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A ÁGUA URBANA - REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NA CIDADE

AUTORA: BEATRIZ FAGUNDES


Mestranda do Programa de Pós-graduação em Geografia:
Universidade Federal do Paraná - UFPR
beafagundes@yahoo.com.br
RESUMO

Este artigo aborda um breve histórico da Teoria das Representações


Sociais, criada pelo psicólogo social Serge Moscovici, trazendo uma pequena reflexão
sobre o seu conceito, discutido por diversos autores. Nosso objetivo, mais do que
apresentar um conceito definitivo de Representação Social é ressaltar a sua importância no
estudo das relações que os grupos sociais estabelecem com seus espaços refletindo na
organização espacial, principalmente, em relação às águas (lagos, rios, córregos, pântanos e
outras águas) decorrentes do processo de urbanização.

PALAVRAS-CHAVE: representações sociais, produção do espaço, águas urbanas.

ABSTRACT

This article approaches an abbreviation report of the Theory of the


Social Representations, created by the social psychologist Serge Moscovici, bringing a
small reflection on your concept, discussed by several authors. In that article, our objective,
more than to present a definitive concept of Social Representation is to point out your
importance in the study of the relationships that the social groups establish with your
spaces contemplating in the space organization, mainly, in relation to the waters (lakes,
rivers, streams, swamps and other waters) current of the urbanization process.

KEY-WORDS: social representations, production of the space, urban waters.


INTRODUÇÃO

A água determina a vida humana fundamentalmente. No fundo, somos


todos de água. Por isso, o uso de água na vida social é a participação num ciclo ecológico
que permeia não apenas os nossos próprios corpos, mas também os corpos de todos os
outros seres vivos como também a paisagem e a atmosfera. Nesta perspectiva, a água é
mais do que um recurso é um bem essencial em termos ecológicos e um patrimônio em
termos culturais; nele está embutido um conjunto de valores que dizem respeito às mais
diversas dimensões da vida, como o biológico, o econômico, o simbólico, o sagrado, o
lúdico, e outros.
Queremos chamar atenção para este valor vital da água. Como o ser
humano é tanto biológico como social, gostaríamos ressaltar sua importância na interação
dos agentes sociais, principalmente nos espaços onde as relações com as águas parecem
menos visíveis, como no espaço urbano. Procuramos desvendar e interpretar de que forma
os sujeitos interagem com este “recurso” dito natural, através de suas reflexões e interações
e como eles organizam, tanto mental como fisicamente, a disponibilidade ou não deste
recurso. Gostaríamos ainda saber como a água influencia nas atitudes e conhecimentos das
pessoas para finalmente compreender o comportamento e o agir para com este elemento
fundamental da vida terrestre.
O objetivo de compreender a percepção da água no meio das relações
sociais é, a nosso ver, possível através da Teoria das Representações Sociais
(MOSCOVICI, 2003; FÉLONNEAU, 2003). Este campo de investigação nos parece uma
poderosa ferramenta para interpretar tais condutas, tanto positivas como também
agressivas, basicamente para entender-se a territorialização em relação à organização do
espaço. Em relação às águas urbanas, esperamos que tal abordagem possa ajudar na
proteção dos recursos naturais e contribuir na elaboração de ambientes que ofereçam uma
melhor qualidade de vida para a população.
Baseado nesta intenção, a primeira parte deste artigo traz um breve
histórico da Teoria das Representações Sociais, proposta pelo psicólogo social Serge
Moscovici (2003), inclusive com contribuições de outros autores, para compreender como
um recurso natural, como a água, pode ser entendido como conceito nas relações sociais.
Conseqüentemente, na segunda parte, aplicamos estas reflexões teóricas ao estudo da
produção social do espaço da água, dando ênfase principalmente às águas urbanas.

A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

A Teoria das Representações Sociais foi desenvolvida pelo psicólogo


social Serge Moscovici1. Essa teoria, de origem européia e desenvolvida durante os anos
1960 quando abordagens lingüísticas tornaram-se mais importantes na pesquisa das
relações sociais (linguistic turn), pode ser uma referência para os estudos em psicologia
social, do comportamento e das relações sociais. “Estudar a difusão dos saberes, a relação
pensamento/comunicação e a gênese do senso comum constituía elementos de um
programa que se tornou familiar” (MOSCOVICI, apud JODELET, 2001, p. 45). Desde
então, as demais ciências sociais vêm incorporando esta teoria em seus estudos. Em
conseqüência disso, ela surge como um campo multidimensional, possibilitando questionar
a natureza do conhecimento e a relação indivíduo-sociedade.
Segundo Alexandre (2004, p. 130), Moscovici

[...] definiu a Psicologia Social como a ciência do conflito entre o indivíduo e a


sociedade. O indivíduo só existe dentro da rede social e toda sociedade é
resultado da interação de milhares de indivíduos [...] o fundamental no estudo
da Psicologia Social é o que ela tem de original, que é questionar a separação
entre o individual e o coletivo, contestando a dualidade entre o psíquico e o
social, sem deixar de compreende-los como campos interdependentes.

1
Romeno naturalizado francês, autor da obra La Psychanalyse: Son image e son public, um estudo sobre a
representação social da psicanálise, primeiramente publicado na França em 1961, com segunda edição,
bastante revisada em 1976 (MOSCOVICI, 2003).
Essa divisão entre o individual e o coletivo2, foi objeto de reflexão,
inicialmente, do sociólogo francês Émile Durkheim, que levantou a necessidade de estudar
os “fatos sociais cientificamente” (OLIVEIRA, 1998-99, p. 173).
Émile Durkheim, ao propor tal divisão procurava dar conta de um todo,
mas se fundamentava em uma concepção de que as regras que comandam a vida individual
(representações individuais – objeto da psicologia) não são as mesmas que regem a vida
coletiva (representações coletivas – objeto da sociologia). Foram estas últimas que deram
origem à criação do termo de Representações Sociais por Moscovici3.
Segundo Alexandre (2004), Durkheim estudava religião, magia e
pensamento mítico, ou seja, representações duradouras, tradicionais, ligadas à cultura, e
também às experiências individuais, tudo que uma sociedade acumulou de sabedoria e
ciência ao passar dos anos e que seriam transmitidas lentamente por gerações. Para
Durkheim, esses fenômenos são coletivos porque são produtos de uma comunidade, ou de
um povo - assim como uma língua, uma religião não pode ser inventada por um indivíduo e
sim tem que ser criada a partir de interações entre indivíduos.
De acordo com Sá (1995), Moscovici, ao contrário de Durkheim, que
estudava as sociedades tradicionais, focaliza as sociedades modernas e “[...] as mudanças
que as ciências oficiais, religiões, e ideologias, devem passar a fim de penetrar na vida
cotidiana e se tornar parte da realidade comum” (p. 22), tornando-se representações sociais.
Contudo, essas representações modernas também apresentam certa duração e, assim,
podemos considera-las como “arcaicas – resíduos do acervo cumulativo das produções
culturais inscritas no imaginário social” (SPINK, 1995, p. 102). Mas, diferentemente das
representações coletivas de Durkheim, as estudadas por Moscovici também podem ser do
tipo “representações novas” que são “produtos do encontro cotidiano com a ciência que
circula através dos meios de comunicação” (p. 102). Assim, Moscovici é considerado um

2
Sobre esta divisão entre o individual e o coletivo, Robert M. Farr (1995) faz um estudo detalhado em seu
artigo Representações sociais: a teoria e sua história, na obra O conhecimento no cotidiano: As
representações sociais na perspectiva da psicologia social, no qual desenvolve toda uma pré-história da Teoria
das Representações Sociais.
3
Para Moscovici (apud GUARESCHI ; JOVCHELOVITCH, 1995), o conceito de Representação Social tem
origem na Sociologia e na Antropologia, através de Durkheim e Lévi-Bruhl. Também contribuíram para a
criação da Teoria das Representações Sociais, a Teoria da Linguagem de Saussure, a Teoria das
Representações Infantis de Piaget e a Teoria do Desenvolvimento Cultural de Vigotsky.
dos principais representantes de uma psicologia coletiva constituindo-se referência para
todos que trabalham neste campo.
Mas, ao analisarmos as obras deste autor, verificamos que o conceito das
representações sociais utilizado, não é preciso. Sobre isso, Alexandre (2004, p. 135) afirma
que:

Diversos autores, que a ela [à teoria das representações sociais] se referem,


citam trechos diferentes da obra de Moscovici para justificar e apoiar suas
idéias ou então para fundamentar críticas dirigidas à teoria das representações.
Assim, a complexidade, a abrangência e ausência de consenso, ao redor do
conceito de representação social, facilitam críticas e oposição às formulações
teóricas que buscam fundamentá-la.

A partir do que nos adverte esse autor, procuramos, a partir da leitura das
obras de diversos autores4 e do próprio MOSCOVICI (2003), apresentar, não um conceito,
mas o nosso entendimento, através destas contribuições de Representações Sociais. Enfim,
as Representações Sociais se apresentam como a gama de todas as formas de
conhecimento, ligado a imagens, conceitos, categorias e teorias, elaborados por indivíduos
que pensam a partir do senso comum, “não sozinhos”, embutidos em processos de
comunicação no cotidiano das relações sociais. Estes conhecimentos não se reduzem
apenas aos elementos cognitivos, mas que, compartilhados, contribuem para a construção
de uma realidade comum. Assim, as Representações Sociais constituem-se em um
fenômeno social que têm de ser entendido a partir do seu contexto de produção, do
interagir, isto é, a partir das funções simbólicas e ideológicas a que servem e das formas de
comunicação onde circulam.

4
FARR, 1995 (principal divulgador da perspectiva renovadora de Moscovici na comunidade científica de
língua inglesa); FÉLONNEAU, 2003; GIL FILHO, 2005; GUARESCHI, 1995; JODELET, 2001(principal
colaboradora e continuadora do trabalho de Moscovici); JOVCHELOVITCH, 1995, 2000; LANE, 1995; SÁ,
1995; SAWAIA, 1995; SPINK, 1995.
A IMPORTÂNCIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NO ESTUDO DA
PRODUÇÃO DO ESPAÇO AQUÁTICO URBANO

Nesse artigo, nosso objetivo é apresentar um conceito de Representação


Social que ressalta as formas de interação com a água. Isto revela a importância do estudo
das rel(-)ações que os grupos sociais estabelecem para com os seus espaços, refletindo na
sua produção e reprodução. Estes espaços, como afirma Félonneau (2003), são compostos
de atos/episódios materiais e simbólicos onde a análise integra os elementos subjetivos e
objetivos e onde seus ocupantes transformam, em conjunto, os elementos naturais e
materiais em um panorama simbolicamente significativo.
Com efeito, não é apenas saber como as pessoas vivem neste ambiente,
mas também como estabelecem nele as suas relações simbólicas; interpretar este mundo
vivido significa relacionar o simbólico com o pragmático das pessoas e dos grupos. A partir
das representações sociais, é possível de investigar o processo da “re-presentação” no seu
cotidiano, a interação com seus espaços. Difundem-se, desta maneira, não apenas crenças,
imagens, ideologias que interpretam e simbolizam o mundo material, mas também
produzem-se signos e territorialidades concretas que fundam lugares plenos de significados.
O nosso foco de pesquisa é o ambiente urbano e o nosso objetivo
principal é desvendar e interpretar as transformações das representações que os sujeitos
sociais têm em relação às águas (lagos, rios, córregos, pântanos e outras águas) decorrentes
do processo de urbanização.
Portanto, compreender quais as representações sociais que as pessoas
possuem das águas, torna-se relevante quando se analisa a forma da paisagem urbana onde
se reproduzem os conceitos cotidianos, as representações sociais, relacionando o rio a
outros efeitos da vivência, por exemplo, quando os rios tornam-se locais de poluição, de
mau cheiro, de acúmulo de lixo, de despejo de esgoto ou áreas de lazer. Também, a questão
sanitária e de alimentação cabe neste contexto, no momento em que a organização ou
desorganização (voluntária e involuntária) do espaço urbano traz conseqüências para as
águas utilizadas para beber, cozinhar, lavar, higienizar, lazer etc.
A cidade é lugar da modernidade, do progresso da artificialidade, e os
rios, muitas vezes, não são vistos como um elemento integrado na sua planta. Portanto,
exclui-se a natureza da idéia cultural da cidade. A "não-existência" dessa visão ecológica é
também uma representação social e acaba justificando, entre outras coisas, práticas do
poder público de canalização dos rios, aterramento de áreas alagadas, retirando as águas das
vistas da sociedade, sem encontrar resistência.
Se levarmos em consideração o papel que a água desempenha nas mais
variadas culturas humanas, nas cosmogonias, nas artes, nas literaturas, nas músicas, na
política, no poder e na própria filosofia, as transformações dos conceitos das representações
sociais têm um papel fundamental na reformulação do espaço; não destroem somente o
“recurso natural”, mas também, em alguns casos, o patrimônio psíquico que o imaginário
da água tem produzido ao longo da história da humanidade (BRUNI, 1994).
A introdução do estudo das representações sociais para entender a
organização do espaço contribui, em muito, para compreender e explicar a realidade
ambiental e os comportamentos sociais e sócio-espaciais. Para Moscovici (2003), a
representação social é uma preparação para a ação, tanto por conduzir o comportamento,
como por modificar e reconstituir os elementos do meio ambiente. Para ele, o ser humano é
um ser pensante que formula questões e busca respostas e, ao mesmo tempo, compartilha
realidades por ele representadas (ALEXANDRE, 2004). Com esta visão, Moscovici
assinala que também os recursos naturais, como a água, representam uma concepção do
social.
Este estudo aplica o conceito das representações sociais na intenção de
oferecer potencialidades de entender, como – através de uma perspectiva acionista – as
simbologias se concretizam na inter-ação dos sujeitos com seu ambiente físico, pois, como
afirma Félonneau (2003), hoje os problemas ambientais surgem em muito como
reveladores da falta de diálogo entre os agentes sociais na organização do espaço como
também por falta de diálogo entre atores e recursos e até por falta de compreensão do
próprio sistema ecológico. Então, é “essencial integrar diretamente este tipo de abordagem
na concepção de programas de sensibilização à segurança, à proteção dos recursos naturais
ou ainda à preservação das regras mínimas de civilidade” (p. 175).
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