida, “co-curados” por essas questões, que têm sido
discutidas ou referidas por meio de termos como representatividade, inclusão,
diversidade, reparação, decolonização etc. A situação evidencia certamente uma
conquista, mas é também um sinal de que tais mudanças podem estar sendo
consumidas por uma cultura dominante, ao menos no campo da arte, sob o risco de
alcançarem um ponto de saturação, exaustão, acomodação. Afinal, trata-se de
mudanças estruturais ou de fachada? Ou de ambas, em diferentes combinações?
De que modo aqueles agentes transpõem ou restam condicionados às expectativas
sobre seus corpos, experiências e discursos? Como não reduzir a visibilidade à
mera aparição, a um discurso sem ação? Que papel as instituições culturais e outras
instâncias têm desempenhado nesse processo? De que modo as concepções e
epistemologias da arte moderna e contemporânea têm sido mantidas, reformadas ou
transformadas? Um balanço mais bem apurado desse quadro também segue
pendente.

Embora a importância daquelas mudanças seja inegável, elas ainda não parecem
ter alcançado as diretorias e conselhos das grandes instituições. Do mesmo modo,
permanece inalterado certo organograma que subalterniza os setores educativos em
face do curatorial e do expositivo. Por exemplo, reivindicar “mais mulheres” na
curadoria não tem o mesmo sentido na educação, uma área historicamente
feminizada, por sua associação às atividades de reprodução e cuidado. Também a
reconfiguração dos públicos parece muitas vezes postulada pela abertura das
exposições, com base em noções de identificação e reconhecimento, como se não
fosse necessário acompanhar o que ocorre no tempo das exposições. Além disso, a
maneira como tais mudanças são, em parte, assimiladas por valores e práticas
neoliberais, reiterando critérios baseados na singularidade, raridade e autenticidade,
a esta altura, merece ponderação. Apesar do cenário de retração do setor cultural,
não parece haver crise no mercado de arte, onde a perspectiva de uma carreira
artística para aqueles agentes tem sido apoiada por um “colecionismo ativista”,
interessado justamente na produção de “grupos minorizados”.

É diante de encruzilhadas como essas, onde as políticas de representação – para


além de sua positividade – aparecem de modo dilemático, deixando entrever uma
série de “questões laterais”, que propomos este dossiê. Nesse contexto, afirmar que
as mudanças conquistadas até aqui são insuficientes, como se o caso fosse
demandar “mais representação”, não parece satisfatório. Eventualmente, para que
as políticas de representação tenham a devida consequência (em termos de
equidade e justiça social), pode ser necessário rever rotas, estratégias, discursos e
alianças, ou ainda, desvencilhar-se das armadilhas que a própria gramática da
representação oferece, sem que exatamente seja possível se livrar da própria
representação, enquanto um modo de inscrição no mundo em comum.

Editores

Cayo Honorato (UnB) et al.

Mas como li algumas coisas do mignolo no curso do Dionísio e tô fazendo o curso


de estética com a Raquel devo escrever sobre ações decolônias, suas
representações/mimesis/falsidades e relacionar às problemáticas da chamada.
Resenha Crítica a partir de:

MIGNOLO, W. Aiesthesis decolonial, CALLE14. Revista de Investigación en el


Campo del Arte; Vol 4, No 4 (Ano 2010).
https://revistas.udistrital.edu.co/index.php/c14/article/view/1224

Abel Teixeira Escovedo

Em ‘AIESTHESIS DECOLONIAL’, Walter Mignolo levanta o problema da colonização


da aesthesis pela estética e relata 3 experiências pessoais com instalações
museógraficas, conectando-as por suas ações decolonizadoras. E afirma que essas
instalações e processos performativos forçam a decolonização da crítica e
historiografia da arte.

O autor baseia seu o olhar na crença que a modernidade é um relato de salvação,


que necessita da exploração, da repressão, da desumanização e do controle da
população para proceder com processos de salvação. Com a queda das máscaras
do colonialismo surgem projeto decoloniais que forjam futuros onde a dualidade
modernidade/colonialidade é ultrapassada. O que foi visto nas instalações relatadas
são as formas em que a estética contribui para os processos decoloniais.

Mignolo traça uma origem do significado de ‘aiesthesis’ (sensação), e comenta seu


papel coadjuvante em uma origem grega, para que a partir do século XVII, saído da
teoria kantiana, o conceito se restringa a “sensação do belo” e a história da estética
começe a ser escrita a partir daí, inclusive retrospectivamente. Essa operação
cognitiva é apontada como a colonização da aiesthesis pela estética.

A partir daí o autor relata a visita a duas exposições e uma conversa sobre a
exposição da obra de uma artista iuguslava com um historiador da arte. São elas
Mining the Museum (1992), de Fred Wilson, Mimesis & Transgression (2008), de
Pedro Lasch, e Looking for a Husband with EU Passport (2005), de Tanja Ostojic.
São apresentadas fotos das exposições, assim como breve descrições das obras e
do percurso feito na visita ou no diálogo.

O conector apresentado entre Wilson, Lasch e Ostojic consiste nas ações


decolonizadoras, agarrando-se na história da arte, nos museus, e no teatro. A
decolonização estética seria uma dentre tantas formas de desamarrar a montagem
entre projetos imperiais/coloniais e artes, museus e teatros, e construir
subjetividades decoloniais. Essas instalações e processos performativos já seriam
construções de futuros decoloniais. A crítica e historiografia da arte que acompanha
esse processo se transformaria ela mesma em crítica e historiografia decolonial,
ademais seriam essas instalações e processos performativos que forçam a
decolonização da crítica e historiografia da arte.

A exposição de Fred Wilson é apresentada e descrita, como parte das


comemorações de 500 anos de invenção/descobrimento da américa, na sala, 6
pedestais de mármore com indicações de famosos nomes da civilização ocidental,
em placas de prata, à direita haviam bustos em cada pedestal, à esquerda os
famosos nomes eram de pessoas que foram escravizadas, seus pedestais não
ostentavam bustos. Ao percorrer a exposição grilhões se fundem em uma vitrine de
prataria – metal work, 1793-1880 - e um manto da klu klux klan forra um carrinho de
bebê ao lado de uma charrete – modes of transport, 1770-1910.

O autor complementa o texto com fragmentos de algumas entrevistas do artista.


Provocado a reluzir o que está por baixo do museu museu, Fred Wilson recorre ao
deposíto do museu para mostrar a escravidão do atlântico (Baltimore, EUA) e
apropriação de peças indígenas dos andes e da américa central (Gotemburgo,
Suécia). Lido como pós-moderno pelo crítico de arte Holland Cotter, Wilson é, no
entanto, caracterizado como decolonial por Mignolo.

”In the Museum, you`re in the environment you`re supposed to understand and
you`re supposed to feel good about. All of these “supposed to`s “” – and the
artwork`s all there, but there`s all this stuff not being talked about as it relates to the
real world” (FRED WILSON, 2009)
(No museu, você está num ambiente que é pressuposto que você entenda, é
pressuposto que você se sinta bem sobre. Todos esses pressupostos – e a arte está
todo ali, mas tem todo esse monte de coisas que não estão sendo faladas quanto a
sua relação com o mundo real.)

Então, o autor corresponde o ‘pressuposto’ à retórica da modernidade, que cria


expectativas do que se deve ser. São essas expectativas naturalizadas que operam
na colonialidade do ser, do sentir (aesthesis) e do saber (epistemologia). Na lógica
da colonialidade operam dois aspectos, a opressão e a negação. Um opera a ação
de um indivíduo sobre o outro, o segundo opera a ação do indivíduo da forma em
que negam o que ao fundo sabem.

Por sua vez, Pedro Lasch instala um conjunto de estátuas (autoria desconhecida,
pedra vulcânica, séc. XI) retiradas dos depósitos do museu, viradas de costas
encarando espelhos negros, que ao aproximar-se apresentam obras canônicas da
pintura hispânica do século XVII (Rivera, Gongora) gravadas dentro do espelho.
Esses espelhos negros agem como intermediários entre o presente e o ausente, o
visível e o invisível, o colonizador e o colonizado(Pedro Lasch, 2009). O espelho de
obsidia é o lugar onde a geografia da razão se volta, o lugar de uma mudança da
terra – Pachakuti – estético-epístemica.

E, Tanja Ostojic apresenta um resumo performativo, em Looking for a Husband with


EU Passport (2005) e Integration Impossible (2005), com as fotos, desde o corpo nu
a leilão até o documento de divórcio, e da burca camuflada que esconde a
guerrilheira de salta alto, que enfrenta, com fantasmas que não queres ver e rompe
identificações cômodas com: o colonialismo de serviço europeu, a mulher
muçulmana e a militar estadunidense, e a mulher zapatista e a alta costura.
Identificada pelo autor como ‘sobreidentificação’ – termo de Slavoj Zizek, utilizado
por Marina Grzinic sobre Ostojic – através do processo/instalação onde se borram
os limites entre a arte e a vida, fazendo visível o que não quer se ver, mas está
debaixo de seu nariz. Deixando claro que o que não se quer ver e está aí é o que te
controla.

Wilson, Lasch e Ostojic estão tornando visível o invisível que não queremos ver,
revelando a beleza e criatividade de civilizações que foram destruídas em nome da
civilização. A decolonização da estética imperial, baseada na representação,
consistiria em criar e fazer com que o criado não possa ser cooptada, enfraquecido e
achatado mediante o conceito de representação. Por último o autor alerta da
urgência de construir futuros globais em que não existam condições e possibilidades
para formação de sujeitos e subjetividades imperialistas.

Embora o autor apresente as ações decolonizadoras como formas de construir


mundos possíveis onde o imperialismo é impossível, uma forma de salvação pela
construção do possível e não pela colonialidade, poderiam ser mais exploradas as
formas de pensar sobre o que se sente, ou teorizar estética, para debater a
colonização da aesthesis, como o tempo não linear proposto por Walter Benjamim
em A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica.
Era o fim do dia, a poeira tóxica, que parece sempre acompanhar o
céu de São Paulo, encarava os últimos raios de sol se iluminando em
tons de amarelo e laranja, e depois de atravessar caminhando de
uma ponta a outra a avenida paulista finalmente chegava ao meu
destino, o edifício de esquina do SESC-SP. Às 17 horas de uma sexta
feira, o fluxo intenso de gente e carros me acompanhou durante os
três mil metros de caminhada, três coisas me chamam na paisagem
mais cosmopolita do país: a população de rua, maior que nunca,
deitada, sentada ou embarracada ao longo de todo o caminho; a
intensidade do movimento, ao andar, ou parar em uma fila, todos
parecem vibrar numa camada energética acima do que me
acostumei a conviver; e a ambiguidade, como uma anedota, das três
filas em frente ao meu destino que me confundem e de pronto me
questiono sobre o protagonista do lugar onde eu iria visitar, de
acordo com a organização, a maior plataforma pública de
arquitetura e urbanismo do país, inclusive com repercussões
internacionais.

Ainda não era o horário marcado para abertura, talvez 15 minutos


ainda restavam antes das 18h, e me encaminhei prontamente para a
maior fila, para logo em seguida ser informado que ali estavam os
que agendaram para ir ao mirante no última andar do prédio.
Nenhuma das filas era de fato para bienal de arquitetura, descobri
ali que havia duas opções, os com nome na lista e os sem nome na
lista. Aos sem nome caberia esperar para se dirigir ao quinto andar,
que seria aberto pontualmente as 18h. Aos com nome, fiquei
sabendo depois, coube um petit comité no décimo terceiro andar
onde os convidados ouviram da instituição organizadora seu intuito
de resignificar a história e a memória e entender o que foi ocultado.

Ao evento de entrada restrita cabe junto com a apresentação breve


dos organizadores, tanto os representantes institucionais quanto os
que foram por eles eleitos em concurso, como de seus
patrocinadores. Nesse ambiente é comum que a política partidária
fique escondida, e suas contradições guardadas a sete chaves.
Refaço livremente a pergunta feita pela decana da instituição
organizadora, logo antes de ser sucedida no púlpito por dois
representantes do banco Itaú – cada um nomeado por uma sucursal
diferente do gigante financeiro –, qual o sinal dessa reunião (petit
comité) no 13o andar da 13a bienal de arquitetura de São Paulo
nesse ano de eleição?

Outro texto precisaria ser escrito para abordar a decisão de não


falar o nome do partido dos trabalhadores, número 13 nas urnas, ou
de seu candidato ao pleito em outubro deste ano, Luiz Inácio Lula da
Silva, e a contradição da participação bem cheirosa em eventos
culturais do sistema financeiro, protagonista do golpe de estado de
2016 e das reformas que congelaram o investimento em cultura e
educação garantindo o pagamento prioritariamente aos bancos.
Aqui serão abordadas outras contradições e análises, em especial
do discurso e lugar de proposição e curadoria da exposição.

Eu falo de um lugar que não é o do crítico de arte, não é o do


curador e nem o do artista. Sou arquiteto de formação e as
exposições nunca foram o meu métier, fui levado a São Paulo neste
fim de semana para atender a outra agenda, um encontro de
organização política da Federação Nacional de Arquitetos e
Urbanistas. Além da produção deste texto fui à abertura da bienal
de arquitetura em busca de uma aisthesis decolonial, como sugere
Walter Mignolo (2010). Para tanto vou me atentar a forma da
exposição, desde seu discurso fundador, justificativa e execução,
até sua primeira abertura.

A curadoria convidada propôs diversas aberturas, em duas sedes


principais – a já citada no SESC-SP e outra na semana seguinte no
CCSP –, além de oficinas, travessias (caminhadas mediadas), três
conferências – uma na abertura, uma no meio e uma ao fim –, e uma
performance. Como estes eventos se desdobrarão ao longo do
tempo de exposição terei que me ater a esse primeiro movimento,
sabendo que o julgamento e levantamento aqui é absolutamente
provisório e locado nos eventos presenciado, embora seja o método
costumeiro de analisar mostras concordo com o que se questiona no
edital de chamada desta revista: há uma urgência de se acompanhar
o tempo das exposições para se acompanhar a configuração e
reconfiguração dos públicos atingidos pela exposição

a entrada em cena de agentes historicamente excluídos ou silenciados ou a subida


ao palco dos excluídos. Elas não estiveram sem ação mas fora vista.
A subida ao palco, transformação de acervos, exposições, currículos, bibliografias,
perfis de agentes e temas de investigação, processo necessário – inconcluso se
considerarmos a eliminação dessas diferenças, quem entra ou não em cena, sobe
ao palco, é escrito ou ouvido ao longo da história – segue pendente.

Mesmo pendente, em todo evento os termos representatividade, inclusão,


diversidade, reparação, decolonização podem aparece na lógica e estética do “co-
cu”, um fazer junto gramatical e imagético, que por si não dão conta. sinal de que
tais mudanças podem estar sendo consumidas por uma cultura dominante sob o
risco de alcançarem um ponto de saturação, exaustão, acomodação

Afinal, trata-se de mudanças estruturais ou de fachada? Ou de ambas, em diferentes


combinações? De que modo aqueles agentes transpõem ou restam condicionados
às expectativas sobre seus corpos, experiências e discursos? Como não reduzir a
visibilidade à mera aparição, a um discurso sem ação? Que papel as instituições
culturais e outras instâncias têm desempenhado nesse processo? De que modo as
concepções e epistemologias da arte moderna e contemporânea têm sido mantidas,
reformadas ou transformadas? Balançar e apurar

Dizer e criar uma representação está dentro do reino da mentira e não do reino da
verdade, o que quer dizer que uma representação não é um ser, um agente, e sim
um falso dele. Mesmo que sejam agentes os que estejam enquadrados - sempre por
um outro agente – na representação suas essências se perdem e são tomadas por
suas imagens.

importância daquelas mudanças seja inegável, elas ainda não parecem ter
alcançado as diretorias e conselhos das grandes instituições. Um organograma que
subalterniza os setores educativos em face do curatorial e do expositivo.

Ponderar a maneira como tais mudanças são, em parte, assimiladas por valores e
práticas neoliberais, reiterando critérios baseados na singularidade, raridade e
autenticidade.

Mesmo com a crise geral não parece haver crise no mercado de arte, onde a
perspectiva de uma carreira artística para aqueles agentes tem sido apoiada por um
“colecionismo ativista”, interessado justamente na produção de “grupos
minorizados”.

É diante de encruzilhadas como essas, onde as políticas de representação – para


além de sua positividade – aparecem de modo dilemático. E isso não é dizer que a
insuficiência atestada pede por mais representação, para que as políticas de
representação tenham a devida consequência (em termos de equidade e justiça
social), pode ser necessário rever rotas, estratégias, discursos e alianças, ou ainda,
desvencilhar-se das armadilhas que a própria gramática da representação oferece,
sem que exatamente seja possível se livrar da própria representação, enquanto um
modo de inscrição no mundo em comum.

Bibliografia

MIGNOLO, W. Aiesthesis decolonial, CALLE14. Revista de Investigación en el


Campo del Arte; Vol 4, No 4 (Ano 2010).
https://revistas.udistrital.edu.co/index.php/c14/article/view/1224

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