Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
brGNOA
Jocimar Daolio
RAFIA
Educação Física e
o Conceito de Cultura
AUTORES
ASSOCIADos
INTRODUÇ ÀO
artigos em
utilizam como base de
periódicos, livros, capitulos que
conhecimentos das ciências hu-
análise da educação física
últimos vinte anos. Entim, nãoO
manas têêm aumentado nos
reterenciais das
hoje, em Pensar a educação fisica a partir de
alguns cursos não tiveram acesso àdiscussão da área e Ciências humanas traz
necessariamente a discussäo do
dos seus temas nas dimensões socioculturais. O corpo uma área em que isso era
Conceito de "cultura para
era somente visto como conjunto de ossos e músculos inexiIstente. Evidentemente ainda
até há pouco tempo
e não da cultura; o esporte era apenas
expressão da expressão "cuitura" na
passa se vê muita confusão no uso
tempo ou atividade que visava ao rendimento atlético e ainda é confundido com co-
educação fisica. O termo
não fenômeno político; educação
a fiísica era vista como utilizado de torma preconcetuosa
nhecimento formal, ou
área exclusivamente biológica e não como uma área que sinônimo de
quantificando-se o grau de cultura. ou como
pode ser explicada pelas ciências humanas. classe social mais elevada, ou ainda como indicador de
Tenho afirmado em outros trabalhos que "cultura" é bom gosto. Ouve-se ainda com frequência afirmações de
o principal conceito para a educação fisica, porque todas "mais ou menos cultura", "ter ou não ter cultura", "cuitura
as manifestações corporais humanas são geradas na dina- refinada ou desqualiticada" e assim por diante.
mica cultural, desde os primórdios da evolução até hoje Pretendo avançar na análise do uso do termo "cul-
expressando-se diversificadamente e com significados tura" pelos vários autores da educação fisica nos últimos
próprios no contexto de grupos culturais específicos. C anos. Se a palavra "cultura" tem aparecido com frequèn-
profissional de educação fisica não atua sobre o corpo Ou Cia em várias publicações da área, complementada com
com o movimento em não trabalha com o esporte em
si, as
expressões "tísica", "corporal, "de movimento",
SI, não lida com a ginástica em si. Ele trata do ser humano "motora", "corporal de movimento", isso Ocorre com
e sentidos diterentes
manifestações culturais relacionadas ao corpo
nas suas devida explictação de suas
e sem a
JOgo, esporte, dança, luta e ginástica. O que irá definir ducionista, superticial ou, até mesmo, inconsequente da
expressão "cultura".
A leitura critica que tarei da
Em meu livro de 1998, Educação fisica brasileira: autores e dtores e
utilização da expressão
da década de 1980, mostro, por meio do discurso dos principals "Cultura" pelos principas autores da educação tisica partem
autores, como esse debate foi engendrado. do olhar da antropologia sOCial, área que tenho estuda-
CONCEITO DE cULTURA ITPO Á 5
EDUCAÇÃO FiSICA E O
atendeaos critérios de tradição e eficácia. E interessante sempre imitativo dos movimentos de atletas de esporte
que Mauss não se refere explicitamente nesse trabalho
à dimensão simbólica, talvez pelo fato de faltar ainda nas
primeiras décadas do século XX estudos sobre as ques- 2. As principais obras de Marcel Mauss podem ser encontradas na
toes do simbolo e dos significados nas ações humanas. A coletânea Sociologiae antropologia, de 2003
DE CULTURA INTPODUÃO 7
6 EDUCAÇÃO FISICAEO CONCEITO
de alto rendimento. Por oposiçao, os outros movimentos Clifford Geertz proCura romper, ao mnesmo tempo
são tidos como não-técnicos, erröneos, espontâneos, com a visão de cultura originária do lluminismo, a con-
naturais, merecendo, por parte da educação fisica tradicio- cepçãoevolucionista tipica do século XIXeaconcepcão
nal, intervenção no sentido de corrigi-los, aperfeiçoá-los "psicológica". Para a primeira, a dimensão cultural era
e padronizá-los. sobreposta a uma natureza boa do ser humano, como
Tendo priorizado tradicionalmente a dimensão da pregava Rousseau no século XVIlI. Para a segunda, a
eficiência, a educação fisica distanciou-se dos aspectos cultura era produto do estágio evolutivo de cada grupo
estéticos, subjetivos, simbólicos. Considerou o corpo humano, sendo utilizada como critério para a clasifica-
máquina biológica passivel de intervenção técnica e per- ção dos humanos em primitivos ou civilizados. Para a
deu a possibilidade de v -lo.como produtor e express o concepção "psicológica", a cultura coletiva era apenas a
dinamica de cultura. somatória das mentes e produções individuais.
Além da contribuição de Marcel Mauss e comple- Para Geertz, a cultura é a própria condição de vida de
mentar a ela -, a noção de cultura de Clifford Geertz todos os seres humanos. E produto das ações humanas,
também parece fundamental para a revisão do papel da mas é também processo continuo pelo qual as pessoas
educação fisica. Se em Mauss, a dimensão simbólica hu- dão sentido às ações. Constitui-se em processo
suas
mana estava mais inferida do que explicita, em Geertz isso singulare privado, mas étambém plural e público. E
se constitui como estrutura do seu pensamento. Consi- universal, porque todos os humanos a produzem, mas
derando as contribuições da semiótica de Charles Peirce, é também local, uma vez que é a dinâmica específica
Geertz defende uma proposição de cultura eminente- de vida que significao que o ser humano faz. A cultura
mente simbólica, como uma teia de significados, fazendo ocorre na mediação entre os indivíduos, manipulando
Uso da metáfora de Max Weber. Para Geertz, a cultura é padrões de significados que fazem sentido num contexto
pública, porque o significado é público. E a antropologia, específico.
segundo ele, deve ser vista não como ciência experimental Geertz critica a concepção chamada por ele de "es
em busca de leis, mas como ciência interpretativa em tratigráfica", que divide o ser humano em camadas, tendo
busca do significado. o nível biológico como núdleo, superposto pelos estratos
psicológico, social e cultural. Segundo essa visão, o com
ponente biológico humano teria sido formado primei-
3. As ramente, sendo complementado ao longo da evolução
noções gerais da visão antropológica de Geertz estão explicitadas
em seu livro A interpretação das culturas pelos componentes psicológico, social e cultural. Tem-se
(1989).
DE CULTURA
8EDUCAÇÃO FISICAE O CONCEITO TPOUA
O fato é que o estudo de alguns autores da antropologja Afirmar que a educação físIca é a área que trata da
sOcial permite considerar pontos importantes abordados cultura corporal de movimento parece não causar nais
pelas ciências humanas, abrindo, assim, certas portas para tanta surpresa ou resistência. Resta saber corno autores
a educação fisica, área que, até há pouco tempo, ainda era da área têm trabalhado con este concei-
proeminentes
refém de estudos quase excluSivamente biológicos. De to, tarefa a que me proponho no capítulo que se segue
fato, não se pode negar o avanço recente da educação e que se constitui no principal objetivo deste trabalho.
fisica brasileira com base em conhecimentos das ciências Na sequência, apresento um capítulo final que pretende
humanas, não só da antropologia, mas tanmbém da histó-
perspectivar alguns avanços para a årea. procurando não
ria, da sociologia, da ciència politica e outras. encerrar a discussão mas. pelo contrário, estimular os
Acredito que a abordagem antropológica tem con- leitores e os criticos a contínuas revisões que superem
tribuido e pode ainda muit contribuir para unma revisão as certezas apenas transitórias.
da educação fisica, tornando-a uma área mais dinâmica,
mais original, mais plural. A anàlise cultural tem procura-
do compreender a imensa e rica tradição da área que,
durante anos, a definiu como ela se apresenta hoje e,
ao mesmo tempo, tem procurado entender suas várias
manifestações como expressões de contextos específicos.
Além disso, a perspectiva cultural faz avançar na educação
fisica a consideração de aspectos simbólicos, estimulanddo
estudos e reflexões sobre a estética, a beleza, a subjeti-
vidade, a expressividade, a relação com a arte, enfim, o
significado
Afirmei em outro texto: