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A visão estruturalista começa com a constatação de que o todo é mais do que a soma de
suas partes. Dito em outros termos, um conjunto individualizado, seja um grupo social, a
mente humana, a língua falada etc. é uma estrutura com características próprias e que em
muito excede as de suas partes consideradas em particular ou mesmo em conjunto. A
diferença entre a visão estruturalista e a visão mecanicista é a ênfase colocada nos
elementos estruturantes, e não nas partes componentes. Para entender bem a posição dos
estruturalistas, falemos de um argumento clássico: uma melodia. Esta é composta de notas
musicais, mas o estudo isolado dessas
notas, por mais acurado que seja, não
esclarece nada sobre a melodia. É o estudo
do conjunto e de seus elementos
estruturantes, das sequências, das ênfases,
das posições relativas das notas entre si,
que vão permitir o entendimento dessa
melodia.
Estruturalismo
De uma maneira mais restrita, porém,
quando falamos de estruturalismo nos
referimos à vertente dominante do
pensamento acadêmico francês, sobretudo
nos anos de 1960 e 1970, que têm como
nomes mais importantes Claude Lévi-
Strauss, Louis Althusser, Michel Foucault,
Desconstrução do ponto de vista
Roland Barthes e Jacques Lacan. O ponto de partida do que poderemos chamar, mais do
que um método, uma corrente filosófica, que viria a substituir nos meios acadêmicos a
hegemonia do existencialismo de Jean Paul Sartre, é a obra de Ferdinand de Saussure.
Pós-estruturalismo e arquitetura
Chamamos de pós-estruturalismo
a corrente de pensamento ligada
atavicamente ao estruturalismo e
empreendida por pensadores
formados sob as ideias que
acabamos de expor, mas que se
adiantam sobre elas. Correndo o
risco da imprecisão que costuma
ladear as simplificações, diremos O Ateneu, New Harmony, Indiana, Estados
que o estruturalismo preocupa-se Unidos, 1978-9, Richard Méier; e o conjunto
em estabelecer os padrões da residencial IBA, Berlim, 1987-94, Zaha Hadid
análise estrutural, e falamos de - exemplos de desconstrução dos eixos
pós-estruturalismo quando os cartesianos
temas são ampliados e o método
estrutural começa a ser flexibilizado e a abranger a cultura do século 20
como um todo, e seus conceitos estruturantes - a maior parte advinda
do pensamento iluminista - são revisitados e desconstruídos, para usar
um termo tipicamente pós-estruturalista criado por Jacques Derrida.
O Ateneu, New Harmony, Indiana, Estados Unidos, 1978-9, Richard Méier; e o conjunto
residencial IBA, Berlim, 1987-94, Zaha Hadid - exemplos de desconstrução dos eixos
cartesianos
O "ponto-de-vista"
Os eixos ortogonais
A geometria analítica parte do
método cartesiano (1637)
procurando localizar os pontos
objetivos no espaço por meio de
três eixos coordenados,
ortogonais entre si.
Independentemente de sua
operatividade, representa,
talvez, a mais forte referência do
projeto iluminista. Ela nos traz
não somente a figura de um Desenho de Van Doesburg sobre a Casa
instrumento matemático capaz Schröeder, 1924, e vista interna da obra de
de operar com figuras Gerrit Rietveld em Utrecht, Holanda, 1924 - o
geométricas pela álgebra, mas triedro mongeano representado na arquitetura
também todo o esforço de
reduzir o conhecimento à res extensa, àquilo que se pode medir.
Descartes, com sua obra, foi um dos pontos de partida do racionalismo
moderno. Os eixos ortogonais são uma referência poderosa, e
raramente uma planta de edifício não ostenta essa ortogonalidade,
muitas vezes explícita e intencional, mas na maioria dos casos um
conceito estruturante apenas implícito, talvez o mais forte dos conceitos
estruturantes do mundo moderno utilizado nos projetos arquitetônicos.
Talvez por isso mesmo, foi dos primeiros conceitos a ser atacado pelo
projeto pós-estruturalista arquitetônico. Antes mesmo, já na primeira
década do século 20, os artistas suprematistas, em oposição aos
neoplasticistas (que aceitavam no seu mundo ideal o espaço figurativo
regido pelos eixos ortogonais), propunham um espaço pictórico em que
os objetos não seriam regidos por eixos coordenados, mas flutuariam no
espaço. Os suprematistas são uma forte referência de muitos arquitetos
desconstrutivistas como Rem Koolhaas e Zaha Hadid.
O triedro mongeano
A geometria descritiva, criada por
Gaspard Monge e instrumento de
trabalho mais utilizado pelos arquitetos
desde sua criação no final do século 18,
tornou possível a expansão da
maquinaria na revolução industrial e
contribuiu para o aperfeiçoamento das
técnicas de projeto de edifícios. A partir
de então, o projeto passou a ser
completamente previsível, podendo ser
visto de todos os ângulos, em vistas e
seções, e elaborado com maior
perfeição. O triedro mongeano, três
planos hipotéticos, ortogonais entre si, Wohl Center, Ramat-Gan, Israel, 2005,
formam a base do sistema projetivo Daniel Libeskind - a desconstrução do
arquitetônico desde a sua criação. tiedro mongeano
Porém esse sistema não é apenas a
base utilizada pelos arquitetos para projetar; permanecem
representados no projeto, nas paredes e lajes de piso, como uma
referência não somente ao sistema utilizado na projetação, mas
trazendo à memória a cultura napoleônica, da revolução industrial, do
mundo neoclássico, enfim do desenvolvimento final oitocentista do
grande projeto moderno maquinista que ajudou a construir.
"...cubos, cones, esferas, cilindros ou pirâmides são as grandes formas primárias que a luz
revela vantajosamente... estas são formas belas, as mais belas formas".
Veja-se como exemplo a Villa Savoye de Le Corbusier. Rejeitar as figuras puras como
princípio projetual é rejeitar o próprio conceito de inatismo de Descartes, na busca da
representação de um mundo não "racionalista", mas quem sabe mais humano e racional.
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Sílvio Colin é arquiteto formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro
em 1970, mestre em arquitetura pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da FAU-UFRJ e cursa atualmente
doutorado no mesmo programa. Leciona no departamento de projeto de arquitetura da FAU-UFRJ. É autor dos livros
Uma introdução à arquitetura (2000) e Pós-modernismo: repensando a arquitetura(2004), ambos da editora Uapê, Rio de Janeiro.