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UFRJ – UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

GRADUAÇÃO EM LICENCIATURA EM MÚSICA

ELAINE GUEDES

ATUALIDADE DA ESCUTA E A FRAGMENTAÇÃO DO REAL

RIO DE JANEIRO - RJ
2017
ELAINE GUEDES

ATUALIDADE DA ESCUTA E A FRAGMENTAÇÃO DO REAL

Monografia apresentada à
Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ como requisito
parcial para obtenção do título
de Graduação em Licenciatura
em Música, sob orientação do
Professor Doutor Celso Ramalho

RIO DE JANEIRO - RJ
2017
Monografia apresentada como requisito necessário para obtenção do
título de Licenciada em Música. Qualquer citação atenderá as normas da ética
científica.

ELAINE GUEDES DE BARROS

Monografia apresentada em ___/___/____

_________________________________________________________
Orientador Professor Doutor Celso Ramalho

1° Examinador Prof.
-
_____________________________________________________________________
2° Examinador Prof.

Coordenador Prof.
Dedicatória:
Dedico esta monografia à eterna paciência e participação de minha
filha e ao empenho ao doar seu conhecimento do professor Celso Ramalho.
AGRADECIMENTOS

Agradeço à troca constante em sala com a professora Maria Alice Volpe; às lições de
disciplina e organização mais que de piano do professor Ronal Silveira; ao quanto atrasei meu curso
mas aprendi mais, escolhendo as disciplinas não obrigatórias de canto e piano; à eterna alegria e
envolvimentos de meus colegas; à vida, que me fez eleger a música antes de todas as outras coisas
como forma de me comunicar e à saúde que Deus me dá.
“É sempre a perda da dimensão poética que faz viger um
modo determinado e precipitado de compreensão da dimensão
(Antônio Jardim).”
RESUMO

O presente trabalho tem como ponto de partida a fragmentação


dos sentidos como consequência do pensamento racional, aqui situado
especialmente no mundo ocidental, que se utiliza da racionalização como
padrão de observação e verificação do que é o real e
verdadeiro. Apresentaremos uma sequência histórica desde o mito na
oralidade até atingirmos a formação de memória a partir da escrita e
posterior racionalização dos padrões mentais desenvolvidos pela
tecnologia do alfabeto e o vocabulário abstrato, que encontra em Platão o
dualismo como forma determinante para o conhecimento. Como a difusão
e implantação do pensamento dual servirá de fundamento para
instituições como a religião, leis, família, ciência, academia e fomentará
processos de globalização que enfatizam a técnica em detrimento da
imaginação poética. Exporemos as diferentes visões sobre a audição e a
escuta e abordaremos a questão hierárquica adotada em função da
escrita. A pesquisa ainda expõe as abordagens da escuta no universo
musical e a estrutura criada pelo aparato tecnológico, que estimula uma
“escuta surda”, da música, do outro, de si e do ambiente, quando a
abstração do som se torna fundamental pra emprestar uma qualidade de
vida em meio à poluição sonora. Utilizaremos a premissa de Barthes
quando afirma que escutar põe dois sujeitos em interpelação total de um
indivíduo a outro. A alienação midiática estabelece relações de poder
através da obra veiculada, assim como grupos orais mantinham relação
de poder através de rituais, esta articulação “pressiona a história” e forma
nossa civilização e sua linguagem, ação que necessita de uma escolha e
decisão sobre o material escutado a partir do ouvinte. Pretende-se na
conclusão ressaltar o caráter integrador da escuta como unidade poética
essencialmente musical em contraponto à fragmentação da escuta
imposta pela análise racionalista.
INTRODUÇÃO

A escuta tem perdido sua importância em detrimento do valor da


visualização, e o aparato tecnológico aliado ao estilo de vida moderno faz com que
esta perca suas características até pela abstração, mas ainda mais pela
fragmentação dos sentidos.
Após realizar um trabalho de gravação de áudio livros durante mais de
treze anos, resolvi abordar a questão daquele que ouvia minhas gravações. Desde o
início procurei adaptar a leitura a uma entonação tal que não provocasse nem o
sono nem a simples dispersão no ouvinte. Diante de uma produção e consumo tão
precário de áudio livros no Brasil, resolvi abordar a questão da escuta de uma forma
geral, retratando o conceito de escuta em distintos momentos históricos, e
demonstrando após isso, os diversos quadros sonoros e tecnológicos de nossa vida
atual, especialmente a urbana.
O conceito que pretendo abordar é o de presença na escuta e de
criação de memória na construção do indivíduo.
Exponho o quadro histórico de criação e assimilação do conceito de
racionalização e dualidade que permeia a cultura ocidental, em prol da unidade; do
conhecimento racional em prol de conhecimento sensível; e o entendimento
científico de especialização, que fragmenta, desdenhando a visão poética
ontológica. No item I - Material Sonoro, há uma exposição sobre a possibilidade de
escuta da reprodução da performance no material sonoro através da tecnologia; em
II – Um Ouvir e Várias Escutas, é exposto o conceito de audição, suas possibilidades
e suas simbologias; em III – Consciência da Escuta, apresento a decisão da escuta
como fator importante na vivência e criação de linguagem; em IV – O Fenômeno,
apresento a própria relação entre humano e material a ser escutado via tecnologia
como um fenômeno a ser considerado fundamental; em V – Hic Et Nunc da Escuta
apresento uma relação entre o homem e o objeto escutado como uma relação
produtiva; em VI – Vivência e Linguagem apresento o material a ser escutado como
fruto de relações de poder, tanto na sociedade moderna quanto em rituais da cultura
oral, e procuro desestimular a passividade da escuta; VII – Conclusão.
DESENVOLVIMENTO

VÁRIOS SENTIDOS, UM CORPO INTEIRO

“Furaro os óio do Assum Preto, Pra ele assim, ai, cantá mió” (Luiz
Gonzaga / Humberto Teixeira). Esta letra do baião resume a ideia que fazemos de
nossos sentidos, o corpo dividido, As etapas, as peças com funcionamento
particular, especializado, se separando do todo. O que poderia justificar que os olhos
fossem furados para que saltasse o sentido da audição, e a dor do não voar por não
enxergar não fosse importante para que o canto do pássaro se tornasse belo?
“Assum Preto veve sorto / Mas num pode avuá”. É desta forma que deixamos de dar
asas à nossa capacidade poética de voar em todos os sentidos.
Embora sejamos parte de uma cultura que adota uma visão
fragmentada do corpo, através da divisão dos órgãos de sentido, lemos, ouvimos,
sentimos, não com o olho ou ouvido ou pele, etc, mas sim com o corpo, que é a
unidade de todos os sentidos.
E é a unidade de todos os sentidos que melhor cria presença e
memória. Sem presença não há memória. Sem memória a vida também é partilhada
em partes perdidas.

A RACIONALIZAÇÃO VERSUS A VISÃO DIONISÍACA


A divisão dos sentidos passa por um pré-julgamento e advém da
separação de mente e corpo, na concepção da abstração se distanciando do
concreto. Nietzsche, em sua concepção do dionisismo e apolinismo, propõe que a
visão artística de mundo substitua o racionalismo erudito ao tentar tocar o âmago de
onde emanou toda a força de vida da humanidade grega antiga. Em sua
conferência “Sócrates e a Tragédia”, Nietzsche nos apresenta o racional do
socratismo, e a criação artística euripidiana, como determinantes na decadência da
arte grega e consequentemente de sua civilização, ao sobreporem a potência da
lógica ao espírito da música na tragédia (obra em verso) grega. Uma visão que
foge à clássica interpretação dada por Aristóteles (384-322 a.C.). Nietzsche
aproxima o espírito apolíneo (emanado de Apolo, a divindade da luz, que faz surgir
mundo a partir do caos originário), que impera no mundo interior da imaginação, da
contemplação, da calma e do repouso, e representa a divinização do indivíduo
sujeito à moderação e “como divindade ética, exige dos seus a medida e, para poder
observá-la, o autoconhecimento. E assim corre, ao lado da necessidade estética da
beleza, a exigência do ‘Conhece-te a ti mesmo’ e [do] ‘Nada em demasia’”
(NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. O nascimento da tragédia ou helenismo e
pessimismo . Tradução de: J. Guinsburg. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras,
2001. p. 40- trecho retirado de Santos, Adilson dos, A Tragédia Grega). Apolo é o
quadro divino do principium individuationis, dando forma às coisas em seu sentido
individual a partir do sonho, que encontra o abrigo para as coisas terríveis do
mundo. Este encontra “Dioniso – o deus do informe, do desmesurado, da rebeldia
dos sentidos e da exuberância – em oposição ao primeiro, não se manifesta por
meio do sonho, mas de outro estado fisiológico, a embriaguez. Através dela, o
principium individuationis é abolido, ocorrendo a união do homem com o homem e
com a natureza, que se manifesta em sua força mais elevada... O espírito dionisíaco
traduz-se, pois, como instinto de aniquilação do mundo da aparência e leva à ruptura
da individualização para desvelar a essência do mundo. Pela embriaguez, dissolvido
o mundo das formas e das aparências, “cada indivíduo suprime-se enquanto
indivíduo, identificando-se por momentos com a vida em toda a sua exuberância”
(Adilson dos Santos, a Tragédia Grega).

A RACIONALIZAÇÃO NÃO COMPORTA A DIMENSÃO HUMANA


Adotamos a fragmentação na nossa mentalidade em nome da
racionalização e do ideal, através de nossa educação, de nossa produção cultural, e
ela é determinante para a estratégia e lógica de mercado. Na carteira escolar que
ignora o corpo e prioriza a mente, no leitor da partitura que ignora a performance; na
música segmentada de mercado; no cinema; nos livros, no partilhar, em vez do
compartilhar a compreensão, em setores que tendem a se especializar e se
distanciar da unidade: na sina das gaiolas determinantes e delimitadas
abandonamos um caos fundamental.
A música é um acontecimento como o falar é provar com a língua.
Auscultar é provar com o corpo, inclusive a escuta do dizer de quem escuta aquilo
que fala, num discurso criativo, crítico e atento ao percurso da palavra e do devir. A
música é criação de linguagem através do ouvir (numa abordagem do afeto),
escutar e sentir. ”O fazer está na escuta e articular junto na unidade poética da
cultura auscutativa” (Celso Ramalho).
No mito, o rei Penteu manda prender o deus Dionísio, embora advertido
do bem causado por este, por trazer aos mortais as videiras e o vinho. Dionísio,
convida Penteu a se disfarçar para espionar as bacantes nos rituais por ele
condenados, e dentre elas se encontrava a mãe de Penteu. Estas, ao descobrirem
um espião, o matam e realizam seu ritual, sem saber de quem se tratava.
Enquanto a aristocracia proíbe o culto a Dionísio, por acreditar no ideal
da harmonia e da beleza, aqueles subjugados o cultivam, e identificam essa
religiosidade com um fator de resistência ao estilo e ao universo de valores daquela
elite dominadora.
Dionísio tem uma relação próxima dos humanos através de uma ligação
hipnótica. O que talvez o torne o mais distante dos mesmos homens, porque não se
pode enquadrar numa definição.
Dionísio era o patrono do teatro e da agricultura. E a embriaguês dos
sentidos nessas duas “performances” tão aparentemente díspares é uma
necessidade humana fundada na necessidade da liberdade, em algum momento,
dos sentidos, e exposta na mitologia.

DUALIDADE E UNIDADE
Segundo Platão, o homem era dividido em duas partes, seguindo o
princípio dualista, sendo o homem não a unidade, mas a união de dois, corpo e
alma, ou psique (do grego Psikhe), sendo o corpo o cárcere da alma, uma realidade
aparente, enquanto esta alma seria a existência real (Fedon, A Imortalidade da alma,
Platão). Na sua doutrina das Formas existem as realidades invisíveis e inacessíveis
aos sentidos, e apenas o pensamento poderia apreende-las. Assim, a alma só
poderia se libertar depois da morte. Com esta tese de imortalidade da alma surge o
privilégio do conhecimento puramente inteligível, desvalorizando os eventos
relacionados ao corpo e ao sensível. Para tal é preciso que a alma controle o corpo
adotando os valores da justiça, da virtude.
“O platonismo foi muito influente no período medieval, principalmente
entre os séculos IV e VIII, com a patrística (dos santos padres), campo da filosofia
que pretende uma conciliação entre razão e fé, e cujo principal nome é Santo
Agostinho. Com base no platonismo ele elabora a “filosofia cristã”.
Embora em muitas partes do planeta a companhia de Santo Inácio
tenha se estabelecido, como por exemplo, na China (Édito de tolerância do
imperador chinês K’ang-hsi de 1692) e no Japão, que chegou a ter 300 mil cristãos
em fins do século XVI, a implantação do cristianismo em substituição às crenças
anteriores se dá especialmente nas colônias portuguesas e espanholas. O início do
processo de globalização acontece no século XVI, com desintegração de valores e
crenças, e por toda parte acompanhou a propagação da revolução industrial e a
revolução eletrônica e das telecomunicações. (nota : A Globalização e os Jesuítas –
Bingemer, Neutzling, João A. Mc Dowell).
A sistematização de Platão está na raiz do pensar e recriar o pensar no
ocidente, se fixando através de Roma e da religião cristã, nas traduções de Santo
Agostinho e São Tomaz de Aquino, adotando Platão e Aristóteles, se expandindo e
se impondo numa prática dominadora que se irradiou através da colonização
europeia, se consolidando como pensamento com a Globalização, que se inicia com
a busca pelo mundo novo e o domínio de novos territórios. “Ela é produto da
reconstituição das relações globais já existentes, tendo por base os seus legados –
o imperialismo, o colonialismo, o eurocentrismo – e as mudanças que, estas sim, se
fizeram presentes nas últimas décadas” (CONNELL, 2000).) Uma lógica da
separação que nasce na divisão do abstrato e do concreto.
“Enquanto lidarmos com essas categorias da dialética conectadas com palavras, ao
invés de com as próprias palavras, qualquer licença, falta de clareza ou estabilidade
em suas definições (muito menos incorreções) levarão necessariamente a uma
concepção distorcida da essência da questão” (Ilienkov, 1973).
A essência aqui compreenderemos como um hic et nunc da ausculta, e
uma busca do corpo como um todo e de uma memória viva e construtora de
realidade.

.DIONÍSIO PRESO POR PENTEU NA MODERNIDADE


O meio conduzindo a mensagem e se transformando na própria
mensagem (McLuhan, 1969): assim podemos conceber uma mentalidade que usa
como ferramenta de memória a escrita e a técnica, que modificou aquela concebida
pela cultura oral, mentalidade aquela que precisava lançar mão de outros
instrumentos para se manter viva e em movimento: a oralidade, a poesia, o ritmo e a
própria memória fazendo uso de todos os sentidos para existir como tal. A maior
parte do mundo, cada vez mais, adotou a lógica da escrita prevalecendo sobre a
escuta. A lógica que se expandiu com o mercantilismo culminando com a tecnologia.
“Com a internet, entramos compulsoriamente na era da digitalização da vida e da
máxima eficácia comunicacional, bem como entramos num século onde enterram-se
os sonhos de grandes utopias juntamente com seus escombros amalgamados e
endurecidos pelos delírios de uma razão cega e totalitária (GALENO, 2003, p. 99).
Engessamo-nos em uma realidade delimitada. “Se assiste a uma certa
fusão entre cultura e economia” (Jameson, 2001), e é difícil quebrar a parede
milenar que foi construída pelas forças (de mercado) que moldam o indivíduo do
século XXI, valorizando o fazer junto e o estar pleno, numa ação de reunião e
expansão no exercício da ausculta, com a prática da imaginação plena de valor em
si mesma, numa atitude cultural mais libertadora. Algo que se aproxima de um todo
requisitado quando não temos a escrita como conforto para a memória, que deixa de
exercitar o todo ao sentar os alunos em filas de cadeiras voltadas para o cerebral, o
lógico e o ver. Sendo a escrita o símbolo estático que recebemos como transcrição
de uma ideia a ser re-transcrita por nossa compreensão individual e cultural desses
símbolos, o ouvir pode ser uma relação com a ideia através da escuta da língua, da
linguagem, recriando a própria ideia e a própria linguagem, como é o natural
movimento de estar vivo.

I - O MATERIAL SONORO
“A retrovisão é o sentido que perpassa por toda a ação de ler, escrever
e dizer algo: nossa perda, nosso opus” (Ramalho, C.). O ato psicológico de se
transmutar, reinventar, se reúne com o externo a partir de uma abertura em nossa
intimidade. Dionísio no caos e no embriagar-se na criação de realidade.
Escutar, aqui, não se trata apenas de ouvir mas da relação com a forma.
Poderíamos inferir que todas as formas tem sua virtude em si mesmas e não em um
conteúdo de conjeturas. Pater, em 1877, afirmou que todas as artes aspiram à
condição de música, que não é outra coisa que forma.
Kafka descreve a sinfonia familiar e seu diário: escuta como função de seleção , ou seja
, inteligência. “Se o fundo auditivo invade todo o espaço sonoro (se o ruído
ambiente é demasiadamente forte), a seleção, a inteligência do espaço já não
é possível, a escuta é lesada)...poluição, alteração insuportável do espaço
humano, na medida em que o homem tenta nele reconhecer-se”. O homem
não reconhece mais seu território, é ferido no reconhecer-se. Fere a própria
inteligência do ser vivo, que vem a ser seu poder de comunicar com sua Umelt:
a poluição impede a escuta (219)...”território definido como espaço de
segurança, e a ser defendido: a escuta é essa atenção prévia que permite
captar tudo o que pode vir a perturbar o sistema territorial”..o material da escuta
é o índice”. (Bathes, O Óbvio e o Obtuso pg 218)

Então tratarei da questão da audição e da ausculta como referente ao


que se pode compartilhar como vivência com a forma, seja de sons aleatórios, seja
de música, seja de livros em áudio, seja do outro, seja da vida e até de si mesmo.
Benjamin fatidicamente faz considerações quanto à pobreza em que se encontra a
arte de narrar, pois falta-nos hoje a capacidade de estabelecer trocas de
experiências justamente pelo fato da experienciação da vida ser cada mais escassa,
como são cada vez mais raras as narrativas significativas que informam acerca de
acontecimentos imediatos, passageiros, verificáveis e que nunca vão além da
informação corriqueira, não problematizadora das grandes questões humanas.
( BENJAMIN, W. , 1987: 197.) Assim, as narrativas tornam-se mais significativas
quando aquele que narra o faz a partir da própria experiência vivida ou mesmo
capturada da experiência dos outros. Vale lembrar aqui o encontro de Fiodor
Dostoiévski, já em leito de morte: um jovem pretenso escritor entregara-lhe alguns
manuscritos para apreciação. O que se segue à leitura do grande escritor russo são
estas admoestações àquele que tão pouco vivera: "Para escrever bem é preciso
viver bem, sofrer muito". Mas o que vale a vida vivida transformada em registro se
não houver o outro? Assim como se constrói no fazer se constrói no absorver e num
constante refazer, dionisíaco e individual.

Usarei como exemplo para a falta da interação com a forma uma


exposição por Power points, no texto do jornal The Guardian: “todos focados em
telas, ninguém - muito menos o orador - internaliza o argumento de uma maneira
que testa a sua força” (Smith, A., The Guardian - 2016) “In the face of such a
procession, we switch off, because nothing is being asked of us.” Obviamente nem
toda fonte escrita é uma redução ou uma determinação que mina nossa experiência
poética. Nesse caso do Power point há uma redução da ideia, da criação da
linguagem na convergência com o texto, e isso é algo da linguagem moderna
através da tecnologia, das imposições de mercado, do ensino e de como se deve
absorver o produto cultural que desenvolvemos em nossa forma civilizatória, e até
da percepção do tempo face ao ritmo de nossa vida urbana.
A comunicação através das mídias sociais resumem um mal moderno: a
incapacidade de reconhecer o valor além das métricas orientadas pelo mercado,
num tempo que engole a percepção crítica sobre nossas vidas.
"Alguns anos atrás, o Calacanis acima se sentou diante de mim em um
restaurante e perguntou sem rodeios: "Por que você é como um idiota?"
Eu corei. Ele corou. E isso, explicou, era o ponto, porque ao dizer o que
ele tinha dito, me confundiu e me perturbou, mas também lhe custou.
"Agora os pelos na minha nuca estão de pé", disse ele, "porque eu disse
algo que eu sinto que não deveria ter dito". Online, esse reflexo humano
se perde.
Essencialmente, o Twitter, como a economia de que faz parte, está
comendo-se: tornou-se um esquema de pirâmide social cujas enormes
forças são minadas por suas próprias métricas - próprias do mercado -
que não nos dizem nada sobre a qualidade da experiência. Na verdade,
em que termos avaliamos o Twitter como uma entidade? Número de
usuários. Preço da ação. A presença espiralada de comerciantes no
Twitter é um sintoma, não uma causa, de seus problemas: uma expressão
da lógica global falha em seu coração. Então, convertendo o mundo em
números para processar e tomar decisões sobre isso: o que isso nos
lembra? Estamos nos tornando nossos computadores. Uma ideia que
pode soar chocante, mas não surpreenderá ninguém familiarizado com o
trabalho do filósofo de mídia Marshall McLuhan, cujo "o meio é a
mensagem" é o E = mc2 do movimento societal. "Nós fazemos nossas
ferramentas e então elas nos fazem", disse ele." (Smith, A. The
Guardian,2016 ).

A tese de Zygmunt Bauman, importante sociólogo polonês, quando


afirma que o que torna líquida a modernidade, e assim justifica a escolha do nome, é
sua ‘modernização’ compulsiva e obsessiva, capaz de impulsionar e intensificar a si
mesma, em consequência do que, como ocorre com os líquidos, nenhuma das
formas consecutivas de vida social pode ser capaz de manter seu aspecto por muito
tempo. ‘Dissolver tudo que é sólido’ tem sido a característica inata e definidora da
forma de vida moderna desde o princípio; mas hoje, ao contrário de ontem, as
formas dissolvidas não devem ser substituídas (e não o são) por outras formas
sólidas – consideradas ‘aperfeiçoadas’, no sentido de serem até mais sólidas e
‘permanentes’ que as anteriores, e portanto até mais resistentes à liquefação. No
lugar de formas derretidas, e portanto inconstantes, surgem outras, não menos – se
não mais suscetíveis ao derretimento, e portanto também inconstantes. (BAUMAN,
2013: 16).
A escuta tomou um caráter itinerante, móvel e cheio de possibilidades,
incorporando a atitude de liquefação. O homem não escutava por intermédio de
meios tecnológicos, hoje a escuta mediatizada revela ser a prática dominante. Não
somente escutar, mas interagir com o material sonoro através dos instrumentos
virtuais em forma de aplicativos de smartphones e tablets, assim como com a própria
escrita, tem provocado o adiamento da atenção e da reunião poética. O que antes
era atenção para transmissão e preservação da memória não é mais requisitado. O
ouvir do animal ameaçado, o ouvir para manter a autodefesa, foi transformado ou
extinguido no grupamento humano, e esta autodefesa referida a uma vida em
contato com a natureza selvagem. Se este ouvir passa a ser necessário novamente,
devido a uma violência humana, urbana especialmente, também internaliza a escuta
embrulhada em poluição sonora. Ao mesmo tempo que precisamos focar a atenção
para caminhar numa rua perigosa do Rio de Janeiro, precisamos abstrair o excesso
constante. Movimentos contrários da percepção.

II - UM OUVIR E VÁRIAS ESCUTAS

“.Território definido como espaço de segurança, e a ser defendido: a escuta é


essa atenção prévia que permite captar tudo o que pode vir a perturbar o
sistema territorial”..o material da escuta é o índice .. . “Morfologicamente o
ouvido parece ter sido feito para captar esse índice que passa: imóvel e
erguido, como um animal à espreita..funil orientado para o exterior...canaliza
pra um centro de vigilância e de decisão...multipica o contato entre indivíduo
e mundo e reduz a multiplicidade num percurso de seleção...o confuso e
indiferente torne-se distinto e pertinente, toda a natureza (mundo externo)
tome a forma de perigo ou presa: a escuta é a operação desta metamorfose”
(Bhates- O Óbvio e o Obtuso 220).

“Mundos de sons exteriores tornam-se mundos de sons interiores...O ouvido é,


dessa forma, o canal que nos mantém em sintonia com o mundo externo, afinal
mesmo durante o sono “[...] ficamos ligados ao mundo exterior graças ao ouvido”
(WULF, 2007: 2)
Para o filósofo e sociólogo francês Roland Barthes, ouvir é um fenômeno fisiológico,
escutar é um ato psicológico. É possível descrever as condições físicas da audição
(os seus mecanismos), pelo recurso à acústica e à fisiologia do ouvido. Mas a escuta
não pode definir-se senão pelo seu objeto, ou, se preferirmos, pelo seu desígnio.
(1990: 217).

A ESCUTA ESTRUTURAL E A ESCUTA DISTRAÍDA


A escuta estrutural: a ênfase em uma escuta concentrada e racional, bastante
apoiada nas tradições comportamentais exigidas em um concerto de música
erudita, acabou por categorizá-la como uma escuta mais qualificada. Em
outras palavras, tiraria maior proveito da escuta aquele que fosse capaz de
perceber os mínimos detalhes da obra escutada, e que não deixasse passar
sequer uma nota sem compreendê-la.O sociólogo Theodor Adorno ((1973)
traduz esta escuta minuciosa e consciente como uma escuta estrutural,
sendo esta de alguma forma superior a outras práticas de escuta. Assim
define o autor a escuta estrutural: Ele (o ouvinte) seria plenamente
consciente, ao qual, a princípio, nada escapa e que, ao mesmo tempo, presta
contas daquilo que escuta. O comportamento completamente “adequado”
poderia ser caracterizado como escuta estrutural. (Adorno, 2011: 60).
Para Adorno, “[...] o ouvinte do entretenimento é aquele pelo qual se calibra a
indústria cultural” (idem). Ou seja, e melhor dizendo, ele não só escuta
música apenas como entretenimento, mas a consome pelos mesmos fins. No
entanto, o exigente modelo de escuta estrutural adorniano foi posto em xeque
por diversos autores, entre eles Peter Szendy (2008), Barry Truax (2001) e
Rose Subotnik (1988). (Santos, Otávio, 2014).

O ideal da escuta estrutural tem feito nossa percepção da escuta uma regra
analítica, muitas vezes dependentes de partituras, valorizando-a para além da
experiência sonora única e poética, no recriar e no aprender. "Alguém pode até ser
tentado a argumentar se a escuta estrutural faz mais uso dos olhos do que dos
ouvidos". Subotnik (1996: 161)
A escuta distraída: a rotina do homem urbano deste século está repleta de
atividades a serem executadas em um curto espaço de tempo. Elas se sobrepõe, ou
nós as sobrepomos, e são cada vez mais executadas concomitantemente. Dedicar-
se exclusivamente à escuta (musical ou não) foi tornando-se pouco a pouco uma
excentricidade anacrônica, um acontecer improvável. Especialmente após o advento
das mídias portáteis. Tudo ao mesmo tempo agora.
Exigir desse ouvinte a atenção integral para a obra em um nível estrutural
seria propor sua retirada momentânea do fluxo de atividades às quais ele
está engajado para uma reconfiguração do foco de sua atenção
exclusivamente à escuta, ação que ele pode ser inclusive incapaz de realizar,
visto que pode não haver – e normalmente não há – nesse período de
atividades diárias, a pré- disposição, ou o interesse por uma escuta
estrutural...
Peter Szendy (2008) questiona a rigidez da escuta estrutural, bem como seu
possível efeito na perda da espontaneidade da própria escuta, defendendo a
chamada escuta distraída. Szendy questiona: “Uma certa distração não seria
também condição necessária para uma escuta ativa tanto quanto os detalhes
para uma escuta funcional e estrutural?” (SZENDY, 2008: 128)
A uma dissociação é que chamo esquizofonia, e se uso, para o som, uma
palavra próxima de esquizofrenia é porque quero sugerir a você o mesmo
sentido de aberração e drama que esta palavra evoca, pois os
desenvolvimentos que estamos falando têm provocado profundos efeitos em
nossas vidas. (Schafer (1992: 172)
O compositor Igor Stravinsky (1962) também questiona alguns aspectos da
música mecanizada, defendendo que a mediação tecnológica interfere de
maneira degradante no aprendizado musical. Para ele, a música gravada
tende a desmotivar todo e qualquer esforço por parte do estudante, que ao
invés de agente ativo no ato de “buscar a música” – literalmente caminhar até
o professor, ou fonte musical a ser estudada – se acomoda, tornando-se
passivo diante da facilidade de ter a música caminhando em sua direção, a
apenas um botão de distância.
Além do fator mecanização, (que com um gramofone implicava até certo
ponto a escolha do material – Nota Elaine), gradativamente o rádio se
estabeleceu como um poderoso agente formador de hábitos de escuta. Uso
aqui o termo formador porque, a partir do momento em que uma só pessoa
(ou um grupo seleto) elege o material sonoro que chegará às casas e carros
de milhares de outros indivíduos, necessariamente um repertório de milhões
de música é reduzido a algumas dezenas ou centenas que veicularão
diariamente, por vezes nos mesmos horários, determinando assim o que
será ouvido e quando será ouvido. Menezes (2007) reflete sobre o papel do
rádio enquanto elemento articulador de tempo nas metrópoles, como meio de
se estabelecer vínculos que promovem a organização da vida social no meio
urbano. ( Santos, Otávio, 2014).
A ESCUTA MOVEL E FRAGMENTADA
A escuta reaprendida de tempos em tempos: a escuta agora
é fragmentada, móvel de atenção, de lugar, de sons aleatórios, inesperados e
incontroláveis. Se você mora numa apartamento com trânsito próximo, se o espaço
“do lar” é repleto de sons que você não escolheu, se você está sujeito a maior parte
do seu tempo, quando se transporta, aos sons externos, que invadem seu ouvido
mesmo conectado ao fone de ouvido, você não tem escolha. Estamos habituados a
não escolher. E a abstrair. E a juntar os sons. Este resultado, individual e social,
resulta em frutos psicológicos e fisiológicos, é uma característica atual. O meio, a
mídia, que carrega informações, é o que passa a “significar”, dar significado ao que
compreendemos como vida e ao nosso “jeito de ser”, e ao contrário, mas a partir de
uma existência virtual, tem resultados reais, concretos, na vida do cidadão moderno.
"É de suma relevância apropriar-se da
realidade móvel da sociedade urbana a fim de se compreender os
comportamentos associados à escuta. Elas podem revelar formas de
comportamento, idiossincrasias e costumes de uma sociedade que corre
o risco de simultaneamente se encontrar tão imersa no universo sonoro
e, ao mesmo tempo, tão surda para os significados desses sons”.
(Otavio)

“Enquanto a técnica caminha em uma velocidade


supersônica, a reflexão sobre o valor das coisas caminha em uma velocidade de
tartaruga, de tal maneira que enquanto você está pensando: ‘será que isso me
convém?’, já surgiram quatro gerações futuras daquele mesmo artefato”. (BARROS
FILHO, 2014)

A socióloga Jody Berland (1998) afirma que os hábitos de


escuta foram alterados com a portabilidade, mas também estão atrelados à
sucessão das mídias: as práticas de escuta são continuamente transformadas pelas
inovações técnicas de reprodução sonora: os álbuns em long-play, o rádio transistor,
e o walkman tiveram cada um sucessivamente moldado e mobilizado nossas
práticas de escuta, nos possibilitando carregar a música ‘pertencente’ a um lugar ou
escala espacial para outros lugares. (1998: 133).
A portabilidade do [anterior] Walkman[, e agora Smartphone] é, em muitas
situações, um exemplo de escuta distraída. Mesmo com os
mediadores ditos “fixos”, como o fonógrafo e o toca-discos, essa forma de
escuta era presente, uma vez que não é limitada pelo fator movimento ou
locomoção. No entanto, a partir do momento que a escuta é transportada
a outros ambientes, posta muitas vezes em caráter secundário, o ouvinte
poderia então experienciar essa forma de apreciação musical, defendida
por Szendy (2008) e Truax (2001).

A relação gerada entre a escuta passeante e o ouvinte-compositor


fundamenta-se em um ouvinte ativo, que possui controle e intenções sobre
o que será ouvido. É uma escuta direcionada, quase sempre envolta por
um desejo e um objetivo, seja ele a distração ou a tentativa de anulação
do ruído externo. John Sloboda, autor de trabalhos sobre a chamada
psicologia musical, enfatiza a figura desse ouvinte contemporâneo,
apresentando-o como “[...] um agente ativo, que toma decisões sobre qual
música ouvir, onde e quando ouvir, e qual o motivo de se ouvir, de acordo
com suas necessidades, objetivos e propósitos” (1999: 355). Tal
perspectiva permite-nos inferir que a música, quando escutada em
movimento, possui uma finalidade, a ser definida pelo ouvinte no momento
da escuta. (Otávio)

III CONSCIÊNCIA DA ESCUTA

Multiplicando as cópias elas transformam o evento produzido apenas


uma vez num fenômeno de massas, atualizando permanentemente a obra, porém
sem sua aura, isto é, seu tempo de criação e seu testemunho histórico. (Benjamin).
Segundo Pauline Oliveros, figura central no desenvolvimento da música
eletrônica do pós-guerra, a consciência era considerada pela ciência como
epifenômeno (Oliveros : 2005). O epifenômeno segundo o dicionário .Aurélio (1980)
é definido como fenômeno cuja presença ou ausência não altera o fenômeno que se
toma sobretudo em consideração, ou
“secundário e acessório que acompanha outro reputado primário e acidental”
(Infopédia). Na medicina significa
sintoma ou alteração que sobrevém depois de declarada a doença, e em virtude de
uma evolução natural desta."(Dicionário Priberam da Língua Portuguesa .
2008-2013) .
Sob a perspectiva da escuta como passiva e epifenômeno, seu sujeito
seria o agente secundário, porque a obra manteria em sua forma o status de algo a
ser apreendido e não alterado. Mas quero considerar aqui a ausculta um novo
fenômeno em si, a ser, a vivência poética no tempo e na performance da ausculta,
entre fenômeno e sujeito que escuta, em que a ação, a consciência e a formação do
hábito seja uma prática particular e reformuladora da percepção daquele que escuta.
Um HIC ET NUNC na auscuta, como uma “aura da obra de arte”, uma aura
momentânea e particular, como acontecimento.
Qual o papel da consciência na ausculta da música? Existe uma
diferença entre ouvir e escutar, sendo escutar a decisão e a vontade de se envolver
com o fenômeno e se inserir nele a ponto de permitir que através da decisão
daquele que ouve / ausculta ele se insira neste fenômeno / acontecimento através
de sua presença, que seja parte dele, se considerarmos um fenômeno o ato e/ ou
fato, a partir de uma escolha consciente, que leva a uma vivência em que não é a
cons-ciência objetiva o objetivo final. Ainda como Pauline define consciência:
"conhecimento ou percepção da situação ou fato" (awareness). Mas é consciência
na ausculta envolvendo presença e memória. Eis a diferença de estudar o fenômeno
a partir de dados sem se “embriagar” na escuta e o permanente envolvimento no
fenômeno, mesmo através de uma representação sonora.

IV – O FENÔMENO

A observação da representação frequentemente nos coloca na


passividade, e a passividade é um elemento muitas vezes perigoso na formação do
músico. O mercado da música envolve extrema passividade e a escola se arrisca a
alimentar este processo através da representação sem ausculta e sem performance
como caminho para o conhecimento.

Por que considerar este processo (consciente) como fenômeno? Porque


é na presença, no fenômeno, que se pode construir a cultura num mundo em que a
tônica é a obra que penetra na massa através da dinâmica da reprodução e
profusão, em vez de ser o sujeito a penetrar na obra através da concentração.
(Benjamin, 1975).

A música traz consigo sua etnografia. Tanto que é difícil recriar um estilo
sem seu contexto. Continua cabendo à sociedade manter, modificar, cuidar dos
contextos em que sua cultura musical se produz, de forma responsável e política, ou
de forma passiva. Sugiro nesta monografia que a escola de música se promova
como espaço de criação que, se não pode reproduzir os contextos culturais
exteriores, e se tornar re-produtor em sua re-presentação, sem a experienciação
que possibilite aquele outro contexto, valorize a ausculta como performance
portadora de presença e criação. Não somente uma ausculta julgadora e racional.
Mas também novo campo etnográfico criado por nossa cultura, capaz de produzir
memória e de estimular o intuitivo, o particular, e o máximo de performance na
ausculta. Estamos a todo tempo produzindo linguagem. A sociedade não decidiu
que a escola não seria um lugar de criação de linguagem, porque isso seria mesmo
impossível. Mas que linguagem é possível criar e re-criar num ambiente escolar?
Como lidar com um tempo em que a mediação da representação através do
fonograma é uma realidade indissolúvel, indiscutível mas também potencialmente
produtiva? Se as cidades tem problemas de locomoção, de difusão das
performances ao vivo, de acesso do grande público, de manutenção dos espaços
culturais tradicionais, se a cultura de massas , produzida para as massas,
centralizadas em sua produção na indústria do entretenimento/ diversão detém o
poder de dirigir o consumo, o gosto, o senso crítico, podemos pensar ativamente
sobre nosso modo de perceber e recriar a realidade. Transformando a ausculta
numa performance através da atenção (pois “as tarefas que se impõe na conjuntura
da história, não se consumam de modo algum pelo modo de contemplação”
(Benjamin), reformulamos o modus operandi da indústria de massas.

Não se trata apenas da escuta estruturada de Adorno como uma


audição analítica, mas sim com o aspecto de escolha da atenção. Não se trata da
audição distraída muito menos - mas é preciso conviver com a interrupção,
característica marcante da nossa cultura tecnologizada e do ritmo de vida frenético
urbano. “O foco deve sempre retornar ou estar dentro do espaço / tempo continuum
(contexto)” (Oliveros)
Ouvir não é o mesmo que escutar. A onda de pressão física permite a
percepção, mas não a força. A escuta é ativa. Ele permite que a idade, a
experiência, a expectativa e a perícia influenciem a percepção. "Stephen
Handel meditou tanto de forma religiosa como secular, atenção dedicada de
maneiras particulares - há esvaziamento, expansão e contração da mente:
há relaxamento ou "deixar ir" e foco (atenção a um ponto). Meditação
implica disciplina e controle

Os animais são ouvintes profundos. Quando você entra em um ambiente


onde há aves, insetos ou outros animais, eles estão ouvindo você
completamente. Você é recebido. Sua presença pode ser a diferença entre
a vida e a morte para as criaturas do ambiente. Ouvir é sobrevivência!

Os seres humanos têm ideias. As ideias dirigem a consciência para as


novas percepções e perspectivas. Estar desconectado do seu ambiente.
Mais que nunca a vida urbana leva a um foco estreito e à desconexão.
Muita informação está chegando ao córtex auditivo, ou o hábito tem
estreitado escutando apenas o que parece de valor e do interesse do
ouvinte. Todo o resto está desativado ou descartado como lixo (Oliveros).

V - HIC ET NUNC DA ESCUTA

“Contato quase físico, pela voz e pelo ouvido, cria a transferência. Escuta metamorfoseia o homem
em ser dual: a interpelação conduz a uma interlocução em que o silêncio do ouvinte seria tão ativo
quanto a palavra do locutor: a escuta fala, e nesta fase surge a escuta psicanalítica .(BATHES 222
Óbvio e O Obtuso)
Como chegar a um indivíduo integral num tempo / espaço, através de uma vivência
poética, utilizando-se do meio mídia, em meio a poluição sonora, num contexto de
pouca escolha?

“A narrativa de "A máquina extraviada", na forma do fait divers, oscila entre o racional e o irracional,
nas bordas da realidade e do imponderável, sem uma expressão que se completa.
Destarte, o fait divers nos diz que o homem está sempre ligado a outra coisa, que a
natureza é cheia de ecos, de relações e de movimentos; mas, por outro lado, essa
causalidade é constantemente minada por forças que lhe escapam; perturbada sem
entretanto desaparecer, ela fica de certo modo suspensa entre o racional e o
desconhecido, oferecida ao espanto fundamental” BARHES, Roland., 1982: 60.
(Retirado de José J Veiga)

Como aponta o compositor e pesquisador Fernando Iazzetta, “[...] não há escuta


sem visão, sem tato, sem olfato. [...] se ouve também com o corpo, com os olhos, e
mais, com as lembranças, com as sensações” (2009: 37).

Aconchego, estética e modernidade Marshall McLuhan ([1964] 1974)


trabalha sobre a ideia de tatilidade, do encontro dos sentidos, afirmando
que é possível uma relação produtiva entre eles, transcendendo assim o
pensamento que por muitos séculos perdurou - como ele mesmo diz – da
experiência isolada e unificada dos sentidos. Assim observa: começa a
ficar evidente que ‘toque’ e ‘contato’ não se referem apenas à pele, mas
ao jogo recíproco dos sentidos: “manter contato” ou ‘estabelecer contato’ é
algo que resulta do encontro frutífero dos sentidos – a visão traduzida em
som e o som em movimento, paladar e olfato (1974: 80). Ao som do vinil
costumam ser associados adjetivos como caloroso, aconchegante, vivo e
real. (Otávio )

VI A TÉCNICA COMO PROLONGAMENTO DO HOMEM

“Refinamos tanto as técnicas das artes da linguagem identificada com uma escrita,
que nossa sensibilidade estética recusa espontaneamente a aparente imediatez do
aparelho vocal” (Paul Zumptor)
O professor e sociólogo Paul du Gay, em sua obra Doing Cultural Studies, mostra
como o Walkman era apresentado como uma moda, como algo que era moldado de
acordo com o corpo humano, feito para se usar, parte da autoimagem e do estilo de
se viver. Assim como a lycra para um ciclista, o Walkman seria a extensão da pele
do ouvinte, tendo até mesmo os fones de ouvido sido desenvolvidos no formato
perfeito do ouvido humano (du
GAY, 1997). Essas ideias tangem também as reflexões de Marshall McLuhan ([1964]
1974)
Para McLuhan, os meios são as mensagens(1969). Mas ainda assim os
meios são sempre os meios e não a salvação. Somos nós que os elevamos
os meios à categoria de conhecimento absoluto. “Na Idade da Pedra, um
machado não é apenas um meio para cortar uma árvore, ele é a mensagem
de se estar segurando um machado de pedra, dominando o mundo com a
pedra, de tal monta que, agora, Mundo é Pedra, fruto de uma alienação
socializada. Nesta perspectiva, o machado de pedra conduz tudo no mundo
e tudo passa pela compreensão do que é um machado de pedra, por isso
ele é um microcosmos do conhecimento de todas as coisas, o meio é a
mensagem, o machado de pedra é a mensagem, o machado de pedra
sintetiza a ação do homem na Terra construindo um mundo com o machado
de pedra” (Celso Ramalho, 2015). Assim, como podemos nos livrar de um
processo de alienação que poderia nos levar a considerar que sem o
machado de pedra não há mundo, nem homem, e nem Terra?” Qual a
relação deste meio ”machado de pedra” com o meio virtual oferecido pelas
redes de computadores? A mesma que pode nos fazer acreditar que o
mundo agora é VIRTUAL, como antes era PEDRA. O intercâmbio
consciente do homem com a música, via tecnologia da internet, é também
uma forma de combater esse processo de alienação. A tecnologia
é extensão do homem em suas possibilidades, mas ela não é o homem e
não é a vida. (Elaine Guedes, Musica e Internet na Educação)

“(...) A presença física do som e das sonoridades é um fato da cultura e experiência


individual da maior importância; no Brasil, especialmente através das
modalidades diversas da canção. Mas a tensa relação entre som e sentido
(...) não tem sido valorizada educacionalmente como as [artes] verbais e do
olhar – certamente por razões complexas ligadas à própria constituição do
saber ocidental, que privilegia a ordem da legibilidade antes da escuta –, e
por razões concernentes às diretrizes históricas do ensino no Brasil. A
escuta não pode ser assimilada à audição distraída; ao comportamento
generalizado tomado como natural; a escuta exige atenção e concentração,
é uma força estranha que através de vibrações audíveis e inaudíveis, de
vozes e silêncios, convoca o corpo, conecta o inconsciente. É assim
pensando, que a música é componente indispensável da formação que vem
da educação dos cinco sentidos, não apenas da razão.” (FAVARETTO,
Celso F. “Música na Escola: porque estudar música).
VII – PRESENÇA E LINGUAGEM

A racionalização de todo saber, o controle do real, a partição do conhecimento e


domesticação do processo cognitivo são projetos humanos que culminam em
decadência moderna.
Em relação original está terra e linguagem, corpo e afeto (primeiro se fez o Verbo). O
homem encontra a linguagem no ato de existir, criando-a. “A noção de único e
singular pode nos afastar de uma compreensão da linguagem em conexão com a
noção grega do Logos (reunião)” (Ramalho, C). Então, existir é existir no todo e com
o todo.
Anteriormente manutenção do grupo e suas regras se dava de forma oral:

Nas sociedades sem escrita, a memória coletiva surge como um


cantar mítico da tradição, obedecendo geralmente a três grandes
interesses: o primeiro seria a idade coletiva do grupo, que se funde nos
mitos de origem (teríamos na Índia as idades do ouro, prata, bronze e ferro,
às quais os gregos acrescentariam mais uma, intercalando-a entre o bronze
e o ferro: a idade dos heróis); um outro interesse seria relacionado às
genealogias, expressando o prestígio dos grupos dominantes; e ainda um
último estaria ligado ao saber técnico, transmitido por fórmulas práticas
mescladas à magia religiosa.

O aparecimento da escrita será um dos fatores fundamentais na


transformação da memória coletiva (GOODY, s/d) A escrita permite que a
pedra e o mármore dos templos, das tumbas e dos monumentos
comemorativos funcionem como suporte de inscrições epigráficas,
produzindo-se deste modo uma sobrecarga de memória. A ostentação dos
monumentos soma-se à publicidade das inscrições, apostando-se num
poder maior de perpetuação da lembrança. Por outro lado, surgem também
os documentos, escritos num suporte especialmente destinado a este fim
(de início osso, pele, folhas de palmeira, e, finalmente, papiro, pergaminho e
papel). Fornecendo aos homens um processo de marcação, memorização e
registro e, por outro lado, assegurando a passagem da esfera auditiva à
esfera visual, esses documentos escritos conferem um suporte material à
memória, ampliando-a, transformando-a, e estabelecendo a fronteira onde,
segundo Le Goff, a memória coletiva torna-se memória social.

Devemos a Francis Yates a pesquisa mais minuciosa e


esclarecedora sobre o surgimento e as sofisticações das mnemotécnicas
(YATES, 2007). Elas consistiriam, em termos mais gerais, na articulação da
lembrança de imagens a determinados lugares de suporte da memória,
onde essas imagens seriam ordenadas de modo associativo, de modo a se
tornarem facilmente acessíveis quando evocadas. A memória se
assemelharia a um edifício no qual os diferentes cômodos guardam um
certo número de imagens ordenadas. Contudo, as mnemotécnicas são
dominadas pela exigência de uma rememoração exata, palavra por palavra,
exigência que obedece à lógica da escrita. Nas sociedades de memória
oral, onde o privilégio é concedido à dimensão narrativa, as lembranças são
em geral reconstruídas por aquele que narra, não sendo apreciada a
memorização mecânica.

Em A instituição imaginária da sociedade, Castoriadis critica a ideia,


bastante difundida, de que a sociedade seria constituída por uma coleção
de indivíduos. “Há séculos”, ele escreve, “afirma-se que o homem não existe
como homem fora da Cidade, condena-se os Crusoés e os contratos
sociais, e proclama-se a irredutibilidade do social. Mas se olharmos com
mais atenção, veremos que, de Aristóteles a Marx, a sociedade permanece
construtível ou componível a partir do indivíduo”. Ora, pensa Castoriadis, “só
podemos pensar a sociedade a partir de indivíduos já sociais, que já trazem
o social neles mesmos.” (CASTORIADIS, 1982, p. 213) Desse modo, a
instituição da sociedade seria, de modo inseparável, a instituição do
indivíduo social. Para Castoriadis, isso implica dizer que a dimensão social
impõe a presença de elementos alteritários – o dizer e o fazer dos outros,
por exemplo – na organização de cada psique. O que faria de toda psique
uma organização atravessada pelo social desde o início. Nesse ponto,
Castoriadis é bastante crítico com relação a Freud: este pensaria ainda a
sociedade como coleção de indivíduos, na medida em que pretende explicar
todo o mundo humano a partir da psique individual.

“Na vida psíquica”, escreve Freud em Psicologia das massas, “o outro


intervém regularmente como modelo, sustentáculo ou adversário, e deste
fato a psicologia individual é também, de imediato e simultaneamente,
psicologia social” (FREUD, 1921, p. 124).
Por este motivo, Freud não é apenas um pensador da constituição subjetiva,
mas também um pensador da cultura. Temas como a origem da civilização
e os seus mal-estares, a religião e a arte fazem parte das preocupações
freudianas. E cabe aqui uma ressalva: se Freud constrói uma teoria da
cultura e da gênese social, ele não o faz por analogia ao funcionamento do
indivíduo; não se trata de uma aplicação dos achados freudianos sobre os
sujeitos particulares a um terreno mais amplo: ao contrário, o indivíduo é
que seria, de saída, um indivíduo social. E sob este aspecto, Freud se
encontra bastante próximo de Castoriadis.
Assim, é apenas por economia expositiva que falamos em um aparelho
psíquico ou um aparelho de memória. Um aparelho psíquico nunca é um;
ele é pelo menos dois ou, mais rigorosamente, é múltiplo, se levamos em
conta a alteridade que preside a sua constituição e os seus
remanejamentos (cf. GARCIA-ROZA, 1991) Deste mesmo modo, não
podemos afirmar que um sujeito tenha um inconsciente. Não somente
porque o inconsciente é alteritário, num duplo sentido – constituído pelo
outro e capaz de fazer do sujeito um outro com relação a si próprio – mas
porque ele não é algo que exista na interioridade do homem. O inconsciente
só pode existir na relação com o outro: ele se localiza num espaço
topológico, onde não distinguimos mais o fora e o dentro; ele é relacional
por excelência, não podendo ser considerado como posse de um sujeito.
(Jô Gondar, Memória Individual...)

O que ocorre na música fornecida pela mídia? Há um fator facilitador na construção


da memória no intuito da repetição para o consumo. Alguma ou nenhuma reflexão é
aliada à produção massiva. Entretanto ela produz um efeito de construção da
cultura. O que o funk produz com o “proibidão”, com a apologia à violência, por
exemplo, é uma determinação de grupos de domínio sobre um grupo a ser
dominado. Este domínio ocorre através do financiamento dos grupos musicais pelos
donos do poder nessas comunidades. A música com caráter religioso também tem a
intenção de transmissão ideologias. É interessante observar que grande parte da
música Gospel foi buscar na música americana gospel sua influência principal, e por
vezes os fonemas da língua portuguesa são descaracterizados pelo fonema da
língua inglesa de forma desatenta por quem o faz, fiéis envolvidos na ideologia. Um
sinal claro de um cantar que não ouve a si mesmo de forma integral. Esta é uma
prática de dominação que recria a cultura, e aqui traz a relação de mercado com a
cultura através da religião, e interfere na nossa esfera linguística e cultura musical.
Mas podemos observar que o "sincretismo" musical acontece mesmo
com as mudanças nas relações de poder.. Estão especialmente caracterizados a
rítmica do candomblé e do samba na construção do funk brasileiro. Desenhos
musicais característicos do bongô ou do o atabaque são reproduzidos
eletronicamente e se misturam à informação do funk americano, origem de uma
musicalidade que se espalhou pelo mundo através de investimento massivo não
apenas para o consumo interno, mas mundial, envolvendo fortes relações de
mercado e política. Mesmo estando o universo das comunidades onde nasceu o
funk , sofrendo enorme modificação em função da linguagem evangélica, em
substituição às de origem africana, ainda assim, de forma provavelmente
inconsciente e a-política, o “sincretismo” musical acontece.
Há um empobrecimento da linguagem para a facilitação do consumo, com o intuito
do descarte de material em função de novo material a ser adquirido, e esta também
é uma prática de grupos de dominação da indústria. Exemplo: uma música com
"complicações" da linguagem musical exige nova e nova audição, para
contemplação e absorção do material. Isto dá ao produto uma durabilidade que não
interessa à indústria de consumo descartável de nossa cultura contemporânea.

"Um antropólogo como Pierre Clastres (1978), por exemplo, nos mostrará
que em algumas sociedades indígenas a memória coletiva é passível de
inscrição e visibilidade. Em A sociedade contra o Estado ele nos coloca o
seguinte problema: como as instituições tribais, caracterizadas por uma
rigidez e uma estabilidade incomparáveis, poderiam ser perpetuadas
através da fluidez da narração mítica, sem que seus contornos se
transformassem, com o tempo? A resposta a esta questão residirá, para
Pierre Clastres, na atualização desses mitos por meio dos rituais de
crueldade, através dos quais os índios são reconhecidos como membros de
uma tribo, compartilhando uma identidade coletiva. Ao infligir nos indígenas
marcas físicas e permanentes, os rituais de crueldade oferecem um suporte
vigoroso à fluidez das narrativas orais: os cortes permitirão que as palavras
penetrem os corpos. Quando um índio olha suas cicatrizes, escreve
Clastres, o que ele vê é a inscrição da memória da tribo: as cicatrizes são
uma “escrita sobre o corpo” (CLASTRES, 1978, p. 130) " (NORA, 1978, p.
112), observa que os traços reconhecidos e difundidos da memória
histórica, veiculados pela mídia, são elaborados por diversos grupos,
constituindo memórias coletivas que, por sua vez, pressionam a história.
(Jô).

Esta pressão do modus vivendi, do estar parado, do ouvir o indicado, da escuta


itinerante, pode produzir uma passividade que foge à produção da linguagem num
“ritual” constante de aceitação e de não per-formance.

Per forma:
Seguindo a trilha aberta por Heidegger HEIDEGGER, Martin, 2002: 11., a
técnica seria distinta de sua essência. O nosso relacionamento com a
essência da técnica não será possível enquanto apenas nos sujeitarmos ou
nos moldarmos como obsedados pela técnica considerando-a neutra. No
jogo da enunciação de "A máquina extraviada" o narrador, como que num
processo de ironia, descreve a sua comunidade recusando-se a entender, a
questionar o estranho objeto que agora faz parte e dá vida a um cotidiano
desprovido até então de novas significações. Enquanto isso, nós, leitores
virtuais somos levados a primeiramente nos intrigarmos com tal fenômeno
para depois, caminhando com Heidegger, reconhecermos a técnica como
um instrumento, "um meio para um fim". A técnica seria um instrumento, um
meio para a atividade do homem, constituindo-se numa forma de
"desencobrimento da verdade".
Heidegger pondera que: Também a técnica moderna é meio para um fim. É
por isso que a concepção instrumental da técnica guia todo o esforço para
colocar o homem num relacionamento direto com a técnica. Tudo depende
de se dominar a técnica, enquanto meio e instrumento, da maneira devida.
Pretende-se, como se costuma dizer, 'manusear a técnica'. Pretende-se
dominar a técnica. Este querer dominar torna-se tanto mais urgente, quanto
mais a técnica ameaça escapar ao controle do homem HEIDEGGER,
Martin, 2002: 11..
Constituindo-se num verdadeiro Bezerro de ouro em pleno sertão, a
máquina extraviada instala-se mudando os hábitos, as conversas, os
interesses da comunidade interiorana. Aquela gente simples, constituída por
valores arraigados no passado, através dos quais são construídas as suas
identidades, não sabendo como interagir com a estranha máquina que não
se dá a conhecer e permanece muda, inerte, provocando a ação dos que
dedicam a um interminável culto. Eis uma esfinge em nova mutação. Ela,
diferentemente das suas irmãs, não faz ecoar seu canto aterrador
desafiando os circunstantes para decifrarem o enigma. O seu desafio se
efetua pelo silêncio que desperta a cegueira nos locais. As subjetividades,
as noções identitárias daqueles que, não estando de posse dos códigos que
possibilitam um diálogo objetivo com a máquina, uma produtividade em
termos funcionais, acabam provocando, através do imaginário, novas
relações subjetivadas com o objeto e com o meio social: "a cada tipo e
sociedade, evidentemente, pode-se fazer corresponder um tipo de máquina:
as máquinas simples ou dinâmicas para as sociedades de soberania, as
máquinas energéticas para as de disciplina, as cibernéticas e os
computadores para as sociedade de controle" DELEUZE, Gilles, 1992: 216.
.
Nenhum artefato tecnológico surge impunemente. As marcantes renovações
de linguagens constituem-se como respostas às renovações tecnológicas.
Os registros históricos nos dão conta do tamanho da fatura que é cobrada
das gerações que não chegam a ter ao menos um certo domínio das novas
linguagens. Lembremo-nos que o estabelecimento da escrita na cultura
grega constituiu-se "como uma peça de tecnologia explosiva, revolucionária
por seus efeitos na cultura humana, de uma maneira que nada tem de
exatamente comum com qualquer outra invenção"11. No diálogo que
Sócrates estabelece com o discípulo Fedro constatamos que a tecnologia
tem o poder de transformar tudo o que está ao redor: a linguagem, a
concepção de liberdade, de inteligência, fato, sabedoria, inteligência, a
história. Só que a tecnologia nunca se dá ao trabalho de nos contar o que
ela mesma provocará e quase sempre não nos damos ao trabalho de
perguntar. A condição de reféns dessa tecnologia será então o destino
daqueles que se calam.
Sujeitados ficamos sob o signo da crise das ordens de representações e
saberes em decorrência das formas complexas de produção de enunciados,
imagens, pensamentos e afetos. A questão cada vez mais recorrente nos
mais diferentes fóruns científicos e filosóficos: o homem e a vida não
estariam com suas existências ameaçadas sob o peso das ciências e das
tecnologias cada vez mais presente em nossa sociedade? "Se cada
sociedade tem seus tipos de máquinas, é porque elas são o correlato de
suas expressões sociais capazes de lhes fazer nascer e delas se servir
como verdadeiros órgãos da realidade nascente" PARENTE, André: 1999:
15. ( JOSÉ J.VEIGA - A Máquina Extraviada - Estudo e conto)

VIII –CONCLUSÂO

Não tento tratar aqui de uma questão de escolha entre formas de apreensão ou
edição, ou criação da linguagem através da ausculta ou da escrita, mas de uma
quebra da hierarquia criada através da ideia platônica de educação através de
esquemas. Mas, antes ainda, de reconhecer esse processo platônico como
determinante na forma de absorção e criação da linguagem. E reconhecer também
que o tempo detém a cultura nele formulada, e não há como retroceder no tempo,
embora haja como, num novo tempo, criar e recriar a cultura através de ações
pensadas e estabelecidas num diálogo com a sociedade. O que pode ser o ir ao
encontro do método não completamente submisso ao saber da ciência e da lógica,
do palpável e do provável, mas um abraço ao (saber do) devir, também do erro,
desconstruindo a dualidade de bem e mal, certo e errado, o complemento da lógica
pela experiência da cartase.
O som utilizado não como ornamento do contexto, como na tragédia de
Aristóteles, mas integrando a estrutura do enredo auditivo e criando com ele a
vivência a que estamos chamando aqui poética. Entendida talvez como catarse no
sentido de “clarificação intelectual” (poética em Aristóteles- nota: o quinto modo na
divisão dos grupos de cartase segundo Halliwell). O acontecer da ausculta sem
elevação à categoria de contato com a obra de arte, mas como aura de um
acontecer poético a partir daquele que escuta .
Não apenas um movimento do pensar depois, mas estar junto, ouvindo
e abrindo a intimidade para o acontecimento novo. À linguagem existindo em
consequência do existir na performance podemos dar o nome de poética. Ou
experiência estética. Podemos nominar ou não, mas é um acontecimento a que
devemos voltar nossa atenção e salientá-lo para então prová-lo com autoridade
(auctoritas) nova em nosso sistema de ensino, a isso chamo aqui poética. Poética
através da escuta que é formadora de memória, integrando todos os sentidos num
resgate humano de suas potencialidades.

ANEXO

Alfabeto
O alfabeto aboliu a necessidade de memorização, e portanto a de ritmo. Até
então, o ritmo tinha imposto severas limitações ao arranjo verbal do que
podia ser dito ou pensado. Mas o alfabeto permitiu que o pronunciamento
fosse gravado num artefato, para ser lido quando fosse preciso. As energias
mentais liberadas assim por essa economia de memória contribuíram para
uma enorme expansão do conhecimento disponível ao cérebro humano.
O avanço do conhecimento, humanístico ou cientifico, depende da capacidade
humana de pensar sobre uma coisa inesperada: uma “ideia nova”. Um tal
pensamento novo só alcança plena existência quando encarna em um
enunciado novo, e um enunciado novo só realiza toda a sua potencialidade
quando pode ser preservado. (Eric A. Havelock, A Revolução da Escrita na
Grécia e suas conseqüências culturais, UNESP, SP & Paz e Terra, RJ,
1996 pp. 84-86.)

Imprensa
Sabemos que o termo Quarto Poder surge na própria gênese da Imprensa: o seu criador
foi o filósofo e membro da Câmara dos Comuns britânica Edmund Burns,
por volta de 1790. Na realidade, Quarto Poder é uma má tradução do termo
para o português. O termo original é Fourth Estate, ou seja, Quarto Estado.
Ou seja, nos tempos da Revolução Francesa, o clero é o Primeiro Estado, a
nobreza é o Segundo Estado e a burguesia é o Terceiro Estado. Na Grã-
Bretanha de Burns, a divisão é bastante parecida: o Parlamento britânico
era dividido em Lordes Temporal (nobres), Lordes Spiritual (bispos) e os
Comuns, configurando assim os três Estados que faziam “companhia” à
Imprensa. (Primavera dos Jornais: imprensa e revoluções de 1848 Rafael
Duarte Oliveira Venâncio)
“Literatura é nosso Parlamento também. Imprensa, que vem necessariamente da escrita
como digo normalmente, é equivalente à Democracia: inventada a escrita,
Democracia é inevitável. Escrita traz Imprensa; traz Imprensa universal,
cotidiana e espontânea, como vemos no presente. Qualquer um pode falar.
Falar agora para toda a Nação vira um poder, um braço do Governo, como
peso inalienável na feitura de leis e em todos os atos de autoridade”
(CARLYLE, 1997: 87-8)
No entanto, não tarda para os jornais saírem do caráter intermediador para se tornarem
dogmáticos e identificáveis com determinados Partidos ou facções
partidárias. Na busca de exemplos próximos, podemos lembrar que no
período de 1815 a 1821, os periódicos brasileiros começam a luta pela
Independência. “Mas, se vários jornais defendiam a Independência, outros
procuravam combatê-la. Na Independência, a imprensa se caracterizava por
ser extremamente doutrinária, relegando a informação para segundo plano”
(LOPES, 2008: 8). Rafael Duarte Oliveira Venancio)
Fonograma
Desde seu surgimento, com a invenção do fonógrafo por Thomas Edison em
1877, a gravação sonora tem possibilitado a captura de um fenômeno
temporal e por natureza fugaz: a música. Embora inventada para gravar a
palavra falada, o maior impacto cultural da gravação sonora tem sido
através da música, que vem sendo transformada ao passo que seus
processos de produção e audição têm sido permeados pela tecnologia. De
fato, a gravação sonora tem tido uma profunda influência na maneira pela
qual a música é produzida, ouvida, e pensada. Com a habilidade de
transformar o ato efêmero da performance musical em um trabalho de
arte, sua influência tem sido sentida em praticamente todos os gêneros
musicais. Com a presença do artista se tornando secundária, pelo menos
cronologicamente, em relação à sua presença sonora descorporificada
emanada através dos alto-falantes, as gravações começaram a assumir um
tipo diferente de identidade. A “criatividade artística” passou a ser
direcionada para a criação de uma voz gravada. Com essa mudança de
atitude, as gravações passaram quase que inevitavelmente de um processo
de coleta, preservação e disseminação para um processo de produção. O
critério estético mudou do som da performance ao vivo para o som da
gravação. Além disso, a partir do surgimento dos primeiros discos de 78
rotações, a gravação sonora possibilitou a ampla disseminação da música
em escala global. Hoje, com a popularização do formato MP3, esse
fenômeno tem sido ampliado exponencialmente, a ponto de qualquer
gênero musical poder chegar aos ouvidos de qualquer camada social de
qualquer lugar do mundo. Músicas de todas as sociedades e de todos os
períodos históricos estão disponíveis ao toque de uma tecla, e com isso a
experiência da audição musical tem sido radicalmente alterada. Nesse
aspecto, conforme comenta Morel (2010): Nunca foi tão fácil ouvir música
como nos dias atuais. Se antes era necessário se dirigir a alguma loja
especializada para consumir música e depender do acesso a discos
importados para se ter acesso ao material produzido fora do país, hoje em
dia, na frente de um computador pessoal, qualquer indivíduo pode escutar
música produzida nos quatro cantos do mundo. A existência dos programas
de computador que possibilitam a troca de arquivos entre os usuários
conectados se tornou uma das principais fontes de acesso à música
gravada. (MOREL, 2010, p. 42). 81 Revista Brasileira de Estudos da Canção –
ISSN 2238-1198 Natal, n.5, jan-jun 2014. Disponível em:
www.rbec.ect.ufrn.br Dessa forma, podemos afirmar que o modelo
tradicional de produção, venda e consumo de música vigente durante o
século XX passa atualmente por um período de crise. Se com o fonógrafo
estabeleceu-se a base da indústria fonográfica, fundada na possibilidade de
materialização da música em objetos concretos comercializáveis, hoje o
MP3 representa um processo inverso de desmaterialização da música que
põe em xeque a própria lógica dessa indústria. É vivido um momento de
incerteza e contradição em que muitas dúvidas a respeito do futuro das
mídias antigas e da própria música merecem investigação. Poderse-ia
afirmar, por exemplo, que o álbum enquanto unidade física, concreta e
indissociável, e como única forma de consumo de música, perdeu grande
parte da hegemonia conquistada no século anterior. Diante desse
panorama, cabe questionar o futuro do formato do álbum conceitual no
mercado fonográfico e sua atual popularidade em termos da apreciação,
por parte do ouvinte contemporâneo, do álbum como um “pacote de
canções”. Cabe investigar, também, se a indústria fonográfica estaria
seguindo uma tendência de retorno ao formato do single e se o atual
crescimento na fabricação e comercialização de vinis representa um
fenômeno de “saudosismo” e fetichização em relação à mídia decorrente
da redução da supremacia do álbum ou ainda se, ao contrário, representa
um fenômeno de fortalecimento e revitalização do formato. De qualquer
modo, com base no breve panorama histórico exposto neste artigo, fica
evidente o modo como os avanços científicos e tecnológicos impactaram e
continuam impactando a música em todos os seus aspectos e dimensões,
gerando modelos estéticos e econômicos que são continuamente
reconstruídos ao longo do tempo. (Do Fonógrafo ao MP3: Algumas
Reflexões sobre Música e Tecnologia Rodrigo M. Gomes)

Máquina literária
Em "O narrador: considerações sobre a obra de Leskov", Benjamin lembra-
nos que "por mais familiar que seja o seu nome, o narrador não está de fato
entre nós, em sua atualidade viva. Ele é algo de distante, e que se distancia
ainda mais".1 Benjamin, ainda nesse texto, fatidicamente faz considerações
quanto à pobreza em que se encontra a arte de narrar, pois falta-nos hoje a
capacidade de estabelecer trocas de experiências justamente pelo fato
de a experienciação da vida ser cada mais escassa, como são cada vez
mais raras as narrativas significativas que informam acerca de
acontecimentos imediatos, passageiros, verificáveis e que nunca vão
além da informação corriqueira, não problematizadora das grandes
questões humanas. ( BENJAMIN, W. , 1987: 197.)Assim, as narrativas
tornam-se mais significativas quando aquele que narra o faz a partir da
própria experiência vivida ou mesmo capturada da experiência dos outros.
Vale lembrar aqui o encontro de Fiodor Dostoiévski, já em leito de morte: um
jovem pretenso escritor entregara-lhe alguns manuscritos para apreciação. O
que se segue à leitura do grande escritor russo são estas admoestações
àquele que tão pouco vivera: "Para escrever bem é preciso viver bem, sofrer
muito".
Diferentemente de uma simples informação cotidiana veiculada em
nosso dia-a-dia, nas conversas informais ou mesmo através da mídia,
com as espetaculares notícias que não nos surpreendem apesar dos
escândalos que afloram, inundam o nosso cotidiano, a narrativa literária
não explica nada, nada conclui e tampouco se deixa consumir. A
narrativa literária é uma matéria que não se entrega facilmente, não se
deixa consumir, não se deixa apagar, envelhecer. Ao contrário, ela se
reinstaura ao longo dos tempos, qual Fênix, a cada leitura, a cada
tentativa de configuração de sentido, provocando sempre novas
inquietações, novas perguntas, afetando sobremaneira os virtuais
leitores. "A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que
recorreram todos os narradores. E, entre as narrativas escritas, as
melhores são as que menos se distinguem das histórias orais contadas
pelos inúmeros narradores anônimos" . BENJAMIN, W. , 1987: 197.

Bibliografia

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• (FAVARETTO, Celso F. “Música na Escola: porque estudar música?” In:


Jordão, Gisele et al. A Música na Escola. São Paulo: Allucci, 2012, p. 48).

• How PowerPoint is killing critical thought

Andrew Smith (Pesquisa feita em 14/11/2016)


https://www.theguardian.com/commentisfree/2015/nov/06/twitter-teetering-
pyramid-scheme-social-media

• A Poética de Aristóteles: tradução e comentários - Fernando Maciel


Gazoni
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• AS TRASNFORMAÇÕES DA ESCUTA ATRAVÉS DAS MIDIAS


PORTATEIS
OTAVIO LUIZ SILVA SANTOS 2014
http://www3.eca.usp.br/pos/ppgmus/eventos/anais-da-primeira-jornada-
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- 2012 | 2 | art2 | Hábitos de escuta e suas adequações no cinema | SANTOS,
Otávio Luis Silva

http://citrus.uspnet.usp.br/estetica/index.php?option=com_content&view=article
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ADORNO 1973
PETER SZENDY 2008

A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica - Walter Benjamin

Deep Listening: A Composer's Sound Practice Pauline Oliveros 2005


PÁGINA 11 : BERTOLD BRECHT : IMPORTANTÍSSIMO”

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Primavera dos Jornais: imprensa e revoluções de 1848 Rafael Duarte Oliveira


Venancio 1 (revista anagramas)
http://www.usp.br/anagrama/Venancio_primavera.pdf

A IMPORTÂNCIA DA ESCRITA INDÚSTRIAS CULTURAIS.


Textos de Rogério Santos,
http://industrias-culturais.blogspot.com.br/2007/12/importncia-da-escrita.html
A imunidade tributária para fonogramas e videofonogramas musicais

http://eprints.c3sl.ufpr.br/handle/1884/45888
Revista Crítica de Ciências Sociais, 85, Junho 2009: 105-129 PAULA ABREU
A indústria fonográfica e o mercado da música gravada – histórias de um longo
desentendimento*

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Máquinas literárias, máquinas carcerárias: os escritos de Graciliano


Ramos, Reinaldo Arenas e Jean Genet

https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/88916

JOSÉ J.VEIGA - A Máquina Extraviada - Estudo e conto


http://www.jayrus.art.br/Apostilas/LiteraturaBrasileira/Contemporanea/JOSE_J_
Veiga_A_Maquina_Extraviada_estudo_conto.htm

GLOBALIZAÇÃO – DE SUA GÊNESE MERCANTILISTA AO


NEOLIBERALISMO BURGUÊS Lemuel Rodrigues da Silva1 Orivaldo Pimentel
Lopes Junior
http://cchla.ufrn.br/interlegere/revista/pdf/3/es01.pdf

Globalização, cultura e subjetividade: discussão a partir dos meios de


comunicação de massa Deise Mancebo
http://scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
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A Dialética do Abstrato e do Concreto em O Capital de Karl Marx


Capítulo 1. A Concepção Dialética e Metafísica do Concreto

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F. Nietzsche A VISÃO DIONISÍACA DO MUNDO E OUTROS TEXTOS DE
JUVENTUDE
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A TRAGÉDIA GREGA NA VISÃO DE FRIEDRICH NIETZSCHE Greek


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A Globalização e os Jesuítas – Bingemer, Neutzling, João A. Mc Dowell

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2&dq=globaliza%C3%A7%C3%A3o+e+religi%C3%A3o+crist%C3%A3&source
=bl&ots=w6a5DDuY-3&sig=zlUprPUBhqzKfhA-8GGfHwVdV3g&hl=pt-
PT&sa=X&ved=0ahUKEwjh1a2Jx-
rTAhVKkZAKHcMkA3s4ChDoAQhXMAk#v=onepage&q=globaliza%C3%A7%C
3%A3o%20e%20religi%C3%A3o%20crist%C3%A3&f=false

texto que Borges


http://www.lanacion.com.ar/814407-la-muralla-y-los-libros

Memória individual, memória coletiva, memória social Jô Gondar


Morpheus - Revista Eletrônica em Ciências Humanas - Ano 08, número
13, 2008 - ISSN 1676-2924

http://www4.unirio.br/morpheusonline/numero13-2008/jogandar.htm
Revista Brasileira de Estudos da Canção – ISSN 2238-1198 Natal, n.5, jan-jun 2014.
Disponível em: www.rbec.ect.ufrn.br Do Fonógrafo ao MP3: Algumas Reflexões sobre
Música e Tecnologia Rodrigo M. Gomes

file:///C:/Users/user/Downloads/2013_NataliaCipolaroGuirado.pdf
Natalia Cipolaro Guirado
Um sistema semiótico sincrético: a linguagem cinematográfica

Revoluções tecnológicas, revoluções da linguagem


: (em Havenlock) A MUSA A PRENDE A AESCREVER

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