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Envio a conferência intitulada “Contribuições da virada lingüístico-pragmática de


Wittgenstein para o entendimento das relações musicais” para publicação pelo II Simpósio
Internacional de Musicologia da UFRJ. Autorizo a editoria do SIM_UFRJ2011 a publicá-la
de forma impressa ou eletrônica (on-line) no sítio eletrônico da instituição.

Dados do autor:

Nome completo: Pauxy Gentil Nunes Filho

Endereço completo: Rua Álvaro Chaves, 28, ap. 504. Laranjeiras, Rio de Janeiro, RJ. CEP
22231-220

Telefone: (21) 2551 2993 / (21) 9316 0594 e-mail: pauxygnunes@gmail.com


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PUBLICAÇÃO DA CONFERÊNCIA (versão completa) II SIM_UFRJ 2011

Pauxy Gentil-Nunes

(Escola de Música da UFRJ)

Contribuições da virada lingüístico-pragmática de Wittgenstein para o entendimento


das relações musicais.

Resumo

As produções teóricas e práticas em música dos últimos 50 anos têm sido intensamente
fundamentadas em modelos semânticos e sintáticos. O próprio conceito de música como
‘linguagem sonora’ leva a dicotomias e dúvidas sobre a natureza do pretenso ‘objeto’, bem
como de suas inscrições ou registros (partitura, performances, gravações, escuta, cognição,
teorias, entre outros). Uma disputa é instalada – onde reside a ‘Música’? A virada lingüístico-
pragmática, promovida principalmente pelo segundo Wittgenstein, têm oferecido algumas
contribuições ao assunto. Trabalhos recentes têm se debruçado sobre a possível aplicação da
pragmática wittgensteiniana ao entendimento dos fatos musicais. No presente artigo, algumas
sugestões neste sentido são apresentadas.

Contributions of Wittgenstein’s linguistic-pragmatic turn to understanding musical


relations.

Abstract

Theoretical and practical productions of last 50 years in music have been hardly based in
semantic and syntactic models. The concept of music as ‘sound language’ leads to
3

dichotomies and issues about the nature of the supposed ‘object’, as well as its inscriptions or
registers (scores, performances, recordings, listening, cognition, theories, among others). A
controversy is installed – where do ‘Music’ inhabit? The linguistic-pragmatic turn, mainly
promoted by the second Wittgenstein, has offered some contributions to that subject. Recent
papers approached the application of wittgensteinian pragmatics to understanding of musical
facts. This article presents some suggestions following this path.

Música e linguagem

A aproximação entre linguagem e música tem sido, nos últimos 50 anos, uma tarefa
recorrente (resenhas históricas podem ser encontradas em vários trabalhos, como Sundberg
1976, Sloboda 1985, Monelle 1992, Swain 1997, Patel 2008) - justificada, em grande parte,
por semelhanças visíveis entre as duas práticas (ver Sloboda, Ibid., p. 17-20). Patel (Ibid., p.
3), por exemplo, aponta que “o papel central da música e da linguagem na existência humana
e o fato de ambas envolverem seqüências sonoras complexas e significantes naturalmente
enseja a comparação entre os dois domínios (...) os humanos são inigualáveis em sua
habilidade em construir sentido a partir do som” 1. Da mesma forma, Swain (Ibid., p. 3)
observa que “a íntima associação entre música e linguagem (...) tem sido reconhecida (...)
desde os tempos antigos” 2. Ainda que “críticos e estetas eminentes, como Hanslick e Langer,
e finalmente compositores, como Strawinsky, tenham repudiado esta analogia” 3, “a idéia da
música como linguagem tem sido revivida, revitalizada por novas fontes de conhecimento” 4.
Swain cita como exemplos destas fontes:

“uma nova geração de compositores, que admitem a ‘expressão’ como um dos


poderes da música; a semiologia musical de J. J. Nattiez e, acima de tudo, a
crescente montanha de evidências da ciência cognitiva que sugere afinidades
fundamentais entre a cognição da música e da linguagem” 5 (Ibid., p. 4).

1
“The central role of music and language in human existence and the fact that both involve complex and
meaningful sound sequences naturally invite comparison between the two domains (…) humans are unparalleled
in their ability to make sense out of sound”.
2
“The intimate association of music and language (…) had been recognized (…) since the ancient days”.
3
“Eminent critics and aestheticians, such as Eduard Hanslick and Susanne Langer, and finally composers, such
as Strawinsky (…) have dismissed the analogy”.
4
“(...) the idea of music as language has been revived, revitalized by new sources of insight”.
5
“(...) a new generation of composers who admit ‘expression’ to be among the powers of music; the musical
semiotics of Jean-Jacques Nattiez; and, above all, the growing mountain of evidence from the cognitive
scientists that suggests fundamental affinities between the very cognition of music and language”.
4

Diferenças entre o funcionamento da linguagem e da música não impedem o


estabelecimento do paralelo, e são reconhecidas por vários autores como idiossincrasias. Patel
(Ibid., p. 4), por exemplo, aponta que “a música organiza alturas e ritmos de maneiras que a
fala não consgeue, e lhe falta a especificidade da linguagem em termos de significado
semântico” 6. A linguagem continua sendo, até o momento, um dos principais, senão o
principal paradigma para a organização das pesquisas musicais, principalmente dentro do
campo da composição e da análise.

Na última década, alguns autores (Lidov 2005, Barucha 2006, Brown 2006, Cram
2009), têm indicado um caminho novo para a questão. Não no sentido de encontrar mais
fundamentos para o estabelecimento de semelhanças ou diferenças entre as duas práticas, mas
considerando o estabelecimento de novos paradigmas dentro da própria linguagem,
decorrentes da virada lingüístico-pragmática articulada pelo ‘Segundo Wittgenstein’. Estes
paradigmas ainda estão sendo avaliados dentro da esfera da filosofia e da epistemologia e
encontram-se em fase de abordagem incipiente dentro do campo da música.

O presente artigo pretende usar o paradoxo de Mênon, enunciado por Platão (2001), e
de grande importância para a abordagem lingüístico-pragmática, para ilustrar a importância da
proposta de Wittgenstein e apontar caminhos para eventuais abordagens musicais.

Paradoxo de Mênon

Em Mênon, Platão relata o diálogo entre o discípulo e seu mestre, Sócrates, acerca da
natureza da virtude. Ao indicar várias respostas à questão, surge a dúvida a respeito do
reconhecimento e definição do conceito de virtude. Sócrates admite não saber o que ela é;
mas está disposto a procurar o que ela possa ser. É neste momento que Mênon emite a sua
famosa aporia:

E de que modo procurarás, Sócrates, aquilo que não sabes absolutamente o que é?
Pois procurarás propondo-te que tipo de coisas, entre as coisas que não conheces?
Ou ainda, que no melhor dos casos, a encontres, como saberá que isso é aquilo que
não conhecias? (Platão 2001, p. 49).

6
“music organizes pitch and rhythm in ways that speech does not, and lacks the specificity of language in terms
of semantic meaning”
5

O que Mênon evoca é questão da anterioridade (Dickmann 2005). Para conhecer, é


necessário ter consolidadas noções anteriores a respeito do que se busca, sob o risco de não se
poder reconhecer o objeto procurado, o que leva a um raciocínio circular. Sócrates conclui:

(...) pelo visto, não é possível ao homem procurar nem o que conhece nem o que não
conhece? Pois nem procuraria aquilo precisamente que conhece – pois conhece, e
não é de modo algum preciso para tal homem a procura – nem o que não conhece –
pois nem sequer sabe o que deve procurar (Id. Ibid., p. 49)

Para resolver este impasse, Sócrates introduz o conceito de reminiscência, que se


originaria de reencarnações pregressas:

Sendo então a alma imortal e tendo nascido muitas vezes, (...) não há o que não
tenha aprendido; de modo que não é nada de admirar, tanto com respeito à virtude
quanto ao demais, ser possível a ela rememorar aquelas coisas justamente que já
antes conhecia. (Id. Ibid., p. 53)

O apelo à reminiscência pressupõe a preexistência da alma em relação ao corpo,


implicando assim em uma visão dualista, que viria a ser replicada de várias maneiras, em
diferentes épocas subseqüentes. Em todas elas, há o apelo à mítica para explicação da
constituição básica do conhecimento.

Santo Agostinho, por exemplo, faz referência à reminiscência ao abordar a questão do


conhecimento:

Acerca de tudo o que compreendemos, consultamos não ao que fala fora em alta
voz, mas à verdade que rege interiormente o espírito humano. Mas aquele que é
consultado e ensina é Cristo, de quem já se falou que habita no homem interior
7
(apud Piacenza 1992, p. 36-37).

Segundo Vargas (2009), é evidente, neste texto de Agostinho, a influência do


platonismo: “o recolher-se dentro de si mesmo para receber a luz não parece outra coisa que
a teoria da busca das reminiscências de realidades percebidas no mundo das idéias de
Platão” (Id. Ibid.).

Neste caso, Vargas observa uma importante característica da reminiscência:

(...) o conhecimento passa a ser um assunto privado. A comunicação e a linguagem


aparecem como algo inessencial ao conhecimento. A dimensão intersubjetiva, a

7
“Acerca de todo lo que comprendemos, consultamos, no al que habla afuera en alta voz, sino a la verdad que
rige interiormente al espíritu humano. Pero aquél que es consultado y enseña es Cristo, de quién se há dicho
que habita en el hombre interior”
6

comprovação da objetividade de qualquer conhecimento por parte dos outros, passa


a ser algo agregado extrinsecamente.

Da mesma forma, Descartes atualiza a idéia de reminiscência em sua conceituação das


‘idéias inatas’, que Sell (2002, p. 13) caracteriza como

(...) idéias formadas a partir das verdades eternas que o sujeito é capaz de identificar
como princípios que subjazem às regras do seu próprio intelecto e que são
identificadas através de uma faculdade de percepção que Descartes denomina luz
natural da razão ou intuição intelectual.

Assim como Descartes, Leibniz irá agregar ao seu modelo ontológico a idéia de auto-
suficiência, ainda mais acentuada pelo conceito de mônada:

Este autor formula a monadologia, segundo a qual cada indivíduo do universo é um


mundo à parte, é um todo, incapaz de perceber, comunicar-se ou estabelecer
qualquer outra relação com os demais indivíduos; formula também a teoria da
‘harmonia preestabelecida’ segundo a qual as mônadas, embora incomunicáveis
entre si, percebem o mundo e agem como se pudessem interagir umas com as outras.
Para Leibniz, em cada mônada já está contida, em todos os detalhes, toda a história
do universo (Id. Ibid., p. 17).

Da mesma forma, Kant, apesar de ter reformulado os termos da discussão do inatismo,


passando a usar a expressão ‘a priori’, ainda assim repete a estrutura reminiscente: Por
conhecimentos a priori entendemos não os que ocorrem independentemente desta ou daquela
experiência, mas absolutamente independente de qualquer experiência (Kant 2001, p. 24).

Sell também aponta Chomsky como um autor estruturalista que defende o inatismo,
herdeiro assumido de Descartes, mas fundamentado em novas bases. A hipótese de Chomsky,
segundo Sell, é a de que “o conjunto das capacidades cognitivas humanas possui uma
estrutura fundamental determinada biologicamente” (Ibid., p. 24). Chomsky (1977) acredita
em um “sistema de princípios, condições e regras que constituem elementos ou
características de todas as linguagens humanas não apenas por acaso, mas por necessidade
(...) invariável para todos os seres humanos”

Mesmo a tradição em que Wittgenstein (ainda o Primeiro) se desenvolve como


filósofo, qual seja a filosofia analítica de Frege e Russell, se vê enredada na tradição
reminiscente. Enquanto buscava o entendimento do mundo a partir das construções
lingüísticas que o descrevem, a filosofia analítica se confrontava com a necessidade da
postulação de um sujeito transcendental (ver Cuter 2006). As sentenças complexas que
constituem o mundo são constituídas por unidades mais simples - as sentenças atômicas –
7

que, por sua vez, seriam construídas a partir de ‘objetos simples’, que na prática nunca se
mostram, uma vez que os objetos do cotidiano sempre são complexos – necessitam de
sentenças atômicas para serem descritos. A definição do que seriam os ‘objetos simples’
nunca ficou clara, dentro da filosofia analítica. Soluções iniciais foram levantadas por colegas
e filósofos, a maior parte delas considerando os ‘dados sensíveis’ como possíveis candidatos a
‘objetos simples’. Mas no final da seqüência de significações, haveria um conceito primevo,
essencial, a partir do qual todos os outros elementos seriam derivados, possuídos por um
sujeito transcendental. Este conceito nunca foi encontrado.

A virada lingüístico-pragmática

Em seu livro póstumo, Investigações Filosóficas (Wittgenstein 1945), o filósofo


propõe uma solução para a necessidade da reminiscência e superação do sujeito
transcendental. Este passo é considerado por muitos filósofos como um marco na história da
filosofia (Gottschalk 2007, Melo 1981, Scruton 1981).

Embora ainda estivesse centrada em questões concernentes ao significado e aos


limites do proferimento significante, seu ponto de partida se tornaram, não as
imutáveis abstrações de um ideal lógico, mas os esforços falíveis da comunicação
humana. Ao mesmo tempo, o elemento humano não seguiu a via usual da
epistemologia, mas um caminho totalmente surpreendente. (...) Isso resultou não
apenas em uma nova avaliação da natureza da linguagem, mas também numa
revolucionária filosofia da mente. Os problemas metafísicos que Kant, Hegel e
Schopenhauer tentaram resolver são re-expressos como dificuldades na interpretação
da consciência. Assim entendidos, repentinamente se afiguraram capazes de serem
resolvidos (Scruton 1981)

Gottschalk (2007, p. 3), por exemplo, aponta que

Bem menos conhecida na área da filosofia da educação, mas nem por isso menos
impactante e prenhe de conseqüências, é a crítica que Wittgenstein faz ao
essencialismo de Platão, sugerindo a partir dela uma nova atitude filosófica, que vai
permitir a elucidação completa (embora não definitiva) dos enigmas filosóficos e,
em particular, proporá uma saída inusitada para o paradoxo do conhecimento dos
sofistas: “não pense, mas olhe!” (Wittgenstein, [1945], #6). Em outras palavras, não
necessitamos de teorias metafísicas para justificar a possibilidade do conhecimento.
Basta que observemos o uso efetivo que fazemos de nossos enunciados lingüísticos
em diferentes contextos. Veremos, então, que eles cumprem funções e papéis os
mais diversos, levando-nos a organizar nossas experiências empíricas e mentais
pragmaticamente, ou seja, de modo bem distante do ideal de exatidão e de precisão
a ser alcançado através do uso de nossos conceitos como preconizado pelas idéias de
Platão e de seus herdeiros neo-platônicos.

O que Wittgenstein propõe é muito mais do que uma nova teorização a respeito da
constituição do conhecimento. O próprio estilo do filósofo reflete sua posição crítica com
8

relação à função significante das palavras, e a necessidade de se entender o sentido dentro do


que chama genericamente de “jogos”.

(...) ao invés de aplicar a maiêutica socrática para refutar as convicções iniciais de


seus interlocutores de modo a conduzi-los a reformulá-las em direção a uma
definição precisa do conceito de jogo, Wittgenstein sugere fazer a terapia deste
conceito, a saber, propõe que olhemos para as semelhanças e diferenças entre suas
diversas aplicações, e observemos a trama de relações que vai se estabelecendo,
constituindo-se, assim, gradualmente, a “robustez” do conceito. (Id. Ibid., p. 3)

Melo (1981, p. 65) aponta como principais características do pensamento do ‘Segundo


Wittgenstein’:

a) A linguagem passa a ser concebida como um conjunto heterogêneo, sem


fronteiras definíveis a priori, com distintos domínios regidos por regras
impermutáveis;

b) Recusa-se que haja uma forma geral da proposição, constatando-se a existência


de enunciados com estatutos e funções não unificáveis: enunciados descritivos,
performativos, prescritivos, conjeturais, etc.;

c) Critica-se e recusa-se a idéia de que existe uma Lógica única, absolutamente


rigorosa, espelho da arquitetônica de uma realidade monística;

d) Recusa-se que às palavras estejam afixados significados unívocos ou


essencialistas, passando a admitir-se que, na maioria dos casos, o sentido duma
palavra é o seu uso real neste ou naquele agenciamento lingüístico.

Outro ponto importante da nova proposta, de difícil apreensão imediata, é a negação da


linguagem privada, o que caracteriza a posição de Wittgenstein como diametralmente oposta
à de Agostinho, Descartes, Kant, Lieibniz e Chomsky, como visto anteriormente. A idéia de
que temos acesso privilegiado às sensações e pensamentos internos é refutada como simples
construção – uma ilusão. “Um processo ‘interior’ necessita de critérios exteriores”
(Wittgenstein 1945, # 580):

O argumento central contra linguagens privadas é que, a menos que uma linguagem
seja compartilhada, não existe maneira de distinguir entre usar a linguagem
corretamente e usá-la incorretamente; apenas a comunicação com um outro pode
fornecer uma verificação objetiva. (Rodrigues 2010, p. 25)

A linguagem, como qualquer jogo, é construída na ação cotidiana, nos costumes. As


regras são definidas através da exposição a elas, em um ambiente intersubjetivo. Sem esta
fundamentação social, o sentido não se estabelece. Fica assim, totalmente descartado qualquer
tipo de inatismo. O sujeito é sempre uma construção social.
9

O que denominamos ‘seguir uma regra’ é algo que um homem pudesse fazer apenas
uma vez na vida? – E isto é naturalmente uma anotação sobre a gramática da
expressão ‘seguir a regra’. É impossível que um homem, uma única vez, tenha
seguido uma regra. Não pode ser que uma comunicação tenha sido feita, que uma
ordem tenha sido dada e compreendida uma só vez, etc. – Seguir uma regra, fazer
uma comunicação, dar uma ordem, jogar uma partida de xadrez são costumes (usos,
instituições). Compreender uma frase significa compreender uma linguagem.
Compreender uma linguagem significa dominar uma técnica. (Wittgenstein 1945,
#199)

Pragmática musical

A maior parte dos trabalhos teóricos musicais produzidos no século XX,


principalmente aqueles ligados à composição, recepção e performance é fundamentada em
teorias da reminiscência. Desde a análise Schenkeriana, passando pelos estruturalistas, pelo
conceito de objeto sonoro, e pelas análises formalistas, a opção pelo foco no conteúdo domina
a maneira como o discurso é organizado.

Apenas na década de 1990 começaram a surgir os primeiros movimentos no sentido de


incorporação da herança da virada lingüístico-pragmática em trabalhos teóricos musicais.
Segundo Cram (2009, p. 47), Downes (1994) foi o pioneiro a propor que a pragmática
pudesse ser aplicada não só à linguagem, mas também à música. Cram (Ibid., p. 44) explica a
diferença de foco: “a mensagem contextual específica transmitida por um gesto pragmático
não está codificada no gesto, mas é ‘disparada’ por ele” 8.

A principal crítica que pode ser feita aos modelos reminiscentes é que neles,
considera-se que as ações musicais se justificam e ganham sentido através do conteúdo que
compartilham, conteúdo que constitui a ‘mensagem musical’. Desta forma, um modelo
conexionista se estabelece: a mensagem ‘surge’ na ‘mente’ do compositor, é transferida para
o papel em forma de sinais, que são ‘decodificados’ pelo instrumentista com o ‘auxílio’ do
teórico (aqui, uma das funções mais valorizadas da análise musical). Ao levar a performance
para o palco, o instrumentista transmite, através de sua emissão sonora, a mensagem para o
ouvinte, que reconstrói o sentido imaginado pelo compositor, fechando assim o ciclo

8
“The specific contextual message conveyed by a pragmatic gesture is not coded into the gesture but ‘triggered’
by it”.
10

comunicativo, que eventualmente pode ser estendido pela microfonação e registro em


gravação.

Todo este caminho tem um símile com o modelo taylorista de produção (ver Marochi
2002), no sentido da construção de um produto em etapas especializadas. Ao mesmo tempo,
pressupõe a homogeneidade entre registros de ordens completamente diversas (falas sobre si,
marcas no papel, ar vibrante, indícios emotivos, CD), conseqüência de sua afiliação com a
lógica reminiscente.

O caminho para a construção de um pensamento musical pragmático é a observação


dos vários agentes envolvidos na prática da música, suas ações, seus movimentos, suas
intenções, como o material primário a ser considerado para a avaliação do sentido musical.

Podemos destacar o pensamento do sociólogo Howard Becker (1982) como o que


mais se aproxima de uma abordagem pragmática legítima, uma vez que observa a prática
musical a partir de agentes que interagem dentro de um contexto definido como um ‘Mundo
Artístico’:

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Breve Currículo do Autor

Professor Adjunto (Escola de Música da UFRJ). Doutor em Linguagem e Estruturação


Musical (UNIRIO, 2009). Mestre em Composição (UFRJ 1993). Professor de Harmonia,
Análise e Composição na Escola de Música da UFRJ desde 1993. Artigos: Densidade e
linearidade na configuração de texturas musicais. Anais do IV Colóquio de Pesquisa do
Programa de Pós-Graduação da Escola de Música da UFRJ. Rio de Janeiro: UFRJ, 2003; O
discurso das partições: três pequenas análises. Cadernos do X Colóquio de Pesquisa do
Programa de Pós-Graduação em Música da UNIRIO. Rio de Janeiro: UNIRIO, 2005a;
Partições e música: uma pequena resenha. Anais do XV Congresso da ANPPOM. Rio de
Janeiro: ANPPOM, 2005b; GENTIL-NUNES, Pauxy. Parsemas e o método de Fux. In:
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