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Resenha final - Decolonizar o museu

Os museus são cenas de crime. Nada fica mais compreensível que essa frase de Wandile
Kasibe utilizada pela autora para referenciar a constituição de racismo, sexismo e a presença da
branquitude dos museus e que precisam ser discutidos. A partir dessas questões, os povos que
tiverem seus objetos roubados, feministas que acusam a falta de mulheres nos acervos e a
permanência do patriarcado e outras questões que estão constantemente questionando essa falta
dos museus e isso fortalece as reflexões e a celebração daqueles que nunca foram. Artistas
negros (as), autóctones e racializados (as) e propondo novas narrativas e escolas de artes abrindo
seus espaços para essas discussões. Todos esses movimentos fazem com que os museus
adquirem novas discussões como gênero e raça, para o passado colonial, crise climática e entre
outras crises sociais. Entretanto, como a autora pontua, essas questões não fazem com que seja
uma iniciativa decolonial.

É importante compreender que, como já discutido anteriormente, que o museu não é


passível de neutralidade. Ele possui um discurso que possibilita a participação nos processos de
dominação e na representação do Estado-nação sobre si mesmo. Além disso, como a autora
pontua, o poder do museu não se apoia exclusivamente em taxas de visitação ou prestígio;
apoia-se também na transformação de quadros e objetos em símbolos da glória nacional e da
riqueza da nação. São esses objetos que são elevados a ícones de uma civilização dita como
superior e estes que estampam infinitamente em livros didáticos, selos, louças e entre outros que
conciliam com a narrativa ocidental. Pensando nisso, a pergunta que se insere: Qual a relação
entre o museu e a colonialidade da construção europeia? Essa pergunta se torna pertinente
quando pensamos que a identidade da Europa se construiu pelas armas, pela conquista, pela
colonização e pela coleta de objetos. O museu europeu é a prova disso. Com isso, abordar sobre
o museu representa falar das profundas disparidades que nascem das desigualdades estruturais
entre Norte e Sul global, mas também são frutos da destruição de cidades, palácios, monumentos
e bibliotecas realizados pelos exércitos coloniais e imperialistas. Dessa forma, a autora enfatiza
as estruturas de exploração e extração que fizeram a riqueza dos museus do Norte, a extração de
objetos, ideais e força criativa através de dados. Estes dados apontam que 61% dos
estabelecimentos estão localizados na Europa ocidental e 1,5% estão na África e nos pequenos
Estados insulares em desenvolvimento. Isso demonstra os obstáculos que os museus do Norte
impõem ao retorno dos objetos de arte aos seus países de origem.

É fundamental abordar o crescente poder das fundações privadas nas esferas das artes,
dos museus, da cultura e da economia solidária. A autora pontua que essas fundações são as
principais financiadoras de projetos, responsáveis ​pela aquisição e transformação de terrenos ou
instalações abandonadas em galerias e espaços de criação. Eles também oferecem residências
para artistas e jovens, muitas vezes marginalizados por questões de classe, gênero e raça,
conectando-os com artistas renomados em workshops e masterclasses. No entanto, é importante
ressaltar que a filantropia tem sido objeto de crítica ao longo da história, especialmente no século
XVIII, quando a feminista Mary Wollstonecraft descreveu como um sistema capcioso de
escravidão. As críticas também são direcionadas à intervenção das fundações privadas na criação
de instituições educacionais para minorias, como apresentadas por pensadores como WEB Du
Bois, que argumentava que a educação é um serviço público e se torna comprometida quando
dependente de doações de ricos. Como a autora pontua, o capitalismo, por meio dessas
fundações, têm exercido influência no campo das lutas sociais pela arte e educação, muitas vezes
associando suas atividades a agendas ideológicas bastantes ao anticapitalismo. Fundações
regidas predominantemente por pessoas brancas enfraquecem essas lutas, apesar do apoio
financeiro que oferecem aos artistas. É inegável que o apoio das fundações representa uma fonte
crucial de sustento para os artistas, especialmente em um contexto de cortes nos gastos públicos
e incentivos estatais para buscar financiamento privado. No entanto, esse apoio também pode
gerar dependência. A autora destaca que no âmbito dos museus, as fundações têm contribuído
para o enfraquecimento das instituições públicas, seja pelo desvio de patrocínio ou pela
disparidade de recursos financeiros. Enquanto os museus públicos enfrentam orçamentos
limitados, as fundações privadas têm à disposição vastos recursos, muitas vezes excedendo em
muito o financiamento estatal. Um exemplo disso é o contraste entre o orçamento de aquisições
do Museu Pompidou, de menos de 2 milhões de euros, e o valor de uma única obra adquirida
pela Fundação Pinault, que pode ultrapassar os 10 milhões de euros.
Pensando nessa relação das fundações privadas e os museus, pontua-se ainda que as fundações
montam exposições para as quais os museus públicos jamais teriam os recursos necessários e
divulgam novos (as) artistas, enquanto as estruturas públicas sofrem com a própria timidez e
falta de criatividade, são conservadoras e passam longe dos novos talentos. A existência das
fundações deveria incentivar as instituições públicas a terem mais ousadia, mais criatividade e
riscos. O que faz com que a comparação entre o público e o privado acabe sendo um prejuízo dos
serviços públicos, associados a um excesso de prudência e uma burocracia invasiva. Essas
críticas podem facilmente se transformar em acusações contra a cultura a serviço do Estado e a
interesses nacionalistas limitados. No entanto, a reputação de neutralidade que o privado
conseguiu construir, ou pelo menos o argumento de que é transparente, é uma ficção. Isso
porque, as intenções dessas grandes fortunas para a arte, a educação, a saúde e a cultura não são
neutras: elas refletem um desejo de validação da opinião pessoal. Para os grandes bilionários,
eles veem as fundações como uma oportunidade de deixar sua marca na história e serem
admirados (as) em vida. Sendo assim, percebe-se uma grande relação de interesses.

Necessita-se entender que as obras de arte são um bem comum e pertencem a todos,
partindo disso, a autora utiliza do princípio do contrato social, um dos elementos fundadores da
revolução e da modernidade. Utilizando do livro “Do contato social” 1760 de Jean Jacques
Rousseau, a autora estabelece o princípio de soberania inalienável do povo, apoiada nos
princípios da liberdade, da igualdade e da vontade geral. A partir disso, entende-se que quando
uma sociedade rompe o contrato social, ela deixa de ser uma sociedade e torna-se uma
organização submetida à tirania. Além disso, o contrato social dissimula outros contratos. em
especial aquele que a feminista Carole Pateman chama de o contrato sexual. Dessa forma,
Pateman mostra que o contrato social é historicamente acompanhado da exclusão das mulheres
da sociedade civil e que o contrato sexual,que é um pacto assinado entre homens, fundou o
direito dos homens, enquanto homens, de dispor livremente do corpo das mulheres. Ele construiu
teórica e legalmente o patriarcado e, portanto, a subordinação jurídica e social das mulheres. No
entanto, a autora pontua uma questão que Pateman não leva em consideração o que a Revolução
Haitiana tornou evidente:o fato de que o contrato social\sexual e o interesse geral eram
racializados.

Além disso, a autora faz citações sobre a colaboração que foi feita com Okwui Enwezor
na Trienal de Paris, da qual ele seria o curador. A autora cita que nesse momento possuiu a ideia
de organizar programas de visitas guiadas no Museu do Louvre, intitulado “O/a escravo/a no
Louvre, uma humanidade invisível”. A autora aborda o seu interesse na representação da
escravidãos dos/as escravos/as por eles/as mesmos/as, pelos escravagistas e pelos abolicionistas
europeus e estadunidenses. Importante pontuar que a representação da escravidão não estava na
lista de prioridades do Louvre e, como este, nunca tinha sido pensado como um “museu da
escravidão”, possivelmente os conservadores poderiam ir contra a ideia. Para eles/as, falar da
presença do “escravo” no Louvre era anacrônico, porque, como a autora cita ter ouvido várias
vezes, o artista que ela escolheu para ilustrar a sua propost não possuia a intenção de representar
a escravidão ou o/a escravo/a. A representação dessas pessoas ou do regime precisava ser de
forma literal ou imediatamente perceptível com ferros, correntes, corpos negros seminus e entre
outros para ser levada em consideração. O Louvre era, em primeiro lugar, o museu da civilização
europeia - e de outras poucas civilizações - e, por isso, não havia espaço nele nem para a
escravidão colonial, para o ser humano negro transformado em escravo. No entanto, a autora
pontua que o seu objetivo não era preencher essa ausência ou impor a presença pictórica do/a
escravo/a. Na verdade, o objetivo era compreender a necessária ausência dessa figura e, com
auxílio dos objetos, identificar sua presença espectral. Isso foi permeado por dois
questionamentos: O que se pode dizer da representação pictórica desse fantasma que alude a
Trouillot? Como os pintores franceses e europeus dos séculos XV e XIX reagiram ás mudanças
que o tráfico de negros e a escravidão imprimiram no nascimento da modernidade? Nessa
perspectiva, a autora pontua que o ponto de partida das visitas guiadas que propôs no Louvre foi
a seguinte: Como responder ao argumento que abordava que a escravidão beneficiou apenas os
ricos e os burgueses, portanto, se os antepassados das pessoas brancas (a autora não é clara nesse
momento, mas compreende-se que é isso que ela pode estar se referindo) eram pobres, elas não
tiraram nenhum proveito disso? Assim, a autora compreende que tinha que abordar os produtos
da escravidão que contribuíram para o bem-estar de toda a sociedade. Não era, portanto, a figura
literal do/a escravo/a que a autora buscava no Louvre, mas a representação na pintura europeia
de objetos e mercadorias que a cultura escravagista levou para a Europa: açúcar, tabaco, café,
plantas exóticas, chocolate, algodão. A autora busca pôr em evidência como a escravidão
colonial havida mudado as representações de si, as representações da masculinidade e
feminilidade brancas, as maneiras de receber e os códigos sociais. A autora cita que, para isso,
precisava investigar quando os quadros começaram a mostrar homem com um cachimbo na mão;
quando a masculinidade europeia e o tabaco se associaram um ao outro; quando os serviços para
chá e café, os bules, as cafeterias, os açucareiros, as caixas de rapé, as xícaras de chá e café
começaram a ser representados e como essas representações naturalizaram a escravidão,
tornaram a escravidão um sistema de produção como outro qualquer, fornecendo produtos
maravilhosos como açúcar, tabaco e café, sem que ninguém se questionasse sobre as condições
de sua produção. Diante disso, a autora questiona: Como essas representações naturalizaram a
colonização que levava para a Europa objetos maravilhosos, animais fabulosos, frutas, plantas e
até mesmo seres humanos? Dessa forma, a autora pontua que esses objetos são cheios de
história- tráfico, escravidão, expropiação, exploração, destruição do meio ambiente, tráfico de
seres humanos, estrupro. Talvez nossos antepassados não tenham sido escravagistas, mas o
simples consumo de tabaco integrou a vida de franceses comuns ao circuito global de comércio
escravagista. Assim, era preciso observar, portanto, como o mundo construído pela escravidão se
insinuou na pintura europeia, como o/a escravo/a estava e, no entanto, não estava nela. Com
isso,o açúcar, tabaco, café, algodão não eram simples produtos de consumo que haviam
transformado as sociedades europeias, mas símbolos de uma transformação baseada na
deportação, na expropriação e na extração. Assim, alguns hábitos sociais, como oferecer café,
açúcar e doces, fumar em companhia de outras pessoas, não surgiram do nada, eles apareceram
devido à chegada de produtos que não “viajaram”. Esses produtos começaram seu trajeto no
porão do navio negreiro, ou mesmo antes, nos ataque arrancaram os africanos à força de sua terra
natal, prosseguiram nos mercados de escravos passaram pela plantations e partiram para a
Euorpa, já limpos de suas origens criminosas.O bem-estar europeu se espalhou pouco a pouco
para toda a sociedade estava assentado na exploração dos negros.

É importante compreender que a fetichização do objeto como prova de desenvolvimento


e a ideia de falta como demonstração de inferioridade tinham, como sabemos, profunda relação
com a ideologia colonial racial e as teorias do desenvolvimento civilizacional. A autora aponta
que a ideia de uma Europa continente e terra de civilização avançada baseava-se na certeza de
que “faltavam” técnica, educação e saberes aos povos não europeus e às comunidades não
brancas e cristãs da Europa (judeus, Rom), por isso não podiam ascender à plena humanidade
nem as posições de decisão e poder. Os escravos eram considerados sub-humanos. Qualquer
pessoa a quem se considerasse que faltava um atributo de poder era automaticamente colocada
em posição de inferioridade. A autora destaca que o colonialismo construiu um quadro
normativo: os povos colonizados eram atrasados, apresentavam uma “falta”, mas podiam
preencher essa falta seguindo o caminho dos povos civilizados.

Com base em todas essas questões, a autora finaliza abordando sobre o Aquilombar
continua sendo a ação mais radical, a ação de desordem absoluta. Sob a escravidão, o
aquilombamento era a negação da própria lógica do sistema de plantation, porque a vida em
liberdade era vivida num espaço regido pela interdição da liberdade. Entretanto, se tornar um
quilombola era entrar em guerra com o poder escravagista colonial e o racismo, mas era por
meio disso, que havia a defesa dos espaços de liberdade e dignidade num mundo onde a vida
negra não contava. Assim, nesse mundo de guerra em que vivemos, precisa haver instituições
decoloniais, antirracistas, anticapitalistas e antiimperialistas que, como a autora cita, não sejam
baseadas no extrativismo, mas incentivem a curiosidade, o desejo de compreender e agir contra
as injustiças, as desigualdades e o sexismo. Que possamos construir terrenos para plantar novos
sonhos.

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