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Os sopros dos anjos Dee, s6 vi um perfil na minha lateral, quase uma sombra do lado direito do meu ouvido. De sua imagem, sé me lembro de um homem magro, moreno, alto, talvez de meia-idade, quem sabe grisalho? Mas 0 que guardo até hoje, depois de 14 anos, 7 meses e 13 dias, é a sua voz e o seu aperto firme em minha mio trémula antes que tudo sumisse a0 meu redor. Sob luzes fortes que piscavam sem parar, cheiros, barulhos e sussurros metalicos, sentia um frio muito grande, um cansa¢o descomunal e pensamentos confusos, mas a sua voz macia dizia coisas ternas ao meu ouvido, enquanto meus proximos minutos e toda a vida dai por diante eram incertos. Estava gravida pela primeira vez. Aos 31 anos, recém-casada apés longo namoro. Crianca planejada e desejada. Uma menina - a Maria que planejei e que me deram em um sonho enigmatico estava a caminho. Ninho pronto, construido com 0 mesmo zelo de um joao-de-barro que prepara tudo antes de a sua cria romper a casca do ovo. Sinais ruins. Inchago incomum, dores de cabeca, pressao alta que eu nunca tivera, nuvens de agouro que tinham medo de se anunciar no meu firmamento 0 que podia ser. Decidiram pelo meu internamento apoés varios exames e consultas. O olhar atento da irma enfermeira e gravida como eu foi decisivo. Varias vozes de esperanga no percurso, familia em sofrimento, s6 um cardiologista - talvez o mais longe das coisas do cora¢do - teve coragem de dizer a sentenga que se confirmaria cerca de um més depois: — Em casos como 0 seu, a prioridade é salvar a mae. Um més em um quarto de hospital com vistas para uma obra inacabada e barulhenta na qual via os lances de uma Copa do Mundo perdida em uma pequena TV, enquanto minha vida estava em jogo. Tao distante 19 estava daquele mundo de bonecas que estava aa, no Quartinh, dela. Dores, negativas e um quadro que a agravava a cada di, it tentativa de ganhar tempo para eT nt a enquatn eu ou chorinhos de bebé que vinham do corre: " 4 a eira chuve, 5 de julho de 2006, decidiram que, devido “0 a 0 so, era hora ay parto, mesmo nao sendo a hora do parto, muito longe daquele finay 3 setembro circulado no calendario da cozinha. Ena sala de cirurgia, tomada de angustia e s6 ansiando que tudo acabasse logo porque eu ja nao sabia mais rezar, aquele homem, Para a equipe, um anestesista em seu plantao; para mim, um anjo que soprava um hino de paz em meus ouvidos, dizia devagarzinho que tudo aquilo Passaria, E quando decidiram pela sedagao, eu ainda o ouvi: — Eu estou aqui! E cantarolava baixinho um solfejo lindo como se fosse uma lira tocando no céu para mim e para aquele anjinho de vida fugaz. a5 DISTANTE ies ore oats DEPQIS “bros CRIANCAS Rio @™* UNDO OLHAR ae. zexGRANDE Tupo ~ genau | DOR MUI ES RIOT TINTAS GRANDE. cHtiro MESMO DORES ostaNte MNTAS: CAMINHO = exec EMBRO Vb OLAAR vt “AINDA AIND Ao? rete A TUDO “““DEPOIS | Cann 4 A. RIO AINA JO Chaneae AINA en multe es Alana Freitas EI Fahl me disseram aos mons professores que ee sus amigo — “Vem por aqui’ —e— Os sopros dos anjos Sem olhar para tras Caro Joaquim Maria, Alhures —e— Sou professora de Literatura Portuguesa e Brasileira na Universidade Estadual de Feira de Santana, cidade onde vivo desde que nasci, em 04/03/1975. Sou apaixonada por narrativas, novelas, filmes € por uma boa prosa fiada acompanhada de café com bolo. Mae do Miguel, esposa do Michel. Criadora do Blog Entretelas e do @entretelasblog; autora dos livros de crénicas Nos que apagamos a lua (2018) e Pespontos (2021). E-mail: alanafreitasfahI@gmail.com

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