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Anotações A Invenção do Cotidiano (1984)

Uso e consumo

p.40
“Só então e que se pode apreciar a diferença ou a
semelhança entre a produção da imagem e a produção secundária
que se esconde nos processos de sua utilização.”

“na perspectiva da enunciação, objeto deste estudo, privilegia-se o


ato de falar: este opera no campo de um sistema linguístico;
coloca em jogo uma apropriação, ou uma reapropriação, da
língua por locutores; instaura um presente relativo a um
momento e a um jugar; e estabelece um contrato com o outro
(o interlocutor) numa rede de lugares e de relações.”

Retórica das práticas, astúcias milenares

p. 105

“estudo de algumas táticas cotidianas presentes não deve no


entanto
esquecer o horizonte de onde vem e, no outro extremo, nem o
horizonte para onde poderiam ir. A evocação desses remotos
passados ou futuros permite ao menos resistir aos efeitos da
análise, fundamental mas muitas vezes exclusiva e obsessional
que procura descrever as instituições e os mecanismos da
repressão.”

p.106

“Daquilo que cada um faz o que e que se escreve?


Entre os dois, a imagem, fantasma do corpo experiente e mudo,
preserva a diferença.”

Retóricas ambulatórias

p.179

“O estilo especifica "uma estrutura linguística que manifesta no


piano simb6lico (...) a maneira de ser no mundo fundamental
de um homem". Conota um singular”
“O uso... remete a uma norma”

“O estilo e o uso visam uma “maneira de fazer”... um como tratamento singular do simbólico, o outro como
elemento de um código”

p.180

“retórica habitante”... os “tropos” da retórica fornecem modelos e


hipóteses à análise das maneiras de se apropriar dos lugares”

“práticas do espaço correspondem a manipulações sobre os


elementos de base de uma ordem construída”

“como desvios relativos de um “sentido literal”definido pelo sistema


urbanístico”

“Figuras verbais como figuras ambulatórias consistem em


“tratamentos” ou operações que trabalham com unidades isolável,
em arranjos ambíguos que modificam e deslocam o sentido para
uma equivocidade, como uma imagem que se mexe perturba e
multiplica o objeto fotografado”

“A gesta ambulatória joga com as organizações espaciais, por mais


panópticas que sejam: ela não lhes é nem estranha nem conforme.
Aí ela cria algo sombrio e equívoco. Aí ela mesma é o efeito de
encontros e ocasiões que não cessam de alterá-la e de usá-la como
o brasão de outra, ou seja o que carreia aquilo que surpreende ou
seduz seus percursos. Esses vários aspectos instauram uma
retórica. Chegam mesmo a defini-la.”

p.181

“duas figuras de estilo: sinédoque, consiste em “em empregar a


palavra num sentido que é uma parte de um outro sentido da mesma
palavra” e assíndeto, é a supressão dos termos de ligação,
conjunções e advérbios de uma frase ou entre frases.”

“Uma substitui uma totalidade por fragmentos, a outra os desata


suprimindo o conjuntivo e o consecutivo. Uma densifica: amplifica o
detalhe e miniaturiza o conjunto. A outra corta: desfaz a
continuidade e desrealiza a sua verossimilhança.”

“O espaço tratado e alterado pelas práticas se transforma em


singularidades aumentadas e em ilhotas separadas.”

p. 182

“se cria um fraseado espacial de tipo antológico(composto de


citações justapostas) e elíptico(faz buracos, lapsos e alusões)... Em
vez do sistema tecnológico as figuras ambulatórias introduzem
percursos que têm uma estrutura de mito, ... um relato bricolado
com elementos tirados de lugares-comuns, uma história alusiva e
fragmentária cujos buracos se encaixam nas práticas sócias que
simboliza.”

Transformam a cena, mas não podem ser fixados pela imagem em


um lugar... se fossem ilustradas seriam as imagens-transito,
caligrafias amarelo-verde e azul metal, que bradam sem gritar e
listram os subsolos da cidade, “bordados” de letras e números,
gestos feitos de violências pintados com pistolas, xivas em
escrituras, grafos dançantes, cujas fugidias aparições são
acompanhadas pelos ruídos abafados dos trens do metrô: os graffiti
de nova Iorque”
_Imagem

p.40

“Só então e que se pode apreciar a diferença ou a semelhança entre


a produção da imagem e a produção secundária que se esconde nos
processos de sua utilização.”

p.106
“Daquilo que cada um faz o que e que se escreve?

Entre os dois, a imagem, fantasma do corpo experiente e mudo,

preserva a diferença.”

p.132

“A interrogação teórica, pelo contrário, não esquece, não pode


esquecer que além da relação desses discursos científicos, uns com
os outros, existe a sua relação comum com aquilo que eles tomaram
cuidado para excluir de seu campo para constituí-lo. Ela se liga ao
pulular daquilo Que não fala (ainda não?) e que assume, entre
outras, a imagem das práticas "ordinárias". Ela é a memória desse
"resto". É a Antígona daquilo que não se pode diante da jurisdição
científica. Constantemente ela traz de volta esse inolvidável aos
lugares científicos onde restrições técnicas lhe tornam o
esquecimento “politicamente" (metodologicamente e, em princípio,
provisoriamente) necessário.”

p.180

“Figuras verbais como figuras ambulatórias consistem em


“tratamentos” ou operações que trabalham com unidades isolável,
em arranjos ambíguos que modificam e deslocam o sentido para
uma equivocidade, como uma imagem que se mexe perturba e
multiplica o objeto fotografado”

p. 182

[figuras ambulatórias]Transformam a cena, mas não podem ser


fixados pela imagem em um lugar... se fossem ilustradas seriam as
imagens-transito, caligrafias amarelo-verde e azul metal, que
bradam sem gritar e listram os subsolos da cidade, “bordados” de
letras e números, gestos feitos de violências pintados com pistolas,
xivas em escrituras, grafos dançantes, cujas fugidias aparições são
acompanhadas pelos ruídos abafados dos trens do metrô: os graffiti
de nova Iorque”

p.206

Bem longe de serem “ilustrações” [a proliferação de figuras


narrativas em mapas], glosas icônicas do texto, essas figurações,
como fragmentos de relatos, assinalam no mapa as operações
históricas de que resulta. ...equivalem a uma descrição de percurso”

p.270

“Com efeito, a leitura não tem lugar:... "Era uma coisa idiota, mas eu
não
desligava ", qual era o lugar que a prendia, que era e no entanto não
era o da imagem vista? O mesmo se dá com o leitor: seu lugar não e
aqui ou lá, um ou outro, mas nem um nem outro, simultaneamente
dentro e fora, perdendo tanto um como o outro misturando-os,
associando textos adormecidos mas que ele desperta e habita, não
sendo nunca o seu proprietário. Assim, escapa também a lei de cada
texto em particular, como a do meio social.”

_Relatos de espaço

p.199

Na Atenas contemporânea, os transportes coletivos se chamam


metaphorai. Para ir para o trabalho ou voltar para casa, toma-se uma
"metáfora" - um ónibus ou um trem. Os relatos poderiam igualmente
ter esse belo nome: todo dia, eles atravessam e organizam lugares;
eles os selecionam e os reúnem num só conjunto; deles fazem
frases e itinerários. São percursos de espaços. as estruturas
narrativas tem valor de sintaxes espaciais.
p.200
“todo relato é um relato de viagem – uma prática do espaço. Fazem
a viagem antes ou enquanto os pés a executam, organizam as
caminhadas.
p.201
“ esta pesquisa se passa na consideração das ações narrativas. Elas
permitem precisar formas elementares das práticas organizadoras
de espaço: bipolaridade “mapa”x”percurso”, processos de
delimitação e focalizações enunciativas

_“Espaços” e “lugares”

p.202
“o espaço é um lugar praticado. A rua definida por um urbanismo é
transformada em espaço produzido pelos pedestres”
p.203
“Os relatos efetuam o trabalho que transforma lugares em espaços
ou espaços em lugares.”

_Percursos e mapas
p.204

“qual é a coordenação entre um fazer e ver nesta linguagem


ordinária?”

A estrutura de um relato de viagem: história de caminhadas e gestas


são marcadas pela “citação” dos lugares que daí resultam ou que as
autorizam.

p.206

Bem longe de serem “ilustrações” [a proliferação de figuras


narrativas], glosas icônicas do texto, essas figurações, como
fragmentos de relatos, assinalam no mapa as operações históricas
de que resulta”

p.207

“o mapa fica só. As descrições de percurso desaparecem”

“Os mapas constituídos em lugares próprios para expor os produtos


do saber, formarem os quadros de resultados legíveis. Os relatos de
espaço exibem ao contrário as operações que permitem, num lugar
obrigatório e não próprio, “tritura-lo””

“os relatos cotidianos contam aquilo que, apesar de tudo, se pode aí


fabricar e fazer. São feituras do espaço.”

_Demarcações

p.209

“O relato tem papel decisivo na distribuição do espaço que estrutura


a espacialidade. Descreve e toda descrição é mais que uma fixação
é um ato fundante.”

p.210

“Diz-se que um tempo ou um lugar são fasti ou nefasti(fastos ou


nefastos) conforme derem ou não derem às ações humanas esta
necessária base”

“o primeiro papel do relato. Abre um teatro de


legitimidade(fundação) a ações efetivas. Cria um campo que
autoriza práticas sociais arriscadas e contingentes. Mas, tríplice
diferença em relação à função tão cuidadosamente isolada pelo
dispositivo romano, ele assegura o fas sob uma forma disseminada
(e não mais única), miniaturizada (e não mais nacional) e polivalente
(e não mais especializada). Disseminada, não só por causa da
diversificação dos meios sociais, mas sobretudo por causa de uma
crescente heterogeneidade (ou de uma heterogeneidade sempre
mais desvelada) entre as "referencias autorizantes": a excomunhão
das "divindades" territoriais, o desapreço pelos lugares habitados
pelo espirito dos relatos e a extensão de áreas neutras, privadas de
legitimidade, marcaram a fuga e a fragmentação das narrarações
organizadoras de fronteiras e de apropriação (Uma historiografia
oficial – livros de história, atualidades televisionadas etc. - procura
no entanto impor a todos a credibilidade de um espaço nacional).
Miniaturizada, porque a tecnocratização socioeconômica reduz a
unidade familial ou individual o jogo do fas ou do nefas, com a
multiplicação das "histórias de família", das "biografias" ou de todas
as narrações psicanalíticas (Pouco a pouco desancoradas dessas
histórias particulares, justificações públicas transformadas em
boatos cegos se mantem no entanto ou ressurgem, selvagens, nos
confrontos de classes ou nos conflitos raciais). Polivalente, enfim,
porque a mistura de tantos micro-relatos lhes atribui funções que
variam ao sabor dos grupos onde circulam. Essa polivalência não
toca entretanto as origens relacionais da narratividade: o antigo
ritual criador de campos de ações pode ser reconhecido em "cacos"
de relatos plantados em torno dos limiares obscuros de nossas
existências; esses fragmentos escondidos articulam
inconscientemente a história "biográfica" cujo espaço
fundamentam.”

p. 212
“Os relatos são animados por uma contradição que neles representa
a relação entre a fronteira e a ponte, isto é, entre um espaço
(legítimo) e sua exterioridade (estranha)”
“de um lado, o relato não se cansa de colocar fronteiras. Multiplica-
se em termos de personagens (actantes), predicados e
movimentos ...Os limites são traçados pelos pontos de encontro
entre as apropriações progressivas (atribuição de predicados) e os
deslocamentos sucessivos (movimentos sucessivos) dos actantes.
p.213
“Resultam de um trabalho de distinção a partir dos
encontros. ...Paradoxo da fronteira: criados por contatos os pontos
de diferenciação entre dois corpos são também pontos comuns”

“o rio, a parede ou a árvore que faz fronteira:...só põe uma margem


dizendo aquilo que o atravessa, vindo de outra margem. Articula. É
também uma passagem. No relato, a fronteira funciona como um
terceiro. Ela é um “entre dois” – “um espaço entre dois”
p.214
encher e construir “o espaço entre dois”, eis a pulsão e a ilusão do
arquiteto que trabalha, sem saber, para o congelamento político. O
relato, ao contrário, privilegia, por suas histórias de interação uma
“lógica da ambiguidade”, “muda” a fronteira em ponto de passagem,
e o rio em ponte.
p.215
“transgressão do limite... ela representa... de qualquer maneira a
“traição” de uma ordem, dá objetividade (ou seja expressão e
representação) à alteridade que se escondia do lado de cá dos
limites, cruzando a ponte para lá e voltando ao recinto fechado.
Tudo ocorre como se a própria delimitação fosse a ponte que abre o
dentro para o seu outro”
Delinquências?
“Onde o mapa demarca, o relato faz uma travessia. Instaura uma
caminhada (“guia”) e passa através (“transgride”). As demarcações
são limites transportáveis e transportes de limites, eles também
“metaphorai”.
p.216
“se o delinquente só exite deslocando-se, se tem por especificidade
viver não à margem mas nos interstícios dos códigos que
desmancha e desloca, se ele se caracteriza pelo privilégio do
percurso sobre o estado, o relato é delinquente.
“o relato é uma delinquência em reserva, mantida ela mesma,
deslocada no entanto e compatível, nas sociedades tradicionais
(antigas, medievais etc), com uma ordem firmemente estabelecida
mas suficientemente flexível para deixarproliferar essa mobilidade
contestadora, desrespeitosa dos lugares, sucessivamente obediente
e ameaçadora, que se estende das formas microbianas da narração
cotidiana até as antiga manifestações carnavalescas.”

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