Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
in: Be.rwrrer rflwao mbre rr. nn<ln<lri,<Jadi.Açiur Jo col&),,ro /,,irriioctorml (I'rio, 18-20 de Nmmhm, 1996) Mrtia JaF
Cuntirlu-Jose Fnncirco Mcitinhor ( c w r d . ) . Edi@o dr Fundailo Eng. Anldnio de Almtida. Pono. 1998: PP. 437-445.
438 ANA MARIA BARROS DE BRITO
particular (...) É ejèctivan~entecoisa digna de nota qire não haja homens tão
embrirtecidos e tão esfiipidos, sem exceptz~aros próprios de~nentes,qrre não
sejam capazes de combinar diversas palavras e de compor com elas irm dis-
cirrso, por meio do qual consigam exprimir os setrs pensamentos. Ao contrá-
rio, nenhum otrtro anintal existe, por mais petfeito que possa ser o11 bem
engendrado, que consiga fazer semelhante coisa». (pp. 112-1 14) (itálicos
meus). A citação anterior condensa o pensamento de Descartes sobre a lin-
guagem: o homem é dotado de «razão», «de conhecimento)) e isso permite-
-lhe combinar as palavras para exprimir pensamentos, independentemente do
grau de inteligência.
Esta concepção é de uma grande actualidade; mas, simultaneamente, ela
motivou e continua a motivar algumas perguntas cruciais. Qual a relação entre
linguagem e mente? Em que medida a realidade exterior intervém no processo
de aquisição de conhecimentos e em particular no conhecimento linguistico?
No século XX podemos colocar ainda novas questões: Em que é que consiste
a faculdade da linguagem? Como é que se adquire essa faculdade? A facul-
dade de falar é diferente de outras faculdades no modo como é adquirida, no
modo como funciona o cérebro? Pensar é um tipo de linguagem? A mente é
igual ao cérebro?
A estas velhas e novas perguntas, diferentes respostas têm sido dadas no
interior da filosofia, da linguística e de outras ciências cognitivas, em parti-
cular na psicologia do desenvolvimento, na psicologia cognitiva, na psicolin-
guística, na neurolinguistica.
Antes de expor o modo como a linguística moderna pensa algumas des-
tas questões, recuemos um pouco no tempo até aos anos 50 do nosso século.
Como é sabido, nos anos 50 era dominante em psicologia o
Behaviourismo, que fornecia uma explicação essencialmente comportamental
da actividade linguística e da sua aquisição. Por sua vez, a linguística estru-
turalista norte-americana estudava discursos concretos e amostras represen-
tativas das línguas com o objectivo de captar as grandes regularidades, inven-
tariar as unidades linguisticas a vários niveis (fonológico, morfológico e
sintáctico) e classificá-las. A este estado de coisas opuseram-se vários espe-
cialistas oriundos quer das teorias da informação quer da linguística, em par-
ticular Noam Chomsky, que propôs uma interpretação cognitiva da teoria lin-
guística.
Há precisamente 30 anos, Chomsky publicava um livro a que dava o
nome de ((Cartesian Linguistics)), em que, além de analisar com detalhe
os textos de Descartes, sugeria a existência de uma tradição linguística nos
séculos XVII e XVIII, de influência cartesiana. Como tem sido apontado e
como o próprio Chomsky reconhece, por ((linguística cartesiana)) não se deve
entender uma corrente linguística propriamente dita mas «uma constelação de
DESCARTES E A LINGU~STICA
CONTEMPORÂNEA 439
Sobre outns teorias não modulares tanto ao nivel da aquisição da linguagem como
do processamento, ver FARIA1996, p. 46 e DELGADO-MARTMS 1996 e referências biblio-
graticas ai apresentadas.
442 ANA MARIA BARROS DE BRiTO
Sobre a teoria de Piaget e seu confronto com a teoria chomskiana ver, alem de
PIATTELLI-PALMAWNI 1979, PINTO 1988, pp. 8-1 1.
'
Esta e as outras traduqòes que se seguem são da minha responsabilidade.
DESCARTES E A LINGU~STICACONTEMPORÁNEA 443
de que Descartes não podia dispor no seu tempo, continuamos a ter muitas
dúvidas e muitas perguntas a que ainda não sabemos dar resposta. O único
caminho é a procura, a investigação. E termino com palavras d e Descartes e
que o autor inclui n a parte 6." d o Discurso do Método: «Para se atingir o
objectivo [de compreender a Natureza] não conheço outro expediente que não
seja o de procurar, de novo, outras experiências [...I o pouco que aprendi até
agora não é quase nada e m comparação com o que ignoro e com o que não
perdi as esperanças d e poder vir a aprender)). (pp. 122-123).
Bibliografia
CARSTON, R., aLanguage and cognitionn, in NEWMEYER, F. I. (org.), 1988, pp. 38-68.
CHOMSKY, N. Aspecrr of tlre Theory of Synlax, MIT Press, Cambridge, 1965.
CHOMSKY, N., Carfesian Liiiguistics. A Chaprer in lhe History o/ Rationalisl Thor<ght,
HAWER& ROWPublishers, Nova lorque, 1966.
CHOMSKY, N., Knowledge of Language, 11s natu~e,origin ond use, Praeger, Nova lorque,
1986.
CHOMSKY, N., Language and Problei~sof Knoxledge. 7'he Managtra Lectures, The MIT
Press, Cambridge, Mass., 1988.
CHOMSKY, N., «Mental Constmctions and Social Realityn, in REULAND, E. & ABRAHAM, W.
(orgs.), 1993, pp. 29-58.
DAMASIO, A. R., O erro de Descartes. Einoçrío. razüo e cérebro huitrano. Publicaç3es
Europa-América, Lisboa, 1995, 7." edição.
DELGADO-MARTINS, M. R., ~Representaç8esda linguagem verbal*, in FARIA,I. H. et alii
(orgs.), 1996, pp. 85-102.
DESCARTES, R., Disco~trsde Ia Méthode; trad. poituguesa, Porto Editora, Porto, s.d..
FARIA,I. H., «Linguagem verbal: aspectos biológicos e cognitivosn, in FARIA,I. H. et alii
(orgs.), 1996, pp. 35-55.
FARIA,I. H. et alii (orgs.), Inrroduçüo ò Iingrristica geral e portuguesa, Caminho, Lisboa,
1996.
GUTTENPLAN, S. (ed.), A Compnion to lhe Philosophy ofinind, Blackwell, 1994.
MEHLER, I., ~Psychologieet psycholinguistiqueii, in PIATTELLI-PALMAR~I, P. (org.), 1979,
pp. 483-497.
NEWMEYER, F. J. (org.), Linguistics: The Cambridge Survey, vol. 111, Cambridge University
Press, Cambridge, 1988.
PIAGET,I., Biologie e1 connoissance, Idées / Gallimard, Paris, 1967.
PIAGET,J., «La psychogenèse des co~aissanceset sa signification épistérnologique~,in
PIATTELLI-PALMARINI, P., 1979% pp. 53-64.
PIAGET,J. , ((Remarques intmductivesa, in PIATTELLI-PALMARMI, P., 19794 pp. 95-100.
PIAOET,1. & B. INHELOER, La psychologie de I'enfant, Col. Que sais-je? P.U.F., Paris, 1966.
PIATTELLI-PALMARINI, P.(org.), Théories du langage. Théories de l'apprentissage. Le débar
entre Jean Piager e1 Noain Cho>ns& Seuil, Paris, 1979a.
PIATTELLI-PALMARINI, in PIATTELLI-PALMARINI,
P., ~lntrod~ction)), P. (org.), 19794 pp. 19-48.
DESCARTES E A LINGU~STICA
CONTEMPORÂNEA 445