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Paidéia, 2004, 14 (28), 125 -137

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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS, RELAÇÕES INTERGRUPAIS


E COGNIÇÃO SOCIAL1
Rosa Cabecinhas2
Universidade do Minho - Portugal
“O pensamento é por natureza comunicativo.
Considerar o pensamento na cabeça de um só é
privá-lo de tudo o que o torna vivo e importante
para as pessoas”.

Serge Moscovici
(Expresso, 25 de Janeiro de 1992)

Resumo: Pretendemos com este artigo ilustrar as potencialidades do estudo das representações sociais
em articulação com outras áreas da psicologia social, nomeadamente com as teorias das relações intergrupais
e os conceitos da cognição social. Começamos por fazer referência aos principais aspectos estudados no
âmbito da teoria das representações sociais: o seu conceito, a sua formação, a sua estrutura, e as funções.
Seguidamente, ilustramos os pontos de convergência e de divergência com a cognição social e salientamos o
papel das relações intergrupais na formação e transformação das representações sociais. Finalizamos referin-
do algumas das críticas de que tem sido alvo esta área de estudo no âmbito da psicologia social e de que forma
estas têm vindo a ser colmatadas.

Palavras-chave: representação social; potencialidades; críticas.

SOCIAL REPRESENTATIONS, INTERGRUPAL RELATIONSHIPS AND SOCIAL COGNITION

Abstract: This article aims to illustrate the potential of the study of social representations in articulation
with other areas of social psychology, namely the theories of intergroup relations and some concepts from the
field of social cognition. Firstly, we review the main aspects of the theory of social representations: the concept,
the process of construction of social representation, their structure and functions. Then, we discuss points of
convergence and divergence in relation to the field of social cognition and emphasize the role of intergroup
relations in the construction and transformation of social representations. Finally, we point out some of the
criticisms that this field of study has faced within the domain of social psychology and the ways in which
researchers have tried to overcome these criticisms.

Key-words:social representations; potencialities; critics.

Pretendemos com este artigo ilustrar as “pais fundadores da psicologia social europeia”
potencialidades do estudo das representações soci- (Jesuíno, 1993, p.54), publicou em 1961 a obra La
ais em articulação com outras áreas da psicologia Psychanalyse, son Image et son Publique, inaugu-
social, nomeadamente, com as teorias das relações rando um novo campo na psicologia social: o estudo
intergrupais e alguns conceitos da cognição social. das representações sociais. Esta obra lançou uma pro-
Serge Moscovici, considerado como um dos blemática específica - como é que o conhecimento
1
Artigo recebido para publicação em 09/02/2004; aceito em 15/05/2004. científico é consumido, transformado e utilizado pelo
2
Endereço para correspondência: Rosa Cabecinhas, Departamento de ‘homem comum’ (leigo) - e uma problemática mais
Ciências da Comunicação, Instituto de Ciências Sociais, Universidade
geral - como constrói o homem a realidade. É sobre
do Minho, Campus de Gualtar, Braga, Portugal, 4710-058, E-mail:
cabecinhas@ics.uminho.pt esta última problemática que nos iremos debruçar
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neste trabalho. significante do real e desempenham um papel vital
Moscovici conceptualiza as representações na comunicação: “All human interactions, whether
sociais como “a set of concepts, statements and they arise between two individuals, or between two
explanations originating in daily life in the course of groups, presuppose such representations. Indeed this
inter-individual communications” (1981, p.181). Na is what characterises them” (Moscovici, 1984, p.12).
mesma linha de ideias, Jodelet considera-as como Assim, as representações sociais servem como
“une forme de connaissance, socialement élaborée guias da acção, uma vez que modelam e constituem
et partagée, ayant une visée pratique et concourant à os elementos do contexto no qual esta ocorre
la construction d’une réalité commune à un ensemble (Moscovici, 1961) e desempenham, ainda, certas fun-
social” (1989, p.36). Enquanto sistemas de interpre- ções na manutenção da identidade social e do equilí-
tação, as representações sociais regulam a nossa re- brio sociocognitivo (Jodelet, 1989).
lação com os outros e orientam o nosso comporta- Na acepção de Vala (1993), afirmar que as re-
mento. As representações intervêm ainda em proces- presentações são sociais envolve a utilização de três
sos tão variados como a difusão e a assimilação de critérios: critério quantitativo - uma representação é
conhecimento, a construção de identidades pessoais social na medida em que é partilhada por um conjun-
e sociais, o comportamento intra e intergrupal, as to de indivíduos; critério genético - uma representa-
acções de resistência e de mudança social. Enquanto ção é social no sentido em que é colectivamente pro-
fenómenos cognitivos, as representações sociais são duzida (as representações sociais são o resultado da
consideradas como o produto duma actividade de actividade cognitiva e simbólica de um grupo soci-
apropriação da realidade exterior e, simultaneamen- al); e critério funcional - as representações sociais
te, como processo de elaboração psicológica e social constituem guias para a comunicação e a acção (as
da realidade (Jodelet, 1989, p.36-37). representações sociais são teorias sociais práticas).
As representações sociais estão ligadas a sis- Interrogado sobre o significado da passagem
temas de pensamento mais largos, ideológicos ou do conceito de representação coletiva de Durkheim
culturais, e a um estado de conhecimentos científi- para o conceito de representação social, Moscovici
cos. As instâncias institucionais, os meios de comu- argumenta:
nicação mediáticos ou informais intervêm na sua ela-
boração, por meio de processos de influência social. “it was the need to turn the representation into
Jodelet refere ainda que as representações sociais a bridge between the individual and the social
formam sistemas e dão origem a ‘teorias espontâne- worlds and to link it with a view of a changing
as’, versões da realidade que incarnam em imagens society that led to the terminological shift [...].
cheias de significação. Através das diversas signifi- It was our purpose to understand innovation
cações: rather tradition, a social life in the making
rather than a preestablished one” (1988,
“les représentations expriment ceux (individus p.219).
ou groupes) qui les forgent et donnent de l’objet
qu’elles représentent une définition spécifique. Na opinião de Moscovici há três formas pelas
Ces définitions partagées par les membres d’un quais uma representação pode tornar-se social. As
même groupe construisent une vision representações podem ser partilhadas por todos os
consensuelle de la réalité pour ce groupe. Cette membros de um grupo altamente estruturado (um
vision, qui peut entrer en conflit avec celle partido, uma nação etc.) sem terem sido produzidas
d’autres groupes, est un guide pour les actions pelo grupo. Estas representações hegemónicas pre-
et échanges quotidiens” (1989, p.35). valecem implicitamente em todas as práticas simbó-
licas e parecem ser uniformes e coercivas. Outras
Sintetizando, as representações sociais são representações são o produto da circulação de co-
conceptualizadas como saber funcional ou teorias nhecimento e de ideias de grupos que estão em
sociais práticas. Estas permitem a organização contacto mais ou menos próximo. Cada grupo cria as
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suas próprias versões e partilha-as com os outros. cia do modelo O-S-O-R. Este novo modelo, atribui
Estas são representações emancipadas, com certo uma posição de primazia às representações - estas
grau de autonomia, tendo uma função complementar não são apenas mediações, mas fatores constituintes
uma vez que resultam da partilha de um conjunto de do estímulo e modeladores da resposta, dominando
interpretações e de símbolos. Por último, existem as todo o processo (Markus & Zajonc, 1985). Neste sen-
representações que são geradas no decurso de um tido, as representações são fatores produtores de rea-
conflito ou controvérsia social e que não são parti- lidade, determinando a forma como o indivíduo in-
lhadas pela sociedade no conjunto. Estas representa- terpreta a situação e como lhe responde.
ções controversas devem ser consideradas no con- Segundo o modelo O-S-O-R tanto o estímulo
texto de uma oposição ou luta entre grupos (1988, como a resposta resultam da atividade construtiva
pp. 221-222). do indivíduo (Moscovici, 1988, p.226), isto é, não
Sintetizando, as representações coletivas ce- há uma ruptura entre o universo exterior e o universo
dem o lugar às representações sociais porque as pri- interior do indivíduo ou do grupo (Jodelet, 1989,
meiras não têm em conta a sua diversidade de ori- p.39).
gem e a sua transformação. Segundo Moscovici O estudo das representações sociais caracteri-
(1989), a visão clássica das representações peca por za-se por uma grande pluralidade metodológica,
as considerar como pré-estabelecidas e estáticas. temática e conceptual. Vala (1993) agrupou as prin-
Moscovici propõe a expressão sociedade cipais questões analisadas pela literatura nesta área
pensante para situar o estudo das representações so- nas categorias seguintes: a inscrição social e a natu-
ciais: “When we study social representations, what reza social das representações sociais; os conteúdos
we are studying are human beings asking questions e a organização interna das representações sociais; a
and looking for answers, human beings who think, função social e a eficácia social das representações
not just handle information or act in a certain way” sociais; e o estatuto epistemológico das representa-
(Moscovici, 1981, p.182). ções sociais.
Na opinião do autor, o paradigma da socieda- Na opinião de Jodelet, as representações soci-
de pensante questiona as teorias que consideram que ais são fenômenos complexos, permanente ativados
os nossos cérebros são ‘caixas negras’ que proces- na vida social, constituindo-se de elementos infor-
sam mecanicamente a informação em função dos mativos, cognitivos, ideológicos e normativos (1989,
condicionamentos exteriores e questiona igualmente p.36). Na mesma linha de idéias, Vala refere que a
as teorias para as quais os grupos e os indivíduos idéia de representação social remete para um “fenô-
estão sempre sob o domínio das ideologias produzi- meno psicossocial complexo, cuja riqueza torna di-
das e impostas pela classe social, pelo Estado, pela fícil a produção de um conceito que o delimite e si-
Igreja ou pela Escola, e que os seus pensamentos e multaneamente não esbata a sua multidimensio-
palavras são meros reflexos dessas ideologias. Em nalidade” (1993, p.359).
contrapartida, o paradigma da sociedade pensante Têm sido propostas inúmeras definições
assume que “individuals and groups are anything but conceptuais das representações sociais, recortando-
passive receptors, and that they think autonomously, as em dimensões e aspectos específicos. Tais defini-
constantly producing and communicating ções incluem na maioria dos casos conceitos de âm-
representations. For them, facts, the sciences and bito psicológico ou psicossociológico (por exemplo,
ideologies are nothing more than ‘food for thought’” atribuição, crença, atitude, esquema, opinião, etc.) e
(Moscovici, 1981, p.183). conceitos de âmbito sociológico ou antropológico tão
A obra de Moscovici (1961) constitui um dos ou mais vastos do que o próprio conceito de repre-
marcos que assinala o corte com o modelo S-O-R3 sentação (por exemplo, ideologia, cultura, habitus,
(segundo o qual as representações constituem medi- sistema de valores, etc.), relativamente aos quais o
ações entre os estímulos e as respostas) e a emergên- conceito de representação social “confere novas
3
Abreviatura que corresponde às iniciais “Stimulus-Organism-
acuidades e suscita a procura de novas pontes
Response”. articuladoras do velho binômio indivíduo-sociedade”
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(Vala, 1993, p.360). Vala refere que o conceito de ancoragem tem
Segundo Moscovici (1961), na formação das algumas afinidades com o conceito de categorização:
representações sociais intervêm dois processos: a ambos funcionam como estabilizadores do meio e
objetivação e a ancoragem. Estes processos estão como redutores de novas aprendizagens. No entanto,
intrinsecamente ligados um ou outro e são modela- na opinião do autor, o processo de ancoragem é mais
dos por fatores sociais. complexo visto que a ancoragem leva à produção de
A objetivação diz respeito à forma como se transformações nas representações já constituídas,
organizam os elementos constituintes da representa- isto é, “o processo de ancoragem é, a um tempo, um
ção e ao percurso através do qual tais elementos ad- processo de redução do novo ao velho e reelaboração
quirem materialidade, isto é, se tornam expressões do velho tornando-o novo” (1993, p.363).
de uma realidade vista como natural. Os processos de objetivação e ancoragem ser-
O processo de objetivação envolve três etapas. vem para nos familiarizar com o ‘novo’, primeiro
Na primeira, as informações e as crenças acerca do colocando-o no nosso quadro de referência, onde
objeto da representação sofrem um processo de sele- pode ser comparado e interpretado, e depois repro-
ção e descontextualização, permitindo a formação de duzindo-o e colocando-o sob controlo (Moscovici,
um todo relativamente coerente, em que apenas uma 1981, p.192).
parte da informação disponível é retida. Este proces- As dinâmicas de objetivação e de ancoragem
so de seleção e reorganização dos elementos da re- são aparentemente opostas:
presentação não é neutro ou aleatório, dependendo
das normas e dos valores grupais. “l’une vise à créer des vérités évidentes pour
A segunda etapa da objetivação corresponde à tous et indépendantes de tout déterminisme
organização dos elementos. Moscovici recorre aos social et psychologique, l’autre désigne au
conceitos de esquema e nó figurativo para evocar o contraire l’intervention de tels déterminismes
fato dos elementos da representação estabelecerem dans leur genèse et transformation. Pour cette
entre si um padrão de relações estruturadas. raison les études sur les représentations
A última etapa da objetivação é a naturaliza- sociales ne peuvent pas consister seulement
ção. Os conceitos retidos no nó figurativo e as res- dans le repérage de savoirs communs, elles
pectivas relações constituem-se como categorias na- doivent aussi en étudier les modulations en
turais, adquirindo materialidade. Isto é, os conceitos fonction de leur imbrication spécifique dans
tornam-se equivalentes à realidade e o abstrato tor- un système de régulations symboliques”
na-se concreto através da sua expressão em imagens (Doise, Clémence & Lorenzi-Cioldi, 1992,
e metáforas. p.15).
O processo de ancoragem, por um lado, prece-
de a objetivação e, por outro, situa-se na sua seqüên- Desde o início dos anos oitenta, numerosos
cia. Enquanto processo que precede a objetivação, a estudos têm sido realizados sobre a estrutura das re-
ancoragem refere-se ao fato de qualquer tratamento presentações (Abric, 1984; Flament, 1989; Sá, 1996).
da informação exigir pontos de referência: é a partir Na opinião de Doise (1992), estes estudos permitem
das experiências e dos esquemas já estabelecidos que reduzir consideravelmente a incerteza relativa às fron-
o objeto da representação é pensado. Enquanto pro- teiras entre os elementos constituintes e não consti-
cesso que segue a objetivação, a ancoragem refere- tuintes das representações sociais.
se à função social das representações, nomeadamen- Flament (1989) considera que o núcleo central
te permite compreender a forma como os elementos de uma representação corresponde a uma estrutura
representados contribuem para exprimir e constituir que dá coerência e sentido à representação. À volta
as relações sociais (Moscovici, 1961). A ancoragem do núcleo central, e organizados por este, encontram-
serve à instrumentalização do saber conferindo-lhe se os elementos periféricos. Estes elementos desem-
um valor funcional para a interpretação e a gestão do penham uma função importante:
ambiente (Jodelet, 1989).
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“Les schèmes périphériques assurent le rem, um problema importante nos estudos sobre as
fonctionnement quasi instantané de la representações sociais é que a sua matéria-prima é
représentation comme grille de décryptage constituída por recolhas de opinião e de atitudes in-
d’une situacion: ils indiquent, de façon parfois dividuais, sendo necessário reconstituir os princípi-
très spécifique, ce qui est normal (et par con- os organizadores comuns aos conjuntos de indivídu-
traste, ce qui ne l’est pas), et donc, ce qu’il os. Esta tarefa exige o recurso a diferentes técnicas
faut faire comprendre, mémoriser [...]. Ces de análises de dados.
schèmes normaux permettent à la Na opinião de Farr, um dos aspectos que ca-
représentation de fonctionner racteriza a pesquisa em representações sociais é o
économiquement, sans qu’il soit besoin, à facto de não privilegiar nenhum método de pesquisa
chaque instant, d’analyser la situation par específico. Trata-se de uma tradição de pesquisa
rapport au principe organisateur qu’est le muito heterogénea e não prescritiva no que respeito
noyau central” (Flament, 1989, p.209). à metodologia (1992, p.185).
No entanto, alguns autores privilegiam os es-
Vários estudos têm demonstrado que uma po- tudos de terreno em detrimento dos estudos de labo-
pulação pode ter práticas em desacordo com a repre- ratório (Farr, 1992; Moscovici, 1988). Farr (1992)
sentação. Na opinião de Flament (1989), estes desa- argumenta:
cordos inscrevem-se nos esquemas periféricos que
se modificam protegendo, por algum tempo, o nú- “Les représentations sociales, par leur nature
cleo central: même, doivent être situées dans la culture et
dans la société, non dans le laboratoire. Elles
“Des désaccords entre réalité et représentation ont besoin d’être observées ‘in situ’, c’est-à-
modifient d’abord les schèmes périphériques, dire sur le terrain.[...] La théorie des
puis éventuellement le noyau central, c’est-à- représentations sociales met en cause
dire la représentation elle-même. S’il y a l’assertion naïve de certains expérimentateurs
contradiction entre la réalité et représentation, selon laquelle leurs laboratoires existent dans
on voit apparaître des schèmes étranges, puis une sorte de vide culturel et temporel» (p.185).
une désintégration de la représentation. Si la
réalité entraîne simplement une modification A questão da metodologia prende-se com a
de l’activité des schèmes périphériques, il peut questão dos níveis de análise. Doise (1982) distin-
s’ensuivre une transformation progressive, gue quatro níveis de análise nos trabalhos dos psicó-
mais néanmoins structurale, du noyau central” logos sociais. No nível intra-individual estão incluí-
(p.218). dos os modelos que descrevem o modo como os in-
divíduos organizam a sua percepção, avaliação e com-
A pesquisa em representações sociais apresenta portamento em relação ao meio social em que se in-
um carácter fundamental e aplicado e faz apelo a serem. A interação entre o indivíduo e ambiente so-
metodologias variadas: experimentação no laborató- cial é negligenciada nestes modelos - são os meca-
rio e no terreno; entrevistas; questionários; técnicas nismos que, ao nível do indivíduo, lhe permitem or-
de associação livre de palavras; observação partici- ganizar as suas experiências, que constituem o seu
pante; análise de documentos e de discursos; etc. objeto de análise. No nível inter-individual ou
(Jodelet, 1989, p.5). situacional encontram-se os modelos que descrevem
Doise, Clémence e Lorenzi-Cioldi (1992), o modo como os indivíduos interagem numa dada
numa publicação sobre as metodologias de investi- situação, não tomando em consideração as diferen-
gação, oferecem análises bastante detalhadas sobre tes posições que estes possam ocupar fora dessa situ-
os laços privilegiados que existem entre os métodos ação. O nível posicional integra os modelos que re-
de análise dos dados e os objetos teóricos no estudo correm explicitamente às diferentes posições ou es-
das representações sociais. Como estes autores refe- tatutos sociais que os indivíduos ocupam previamente
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a qualquer interação, para explicar as diferentes mo- interligação das cognições, emoções e motivações
dalidades de interação, isto é, os indivíduos já não (Vala, 1993, p.373).
são considerados como intermutáveis. Finalmente, o De fato, no início dos anos noventa, o modelo
nível ideológico integra os modelos que descrevem dominante na cognição social considerava o indiví-
o modo como as representações e os comportamen- duo como ‘avarento cognitivo’ (cognitive miser). O
tos dos indivíduos, numa dada situação, são modela- ponto fulcral deste modelo é que o indivíduo é
dos pelos sistemas de valores, crenças e ideologias conceptualizado enquanto processador de informa-
veiculadas pela sociedade. ção de capacidade limitada, podendo lidar, num dado
Na opinião de Doise (1984), o estudo das re- momento, unicamente com uma pequena quantidade
presentações sociais abarca diferentes níveis de aná- de informação. Assim, o indivíduo adota estratégias
lise e beneficia da sua articulação. Ora, segundo o para simplificar problemas complexos. Estas estra-
autor, é precisamente o trabalho de articulação de tégias podem não produzir respostas normativamente
níveis de análise que constitui o objeto próprio da corretas, mas aumentam a rapidez e a eficiência.
psicologia social. Conseqüentemente, os erros e enviesamentos no tra-
tamento da informação são considerados como fruto
Representações sociais e cognição social de características inerentes ao próprio sistema
cognitivo, e não devidos à interferência de motiva-
Numa revisão de literatura sobre as represen- ções.
tações sociais, Vala (1993) sistematizou as principais No entanto, na década de noventa assistiu-se à
diferenças entre as orientações da cognição social e emergência de um novo modelo na cognição social.
as orientações na análise das representações sociais: Neste, o indivíduo é conceptualizado enquanto
a) nas representações sociais, o estudo dos ‘tatico-motivado’ (motivated tactician):
conteúdos e a sua articulação com contextos históri-
cos e configurações culturais ou ideológicas é um “a fully engaged thinker who has multiple
problema nuclear, enquanto que na cognição social, cognitive strategies available and chooses
os conteúdos não são, geralmente, relevantes, na among them based on goals, motives, and
medida em que se visa a elucidação de processos needs: sometimes the motivated tactician
universais; chooses wisely, in the interests of adaptability
b) na cognição social, as questões fundamen- and accuracy, and sometimes the motivated
tais centram-se em torno dos processos internos atra- tactician chooses defensively, in the interests
vés dos quais o conhecimento se forma e se transfor- of speed or self-esteem” (Fiske e Taylor, 1991,
ma, enquanto que nas representações sociais, o acento p.13).
tônico é colocado nos processos de interação e de
influência que orientam a construção e a dinâmica Como Fiske (1992) refere: “After a hiatus,
do pensamento social; during which social cognition research neglected its
c) a cognição social é orientada pela tradição proper atonement to social behavior, researchers again
molecular em psicologia (compreender o conheci- are emphasizing that thinking is for doing, that soci-
mento equivale a descrever sucessivos processos e al understanding operates in the service of social
estruturas simples) enquanto que nas representações interaction” (p.877; o itálico é nosso). Ora, a pesqui-
sociais o pensamento social é concebido numa pers- sa elaborada no seio deste último modelo veio apro-
pectiva molar, articulando e envolvendo configura- ximar estas duas linhas de pesquisa.
ções de conhecimentos; Diversos autores consideram que uma articu-
d) nas representações sociais, o plano cognitivo lação entre o paradigma da cognição social e as re-
é articulado com os planos avaliativo e emocional, presentações sociais poderá ser benéfica para ambas
enquanto que as correntes dominantes na cognição (Codol, 1984; Jahoda, 1988; Vala, 1986, 1993). Vala
social procuram prescindir das emoções, ainda que (1986) ilustra como ao acionar o conceito de repre-
atualmente se façam alguns esforços no sentido da sentações sociais se consegue um olhar novo sobre
Representações Sociais 131

os problemas formulados e analisados no quadro do lização de teorias implícitas.


paradigma da cognição social. A pesquisa na área dos esquemas tem-se de-
Como já referimos, a busca de articulação en- bruçado sobre a organização interna das estruturas
tre níveis de análise (Doise, 1982) constitui o ponto cognitivas - este problema não tem merecido o mes-
fulcral da matriz epistemológica que orienta o proje- mo investimento no domínio das representações so-
to da psicologia social. Vala (1993) considera parti- ciais, com exceção dos trabalhos sobre a estrutura
cularmente frutífera a articulação entre o conceito das representações sociais (Abric, 1984; Flament,
de representação social e o conceito de esquema, e 1989).
apresenta algumas semelhanças e diferenças entre Esta articulação com a cognição social não
estes dois conceitos. deve ser confundida com uma submissão da teoria
Ambos os conceitos pressupõem que a ativi- das representações sociais aos modelos da cognição
dade cognitiva e simbólica corresponde ao modelo social. Já referimos as revervas de Moscovici:
O-S-O-R, isto é, ambos atribuem um papel
determinante às estruturas cognitivas na produção do “Any reduction to cognitive patterns and
conhecimento social. Ambos os conceitos pressu- constructs, by eliminating the extraordinary
põem um processamento da informação orientado richness of collective thought, its rootedness
pelas teorias (theory-driven ou top-down), por opo- in a well-defined setting, and by flattening all
sição a um processamento da informação orientado social relations into interactions between two
pelos dados (data-driven ou botton-up). individuals, converts an important problem into
Quer os esquemas quer as representações so- a mere academic exercise” (1981, p.208).
ciais são vistos como produto de um mesmo proces-
so básico - a categorização. E, em ambos os casos, o Representações sociais e relações intergrupais
processo de categorização não é restringido à orga-
nização do meio, mas é também concebido como prin- A compreensão da evolução e da organiza-
cípio organizador das relações entre os agentes soci- ção de uma representação, exige a sua integração
ais (Vala, 1993). na dinâmica social, isto é, considerá-la como de-
Quer os esquemas quer as representações so- terminada pela estrutura da sociedade onde se de-
ciais são conceptualizados como estruturas de conhe- senvolve (Moscovici, 1961). A estrutura social re-
cimento que guiam e facilitam o processamento da mete para clivagens, diferenciações e relações de
informação social. Contudo, as representações soci- dominação (Deschamps, 1982). Tais clivagens e
ais, diferentemente dos esquemas, são consideradas diferenciações sociais refletem-se na construção
como estando profundamente ligadas aos processos de diferentes representações sociais de um mesmo
intergrupais, sendo criadas através das interações objeto. As diferenciações no campo social regis-
sociais. tram-se pelo menos a dois níveis: o nível das con-
Relativamente às diferenças: no conceito de dições socio-económicas; e o nível dos sistemas
esquema o conhecimento é conceptualizado sobre- de orientação, desde as normas e valores mais du-
tudo como resultado de um processamento de infor- radouros, até atitudes e motivações específicas
mação, onde interagem dados e teorias, enquanto que (Vala, 1993).
o conceito de representação social acentua as dimen- Doise (1992) considera que a significação de
sões do conhecimento que resultam da aplicação das uma representação está sempre ancorada nas signifi-
teorias, esquecendo como e de que forma essas teo- cações mais gerais que intervêm nas relações simbó-
rias são activadas pelos dados. Assim, ao passo que licas próprias de um determinado campo social. Este
os fenômenos conhecidos por erros ou enviesamentos autor colocou a análise das representações sociais no
são considerados, nas teorias sobre os esquemas, quadro das relações intergrupais, salientando a mú-
como um resultado de um processamento da infor- tua determinação entre estes dois fenômenos.
mação, no quadro de análise das representações so- Como Moscovici (1961) já tinha salientado,
ciais esses mesmos fenômenos são resultado da uti- se a especificidade da situação de cada grupo social
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contribui para a especificidade das suas representa- culturais dominantes, e por outro, a dinâmica social
ções, a especificidade das representações contribui, no seu conjunto. A conjugação destes dois fatores
por sua vez, para a diferenciação dos grupos sociais. ajuda a compreender as pressões para a hegemonia e
Nos seus trabalhos, Doise (1976-84, 1984) tem a conseqüente homogeneização de certas represen-
ilustrado de modo claro como a dinâmica das rela- tações sociais.
ções entre grupos conduz a modificações adaptativas Um dos fatores responsáveis pela
nas representações e à atribuição ao outro grupo de consensualidade alargada de algumas representações
características que permitem o desencadeamento de sociais, isto é, pelo seu caráter hegemônico, são os
comportamentos discriminatórios e a sua justifica- meios de comunicação social, nomeadamente a tele-
ção. Mas as representações também imprimem dire- visão. Uma representação só adquire foros de verda-
ção às relações intergrupais: previamente à interação, de e de realidade quando é partilhada - as imagens
cada grupo dispõe já de um sistema de representa- veiculadas através do ecrã têm já em si a idéia de
ções que lhe permite antecipar os comportamentos consenso, de partilha por uma larga comunidade, o
do outro e programar a sua própria estratégia de ação. que facilita o conformismo. Por outro lado, as repre-
Na acepção de Doise, as representações assu- sentações vivem de metáforas - a televisão “permite
mem um lugar central nas relações intergrupais, de- fazer corresponder a cada palavra um rosto, a cada
sempenhando três tipos de funções: seleção, justifi- conceito e idéia uma imagem. A expansão do
cação e antecipação. A função seletiva traduz-se numa audiovisual mergulhou-nos num mundo de rostos,
centralidade dos conteúdos relevantes para as rela- imagens e símbolos, nos quais se inscrevem as idéias
ções intergrupais, relativamente aos conteúdos mais abstratas, conferindo-lhes a materialidade de que
irrelevantes. A função justificativa revela-se nos con- necessitam para viver, reproduzir-se e tornar-se rea-
teúdos das representações que veiculam uma ima- lidade” (Vala, 1993, pp.379-380).
gem do outro grupo que justifica um comportamento A este propósito é importante referir a afinida-
hostil em relação a ele e/ou a sua posição desfavorá- de entre a perspectiva prototípica da categorização
vel no contexto da interação. Por último, a função social e a teoria das representações sociais. Essenci-
antecipatória manifesta-se na influência que as re- almente, o modelo prototípico postula a existência
presentações exercem no próprio desenvolvimento de dois princípios básicos para a formação das cate-
da relação entre os grupos: as representações não se gorias. Primeiro, o sistema de categorias tem por
limitam a seguir o desenvolvimento das relações objetivo fornecer a máximo de informação reduzin-
intergrupais, adaptando-se a ele, mas também inter- do o esforço cognitivo segundo o ‘princípio da eco-
vêm na determinação deste desenvolvimento, ante- nomia’ (Rosch, 1978). Segundo, o mundo percebido
cipando-o ativamente (1976-84, p.105). A pesquisa não é composto por traços equiparáveis, mas por uma
sobre discriminação racial e étnica é bem ilustrativa estrutura altamente correlacionada. O protótipo é
destas funções das representações sociais definido como o modelo ou ‘tipo ideal’ que condensa
(Cabecinhas, 2002; Vala, 1999). o significado de uma dada categoria (Semin,1989,
Assim, por um lado, as representações pp.245-246).
estruturam-se de acordo com as estratégias grupais Como foi referido, a diferenciação das repre-
e, por outro, as representações servem e justificam sentações pode ser compreendida enquanto expres-
os comportamentos grupais, isto é, as representações são das diferenciações no tecido social. Numa pri-
sociais têm uma função de justificação antecipada e/ meira perspectiva, a diferenciação das representações
ou retrospectiva das interações sociais (Jodelet, sociais tem sido associada a diferentes inserções dos
1989). indivíduos nos campos das estruturas
Como já foi referido, a perspectiva das repre- socioeconômicas e socioculturais. Vala (1993) con-
sentações sociais enfatiza o papel ativo dos atores sidera que esta perspectiva, por si só, não dá conta da
sociais na sua produção e transformação. É necessá- complexidade do processo em causa. Neste quadro
rio, contudo, ter em conta, por um lado, a relação analítico será difícil escapar à imagem como ‘homem-
entre as representações sociais e as configurações reflexo’, no contexto da qual os indivíduos são consi-
Representações Sociais 133

derados como receptores passivos da ideologia do- (Rabbie & Horwitz, 1988; Sherif, 1967). Para estes,
minante. Tal pressuposto vai contra o paradigma da um grupo só existe quando um coletivo de indivídu-
sociedade pensante que atribui um papel ativo aos os se auto-percepcionam como interdependentes e
indivíduos na construção das suas representações. possuindo objetivos comuns.
Numa segunda perspectiva, parte-se do seguin- A consideração dos grupos estruturados, ca-
te pressuposto: os indivíduos constroem representa- racterizados pela interdependência dos seus membros
ções sobre a própria estrutura social e as clivagens e pela partilha de objetivos comuns, suscita uma ter-
sociais, e é no quadro das categorias oferecidas por ceira perspectiva de análise da formação e diferenci-
essas representações que se auto-posicionam e de- ação das representações sociais. Bar-Tal (1989) con-
senvolvem redes de relações, no interior das quais sidera que um dos fatores que melhor permitem com-
formam e transformam as representações sociais. preender a emergência e consolidação dessas cren-
Segundo a teoria da auto-categorização do eu ças é o fato de elas conferirem distintividade ao gru-
(Turner, Hogg, Oakes, Reicher & Wetherell, 1987)4 , po, tornando-se um dos fatores constituintes das suas
um grupo existe quando os indivíduos integram na fronteiras. As representações partilhadas por um gru-
sua auto-definição a pertença a uma categoria social po estariam, assim, associadas à fundação do grupo
produzida pelo processo de categorização. Esta e às relações intergrupais.
acepção é consonante com o conceito de identidade As relações entre as representações sociais e
social proposto por Tajfel: “l´identité social d´un os processos intergrupais são bastante complexas.
individu est lié à la connaissance de son appartenance Alguns autores têm sublinhado a influência das po-
à certains groupes sociaux et à la signification sições assimétricas dos grupos, tanto nos discursos
émotionnelle et évaluative qui résulte de cette como nas identidades sociais criadas por esses gru-
appartenance” (1972, p.292). No entanto, é necessá- pos (Amâncio, 1994; Lorenzi-Cioldi, 1988; Tajfel,
rio ter em conta que um grupo só existe em relação a 1981-83). Embora todos os indivíduos sejam ativos
outros grupos, como salientou o autor: “les na construção das suas representações, a estrutura
caractéristiques de son propre groupe (son statut, sa social determina que nem todos têm igual margem
richesse ou sa pauvreté, sa couleur de peau, sa de liberdade no processo de negociação das repre-
capacicité à atteindre ses buts) n’acquièrent de sentações. Por outro lado, embora as representações
signification qu’en liaison avec les différences estejam em permanente processo de mutação, a apro-
perçues avec les autres groupes ou les différences priação do ‘novo’ segue uma lógica de
évaluatives” (1972, p.295). ‘conservadorismo’ profundamente ‘sociocêntrica’
Sintetizando, numa perspectiva sócio- (Moscovici, 1988, p.242).
cognitiva, um grupo existe quando os indivíduos in-
tegram na sua auto-definição a pertença a uma cate- Reflexões sobre a “era das representações”
goria social, sendo esse processo regulado pela
interdependência dos grupos sociais. Mas, na opinião Atualmente o estudo das representações soci-
de diversos autores, esta noção é demasiado restritiva ais constitui uma tradição de pesquisa rica e
diversificada e em plena evolução. A teoria das re-
4
Turner et al. (1987) definem o auto-conceito “as the set of cognitive
representation of self available to a person” (p.44). O auto-conceito com-
presentações sociais tem hoje um alcance internaci-
preende diferentes componentes, isto é, cada pessoa possui múltiplos onal, estando difundida muito para além das frontei-
conceitos de si próprio. O funcionamento do auto-conceito é dependen- ras do país natal - França. Está bem estabelecida como
te da situação: auto-conceitos particulares tendem a ser activados e a
tornar-se salientes em situações específicas. As representações cognitivas
uma tradição de pesquisa na Europa e na América
do self tomam a forma, entre outras, de auto-categorizações. Estas fa- Latina e recentemente despertou o interesse dos psi-
zem parte de um sistema hierárquico de classificação, de acordo com o cólogos sociais norte-americanos.
seu nível de abstracção. Na opinião de Turner et al. (1987, p.45) exis-
tem pelo menos três níveis de abstracção nas auto-categorizações: o ní- Na opinião de diversos autores, o conceito da
vel supraordenado do self como ser humano; o nível intermédio refe- representação social surge como reunificador nas ci-
rente à diferenciação endogrupo-exogrupo; e o nível subordinado cor-
respondente às auto-categorizações pessoais baseadas na diferenciação
ências sociais:
entre o self enquanto indivíduo único e os outros membros do endogrupo.
134 Rosa Cabecinhas
“Située à l’interface du psychologique et du p.54).
social, la notion a vocation pour intéresser Uma das críticas fundamentais prende-se com
toutes les sciences humaines. On la retrouve à a definição de representação social. A este propósito
l’œuvre en sociologie, anthropologie et Jahoda (1988) refere:
histoire, étudiée dans ses rapports à “When one looks at studies explicitly
l’idéologie, aux systèmes symboliques et aux formulated in terms of social representations,
attitudes sociales que reflètent les mentalités. there appears to be considerable arbitrariness
[...] Cette multiplicité de relations avec des in deciding upon appropriate units and often
disciplines voisines confère au traitement no attempt to justify their description as social
psychosociologique de la représentation un representations.[...] The open-ended
statut transverse qui interpelle et articule application of the term seems to provide a
divers champs de recherche, réclamant, non license to treat everything except the reified
une juxtaposition mais une réelle coordination ‘universe of science’ as a social
de leurs points de vue. Dans cette transversalité representation” (p.204). Por isso, este autor
réside sans doute l’un des apports les plus coloca uma importante questão: “What is not
prometteurs de ce domaine d’étude » (Jodelet, a social representation?”
1989, pp.40-41).
Outra das críticas avançadas por Jahoda, e es-
O conceito de representação social é treitamente relacionada com a anterior, é o fato da
actualmente utilizado por um vasto número de cien- teoria das representações sociais estar formulada de
tistas sociais (psicólogos, sociólogos, geógrafos, his- uma forma a que não permite a sua refutação:
toriadores, etc.), sendo aplicado no estudo de pro-
blemas muito diversos (o ambiente, a justiça, a saú- “a scanning of the relevant literature yields
de, etc.), constituindo um campo de investigação vivo no support for the claim that the theory of so-
e dinâmico. cial representations has in any way been tested.
Moscovici fala mesmo na “era das representa- [...] It is so loosely formulated that no part of
ções” (1984, p.12). Com esta expressão o autor pre- it could readily be falsified. In comparison even
tende veicular duas ideias fundamentais: a importân- psychoanalysis, to which the same reproach
cia do fenómeno das representações sociais nas soci- has been commonly addressed, constitutes a
edades de hoje; e a importância do conceito de re- much tighter theory” (1988, p.204).
presentação social no quadro das novas orientações
da psicologia social. Jahoda considera ainda que, em relação aos
Jesuíno (1993) refere: “No interior da PSE [psi- processos vinculados às representações sociais “it
cologia social europeia] a teoria das RS [representa- would be more realistic to tie this up with the growing
ções sociais] representa sem dúvida a tentativa mais body of work on social cognition rather than claim
radicalizada de rompimento com a psicologia social the unverified existence of some special domain”
normal e a constituição duma disciplina alternativa, (1988, p.207).
estabelecendo a ligação entre a psicologia e a socio- Para corrigir estas falhas, Jahoda propôs três
logia, entre o indivíduo e a sociedade” (p. 58). ‘remédios’ para a teoria das representações sociais:
A pesquisa em representações sociais não está, formular uma definição rigorosa de representações
no entanto, isenta de críticas. Estas prendem-se, so- sociais; adaptar métodos de pesquisa mais rigorosos;
bretudo, com questões de ordem epistemológica e retornar ao quadro de referência da cognição social.
metodológica. Na opinião de Jesuíno, “um exame [...] À primeira crítica de Jahoda, Moscovici
dos projectos desenvolvidos [...] por estes dois auto- (1988) replica:
res [Moscovici e Doise] e seus associados, mostra,
com efeito, que o compromisso epistemológico é pre- “Our strategy has always been to combine the
cário e instável, senão mesmo insustentável” (1993, soft and hard approaches as fitted the case,
Representações Sociais 135

making sure that concern for rigour did not and in significant situations. To reach this goal, we
overwhelm our heuristic concern. [...] As far must undoubtedly rely more on the creativity of
as definitions go, they a moot value. Concepts researchers than on tried and proven procedures”
have not just one but many definitions, as is (p.239). A sua reserva face a métodos de pesquisa
true such concepts as self, schema, attitude, rigorosos deve-se ao fato de querer evitar “any kind
etc. And if there are many, then there is none. of premature exactness which [...] results in the
So we are left with descriptions and intuitions, stillbirth of capital ideas and leads to ‘barren’
some of which meet with everyone’s approval research” (idem, p.239).
and others not. While I have been reticent about Relativamente ao retorno ao paradigma da
defining social representations, others have cognição social, Moscovici rejeita com convicção a
done so boldly (Codol, 1984; Doise, 1984; recomendação de Jahoda. A cognição social consti-
Flament, 1989; Jodelet, 1989) and tui o tipo de psicologia social que Moscovici não se
successfully” (pp.238-239). cansa de denunciar e que, a na sua opinião, conduz
inevitavelmente à subalternização da psicologia so-
Farr (1992) considera, no entanto, que: cial (Jesuíno, 1993).
Moscovici (1988) argumenta:
“la critique de Jahoda sur la théorie est
convaincante et doit être sérieusement prise “The body of work on social cognition studies
en considération (Jahoda, 1988). Je pense que cognition as a non-social process.[...] Social
la réponse de Moscovici à la critique est un cognition pays almost no attention to the
pas dans la bonne direction (Moscovici, 1988). population factor and even less to the cultural
On avait raison, il y a trente ans, de ne pas factor (Pepitone, 1986). For our part, we have
commencer par des définitions. Aujourd’hui, taken them into account and they are of great
le danger est différent. Tout risque d’être importance. The theory of social
considéré comme représentation sociale. Il est representations maintains enough flexibility to
important de préciser ce qui n’est pas une adjust to differences in groups, cultural
représentation. Comment cela se rapport à matrices and information that circulate in a
d’autres termes théoriques clés dans les given society” (p.244).
sciences sociales tels que attitudes, opinions,
stéréotypes, idéologies, etc., doit maintenant O estudo das representações sociais ilustra uma
être défini. Ceci peut désormais être fait à la tendência a que se assiste atualmente no seio da psi-
lumière de la recherche empirique des trente cologia social de tentativa de articulação entre diver-
dernières années” (p.187). sas áreas e de níveis de análise. Esta síntese, que em
muitos casos se tem revelado bastante frutífera, não
Relativamente à necessidade de uma está, no entanto, isenta de ambigüidades.
metodologia mais rigorosa, Moscovici argumenta: Nas últimas décadas verificou-se um incre-
mento considerável do número e diversidade de in-
“Our reservations about rigorous methods are vestigações sobre as representações sociais, tendo-
motivated by the need to take the growth se registrado progressos notáveis ao nível
potential of the conceptual framework into metodológico. O rompimento com a ‘psicologia so-
account. Being comparatively new our theory cial normal’ continua a constituir um desafio consi-
certainly still has a long way to go before being derável e de elevado potencial.
verifiable or falsifiable - on condition it A articulação de níveis de análise tem possibi-
remains fruitful” (1988, p.209). litado a integração dos conceitos da cognição social
e das terias das relações intergrupais num quadro in-
Moscovici refere que o objetivo desta área de tegrado e coerente. O conceito de representação so-
estudos é compreender “what people do in real life cial tem permitido fazer a ponte não só entre várias
136 Rosa Cabecinhas
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