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GUIA DE VISITAÇÃO AO MUSEU XINGU 

VISITA MONITORADA

Museu Xingu

O Museu Xingu é um pequeno museu, de grande importância.

As 150 peças, aqui expostas, representam uma história bonita de convívio,


de respeito étnico e ambiental que culminou com a primeira reserva indígena
do Brasil, o Parque Indígena do Xingu. Homologado em 1961, no governo
do Presidente Jânio Quadros, o parque foi, na ocasião, considerado a maior
reserva indígena do mundo, 22 mil km2 maior em extensão do que a Bélgica.

Hoje o Parque Indígena do Xingu compreende 27 mil km2. Conquista essa


que deve-se ao trabalho de vida dos irmãos Villas-Bôas que se infiltraram
como jagunços na Expedição Roncador-Xingu, na Marcha para o Oeste a
partir de 1945. Jagunços eram denominados os homens simples sem
instrução, mas armados, uma espécie paramilitar. Os irmãos Villas-Bôas eram
letrados, e não foram aceitos ao se apresentarem na expedição pela primeira
vez. Mas não desistiram. Voltaram mal vestidos e assinaram com o polegar,
como analfabetos - que não eram - e assim se infiltraram na expedição para
fins humanitários e por lá permaneceram por cerca de 30 anos, em luta pelos
direitos indígenas durante toda a vida. São eles: Leonardo, Cláudio e Orlando
que vivenciaram a região de perto; e Álvaro que não foi à expedição, mas
deu suporte ao trabalho dos irmãos junto ao governo federal.

Sugerimos que você se dirija ao mapa do Parque do Xingu que está à sua
direita um pouquinho antes da entrada do Museu, para visualizar de que
pedaço do Brasil estamos nos referindo.

Este mapa representa o Parque Indígena do Xingu em 1961. Ele está


situado no estado do Mato Grosso, numa região que já faz parte da
Amazônia Legal. A vegetação é chamada de cerrado, com veredas da
palmeira Buriti, o Pequizeiro, e entre os animais, onças, tamanduás,
antas, capivaras, porcos do mato, araras, mutuns, jacus e cracajás.

Abaixo, onde estão as nascentes do Rio Xingu - os Rios Kurisevo e Koluene


- está localizada a região chamada Alto Xingu, e é onde se encontra a maior
parte das aldeias, sinalizadas em triângulos vermelhos no mapa. À época
dps Villas-Bôas já habitavam essa região 14 etnias, relacionadas no mapa do
lado esquerdo.

As etnias segundo a língua de origem são:

Tronco Karib – Kuikuro, Kalapalo, Nahukuá, Matipu, Ikpeng (ex Txicão,


como os brancos os chamavam)
Tronco Aruak – Mehinaku, Waurá, Yawalapiti
Tronco Tupi-Guarani – Aweti, Kamayurá, Yujá (ex Jurunas), e Kayabi
Língua Isolada – Trumai
Tronco Jê – Suyá

Quando o Parque foi demarcado, os Kreen-akarore (Panará), Menbegokrê


(Kaiapó) e os Tapiuna (beiço-de-pau) foram anexados ao parque, hoje estão
em terras próprias.

Além do Parque do Xingu, vê-se no mapa algumas terras demarcadas


posteriormente, Batovi (abaixo), Panará (acima) e outras mais.

No mapa do ISA, Instituto Socioambiental, disponível aqui para consulta e


também no link https://terrasindigenas.org.br/pt-br/, podemos visualizar a
situação mais atualizada da demarcação de terras indígenas na
Amazônia. E também pelo IBGE no link https://indigenas.ibge.gov.br/.

A etnia que mais frequenta o Museu é a Mehinaku e se pronuncia com som


forte no “u”. Vivem na aldeia Utawana, no Alto Xingu, logo no começo do
Parque, ao sul, quase na divisa da demarcação. Eram 120 habitantes em
2005, quando a equipe de curadoria do museu foi visitá-los. Utawana é a
segunda aldeia Mehinako, e desde 2016 já foi estabelecida mais uma
aldeia chamada "Kaupüna".

Segundo alguns historiadores, em 1500, data da chegada dos primeiros


europeus, o território hoje correspondente ao Brasil contava com uma
população de 3 a 4 milhões de nativos indígenas (algumas fontes falam em
8 milhões). Já no censo de 2010, o IBGE registrou pouco mais de 800 mil
indígenas, representando 0,4% da população brasileira.

Mas voltando a nossa visitação, a primeira sala do Museu é dedicada ao


universo masculino. Segundo Orlando Villas-Bôas, tudo que diz respeito à
mata é tarefa masculina, trabalhos de madeira, conchas, penas e palha. À
mulher, cabe a modelagem do barro, o fiar e tecer o algodão. Mas não é
regra. Os Ikpeng (ex Txikão), embora não fiem, tecem em um bastidor as
tipóias para que as mulheres carreguem os filhos.

Sugerimos agora que você se dirija à segunda sala, se preferir descanse


um pouco sentado. O Museu é pequeno mas têm histórias a serem
contadas. Observe a sala com calma enquanto lê esse guia.

Sentado e olhando para a frente está uma das peças mais importantes
dessa coleção, a panela grande "Kamalupe", exposta aqui, mostrando a
sua base, sua pintura, seu grafismo que, ao ir ao fogo certamente se
perderia. Mas para a paneleira, a tradição do ofício é com pintura e
assim é feita. Segundo texto de Orlando1:

Advertido do trabalho inútil e demorado da trabalhosa


pintura, impiedosamente destruída [no fogo],
responde o paneleiro ou a paneleira ... "sem pintura
não é panela" 

No Alto Xingu, as panelas são especialidades dos Waurá e Yujá (ex


Jurunas). Para os Waurá panela é chamada de “Makula”, já os Yujá a
chamam de Uaëm.

Em Aruak

makula: panela
makulataiñ: panela pequena
kamalupe: panela grande

São duas "Kamulupe" no Museu, com pouco mais de 1 metro de diâmetro.


Elas podem ter até dois metros e são utilizadas para caldos de mandioca,
urucum (Veja a foto da Maureen Bizilliat no livro Alto Xingu, Território Tribal,
de Cláudio e Orlando Villas-Bôas, disponível para consulta). Além do
grafismo, as panelas são zoomorfas, representam os animais presentes na

1
"As peças de barro não são de fabricação comum de todas as aldeias. São poucas aquelas que sabem
colher e tratar o barro até que fique em condições de modelagem. Os índios da família Aruak são os grandes
especialistas. As peças variam de forma e tamanho, pequenas e médias com representação zoomorfa e as
grandes com a linha tradicional que são de grande utilidade. Depois de modelada e cozida em um buraco
previamente aquecido, a panela é debruçada e no seu fundo externo todo embranquecido de tabatinga, com
desmedido capricho, é decorada em vermelho e preto (urucum e jenipapo), com desenhos simétricos com
traços firmes e à mão livre. Feito isso, a peça, geralmente pesada, com auxílio de outros é colocada sobre
três pedras, que é o seu fogão, e em seguida acendem o fogo. Instantes depois o fundo pintado se torna
enegrecido, e lá se vai a pintura. Advertido do trabalho inútil e demorado da trabalhosa
pintura,impiedosamente destruída, responde o paneleiro ou a paneleira ... "sem pintura não é panela"."
Xingu ,Território Tribal, de Cláudio e Orlando Villas-Bôas
 
região, como tatu, jacaré, cracajá, pomba etc. O capricho, o som musical2 e
os segredos do barro são rituais da paneleira, em referência ao mito de
"Kamula Hai", a cobra-canoa, o "dono do barro", que traz o barro e carrega
panelas musicais3.

Uleyalu Mehinako4 (1963-2020), grande paneleira, trazia orgulhosa suas


panelas ao Ponto Solidário5 numa viagem de três dias de ônibus. Tomando
todos os cuidados, chegavam ilesas e conferidas no toque-toque o som
musical. Durante três anos foram encomendadas a Uleyalu panelas em
tamanho miniatura de 3 a 4 cm com grafismos. Muito caprichadas,
chegavam todas em seus vários formatos zoomorfos. A primeira delas, em
formato de pomba, chamada de "watapa", está exposta no museu na estante
de materiais. Uleyalu gravou um vídeo no museu contando-nos como fazia
suas panelas. Clique aqui e assista ao vídeo.

Uma das panelas preferidas de Orlando é a “Tsak-tsak”, chamada por ele de


panela chocalho (o museu tem uma em miniatura feita por Uleyalu na
estante de materiais. Pegue e observe o barulhinho, lembrando um
chocalho). Esta panela tem um vazio por dentro para um cozimento lento a
vapor. Orlando, encantado com essa panela, pediu para ceramistas paulistas
a reproduzirem, mas foi em vão a investida. Também temos um vídeo de
Amutuá Waurá filmado no Museu, cantando e relatando a importância dessa
panela na cerimônia de furação de orelha: clique aqui, se quiser visualizá-lo.

Já que fomos ver a mini panela "tsak-tsak" da Uleyalu, para ouvir o seu som
característico, vamos falar o porquê da cerâmica Waurá ser tão resistente.
Na argila utilizada é misturado um parasita de rio chamado de "Akukupe” (é
como se fosse uma craca de concha, mas no caso é de galhos de árvore
submersos no rio). Esse parasita é queimado, formando um pó, e é
2
Para saber mais sobre os Waurá, história, mitos e processos da cerâmica leia a Dissertação de Mestrado
de Aristóteles Barcelos Neto, de 1999, "ARTE, ESTÉTICA E COSMOLOGIA ENTRE OS ÍNDIOS WAURÁ
DA AMAZÔNIA MERIDIONAL"

3
De um modo geral, todos os artefatos têm uma origem mítica, sendo que muitos deles, desde sua
existência primeva, são dotados de subjetividade, de pontos de vista próprios e de inteligência e
sensibilidade, que no caso das panelas Waurá se expressam pela música. Lévi Strauss,1997, Olhar, Escutar,
Ler.
 
4
Uleyalu Mehinako é filha de um casamento entre Waurá e Mehinako e por isso lhe era permitido fazer
panelas. Faleceu em 2020, vítima de Leishmaniose e deixou muitas saudades, sete filhos e marido. Uleyalu
nos contou do costume antigo em relação aos filhos que nascem sem pai. Coisas de sua época não mais
praticadas. Uma criança não pode sobreviver em uma aldeia sem um pai, seja biológico ou não. Se uma
criança nascia sem pai, essa criança era enterrada viva para que se algum homem a desenterrasse, a
assumisse. Quando a equipe de curadoria do museu esteve na aldeia conheceu um menino que foi
desenterrado pelo cacique que assumiu a paternidade.
 
5
Loja de comércio justo e arte brasileira anexa ao Museu.
misturado à argila na dose certa. Antes do forno, a panela já moldada e seca
deve ser alisada com uma pedrinha redonda constantemente molhada numa
casca de árvore chamada "yapita". Para a queima são necessárias cascas
da árvore "ajatá" que só tem no parque. Processo esse, bem demorado com
cerca de 20 etapas, e aqui resumido6.

Também nessa estante de materiais é possível ver o urucum de uso


feminino, o masculino, o próprio urucum antes de ser pasta, o jenipapo
misturado ao carvão (pintura preta) e a massa adesiva “meperitchia” feita de
própolis que funciona como um "durepox" (observe a flauta com vedação e
cola do bocal com esta massa). Há também uma arranhadeira de Pequi feita
de dente de peixe-cachorro. O Pequi é muito importante, come-se o fruto e
extrai-se o óleo, que é alaranjado, de cheiro característico. Tudo leva este
óleo, do corpo aos bancos. Sugerimos, se quiser se aprofundar mais, que
assista ao filme Mapulawache, a Festa do Pequi. Trata-se de um
documentário de 52 min: “Os Mehinaku evocam os espíritos de animais e
esculpem em madeira balsa os bichos da floresta e no final os depositam no
pequizeiro.”

Também na estante de materiais temos a arranhadeira de corpo, usada em


rituais, principalmente pelos jovens, e ainda uma raridade da etnia Zoé, do
Amazonas: uma colher concha. Experimente adivinhar de que material é feita
essa colher. Observe. É feita da cabeça do macaco! No Xingu, no entanto,
utilizam-se mais as cabaças "pitsa" que fazem a função de conchas e
colheres também expostas nesta área do museu.

O macaco está muito presente entre os indígenas: convive junto, brinca com
as crianças e pode ser comido também, quando da escassez do peixe. O
peixe é um dos alimentos mais apreciados e é consumido de 3 a 4 vezes por
semana.

A mandioca é a base da alimentação no Xingu e de quase todas as etnias


indígenas brasileiras. Os homens plantam a mandioca brava e as mulheres a
carregam e a preparam. A mandioca é ralada no "piraïn", ralador de madeira
com incrustações de dente de brejaúba, madeira dura e resistente. É, então,
armazenada em tachos com água e posteriormente espremida no "tuavi" ou
no "tipiti" até sair todo o caldo. É um processo complicado e demorado até se
transformar em tijolos muito brancos de polvilho azedo que são armazenados
do lado de fora da casa - ou “paim". Logo cedo a mulher prepara o Beiju,
com um pedaço do tijolo branco de polvilho, dissolve com as mãos e
umidifica com a água, em seguida essa massa é peneirada direto para a
6
Dissertação de Mestrado de Aristóteles Barcelos Neto, de 1999, "ARTE, ESTÉTICA E COSMOLOGIA
ENTRE OS ÍNDIOS WAURÁ DA AMAZÔNIA MERIDIONAL"
"rerretein” (panela de barro, plana com cerca de 90 cm), que já está no fogo
de chão. O beiju é saboreado durante todo o dia, puro ou com peixe, assado
ou cozido, temperado com "rautaïn" - sal de aguapé - e com pimenta. Para
beber, é preparada uma mistura de polvilho e água que fica disponível em
tachos e é servida com a cabaça chamada de "pitsa".

Uma das especialidades dos Mehinako e também dos Waurá, é o sal


"rautaïn", feito das cinzas de aguapé, uma planta de rio. E na “moitará”, a
troca de fazeres entre etnias, é uma moeda de grande valor. Esse sal é
composto por cloreto de potássio e pode ser tóxico se ingerido em grandes
quantidades. Ingerido em pequenas quantidades, como é o hábito indígena,
não há relatos de problemas de saúde relacionados ao "rautaïn".

Na estante de cima temos a "atamaiakula", uma bolsa para transporte, feita


do tronco da palmeira imbira. Da fibra da imbira também é feita a “pücütive”
(localizada na estante de materiais, no meio) que é uma rodilha para
acomodar a carga na cabeça. Outro uso da “pücütive”, segundo Uleyalu, é o
de proteger as mulheres do ataque de onças – quando se mostra a
“pücütive” nas mãos, com os dois braços esticado em direção à onça, ela
foge. Será? Preferimos não ter que testar, não é? Na estante de cima estão
as bolsas de cabaças; o “motopá” para beber água e as “pitsa”, cuias que
ficam na estante do meio, de materiais. Na estante de baixo, um cesto típico
Xavante (os Xavantes não estão no Parque mas estão próximos, mais ao
sul.

Já as peneiras, “urupêm” e “apá” são utensílios provenientes de trabalho


masculino e de uso feminino, para peneirar a mandioca. Notam-se
grafismos geométricos derivados do trançado, e característicos de cada
etnia. Entre as "Urupêm" da etnia "Kayabi", duas têm o grafismo mitológico
“tangaap” representado por um "H" com prolongamentos nos braços, que
significa "gente", "dedo esticado", "garra", segundo a antropóloga Berta
Ribeiro7.

A rede tradicional do Alto Xingu é chamada de “Maka” para os Mehinako e


“Eny” para os Kaiabi, e é feita de buriti e algodão. Elas estão ao lado da
panela grande "Kamalupe". A palmeira buriti é abundante nas veredas locais,
assim como o algodão, também nativo da região. Esta é uma tarefa feminina,
ainda feita nos dias de hoje, embora alguns prefiram a rede cearense para
7
A representação estilizada, geométrica, é derivada da técnica imposta pelo trançar. Representam sempre uma
imagem, imposta por uma ideia, um objeto, um animal. O losango representa o peixe, o ziguezague, a cobra, o
quadricular, o jaboti, e manchas de couro, a onça. Porém há diferenças de interpretações entre tribos distintas para um
mesmo motivo. O padrão ampulheta, para os Yawalapití representa o casco de um jaboti, já para os Kamayurá, um
gafanhoto. No caso dos Kaiabí, registra-se um desenho muito complexo presente em seus cestos, “apás’, o “tangaap”
um padrão mitológico, representado por um “H” com prolongamentos nos braços, que significa gente, dedo esticado,
garra. Fonte de pesquisa:no livro: Índios do Brasil, texto, As Artes da vida do Indígena Brasileiro, Berta Ribeiro
dormir, que protege melhor do frio. Primeiro é necessário preparar o fio de
buriti que vem da tala da palmeira, e é então enrolado na coxa formando
novelos, como a fiação do algodão. Dois troncos servem de suporte para o
tear e a mulher a tece a todo momento livre depois das tarefas diárias,
sentada no chão da casa, ao lado da rede de dormir, tarefa esta que leva
cerca de um a dois meses.

Na coluna de tijolos temos as flautas de taquara utilizadas na festa de


inauguração da Casa Amarela, montadas na ordem indicada pelos
Mehinaku, segundo quem as utilizou. Sugerimos que assista a parte
selecionada aqui do vídeo da inauguração da Casa Amarela que mostra a
dança da Taquara, adaptada à Casa, clique aqui.

E expostas estão também as taquaras originais da coleção, assim como


dois arcos e uma flecha presente dos Mehinaku, mas com a ponta não
original e feita de metal.

Voltando para a primeira sala, entrando mais no universo masculino, dos


rituais, temos uma peça adquirida mais recentemente de Ivan de Sá, a Luva
da Tucandeira dos Saterê-Mauê, índios que vivem no Amazonas. Essa
peça foi acrescentada ao museu por representar um ritual de passagem do
menino para a fase adulta. Trata-se de uma luva que é preenchida com a
formiga tucandeira e o menino tem que vesti-la e aguentar a dor da picada
sem chorar. Se chorar o ritual deve ser repetido, quantas vezes forem
necessárias até ele não chorar mais. No Xingu a luta "Huka-Huka" é o ritual
de passagem mais praticado.

Na frente estão dois mantos cerimoniais: “Abeatá”, manto tecido com capuz,
largo e sem mangas, confeccionado com fios de algodão e penas nas bordas
e capuz, usado por pajés do Povo Yudja (ex Juruna); e “Ot oxilat”, touca com
cobre-nuca, uma indumentária de guerra, tecida em algodão e ornamentado
de plumas na touca do Povo Ikpeng (ex Txicão).

Como símbolo de um ritual de passagem feminino, no armário de vidro da


primeira sala temos entre outros adornos o "uluri". Como comenta Cláudio e
Orlando Villas-Bôas8,

A importância é muito maior do que um simples


cinto. Ele transfere a mulher a opção e a
regularidade das relações sexuais. O cinto é um
facho de fios de seda do broto da palmeira buriti,
com a qual as mulheres envolvem a cintura. Na parte

8
Xingu ,Território Tribal, de Cláudio e Orlando Villas-Bôas
da frente, cobrindo parcialmente o órgão genital, um
pequeno triângulo de entrecasca de árvore; do
vértice inferior sai um fio que, passando entre as
pernas e as nádegas da mulher, vai se prender na
parte de trás do cinto. No momento em que a mulher
entra no período menstrual o fio é retirado, mas o
cinto permanece.

Orlando ainda dizia, com bom humor, ser o Uluri precursor do biquíni "fio
dental" dos anos 80.

No expositor maior, de vidro, estão os troncos de Kuarup, a maior festa do


Alto Xingu. Essa festa marca o fim do luto indígena. Quando morre alguém
importante na aldeia, como um cacique, no ano seguinte é realizada a
cerimônia de Kuarup, no mês de agosto. São três troncos, o do centro
representa o morto, os laterais, a mulher e o filho. Aqui estão completos,
com todos os adornos, embora o tronco seja menor que o utilizado de fato.
Kuarup é o nome da madeira de que é feito. A festa começa a ser preparada
em fevereiro e as aldeias vizinhas são convidadas. No final da festa, o
tronco Kuarup é jogado ao rio e a família liberada do luto.

Seguindo nesta mesma direção ao fundo da porta da reserva técnica está


uma das peças mais importantes do cerimonial indígena, a flauta sagrada
"Jakui", tocada pelos homens, na casa dos homens e proibida ao olhar
feminino. Dizem os homens que se a mulher olhar para essa flauta, pode ser
estuprada por todos os homens da aldeia até a morte. Essa história de fato
inibe o olhar curioso feminino. O cacique Yahati Mehinako, da aldeia
Utawana, em visita ao Museu, nos deu a honra e a tocou, clique aqui e ouça
o som da "Jakui".

Na parede das armas estão representados os povos mais guerreiros do


Xingu, entre eles os Kaiapó que lutaram para que a usina hidrelétrica de
Belo Monte não fosse construída. Os Kaiapó foram anexados ao parque e
hoje estão em terras próprias.

Nessa parede, ao alto, está um machado de pedra “tuti”. Provavelmente


nenhum indígena atualmente usa item semelhante. Para se ter uma idéia
era necessário cerca de um dia para se derrubar uma árvore com 60 cm
de diâmetro com esse machado; com o machado de ferro, só é necessária
uma hora; e com a serra elétrica, são apenas cinco minutos.
Seguindo, encontramos entre as plumárias, a máscara “cara grande” dos
índios Tapirapé do Amazonas que vivem próximos aos Kayapó e Karajá (Rio
Araguaia). Esta primeira, a maior máscara, já tem a influência dos Karajás,
notada pelas penas de colhereiro formando o leque (penas rosas). Essas
máscaras representam entidades e às vezes até mesmo seus rivais, como
os Kayapó, inimigos tradicionais dos Tapirapé. A máscara menor "cara
grande" também Tapirapé, deve ser mais antiga pois não se nota a influência
dos Karajá.

Adiante, uma peça de ritual de passagem masculino: o “aheto”, cocar de


occipício Karajá, com penas rosas do pássaro colhereiro e penas pretas.
Também karajá e de penas rosa do colhereiro é a coifa infantil (dentro do
armário de vidro)

Já que estamos falando de plumárias e de penas coloridas, vamos falar dos


pássaros mais utilizados como matéria prima das plumárias.

penas amarelas - rei congo


penas vermelhas - arara vermelha
penas azuis - arara azul
penas pretas - mutum preto
penas rosas - colhereiro rosa

Embaixo dos cocares encontram-se os bancos que são utilizados por


caciques e pajés e que marcam a hierarquia dentro dessas sociedades. O
pajé, sendo o mais alto posto, o conhecedor dos remédios da alma e do
corpo, é considerado o mais rico dentre os habitantes da aldeia; e o cacique
que comanda politicamente o grupo.

Na entrada do museu, nas colunas de tijolos ficam os colares mais


importantes da coleção. Segundo os estudos antropológicos, os povos
originários dão bastante importância a toda uma indumentária, pintura
corporal, colares, cocares. Todos esses adornos representam mais que tudo
sua condição de ser humano, já que os animais não se enfeitam. Cada
adorno tem uma simbologia. Representam títulos e habilidades. Se um
guerreiro caçar uma onça, todos podem comê-la, mas só quem a caçou
usará o colar do dente canino da onça, ou de suas garras, e é considerado
uma grande honra recebê-lo de presente, como aconteceu conosco, quando
Yutá Mehinaku nos presenteou com um colar com um dente de onça, por ele
caçada.

Temos na coleção o colar de dente de onça, de dente de porco do mato, de


dente de capivara, de dente de macaco e outros mais. E temos ainda o colar
de Caramujo conhecido como a “jóia do Xingu” . É feito com a concha do
caramujo da terra, "inhu", hoje escasso e em extinção. Cada concha é
preparada manualmente, esculpida disco a disco e amarrada em fios de
algodão. Os Kuikuro e Kalapalo são os especialistas, mas também os
Kamayurá dominam essa técnica. Algumas vezes se utilizam do PVC para a
confecção de colares mais finos simulando um pouco os discos de caramujo.

Vale aqui citar, embora não tenhamos na coleção, o colar de miçangas de


vidro, que pode ser visto aqui na Casa Amarela, no Ponto Solidário. As
miçangas foram introduzidas pelos exploradores europeus, desde a viagem
de Cristóvão Colombo, e as mais conceituadas são da República Tcheca e
da conhecida fábrica Jablonex, que as fabrica desde o século XV, antes do
descobrimento. A origem das miçangas é chinesa e de tempos bem mais
antigos. É longa sua história. É tarefa das mulheres a manufatura dos
colares de miçangas e tarefa dos homens comprá-las na Rua 25 de Março
em São Paulo. Há lojas especializadas e preços diferenciados para os
indígenas. Para se lembrarem, os homens trazem amarrada ao pulso uma
pulseira com as cores e formas das miçangas pelas mulheres
encomendadas. E tem que ser da Jablonex. Cada cor tem também uma
simbologia, sendo o colar branco um dos mais apreciados: a mulher o usa no
pescoço. Já o homem veste esse adorno mais comumente na cor azul com a
miçanga um pouco maior, e o usa como cinto. São moedas de troca
importantes com o pajé.

Espero que aproveitem bem essa pequena e grande coleção. E se inspirem!

Como dizem Claudio e Orlando Villas-Bôas "a arte é inerente ao índio" e


completa, o crítico e jornalista Maria Pedrosa

“A vontade da arte pode se manifestar em qualquer


homem de nossa terra, independente de seu grau
meridiano, seja papua ou cafuso, brasileiro ou
russo, negro ou amarelo".

Maria Paula de Almeida


Curadora do Museu Xingu

Filmes recomendados

O Povo Brasileiro: Matriz Tupi:


“O Brasil nasce sob o signo da utopia, da terra sem males, a morada de
Deus…”Darcy Ribeiro
Mapulawache, a Festa do Pequi
Documentário de 52 minutos: “ Os Mehinaku evocam os espíritos de animais
e esculpem em madeira balsa, os bichos da floresta e no final os depositam
no pequizeiro

Escola de Cinema para os Povos Indígenas - Índios do Brasil: Índios do


Brasil
Documentário de 18 minutos: é uma escola de Cinema para os povos
indígenas contarem suas histórias

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