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Quando viram pela primeira vez um manto tupinambá, por trás de uma
vitrine da exposição que comemorava os 500 anos do Brasil, Dona Nivalda e
Seu Aloísio choraram. “Toda história do nosso povo está aqui”, disse a líder
indígena na ocasião. O manto de penas vermelhas do século 17 exposto era
um dos raros exemplares desse objeto histórico e ritual tão importante para
comunidades da costa brasileira, todos conservados em museus da Europa.
Naquele ano de 2000, os Tupinambás de Olivença, apesar de viverem
no sul da Bahia desde tempos imemoriais, não eram reconhecidos como
indígenas pelo Estado brasileiro. A comunidade, de cerca de 5 mil pessoas, só
foi reconhecida oficialmente pela Funai em 2001.
O episódio da visita à peça marca a intensificação de um ciclo de luta
pelo território e de valorização da cultura tradicional, que culmina agora na
confecção de um manto de 1,2 metro e mais de 3 mil penas pela artista e
liderança indígena Glicéria Tupinambá.
Nivalda e Aloísio já não estão nesta terra, mas o manto voltou para a
aldeia da Serra do Padeiro.
O novo manto não tem o vermelho exuberante das penas de guará, ave
que não se encontra no território Tupinambá de Olivença. Sua cor
predominante é o marrom, das plumas de aves da comunidade e da terra que
defendem – o grupo luta pela conclusão da demarcação de sua terra indígena,
alvo de ataques armados e invasões.
A retomada da tecnologia
A visita ao manto do século 16 serviu de base para que Glicéria
confeccionasse uma nova peça. Um manto vivo, nas palavras da líder
indígena, tecido com algodão encerado pela cera das abelhas tiúba e penas de
aves da comunidade, entre elas o gavião, o canário-da-mata e o tururim.
“A gente lutou pela revitalização do meio ambiente, da mata, pela volta
dos animais. A gente tem uma recuperação muito forte do nosso território. E o
manto só passa a existir porque existe um equilíbrio na natureza do território da
Serra do Padeiro”, afirma.
“Faltava o manto, e ele chega neste momento, quando o Brasil está em
uma crise daquelas terríveis, onde tudo é contra os povos indígenas, tudo é
contra a demarcação das terras indígenas. Ele vem quando é preciso ele
existir.”
O manto ritual está na aldeia e foi vestido pelo cacique Babau durante a
cerimônia em que recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade
do Estado da Bahia em junho deste ano.
Pergunto à líder indígena se ela gostaria de reaver as peças que estão
nos museus europeus. Ela rejeita a proposta e diz que receber o manto de
volta seria perdoar os crimes cometidos contra seu povo.
“Para nós de Serra do Padeiro, o manto lá é como uma condenação
para os europeus, a pena deles é cuidar dos vestígios do povo tupinambá. Mas
queremos que eles abram espaço para receber os povos indígenas, para que
possamos também ter contato com as pegadas do nosso povo”, conclui.
Com a retomada da técnica de produção, Glicéria teceu um segundo
manto, atualmente em exposição. O manto ritual pode ser visitado na Funarte
Brasília, na mostra “Essa é a grande volta do manto tupinambá”, ao lado de
obras de Edimilson de Almeida Pereira, Fernanda Liberti e Gustavo Caboco.