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Você ocupa uma posição única como pensador. Nasceu na China, fala
mandarim, cantonês, teochew, inglês, francês e alemão, trabalhou em
instituições renomadas no Ocidente e no Oriente. Vou começar te
perguntando se é mais fácil filosofar em chinês ou alemão? [Risos]. De fato,
a filosofia é sobre articulação e elaboração de conceitos cujas possibilidades
estão na própria linguagem. Não dá para pensar sem a linguagem e é por
isso que, para os gregos, a ideia de logos também significa a capacidade de
linguagem.
A língua alemã, assim como o grego antigo, tem a vantagem de permitir a
articulação precisa de significados. É por isso que Martin Heidegger disse
certa vez que essas duas línguas são as línguas da filosofia.
Arnold Toynbee certa vez perguntou: “Por que o extremo oriente fechou
suas portas para os europeus no século , mas abriu essas portas para eles
no século ?”. Sua análise é que, no século , os europeus queriam
exportar tanto a sua tecnologia quanto a sua religião para o Oriente. Já no
século , sabendo que a religião pode ser um obstáculo, os europeus
exportaram somente a tecnologia.
Por isso, o pensamento sobre a natureza de alguma forma deixou esse seu
outro aspecto subanalisado. Esse é um assunto que queria discutir com
Viveiros de Castro há alguns anos. A novidade é que agora temos toda uma
correspondência que trocamos e que será publicada na revista Philosophy
Today a partir de abril deste ano.
Falo também como essa distinção foi colocada em questão pela cibernética,
assim como da necessidade de formular uma nova condição filosófica para os
nossos tempos. É por essa razão que a primeira frase desse meu livro declara
que ele é um tratado sobre cibernética.
Só posso desejar que o que eu tenho pensado possa ter ressonância sobre
quem se preocupa com a questão da tecnologia e que possamos pensar
juntos como um programa como esse poderia parecer e funcionar.
Você esteve no Brasil, onde fez conferências na Paraíba e no Rio. Você tem
hoje uma rede de interlocutores no país, como o professor Carlos Dowling,
Hermano Vianna, Eduardo Viveiros de Castro e eu também. Quais foram
suas impressões do Brasil e que papel nos cabe em termos de tecnologia? Foi
minha primeira vez na América Latina, e isso me fez ter um entendimento
melhor do legado colonial e também da inquietação social e política na
região. Fiquei muito tocado com a recepção que tive no Brasil, e vejo que há
muitas conversas por vir.
Você mesmo me disse que há mais de uma década houve muitas tentativas
no Brasil de articular uma tecnodiversidade [como no trabalho de Gilberto
Gil no Ministério da Cultura], incluindo um trabalho sobre direitos autorais
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Nesta entrevista, Yuk Hui comenta seu primeiro livro publicado no Brasil.
Intitulado “Tecnodiversidade”, resulta de uma cuidadosa compilação de
textos do pensador realizada pela editora Ubu, em contato diretamente com
o autor.
Uma pergunta pessoal: como você lida com a tecnologia? Você tem um
smartphone? Está presente em redes sociais? Fica online por muito tempo ou
tem algum tipo de compulsão para checar o celular o tempo todo, como
todos nós? Minha primeira formação é como cientista da computação, então
não sou realmente um ludita. Estou no Twitter, no Facebook, no WeChat e
em outras mídias sociais. Se você quiser entender essas mídias, você tem de
utilizá-las. Não pode criticá-las sem ao menos ter um conhecimento do que
são, como muitos filósofos ainda fazem hoje.
No entanto, para conseguir me concentrar, somente me permito checar essas
mídias sociais durante um período específico do dia. Em geral eu reservo as
manhãs para estudar.
O problema que vejo hoje é que não somos capazes de prover verdadeiras
alternativas. Quando você está cansado do Facebook você muda para outro
Facebook, que pode ser diferente apenas em sua política de dados e
propriedade, mas você acaba fazendo as mesmas coisas lá e sofre dos mesmos
problemas nessas novas plataformas. Criar alternativas faz também parte do
que chamo de tecnodiversidade.
Quais sãos seus projetos atuais? Está dando aulas online? Como funciona
isso para você? Estou aguardando a publicação de meu novo livro, “Art and
Cosmotechnics” (arte e cosmotécnica) —espero que ele seja publicado a
partir de abril de . A partir daí, vou embarcar em outras aventuras.
Atualmente estou dando aulas em Hong Kong.
Por causa da Covid-, a maior parte tem sido online. É interessante que
nesta época digital dar aulas face a face ainda seja considerado pela maioria
das pessoas como mais “autêntico” e que ensinar online seja visto como
secundário. Ao mesmo tempo, é espantoso que não haja mais ferramentas de
ensino digital online e que todas as universidades acabem usando
praticamente as mesmas ferramentas. Isso diz muitas coisas.
Deus é transcendência que não pode ser substituído pela tecnologia em si.
No entanto, a fantasia sobre a tecnologia, como, por exemplo, a ideias de
“homo deus”, de singularidade e outros termos que invocamos antes podem
desempenhar esse papel.
Não estou dizendo que não seja promissor entender o mundo através da
ciência, ou que deveríamos abdicar da ciência ou da tecnologia. Isso de
forma alguma é o que afirmo. Em vez disso, não importa o quão avançado
seja nosso conhecimento, devemos sempre lembrar a nós mesmos da nossa
própria finitude em face ao mundo. De outro modo, vamos apenas bater em
retirada em direção à metafísica.
Algo parecido com o que Rainer Maria Rilke disse nas “Elegias de Duíno”:
“Com todos os seus olhos, o mundo natural vê o Aberto. Nosso olhar,
porém, foi revertido e como armadilha se oculta em torno do livre caminho.
O que está além, pressentimos apenas na expressão do animal; pois desde a
infância desviamos o olhar para trás e o espaço livre perdemos, ah, esse
espaço profundo que há na face do animal”.
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