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FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA:

APONTAMENTOS A PARTIR DAS CONCEPÇÕES


ADOTADAS NAS ÚLTIMAS DÉCADAS

Marcos Vinicius MARQUES


Secretaria Municipal de Educação de Jahu
e-mail: vinny_educa@hotmail.com

Deivide Telles de LIMA


UNESP/Bauru e Secretaria Municipal de Educação de Jahu
e-mail: deivide_tl@hotmail.com

Carlos Eduardo Sampaio VERDIANI


Secretaria Municipal de Educação de Jahu
e-mail: eduardoverdiani@hotmail.com

Eixo 01: Políticas e práticas de formação inicial de professores da educação básica

Resumo
O tema do presente trabalho é a formação dos professores de Educação Física, em
relação com as concepções teóricas sobre essa área predominantes nas últimas
décadas. Temos como objetivo levantar indicativos que apontem as principais tendências
e a forma geral de como tem se organizado a formação dos professores de Educação
Física nas últimas décadas. A metodologia utilizada na pesquisa foi a quanti-qualitativa,
do tipo exploratório. Foi realizada uma análise documental do Censo de formação do
professorado elaborado e aplicado pela Secretaria de Educação do município do interior
do estado de São Paulo, o qual foi entregue a todos os professores da mesma secretaria
que atuam efetivamente nos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano). A
formação dos professores entrevistados para este trabalho se deu a partir de uma época
na qual não se percebia uma distinção, nem tão pouco, uma predominância de
tendências biologicistas e esportivistas, porém, percebemos com os levantamentos desse
estudo que os saberes práticos adquiridos a partir das necessidades dos professores em
suas práticas pedagógicas ficou mais evidenciado e com maior importância para os
mesmos do que saberes teóricos sobre a área de ciências humanas, mostrando-nos uma
real necessidade de um maior aprofundamento desse tipo de conhecimento por parte dos
entrevistados, assim como uma maior quantidade de estudos relacionados a esses
saberes. Em relação à prática de esportes, os saberes práticos nos mostraram um maior
conhecimento em duas das dez práticas apresentadas no presente estudo, mostrando
que, dessas duas práticas, os professores possuem maiores conhecimentos devido a
uma delas ter sido criada na cidade onde a pesquisa foi realizada e a outra por fazer
parte da cultura popular. O conteúdo que foi apropriado pelos professores na área
biológica, aponta um maior conhecimento para a fisiologia que acreditamos ser devido as
especializações continuadas feita pela grande maioria dos professores entrevistados. Em
suma, os resultados apontam para a importância dos saberes práticos adquiridos através
da experiência pedagógica dos professores para suprir uma insuficiência de conteúdos
formativos para os professores.

Palavras-chave: Formação do professor. Educação física. Saberes práticos.


1. Introdução

Diversas são as possibilidades de se encarar as perspectivas teóricas norteadores


da prática pedagógica em Educação Física. Pensando na contextualização histórica da
área, cabe-nos refletir sobre algumas iniciativas de natureza política e legislativa da
década de 1990 que tiveram grande importância no sentido da reafirmação da ênfase
pedagógica assumida pela mesma nos últimos tempos. Segundo Vago (1999, p. 37):
Desde 1996 novos ordenamentos legais pretendem organizar o campo
escolar. No plano nacional, tem-se a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB) – Lei nº 9.394, de 20/12/1996; o Ministério da Educação
promoveu a elaboração e a distribuição dos chamados Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) para o ensino fundamental, também em
1996; e em 1998 o Conselho Nacional de Educação aprovou as
Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino fundamental.

A partir de uma análise histórica da legislação brasileira sobre educação, -


especificamente das Leis de Diretrizes e Bases (LDBs) 4.024/61, 5.692/71e 9.394/96 -,
com foco na Educação Física para os anos iniciais, González e Schwengber (2012)
confirmaram a influência histórica sobre o modelo curricular da Educação Física,
apresentando o processo de mudança evidenciado nas mesmas legislações. De acordo
com eles, as Leis 4.024/61, 5.692/71 concebiam a Educação Física apenas como
recreação ou atividade de cunho prático, atrelada aos esportes. Porém, com o advento
da LDB atual (9.394/96), a disciplina passa a ser considerada como um componente
curricular obrigatório, o que representa um grande avanço para a área. De acordo com o
artigo 26, parágrafo 3°: “A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é
componente curricular obrigatório da educação básica” (BRASIL, 1996).
Daí a importância da análise crítica feita por Vago (1999), a qual indica que esta
lei estabeleceu apenas a presença obrigatória da Educação Física no currículo escolar,
porém “não definiu critérios para a organização do seu ensino” (VAGO, 1999, p. 40). Com
isso, “sua entrada em vigor possibilitou o aparecimento de maneiras diferentes de realizar
o ensino de Educação Física. A falta de critérios permitiu que se configurasse quase um
“vale-tudo” em sua organização escolar.” (idem)
A partir deste problema levantado – o da organização da Educação Física
enquanto área de conhecimento reconhecida recentemente – cabe-nos também nos
perguntarmos se este certo ecletismo de concepções não influenciará também os rumos
da formação dos professores responsáveis por esta área. Não nos cabe a dúvida de que
haverá sim uma influência grande sob este aspecto e é, a partir disso, que surge o nosso
problema de pesquisa: Como tem se organizado a formação dos professores de
Educação Física e quais são as principais tendências que se encontra neste âmbito (o da
formação)? A partir daí, devemos deixar claro, que nosso presente objetivo seja levantar
indicativos que apontem as principais tendências e a forma geral de como tem se
organizado a formação dos professores de Educação Física nas últimas décadas.

2. Fundamentação teórica

A Resolução CNE/CES 7/2004 (BRASIL, 2004) – responsável por nortear o


estabelecimento dos cursos de licenciatura em Educação Física – deixa claro, a partir da
definição do que é a Educação Física (artigo 3), que a legislação acerca da formação de
professores se apropriou das mais atuais discussões teóricas sobre a área:
A Educação Física é uma área de conhecimento e de intervenção
acadêmico-profissional que tem como objeto de estudo e de aplicação o
movimento humano, com foco nas diferentes formas e modalidades do
exercício físico, da ginástica, do jogo, do esporte, da luta/arte marcial, da
dança, nas perspectivas de prevenção de problemas de agravo da
saúde, promoção, proteção e reabilitação da saúde, da formação
cultural, da educação e da reeducação motora, do rendimento físico-
esportivo, do lazer, da gestão de empreendimentos relacionados às
atividades físicas, recreativas e esportivas, além de outros campos que
oportunizem ou venham a oportunizar a prática de atividades físicas,
recreativas e esportivas.

Como já mencionamos, ao longo da história, a mesma assumiu diversas ênfases


teóricas, o que, de certa forma, provocou um “crise de identidade da área”, pois as
discussões teóricas, em muitos casos, não foram apropriadas por todos os professores, o
que provocou e ainda provoca práticas, às vezes, muito diferenciadas num mesmo
espaço e tempo. (NUNES; RÚBIO, 2008). Segundo Daolio (2004, p.2)
O predomínio biológico passou a ser questionado, realçando a questão
sociocultural na educação física. Os profissionais formados até essa
época – e, infelizmente, ainda hoje, em alguns cursos – não tiveram
acesso à discussão da área e dos seus temas nas discussões
socioculturais. O corpo era somente visto como um conjunto de ossos e
músculos e não expressão da cultura; o esporte era apenas passatempo
ou atividade que visava o rendimento atlético e não fenômeno político; a
educação física era vista como área exclusivamente biológica e não
como uma área que pode ser explicada pelas ciências humanas.

De acordo com Bracht (2007), no Brasil, principalmente na década de 70, a


Educação Física – deixando num plano secundário os aspectos educativos e
pedagógicos inerentes à própria escola – assumiu como tema central de tratamento o
fenômeno esportivo, com ênfase na melhoria da performance dos alunos/atletas, através
das chamadas Ciências do Esporte. A partir da resistência político-acadêmica, esta
ênfase passou muito rapidamente a ser questionada e, com isso, se altera no final dessa
mesma década e no início da seguinte. Segundo o mesmo autor:
É a partir do contato, não com as Ciências do Esporte, e sim com o
debate pedagógico brasileiro das décadas de 70 e 80, que os
profissionais do campo da Educação Física passam a construir objetos
de estudo a partir do viés pedagógico. Independente da matriz teórica
que esses profissionais vão adotar, o que caracteriza suas reflexões é
que estão orientadas pelas ciências humanas e sociais e isso por via do
discurso pedagógico. (BRACHT, 2007, p. 24)

Benites, Souza Neto e Hunger (2008, p. 347) confirmam que “somente na década
de 1980 é que começaram as preocupações com a Educação Física escolar”.
A partir destas constatações concernentes ao processo de constituição da
área, faz-se necessário questionarmo-nos sobre a influência e relação deste mesmo
processo com a questão da formação de professores. Betti e Rangel (1996),
respaldados pelo movimento denominado “ensino reflexivo” – defendido, segundo os
autores, por estudiosos como Schön, Shulman, Zeichner, Perrenoud, Nóvoa, entre
outros – reconhecem que, tanto o conhecimento do conteúdo da disciplina, quanto os
conhecimentos da experiência prática devem conciliar-se, pois “a melhoria do ensino
deve depender da mescla entre o conhecimento gerado pelos professores e o gerado
pelas universidades” (BETTI; RANGEL, 1996, p. 12). Pensando nesta realidade,
concordamos com Souza Neto (1999, p. 16), sobre a necessidade cada vez mais
urgente
de se conjugar conhecimento geral com conhecimento específico,
conhecimento específico com conhecimento pedagógico, teoria com
prática, pesquisa com ensino, trabalho com reflexão. Reconhece-se a
prática como portadora de um tipo de conhecimento necessário e
emergente para a formação.

Ainda segundo estes Betti e Rangel (1996), passando de um currículo


“tradicional esportivo” – no qual se defende a “separação entre teoria e prática” com
diferenciada valorização de práticas esportivas – a uma “orientação técnico-científica”
– sobre a qual, diversas críticas são feitas atualmente, no sentido da ênfase
exagerado nos aspectos teóricos e da dificuldade de aplicação dos conhecimentos
advindos do ambiente universitário à prática pedagógica cotidiana – os professores
de Educação Física formados a partir destes dois modelos encontram grandes
dificuldades do ponto de vista de suas práticas de ensino.
E ainda falando sobre a importância dos aspectos ligados à prática na formação,
Benites, Souza Neto e Hunger (2008), analisando as Novas Diretrizes Curriculares sobre
a formação de professores de Educação Física, apontam que as mesmas trazem
avanços significativos na direção da profissionalidade docente, destacando a tentativa de
valorização da prática pedagógica vinculada à produção de conhecimento e à formação
profissional. Segundo o artigo 10 da mesma resolução acima citada:
A formação do graduado em Educação Física deve assegurar a
indissociabilidade teoria-prática por meio da prática como componente
curricular, estágio profissional curricular supervisionado e atividades
complementares.
§1° A prática como componente curricular deverá ser contemplada no
projeto pedagógico, sendo vivenciada em diferentes contextos de
aplicação acadêmico-profissional, desde o início do curso.

E com Benites e Souza Neto (2003, p. 53) encerramos esta seção, concordando
com os mesmos, quando, pensando no âmbito da Educação Física, defendem a
necessidade da
formação de um profissional mais bem preparado para fazer a leitura da
realidade, estando disposto a trabalhar com a diversidade de forma
coletiva e buscando uma preparação mais solidária e menos
individualista.

3. Procedimentos metodológicos

A abordagem de pesquisa utilizada aqui é a quanti-qualitativa. De acordo com


Souza e Kerbauy (2017, p. 21), esta “se pauta no entendimento que o qualitativo e o
quantitativo se complementam e podem ser utilizados em conjunto nas pesquisas,
possibilitando melhor contribuição para compreender os fenômenos educacionais”.
O tipo de estudo é o exploratório. De acordo com Vilelas (2009, p.119), este tipo
de pesquisa “tem como principal finalidade a formação de conceitos e ideias, capazes de
tornar os problemas mais precisos e de formular hipóteses para estudos posteriores”
Os dados foram obtidos a partir de análise documental, segundo Gil (2008). Os
documentos analisados foram os questionários do “Censo de formação do professorado”
da Secretaria Municipal de Educação de uma cidade do interior do estado de São Paulo.
Tais questionários, enviados a todos os professores (das séries iniciais do ensino
fundamental) lotados e em exercício pela mesma secretaria – 289 professores
responderem – foram elaborados pelo “Núcleo de Estudos e Pesquisas” também da
mesma Secretaria de Educação.
Os dados desses documentos selecionados para presente artigo, portanto, foram
os referentes aos questionários preenchidos pelos professores de Educação Física (12
docentes). Estes foram obtidos através da catalogação em forma de gráficos de
quantidades presentes nas respostas obtidas.
Os questionários eram compostos de perguntas e respostas direcionadas,
primeiramente, aos dados de identificação e titulação dos professores, e, posteriormente,
aos dados referentes ao nível de conhecimento dos professores em determinados
assuntos. Esta seção, por sua vez, dividia-se em duas partes:
1°) Parte geral (igual a todos os professores) - Destinada à investigação do nível
de conhecimento dos professores sobre as seguintes áreas: Ciências Humanas
(Filosofia, Sociologia, Antropologia, etc.); Linguagem (Línguas estrangeiras e Artes);
Didática (Experiência pedagógica, Currículo e planejamento e Tecnologia); e Educação
Especial (Inclusão, Libras, Braile, etc.).
2°) Parte específica (diferenciada de acordo com o tipo de formação e a função do
professor - professores graduados em Pedagogia (PEBI) e os professores especialistas
(PEB II), graduados em licenciaturas de Artes, Inglês e Educação Física) – Destinada à
investigação do nível de conhecimento dos professores sobre os conteúdos próprios de
sua formação inicial ou que cabem de serem ministrados a partir de sua respectiva
função na rede de ensino.
A parte do censo que nos utilizamos prioritariamente para presente investigação
foi (por se referir ao foco deste trabalho) a parte específica dos questionários respondidos
pelos professores de Educação Física. Os assuntos presentes nesta parte abarcam:
Esportes – Regras e técnicas (Futebol, Futsal, Handebol, etc.), Conteúdos da Educação
Física Escolar (Recreação e lazer, dança, ginástica, etc.), Lutas (Judô, Caratê e
Capoeira) e Ciências Biológicas (Fisiologia, Bioquímica, Biomecânica, etc.).
Cada professor, em relação a cada uma das áreas (como estas citadas acima)
deveria auto-avaliar seu nível de conhecimento a partir da seguinte legenda: 1 –
Insatisfatório (Lembra vagamente do assunto); 2 – Razoável (Conhece superficialmente);
3 – Satisfatório (Tem domínio preciso do assunto); 4 – Aprofundado (Tem possibilidade
de ensinar outro professor, tamanho é este domínio)
A análise dos dados, obtidos com a contagem da recorrência de respostas e da
confecção dos gráficos, foi realizada com base no referencial de Lüdke e André (1986).
Segundo estas autoras:
A tarefa de análise implica, num primeiro momento, a organização de
todo material, dividindo-o em partes, relacionando essas partes e
procurando identificar nele tendências e padrões relevantes. Num
segundo momento essas tendências e padrões são reavaliados,
buscando-se relações e inferências num nível de abstração mais
elevado. (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 45)

4. Apresentação e discussão dos resultados

Com a intenção de tornar didática e leitura e facilitar a compreensão da ideia


proposta como objetivo do presente trabalho, apresentamos principais tendências e a
forma geral de como tem se organizado a formação dos professores de Educação Física
nas últimas décadas a partir da apresentação dos dados em forma de gráficos, seguidos
de breves discussões, as quais, apesar de divididas em partes, estão relacionadas entre
si.

Gráfico 1

É possível perceber pelos dados do gráfico acima (que dizem respeito à área
biológica da formação do professor de Educação Física), que o maior nível de
conhecimento conhecimento (3 – satisfatório) encontrado nas respostas foi na área de
fisiologia. Acreditamos haver uma provável explicação para esta diferença: Talvez a
mesma se dê devido as especializações (formação continuada) que a grande maioria dos
professores realizou – de acordo com as respostas presentes nos dados de titulação dos
professores, 10 deles (dos 11 que responderam) já cursaram especializações na área de
Fisiologia ou mesmo áreas correlatas que contenham a disciplina em seu campo de
estudo. Porém o que mais nos chama a atenção é que, excetuando-se a área de
fisiologia, as outras áreas (bioquímica, biomecânica e cinesiologia) apresentam
predominância de respostas que apontem para um conhecimento apenas razoável. Daí
que, talvez, a explicação desta insfuficiência formativa esteja no próprio fato da mudança
histórica de ênfase teórica da área, a qual é apontada por Bracht (2007) e Daolio (2004),
quando ambos evidenciam a ênfase biológicista e esportivista – ou seja, aquela adotada
por aqueles que visam apenas a melhoria da performance dos alunos/atletas, vendo
assim o corpo humano como um conjunto de ossos e músculos – foi adotada
prioritariamente pelos profissionais da Educação Física formados até a década de 70, o
que não é o caso da rede de ensino em questão – a maioria dos professores da mesma
graduou-se a partir do ano 1987.
Gráfico 2

O gráfico acima aponta que, dentre os cinco principais temas de conteúdos


comumente atribuídos como incumbência da Educação Física, aquele que se apresenta
como conteúdo com maior nível de conhecimento entre os professores (ou seja, com
uma predominância de professores que julgam ter um conhecimento profundo do tema) é
o conteúdo “Jogos”. Acreditamos ser plausível a seguinte hipótese para explicar-se esta
predominância: Analisando o tempo de experiência dos professores da referida rede
ensino, podemos perceber que é relativamente alto (todos os professores entrevistados
com mais de dez anos de prática pedagógica). Passamos a acreditar que o aprendizado
deste repertório se deva aos próprios saberes da experiência, ou seja, “aqueles
conhecimentos e habilidades que o professor vai adquirindo no exercício de suas
atividades” (SANTOS, 2002, p. 55), uma vez que o nível de ensino em questão (séries
iniciais do ensino fundamental) é aquele em que os jogos são normalmente conteúdos
predominantes, por se adequarem à faixa etária e oferecerem por isso importantes
contribuições para o desenvolvimento dos alunos.
Além do que destacamos, cabe ainda notar que, dentre os outros conteúdos, os
Esportes ainda têm maior destaque em relação aos outros (ginástica, lutas e danças), o
que talvez seja explicado pela influência de uma tendência de valorização das práticas
esportivas, que seja, ou fruto do processo histórico de esportivização da área (BRACHT,
2007), ou mesmo da própria essência da área, a qual tem o esporte como um dos
conteúdos mais representativos da mesma ainda hoje, porque sempre o terá.
Agora, analisando em conjunto os dois fatores apontados (o dos saberes da
experiência em relação aos jogos e a possível tendência esportivista na formação inicial),
concordamos com Betti e Rangel (1996), os quais defendem que, para caminharmos
para melhoria do ensino, deva haver uma mescla dos conhecimentos gerados pelo
professor com sua experiência e dos conhecimentos transmitidos pela universidade.
Gráfico 3

Os dados mostrados no gráfico acima revelam os níveis dos conhecimentos dos


professores em cada modalidade esportiva. Percebe-se claramente que tal nível é grande
(predominância da conhecimentos precisos sobre o conteúdo - satisfatório). Porém, o que
mais chama a atenção é que, dentre todos, dois esportes se destacam: Polibol e Futsal,
que aparecem com uma predominância de nível de conhecimento aprofundado.
Acreditamos que a explicação para este fato seja simples: O Polibol é um esporte cujo
criador é professor (aposentado) da cidade onde foi realizada a pesquisa e o Futsal,
assim como o futebol (de campo) é um esporte que comumente faz parte da cultura da
maioria do povo brasileiro.
Porém, ainda cabe ressaltar que o gráfico uma diversidade grande em relação aos
saberes dos esportes entre os professores, o que vai ao encontro do que Nunes e Rúbio
(2008) descreveram como uma “crise de identidade da área” provocando práticas muito
diferenciadas entre os professores.

Gráfico 4
O gráfico acima aponta o nível de conhecimento dos professores acerca das
principais áreas concernentes às ciências humanas. É possível notar que é predominante
em todas essas áreas um nível apenas “razoável”, ou seja, um nível superficial do
conteúdo (de acordo com a descrição dos questionários do censo). Uma possível
explicação para este fator é aquilo que diz Nunes e Rúbio (2008), quando discorrem
acerca da formação inicial do professor de Educação Física, afirmando que certas
discussões teóricas não são apropriadas por todos os professores.Neste ponto, cabe-nos
apenas alguns questionamentos sobre tal formação: Sendo a Educação Física um
componente curricular obrigatório na educação escolar (BRASIL, 1996), não deveria
haver uma preocupação maior com as áreas de conhecimento citadas, já que são elas
bases fundamentais para o bom entendimento do processo educativo de todo e qualquer
ser humano? E se esta preocupação não se dá, quais seriam os motivos para tal? Falta
de preparação (sobre os temas) dos professores responsáveis da formação inicial?
Descrença na eficácia deste tipo de conteúdo para a formação de um bom professor? Ou
mesmo dificuldades de gerar interesse nos alunos dos cursos de graduação acerca
dessas temáticas?. Repetimos: Essas são apenas possibilidades de questionamentos, e
necessitam de maiores aprofundamentos investigativos.
Por fim, na parte do censo referente à Didática, mais especificamente na parte
referente à experiência pedagógica, constatamos que dos 11 professores entrevistados
consideraram suas experiências pedagógicas como sendo a maioria de nível satisfatório
(5 professores). Dos 11, ainda 4 professores consideraram sua experiência de nível
aprofundado e apenas 3 professores como razoável. Daí que o último ponto que
queremos destacar nesta análise é justamente a importância dos saberes da experiência
pedagógica. O fato de a maioria dos professores apontarem que, neste ponto, ou tem-se
um nível satisfatório ou profundo de conhecimentos confirma o que já mencionamos
sobre a aquisição de saberes advindos da prática pedagógica. Neste sentido, vale
lembrar Novas Diretrizes Curriculares sobre a formação de professores de Educação
Física, aponta já a necessidade de valorização da prática pedagógica vinculada à
produção de conhecimento e à formação profissional. Porém, cabe também aqui a
ressalva da necessidade da formalização e partilha desses saberes, para que, conforme
lembra Gauthier et al. (1998, p. 20), os mesmos não fiquem confinados aos segredos da
sala de aula.

5. Conclusões

Pudemos perceber até aqui que, no processo de constituição da área de


conhecimentos da Educação Física, as tendências formativas acompanharam de certa
forma a inconstância das concepções históricas acerca da importância do movimento e
do corpo humano. Esta inconstância dá-se pelo fato de que tal processo de constituição
seja recente (comparado a outras áreas). Prova disso é o fato de, apesar de ser
importante, num dado momento da história, a influência de uma concepção biologicista e
esportivista, essa mesma influência não afetou tanto a realidade investigada, uma vez
que os professores participantes tiveram seu processo de formação num período em que
esta concepção já não era predominante.
Além disso, outra questão levantada diz respeito aos saberes teóricos advindos
da área de ciências humanas – filosofia, sociologia, antropologia, história da educação e
psicologia. Percebemos uma grande necessidade de uma reflexão mais aprofundada
sobre a importância desses saberes para o ensino em Educação Física. O relativo baixo
nível de conhecimento por parte da maioria dos professores sobre estes aspectos revelou
de forma incisiva esta necessidade de ampliação das reflexões sobre esses saberes no
âmbito da Educação Física.
Por último, outro ponto importante evidenciado no trabalho é que ficou claro serem
os saberes práticos – adquiridos a partir da necessidade dos professores no contato com
a prática pedagógica – talvez os saberes de maior importância para as aulas de
Educação Física na atualidade. Daí concluirmos nosso trabalho reforçando a importância
deste tipo de saberes (práticos) como uma saída viável para a insuficiência de ações
formativas.
Porém, também devemos apontar para a necessidade de maior quantidade de
estudos que visem a sistematização destes conhecimentos e, ao mesmo tempo, de
ações político-administrativas que possibilitem a criação de ambientes em que possa
haver a troca entre os pares desses mesmos saberes, os quais, também seriam úteis e
eficazes à formação dos futuros professores de Educação Física se estivessem mais
presentes em sua formação inicial e se, ao mesmo tempo, fossem interpretados também
à luz dos saberes teóricos, cuja carência formativa apontamos também aqui.
Estes são os indicativos que apontamos sobre as principais tendências e a forma
geral de como tem se organizado a formação dos professores de Educação Física nas
últimas décadas. Cabe agora uma reflexão profunda e um trabalho eficaz sobre cada um
deles.

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