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ATHIAS, Renato Objetos Indígenas Vivos em Museus: Temas e Problemas sobre a Patrimonialização.
In: Athias, R.; Lima Filho, M.; Abreu, R. Museus e Atores Sociais: Perspectivas Antropológicas,
Editora da UFPE, ABA Publicações, Recife. 2016 - pp. 189-2011
ISBN: 978-85-4150-794-3
CAPÍTULO 8
Renato Athias
Preâmbulo
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Manaus para vendê-lo por um enorme preço, e que esse imenso objeto
encontra-se, hoje, no Museu do Índio de Manaus. A outra versão diz
que ele não conseguiu levá-lo porque não achou uma canoa adequa-
da para passar a Cachoeira de Ipanoré, pois o trocano estaria cheio
de ouro e, portanto, muito pesado. O europeu o teria enterrado em
algum lugar nos arredores de Iauareté para que pudesse buscá-lo pos-
teriormente, mas ele morreu antes. E, portanto, quem o encontrasse se
tornaria uma pessoa muito rica. Os índios, na ocasião, debatiam como
achar esse “ouro”. Com muito esforço em situar o ano e pela descrição
do europeu, consegui identificá-lo como sendo o Conde Ermano de
Stradelli (que esteve algumas vezes em Iauareté no final do século XIX,
e que ainda faz parte das narrativas orais dos moradores Tariana de
Iauareté). Evidentemente, trata-se de uma história como muitas que se
contam sobre pessoas não indígenas que passaram pela região e que
levaram objetos e coisas de pertencimento dos índios, e que hoje eles
não mais os possuem porque foram levadas para fora de sua região. E,
os mais antigos, detentores de saberes, afirmam que esses objetos estão
fora e, muitas vezes, não sabem exatamente sua localização. O trocano
da história relatada anteriormente se encontra, realmente, em Manaus,
no Museu do Índio, organizado pelas irmãs salesianas, juntamente
com uma quantidade significativa de objetos que foram retirados pe-
los missionários das malocas indígenas por se tratarem do “culto ao
diabo” e que agora estão exibidos nesse museu peculiar.
Este texto procura debater acerca das coisas, dos artefatos indí-
genas, dos objetos dos povos indígenas da região do Alto Rio Negro,
que sempre foram fonte de interesse de todos, não só dos pesquisado-
res no âmbito da antropologia, mas também daqueles da museologia
ou de estudos sobre cultura material e imaterial dos povos indígenas.
Em geral, todos esses objetos e, especialmente aqueles de natureza ri-
tualística, fazem parte de uma compreensão bem maior, onde as di-
versas dimensões de um objeto xamânico pode ser percebido dentro
de modelos próprios que estão relacionados principalmente à orga-
nização social e a um entendimento cosmológico comum a cada povo
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Cada objeto tem uma vida própria. E vivem para sempre por-
que foram construídos para uma finalidade específica no campo sim-
bólico dos rituais e cerimônias. Nessas cerimônias, os ancestrais estão
presentes intermediados por esses objetos que têm poderes próprios
entre os índios dessas famílias linguísticas, e que fazem parte deste
contexto cultural homogêneo que caracteriza toda essa região. Portan-
to, esses objetos são nomeados (têm um nome próprio) e, sobretudo, a
partir das narrativas mitológicas são territorializados, ou seja, esses ob-
jetos pertencem a um lugar e foram construídos para viverem naquele
lugar específico e no meio das pessoas de um determinado clã. Pois,
cada clã possui um conjunto de saberes, de conhecimentos próprios
que os caracteriza e que define a identidade do clã e, sobretudo, as rela-
ções com os ancestrais, determinando sua interação com os demais clãs
de seu grupo linguístico. E esses saberes específicos encontram-se num
toante, uma música, como dizem os índios. Ou seja: uma harmonia que
é de conhecimento exclusivo de cada clã e que são manifestadas nas
festas de Jurupari (miniã) com os toantes. Os índios dessa região, nesse
processo de revitalização cultural, procuram organizar seus conjuntos
de toantes, que eles chamam de Kahpivaiá, e seus adornos corporais
para compor o conjunto de irmãos ancestrais que se manifestam nessas
festas. Muitos estão à procura não apenas da sua música específica (de
seu Karpivaiá) por meio da qual seus ancestrais se manifestavam, mas
também dos enfeites e adornos corporais.
3 Acrônimo para indicar a família linguística dos povos que falam, Nadëb,
Dâw, Hup, Yohup e Kakwa.
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4 Existem muitos relatos sobre essa máscara, mas aqui gostaria de registrar a
tese de doutoramento de Valéria Nely Cezar de Carvalho, Les Fils du Tonnèrre et l’ex-
pansion coloniale: une ethnohistoire du nord-ouest amazonien (1750-1889) dirigida
por Patrick Menget na EHESS em Paris, em 2006, que faz um registro geral e coloca em
anexo a transcrição do referido diário de Illuminato Coppi.
5 Em 2011, em Madrid, eu tive a oportunidade de visitar o Museu Salesiano
onde se encontram muitos objetos dessa região. Certamente deverão existir outros
museus desse porte para onde os missionários dessas áreas levavam objetos perten-
centes aos indígenas.
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Patrimonialização da Cultura
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Referências Bibliográficas
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