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LA Fialho. VIII CIH.

1315 - 1321

O MARACATU-NAÇÃO COMO RESISTÊNCIA CULTURAL E


RELIGIOSA AFRO-BRASILEIRA
Doi: 10.4025/8cih.pphuem.3598

Laís Azevedo Fialho, UEM

Resumo

O presente trabalho apresenta alguns aspectos religiosos de


comunidades afro-brasileiras relacionando-os com a história do Brasil, com
a diáspora africana e com o processo colonizador. Como recorte temático a
análise se concentra sobre o Maracatu-Nação, manifestação cultural e
religiosa pernambucana, que exalta os negros e se contrapõe à ideologia do
embranquecimento, representando um importante mecanismo de
resistência à história hegemônica e ao epistemicídio. O trabalho pretendeu
responder à questão de como o Maracatu-Nação reforça discussões acerca
da tradição, identidade e religião por meio da cultura popular. Nesse sentido,
o método utilizado será a pesquisa com fundamento bibliográfico,
Palavras Chave: documental e a pesquisa de campo. Nosso objetivo é perceber as relações
Maracatu-Nação; históricas entre o Maracatu-Nação, as práticas religiosas oriundas dos
Candomblé; Resistência. terreiros e os movimentos de construção de uma cultura identitária que
questione os processos que seguem legitimando o apagamento da cultura,
da religião e das representações simbólicas de origem afro-brasileira.
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Apesar de existirem muitas


Introdução
hipóteses diferentes sobre a origem do
É possível identificar nas últimas maracatu, a explicação mais difundida
décadas a emergência de identidades entre os estudiosos do assunto, é a de que
étnicas ou culturais, principalmente entre ele teria surgido a partir das coroações e
os grupos excluídos socialmente. autos do Rei do Congo. Muitos encontros
Pensando nas relações racializadas no e rituais foram originados nessas
Brasil, nota-se dentro dos movimentos organizações em agrupamentos diversos,
sociais, um aumento de reivindicação por em torno dessas representações sociais, o
protagonismo e representatividade negra maracatu de baque virado, segundo essa
em todos os espaços de criação e perspectiva seria um deles. Conforme o
veiculação de arte e cultura. Esta militância historiador Leonardo Dantas Silva (2000)
está presente também nas dimensões o maracatu, como conhecemos hoje, tem
ligadas à religiosidade e às manifestações suas origens marcadas no século XV na
populares. Os espaços de dança e festas França e Espanha, e a partir do século
passaram a ser também reconhecidos XVI em Portugal. A presença de
como cultura de resistência, onde se busca coroações dos reis do Congo e Angola em
fortalecer a construção identitária, Pernambuco foram registradas a partir de
pertencimento racial e militância política. 10 de setembro de 1666.

Sendo a cultura um conjunto de Entende-se através da pesquisa


códigos partilhados ou de um universo de Dantas Silva que os reis e rainhas do
simbólico de sentidos construídos social e congo eram líderes políticos
historicamente, buscamos resgatar, intermediários entre a coroa e a as
mesclando memória, vivência e leitura, um populações de origem africana:
conjunto das práticas, ritos, palavras, As coroações de reis e rainhas de
sentidos partilhados que permanecem Angola na igreja de Nossa Senhora
dando sentido ao mundo dos doRosário dos Homens Pretos de
maracatuzeiros, construíndo suas visões Santo Antônio do Recife, por sua
de mundo e permeando seu imaginário. vez, são documentadas a partir de
Entendemos o conceito de imaginário a 1674.2 Das nações dos negros, era
partir das elaborações de Pesavento do Congo a que mais se destacava
(2003), como “um sistema de ideias e dentro das irmandades de Nossa
imagens de representação coletiva que os Senhora do Rosário dos Homens
Pretos e de São Benedito, cuja
homens, em todas as épocas, construíram função não era tão-somente
para si, dando sentido ao mundo” cerimonial, como deixa entender a
(PESAVENTO , 2003, p.43). descrição de alguns viajantes, mas
Nesse sentido, a estruturação do um encargo administrativo, do
objeto de estudo incorre sobre as interesse do Governador da
Capitania e do bem público, com a
narrativas simbólicas de ancestralidade
função de inspecionar e manter a
afro-brasileira e o imaginário da população ordem e subordinação entre os
negra maracatuzeira evidenciados nos pretos que lhe forem sujeitos
cortejos de Maracatu de Baque Virado, (SILVA, 1999. p, 363).
que apontam para algumas reflexões sobre
a cultura popular afro-brasileira. Nos A coroação dos reis e rainhas do
utilizaremos dos estudos de cientistas congo foi transformada no maracatu, cuja
sociais, folcloristas e historiadores, assim nomenclatura surge na imprensa a partir
como da reflexão empírica, partindo da do final da primeira metade do século
vivência com a Nação do Maracatu Porto XIX, para denominar os aglomerados de
Rico, localizada na Favela do Bode, no negros, anotada por José Antônio
bairro do Pina, em Recife, Pernambuco. Gonsalves de Mello em consulta à edição

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do Diário de Pernambuco de 1° de julho A nação de maracatu Porto Rico


de 1845. Os cortejos de maracatu
organizados pelos pretos de Angola eram A Nação de Maracatu de baque
alvo de perseguição policial, denúncias à virado Porto Rico fez o resgate de toda a
Inquisição de Lisboa por parte dos frades tradição centenária, para colocar sua
capuchinhos e configurava motivo de manifestação na rua, respeitando
censura por parte das classes dominantes; fundamentos do candomblé e ritmando o
segundo registra o jornal O Diário de cortejo real. O cortejo do maracatu de
Pernambuco, em sua edição de 11 de baque virado acontece na rua. É composto
novembro de 1856 ao tratar do maracatu por uma corte com diversos personagens
da Praça da Boa Vista : que dançam ao som do toque de maracatu.
No domingo, os pretinhos do As baianas de cordão ficam
Rosário, talvez avezados, quiseram dispostas em fileiras laterais, e vestem
apresentar na Praça da Boa Vista o roupas padronizadas confeccionadas com
seu maracatu; a polícia, porém, chita, as baianas de branco são
dispersou-os, não porque julgasse obrigatórias, as baiana ricas com suas
que aquele inocente divertimento roupas exuberantes. As calungas são
era atentatório à ordem pública, mas consideradas sínteses da dimensão sagrada
porque do maracatu passariam à onde os axés do maracatu estão
bebedeira, e daí aos distúrbios como depositados, são elementos sagrados nos
sempre acontece; obrou-se muito
bem (SILVA, 1999. p, 363).
candomblés de Pernambuco, são bonecas
de madeira ou de pano que representam
Segundo o historiador Leonardo éguns, mortos, como dona Júlia, calunga
Dantas Silva (2000) a figura do rei e rainha da Nação Porto Rico, que foi feita por
do congo perde seu significado com a Eudes Chagas para homenagear dona
abolição da escravatura em 1888 e a Santa, a lendária rainha da Nação Elefante.
proclamação da república em 1889. Os A maior parte das evoluções,
cortejos, já presentes no carnaval, coreografias, dos rituais presentes nos
passaram a ter como autoridade temporal maracatus podem ser considerados uma
e espiritual os Babalorixás dos terreiros de metáfora de uma situação de guerra. O
culto nagô. Conforme Katarina Real caboclo de lança, personagem que
(1991) - pesquisadora que desempenhou
compõe o cortejo, representa um sentido
um papel importante para a atual político, de quem vai enfrentar uma luta.
configuração do carnaval de Recife - a Ele se destaca não só pela quantidade, mas
palavra “nação” é utilizada entre os pela beleza, exuberância, colorido e
pesquisadores que estudavam tal sobretudo pelo aspecto guerreiro. Tem
manifestação cultural, porque a palavra também os caboclos de pena, que
“maracatu” despertava confusão a representam os índios, trazem consigo
respeito do seu “verdadeiro” significado, e arco e flecha, representados pela sabedoria
a etimologia da palavra continua sem
dos povos indígenas e a proteção dos
clarificação depois de longos debates. espíritos das florestas. As damas de frente
Além disso, existem dois tipos de são mulheres ricamente trajadas, com
maracatus em Pernambuco, diferentes na chapéus ornados com flores, as damas de
sua configuração e conteúdo, maracatu- honra, crianças que mantêm suspensas as
nação ou de baque virado e maracatu rural capas do rei e da rainha. As damas do paço
ou de baque solto. Assim a autora se refere conduzem as calungas, as bonecas. A
à nação de maracatu para se referir às mulher que conduz a calunga deve estar
nações africanas, ligadas à instituição da preparada espiritualmente para conduzi-la
Coroação do Rei do Congo, vinculadas às nos desfiles da nação. Tal preparação
Irmandades de Nossa Senhora do Rosário passa pela a realização de obrigações
e ao culto de São Benedito. religiosas e obediência aos preceitos da
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religião dos orixás. Sobre a importância indispensável para os que desejam


atribuída às Calungas Arthur Ramos entender a história do maracatu e sua
(2007) afirma: organização. Segundo Guerra Peixe o
ritmo do maracatu é marcado por
Os maracatus não festejam apenas a instrumentos de percussão utilizados
sobrevivências históricas e também dentro dos terreiros nos toques
totêmicas. Festejam a religião.
Aproveitam-se do carnaval, iludem
para os orixás. São as alfaias ou tambores,
a perspicácia dos brancos caixas, taróis, agbês, mineiros. Gongiês,
opressores e festeja seus reis, as suas atabaques e apito. Os batuqueiros são
instituições, a sua religião. Entre os divididos por alas de instrumentos e
seus deuses, adoraram a Calunga, seguem as convenções das loas, como são
um dos maiores, um motivo chamadas as louvações ou as músicas
universal, o deus do mar e das águas cantadas pelas nações, com letras que
(RAMOS, 2007, p. 80). falam da história do próprio do maracatu,
O Porta estandarte, figura que do abolicionismo, da resistência da cultura
abre o cortejo, carregando a bandeira do negra, dos orixás, da comunidade onde
maracatu. O rei e rainha, figuras centrais residem, e das relações sociais e religiosas
do cortejo. Também cumprem obrigações que experienciam.
e resguardos durante o carnaval. Convém Enquanto os batuqueiros tocam
ressaltar que algumas rainhas são também e cantam as loas da nação, as demais alas
lideranças religiosas ligadas a algum do cortejo dançam, brincam e expressam
terreiro, a exemplo de Elda Viana ou Elda sua cultura e religiosidade na rua. Esse
de Oxossi, da Nação Porto Rico. Como momento é muito esperado por toda a
Yalorixás, elas são conhecedoras dos comunidade que acompanha as atividades
segredos da religião e, por meio deles, da nação de maracatu e também pelos que
acabam se tornando ainda mais preparadas a compõem. As loas são também formas
para conduzir a nação, assegurando assim de expressão, nelas se fazem presente a
a legitimidade que se quer para os grupos dimensão do sagrado. Muitas delas fazem
e para o discurso da tradição. Os soldados referência direta aos orixás, como a toada
romanos levam escudos e lanças. Os cantada pela Nação Porto Rico:
orixás são vestidos conforme o seu Oxalá meu pai
arquétipo específico. Cada figura (Autoria: Mestre Chacon Viana)
representa a materialização e dá forma
estética a um imaginário religioso e ou Oxalá meu pai
sócio-político. Sobre a manifestação do Tenha pena de nós, tenha dó.
caráter religioso do maracatu Alceu Araújo Salve a Nação Porto Rico
(2004) explicita: Que seus poderes são maior!
A nação de Porto Rico
A presença do maracatu no carnaval Vem trazendo todos os santos,
se justifica, ele é o próprio Xangô Vamos homenagear de Exú a Orixalá.
sem elementos estáticos, místicos, Bate o agonguê toque o ijexá
porém os mesmos cantos e os Bate o agonguê canta Xèu Èpa Babá!
mesmos instrumentos musicais. Normalmente as nações passam
Uma diferença, porém – seu templo por rituais de limpeza espiritual, antes das
é a praça pública, o altar é o apresentações, dentro do terreiro, para
palanque (ARAUJO, 2004, p.358). consagrar aquelas manifestações e os
César Guerra Peixe (1956), instrumentos que participam dela, com
importante estudioso do tema, classificou objetivo de obter a proteção necessária do
e descreveu de modo sistemático o sagrado, principalmente para o período de
maracatu nação em sua obra Maracatus do carnaval. Nesses rituais religiosos, as
Recife. Esse trabalho considerado nações de maracatu oferecem obrigações

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também às calungas, aos orixás, às troça fosse mantido em segredo. Assim,


entidades da jurema e aos eguns. Cada a Troça Rei dos Ciganos, cujo principal
nação estabelece sua organização para os patrono era Ogum Guerreiro, conseguiu
dias e durações desses rituais. festejar, disfarçadamente, durante quinze
Especificaremos a história da anos todos os orixás africanos.
Nação de Maracatu Porto Rico, que foi A Troça Rei dos Ciganos
fundada em 7 de setembro de 1916. Seu posteriormente foi transformada, por
símbolo é a caravela Santa Maria, que Eudes Chagas, no Maracatu Porto Rico do
representa a chegada de escravos africanos Oriente, assinala Real (2001). O Maracatu
no Brasil. O seu orixá patrono é Ogum Porto Rico do Oriente foi inaugurado no
Megê, e suas cores verde e vermelho, dia 26 de março de 1967, com sede no
porque Eudes Chagas – criador, rei e bairro do Pina e a coroação de Eudes
Babalorixá da nação, era de Ogum Megê, como seu rei ocorreu no dia 10 de
nação Nagô. dezembro de 1967, na Casa 41, do Pátio
do Terço, sendo presidida pelo bispo da
Conforme Katarina Real (2001),
Igreja Católica Brasileira Dom
Eudes Chagas nasceu em Olinda,
Isaac. Eudes atuou como rei, Babalorixá e
Pernambuco, no ano de 1921 e se mudou
diretor do Porto Rico do Oriente de 1967
para o bairro de Água Fria e depois para o
Pina, em Recife, ainda criança. Eudes até1978. Ele era muito estimado por sua
generosidade, sempre oferecendo ajuda
Chagas ficou doente aos 13 anos e foi
levado ao terreiro de Dona Santa, rainha para dezenas de afilhados, assim como às
pessoas que lhe procuravam para rituais e
do Maracatu Nação Elefante, para ser
curado por meio da mediunidade. Uma tia consultas no seu terreiro. José Eudes
sua que trabalhava com o “Caboclo Chagas, o Rei do Maracatu Porto Rico do
Daniel” lhe disse que sua doença fora Oriente, morreu no Recife, em 15 de
causada por dois africanos que o dezembro de 1978.
acompanhava. Para resolver a questão Atualmente a rainha da Nação
Dona Santa fez o batismo de Eudes Porto Rico é Elda Viana, neta do
Chagas em dia de toque de maracatu. Ele fundador Eudes Chagas. O coordenador e
seria protegido pelos orixás Ogum e Mestre é Chacon Viana, filho da rainha e
Xangô. Yalorixá, Elda Viana. O atual regente da
nação foi escolhido em 1998 e é
Com o apoio de Eudes Chagas,
Babaquerê, ou seja, pai pequeno da casa –
Aluísio Gomes e José Cabral, Dona Santa
o sacerdote responsável pelos rituais do
fundou a Troça Carnavalesca Mista Rei
terreiro na ausência da mãe ou pai de santo
dos Ciganos, no dia 10 de outubro de
principal. Elda Viana foi corada, assim
1938. A troça desfilaria no carnaval e no
como seu avô Eudes Chaga, na Igreja de
resto do ano promoveria festas dançantes
Nossa Senhora do Rosário dos Homens
em louvor às divindades negras,
Pretos do Recife, em 08 de outubro de
assegurando dessa forma que o culto
1980, numa cerimônia privada, já que a
continuasse atuando disfarçadamente,
Igreja católica não mais permite que se
evitando a repressão da polícia.
oficie a coroação de reis e rainhas de
A Troça logo se filiou à Federação
maracatu no interior do templo.
Carnavalesca Pernambucana, que havia
sido criada em dezembro de 1936. O terreiro da nação Porto Rico,
onde acontecem as consagrações dos
De acordo com Real (2001), foi
instrumentos, das calungas e dos
realizada a primeira festa dos santos em
batuqueiros, é comandando pelo Oxossi
dezembro de 1938, com um baile
dedicado a Orixalá, com todos os Guangoubira, porque esse é o orixá de
Dona Elda Viana. De acordo com Ramos
participantes vestidos de branco. Era
(2007), a tradição de reverenciar as
necessário que o verdadeiro objetivo da

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calungas tem cerca de 300 anos e foi ponto de cultura criado pelos
trazida pelos escravos que entalhavam as coordenadores da Nação de Maracatu
bonecas na madeira para simbolizar os Porto Rico, utilizando-se da educação, arte
antepassados e orixás do candomblé. Elas e cultura como os principais elementos
são tidas como divindades que protegem para a superação de muitos problemas
os integrantes do maracatu. O Porto Rico sociais. O viés social e o religioso são os
tem quatro calungas: Dona Inês, Princesa principais alicerces da nação de maracatu
Elisabeth, Dona Júlia e dona Bela. Porto Rico.
Conforme relata o mestre da Nação Porto
A construção da negritude vista
Rico, Chacon Viana, a calunga Dona Júlia
como afirmação de ser negro, é
voltou para o Maracatu Porto Rico em
experienciada de forma distinta entre
2014. Ela havia sido levada, no final da
aqueles que se reconhecem como negros.
década de 1970, para um museu na
É vivida insensatamente por muitos
Universidade Federal Rural de
moradores da favela do bode, onde se
Pernambuco (UFRPE) e ficou perdida.
localiza a sede da Nação de Maracatu
Tempos depois, foi deixada no terreiro
Porto Rico, principalmente entre os
Xambá, em Olinda, mas ninguém sabia a
jovens. Nota-se a efervescência com que
qual nação ela pertencia. Feita na década
se auto afirmar negro, e valorizar a cultura
de 1960, Dona Júlia representa uma
negra, funciona como um fator identitário
homenagem a Dona Santa, rainha do
de muitos jovens, que passam a vivenciar
Maracatu Elefante que iniciou Eudes
experiências em que eles possam
Chagas no candomblé.
desvendar seu pertencimento étnico.
Ao lado da sede do Porto Rico
existe um ponto de cultura da comunidade Considerações Finais
do bode, favela do bairro do Pina.
Percebe-se que essa nação têm uma longa O candomblé ainda sofre com a
trajetória histórica, social e principalmente intolerância religiosa, a deslegitimação de
espiritual. É notável que a religiosidade é suas crenças e a demonização de seus
intrínseca à manifestação cultural de tal deuses. É nítido o processo histórico em
modo que é impossível desassociá-la. que boa parte do que é produzido pelo
negro brasileiro é desumanizado,
A nação de Maracatu Porto Rico, desvalorizado ou considerado estranho,
anualmente se prepara para os carnavais exótico e folclórico. No entanto, as
com alguns meses de antecedência, onde crenças do candomblé nada ficam a dever
seus barracões ficam cheios de fantasias, às demais religiões, a religião dos orixás,
instrumentos, batuqueiros, mães e pais de praticamente desconhecida por não
santo, crianças e muitas outras pessoas adeptos do candomblé, é tão interessante
apoiadoras da nação, da própria e complexa quanto às demais. Além de
comunidade do Pina ou de outros regiões uma religião múltipla e rica, o Candomblé
do estado e do país, que vão para a sede da também representa um importante
nação colaborar, aprender e trocar mecanismo de resistência à história
conhecimentos sobre a cultura, a arte e a hegemônica branca universalista porque
religiosidade do maracatu. dá visibilidade à cultura afro-brasileira e
A busca dos elementos da legitima os saberes apagados pela história
identidade sociocultural, da reconquista da na difusão cultural, contribuindo para a
dignidade e da autoestima particularmente descolonização mental da cultura
da população negra e demais integrantes eurocêntrica.
das classes populares excluídas das Este trabalho considera a falta de
benesses da sociedade contemporânea e visibilidade e conhecimento sobre a
marginalizados por razões sócio-político- religião afro-brasileira e sua linguagem um
culturais são funções primordiais do forte pilar na estruturação do preconceito.

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Assim como a fixação da estética do de todas as construções que subalternizam


candomblé e sua estética como bruxaria, a sua pratica e seus praticantes são na
feitiçaria e ritos do mal foi usado ao longo verdade modos de luta resistência cultural
dos processos de transformação da e religiosa, de modo a dar visibilidade para
religião como recurso ideológico a fim de a sua história de origem, a representação e
marginalizar as religiões afro brasileiras. os modos com que o Maracatu é
reconhecido não importam apenas aos
Conforme postula o historiador
seus praticantes, uma vez que a
AchilleMbembe (2001), nenhuma
desvalorização de elementos da cultura e
democracia pode se desenvolver sem
modos de ser negros sejam fundamentos
memória, de forma que se faz necessário
para o racismo.
convocar a história para perceber os
processos que seguem legitimando o
Referências
apagamento da cultura, da religião e das
representações simbólicas de origem afro- ARAÚJO, Alceu Maynard. Folclore Nacional
brasileira. Mbembe (2001) denomina esse II: dança, recreação e música – 3ª Ed. São
apagamento como uma violência de tipo Paulo: Martins Fontes, 2004.
metafísico e ontológico, que tem sido há GUERRA-PEIXE, César. Maracatus de Recife.
muito tempo um aspecto da ficção de São Paulo: Ricordi, 1956.
desenvolvimento que os colonizadores MBEMBE, Achille. Estudos Afro-Asiáticos,
procuram impor aos que colonizaram. Ano 23, nº 1, pp. 209-209, 2001.
Desse modo, entendemos que o PESAVENTO, Sandra. História & História
maracatu aciona a memória ancestral de Cultural. 2ª ed. Belo Horizonte: Ed. Autêntica,
um povo que foi marginalizado, mas 2005
nunca desistiu de manifestar sua fé, sua RAMOS, Arthur. O Folclore Negro no Brasil:
religiosidade e sua arte por meio da demopsicologia e psicanálise – 3ª Ed. São
Paulo: WWF Martins Fontes, 2007.
estética construída como afro-brasileira ao
longo de centenas de anos. A dimensão REAL, Katarina. O folclore no carnaval de
religiosa, citada ao longo de toda esse Pernambuco. Recife: Ed. Massangana, 1991.
trabalho, demonstra que o maracatu é ____________. Eudes: o rei do maracatu.
religião, na qual as pessoas vivem sua fé, Recife: Fundaj, Ed: Massangana, 2001.
mas demonstra também, que ele é uma SILVA, Leonardo Dantas. A Corte dos Reis do
ferramenta política contra o racismo Congo e os Maracatus do Recife. In: Ciência e
institucional e contra as opressões que as Trópico, V.27, n.2, Jul/Dez 1999. Recife: Fundaj,
Massangana, 2000.
comunidades periféricas sofrem. Os
maracatuzeiros seguem criando novos ____________. Carnaval do Recife. Recife:
sentidos pra sua prática, a partir da Fundação de Cultura Cidade do
memória dos seus antepassados, do Recife, 2000.
pertencimento a essa comunidade cultural ____________. Estudos sobre a escravidão
e religiosa e da dinâmica da sua experiência negra. Vol. 1 e 2, Recife: Fundaj, Massangana,
no tempo. 1988.

A existência do Maracatu apesar

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