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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE ARTES E LETRAS


DEPARTAMENTO DE ARTES VISUAIS
CURSO DE ARTES VISUAIS
ARTE GLOBAL
TATIANE DE OLIVEIRA ELIAS

Jamille Marin Coletto

BUSSMANN, Rosane Maria Demeterco; MARQUES, Jane A. Arte Global:


rompendo fronteiras. XI Congresso Internacional de Estética e História da Arte
Rompendo Fronteiras: arte, sociedade, ciência e natureza, 2018. pp. 270-
280. Disponível em: http://www.pgeha2.webhostusp.sti.usp.br/livros/C_I_EHA_11_-
_Rompendo_fronteiras_-_arte_sociedade_ciencia_e_natureza_-_2018.pdf

“As práticas artísticas contemporâneas parecem tomar uma nova forma, impulsionadas
pela globalização atual a partir dos anos 1980 (SMITH, 2017). Pode-se dizer que “o ano
de 1989 testemunhou uma reviravolta global, resultando em uma nova era para a arte”
(ALBERRO, 2008, p. 67). [...] “A globalização superou o velho ‘internacional da arte’”
e, consequentemente, ensejou a possibilidade de muitos artistas de participarem do
contexto da arte contemporânea pela primeira vez” (BUDDENSIEG, s.d.). Esta
transformação no contexto da história da arte definida até então, pela hegemonia
europeia e norte americana, rompe fronteiras e passa a ocupar seu lugar no contexto da
‘arte global’ contemporânea, a qual delinearemos adiante.” (p. 270)

“Neste artigo, fazemos um recorte de três importantes exposições de arte


contemporânea, ocorridas no ano de 1989, as quais são objetos de estudo desta
pesquisa: ‘Magiciens de la terre’ (‘Magos da Terra’) Paris; ‘The Other Story’ (‘A Outra
Estória’) Londres; e a ‘Tercera Bienal de la Habana’ (Terceira Bienal de Havana) em
Havana. [...] Analisamos as três exposições (descritas acima), a fim de compreender o
porquê estas podem ser consideradas emblemáticas no recorte da arte contemporânea
global?” (p. 270)

“A exposição ‘Magiciens de la terre’ (‘Magos da Terra’) ocorreu de 18 de maio a 14 de


agosto de 1989. Foi instalada: no Centre Georges Pompidou e na Grande Halle de la
Villette em Paris. Teve como curador Jean-Hubert Martin, historiador, conservador do
patrimônio e curador de arte (CENTRE GEORGES POMPIDOU, 1989). Segundo
Rachel Weiss (2011, p. 14), ‘Magiciens de la Terre’ “reivindicou ser a primeira
exposição mundial de arte contemporânea”. Daí derivam discussões e críticas sobre a
política de representação dos ‘outros’ (os não ocidentais) por instituições e curadores
ocidentais (WEISS, 2011).” (p. 271)

“‘Magiciens de la Terre’ foi uma exposição internacional de arte contemporânea que


apresentou 100 (cem) artistas contemporâneos de 50 (cinquenta) países ocidentalizados
e outros 50 (cinquenta) países não ocidentalizados. [...] Dentre os cem artistas que
participaram da exposição, “três eram brasileiros: Cildo Meireles, Deoscoredes
Maximiliano dos Santos, conhecido como Mestre Didi, e Ronaldo Rego” (CONDURO,
2013, p.227).” (p. 271)
“Podemos dizer que esta exposição se tornou um marco na história da ‘arte global’
porque anunciou uma nova abordagem para a história da arte. Mostrou aos países
ocidentalizados que a arte contemporânea existia(e) fora do Ocidente.” (p. 271)

“Como “Benoît de L'Estoile (2007, p. 12-13) apontou, a história da museografia pode


ser lida como a história de dois modelos de museu: o museu do ‘eu’ e o museu do
‘outro’” (LAFUENTE, 2013, p. 9). O primeiro responde (o museu do ‘eu’): "Quem
somos nós?", abordando a comunidade e o visitante de fora que representa; o segundo
(o museu do ‘outro’), remove a ‘origem’ dos representados, resultando numa perda na
construção da sua identidade cultural e política.” (p. 271)

“Pela da noção de afinidade, identificava a arte "primitiva" e a moderna, propunha uma


concepção ‘universalista’ da criação artística, a partir de uma perspectiva moderna
ocidental. Isso propiciou a discussão sobre questões de representação cultural e uma
crítica à atitude colonial eurocêntrica (LAFUENTE, 2013). Como resposta, a exposição
‘Magiciens de la Terre’ tentou apresentar arte ocidental e a não-ocidental a partir de um
legado em pé de ‘igualdade’.” (p. 272)

“Essa igualdade foi denunciada como fictícia, aberrante ao contexto sociocultural e


histórico em que emergem as diferentes práticas selecionadas e, portanto, exotizadoras,
e ‘Magiciens de la Terre’ tornou-se, especialmente no contexto anglosaxão, a
corporificação de uma atitude neocolonisista que permitiu ao sistema da arte
contemporânea colonizar, comercial e intelectualmente, novas áreas antes fora dos
limites (LAFUENTE, 2013, p. 11).” (p. 272)

“As exposições, depois de 1989, começaram a ser organizadas não apenas pelo
ocidente, mas por aqueles que estavam fora dele, em um cenário além do seu território
'inédito'” (LAFUENTE, 2013, p. 12).” (p. 272)

“Devido às urgências políticas na motivação dessas exposições pelo discurso de


identidade, outro aspecto importante foi esquecido: a museografia. As relações entre
objetos, ideias e estruturas na forma ou estrutura da exibição.” (p. 272)

“[...] “uma mudança histórica em direção à inclusão do artista ou produtor cultural em


vez de sua inclusão como um sujeito representado (o ‘indígena’ ou ‘primitivo’ criador),
ou a inclusão dos objetos pelos quais ele ou ela é responsável (LAFUENTE, 2013,
p.13). O fato de a inclusão deste ou daquele artista não ser um ato de representação não
significa que não houve representação. Ela ocorreu, sob a alegação de ser a ‘primeira
exposição mundial’ e sua insistência em uma igualdade nos números (50 artistas
ocidentais e 50 artistas não-ocidentais). Mas, como uma representação geral e abstrata,
que abandonava nações e regiões, e as considerações políticas reais.” (p. 272-273)

“‘Magiciens de la Terre’ é também uma exposição de objetos silenciosos”


(LAFUENTE, 2013, p.17). Destacou artistas e os apresentou exclusivamente em relação
a outros artistas, sem, em princípio, nenhuma conexão. ‘Magiciens’, seguiu a noção
antropológica de ‘autenticidade’ pré-moderna cultural na qual o empréstimo estético
intercultural pelos não-europeus foi percebido como 'contaminação' ilegítima”
(FISHER, 2009, p.1).” (p. 273)
“A exposição ‘The Other Story’ (‘A Outra Estória’) aconteceu na Hayward Gallery de
Londres, de 29 de novembro de 1989 a 4 de fevereiro de 1990, sob a curadoria do artista
paquistanês Rasheed Araeen e foi a primeira exposição retrospectiva do modernismo
britânico, mesclando arte africana, caribenha e asiática. Ela foi recebida ao mesmo
tempo com escárnio e aclamação (FISHER, 2009).” (p. 273)

“‘The Other Story’, com curadoria do artista Rasheed Araeen, procurou demonstrar e
legitimar a história suprimida de uma estética modernista entre os artistas visuais
britânicos de ascendência africana, caribenha e asiática. [...] o texto do catálogo de
Araeen não deixa dúvidas de que a ausência de artistas negros e asiáticos da história do
modernismo britânico e do patrimônio nacional só poderia ser atribuída à discriminação
racista (FISHER, 2009, p.1).” (p. 273)

“Dos vinte e quatro artistas escolhidos para esta exposição, apenas quatro eram
mulheres, uma das críticas em relação à exposição. Segundo Fisher (2009), os critérios
de Araeen para a seleção dos artistas eram: a relação deles com o modernismo nas artes
visuais e, sua etnia, africana, caribenha e/ou asiática, e ainda, que fossem residentes no
Reino Unido por pelo menos dez anos. “Um argumento fundamental é de que os
modernistas africanos, asiáticos e caribenhos apresentaram um desafio insustentável ao
sistema universalista eurocêntrico de valores, ao qual, no entanto, apenas o artista
branco (masculino) poderia reivindicar uma genealogia legítima” (FISHER, 2009, p.2).
Esse ‘universalismo’ foi definido pelo excluído, segundo Fisher (2009). No início dos
anos 1980, o modernismo ainda era definido como uma inovação europeia. Eram
reconhecidas apenas algumas ‘afinidades estilísticas’ com outras culturas (FISHER,
2009, p. 2): “outras culturas ou povos [foram removidos] da dinâmica da continuidade
histórica”, e na sua subordinação e desvalorização da diferença cultural aos seus
próprios termos privilegiados de referência.” (p. 273-274)

“O dilema de Araeen era que a demanda por inclusão em qualquer habitus, segundo
Bourdieu (1993), era como uma faca de dois gumes. Derrida (2000) aponta que a
inclusão implicava em aceitar a autoridade do ‘anfitrião’ e a submissão aos termos em
que o anfitrião possibilitava a inclusão (FISHER, 2009).” (p. 274)

“Segundo Jean Fisher (2009), Araeen, no catálogo da exposição ‘The Other Story’,
assinala ocasiões em que, tanto críticos de arte anteriores, como posteriores, movidos
por pressupostos culturais estereotipados, contextualizaram o trabalho dos artistas pelas
suas etnias e não por critérios do modernismo (apesar de eurocêntrico).” (p. 274)

“Em suma, ‘The Other Story’ foi uma exposição significativa que tentou envolver-se
com o passado colonial e pós-colonial da Grã-Bretanha no que diz respeito ao racismo,
desigualdade e ignorância de outras culturas (ARAEEN, 1989).” (p. 274)

“A Bienal de La Habana fundada em 1984, foi um projeto de governo com a intenção


de garantir um novo significado geopolítico para Cuba na América Latina e para o
‘Bloco Oriental’. Em consonância com esses objetivos, a Bienal de La Habana foi
organizada primeiramente, como um fórum de arte para artistas do “Terceiro Mundo”
(BELTING; BUDDENSIEG; WEIBEL, 2013).” (p. 274)

“Quando fundada, em 1984, a ‘Bienal de La Havana’ iniciou uma espécie de pesquisa


de arte da América Latina e do Caribe. Mas, em 1986 e novamente em 1989, sua missão
foi progressivamente ampliada para incluir artistas de outros lugares, como África,
Oriente Médio e Ásia. Para Gerardo Mosquera, um dos líderes curadores desta Bienal,
as reformas criaram um intercâmbio artístico internacional entre culturas que não
estavam alinhadas com o “Primeiro ou o Segundo Mundo” (GARDNER; GREEN,
2016).” (p. 274-275)

“Na sua terceira edição de 1989, atingiu o seu auge e reconhecimento internacional,
mais tarde. A curadoria foi de Gerardo Mosquera, e a temática: “Tradición y
Contemporaneidad” (“Tradição e Contemporaneidade”).” (p. 275)

“A terceira Bienal de Havana, foi uma das primeiras exposições de arte


contemporânea a aspirar um alcance global, tanto em termos de conteúdo como de
impacto, e foi a primeira a fazê-lo de fora do sistema de arte europeu. (WEISS, 2011, p.
14).” (p. 275)

“A Bienal apresentava uma matriz variada. As obras foram produzidas não apenas por
artistas, mas também por criadores de bonecos, admiradores de Simón Bolívar, e
crianças que inventavam os seus próprios brinquedos. Houve também uma conferência
organizada que incluiu contribuições de teorias culturais e debate. Ao contrário de uma
bienal mais tradicional, o evento de Havana não foi posicionado como uma vitrine em
torno da qual giravam as outras atividades, mas consistia em atividades com estruturas
discursivas e com um alto grau de acesso e participação do público, aliás, essas foram as
características mais marcantes da Bienal de La Habana em 1989 (WEISS, 2011).” (p.
275)

“Portanto, apesar das Bienais de La Habana não terem sido as primeiras bienais a
promoverem inovações, segundo Gardner e Green (2016), conseguiram ao contrário da
Bienal de Sidney e da Bienal de São Paulo, não aspirarem, representarem nem serem
embaixadores das vanguardas da Europa e da América do Norte.” (p. 275-276)

“A chamada história da arte tem sido uma narrativa sobre a arte europeia, apesar das
reivindicações de identidade nacional de outras regiões do mundo. A hegemonia
europeia até pouco tempo permanecia incontestável. Porém, atualmente, esta imagem
provoca contradições por parte de todos aqueles que não se consideram mais
representados pela arte europeia.” (p. 276)

“A história da arte como discurso, foi criada originalmente, para uma em cultura
particular com uma história em comum. Em contraste, as minorias que emergiram em
determinadas sociedades sentem que não estão representadas nesse quadro por não
compartilharem a mesma narrativa na sua história (BELTING, 2003, 2006).” (p. 275)

“Segundo Belting (2003), desde então, a arte minoritária e especialmente a arte


feminina veio à frente com novas questões a serem tratadas e a parte ‘esquecida’ da
história culpa a historiografia oficial de ter sido ‘inventada’. Agora, reivindica uma
‘revisão’ dessa história. “A disputa sobre a ‘verdadeira’ história da arte se desenrola em
exposições onde os visitantes esperam ‘descobrir’ coisas que não podem encontrar na
história escrita” (BELTING, 2003, p. 64). A história da arte desenvolvida pelo modelo
europeu não é uma narrativa neutra e generalizada que poderia facilmente ser aplicada a
outras culturas.” (p. 276)
“A modernização global é vista como um processo linear e rígido, enquanto que a
chamada ‘arte universal’ oferece uma compensação folclórica, que não se espera que
concorra seriamente com o modelo ocidental e apresentando a cultura do ‘terceiro
mundo’ apenas como uma ‘reserva’ exótica (BELTING, 2003, p. 65). Erro agravado
pela mídia ocidental, a qual não só informa sobre o mundo ocidental, mas produz uma
miragem de proximidade e de acessibilidade do ocidente, incluindo sua cultura. Trata-se
de um novo colonialismo (BELTING, 2003, 2006). Portanto, “A cultura global é um
fantasma da mídia, que promete a mesma cultura a todos, independentemente da origem
e do status social” (BELTING, 2003, p. 66).” (p. 277)

“A história não vive unicamente pelos padrões de uma história linear; ela se manifesta
no uso de modelos sociais e nas tradições culturais. Assim, a exposição, ‘Magiciens de
la Terre’, revelou o esforço de Jean-Hubert Martin para reabrir o fenômeno
contemporâneo da arte mundial ou local. Segundo Belting (2003, 2006), não era a
intenção nesta exposição, desacreditar a nova convivência entre artistas ocidentais e
não-ocidentais os quais não compartilhavam de um conceito comum sobre arte.” (p.
277)

“Belting no livro, ‘O fim da história da arte’, com primeira edição publicada em 1987,
aponta limitações da história da arte como ferramenta para avaliar uma obra de arte
contemporânea.” (p. 277)

“Considera-se que os eventos artísticos aqui analisados apresentaram uma visão


‘internacionalista’ da arte, e os termos foram moldados e compreendidos localmente. A
mostra francesa recordava aspirações universalistas da Revolução de 1789; a exposição
britânica buscava incluir as narrativas artísticas nacionais como consequências da
migração pós-imperial; e o projeto cubano visava mobilizar comunidades de arte
marginalizadas de dentro e de fora dos Estados Unidos.” (p. 278)

“Essas exposições podem ser consideradas emblemáticas por terem impulsionado um


debate acirrado sobre fronteiras da arte até então guiadas por um viés hegemônico
europeu e norte americano.” (p. 278)

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