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(Este texto tem como objetivo tão somente compartilhar informações obtidas através de entrevistas com dois
antigos colaboradores de Pierre Verger e da observação de uma cerimônia em sua homenagem realizada em Saketé.
Tanto as entrevistas quanto a cerimônia tiveram lugar em abril de 1998, durante as filmagens de " Mensageiro entre
dois mundos", documentário sobre a vida de Verger, dirigido por Lula Buarque de Holanda, com a participação de
Gilberto Gil, no qual atuei como consultor e produtor para o Benin. Agradeço a colaboração de Gerlaine Torres
Martini, que muito enriqueceu este trabalho).
"Xangô me convém"
Foi na cidade de Saketé, onde o culto de Xangô é mais forte entre os nagôs do Benin, que
Verger cumpriu as determinações do Ifá, consagrando-se àquele orixá. Recebeu então o nome
cerimonial de Xangowumi, "Xangô me convém".
O chefe do culto a Xangô em Saketé tinha morrido, antes da chegada de Verger, sem que seus
filhos homens tivessem atingido a idade para sucedê-lo. O Ifá, consultado, indicou a filha mais
velha como sucessora. Coube então a uma mulher, Shangodélé ("Xangô voltou a sua casa")
Otégbéyé, sucessora do pai à frente do "couvent" de Daanyogou (bairro de Saketé), presidir à
iniciação de Verger ao culto de Xangô.
O fotógrafo
A partir dos anos cinqüenta, o trabalho fotográfico de Verger é quase que exclusivamente
voltado para o campo religioso. Seu principal colaborador no Benin, nesta época, foi Nordichao
Bachalou, que exerceu a dupla função de intérprete e de laboratorista.
Nordichao Bachalou, 62 anos, se apresenta como historiador tradicional e fotógrafo
documentarista, tendo sido formado em ambas as atividades por Pierre Verger. Ele pertence a
um ramo da família real de Abomey, e muito jovem, indicado por relações de família, foi
trabalhar no IFAN – Instituto Francês da África Negra. Em 1956 foi designado para auxiliar
Verger, então pesquisador do Instituto.
Uma das primeiras tarefas do jovem auxiliar foi se iniciar, juntamente com seu chefe, no culto de
Thohossou no "couvent" Zomandonou, em Abomey. Esta iniciação era fundamental para que
Verger tivesse acesso aos cultos Fon, e, como ele não falava a língua dahomeana, a solução foi
iniciar também o intérprete. Isto lhes permitiu trabalhar em todos os "couvents" do Benin sob a
autoridade do rei de Abomey.
Nordichao foi também iniciado nos mistérios da fotografia, encarregando-se da revelação e
ampliação dos filmes. Nesta época o trabalho era feito em um pequeno laboratório instalado nas
dependências do IFAN junto ao Museu de Abomey. As condições eram bastante precárias, mas
segundo nosso informante antes da sua chegada ainda era pior, pois não havia nem mesmo
eletricidade. Ajudado por seu laboratorista de então, Azis Moustaphá, Verger ampliava suas fotos
utilizando diretamente a luz do dia. O processo era o seguinte: um antigo aparelho fotográfico de
fole de era colada a uma pequena janela de vidro, portando o negativo que era assim ampliado
pela ação da luz do dia, projetando-se sobre o vidro. Do lado de dentro do laboratório, o papel
fotográfico era colado ao vidro, sendo que as dimensões da imagem e o foco eram controlados
pelo fole. Assim foram obtidas as ampliações que cercam Nodichao na foto que ilustra este texto,
onde aparece com o aparelho fotográfico que servia de ampliador nas mãos.
Mais tarde um novo laboratório foi construído, com luz elétrica, em uma espécie de apartamento
onde Verger se hospedava nas dependências do IFAN de Abomey. Na época, Verger trabalhava
em formato 35mm, com aparelhos Leica e Nikon, e utilizava filmes em rolo, que eram
rebobinados para utilização em campo. O processo de revelação, conta Nordichao, era bastante
artesanal. Mergulhava-se o filme no banho revelador, desenrolando-o da mão direita para a mão
esquerda e vice versa, contando até 160, quando o filme era dado como revelado e passava para
o banho interruptor e o fixador.
Juntos, Verger e Nordichao, percorreram todos os "couvents" de Abomey e também os da costa,
de Badagry, na Nigéria, até o Togo. Muitas vezes o auxiliar, que seguia sempre Verger
carregando seu equipamento, se viu impedido de entrar nos recintos mais protegidos dos
"couvents". Verger entrava sozinho para fazer as fotos mais secretas. Estas, como de resto as
outras fotos relativas aos cultos religiosos, nunca foram mostradas no Benin.
Nordichao guarda como um tesouro uma coleção grande de fotos que foram dadas por Verger
ao seu pai, mas são todas cenas da vida cotidiana ou de cerimônias públicas, de caráter
folclórico. As fotos das cerimônias secretas; acredita Nordichao, "ou estão muito bem guardadas
na Bahia ou então foram queimadas por Verger", o "pai do segredo", como também são
chamados os babalaôs.