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ANDRÉ DUARTE

VIDAS EM RISCO
CRÍTICA DO PRESENTE EM HEIDEGGER,
ARENDT E FOUCAULT
APRESENTAÇAO

OSWALDO GIACÓIA JUNIOll

O autor dos ensaios que compõem a presente coletânea é um dos


mais refinados analistas da política contemporânea. Com uma
percepção extraordinariamente atilada e dotado de acurada capaci-
dade de penetração analítica, aliada a uma originalidade de elabo-
ração reflexiva que se eleva com simplicidade e elegância ao nível da
crítica e da autocrítica, os trabalhos de André Duarte costumam
impressionar também pelo primor da composição textual, em que o
rigor filológico harmoniza-se com o esmero no trato literário com os
vários idiomas que frequenta. Ler André Duarte é um exercício
filosófica e cientificamente proveitoso, mas também um prazer es-
tético proporcionado pela leveza, graça e cultivo da linguagem.
Penso que André Duarte consolidou atualmente seu sólido e me-
recido prestígio acadêmico junto à comunidade filosófica brasileira
não apenas pelos lúcidos e acurados diagnósticos dos mais impor-
tantes acontecimentos políticos contemporâneos, mas também - e
quiçá sobretudo - pela densidade, relevância e profundidade de seu
pensamento genuinamente filosófico, construído no diálogo crítico
com pensadores seminais da modernidade cultural, como Martin
Heidegger, Hannah Arendt, Michel Foucault, Giorgio Agamben,
interlocutores privilegiados nos ensaios desta obra, um diálogo
marcado pela experiência da política e pela tentativa de pensar fi-
X ANDRÉ DUARTE

losoficamente essa matéria - a política que, desde Platão, parece


oferecer obstinada resistência ao trato filosófico. Isso fica claro desde
o título da coletânea: Vidas em risco.
O fio vermelho que atravessa e unifica os ensaios nela presentes é
o problema da periclitação da vida tomada campo de incidência e
objeto de investimento pelas estratégias e cálculos operatórios de um
tipo de sociedade em que o poder político se define, justamente por
causa dessa inserção da vida nos mecanismos disciplinares de
adestramento e previdenciários de controle, como sociedades
biopolíticas, nas quais é a vida biológica, no plano da gestão dos corpos
individuais e dos ciclos vitais das populações, que se toma objeto da
decisão soberana.
Em uma entrevista concedida ao filósofo italiano Paulo Caruso,
quando a pergunta concernia ao sentido de seu próprio trabalho, Mi-
chel Foucault fez alusão ao seu “nietzschianismo”, no mesmo fôlego
em que autocompreendia a relação do mesmo com a filosofia:

"É muito bem possível que meu trabalho tenha algo a ver com filo-
sofia: sobretudo porque à filosofia - pelo menos desde Nietzsche -
compete a tarefa do diagnosticar, e não mais a de buscar dizer uma
verdade que seja válida para todos os tempos. Eu procuro justamente
diagnosticar: diagnosticar o presente. Eu procuro dizer aquilo que nós
somos hoje, e o que é que agora significa dizer aquilo que nós
dizemos. Este escavar sobre os próprios pés caracteriza, desde
Nietzsche, o moderno pensar e nesse sentido eu posso me designar
como filósofo."1

No retomo a Kant, que marcou os anos finais de sua vida, Foucault


recolocava sua relação com a filosofia, a ser entendida como
diagnóstico do presente, desta feita situando o próprio Nietzsche em
um arco histórico-filosófico mais amplo, cuja gênese remonta ao
programa crítico de Kant. Na sequência da crítica kantiana, dese- nhar-
se-ia uma bifurcação que dispõe a filosofia contemporânea na 1
alternativa entre duas vertentes: ou seguir o caminho de uma filosofia

1 Caruso, P. Gesprãch mit Michel Foucault. In: Foucault, M. Von der Subver- sion
des Wissens. Frankfurt a.M: Fischer Taschenbuch Verlag, 1987. p. 12. Original:
Caruso, P. Conversazione con M. Foucault. Milão: U. Mursia & Cia, 1969.
VIDAS EM RISCO XI

crítica que se apresente como uma analítica da verdade em geral; ou


seguir o rumo de um pensamento crítico que tomará a forma de uma
genealogia da atualidade, de uma ontologia de nós mesmos. “É essa
forma de filosofia que, de Hegel à Escola de Frankfurt, passando por
Nietzsche e Max Weber, fundou uma forma de reflexão na qual eu
tentei trabalhar”2
Se Foucault insere seu próprio trabalho justamente nessa linhagem
de pensadores críticos que remonta às origens do idealismo alemão,
não é, de modo algum, porque se reconheça como representante de
uma determinada teoria filosófica, de um corpo doutrinário, ou
legatário do processo cumulativo de um saber. Ontologia crítica do
presente assume, com Foucault, a forma de um gesto teórico, de uma
atitude, Ou melhor, de um estilo de vida filosófica, “na qual a crítica
daquilo que somos é simultaneamente uma análise histórica dos
limites que nos são impostos e a prova de seu ultra- passamento
possível”.3
É justamente nesse horizonte de sentido que André Duarte elabora
seu diálogo com os autores que frequenta, tanto Heidegger, Arendt,
Foucault e Agamben, como com aqueles que, na Europa e nas
Américas, encontram-se empenhados em uma produtiva troca de
experiências com esses mesmos pensadores.
"Tanto em Arendt quanto em Heidegger e em Foucault a formulação
de uma ontologia do presente não é um fim ou meta determinada de
seus pensamentos, isto é, uma tarefa a ser alcançada e cumprida em
obras determinadas, mas, antes, a consumação mesma de seu próprio
pensar. Para cada um deles, a ontologia histórica de nós mesmos se
formula no confronto com o passado e na apropriação de um legado
de questões e problemas muitas vezes subterrâneo, não transmitido e
mesmo deixado no esquecimento pelas correntes teóricas
predominantes no tempo em que eles mesmos refletiram. Aliás, por
isso mesmo, nenhum deles pode ser facilmente inserido em uma
tradição intelectual bem definida e nenhum deles fundou escolas. Em
uma palavra, o diagnóstico filosó

2 Foucault, M. Un cours inedit. Magazine Littéraire, n. 207, p. 39, maio 1984.


3 Foucault, M. Qu'est-ce que les Lumières? In: Dits et écrits. Paris: Gallimard,
1994. v. IV, p. 577.
Xíi ANDRÉ DUARTE

fico da atualidade empreendido por Arendt, Foucault e Heidegger


sempre se exerceu de maneira crítica e desconstrutiva, tendo em vista
a abertura de novas brechas para o pensamento e para a ação no
presente, e nisso consiste seu potencial crítico."

Tomo a liberdade de subscrever integralmente o diagnóstico


contido nessa passagem, especialmente na última frase, que o resume
e conclui. E faço-o para aplicá-lo ao trabalho filosófico de André Duarte
ao longo desses anos, em particular àquilo que dele vem a lume neste
livro. Por causa disso, Heidegger nele comparece especialmente do
ponto de vista do pensador interessado na destruição da metafísica da
subjetividade, em busca de novos horizontes para o existir humano
entre a Terra e o céu. É por isso também que avulta aqui a dimensão
da filosofia heideggeriana da técnica, em sua acepção originária, como
uma modalidade de pro-ducere, de her-vor-bringen, porque é nela que
se percebe, mais claramente, em que medida há uma ética e uma
política em Heidegger, concernida pela pergunta sobre novas formas
de vida.
De acordo com Heidegger, produzir é trazer à luz ou conduzir à
frente, desvelar, desocultar, acepção que não corresponde às noções
recorrentes da técnica, considerada seja como meio para um fim
(concepção instrumental), ou como incremento do poder-fazer hu-
mano (concepção antropológica). Para Heidegger, a técnica não é
meio, nem uma amplificação da capacidade humana de produzir - a
técnica é, essencialmente, um modo de desocultar, de desvendar, de
retirar o vcu, mostrar alétheia.
"O que tem a essência da técnica a ver com Desocultar? Resposta:
Tudo. Pois no desocultar se funda o pro-ducere. Mas este reúne em si
os quatro modos da causação - a causalidade - e os domina. Ao
domínio desses modos pertencem fim e meio, pertence o instru-
mental. Este vale como o traço fundamental da técnica. Se pergun-
tamos, passo a passo, o que seria propriamente a técnica represen-
tada como meio, então chegamos ao Desocultar. Nele repousa a
possibilidade de toda fabricação disponibilizadora." 4

4 Heidegger, M. Die Frage nach der Technik. 5. ed. Pfullingen: Neske, 1982. p. 12. As
quatro modalidades de causação referidas são, obviamente, as causas material,
formal, eficiente e final.
VIDAS EM RISCO XIII

À respeito dessa essência, observa Heidegger,

"muito se escreve, mas pouco se pensa, A técnica é, em sua essência,


um destino ontológico-historial da verdade do ser, que reside no
esquecimento, A técnica não remonta, na verdade, apenas com seu
nome, até a tékne dos gregos, mas ela se origina ontológico-
historialmente da tékne como um modo do aletheúein, isto é, do
tomar manifesto o ente. Como uma forma da verdade, a técnica se
funda na história da metafísica. Esta é uma fase privilegiada da história
do ser e a única da qual, até agora, podemos ter uma visão de
conjunto".5

Ora, se história da metafísica é também a história do esquecimento


do ser e de sua substituição pelo ente, só um pensamento que
ultrapassou a metafísica pode abrir-se para a rememoração do sentido
do ser e, portanto, para pensar originariamente a essência da técnica
como um acontecer destinamental (Geschick) da história da verdade
do ser. Justamente disso o humanismo, em qualquer de suas
modalidades, é incapaz, pois ele é essencialmente metafísico e,
portanto, só compreende a técnica em chave antropológica e ins-
trumental, ou, dito modemamente, como vontade de poder, isto é,
como potencialização da capacidade humana de produzir.
Desse ponto de vista, faria sentido considerar Nietzsche, quanto ao
essencial, como o pensador por excelência da técnica moderna - pois,
de acordo com Heidegger, Nietzsche pensa a vontade de poder como
a essência do ente, na chave aristotélica da dynamis e entelechia, como
um princípio metafísico. O eterno retomo constituiría, na era da
dominação planetária da tecnologia, a figura do ente, o aspecto
representacional da existência dos entes, bem como da totalidade do
ente, cuja essência é determinada como vontade de poder (a doutrina
do etemo retomo seria o equivalente metafísico do cálculo, este
considerado como fator de asseguramento e objeti- vação, para fins
de manipulação e controle, de reprodução infinita do mesmo - a saber,
transformação do ser dos entes em sua totalidade, em variáveis de

5 Heidegger, M. Carta sobre o humanismo. In: Heidegger, M. Conferências e escritos


filosóficos. Tradução de Ernildo Stein. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 361.
Coleção Os Pensadores.
XIV ANDRÉ DUARTE

cálculo, da natureza em fundo de reserva de energias, disponibilizadas


para apropriação tecnológica).
De acordo com Heidegger, consuma-se na filosofia de Nietzs- che
o acabamento da metafísica; esta se realizaria historicamente como
mobilização total, captura de todos os entes nos circuitos tecnológicos
de produção, consumo e desgaste. Essa objetivação técnico-científica
da natureza engloba tudo em um único processo de aproveitamento,
valorização, fabricação e desgaste, que tudo reduz à condição de
variável de cálculo: “Agricultura é agora indústria alimentar
motorizada; em essência, o mesmo que a fabricação de cadáveres em
câmaras de gás (...) o mesmo que a fabricação de bombas de
hidrogênio.”6
Em condições tais, o humanismo, como toda metafísica, estaria
também fechado para uma modalidade não objetificadora e reifíca-
dora de relação com o ser dos entes; também o humanismo não se
apresenta como alternativa histórica para corresponder, pelo pensa-
mento, à essência originária da técnica moderna. Aliás,

"metafísica alguma, seja ela idealista, seja materialista, seja cristã,


pode, segundo sua essência, e de maneira alguma apenas nos esforços
despendidos em desenvolver-se, alcançar ainda o destino, isto
significa: atingir e reunir, através do pensar, o que agora é do ser, num
sentido pleno".7

Na época de sua realização sob a forma de mobilização total, a


metafísica - a despeito de todas as “boas intenções humanitárias” -
leva adiante a completa objetivação da natureza, inclusive da humana,
transmudando a essência e a destinação do homem que, de “pastor do
ser” preocupado com o cuidado dos entes, toma-se a mais importante
matéria-prima a ser consumida no desgaste (Ver- nutzung) universal
do ente. Aliás, o humanismo aprofunda esse

6 Apud Maurer, R. O que existe de propriamente escandaloso na filosofia da técnica


de Heidegger. Tradução de Oswaldo Giacóia Jr. Natureza Humana, v. II, n. 2, p.
406, 2000.
7 Apud Maurer, R. 0 que existe de propriamente escandaloso na filosofia da técnica
de Heidegger. Tradução de Oswaldo Giacóia J. Natureza Humana, v. II, n. 2, p. 406,
2000.
V 1 U M O £ IV) It 1 £ £. U AV

processo, na medida em que, com eie, toda ética permanece intra-


faumana, incapaz de voltar-se para o extra-humano, para o desocui-
tar-se das coisas mesmas, inclusive do homem em sua relação com o
sentido do ser, com seu ser no mundo como ex-sistência finita, como
transcendência e ser-para-a-morte.
E assim ocorre que, encerrado na dimensão instrumental e an-
tropológica da técnica, a dinâmica compulsivamente autorreprodu-
tora do progresso tecnocientífico ameaça converter as promessas da
ética humanista em seu contrário. No que diz respeito às esperanças
do humanismo esclarecido, as pesquisas e realizações bioge- néticas
recentes tomam disponível e manipulável a base somática da
personalidade, que pode então ser instrumentalizada para fins
incompatíveis com o ethos que, até aqui, constituiría o espaço de
habitação do homem- no mundo, o horizonte em que se abria sua
autocompreensão essencial. Desinibidas fantasias estéticas sobre as
novas possibilidades técnicas de consumo mercantil do homem por si
mesmo forneceríam uma réplica cínica para a crassa formulação
heideggeriana, supracitada, acerca da equiparação entre agricultura,
câmaras de gás e bombas de hidrogênio.
Vemos, portanto, como, na interpretação heideggeriana, a técnica
é pensada do ponto de vista de um destinamento, como uma época na
história da verdade do ser, na chave hemenêutica do acontecimento
apropriador (Ereígnis) - e, nessa medida, ela pode ser aproximada de
uma autêntica reflexão filosófica, ligada, até a máxima profundidade,
a preocupações de natureza biopolíticas. E, nessa chave, pode-se
também compreender a afirmação aparentemente surpreendente de
Foucault, segundo a qual Heidegger teria sido, para ele, um pensador
essencial.
E nesse mesmo espírito de confrontação reflexiva com tais ques-
tões e problemas - tanto com aqueles que foram efetivamente legados
e traditados, como com os que, na tradição, permaneceram
impensados portanto nesse horizonte filosófico de uma ontologia
crítica de nós mesmos, aberta para um pensar de outro modo, para
novas possibilidades de experiência de constituição de uma cons-
ciência de si, que a Auseinandersetzung de Hannah Arendt com a
XVi ANDRÉ DUARTE

modernidade política e com a experiência totalitária nutre a reflexão


de André Duarte.
Em uma produção política sistemática de homogeneidades mas-
sivas, que exterminam todos os traços de autêntica humanidade, re-
vela-se o paradoxo contemporâneo, até então oculto na concepção de
direitos humanos - direitos radicados na natureza do homem,
dedutíveis por operação da simples razão, precedentes e alheios à
institucionalização política. Esses direitos, tal como os concebiam os
jusnaturalistas clássicos, como Hobbes, Rousseau, Grotius e Lo- cke,
entre outros, estavam antropocentricamente ancorados na natureza
do homem, podendo ser embasados em argumentos cogentes,
universalmente válidos e irrecusáveis para qualquer ser de razão.
Ora, no século XX, em decorrência da configuração da sociedade
burguesa como uma sociedade de massas, emergente da Revolução
Industrial, esses direitos passam a evidenciar seu inegável
condicionamento histórico, assim como sua condição volátil, mos-
trando-sc inexequíveis precisamente em relação a seres humanos
despossuídos de todos os atributos e qualidades diversos da mera e
nua pertença ao gênero humano. Desprovidos de um estatuto político
definido e, portanto, privados da proteção das comunidades jurídico-
políticas nacionais, estavam também concretamente privados dos
presumíveis direitos humanos universais. A esse respeito, ponderava
já então Hannah Arendt com incomparável lucidez e discernimento:

"Os direitos do Homem, supostamente inalienáveis, mostraram-se


inexequíveis - mesmo nos países cujas constituições se baseavam
neles - sempre que surgiam pessoas que não eram cidadãos de algum
Estado soberano. A esse fato, por si já suficientemente descon-
certante, deve acrescentar-se a confusão criada pelas numerosas
tentativas de moldar o conceito de direitos humanos no sentido de
defini-los com alguma convicção, em contraste com os direitos do
cidadão, claramente delineados.”8
Indivíduos que não pertencem a nenhuma comunidade política,
nena possuem um lugar no mundo no qual possam fincar raízes,

8 Arendt, H. O declínio do Estado-nação eofim dos direitos do homem. In: Ori-


gens do totalitarismo - anti-semitismo, imperialismo e totalitarismo. Tra-
dução de Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 327.
V í Ü ~ .> t M H í S L u A VII

tomam manifesta a histórica condição deficitária dos “direitos hu-


manos” em termos de conteúdo. Os direitos individuais e coletivos,
mencionados por todas as declarações de direitos humanos, presu-
mem um direito fundamental, ao qual estão ligados: a cidadania, cuja
primazia emergiu, enfim, sob a forma negativa da perda de uma
comunidade política pelos refugiados e apátridas.

"Não importa como tenham sido definidos no passado (direito à vida,


à liberdade e à procura da felicidade, de acordo com a fórmula
americana; a igualdade perante a lei, a liberdade, a proteção da
propriedade e a soberania nacional, segundo os franceses); não im-
porta como se procure aperfeiçoar uma fórmula tão ambígua como a
busca da felicidade, ou uma fórmula antiquada como o direito in-
discutível à propriedade; a verdadeira situação daqueles a quem o
século XX jogou fora do âmbito da lei mostra que esses são direitos
cuja perda não leva à absoluta privação de direitos (...). A calamidade
dos que não têm direitos não decorre do fato de terem sido privados
da vida, da liberdade ou da procura da felicidade, nem da igualdade
perante a lei ou da liberdade de opinião - fórmulas que se destinavam
a resolver problemas dentro de certas comunidades - mas do fato de
já não pertencerem a qualquer comunidade."9

Para Hannah Arendt, a garantia da eficácia dos direitos humanos


supõe e exige a cidadania de que se pretendem desligados. A
concepção jusnaturalista dos direitos humanos, na medida em que
reconhecia o fundamento de tais direitos unicamente na mera na-
tureza do homem, ancorando-os no indivíduo independentemente de
sua interação política, pressupunha uma representação da vida social
como exterior à determinação desses direitos, de modo que a
finalidade da eives se traduzia na conservação de direitos naturais,
cujo fundamento seria a humanitas.
Para Arendt, ao contrário, direitos humanos pressupõem a ci-
dadania política como um fato fundamental, como condição de

9 Arendt, H. O declínio do Estado-nação e o fim dos direitos do homem. In: Ori-


gens do totalitarismo - anti-semitismo, imperialismo e totalitarismo. Tra-
dução de Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 327.
XVIII ANDRE DUARTE

sua efetivação no plano prático. Pode-se dizer que, para Arendt, a


cidadania política seria o pressuposto de efetividade dos direitos
humanos.

"Algo mais fundamental do que a liberdade e a justiça, que são os


direitos do cidadão, está em jogo quando deixa de ser natural que um
homem pertença a uma comunidade em que nasceu, e quando o não
pertencer a ela não é um ato da sua livre escolha, ou quando está
numa situação em que, a não ser que cometa um crime, receberá um
tratamento independente do que ele faça ou deixe de fazer. Esse
extremo, e nada mais, é a situação dos que são privados de seus
direitos humanos. São privados não de seu direito à liberdade, mas do
direito à ação; não do direito de pensarem o que quiserem, mas do
direito de opinarem. Privilégios (em alguns casos), injustiças (na
maioria das vezes), bênçãos ou ruínas lhes serão dados ao sabor do
acaso e sem qualquer relação com o que fazem, fizeram ou venham a
fazer."10

A mim, um dos elementos que mais fortemente me impressionam,


como leitor dos ensaios de André Duarte, é o modo como cies
demonstram ser plausível a aproximação entre filósofos tão díspares
como Arendt e Foucault. Para ilustrar essa impressão, recorro ao
primeiro livro do programa filosófico de Giorgio Agamben: Homo
sacer, volume intitulado O poder soberano e a vida nua. Nele, o
pensador italiano - que comparece nesta coletânea como um dos
interlocutores de André Duarte no plano da biopolítica e da crítica
contemporânea da soberania - registra uma circunstância curiosa.
Depois de fazer notar que seu próprio plano de pesquisa se insere
na linha das investigações biopolíticas de Arendt e Foucault, ele nota
ser digno de menção que a autora de As origens do totalitarismo não
trata de biopolítica, do mesmo modo como a arqueogenea- logia
foucaultiana da biopolítica não se debruça sobre os campos de
concentração. Trata-se, sem dúvida, de uma ausência que se faz notar.
No caso dessa obra de André Duarte, parece-me que pude

10 Arendt, H. O declínio do Estado-nação e o fim dos direitos do homem. In: Ori-


gens do totalitarismo - anti-semitismo, imperialismo e totalitarismo. Tra-
dução de Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 330.
VIDAS EM R I SCO 19

encontrar um elo que permite ligar Arendt a Foucault, no espaço


filosófico do biopoder, elo que remete à apropriação por Giorgio
Agamben dos elementos da teoria crítica da sociedade da Escola de
Frankfurt.
Minha referência aqui é à filosofia da história de Walter Benja- min
e às reflexões benjaminianas sobre direito e violência. Trata- se, a
meu ver, de uma ilustração plenamente adequada daquilo que
Foucault denominou uma mesma forma de filosofia, que vinca a
história da atualidade de Hegel à Escola de Frankfurt, passando por
Nietzsche e Max Weber, e que caracteriza a sua própria forma de
fazer reflexão.
O esforço hermenêutico de André Duarte revelou-me a pertinên-
cia da intervenção e a necessidade da presença de Agamben nesse
carrefour filosófico, sem nenhuma artificialidade. Referindo-se à
aproximação pela distância entre Arendt e Heidegger, Duarte escreve:

"O fenômeno da alienação de mundo não deve ser compreendido


como expressão de um Zeitgeist capaz de unificar todo o processo
histórico do Ocidente, dotando-o de um sentido ou finalidade ne-
cessários a priori. Como eventos históricos, eles são entendidos por
Arendt como acontecimentos singulares, cujo poder de iluminação
retrospectivo anuncia a conjunção contingente de consequências e
implicações que se entrelaçaram de maneira a formar uma totalidade
significativa não necessária e, portanto, aberta. A história não se
constitui a partir de causalidades ou finalidades secretas, mas a partir
de eventos tangíveis cujas implicações são imprevisíveis não havendo,
portanto, qualquer necessidade no fato de a modernidade ter se
iniciado e culminado no fenômeno que Arendt denominou a alienação
do mundo e da Terra: 'a história é uma estória (story) de eventos e
não de forças ou idéias de curso previsível'."

U Ora, o vigor dessa análise faz a mente transitar naturalmente


* para a filosofia da história de Walter Benjamin, para sua crítica do
historicismo e de uma interpretação redutora e mecanicista do ma-
terialismo histórico. E nessa crítica podemos reconhecer - talvez seja lícito dizê-
lo - a nervura filosófica do programa concebido por '% Agamben de repensar
a tradição da modernidade política, na ten-
20 ANDRÉ DUARTE

tativa ambiciosa de desatrelar política e soberania, democracia e


estatalidade.
Se Agamben considera que as declarações de direito represen-
tariam aquela figura original da inscrição da vida natural na ordem
jurídico-política do Estado-nação, é justamente para reconstituir os
laços históricos entre biopolíticas e direitos do homem.

"Aquela vida nua natural que, no antigo regime, era politicamente


indiferente e pertencia, como fruto da criação, a Deus, e no mundo
clássico era (ao menos em aparência) claramente distinta como zoé
da vida política (fofos), entra agora em primeiro plano na estrutura do
Estado e torna-se aliás o fundamento terreno de sua legitimidade
soberana."11

Sendo assim, as declarações dos direitos devem ser consideradas


como o local em que se efetua uma passagem da forma clássica da
soberania régia, de origem divina, à nova figura histórica da soberania
nacional. As declarações de direitos asseguram a inserção

"da vida na nova ordem estatal que deverá suceder à derrocada do


ancien régime. Que, através dela, o 'súdito' se transforme (...) em
'cidadão', significa que o nascimento - isto é, a vida nua natural como
tal-torna-se aqui pela primeira vez (com uma transformação cujas
consequências biopolíticas somente hoje podemos começar a
mensurar) o portador imediato da soberania. O princípio da nativi-
dade e o princípio da soberania, separados no antigo regime (onde o
nascimento dava direito somente ao sujet, ao súdito), unem-se agora
irrevogavelmente no corpo Estado-Nação.
Não é possível compreender o desenvolvimento e a vocação
'nacional' e biopolítica do Estado moderno nos séculos XIX e XX, se
esquecemos que em seu fundamento não está o homem como sujeito
político livre e consciente, mas, antes de tudo, a sua vida nua, o
simples nascimento que, na passagem do súdito ao cidadão, é in-
vestido como tal pelo princípio da soberania. A ficção aqui implícita é
a de que o nascimento torne-se imediatamente nação, de modo que
entre os dois termos não possa haver resíduo algum. Os direitos são
atribuídos ao homem (ou brotam dele) somente na medida 8

8 Agamben, G. Homo sacer. O poder soberano e a vida nua I. Tradução de Henrique


Burigo. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002. p. 134.
V i D A S i ; l'/l K i S C Ü AAI

em que ele é o fundamento imediatamente dissípante (e que.,


aliás, não deve nunca vir à luz como tal), do cidadão7'.1^

É nesse contexto que se insere sua polêmica e provocativa apro-


ximação entre as democracias liberais e os regimes autoritários do
nazismo e do stalinismo, que teriam instituído os campos (Aus- chwitz,
gulag) como paradigmas da biopolítica:

"A contiguidade entre a democracia de massa e os Estados totalitários


não tem, contudo (...) a forma de uma improvisa reviravolta: antes de
emergir impetuosamente à luz do nosso século (século XX), o rio da
biopolítica, que arrasta consigo a vida do homo sacer, corre de modo
subterrâneo, mas contínuo. É como se, a partir de um certo ponto,
todo evento político decisivo tivesse sempre uma dupla face: os
espaços, as liberdades, os direitos que os indivíduos adquirem no seu
conflito com os poderes centrais simultaneamente preparam, a cada
vez, uma tácita, porém crescente inscrição de suas vidas na ordem
estatal, oferecendo assim uma nova e mais temível instância ao poder
soberano do qual desejariam liberar-se."9 10

A título de conclusão desta apresentação, gostaria de não deixar


intocado um tema que, sem dúvida, constitui uma preocupação da
maior importância também para o autor de Vidas em risco. Refiro- me
ao tema do humanismo, da relação entre humanismo e modernidade,
e das condições em que se pode colocar, em nossos dias, a questão das
complexas relações entre ética e humanismo.
Nessa perspectiva, e aceitando o convite para a reflexão que André
Duarte nos faz neste livro, proponho um retomo ao “último Foucault”,
para resgatar uma possibilidade que ele pressentiu com muita força: a
possibilidade de uma transformação no solo histórico de onde
emergiram as ciências humanas e, com elas, a biopolítica, a partir de
certos indícios e presságios, no limiar dos quais seriam pensáveis novas
possibilidades de vida, novas formas de subjeti- vação - não mais como

9 Agamben, G. Homo sacer. O poder soberano e a vida nua I. Tradução de


Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002. p. 135.
10 Agamben, G. Homo sacer. O poder soberano e a vida nua I. Tradução de Henrique
Burigo. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002. p. 127 e segs. Quando não houver
indicações em contráro, as traduções são de minha autoria.
XXI! ANDRÉ DUARTE

sujeitos assujeitados, Na Hermenêutica do sujeito encontramos


Foucault às voltas com possibilidades outras de organização de uma
consciência de si, radicalmente diferentes do modelo normatizador de
sujeição, pelo qual a modernidade pro- blematizou a constituição de si
como sujeito.
Tratava-se, para Foucault, de investigar processos de subjetiva- ção
que produzam novas modalidades de existência: nem pessoa, sujeito
de direito, nem a figura de sujeito submetido às disciplinas e à
regulamentação biopolítica. Foucault analisará os modos de existência
gregos, cristãos, em busca de estilísticas de si, interpretando a ascese
como arte de configurar formas de subjetividade, em um austero
trabalho de relação consigo mesmo.
Depois do anúncio da morte de Deus, encontramo-nos no limiar da
morte do homem, como sujeito assujeitado do esclarecimento e das
ciências humanas.

"Por meio de uma crítica filológica, de uma certa forma de biolo-


gismo, Nietzsche reencontrou o ponto onde o homem e Deus se
pertencem um ao outro, onde a morte do segundo é sinônimo do
desaparecimento do primeiro, e onde a promessa do além-do-
homem significa de início, e antes de tudo, a iminência da morte do
homem. No que Nietzsche, propondo-nos esse futuro a uma vez como
termo de pagamento e como tarefa, marca o limiar a partir do qual a
filosofia contemporânea pode recomeçar a pensar, ele continuará
sem dúvida por muito tempo a inclinar o seu encaminhamento."11

O desaparecimento do homem, no entanto, não é uma perda a la-


mentar, uma lacuna a ser urgentemente preenchida. Para Foucault, ao
contrário, esse desaparecimento é abertura de um espaço para novas
possibilidades do pensamento. Pensamos, pois, equilibrando- nos no
vácuo do homem desaparecido. Uma hermenêutica do sujeito pode,
então, adquirir o sentido de uma filosofia que faz da ética, como forma
de vida, uma estilística da existência, que se interroga sobre a
constituição possível de uma modalidade outra de organização de uma
consciência de si.
Trata-se, antes de tudo, do destino da filosofia como um ensaio,

11 Foucault, M. Les mots et les choses. Paris: Gallimard, 1966. p. 353.


V í D A b t i Vi K ! b C O A.AII!

que pode arrogar para si um direito de explorar perspectívamente o


que pode ser mudado no plano de seu próprio pensamento, fazendo
experiências sobre tipos e formas de saber que lhe são estranhos,
como se o recuo, o distanciamento crítico em relação ao próprio
presente fosse também a melhor forma de experimentar modalidades
outras de devir sujeito.
"Mas o que é filosofar hoje em dia - quero dizer, a atividade filosófica
- senão o trabalho crítico do pensamento sobre o próprio pensa-
mento? Se não consistir em tentar saber de que maneira e até onde
seria possível pensar diferentemente em vez de legitimar o que já se
sabe. Q 'ensaio' - que é necessário entender como experiência
modificadora de si no jogo da verdade, e não como apropriação
simplificadora de outrem para fins de comunicação-é o corpo vivo da
filosofia, se, pelo menos, ela for ainda hoje o que era outrora, ou seja,
uma 'ascese', um exercício de si no pensamento."12

Não se cogita, de modo algum, de uma nostalgia do Homem, nem


de uma idealização romântica dos gregos ou dos primeiros cristãos.
Para além da saudade da origem e da tirania dos modelos, trata-se de
apontar (e apostar) na diferença.

"Não temos que escolher entre o nosso munc|o e o mundo antigo.


Porém, desde que podemos ver muito bem que alguns dos mais
importantes princípios de nossa ética têm sido relacionados num certo
momento a uma estética da existência, eu penso que este tipo de
análise [trata-se aqui da análise da ética sexual da Grécia clássica; OGJ]
pode ser útil."13

A tarefa consiste, portanto, em problematizar nossas específicas


maneiras de constituição de um “si”; buscar, para tanto e para

12 Foucault, M. História da sexualidade: o uso dos prazeres. 5. ed. Tradução de


Maria T. da Costa Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 1984. v. II, p. 13.
13 Foucault, M. O retorno da moral. In: Escobar, C. H. (Org.). M. Foucault 1926- 1984.
O dossier. Últimas entrevistas. Tradução de Ana Maria de Lima e Maria G. R. da
Silva. Rio de Janeiro: Taurus, 1984. p. 137.
XXIV ANDRÉ DUARTE

além do confisco da morai pela teoria do sujeito, vislumbrar novas


e artísticas experiências de relação consigo. Nesse sentido, Foucauit
nos diz:

"uma experiência morai essencialmente centrada no sujeito não me


parece mais hoje suficiente. E por isso mesmo um certo número de
questões se colocam para nós nos mesmos termos em que se
colocavam para a Antiguidade. A procura de uma forma moral que
seria aceitável para todo mundo - no sentido de que todo mundo
deveria se submeter a ela - parece-me catastrófica".14

Não está em questão a persistência intemporal de figuras do


Mesmo, de identidades eternamente reconhecíveis, mas o exercício
perspectivista de outras possíveis formas de ser. Ensaio como asce- se
é um exercício de si no plano do pensamento. Esse é o sentido do recuo
crítico de Foucauit para a Antiguidade grega e para os primeiros
tempos do cristianismo: uma condição filosófica para elaborar uma
genealogia do presente, uma ontologia de nós mesmos.
No fundo, parece-me equivocada a obstinação historiográfica em
identificar em Foucauit periodizações, descontinuidades, rupturas,
como se a análise das disciplinas e da biopolítica tivesse sido
abandonada em proveito de um estudo que se dedicasse à ética e à
ascética - o célebre e paradoxal retorno do sujeito. O problema desse
mestre do pensamento sempre permaneceu o mesmo: como formas
de subjetivação são historicamente engendradas no espaço que se
abre entre os jogos de verdade e os efeitos de poder.
A descoberta do homem como produto do século XVII, a partir da
economia política, da filologia histórica e da biologia, como
trabalhador-produtor, falante e população é também a abertura de
um horizonte para a problematização de si - um ensaio para se pensar
diferente do que se pensou, de constituir-se de modo diferente
daquele pelos quais fomos assujeitados aos jogos de saber-poder da
modernidade. O trabalho de Foucauit sempre se ocupou com uma

14 Foucauit, M. O retorno da moral. In: Escobar, C. H. (Org.). M. Foucauit 1926- 1984.


O dossier. Últimas entrevistas. Tradução de Ana Maria de Lima e Maria G. R. da
Silva. Rio de Janeiro: Taurus, 1984. p. 137.
VIDAS EM RISCO XXV

ontologia de nós mesmos, em uma variação a cada vez diversa e genial


do mesmo tema, acabando como começou.
Ilustram também a aproximação na distância, tão bem trabalhada
por Duarte em seu texto, duas ponderações prenhes de conse-
quências, uma de Agamben, outra de Foucauit, sobre novas moda-
lidades de si no pensamento e na vida, particularmente a partir da
decifração dos sinais dos tempos, dos signos do presente:

"A queda do partido comunista soviético e a dominação sem véus em


escala planetária do Estado democrático capitalista eliminaram os dois
obstáculos ideológicos maiores que se opunham à reconsideração de
uma filosofia política digna de nosso tempo: o stalinis- mo de um lado,
o progressismo e o Estado de direito de outro. O pensamento se
encontra assim pela primeira vez confrontado a sua tarefa serp
nenhuma ilusão e sem nenhum álibi possível."15

Filosofia como diagnóstico do presente, ontologia de nós mesmos,


como detecção das fissuras pelas quais podemos experimentar novos
modos de ser - essa função de diagnóstico da filosofia

"não consiste em caracterizar simplesmente o que somos, mas,


acompanhando as linhas de fragilidade do presente, em chegar a
alcançar por onde isso que é e como isso que é podería não ser mais
isso que é. E é nesse sentido que a descrição [desse 'hoje'; OGJ] deve
ser feita sempre segundo essa espécie de fratura virtual, que abre um
espaço de liberdade, entendido como espaço de liberdade concreta,
isto é, de transformação possível".16

15 Disponível em: <http:// geocities.yahoo.com.br/polis_contemp/polis_agam-


ben.html>.
16 Foucauit, M. Structuralisme et poststructuralisme. In: Dits et écrits. Paris:
Gallimard, 2001. v. II, p. 1267 e segs.
ANDRÉ DUARTE

VIDAS EM RISCO
CRÍTICA DO PRESENTE EM HEIDEGGER,
ARENDT E FOUCAULT
INTRODUÇÃO

Os ensaios que compõem este livro tomam como ponto de partida


a hipótese de que a vida humana está exposta a toda sorte de riscos
na modernidade tecnocientífica. As estatísticas são claras: se é
verdade que nunca houve tamanho progresso na melhoria da
qualidade de vida de muitos, também é certo que nunca antes popu-
lações inteiras estiveram sujeitas à morte em escala industrial por
causa de guerras e conflitos, catástrofes ecológicas e doenças pro-
duzidas pelas condições sociais e tecnológicas em que vivemos. O
século XX que testemunhou o progresso tecnológico e os confortos e
facilidades que conhecemos e de que desfrutamos foi também aquele
no qual aproximadamente 190 milhões de pessoas morreram em
função direta ou indireta da violência tecnológica de guerras locais ou
mundiais.
Mas há também outros sentidos, menos evidentes, contidos na
associação proposta entre vida e risco. Quanto mais avançamos na
direção do futuro hipertecnológico e biopolítico a que estamos des-
tinados, tanto mais a vida humana assume uma centralidade e uma
relevância inauditas em épocas pré-modemas. Desde o alvorecer da
modernidade a vida esteve crescentemente no centro das determi-
nações econômicas, políticas e tecnocientíficas, as quais trouxeram
consigo, simultaneamente, progresso, bem-estar e toda sorte de ris-
cos para o futuro da vida humana e de todas as formas de vida na
Terra. Na modernidade a vida mesma viu-se capturada no interior
de uma espiral de consequências incontroláveis e imprevisíveis. Não
por acaso, termos e conceitos como biopolítica, bioética, bio-
tecnologia, biogenética, sociedade de risco, vidas supérfluas, vidas
destruídas pelo capital ou pelo terrorismo, entre outros, tomaram-se
moeda corrente nos debates teóricos e na mídia contemporânea. Vi-
vemos em uma época em que a valorização e o incentivo da vida se
fazem acompanhar da depreciação e do descarte dessa mesma vida.
Colhidos em meio a essa espiral incontrolável, de nada adianta assumir
atitudes teóricas orientadas pelo pessimismo ou pelo otimismo,
marcadas pela recusa impossível da modernidade tecnológica ou pela
exaltação cega de suas virtudes e benefícios. Se não podemos escapar
a nosso destino moderno biopolítico e biotecnológico, isso tampouco
implica qualquer fatalidade, como se nada restasse por fazer. Afinal,
quando a vida é projetada como nosso bem supremo, ao mesmo
tempo em que é cotidianamente degradada ao plano de algo
supérfluo, justamente então se faz preciso correr o risco de viver,
pensar e agir de outro modo. Somente quem sabe que sua vida se
encontra em risco pode arriscar-se a viver e pensar de outro modo,
tarefa a que se comprometeram Heidegger, Arendt e Foucault ao
empreenderem sua crítica do presente.
Os ensaios aqui reunidos formam um conjunto coerente de temas
e problemas relacionados a certo caminho da filosofia política
contemporânea, tendo como referências fundamentais as reflexões de
Nietzsche e Heidegger, as quais se ramificam e se bifurcam nas idéias
de Foucault, Arendt e Agamben, dentre outros. Temos aí um conjunto
heterogêneo de pensadores que desenvolveram suas reflexões na
forma do ensaio, visando a formular um diagnóstico filosófico da
atualidade. Michel Foucault denominou essa vertente teórica da
filosofia política contemporânea o “pensamento crítico que tomou a
forma de uma ontologia de nós mesmos, de uma ontologia da
atualidade”.17 Foi em tomo a essa definição que os ensaios

17 Foucault, M. Dits et écrits. Paris : Galiimard, 1994. v. IV, p. 688. A Editora Forense
Universitária vem publicándo uma seleção dessas entrevistas e ensaios de
Foucault, reunindo-os tematicamente.
V í U A b fc IV! K iiiu

da presente coletânea reuniram autores que, talvez, não imaginás-


semos encontrar lado a lado em um mesmo álbum de fotografias,
como Arendt, Foucault e Heidegger. A possibilidade de associar temas,
conceitos e autores cuja relativa proximidade não pode desconsiderar
as singularidades teóricas que os especificam e os afastam entre si
encontra em uma sentença de Nietzsche a sua senha: “Eu desconfio de
todos os sistemáticos e afasto-me do seu caminho. A vontade de
sistema é uma falta de honestidade.”18 É claro que essa afirmação já
não tem exatamente o mesmo sentido que tinha quando Nietzsche a
pronunciou, pois, desde então, a própria vontade de sistema deixou de
orientar ao menos uma parte considerável da filosofia contemporânea.
No entanto, ainda hoje se fazem ouvir reclamos segundo os quais o
pensamento somente pode ser rigoroso ao assumir rígidas exigências
metodológicas e fundacionais, sem as quais o pensamento estaria
prometido aos erros políticos e morais do misticismo e do
fundamentalismo. Por outro lado, se a sentença nietzschiana continua
a dar o que pensar, isso se deve ao fato de que ela franqueia o acesso
à experiência livre e móvel do pensamento.19 Com Oswaldo Giacóia
Junior, assumo que, após Nietzsche, “filosofia é, então, ensaio,
experimento, mobilidade no pensamento, abandono da crença em
últimas certezas, abertura da vida para a intrepidez de perspectivas
infinitas”.20
Em se tratando de ensaios a respeito de pensadores não sistemá-
ticos como Arendt, Heidegger e Foucault, os quais jamais pretenderam
esgotar os problemas abordados em seus campos próprios de reflexão,
abre-se ao intérprete a possibilidade de ensaiar combinações e
aproximações sem ver-se obrigado a estabelecer hierarquias,
influências e linhas de descendência entre eles. Se Heidegger,

18 Nietzsche, F. Sentenças e farpas, § 26. In: Crepúsculo dos ídolos. Lisboa: Gui-
marães Editores, 2002. p. 21.
19 Carlos Alberto Ribeiro de Moura observa que "a crítica ao sistema corresponde a
uma vontade filosófica de novas descobertas e de horizontes abertos de
pesquisa". Cf. Nietzsche, civilização e cultura. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p.
XXIX.
20 Giacóia Junior, O. De Nietzsche a Foucault: impasses da razão?. In: Foucault-
Kafka. Sem medos. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004. p. 92.
4 ANUKt UUAHIh

Arendt e Foucault continuam a fascinar seus leitores, isso se deve


também ao fato de que as lacunas e silêncios de seu pensar exigem do
intérprete uma tomada de posição, um colocar-se nos espaços vazios
e silenciosos do questionamento alheio. Essa é, aliás, a condição que
toma possível pensar com tais autores, entre eles e mesmo para além
deles, conduzindo-os por caminhos reflexivos que eles próprios não
frequentaram. Portanto, não se espere dos ensaios aqui reunidos uma
apreciação cuidadosa, sistemática e meticulosa a respeito de cada um
dos autores e dos pormenores teóricos à luz dos quais seria possível ou
impossível colocá-los lado a lado. Antes, e por outro lado, o que
pretendí foi enriquecer o pensamento de cada um deles pelo
pensamento dos outros, estabelecendo uma confrontação em que
cada um é posto frente a frente com os demais, a fim de ampliar nossa
própria compreensão da atualidade.
Tal procedimento hermenêutico é arriscado e desperta a des-
confiança dos especialistas, pois se arrisca a perder aquilo que neles é
a marca de sua unicidade como pensadores.21 Ressalto, portanto, que
essa aproximação entre pensadores distintos e únicos não pretende
demonstrar que Arendt, Foucault e Heidegger ocupariam um mesmo
lugar de pensamento, como se as inegáveis diferenças teóricas
existentes entre seus modos próprios de pensar fossem apenas
circunstanciais. Por outro lado, aceitei correr o risco de aproximar
autores singulares porque penso que o risco é inerente a toda
interpretação, a qual, de todo modo, sempre recorta e seleciona os
textos interpretados a fim de ressaltar neles algo que até então não
fora suficientemente percebido por outros intérpretes. Se toda
interpretação é perspectiva, então o leitor não deve estranhar se
Foucault lhe aparecer nestes ensaios menos como um positivista feliz
e mais como um crítico da cultura e da política contemporânea; se
Heidegger lhe aparecer menos como filósofo da questão do

21 Também aqui Nietzsche deixou uma advertência fundamental: "Quem quer


mediar entre dois pensadores decididos mostra que é medíocre: não tem olho
para o que é único; enxergar semelhanças e fabricar igualdades é característica de
olhos fracos." Nietzsche. A gaia ciência. Tradução de Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia das Letras, 2001. § 228, p. 177.
V t U A Ç r IV! K I q C U

ser, alheio e distanciado em relação aos dilemas de nosso tempo,


e mais como pensador intrinsecamente concernido por eles; e se
Arendt lhe aparecer menos como a pensadora da renovação da esfera
pública e da política e mais como a filósofa que, recolhida ao espaço
silencioso do pensamento, entreviu o obscurecimento da política na
modernidade.
Foi seguindo tais perspectivas interpretativas que Foucault, Arendt
e Heidegger puderam aparecer reunidos em tomo a determinadas
questões cruciais do nosso tempo, nas quais a vida humana apresenta-
se sujeita a toda sorte de riscos. O primeiro bloco de ensaios aborda os
diagnósticos ou as narrativas filosóficas da modernidade propostas por
Heidegger, Arendt e Foucault, assim como suas próprias tentativas de
ultrapassá-la rumo a uma nova experiência do presente e de sua
inteligibilidade. O segundo bloco de ensaios aborda o problema e os
perigos da técnica, da ciência e da biopolítica, também eles centrais
para a reflexão de Heidegger, Arendt e Foucault. Finalmente, o terceiro
bloco de ensaios diz respeito à exigência de repensar as relações entre
teoria e prática, da qual se derivam as vias abertas por Heidegger,
Arendt e Foucault para a reflexão contemporânea em tomo a uma
ética não metafísica, desprovida de fundamentos últimos.
Ao compor tais ensaios, imaginei que tipo de conversas e diálogos
cruzados Heidegger, Foucault e Arendt poderíam ter tido entre si, caso
alguma vez houvessem se reunido e conversado a respeito daqueles
assuntos. Por certo, daquelas conversas imaginárias este livro reteve,
sobretudo, os aspectos em tomo aos quais eles poderíam ter chegado
a algo próximo de uma concordância jamais unânime. Estou certo de
que um livro inteiro poderia ser dedicado a explorar as diferenças
substanciais na maneira de pensar e nos “resultados” oriundos de
pensamentos tão distintos entre si. No entanto, creio ao menos que a
conversa entre eles teria sido possível, pois, em última instância,
compartilham de um mesmo horizonte hermenêutico: o
questionamento crítico do passado e do presente - operado distinta-
mente por cada um deles - em vista da formulação de uma “ontologia
histórica de nós mesmos”, para retomar as formulações foucaul-
6 ANDRÉ DUARTE

tianas.22 Tanto Arendt quanto Heidegger e Foucault são pensadores da


atualidade que, na esteira da concepção nietzschiana do niilismo
europeu, propuseram seus próprios diagnósticos da modernidade e do
presente, motivo que me pareceu suficiente para confrontá-los,
buscando delinear o horizonte teórico que permite aproximar parte
expressiva de suas reflexões em tomo a certos temas privilegiados.
Fínalmente, ressalto que o projeto de uma ontologia crítica do
presente, entendido como o horizonte hermenêutico a partir do qual
Arendt, Heidegger e Foucault dialogam entre si, não pode ser en-
tendido em termos da proposição ou da reabilitação de um determi-
nado corpus teórico doutrinai. Para eles, a ontologia não constitui uma
disciplina metodologicamente orientada para a enunciação da verdade
última a respeito do mundo contemporâneo. A formulação de uma
ontologia crítica do presente não é um fim ou meta determinada de
seus pensamentos, isto é, uma tarefa a ser alcançada e cumprida em
obras determinadas, mas, antes, a consumação mesma de seu próprio
pensar. Para Arendt, Heidegger e Foucault, a ontologia histórica de nós
mesmos se formula no confronto com o passado e na apropriação de
um legado de questões e problemas muitas vezes subterrâneo,
marginal, não transmitido ou mesmo deixado no esquecimento pelas
correntes teóricas predominantes no tempo em que eles mesmos
refletiram. Se nesse confronto com o impensado da tradição e do
passado muitas vezes se lhes impôs a questão da superação da filosofia
ou da metafísica, isto é, se eles se viram implicados na tarefa e na
exigência de pensar de “outro” modo, frequentemente em crise com a
própria filosofia, isso nunca se deu no sentido de uma recusa ou de um
abandono tout court da filosofia, a fim de alcançar, por vias
supostamente mais científicas, aquilo que então viria “após” a filosofia.
Em uma palavra, o diagnóstico filosófico da atualidade empreendido
por Arendt, Foucault e Heidegger sempre se exerceu de maneira crítica
e desconstrutiva, tendo em vista a abertura de novas brechas para o
pensamento e para a ação no presente, e nisso consiste seu potencial
crítico. Uma

22 Foucault, M. Dits et écrits, 1994. v. IV, p. 393.


vez mais Foucault sintetiza o assunto em termos que certamente
seriam compartilhados por Arendt e Heidegger:

"a ontologia crítica de nós mesmos, é preciso considerá-la não cer-


tamente como uma teoria, uma doutrina, nem mesmo como uni corpo
permanente de saber que se acumula; é preciso considerá-la como
uma atitude, como um ethos, uma vida filosófica na qual a crítica
daquilo que somos é simultaneamente uma análise histórica dos
limites que nos são impostos e a prova de seu ultrapassamento
possível".23

Em relação à modernidade, os pensamentos de Foucault, Arendt e


Heidegger não se situam nem totalmente em seu interior, nem
totalmente em seu exterior, mas naquela região de fronteira e limiar
na qual a ontologia crítica da atualidade se faz como o trabalho dos
limites e partilhas entre presente, passado e futuro.24 Em uma palavra,
tal trabalho crítico visa a liberar-nos para uma apropriação positiva do
passado, capaz de reinventar o presente e abri-lo para a
indeterminação do futuro. Uma ontologia crítica do presente,
portanto, jamais pode saltar para fora da história ou escapar de seu
tempo e de seu passado, motivo pelo qual tampouco poderia propor
projetos de revolução global do presente, frequentemente eivados de
conservadorismo militante e cega confiança no futuro. Ontologia
crítica do presente é o traço característico daquele pensamento
contemporâneo que ousa pensar seu tempo no contraponto das in-
suficiências e dilemas do já pensado pela tradição e, como tal, se as-
sume como um pensamento voltado para o porvir. Trata-se aí de um
pensamento inquieto, desamparado, desprovido das velhas garantias
concedidas por sólidos fundamentos normativos consagrados, um

23 Qu'est-ce que les Lumières? In: Dits et écrits. v. IV, p. 577.


24 Nietzsche, no aforismo 616 de Humano, demasiado humano, parece constituir o
modelo de tal atitude crítica pós-hegeliana: "Há grandes vantagens em alguma vez
alienar-se muito de seu tempo e ser como que arrastado de suas margens, de volta
para o oceano das antigas concepções do mundo. Olhando para a costa a partir de
lá, abarcamos pela primeira vez sua configuração total, e ao nos reaproximarmos
dela teremos a vantagem de, no seu conjunto, entendê-la melhor do que aqueles
que nunca a deixaram." Humano, demasiado humano. Tradução de Paulo César
de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 260.
6 ANUKtuuaKIt

pensamento alheio a programas bem detalhados de transformação do


mundo, enfim, um pensamento aberto ao fracionamento das
perspectivas interpretativas. Nesse sentido, o pensamento crítico que
se perfaz em uma ontologia do presente é um pensamento da finitude.
Na ausência de fundamentos epistemológicos e morais absolutos, o
que temos é uma crítica que se faz continuamente, que não se
submete ao cinismo da adesão cega ao presente nem se transforma
em apatia resignada, pois, ao provocar o estranhamento dos padrões
e modelos de experiência da modernidade, acaba por iluminar
aspectos e dimensões insuspeitados em que a vida contemporânea
mostra-se capturada por poderes objetivadores e destruidores.
Simultaneamente, abrem-se também novos espaços de resistência no
pensamento e na ação. Por isso mesmo, não há nas obras de
Heidegger, Foucault e Arendt quaisquer fórmulas prescritivas que
possam responder à velha questão: “o que fazer?”. Por outro lado, isso
não significa que a formulação de ontologias críticas do presente possa
ser entendida como pretexto para a nostalgia de um passado idílico e
intacto, ou como sintoma da prevalência dos chamados afetos fracos -
pessimismo e desesperança diante do mundo etc. Antes, temos aí uma
forma de resistência e enfrentamento dos riscos a que nossas vidas
estão expostas cotidianamente. Se as respostas parciais que suas obras
nos oferecem não são idênticas, ao menos em um aspecto elas
guardam parentesco: para os “espíritos livres” que foram Heidegger,
Arendt e Foucault, pensar sempre foi exercitar um diagnóstico crítico
e reflexivo a respeito dos riscos que nos cercam cotidianamente, na
chave hermenêutica da ontologia do presente ou da atualidade.

A diversidade de temas e autores envolvida neste livro responde


por meu projeto de pesquisa entre 2003-2009, A crítica heideg-
geriana da modernidade e o debate contemporâneo, contemplado
com bolsa de produtividade pelo CNPq, assim como também se deve à
enriqueeedora e prazerosa experiência de trabalhar, discutir e
colaborar com colegas de diferentes universidades do Brasil e do
■J lUfti t l ' i

exterior. Dentre eles gostaria de destacar Zeljko Loparic (Unicamp),


Oswaldo Giacóia Junior (Unicamp), Benedito Nunes (UFPa), Rób- son
Ramos dos Reis (UFSM), Marco Antônio Casanova (UERJ), Eduardo
Jardim de Morais (PUC-Rio), Guilherme Castelo Branco (UFRJ), Odílio
Aguiar (UFC), Newton Bignotto (UFMG), Laymert Garcia dos Santos
(Unicamp), Margareth Rago (Unicamp), Alfredo Veiga Neto (UFRGS),
Alexandre Femandez Vaz (UFSC), Francisco Ortega (UERJ), Bethânia
Assy (UERJ), Vinícius de Figueiredo (UFPR), Luiz Damon Moutinho
(UFPR), Paulo Vieira Neto (UFPR), Rodrigo Brandão (UFPR), Luiz Sérgio
Repa (UFPR), Maria Isabel Limongi (UFPR), Marco Antonio Valentim
(UFPR), Ricardo Marcelo Fonseca (UFPR), Vera Karam (UFPR), Katya
Kozi- cki (UFPR), Yara Frateschi (Unicamp), Claudia Hilb (Universidad de
Buenos Aires), Miguel Vatter (Universidad Católica de Chile), Irene
Borges Duarte (Universidade de Évora), Alexandre Franco Sá
(Universidade de Coimbra), Manuel Cruz (Universidad de Barcelona),
Santiago Lopez Petit (Universidad de Barcelona), Marina Garcés
(Universidad de Zaragoza), Lisa Jane Disch (University of Minnesota),
Richard King (University of Nottingham), Dan Sto- ne (University of
London), Jeff Malpas (University of Tasmania), John Grumley
(University of Sidney), Kathrin Braun (Hannover Universitãt), Vincenzo
Sorrentino (Università degli Studi di Peru- gia) e Patrícia Owens (Queen
Mary University of London). Agradeço também a meus alunos e
orientandos dos cursos de graduação e pós-graduação em Filosofia da
UFPR.

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