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KEYWORDS: Choro; Brazilian popular piano; Choro ensembles; Cristóvão Bastos; Laércio de
Freitas.
* Este artigo é uma adaptação do terceiro capítulo da dissertação de mestrado “Uma Roda de Choro no
piano: Práticas idiomáticas de performance a partir de gravações dos pianistas Cristóvão Bastos e
Laércio de Freitas”, de minha autoria, defendida em 2017 no Programa de Pós-Graduação em Música
da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais (OLIVEIRA, 2017).
** Luísa Camargo Mitre de Oliveira é Mestre em Performance Musical e Bacharel em Música Popular
pela Universidade Federal de Minas Gerais. Desenvolve pesquisa com enfoque nas áreas de: Piano
Brasileiro, Música Popular Brasileira e Choro. E-mail: luisamitre@gmail.com
OLIVEIRA, Luísa Camargo Mitre de. O piano no grupo de choro: outras possibilidades. Música
Popular em Revista, Campinas, ano 6, v. 1, p. 8-30, jan.-jul. 2019.
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O
uso de fonogramas como fonte de pesquisa em performance musical,
particularmente na área da música popular, apresenta-se como um
interessante recurso no estudo de aspectos interpretativos e idiomáticos
relativos às práticas de determinados instrumentistas ou gêneros musicais. A partir
desses registros sonoros, pode-se extrair elementos provenientes de uma
performance “real” gravada, que englobam aspectos diferentes de outros abordados
no registro escrito (partituras). Aliado à escuta dos fonogramas, uma ferramenta
interessante nesse tipo de estudo são as transcrições1 musicais da performance
estudada. Tais recursos podem trazer uma especificidade maior acerca de
sonoridades e modo de tocar (relativo à articulações, tipos de toques e nuances
interpretativas, por exemplo) do performer analisado. Esse tipo de estudo é essencial
aos instrumentistas que pretendem se aprofundar em determinado gênero ou estilo
musical, na busca de uma performance embasada idiomaticamente quanto ao uso do
instrumento e à prática musical estudada.
Neste sentido, o presente trabalho se propõe a abordar aspectos
relacionados à prática do Choro ao piano a partir do estudo de elementos
encontrados em performances de dois pianistas: Cristóvão Bastos e Laércio de
Freitas. Ambos se mostram grandes referências por serem profissionais experientes,
ativamente atuantes no meio chorão e detentores da linguagem do Choro em suas
performances. As performances escolhidas serão analisadas através de transcrições
de gravações ou vídeos de shows/apresentações desses pianistas, em que estes
atuam junto a formações instrumentais variadas2. O objetivo deste estudo é
reconhecer e compreender elementos utilizados por esses pianistas em contextos
coletivos, problematizando-os à luz de práticas musicais do Choro e do idiomatismo
pianístico. Acredita-se que, a partir dessa compreensão, tais elementos poderão ser
(re) elaborados, adaptados e utilizados em performances, arranjos ou composições
por quem se interessar por este estudo. Não se pretende, aqui, estudar as
transcreveu-se somente parte da execução (como a linha do baixo, ou a linha melódica tocada pela
mão direita, por exemplo), omitindo-se algum elemento considerado menos importante no contexto,
logo, não contemplando a execução completa do pianista..
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4 Hércules Gomes (Vitória – ES, 1980- ) é pianista, compositor e arranjador. Vem se destacando
nacionalmente principalmente pelo seu trabalho como pianista solo dedicado ao repertório brasileiro,
apresentando alto nível técnico de execução em suas apresentações e explorando o instrumento de
forma extremamente idiomática. Em seus arranjos e composições, utiliza amplamente os elementos da
música brasileira, especialmente rítmicos, explorando muito bem o caráter percussivo do piano em
gêneros como o Samba, Choro, Frevo, Maracatu, dentre outros. Estudioso da linhagem histórica de
pianistas populares brasileiros, tem como forte influência a linguagem dos pianeiros, e contribui para o
resgate e divulgação dessa sonoridade que foi explorada por compositores/pianistas como Ernesto
Nazareth, Tia Amélia, Radamés Gnattali, dentre outros.
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de TV7. No Exemplo 28, estão representados: a melodia tocada pela flauta e as linhas
melódicas contrapontísticas tocadas pelo piano (não foram transcritas as partes em
que o piano toca a harmonia, esta foi apenas indicada através de cifra). Neste
contraponto tocado pelo pianista, é possível perceber que as frases mais
movimentadas são inseridas nos momentos de notas longas da melodia,
preenchendo os espaços. Assim como no exemplo anterior, as notas das cabeças dos
tempo são notas pertencentes ao acorde, e as frases são construídas de maneira a
alcançar essas notas. É possível perceber uma linha escalar ascendente composta por
essas “notas alvo”, como nos compassos 26 a 29, onde as primeiras notas de cada
compasso são Fá#, Sol#, Lá e Si. Essa pode ter sido tomada como uma “linha
melódica guia” na construção das frases. O pianista varia a forma de tocar as frases
contrapontísticas: ora elas são apresentadas como melodias dobradas entre as duas
mãos (quatro primeiros compassos do exemplo), ora essas frase são tocadas pela mão
direita com acompanhamento harmônico na mão esquerda (segundo sistema do
exemplo), ou ainda apresentadas com um intervalo de terça na mão direita com
dobramento de uma das vozes na mão esquerda (compassos finais do exemplo).
7 Programa Metrópoles, exibido na TV Cultura de São Paulo e disponível no YouTube através do link
https://www.youtube.com/watch?v=5NoX4m_jOK8 (Acesso em 19 de abr. 2017).
8 Correspondente ao “Exemplo Musical 27” do site, disponível em: goo.gl/KjsvQB
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04. No compasso 02, a nota Si bemol, enarmônica de Lá sustenido, soa como a sétima
maior do acorde de Bm(7M), que conduz para a sétima menor do próximo (Bm7) na
forma de uma antecipação. Em seguida, a sexta do acorde Bm6 (nota Lá bemol,
enarmônica de Sol sustenido) conduz para a 3a do próximo acorde (nota Sol), Em7.
Esse pensamento de destacar uma linha melódica “interna” às vozes da harmonia é
frequentemente explorada por este pianista nesta e em outras gravações.Interessante
também notar como o pianista utiliza as possibilidades harmônicas do instrumento,
enriquecendo a textura do contraponto alternando entre linhas monofônicas e outros
trechos em acordes, buscando sonoridades mais “cheias”. Alguns recursos
interpretativos de melodias são também usadas nos contrapontos, como as
apojaturas (compassos 04 e 08) e a flexibilização métrica em relação ao pulso
(compasso 24).
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mais em evidencia e/ou soando mais claro que o normal. (2) Dobramento rítmico: ao
reproduzir a rítmica igual a de outros instrumentos da orquestra, mesmo tendo notas
diferentes, a propriedade percussiva do piano auxilia na sonoridade precisa nos
ataques. Pode-se, ainda, produzir efeitos percussivos com clusters no piano,
aproximando-o do naipe de percussão da orquestra. Esse uso de diversos tipos de
dobramentos pelo piano pode conferir volume ou profundidade sonora aos
elementos, pontuar a melodia, realçar desenhos melódicos ou rítmicos, além de
mesclar seu timbre a outro, podendo criar novas sonoridades. Mesmo que os
exemplos dados pelos autores acima citados tratem do piano no contexto da
orquestra, há evidências do uso dessa abordagem por alguns pianistas junto aos
grupos de Choro. Esses instrumentistas trazem para a performance alguns
conhecimentos que têm na área de arranjo e orquestração, já que muitos trabalham
também como arranjadores e compositores.
O pianista Cristóvão Bastos, em entrevista, ao falar do papel do piano no
grupo completo de Choro, usa uma metáfora associada à atividade de um pintor:
“[...] Você não pode entrar num quadro e sujar a cor do pintor... Você tem que chegar
lá para ajudar no colorido...” (BASTOS, 2016). Cristóvão Bastos ressalta aqui a
importância do cuidado ao se inserir elementos, de forma a não “sujar" a sonoridade
resultante do grupo. É reconhecível, na prática desse pianista, a capacidade de
utilizar o piano para realçar elementos rítmicos ou melódicos e timbres de outros
instrumentos presentes. Portanto, o ato de “ajudar no colorido” pode se referir, em
muitos momentos, ao enriquecimento timbrístico através do uso do piano dobrando
outros instrumentos do grupo, de diversas maneiras.
Em entrevista, Laércio de Freitas também se refere a esse recurso, ao falar
das possibilidades do piano junto ao grupo: “[...] Algumas vezes se dobra. Não com a
flauta, oitava abaixo... Timbrística, né?” (FREITAS, 2016). Também é possível
identificar, em performances e gravações deste pianista, o uso do piano sob esse
aspecto de recurso timbrístico junto ao grupo de Choro.
Abaixo, alguns exemplos de como esses pianistas utilizaram o piano sob
essa ótica.
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[…] Eu estou criando um harmônico artificial, estou fazendo uma 12ª. Essa
nota faz o instrumento ter um outro timbre e você não escuta a 5ª que eu
estou fazendo…. Buscando timbres. Você pode usar o piano pra fazer isso. E
o piano não só aparece, como você tem a impressão de que botaram um
instrumento novo, porque isso aqui não é um piano mais, né?[…]. (BASTOS,
2016)
Nesse depoimento, Bastos cita duas funções (ou consequências) desse tipo
de recurso: a primeira seria o destaque do elemento tocado, fazendo-o ser ouvido
mesmo em meio a grupos grandes (com muitos instrumentos tocando), o que pode
ser interessante para o pianista numa performance junto a um grupo de Choro no
formato do regional, por exemplo. A segunda função seria a criação de um timbre
distinto do tradicionalmente utilizado na execução de melodias pianísticas, fazendo
com que o piano soe como “um instrumento novo”, recurso que pode ser utilizado
como um elemento de variação na interpretação melódica pelo piano.
Ainda sobre o uso dos dobramentos no piano como forma de realçar o
instrumento em meio ao grupo, Bastos acrescenta:
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Ex. 5: Trecho de Um choro pro Valdir (Cristóvão Bastos e Paulinho da Viola), onde piano e
cavaquinho dobram a melodia.
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Conclusões
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Bibliografia
CLÍMACO, Magda de Miranda. Alegres dias chorões: o Choro como expressão musical
no cotidiano de Brasília anos 1960 – tempo presente. Tese (Doutorado em História) –
UnB, Brasília, 2008.
______. São Paulo no Balanço do Choro - ao nosso amigo Esmê. Eldorado, 1980. LP.
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OLIVEIRA, Luísa Camargo Mitre de. Uma Roda de Choro no piano: Práticas
idiomáticas de performance a partir de gravações dos pianistas Cristóvão Bastos e
Laércio de Freitas. 2017. Dissertação (Mestrado em Música) – Programa de Pós-
Graduação em Música, UFMG, Belo Horizonte, 2017.
Referências fonográficas
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