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DOS FINS DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

2
THE PURPOSES OF SCHOOL PHYSICAL EDUCATION

*
Dalva Marim Beltrami

RESUMO
O objetivo deste trabalho foi analisar os fins da Educação Física escolar no Brasil. Resgatou-se, ainda que de modo não
exaustivo, as proposições de autores que, ao longo deste século, trataram do assunto. Observou-se que a Educação Física
escolar foi pensada ora como estratégia, ora como tema, conforme a percepção que cada autor tinha de sua própria época ou
de seu compromisso ideológico. Ela sempre fez parte da educação escolar, embora, ao logo do tempo, os conteúdos tenham
sido modificados, ampliados ou excluídos. Finalmente, conclui-se que, apesar de intenso debate contido nas obras estudadas,
ainda está em aberto os fins da Educação Física escolar.
Palavras-chave: escola, Educação Física escolar, temas sobre Educação Física.

Desde que a Educação Física no Brasil foi públicos ou em outros locais adequados
pensada enquanto prática nas escolas, foi com (AZEVEDO, 1960 e MIRANDA, 1972). Essas
propósitos profiláticos (MARINHO, 1952), atividades tinham propósitos os quais são ainda
morais (MARINHO, 1957) e culturais. Embora, defendidos nas políticas e nos planos de
Educação Física e Educação Física escolar atividades físicas e desportivas elaborados por
pareçam ser a mesma coisa, não são sinônimos. organismos educacionais nacional, estadual ou
Pouco se sabe quando, exatamente, a escola local. A partir dos anos 70, é possível verificar a
chamou a si a responsabilidade sobre uma intensa construção de Centros Esportivos ou
educação física, ou se essa responsabilidade foi Educacionais ou de Centros Comunitários ou
chamada e quando. Hoje, outros são os adjetivos quadras poliesportivas públicas destinadas a
colocados para a educação física. Por exemplo: atender, prioritariamente, o público infantil e
educação física infantil para a pré-escola; juvenil.
educação física de academia para praticantes de Também não se pode esquecer que as
exercícios em academias; educação física práticas de exercícios físicos eram atividades
adaptada para deficientes físicos, para terceira obrigatórias para a formação de milícias e os
idade e para gestantes. Principalmente nos dois objetivos daquelas visavam à preparação para o
últimos casos, a chamada educação física "agon". Por falta até mesmo de formação
escolar não prevê atividade. Aliás, na escola, as adequada, muitos dos professores, chamados no
pessoas nessas condições são dispensadas da passado de "instrutores" (BELTRAMI, 1992),
educação física. Ela só vai aparecer, com novos aplicavam para crianças, na escola, exercícios
nomes, em academias, em clínicas de ginásticos praticados nos quartéis.
fisioterapia ou congêneres. Já na primeira Houve controvérsias quanto ao tipo de
metade deste século, vamos encontrar autores atividades físicas que deveriam ser realizadas
que defendiam a necessidade de atividades em escolares. De um lado, vamos encontrar
físicas, para crianças, fora da escola. Elas aqueles que defendiam os exercícios ginásticos
deveriam ser realizadas em parques, em passeios e, de outro, os que defendiam a recreação

1
Excerto da tese de doutoramento BELTRAMI, D.M A educação física escolar contemporânea. São Paulo: PUCSP, 1998
2
Taken from the PhD thesis BELTRAMI, D. M. The contemporary school physical education. São Paulo: PUCSP, 1998.
*
Professora doutora do Departamento de Educação Física da Universidade Estadual de Maringá, Paraná.

Revista da Educação Física/UEM Maringá, v. 12, n. 2, p. 27-33, 2. sem. 2001


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(AZEVEDO, 1920 ; MIRANDA, 1972), embora são Manual de Recreação, publicada na Revista
esta não aparecesse de forma exclusiva enquanto brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 21, n. 54,
prática escolar. em 1954 e Jogos para recreação na escola
A introdução da idéia de recreação como a primária, 1959; Nicanor Miranda com Técnica
atividade física para o antigo ensino primário foi do jogo infantil organizado, separata da Revista
uma proposta de peso para a Educação Física do Arquivo Municipal, v. LXCVI, 1940 e 200
escolar. A idéia de recreação tinha, às vezes, jogos infantis, 1947. Carece retomá-los, ainda
sentido semelhante e, às vezes, sentido distinto. que de forma breve. Hoje outros estudos são
Pensada enquanto atividade da Educação Física, realizados mas pouco se recupera dos realizados
apresentava caráter formativo quando dizia no passado, embora algumas idéias se tenham
respeito à importância da formação de valores tornado perenes.
físicos e morais da criança, ou caráter Azevedo (1920) via, na Educação Física,
preventivo quando dizia respeito à ocupação uma intervenção social de modo a ensinar
"sadia" do tempo pela criança. Segundo hábitos de higiene aos alunos e, ao mesmo
MARINHO (1957), a necessidade da Recreação tempo, a desenvolver um corpo sadio. Defendia
se dava, naquele momento, de forma o que chamou de Educação Física integral, que
imprescindível, porque as horas/permanência da significava somar jogos, ginástica e esportes
criança na escola haviam diminuído. Antes, a (AZEVEDO, 1920, p.142). Cada uma dessas
criança permanecia de 6 a 8 horas na escola e, atividades tinha sua especificidade que se
depois, passou a permanecer apenas 3 e, no complementava. Cada uma, isoladamente,
máximo, 4 horas. Isso, para ele, criava um estreitava o objetivo pedagógico e social da
problema. Segundo o autor, "as crianças não se Educação Física no sentido que a defendia.
desregram nas horas de estudo ou de freqüência Diferentemente, Marinho (1957) defendia
à escola, mas justamente em suas horas de folga, um conceito integral para a Educação Física.
no abandono pelas ruas" (p.135). Quanto a essa Para ele, a Educação Física fundava-se segundo
o conceito bio-psico-sócio-filosófico.
questão de aumento de horas "livres", Marinho
(1957, p. 135) também se manifesta contrário à [A Educação Física] é um processo
redução da jornada de trabalho, nos seguintes individual e social, capaz não apenas de
termos melhorar as condições físicas e
psíquicas do indivíduo e integrá-lo na
Podemos, também, afirmar que os sociedade, perfeitamente ajustado,
povos não se depauperam nem se como ainda de desenvolver a
degeneram as suas horas de trabalho, personalidade, as qualidades potenciais
mas, isto sim, nas suas horas de lazer, para líder e permitir-lhe a perfeita
de ócio. Em conseqüência, todo esforço compreensão e discussão dos
dos poderes públicos no sentido de problemas existentes, cujas soluções
atender às imperiosas necessidades de possam contribuir para um mundo
recreação do povo constituiriam melhor (MARINHO, 1957, p.139).
medida preservadora das suas energias
físicas e morais. Por isso, na maior parte das vezes em que se
fala de Educação Física, fala-se de Educação
Por isso, o autor se posicionava contrário à Física escolar. Procura-se sempre afirmar que a
proibição do trabalho infantil, sugerindo, Educação Física tem uma finalidade, tem uma
inclusive, a modificação do artigo 403 da CLT. direção educativa, e as obras sobre Educação
Diferentemente do que se possa pensar, os Física no Brasil estão relacionadas a uma defesa
estudos sobre recreação destinados à escola dessa matéria no currículo escolar (BELTRAMI,
primária na primeira metade deste século no 1992 e CAPARROZ, 1996).
Brasil foram muito profundos. Nos anos 40 e 50, Já nos anos 70, vingou uma política de
temos os estudos de Inezil Pena Marinho com as expansão da prática do desporto, tornando-se
obras Os jogos: principais teorias, 1956 e um novo paradigma para toda a Educação Física
Educação Física: recreação-jogos, 1957; Ethel (PEREIRA DA COSTA, 1971). Nesse período,
Bauzer Medeiros cujas obras mais conhecidas Educação Física tornou-se sinônimo de

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desporto. Tal prática privilegiou, tanto para a das representações nacionais; V - difusão dos
escola como para fora dela, o desporto como desportos como forma de utilização do tempo de
meio educativo "por excelência" porque a sua lazer." A referida lei revoga uma anterior, de
prática poderia inspirar o "espírito de disciplina" 1941, considerando que "a maior distorção
e a "lealdade". O Plano Nacional de Educação institucional identificada no setor tem sido a
Física e Desportos-PNED, para o período de dicotomia entre a educação física e o desporto.
1976 a 1979, faz as seguintes observações: Para tanto, precisava mesmo expandir essa
prática, e o melhor espaço para isso era a escola,
A atividade física é hoje considerada sem deixar de lado um apelo às massas. As
como um meio educativo privilegiado, campanhas "Mexa-se" e "Esporte para todos"
porque abrange o ser na sua totalidade. (PEREIRA DA COSTA, 1980 ; BRASIL, 1977)
O caráter de unidade da educação, por
foram expressões e atividades vitoriosas da
meio das atividades físicas, é
reconhecido universalmente. Ela
proposta. Há, nessa proposta, uma defesa de que
objetiva o equilíbrio e a saúde do a separação entre Educação Física e
corpo, a aptidão física para a ação e o jogos/desportos deve acabar. Para a difusão ser
desenvolvimento dos valores morais. eficiente, estes deveriam ser estimulados por
Sob a denominação comum de serem, conforme seus defensores, mais
Educação Física e desportiva o receptivos do que os exercícios físicos,
consenso mundial reúne todas as considerados sempre mais monótonos e
atividades físicas dosadas e repetitivos. Por isso, pregaram a "integração das
programadas, que, embora pareçam formas", porque a Educação Física, enquanto
idênticas na sua base, têm finalidades e
exercícios, precisava ser mantida, pois era ela
meios diferenciados e específicos. O
meio específico da Educação Física é a que dava o caráter disciplinador da preparação
atividade física sistemática, concebida física. Hoje, esses exercícios físicos,
para exercitar, treinar e aperfeiçoar. De anteriormente tidos como monótonos e
acordo com a intenção principal que repetitivos, ganharam nova roupagem e viraram
anima a atividade física, ela se moda com outros nomes: aeróbica, step by step,
desdobra em exercícios educativos etc.
propriamente ditos, os jogos e os Vale, também, destacar que já nessa
desportos. Face à informalidade de que proposta se dava muita ênfase aos jogos, mas
se reveste sua prática, os jogos e os não se vai encontrar, na literatura da época,
desportos têm um poder maior de
definição precisa sobre o tema. O que se
mobilização que os exercícios
educativos, sendo recomendável, apresentava era que os jogos/desportos
portanto, para melhor eficácia da diferenciavam-se da Educação Física escolar
Educação Física, a integração das pela sua "informalidade" ou "não-formalidade"
formas (BRASIL, 1976, p. 59). que permitia que tais atividade pudessem ser
praticadas por todos e não só por escolares. Para
Vê-se que o plano dos anos 70 de fato dá estes, a formalidade da Educação Física na
uma direção à prática desportiva, até porque um escola não era estimulante. Por isso, o caráter
de seus objetivos é o de "aprimorar as informal ou não formal dos jogos/esportes
representações desportivas do país". A Lei nº deveriam integrar, formalmente, a Educação
6.251, de 8 de outubro de 1975, que trata da Física escolar.
Política Nacional de Educação Física e O autor mais destacado dessa época,
Desportos, reza o que segue em seu art.5º: O Lamartine Pereira da Costa, fez críticas às
Poder Executivo definirá a Política Nacional de práticas de Educação Física e desportiva
Educação Física e Desportos, com os seguintes anteriores centradas menos numa política de
objetivos básicos: I - aprimoramento da aptidão Educação Física escolar, já que essa
física da população; II - elevação do nível dos praticamente inexistia, e mais na forma como
desportos em todas as áreas; III - implantação e era realizada nas escolas nos espaços físicos
intensificação da prática dos desportos de existentes, quando esses havia. Até então, só
massa; IV - elevação do nível técnico-desportivo existia uma obrigatoriedade legal da prática da

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Educação Física nas escolas prevista pela LDB A periodização sobre a Educação Física no
de 1961 e não havia nenhuma regulamentação. Brasil, proposta por estes últimos, demonstra
Esta só vai ocorrer no final dos anos 60 e de isso bem e estabeleceu um divisor de águas. A
forma mais acabada com o Decreto nº 69.450 de periodização feita por Marinho (1957) baseou-se
1º de novembro de 1971. em diferentes conceitos sob os quais a
A Educação Física como exercício Educação Física estava fundada. Assim, a
repetitivo, analítico, ginástico ou calistênico era Educação Física foi, primeiramente, interpretada
o mais usual, embora já houvesse uma defesa através do conceito anatômico; depois, deu lugar
sobre a prática da recreação. O que havia em ao conceito anátomo-fisiológico; a seguir,
comum era que tais exercícios podiam ser dados fundamentou-se no conceito bio-psico-
em qualquer espaço físico. Além do mais, os sociológico, nascido pela Divisão de Educação
professores/instrutores, poucos qualificados, Física/MEC a partir do documento "Bases
vinham, na sua maioria, da experiência ou da Científicas da Educação Física Nacional" e,
formação militar para desenvolver atividades finalmente, baseou-se no conceito bio-psico-
civis nas escolas, conforme Beltrami (1992). sócio-filosófico. Este último, defendido pelo
Para dar conta das novas propostas, havia autor, buscava, com a colaboração da Educação
necessidade de uma nova formação profissional Física, formar "um homem melhor para um
dos professores, o que acabou ocorrendo mundo melhor" (MARINHO, 1957, p.134).
(BELTRAMI, 1992). Uma reinterpretação sobre essa periodização
A partir dos anos 80, houve novo impulso de (GHIRALDELLI, 1991) aponta, na verdade,
estudos e de debates sobre a temática "Educação muito mais suas características do que os
Física escolar". Isso pode ser observado através conceitos sob os quais está fundada a Educação
das publicações de novos autores e da difusão Física. Destaca, dentro da Educação Física
sobre o assunto em eventos científicos, em convencional, uma subclassificação periodizada
programas de disciplinas nas escolas de que chamou de Educação Física higienista,
Educação Física e em bibliografias nos militarista, pedagogística e competitivista. A
concursos públicos para ingresso no magistério primeira, predominante no início do século, dava
do ensino fundamental e médio para a cadeira de ênfase a um projeto de "assepsia social",
Educação Física. tornando a Educação Física um agente do
Os novos autores, segundo eles mesmos, saneamento público. As práticas estimuladas
procuraram romper com o que chamaram de para esse fim eram a ginástica, o desporto e os
Educação Física escolar convencional, jogos recreativos, visto que essas visariam
tradicional ou oficial. Mas, ao que parece, disciplinar os hábitos das pessoas. A segunda,
suas críticas - refiro-me aqui especialmente predominante nos anos 30/40, teve, segundo
aos estudos de Medina (1983), de Castellani seus estudos, uma orientação fascista. A
Filho (1988), de Bracht (1992) e de ginástica, o desporto, os jogos recreativos
Ghiraldelli (1991) - estavam mais referidas às visavam à coragem, à vitalidade, ao heroísmo e à
propostas dos anos 70 do que a toda história disciplina a serviço da Pátria. A terceira veio
da Educação Física no Brasil, embora seus juntamente com a aprovação da primeira Lei de
trabalhos procurem mostrar o contrário. Por Diretrizes e Bases da Educação Nacional no
essa razão, suas publicações mostram críticas início dos anos 60 e teve um caráter
à ideologia das propostas, mas, quando se
eminentemente pedagógico. A idéia central foi a
propuseram a inovar, fizeram-no, num
de promover a educação integral, principalmente
primeiro momento, de forma também
a do jovem que freqüentava a escola. Para esse
ideologizada. A produção do passado, dos
fim, estimulava-se a ginástica, a dança e o
autores antigos foi superficialmente
desporto como meios de educação.
assimilada e, nesse sentido, também sob um
Entretanto, a defesa de uma idéia
olhar muito mais ideológico do que científico.
integralizadora da educação, principalmente da
Não é difícil, portanto, entender porque não educação escolar, passa pela Educação Física e,
compreenderam teórica e historicamente suas nisso, antigos e novos autores são unânimes.
propostas de Educação Física. Aqui o que muda é menos o caráter corporal

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das atividades que poderão ser praticadas e mais resultado (CASTELLANI FILHO,
o objetivo psico-social que se pretende alcançar 1988, p. 220).
com a Educação Física integrada à educação
intelectual. E, definido o objetivo a ser Medina (1983) defendeu uma Educação
alcançado, busca-se o meio mais adequado. É Física revolucionária. Nessa concepção, o corpo
aqui que a escolha se dá ou pelo simples é considerado o próprio homem. Para ele, pode-
exercício físico, ou pelo jogo, ou pelo esporte, se teorizar sobre os aspectos biológicos,
etc. psicológicos e sociais, mas a ação recai sobre o
Mas parece que os autores da última hora todo. Aqui a Educação Física é entendida como
foram mais longe. Entenderam não só a educação do movimento e, ao mesmo tempo,
Educação Física como aquela que "integraliza" a educação pelo movimento. Implica uma cultura
educação, mas também que a Educação Física, do corpo e uma cultura popular. O objetivo
em suas concepções, é a própria educação, dessa proposta é a perspectiva de um projeto de
quando não o próprio homem enquanto ser. A vida mais humano e digno. O autor define a
Educação Física escolar deixa de ser "um meio Educação Física revolucionária como:
para" e passa a ser um "fim".
a arte e a ciência do movimento
Castellani Filho (1988), por exemplo,
humano que, através de atividades
defende uma proposta de Educação Física que específicas, auxiliam o
diz respeito a uma tomada de consciência desenvolvimento integral dos seres
corporal do homem. Essa se caracteriza por ser humanos renovando-os e
uma ação política compreendida aqui por essa transformando-os no sentido de sua
tomada de consciência. Segundo o autor, a auto-realização e em conformidade com
proposta está respaldada na concepção histórico- a própria realização de uma sociedade
crítica da Filosofia da Educação (O autor refere- mais justa e livre (MEDINA, 1983, p.
81-2).
se a uma tendência pedagógica na educação
brasileira cunhada por SAVIANI (1986, p. 17). Bracht (1992) também aborda uma proposta
Este diz o seguinte: cunhei, então, a expressão da Educação Física Revolucionária. Só que a
"concepção histórico-crítica", onde eu procurava revolução não está posta na atividade física para
reter o caráter crítico com as condicionantes sociais qualquer homem, mas no compromisso político
que a visão reprodutivista possui, vinculado, com as classes oprimidas. Segundo o autor, a
porém, à dimensão histórica que o reprodutivismo operacionalização dessa perspectiva implica, de
perde de vista. Os crítico-reprodutivistas têm um lado, a crítica à ideologia burguesa "contida"
dificuldades em dar conta das contradições na Educação Física e, de outro, a crítica à
exatamente porque elas se explicam no movimento "domesticação do corpo". O autor declara que,
histórico), que permite atribuir dimensão humana, embora se identifique com essa proposta, prefere
além dos limites orgânicos e biológicos, ao denominá-la de "tendência progressista"
movimento do homem, considerado elemento por (BRACHT, 1992, p. 28).
excelência da Educação Física. Essa proposta tem Para entender melhor a idéia de compromisso
o interesse de: com as classes oprimidas colocadas por Bracht
(1992), devemos ter em conta que o mesmo afirma
veicular o entendimento de que o ser a Educação Física uma prática social e não uma
Movimento que privilegiam enquanto área do conhecimento.
elemento por excelência da Educação
Física reveste-se de uma dimensão Eu acentuo, a Educação Física é, antes
humana, uma vez que extrapola os de tudo, uma prática pedagógica, que
limites orgânicos e biológicos onde como toda prática social não é
comumente se enquadra a atividade obviamente destituída de pensamento -
física, pois o Homem é um ser eu quero com isso me contrapor àquelas
eminentemente cultural e o movimento posições que a denominam
humano, por conseguinte, representa preferencialmente como uma área do
um fator de cultura, ao mesmo tempo conhecimento. Ela elabora um corpo de
em que também se apresenta como seu conhecimentos que tendem a

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fundamentá-la, pois toda prática exige a Educação Física é uma prática


uma teoria que a constitua e dirija. Mas pedagógica que, no âmbito escolar,
a Educação Física é uma prática social tematiza formas de atividades expressivas
de intervenção imediata, e não uma corporais como: jogo, esporte, dança,
prática social cuja característica ginástica, formas estas que configuram
primeira seja explicar ou compreender uma área do conhecimento que podemos
um determinado fenômeno social ou chamar de cultura corporal (SOARES et
uma determinada parte do real al., 1992, p. 50).
(BRACHT, 1992, p. 35).
Por essa razão, os autores entendem a
Mas como, de fato, operacionalizar Educação Física como uma disciplina no
pedagogicamente essa proposta? Como diferenciar currículo escolar que tem um conteúdo próprio.
uma prática pedagógica de Educação Física para as Este é entendido como o conhecimento da
classes oprimidas se a Educação Física como cultura corporal materializado enquanto
prática social de intervenção imediata não toma linguagem corporal. Para eles, é essa a
como "característica primeira explicar ou tangibilidade da Educação Física escolar.
compreender um determinado fenômeno social ou Emprestando o termo de Weil; Tompakow
uma determinada parte do real", como foi (1984), "o corpo fala", mas, nesse sentido,
colocado? Em outros termos: como será possível, também "fala" ao médico, à esteticista, ao artista
então, apreender uma cultura corporal? plástico, etc.
Para os “novos”, a operacionalização da
proposta passa, necessariamente, pelo movimento A Educação Física é uma disciplina que
do corpo e é esse movimento que precisa ser trata, pedagogicamente, na escola, do
educado ... para algum propósito. Assim, para conhecimento de uma área denominada
aqui de cultura corporal. [...] O estudo
Bracht (1992), por exemplo, é o movimento
desse conhecimento visa apreender a
corporal que "confere especificidade à Educação expressão corporal como linguagem
Física no interior da escola" (BRACHT, 1992, (SOARES et al., 1992, 61-2).
p.16). E o movimento corporal pode ser
identificado como jogo, exercício ginástico, Para os autores, conteúdo é igual conhecimento.
esporte, dança (BRACHT, 1992, p.16). O
conjunto desses temas, segundo o autor, Os conteúdos são conhecimentos
demonstra, preponderantemente, situações necessários à apreensão do
sociais, culturais e é isso que dá conteúdo à desenvolvimento sócio-histórico das
próprias atividades corporais e à
Educação Física e, portanto, deve ser, de alguma
explicitação das suas significações
forma, difundido. Entendo que esses temas objetivas (SOARES et al., 1992, p. 64).
surjam, de fato, por um processo de "revelação",
tendo em vista que o autor, anteriormente, afirme Como vimos, há uma pluralidade de
que a Educação Física é uma prática social de entendimentos sobre a Educação Física escolar.
intervenção imediata e não é de sua característica Apesar das diferenças e das abrangências, é o
apreender fenômenos sociais. Como, então, corpo que aparece como seu objeto e passível de
identificar temas com situações sociais e ser educado. Da mesma forma, é o movimento
culturais? Ou então, como diferenciar temas como do corpo que é, por excelência, o elemento
jogo, esporte, dança, etc. sem uma compreensão fundante da Educação Física e, nesse sentido,
antropológica dessas manifestações culturais? Ou aproxima-se de uma concepção fisiobiológica da
será que, nesse caso, a Educação Física apreende educação.
apenas a estética do movimento, confundindo Mas parece que os novos procuram dar
estética com manifestação cultural? Ou então, não outro colorido a essa concepção fisiobiológica.
estando morto ou irremediavelmente tetraplégico, Em suas colocações, reconhecem o sujeito do
toda manifestação corporal pertence ou é da movimento do corpo como social e, nesse
Educação Física. sentido, outra deve ser a forma de tratar a
Soares et al. (1992) destacam mais Educação Física. Por essa razão, falam em temas
claramente essa posição, afirmando que: da Educação Física.

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O tema do esporte é duramente criticado. Mas, no geral, os temas, por indefinição de


Em seu lugar, outros temas passam a ser conteúdo, são tratados muito mais como
destacados, por exemplo, a dança (que inclui a disciplinas curriculares do que como estratégia
expressão corporal, a bio-dança, as danças de da Educação Física.
salão, as danças folclóricas, as danças chamadas Os debates, as dúvidas, os questionamentos,
clássicas) para qual ainda não se apresentam na verdade, ainda põem em questão os fins da
aprofundados. Problemas semelhantes ocorrem Educação Física escolar.
com temas ligados à arte, como teatro e circo.

THE PURPOSES OF SCHOOL PHYSICAL EDUCATION

ABSTRACT
The aim of this paper was to analyze the purposes of school physical education in Brazil, through a bibliographical survey of
the propositions presented by authors who dealt with this issue along the past century. It may be pointed out that school
physical education sometimes has been regarded as a strategy and on other occasions as a theme, according to the perception
each author had of his/her own time and ideological commitment. It has always been part of the school education though its
contents have been modified, enlarged or excluded along the years. Finally it may be concluded that, in spite of the intense
debate registered in the surveyed books, the purposes of school physical education are still open for further discussion.
Key words: school, school physical education, themes of physical education.

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Endereço para correspondência: Dalva Marim Beltrami, Rua Toronto, 101, Jardim Canadá, CEP. 87080-570, Maringá,
PR., Brasil. E-mail: beltramilopes@wnet.com.br

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