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ELAINE GUEDES
RIO DE JANEIRO - RJ
2017
ELAINE GUEDES
Monografia apresentada à
Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ como requisito
parcial para obtenção do título
de Graduação em Licenciatura
em Música, sob orientação do
Professor Doutor Celso Ramalho
RIO DE JANEIRO - RJ
2017
Monografia apresentada como requisito necessário para obtenção do
título de Licenciada em Música. Qualquer citação atenderá as normas da ética
científica.
_________________________________________________________
Orientador Professor Doutor Celso Ramalho
1° Examinador Prof.
-
_____________________________________________________________________
2° Examinador Prof.
Coordenador Prof.
Dedicatória:
Dedico esta monografia à eterna paciência e participação de minha
filha e ao empenho ao doar seu conhecimento do professor Celso Ramalho.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à troca constante em sala com a professora Maria Alice Volpe; às lições de
disciplina e organização mais que de piano do professor Ronal Silveira; ao quanto atrasei meu curso
mas aprendi mais, escolhendo as disciplinas não obrigatórias de canto e piano; à eterna alegria e
envolvimentos de meus colegas; à vida, que me fez eleger a música antes de todas as outras coisas
como forma de me comunicar e à saúde que Deus me dá.
“É sempre a perda da dimensão poética que faz viger um
modo determinado e precipitado de compreensão da dimensão
(Antônio Jardim).”
RESUMO
“Furaro os óio do Assum Preto, Pra ele assim, ai, cantá mió” (Luiz
Gonzaga / Humberto Teixeira). Esta letra do baião resume a ideia que fazemos de
nossos sentidos, o corpo dividido, As etapas, as peças com funcionamento
particular, especializado, se separando do todo. O que poderia justificar que os olhos
fossem furados para que saltasse o sentido da audição, e a dor do não voar por não
enxergar não fosse importante para que o canto do pássaro se tornasse belo?
“Assum Preto veve sorto / Mas num pode avuá”. É desta forma que deixamos de dar
asas à nossa capacidade poética de voar em todos os sentidos.
Embora sejamos parte de uma cultura que adota uma visão
fragmentada do corpo, através da divisão dos órgãos de sentido, lemos, ouvimos,
sentimos, não com o olho ou ouvido ou pele, etc, mas sim com o corpo, que é a
unidade de todos os sentidos.
E é a unidade de todos os sentidos que melhor cria presença e
memória. Sem presença não há memória. Sem memória a vida também é partilhada
em partes perdidas.
DUALIDADE E UNIDADE
Segundo Platão, o homem era dividido em duas partes, seguindo o
princípio dualista, sendo o homem não a unidade, mas a união de dois, corpo e
alma, ou psique (do grego Psikhe), sendo o corpo o cárcere da alma, uma realidade
aparente, enquanto esta alma seria a existência real (Fedon, A Imortalidade da alma,
Platão). Na sua doutrina das Formas existem as realidades invisíveis e inacessíveis
aos sentidos, e apenas o pensamento poderia apreende-las. Assim, a alma só
poderia se libertar depois da morte. Com esta tese de imortalidade da alma surge o
privilégio do conhecimento puramente inteligível, desvalorizando os eventos
relacionados ao corpo e ao sensível. Para tal é preciso que a alma controle o corpo
adotando os valores da justiça, da virtude.
“O platonismo foi muito influente no período medieval, principalmente
entre os séculos IV e VIII, com a patrística (dos santos padres), campo da filosofia
que pretende uma conciliação entre razão e fé, e cujo principal nome é Santo
Agostinho. Com base no platonismo ele elabora a “filosofia cristã”.
Embora em muitas partes do planeta a companhia de Santo Inácio
tenha se estabelecido, como por exemplo, na China (Édito de tolerância do
imperador chinês K’ang-hsi de 1692) e no Japão, que chegou a ter 300 mil cristãos
em fins do século XVI, a implantação do cristianismo em substituição às crenças
anteriores se dá especialmente nas colônias portuguesas e espanholas. O início do
processo de globalização acontece no século XVI, com desintegração de valores e
crenças, e por toda parte acompanhou a propagação da revolução industrial e a
revolução eletrônica e das telecomunicações. (nota : A Globalização e os Jesuítas –
Bingemer, Neutzling, João A. Mc Dowell).
A sistematização de Platão está na raiz do pensar e recriar o pensar no
ocidente, se fixando através de Roma e da religião cristã, nas traduções de Santo
Agostinho e São Tomaz de Aquino, adotando Platão e Aristóteles, se expandindo e
se impondo numa prática dominadora que se irradiou através da colonização
europeia, se consolidando como pensamento com a Globalização, que se inicia com
a busca pelo mundo novo e o domínio de novos territórios. “Ela é produto da
reconstituição das relações globais já existentes, tendo por base os seus legados –
o imperialismo, o colonialismo, o eurocentrismo – e as mudanças que, estas sim, se
fizeram presentes nas últimas décadas” (CONNELL, 2000).) Uma lógica da
separação que nasce na divisão do abstrato e do concreto.
“Enquanto lidarmos com essas categorias da dialética conectadas com palavras, ao
invés de com as próprias palavras, qualquer licença, falta de clareza ou estabilidade
em suas definições (muito menos incorreções) levarão necessariamente a uma
concepção distorcida da essência da questão” (Ilienkov, 1973).
A essência aqui compreenderemos como um hic et nunc da ausculta, e
uma busca do corpo como um todo e de uma memória viva e construtora de
realidade.
I - O MATERIAL SONORO
“A retrovisão é o sentido que perpassa por toda a ação de ler, escrever
e dizer algo: nossa perda, nosso opus” (Ramalho, C.). O ato psicológico de se
transmutar, reinventar, se reúne com o externo a partir de uma abertura em nossa
intimidade. Dionísio no caos e no embriagar-se na criação de realidade.
Escutar, aqui, não se trata apenas de ouvir mas da relação com a forma.
Poderíamos inferir que todas as formas tem sua virtude em si mesmas e não em um
conteúdo de conjeturas. Pater, em 1877, afirmou que todas as artes aspiram à
condição de música, que não é outra coisa que forma.
Kafka descreve a sinfonia familiar e seu diário: escuta como função de seleção , ou seja
, inteligência. “Se o fundo auditivo invade todo o espaço sonoro (se o ruído
ambiente é demasiadamente forte), a seleção, a inteligência do espaço já não
é possível, a escuta é lesada)...poluição, alteração insuportável do espaço
humano, na medida em que o homem tenta nele reconhecer-se”. O homem
não reconhece mais seu território, é ferido no reconhecer-se. Fere a própria
inteligência do ser vivo, que vem a ser seu poder de comunicar com sua Umelt:
a poluição impede a escuta (219)...”território definido como espaço de
segurança, e a ser defendido: a escuta é essa atenção prévia que permite
captar tudo o que pode vir a perturbar o sistema territorial”..o material da escuta
é o índice”. (Bathes, O Óbvio e o Obtuso pg 218)
O ideal da escuta estrutural tem feito nossa percepção da escuta uma regra
analítica, muitas vezes dependentes de partituras, valorizando-a para além da
experiência sonora única e poética, no recriar e no aprender. "Alguém pode até ser
tentado a argumentar se a escuta estrutural faz mais uso dos olhos do que dos
ouvidos". Subotnik (1996: 161)
A escuta distraída: a rotina do homem urbano deste século está repleta de
atividades a serem executadas em um curto espaço de tempo. Elas se sobrepõe, ou
nós as sobrepomos, e são cada vez mais executadas concomitantemente. Dedicar-
se exclusivamente à escuta (musical ou não) foi tornando-se pouco a pouco uma
excentricidade anacrônica, um acontecer improvável. Especialmente após o advento
das mídias portáteis. Tudo ao mesmo tempo agora.
Exigir desse ouvinte a atenção integral para a obra em um nível estrutural
seria propor sua retirada momentânea do fluxo de atividades às quais ele
está engajado para uma reconfiguração do foco de sua atenção
exclusivamente à escuta, ação que ele pode ser inclusive incapaz de realizar,
visto que pode não haver – e normalmente não há – nesse período de
atividades diárias, a pré- disposição, ou o interesse por uma escuta
estrutural...
Peter Szendy (2008) questiona a rigidez da escuta estrutural, bem como seu
possível efeito na perda da espontaneidade da própria escuta, defendendo a
chamada escuta distraída. Szendy questiona: “Uma certa distração não seria
também condição necessária para uma escuta ativa tanto quanto os detalhes
para uma escuta funcional e estrutural?” (SZENDY, 2008: 128)
A uma dissociação é que chamo esquizofonia, e se uso, para o som, uma
palavra próxima de esquizofrenia é porque quero sugerir a você o mesmo
sentido de aberração e drama que esta palavra evoca, pois os
desenvolvimentos que estamos falando têm provocado profundos efeitos em
nossas vidas. (Schafer (1992: 172)
O compositor Igor Stravinsky (1962) também questiona alguns aspectos da
música mecanizada, defendendo que a mediação tecnológica interfere de
maneira degradante no aprendizado musical. Para ele, a música gravada
tende a desmotivar todo e qualquer esforço por parte do estudante, que ao
invés de agente ativo no ato de “buscar a música” – literalmente caminhar até
o professor, ou fonte musical a ser estudada – se acomoda, tornando-se
passivo diante da facilidade de ter a música caminhando em sua direção, a
apenas um botão de distância.
Além do fator mecanização, (que com um gramofone implicava até certo
ponto a escolha do material – Nota Elaine), gradativamente o rádio se
estabeleceu como um poderoso agente formador de hábitos de escuta. Uso
aqui o termo formador porque, a partir do momento em que uma só pessoa
(ou um grupo seleto) elege o material sonoro que chegará às casas e carros
de milhares de outros indivíduos, necessariamente um repertório de milhões
de música é reduzido a algumas dezenas ou centenas que veicularão
diariamente, por vezes nos mesmos horários, determinando assim o que
será ouvido e quando será ouvido. Menezes (2007) reflete sobre o papel do
rádio enquanto elemento articulador de tempo nas metrópoles, como meio de
se estabelecer vínculos que promovem a organização da vida social no meio
urbano. ( Santos, Otávio, 2014).
A ESCUTA MOVEL E FRAGMENTADA
A escuta reaprendida de tempos em tempos: a escuta agora
é fragmentada, móvel de atenção, de lugar, de sons aleatórios, inesperados e
incontroláveis. Se você mora numa apartamento com trânsito próximo, se o espaço
“do lar” é repleto de sons que você não escolheu, se você está sujeito a maior parte
do seu tempo, quando se transporta, aos sons externos, que invadem seu ouvido
mesmo conectado ao fone de ouvido, você não tem escolha. Estamos habituados a
não escolher. E a abstrair. E a juntar os sons. Este resultado, individual e social,
resulta em frutos psicológicos e fisiológicos, é uma característica atual. O meio, a
mídia, que carrega informações, é o que passa a “significar”, dar significado ao que
compreendemos como vida e ao nosso “jeito de ser”, e ao contrário, mas a partir de
uma existência virtual, tem resultados reais, concretos, na vida do cidadão moderno.
"É de suma relevância apropriar-se da
realidade móvel da sociedade urbana a fim de se compreender os
comportamentos associados à escuta. Elas podem revelar formas de
comportamento, idiossincrasias e costumes de uma sociedade que corre
o risco de simultaneamente se encontrar tão imersa no universo sonoro
e, ao mesmo tempo, tão surda para os significados desses sons”.
(Otavio)
IV – O FENÔMENO
A música traz consigo sua etnografia. Tanto que é difícil recriar um estilo
sem seu contexto. Continua cabendo à sociedade manter, modificar, cuidar dos
contextos em que sua cultura musical se produz, de forma responsável e política, ou
de forma passiva. Sugiro nesta monografia que a escola de música se promova
como espaço de criação que, se não pode reproduzir os contextos culturais
exteriores, e se tornar re-produtor em sua re-presentação, sem a experienciação
que possibilite aquele outro contexto, valorize a ausculta como performance
portadora de presença e criação. Não somente uma ausculta julgadora e racional.
Mas também novo campo etnográfico criado por nossa cultura, capaz de produzir
memória e de estimular o intuitivo, o particular, e o máximo de performance na
ausculta. Estamos a todo tempo produzindo linguagem. A sociedade não decidiu
que a escola não seria um lugar de criação de linguagem, porque isso seria mesmo
impossível. Mas que linguagem é possível criar e re-criar num ambiente escolar?
Como lidar com um tempo em que a mediação da representação através do
fonograma é uma realidade indissolúvel, indiscutível mas também potencialmente
produtiva? Se as cidades tem problemas de locomoção, de difusão das
performances ao vivo, de acesso do grande público, de manutenção dos espaços
culturais tradicionais, se a cultura de massas , produzida para as massas,
centralizadas em sua produção na indústria do entretenimento/ diversão detém o
poder de dirigir o consumo, o gosto, o senso crítico, podemos pensar ativamente
sobre nosso modo de perceber e recriar a realidade. Transformando a ausculta
numa performance através da atenção (pois “as tarefas que se impõe na conjuntura
da história, não se consumam de modo algum pelo modo de contemplação”
(Benjamin), reformulamos o modus operandi da indústria de massas.
“Contato quase físico, pela voz e pelo ouvido, cria a transferência. Escuta metamorfoseia o homem
em ser dual: a interpelação conduz a uma interlocução em que o silêncio do ouvinte seria tão ativo
quanto a palavra do locutor: a escuta fala, e nesta fase surge a escuta psicanalítica .(BATHES 222
Óbvio e O Obtuso)
Como chegar a um indivíduo integral num tempo / espaço, através de uma vivência
poética, utilizando-se do meio mídia, em meio a poluição sonora, num contexto de
pouca escolha?
“A narrativa de "A máquina extraviada", na forma do fait divers, oscila entre o racional e o irracional,
nas bordas da realidade e do imponderável, sem uma expressão que se completa.
Destarte, o fait divers nos diz que o homem está sempre ligado a outra coisa, que a
natureza é cheia de ecos, de relações e de movimentos; mas, por outro lado, essa
causalidade é constantemente minada por forças que lhe escapam; perturbada sem
entretanto desaparecer, ela fica de certo modo suspensa entre o racional e o
desconhecido, oferecida ao espanto fundamental” BARHES, Roland., 1982: 60.
(Retirado de José J Veiga)
“Refinamos tanto as técnicas das artes da linguagem identificada com uma escrita,
que nossa sensibilidade estética recusa espontaneamente a aparente imediatez do
aparelho vocal” (Paul Zumptor)
O professor e sociólogo Paul du Gay, em sua obra Doing Cultural Studies, mostra
como o Walkman era apresentado como uma moda, como algo que era moldado de
acordo com o corpo humano, feito para se usar, parte da autoimagem e do estilo de
se viver. Assim como a lycra para um ciclista, o Walkman seria a extensão da pele
do ouvinte, tendo até mesmo os fones de ouvido sido desenvolvidos no formato
perfeito do ouvido humano (du
GAY, 1997). Essas ideias tangem também as reflexões de Marshall McLuhan ([1964]
1974)
Para McLuhan, os meios são as mensagens(1969). Mas ainda assim os
meios são sempre os meios e não a salvação. Somos nós que os elevamos
os meios à categoria de conhecimento absoluto. “Na Idade da Pedra, um
machado não é apenas um meio para cortar uma árvore, ele é a mensagem
de se estar segurando um machado de pedra, dominando o mundo com a
pedra, de tal monta que, agora, Mundo é Pedra, fruto de uma alienação
socializada. Nesta perspectiva, o machado de pedra conduz tudo no mundo
e tudo passa pela compreensão do que é um machado de pedra, por isso
ele é um microcosmos do conhecimento de todas as coisas, o meio é a
mensagem, o machado de pedra é a mensagem, o machado de pedra
sintetiza a ação do homem na Terra construindo um mundo com o machado
de pedra” (Celso Ramalho, 2015). Assim, como podemos nos livrar de um
processo de alienação que poderia nos levar a considerar que sem o
machado de pedra não há mundo, nem homem, e nem Terra?” Qual a
relação deste meio ”machado de pedra” com o meio virtual oferecido pelas
redes de computadores? A mesma que pode nos fazer acreditar que o
mundo agora é VIRTUAL, como antes era PEDRA. O intercâmbio
consciente do homem com a música, via tecnologia da internet, é também
uma forma de combater esse processo de alienação. A tecnologia
é extensão do homem em suas possibilidades, mas ela não é o homem e
não é a vida. (Elaine Guedes, Musica e Internet na Educação)
"Um antropólogo como Pierre Clastres (1978), por exemplo, nos mostrará
que em algumas sociedades indígenas a memória coletiva é passível de
inscrição e visibilidade. Em A sociedade contra o Estado ele nos coloca o
seguinte problema: como as instituições tribais, caracterizadas por uma
rigidez e uma estabilidade incomparáveis, poderiam ser perpetuadas
através da fluidez da narração mítica, sem que seus contornos se
transformassem, com o tempo? A resposta a esta questão residirá, para
Pierre Clastres, na atualização desses mitos por meio dos rituais de
crueldade, através dos quais os índios são reconhecidos como membros de
uma tribo, compartilhando uma identidade coletiva. Ao infligir nos indígenas
marcas físicas e permanentes, os rituais de crueldade oferecem um suporte
vigoroso à fluidez das narrativas orais: os cortes permitirão que as palavras
penetrem os corpos. Quando um índio olha suas cicatrizes, escreve
Clastres, o que ele vê é a inscrição da memória da tribo: as cicatrizes são
uma “escrita sobre o corpo” (CLASTRES, 1978, p. 130) " (NORA, 1978, p.
112), observa que os traços reconhecidos e difundidos da memória
histórica, veiculados pela mídia, são elaborados por diversos grupos,
constituindo memórias coletivas que, por sua vez, pressionam a história.
(Jô).
Per forma:
Seguindo a trilha aberta por Heidegger HEIDEGGER, Martin, 2002: 11., a
técnica seria distinta de sua essência. O nosso relacionamento com a
essência da técnica não será possível enquanto apenas nos sujeitarmos ou
nos moldarmos como obsedados pela técnica considerando-a neutra. No
jogo da enunciação de "A máquina extraviada" o narrador, como que num
processo de ironia, descreve a sua comunidade recusando-se a entender, a
questionar o estranho objeto que agora faz parte e dá vida a um cotidiano
desprovido até então de novas significações. Enquanto isso, nós, leitores
virtuais somos levados a primeiramente nos intrigarmos com tal fenômeno
para depois, caminhando com Heidegger, reconhecermos a técnica como
um instrumento, "um meio para um fim". A técnica seria um instrumento, um
meio para a atividade do homem, constituindo-se numa forma de
"desencobrimento da verdade".
Heidegger pondera que: Também a técnica moderna é meio para um fim. É
por isso que a concepção instrumental da técnica guia todo o esforço para
colocar o homem num relacionamento direto com a técnica. Tudo depende
de se dominar a técnica, enquanto meio e instrumento, da maneira devida.
Pretende-se, como se costuma dizer, 'manusear a técnica'. Pretende-se
dominar a técnica. Este querer dominar torna-se tanto mais urgente, quanto
mais a técnica ameaça escapar ao controle do homem HEIDEGGER,
Martin, 2002: 11..
Constituindo-se num verdadeiro Bezerro de ouro em pleno sertão, a
máquina extraviada instala-se mudando os hábitos, as conversas, os
interesses da comunidade interiorana. Aquela gente simples, constituída por
valores arraigados no passado, através dos quais são construídas as suas
identidades, não sabendo como interagir com a estranha máquina que não
se dá a conhecer e permanece muda, inerte, provocando a ação dos que
dedicam a um interminável culto. Eis uma esfinge em nova mutação. Ela,
diferentemente das suas irmãs, não faz ecoar seu canto aterrador
desafiando os circunstantes para decifrarem o enigma. O seu desafio se
efetua pelo silêncio que desperta a cegueira nos locais. As subjetividades,
as noções identitárias daqueles que, não estando de posse dos códigos que
possibilitam um diálogo objetivo com a máquina, uma produtividade em
termos funcionais, acabam provocando, através do imaginário, novas
relações subjetivadas com o objeto e com o meio social: "a cada tipo e
sociedade, evidentemente, pode-se fazer corresponder um tipo de máquina:
as máquinas simples ou dinâmicas para as sociedades de soberania, as
máquinas energéticas para as de disciplina, as cibernéticas e os
computadores para as sociedade de controle" DELEUZE, Gilles, 1992: 216.
.
Nenhum artefato tecnológico surge impunemente. As marcantes renovações
de linguagens constituem-se como respostas às renovações tecnológicas.
Os registros históricos nos dão conta do tamanho da fatura que é cobrada
das gerações que não chegam a ter ao menos um certo domínio das novas
linguagens. Lembremo-nos que o estabelecimento da escrita na cultura
grega constituiu-se "como uma peça de tecnologia explosiva, revolucionária
por seus efeitos na cultura humana, de uma maneira que nada tem de
exatamente comum com qualquer outra invenção"11. No diálogo que
Sócrates estabelece com o discípulo Fedro constatamos que a tecnologia
tem o poder de transformar tudo o que está ao redor: a linguagem, a
concepção de liberdade, de inteligência, fato, sabedoria, inteligência, a
história. Só que a tecnologia nunca se dá ao trabalho de nos contar o que
ela mesma provocará e quase sempre não nos damos ao trabalho de
perguntar. A condição de reféns dessa tecnologia será então o destino
daqueles que se calam.
Sujeitados ficamos sob o signo da crise das ordens de representações e
saberes em decorrência das formas complexas de produção de enunciados,
imagens, pensamentos e afetos. A questão cada vez mais recorrente nos
mais diferentes fóruns científicos e filosóficos: o homem e a vida não
estariam com suas existências ameaçadas sob o peso das ciências e das
tecnologias cada vez mais presente em nossa sociedade? "Se cada
sociedade tem seus tipos de máquinas, é porque elas são o correlato de
suas expressões sociais capazes de lhes fazer nascer e delas se servir
como verdadeiros órgãos da realidade nascente" PARENTE, André: 1999:
15. ( JOSÉ J.VEIGA - A Máquina Extraviada - Estudo e conto)
VIII –CONCLUSÂO
Não tento tratar aqui de uma questão de escolha entre formas de apreensão ou
edição, ou criação da linguagem através da ausculta ou da escrita, mas de uma
quebra da hierarquia criada através da ideia platônica de educação através de
esquemas. Mas, antes ainda, de reconhecer esse processo platônico como
determinante na forma de absorção e criação da linguagem. E reconhecer também
que o tempo detém a cultura nele formulada, e não há como retroceder no tempo,
embora haja como, num novo tempo, criar e recriar a cultura através de ações
pensadas e estabelecidas num diálogo com a sociedade. O que pode ser o ir ao
encontro do método não completamente submisso ao saber da ciência e da lógica,
do palpável e do provável, mas um abraço ao (saber do) devir, também do erro,
desconstruindo a dualidade de bem e mal, certo e errado, o complemento da lógica
pela experiência da cartase.
O som utilizado não como ornamento do contexto, como na tragédia de
Aristóteles, mas integrando a estrutura do enredo auditivo e criando com ele a
vivência a que estamos chamando aqui poética. Entendida talvez como catarse no
sentido de “clarificação intelectual” (poética em Aristóteles- nota: o quinto modo na
divisão dos grupos de cartase segundo Halliwell). O acontecer da ausculta sem
elevação à categoria de contato com a obra de arte, mas como aura de um
acontecer poético a partir daquele que escuta .
Não apenas um movimento do pensar depois, mas estar junto, ouvindo
e abrindo a intimidade para o acontecimento novo. À linguagem existindo em
consequência do existir na performance podemos dar o nome de poética. Ou
experiência estética. Podemos nominar ou não, mas é um acontecimento a que
devemos voltar nossa atenção e salientá-lo para então prová-lo com autoridade
(auctoritas) nova em nosso sistema de ensino, a isso chamo aqui poética. Poética
através da escuta que é formadora de memória, integrando todos os sentidos num
resgate humano de suas potencialidades.
ANEXO
Alfabeto
O alfabeto aboliu a necessidade de memorização, e portanto a de ritmo. Até
então, o ritmo tinha imposto severas limitações ao arranjo verbal do que
podia ser dito ou pensado. Mas o alfabeto permitiu que o pronunciamento
fosse gravado num artefato, para ser lido quando fosse preciso. As energias
mentais liberadas assim por essa economia de memória contribuíram para
uma enorme expansão do conhecimento disponível ao cérebro humano.
O avanço do conhecimento, humanístico ou cientifico, depende da capacidade
humana de pensar sobre uma coisa inesperada: uma “ideia nova”. Um tal
pensamento novo só alcança plena existência quando encarna em um
enunciado novo, e um enunciado novo só realiza toda a sua potencialidade
quando pode ser preservado. (Eric A. Havelock, A Revolução da Escrita na
Grécia e suas conseqüências culturais, UNESP, SP & Paz e Terra, RJ,
1996 pp. 84-86.)
Imprensa
Sabemos que o termo Quarto Poder surge na própria gênese da Imprensa: o seu criador
foi o filósofo e membro da Câmara dos Comuns britânica Edmund Burns,
por volta de 1790. Na realidade, Quarto Poder é uma má tradução do termo
para o português. O termo original é Fourth Estate, ou seja, Quarto Estado.
Ou seja, nos tempos da Revolução Francesa, o clero é o Primeiro Estado, a
nobreza é o Segundo Estado e a burguesia é o Terceiro Estado. Na Grã-
Bretanha de Burns, a divisão é bastante parecida: o Parlamento britânico
era dividido em Lordes Temporal (nobres), Lordes Spiritual (bispos) e os
Comuns, configurando assim os três Estados que faziam “companhia” à
Imprensa. (Primavera dos Jornais: imprensa e revoluções de 1848 Rafael
Duarte Oliveira Venâncio)
“Literatura é nosso Parlamento também. Imprensa, que vem necessariamente da escrita
como digo normalmente, é equivalente à Democracia: inventada a escrita,
Democracia é inevitável. Escrita traz Imprensa; traz Imprensa universal,
cotidiana e espontânea, como vemos no presente. Qualquer um pode falar.
Falar agora para toda a Nação vira um poder, um braço do Governo, como
peso inalienável na feitura de leis e em todos os atos de autoridade”
(CARLYLE, 1997: 87-8)
No entanto, não tarda para os jornais saírem do caráter intermediador para se tornarem
dogmáticos e identificáveis com determinados Partidos ou facções
partidárias. Na busca de exemplos próximos, podemos lembrar que no
período de 1815 a 1821, os periódicos brasileiros começam a luta pela
Independência. “Mas, se vários jornais defendiam a Independência, outros
procuravam combatê-la. Na Independência, a imprensa se caracterizava por
ser extremamente doutrinária, relegando a informação para segundo plano”
(LOPES, 2008: 8). Rafael Duarte Oliveira Venancio)
Fonograma
Desde seu surgimento, com a invenção do fonógrafo por Thomas Edison em
1877, a gravação sonora tem possibilitado a captura de um fenômeno
temporal e por natureza fugaz: a música. Embora inventada para gravar a
palavra falada, o maior impacto cultural da gravação sonora tem sido
através da música, que vem sendo transformada ao passo que seus
processos de produção e audição têm sido permeados pela tecnologia. De
fato, a gravação sonora tem tido uma profunda influência na maneira pela
qual a música é produzida, ouvida, e pensada. Com a habilidade de
transformar o ato efêmero da performance musical em um trabalho de
arte, sua influência tem sido sentida em praticamente todos os gêneros
musicais. Com a presença do artista se tornando secundária, pelo menos
cronologicamente, em relação à sua presença sonora descorporificada
emanada através dos alto-falantes, as gravações começaram a assumir um
tipo diferente de identidade. A “criatividade artística” passou a ser
direcionada para a criação de uma voz gravada. Com essa mudança de
atitude, as gravações passaram quase que inevitavelmente de um processo
de coleta, preservação e disseminação para um processo de produção. O
critério estético mudou do som da performance ao vivo para o som da
gravação. Além disso, a partir do surgimento dos primeiros discos de 78
rotações, a gravação sonora possibilitou a ampla disseminação da música
em escala global. Hoje, com a popularização do formato MP3, esse
fenômeno tem sido ampliado exponencialmente, a ponto de qualquer
gênero musical poder chegar aos ouvidos de qualquer camada social de
qualquer lugar do mundo. Músicas de todas as sociedades e de todos os
períodos históricos estão disponíveis ao toque de uma tecla, e com isso a
experiência da audição musical tem sido radicalmente alterada. Nesse
aspecto, conforme comenta Morel (2010): Nunca foi tão fácil ouvir música
como nos dias atuais. Se antes era necessário se dirigir a alguma loja
especializada para consumir música e depender do acesso a discos
importados para se ter acesso ao material produzido fora do país, hoje em
dia, na frente de um computador pessoal, qualquer indivíduo pode escutar
música produzida nos quatro cantos do mundo. A existência dos programas
de computador que possibilitam a troca de arquivos entre os usuários
conectados se tornou uma das principais fontes de acesso à música
gravada. (MOREL, 2010, p. 42). 81 Revista Brasileira de Estudos da Canção –
ISSN 2238-1198 Natal, n.5, jan-jun 2014. Disponível em:
www.rbec.ect.ufrn.br Dessa forma, podemos afirmar que o modelo
tradicional de produção, venda e consumo de música vigente durante o
século XX passa atualmente por um período de crise. Se com o fonógrafo
estabeleceu-se a base da indústria fonográfica, fundada na possibilidade de
materialização da música em objetos concretos comercializáveis, hoje o
MP3 representa um processo inverso de desmaterialização da música que
põe em xeque a própria lógica dessa indústria. É vivido um momento de
incerteza e contradição em que muitas dúvidas a respeito do futuro das
mídias antigas e da própria música merecem investigação. Poderse-ia
afirmar, por exemplo, que o álbum enquanto unidade física, concreta e
indissociável, e como única forma de consumo de música, perdeu grande
parte da hegemonia conquistada no século anterior. Diante desse
panorama, cabe questionar o futuro do formato do álbum conceitual no
mercado fonográfico e sua atual popularidade em termos da apreciação,
por parte do ouvinte contemporâneo, do álbum como um “pacote de
canções”. Cabe investigar, também, se a indústria fonográfica estaria
seguindo uma tendência de retorno ao formato do single e se o atual
crescimento na fabricação e comercialização de vinis representa um
fenômeno de “saudosismo” e fetichização em relação à mídia decorrente
da redução da supremacia do álbum ou ainda se, ao contrário, representa
um fenômeno de fortalecimento e revitalização do formato. De qualquer
modo, com base no breve panorama histórico exposto neste artigo, fica
evidente o modo como os avanços científicos e tecnológicos impactaram e
continuam impactando a música em todos os seus aspectos e dimensões,
gerando modelos estéticos e econômicos que são continuamente
reconstruídos ao longo do tempo. (Do Fonógrafo ao MP3: Algumas
Reflexões sobre Música e Tecnologia Rodrigo M. Gomes)
Máquina literária
Em "O narrador: considerações sobre a obra de Leskov", Benjamin lembra-
nos que "por mais familiar que seja o seu nome, o narrador não está de fato
entre nós, em sua atualidade viva. Ele é algo de distante, e que se distancia
ainda mais".1 Benjamin, ainda nesse texto, fatidicamente faz considerações
quanto à pobreza em que se encontra a arte de narrar, pois falta-nos hoje a
capacidade de estabelecer trocas de experiências justamente pelo fato
de a experienciação da vida ser cada mais escassa, como são cada vez
mais raras as narrativas significativas que informam acerca de
acontecimentos imediatos, passageiros, verificáveis e que nunca vão
além da informação corriqueira, não problematizadora das grandes
questões humanas. ( BENJAMIN, W. , 1987: 197.)Assim, as narrativas
tornam-se mais significativas quando aquele que narra o faz a partir da
própria experiência vivida ou mesmo capturada da experiência dos outros.
Vale lembrar aqui o encontro de Fiodor Dostoiévski, já em leito de morte: um
jovem pretenso escritor entregara-lhe alguns manuscritos para apreciação. O
que se segue à leitura do grande escritor russo são estas admoestações
àquele que tão pouco vivera: "Para escrever bem é preciso viver bem, sofrer
muito".
Diferentemente de uma simples informação cotidiana veiculada em
nosso dia-a-dia, nas conversas informais ou mesmo através da mídia,
com as espetaculares notícias que não nos surpreendem apesar dos
escândalos que afloram, inundam o nosso cotidiano, a narrativa literária
não explica nada, nada conclui e tampouco se deixa consumir. A
narrativa literária é uma matéria que não se entrega facilmente, não se
deixa consumir, não se deixa apagar, envelhecer. Ao contrário, ela se
reinstaura ao longo dos tempos, qual Fênix, a cada leitura, a cada
tentativa de configuração de sentido, provocando sempre novas
inquietações, novas perguntas, afetando sobremaneira os virtuais
leitores. "A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que
recorreram todos os narradores. E, entre as narrativas escritas, as
melhores são as que menos se distinguem das histórias orais contadas
pelos inúmeros narradores anônimos" . BENJAMIN, W. , 1987: 197.
Bibliografia
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Disponível em: www.rbec.ect.ufrn.br Do Fonógrafo ao MP3: Algumas Reflexões sobre
Música e Tecnologia Rodrigo M. Gomes
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Natalia Cipolaro Guirado
Um sistema semiótico sincrético: a linguagem cinematográfica