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Universidade Federal de São Paulo

Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – EFLCH


Uc de Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão em História II

Laboratório II
Oficina II
Rosângela F. Leite
Fonte: Livro de Ouro da Independência
http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_obrasraras/bndigital0447/
bndigital0447.pdf

CENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA

Grupo:
Aline Inácio Barbosa
Ana Luíza Afonso Dias de Freitas
Danielle Nogueira Marques
Raphael Bueno Medeiros
Rene Jules Degrave
Tábata de Oliveira Joffre
Vanessa Freitas Vicente

Guarulhos/2022
O Livro de Ouro da Independência

Relatório:

1) Suporte, condições materiais, origem e circulação do impresso.

 Livro impresso, em formato de almanaque; publicação original da obra completa


em 4 volumes.
 Dividido em cinco partes:
Na primeira parte, encontram-se trinta artigos que fazem uma retomada histórica da
política, da sociedade, da cultura, da economia e de outros diversos assuntos
concernentes ao Brasil;
A segunda é composta de seis temas: A voz da imprensa, A Exposição Internacional, As
grandes festas, Congressos e Conferências, Homenagens estrangeiras, Notas várias e
Encerramento das festa;
A terceira parte do livro dedica-se aos “fundadores do Império e da República”,
ilustrada com fotos de José Bonifácio de Andrada e Silva, d. Pedro I, Benjamin
Constant, Marechal Deodoro e os demais presidentes.
A quarta desenvolve uma síntese de cada estado brasileiro, incluindo o Distrito Federal.
Por último, arrematando o livro, apresenta-se um resumo sobre a imprensa, no qual se
fez uma retomada histórica sobre o Jornal do Brasil, O Paiz, O Correio da Manhã, o
Imparcial e o Estado de São Paulo.
Ao final, acrescido de um tópico, com o título Saudações Portuguesas, se apresentam
artigos escritos por Alberto d’Oliveira, Antônio Baião, Lucio d’Azevedo, visconde de
Carnaxide, Mendes Corrêa, Alberto Pimentel e João de Castro.

 O livro se apresenta como uma espécie de catálogo de empresas e produtos


nacionais e portugueses, contendo extensa quantidade de fotos-propaganda;
 Livro concebido como um memorial da Exposição Internacional e do centenário
da Independência, cuja intencionalidade foi criar uma história-memória, um
monumento ou lugar de memória, segundo Pierre Nora1. Contém narrativas de
fatos e eventos ocorridos na história brasileira e da Exposição Internacional, bem
como ilustrações com o cenário e personagens da Independência.
 Edição comemorativa ao centenário da Independência do Brasil, bem como
memorial da Primeira Exposição Internacional do Brasil realizado entre 1922 e
1923.
 Anuário: 07 de setembro de 1922 a 07 de setembro de 1923.2
 Publicado pela Almanaque Laemmert, Annuário do Brazil.
 Rio de Janeiro: 1923.

1
Para Pierre Nora, os lugares de memória são, primeiramente, lugares em uma tríplice acepção:   são
lugares materiais onde a memória social se ancora e pode ser apreendida pelos sentidos; são lugares
funcionais porque têm ou adquiriram a função de alicerçar memórias coletivas e são lugares simbólicos  
onde essa memória coletiva – vale dizer, essa identidade - se expressa e se revela.   São, portanto, lugares
carregados de uma vontade de memória.
Longe de ser um produto espontâneo e natural, os lugares de memória são uma construção histórica e o
interesse que despertam vem, exatamente, de seu valor como documentos e monumentos reveladores dos
processos sociais, dos conflitos, das paixões e dos interesses que, conscientemente ou não,  os revestem
de uma função icônica. ( Cf. Entrevistas com Pierre NORA em www.eurozine.com e
em www.gallimard.fr - consultadas em 06 de Julho de 2022.
http://nucleodememoria.vrac.puc-rio.br/content/lugares-memoria-puc-rio)
2
Livro de ouro commemorativo do Centenario da Independência do Brasil e da Exposição Internacional
do Rio de Janeiro. 7 de setembro de 1822 a 7 de setembro de 1922 - 7 de setembro de 1923.
https://bdlb.bn.gov.br/acervo/handle/20.500.12156.3/437524
2) Leitura da imagem. Da esquerda para a direita, indique quais são os
principais elementos da composição visual.

 Iniciando a leitura da imagem a partir da esquerda, parte central, vemos uma


foto da parte interna da Fábrica, possivelmente com imagens dos trabalhadores;
 Seguindo em sentido horário, vemos várias imagens de Aeroplanos no ar;
 Acima, vemos dois modelos de sapatos compartilhando o espaço aéreo com os
aeroplanos;
 Ao centro, acima, entre os dois sapatos vemos o nome da empresa e os
endereços no Rio de Janeiro e em São Paulo;
 Á direita, ao meio, vemos o que parece ser outra foto da parte interna da fábrica;
 Na parte inferior, tomando todo o espaço, vemos a fachada da Fábrica, com
arquitetura inspirada na Art Nouveau;
 Finalmente, no centro da figura, vemos uma mulher sob o globo (ao que parece,
o globo terrestre), de perfil, nua, tocando um clarinete; fincado ao globo, temos a
bandeira do Brasil e a palavra Cook bem exposta, cujo significado na imagem
não foi possível compreender.

3) Análise.

3.1 O que é possível inferir a partir dessa imagem?

A imagem se refere a uma propaganda de calçados, apesar de conter em sua


visualidade os próprios sapatos e fotos da fábrica onde eles seriam confeccionados, no
entanto, o que se encontra em destaque no centro da campanha de propaganda é uma
mulher nua que parece planar no ar em meio a aviões e dois exemplares dos sapatos.
É necessário, portanto, questionar qual a razão da representação de uma mulher
nua nessa propaganda, quando a princípio a figura da mulher não tem relação alguma
com o produto vendido. Nesse sentido, pode se discutir qual o objetivo do anúncio, qual
seu público alvo e de forma a mulher é tida na sociedade desse período.
Sendo essa uma publicação da década de 1920, no Brasil, onde os papeis de
gênero estavam em transformação, mas mantinha-se uma rigidez nos costumes, havia
nesse período a idealização de família em que as mulheres deveriam cuidar do lar e os
homens se responsabilizariam pelo sustento de casa, estando essa representação feita de
acordo por valores da elite 3. O que não se generalizava para todas as classes tendo em
vista que as famílias mais pobres necessitavam que as mulheres agregassem a renda
familiar com seu trabalho, quando não era elas, as únicas a sustentar a casa. No entanto,
o trabalho feminino era mal remunerado, portanto, não faziam parte do principal grupo
de consumo, considerando produtos como os sapatos da propaganda, que podem ser
compreendidos como itens de luxo. Assim, sendo homens, mais especificamente de
classe alta devido a circulação do Livro de Ouro ter se restringido a eles, o público alvo
dessa propaganda, pode se pensar no significado da representação do sexo feminino
nela.
É importante considerar que essa representação feminina desnuda se assemelha a
uma estética europeia, que nesse período tinha em Marianne o grande símbolo da
República4, tornando esse corpo feminino nu uma representação recorrente em pinturas,
ilustrações e em propagandas dessa nova era da modernidade. Sendo Paris, na França
uma grande influência dessa modernidade estética, artística e inovação para o resto do
mundo, e em especial ao Brasil, onde a elite do país almejava se assimilar a “cidade
luz”. Trazendo nesse sentido a ilustração dos aviões que representavam essa
modernidade tanto pelos chamados Sopwith Camel que foram usados na Primeira
Guerra Mundial, quanto com o 14 Bis, que foi inventado pelo brasileiro Santos Dumont
e teve seu primeiro voo realizado em Bagattelle, Paris, no dia 23 de outubro de 1906.
No entanto as propagandas devem ser compreendidas dentro de um espectro
abrangente que demonstra concepções sociais entranhadas as sociedades, podendo,
desse modo, se pensar no sentido da exposição do corpo da mulher nu em uma
sociedade conservadora, como a brasileira nessa época, e como a recepção a essa
representação pelo público alvo dessas propagandas teria papel fundamental para a
veiculação com tanta frequência dessas ilustrações femininas.

3.2 Como essa imagem se articula às demais do mesmo campo semântico?

Ao folhear o Livro de Ouro e as propagandas contidas neste, é notório perceber a

3
Marina MALUF e Maria Lúcia MOTT. Recônditos do mundo feminino. In SEVCENKO, Nicolau.
(org.) História da vida privada no Brasil. Da belle époque a Era do Rádio. São Paulo, Cia das Letras,
1998. p. 74.
4
MORAES, Mirtes de. O seio político: A representação simbólica do seio feminino no espaço
público. 13° Congresso Mundos das Mulheres (MM). Florianópolis, SC. 2017. p. 02.
forma como as relações de gênero, bem como o papel social da mulher é construído e
marcado na sociedade brasileira do início do século XX. Ao analisarmos não só a
imagem
escolhida, como também as demais propagandas, podemos perceber a figura feminina
sendo constantemente representada e, quase que exclusivamente, em posições de
sexualização e de inferioridade intelectual, quando, por outro lado, não estão sendo
representadas como a figura positivista da mulher dona-de-casa, característica da
família
tradicional burguesa. Para tanto, tentaremos contextualizar a figura da dita “senhora da
liberdade”, cuja representação visual seria relativo à mulher dos seios fartos e, como tal
representação seria, de fato, concebida no Brasil republicano.
Nesse sentido, Iara Beleli (2007) ao pesquisar sobre o corpo feminino retratado
nas diversas propagandas, coloca a publicidade como uma maneira de se divulgar uma
cultura, que, por sua vez, está pautada na criação de estereótipos, levando, assim, à uma
identificação dos gêneros. À vista disso, ao Brasil que comemorava o centenário da
Independência, as influências relacionadas a Revolução Francesa e seus símbolos, são
de extrema relevância. Neste contexto, a partir da Terceira República Francesa, a figura
feminina sendo retratada com os seios desnudos tornou-se emblemática na construção
dessa nova sociedade, cujo simbolismo estaria vinculado à um sentido de liberdade,
fartura, virtude e quebra aos arcaicos preceitos do Antigo Regime. No entanto, no
Brasil, tal simbolismo adquiriu um caráter contrário ao francês. Através do forte ideal
positivista de Auguste Comte, seria descabido ter a mulher como a figura que
representaria a República.
Para além disso, a sociedade brasileira do século XX havia se frustrado com as
idealizações que antes fizera da República, o que, por sua vez, corroborou para que a
figura simbólica da “deusa libertadora” se convertesse à um viés caricaturista,
desprezado e cômico. Características que, agora, não seriam relativas as mulheres
respeitáveis dos lares e, sim às mulheres da vida 5. Por esta perspectiva, podemos
analisar o teor das propagandas publicitárias da época estudada a partir desse prisma,
levando em conta que tais campanhas seriam, em grande medida, destinadas ao público
masculino. Neste contexto, propagandas inseridas em almanaques, tais como o Livro de
Ouro, foram tão somente destinadas à eles, que, dessa maneira, reforçaram estereótipos,

5
MORAES, Mirtes de. O seio político: A representação simbólica do seio feminino no espaço
público. 13º Congresso Mundo das Mulheres (MM). Florianópolis, SC. 2017. pp 4.
incentivaram uma sociedade patriarcal e construíram a “objetificação” do corpo
feminino, que resultaram na submissão da mulher em relação ao homem.
Para além disso, ao tratarmos do conceito de “objetificação”, podemos perceber,
em diversas propagandas, algumas características ligadas à mulher e seu corpo como
um
objeto. Como abordado no artigo A “objetificação” feminina na publicidade: uma
discussão sob a ótica dos estereótipos (2014), de alunos do curso de Publicidade e
Propaganda da UFF, símbolos como a mulher servindo de apoio para produtos e
serviços,
a sensualidade da mulher sendo explorada a troca de nada, assim como a mulher, em
muitos casos, é representada como a própria mercadoria, remetem à ideia de
objetificação.
Ademais, como salientado pela historiadora Mirtes de Moraes (2017) a imagem política
e crítica da mulher dos seios fartos popularizada na Europa perdeu-se nos territórios
brasileiros e, os mesmos seios fartos, que antes estariam a mostra politicamente em prol
do progresso, torna-se ridicularizado e ironizado em protestos feministas na luta pela
emancipação e autonomia do próprio corpo ou, por outro lado, são sexualizados e
objetificados em propagandas destinadas aos homens, evidenciando, portanto, as
diferentes interpretações do corpo feminino no espaço público.
Assim, ao observarmos e refletirmos sobre os anúncios publicitários contidos no
Livro, podemos facilmente e, infelizmente, identificar todos os elementos acima citados.
Mulheres nuas ou seminuas em propagandas de sabonetes, fábricas de chás e
confeitarias,
em trajes sensuais para anúncios vinculados a vinhos e cigarros, em poses semelhantes
às
musas renascentistas para publicações de perfumarias, além, é claro, das representações
femininas absurdamente descontextualizadas e de altíssimo teor sexual, em publicidades
de sapatos, evidenciando-nos, o “papel” da mulher em tais imagens.

3.3 Como ela se liga ao conjunto da publicação (Livro de Ouro)?

O conjunto de representações construídas no livro de Ouro busca demonstrar o


que seria a cultura brasileira. A lei de 1919 foi criada para dizer como a nação como um
todo deveria comemorar os cem anos da Independência do Brasil, onde os fundamentos
dessa imagética deveriam estar dentro das bases morais e de higiene urbana, inspirada
na sociedade francesa e branca. A propaganda se relaciona com o conjunto do livro de
Ouro, na forma como permite uma melhor compreensão de como ocorria à circulação
dessa imagética estereotipada que estava se consolidando no período e o que isso pode
representar em termos de letramento.
A propaganda e as demais imagens do livro criam uma visualidade. A
visualidade passa por diferentes caminhos e vai organizando essas iconografias para que
se tenha uma compreensão do mundo a partir de uma leitura visual que, nesse caso,
reafirma as tradições e toda uma cultura importada e idealizada. Que segundo Julia
Junqueira (2011 p.174), leva a uma produção de uma história-memória.
As imagens e o livro como um todo fazem uma conciliação de que o Brasil trilha
um caminho progressivo. Contudo, este é um olhar muito limitado. Houve, portanto,
uma recriação de uma memória do período imperial e de marcos específicos que
realizaram uma releitura da história brasileira da escrita que dialoga com o passado e
também com a iconografia.

Referências Bibliográficas

BELELI, Iara. Corpo e Identidade na Propaganda. Rev. Estud. Fem. [online]. 2007,
vol. 15, n.1. ISSN 1806-9584.
JUNQUEIRA, Júlia Ribeiro. As comemorações do sete de setembro em 1922.
Revista de História Comparada, ISSN-e 1981- 383X, vol. 5, n. 2, 2011.
LOURENÇO, Ana Carolina Silva; ARTEMENKO, Natália Pereira. A “objetificação”
feminina na publicidade: uma discussão sob a ótica dos estereótipos. Espírito
Santo, 2014.
MALUF, Mariana. MOTT, Maria Lúcia. Recônditos do mundo feminino. In:
SEVCENKO, Nicolau. (org.) História da vida privada no Brasil. Da belle époque a Era
do Rádio. São Paulo, Cia das Letras, 1998.
MORAES, Mirtes de. O seio político: A representação simbólica do seio feminino
no espaço público. 13º Congresso Mundos de Mulheres (MM). Seminário
Internacional Fazendo Gênero 11. Florianópolis, Santa Catarina. 2017. Anais
Eletrônicos.
SITES:

http://nucleodememoria.vrac.puc-rio.br/content/lugares-memoria-puc-rio)

https://bdlb.bn.gov.br/acervo/handle/20.500.12156.3/437524

https://conservasdeportugal.com/livro-de-ouro-comemorativo-do-centenario-da-
independencia-e-da-exposicao-internacional-do-rio-de-janeiro/

https://youtu.be/UJODr3XTj_E

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