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FENOMENOLOGIA, PSICOLOGIA E PSICOTERAPIA:


Inserção da Fenomenologia no Contexto da Psicologia*

Resumo: O texto procura introduzir as idéias e conceitos básicos da


Fenomenologia enquanto fundamento filosófico e epistemológico para a prática
da psicologia, em especial das correntes associadas à psicologia humanista e às
psicologias fenomenológicas e existenciais. Parte da gênese histórica das idéias
fenomenológicas em Brentano, passando à elaboração da Fenomenologia no
pensamento de Husserl, apresentando seus principais conceitos. Neste contexto,
estabelece um paralelo entre o método fenomenológico e suas aplicações ao
campo da psicologia clínica. Por fim, elabora um quadro geral da influência da
Fenomenologia e do Existencialismo na chamada “Psicologia Humanista” e nos
demais modelos de psicologia “fenomenológico-existenciais”, destacando os
principais expoentes deste movimento.

Introdução
“Escrever é procurar entender,
é procurar reproduzir o irreproduzível,
é sentir até o último fim o sentimento
que permaneceria apenas vago e sufocador”
(Clarice Lispector).

A Fenomenologia representa um marco na história da Filosofia. Sua envergadura


pode ser comparada às demais revoluções paradigmáticas no âmbito da construção e
constituição do conhecimento e na história da filosofia, como foram as “revoluções”
proporcionadas por Sócrates, Descartes e Kant. Uma prova desta significância pode ser
facilmente observada a partir das múltiplas influências que a Fenomenologia exerceu e
ainda exerce em numerosos campos do conhecimento, como o das “Ciências do Homem” –
dentre elas a Sociologia (Schutz, 1979; Merleau-Ponty, 1973), a Antropologia (Merleau-
Ponty, 1989a; Giorgi, 1977) e a História (Dilthey, 1883, 2002; Amaral, 1987; Di Napoli,
2002); passando pela Psicologia e Psiquiatria (Spiegelberg, 1972; Nobre de Melo, 1979;
Jaspers, 1987; Naudin, 1997; Moreira, 2004); e alcançando campos os mais diversos, como
o da Saúde – incluindo a Medicina (Ortega, 2005), a Nutrição (Freitas, 2002) e a
Enfermagem (Schneider & Valle, 1996; Correa, 1997; Jesus, Peixoto & Cunha, 1998;

*
Texto baseado no artigo intitulado “Fenomenologia, Psicoterapia e Psicologia Humanista”, originalmente
publicado na revista Estudos de Psicologia (PUC Campinas), Vol.14, No 2, Maio/Agosto 1997, pp. 33-46.
HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da
Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
Clínica, no prelo (Pede-se não reproduzir sem expressa autorização do autor).
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Lopes Neto & Pagliuca, 2002; Campoy, Merighi & Stefanelli, 2005) – , o da Arquitetura
(Furtado, 2005), o da Hermenêutica (Gadamer, 1998), o da análise da Estética ou da Arte
(Dufrenne, 1953, 1998; Merleau-Ponty, 1989b; Escoubas, 2005) e das Ciências da
Informação (Guillén, 2004).
A importância da Fenomenologia pode ser destacada pela sua proposição de uma
crítica à ciência de tal modo que permite a construção de outros modos de apreensão da
realidade onde se dá o resgate da subjetividade e a sua recolocação num contexto histórico
e mundano. Com a fenomenologia, nós recuperamos o sentido de mundo em toda a sua
plenitude, de humano em toda a sua singularidade, e da interrelação entre os dois.
O compromisso de Husserl com o pensamento de Descartes torna a Fenomenologia
uma corrente de pensamento imprescindível para a própria compreensão da cultura e da
evolução do nosso século. Husserl era um profundo admirador da filosofia de Descartes,
todavia, considerava que Descartes não havia aprofundado suficientemente sua
investigação epistemológica. Sua admiração e seu “compromisso” com o pensamento
cartesiano fizeram com que Husserl construísse um projeto de realizar uma “viragem” na
filosofia, tal qual Descartes:

Com efeito, nenhum filósofo do passado teve uma influência tão decisiva sobre o
sentido da fenomenologia como o maior pensador da França, René Descartes. É a ele que
ela deve venerar como seu verdadeiro patriarca. Foi de um modo muito directo, diga-se
expressamente, que o estudo das meditações cartesianas interveio na nova configuração da
fenomenologia nascente e lhe deu a forma de sentido que agora tem e que quase lhe permite
chamar-se um novo cartesianismo, um cartesianismo do século XX (Husserl, 1992, p.9).

Para realizar seu projeto, Husserl parte de Descartes para criticá-lo no


estabelecimento de um subjetivismo solipsista1 caracterizado por uma consciência
definidora, mas que esquece dos objetos e das relações que esta consciência estabelece com
o mundo.
O projeto de Husserl é de tornar a Filosofia o fundamento básico de todo
conhecimento, ou mais especificamente, fazer da Filosofia uma “ciência de rigor”, tomando
por base as matemáticas. “[A] Fenomenologia se preocupa essencialmente com o rigor

1
Husserl assinala nas suas Conferências de Paris (1992) que o ego cartesiano realiza “um filosofar
seriamente solipsista”. “Solipsismo” advém de solus-ipse, e designa uma consciência que se fecha sobre si-
mesma.
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Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
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epistemológico, promovendo a radicalização do projeto de análise crítica dos fundamentos


e das condições de possibilidade do conhecimento” (Figueiredo, 1991, p.172).
Além disso, a Fenomenologia, enquanto método, possibilitou o advento de
importantes movimentos de pensamento, cujo legado ainda está para ser avaliado. Dentre
estes, podemos destacar o Existencialismo, primordialmente centrado na figura de Jean-
Paul Sartre; de alguns modelos de Filosofia da Existência, como podemos observar em
Maurice Merleau-Ponty, Gabriel Marcel, Martin Buber e outros; e igualmente a Analítica
Existencial de Martin Heidegger, um dos mais importantes e influentes pensadores do
século XX.
Nosso objetivo aqui será apresentar a Fenomenologia, em suas bases históricas e
conceituais, caminhando na direção de sua penetração e importância para a Psicologia
como um todo, demonstrando como pode ser entendida enquanto um novo paradigma para
a ciência psicológica, e sua especial influência num recorte desta ciência, determinando
caminhos para um conjunto significativo de modelos e correntes psicológicas.

Gênese e Evolução Histórica da Fenomenologia


“Nunca eu tivera querido, dizer palavra tão louca:
bateu-me o vento na boca, e depois no teu ouvido.
Levou somente a palavra, deixou ficar o sentido”
(Cecília Meireles)

O que se pode entender por Fenomenologia se refere a um modelo de pensamento


cujas raízes estão calcadas numa preocupação: preocupação com os rumos da ciência e
com a colocação do ser humano nesta situação. Neste sentido, a Fenomenologia nasce
fundamentalmente como uma crítica, como um procedimento crítico (no sentido originário
de “pôr em crise”), relativo ao estatuto da própria ciência. Como crítica, a Fenomenologia
se constitui – preliminar e fundamentalmente – como uma epistemologia.
Fenomenologia pode ainda ser entendida como uma filosofia, a esta for entendida
como um “pensar” a realidade. Todavia, antes de se caracterizar como um modo específico
de pensamento, antes de se constituir numa forma sistemática de se acessar a realidade, a
Fenomenologia é um método, uma metodologia de pesquisa desta mesma realidade, e
como tal implica numa específica visão de mundo.

HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da


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Clínica, no prelo (Pede-se não reproduzir sem expressa autorização do autor).
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Originalmente, diríamos que a Fenomenologia é um retorno, um “recomeço


radical”, uma retomada do sentido exato do vocábulo grego phainómenon, que significa
“aquilo que vem à luz”, que “se mostra”, é a manifestação daquilo que se esconde.
Historicamente, o phainómenon era para os astrônomos gregos, a referência aos eventos
celestes.
A expressão “Fenomenologia” à qual nos referimos não é a mesma utilizada por
Hegel quando de sua obra “A Fenomenologia do Espírito”; mas refere-se à metodologia
idealizada pelo filósofo alemão Edmund Husserl.
Considerando algumas definições de fenomenologia, temos que o termo se refere “à
descrição do que aparece ou à ciência que tem como tarefa ou projeto esta descrição”
(Abbagnano, 1992, p.531), ou à “ciência ou teoria dos fenômenos, e com esta significação
podemos dizer que a Fenomenologia é uma disciplina praticamente ilimitada” (Morujão,
1990, p.487).
O termo é antigo, tendo sido usado por Lambert no seu Neues Organon, em 1764,
como a que a considerava o estudo das fontes do erro ou a “teoria da aparência ilusória e
suas variedades” (Morujão, 1990, p.487). Como fundamento de todo o saber empírico, o
termo é recolhido por Kant, para designar “(...) a parte da teoria do movimento que
considera o movimento ou o repouso da matéria em relação com as modalidades em que
aparecem ao sentido externo” (Abbagnano, 1992, p.531-532), ou seja, relativamente à
forma de representação (Morujão, 1990). Hegel também utiliza o termo como título de uma
de suas obras capitais, “A Fenomenologia do Espírito”, publicada em 1807. Neste sentido a
palavra Phaënomenologie é usada por Hegel para designar a totalidade dos fenômenos da
mente na consciência, na história e no pensamento, ou a “ciência da experiência que faz a
consciência” (Morujão, 1990, p.489). Outros autores fizeram uso do termo, como por
exemplo, William Hamilton (1788-1856) que a entendeu como psicologia descritiva (ou a
pura descrição das aparências psíquicas); ou Eduard von Hartmann (1842-1906) que a
associou à “Fenomenologia da Consciência Moral” (Morujão, 1990; Abbagnano, 1992).
Todavia, a noção que permanece mais viva é justamente a utilizada por Husserl a partir de
suas Investigações Lógicas.
Num contexto mais pragmático – e mais próximo da nossa realidade clínica, por
exemplo – a fenomenologia será definida pelo filósofo e psiquiatra Karl Jaspers (1883-

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1969) como uma “psicologia descritiva dos fenômenos da consciência” (Jaspers, 1987,
p.71). E sob esta base Jaspers edifica toda uma reforma da Psiquiatria, constituindo um
campo novo de investigação, o da Psicopatologia, ao qual se refere como sendo a ciência
em si, cuja aplicação seria a psiquiatria.
Para Jaspers, a fenomenologia é um procedimento empírico e descritivo,
extremamente útil para se ter acesso àqueles fenômenos – como o fenômeno psíquico de
outrem – que não podem ser percebidos diretamente, ao contrário dos fenômenos físicos,
por exemplo.
No âmbito desta nossa consideração, a figura de Husserl é central. Podemos
considerá-lo um marco na filosofia do século XX, dada a magnitude e relevância que teve
seu pensamento para o desenvolvimento de uma série de outras considerações. Suas idéias
foram determinantes diretas dos pensamentos de filósofos como Sartre, Heidegger,
Merleau-Ponty e outros, além de contribuir significativamente para o advento do
movimento existencialista moderno, bem como outros desdobramentos que podem ser
encontrados nas contemporâneas Hermenêutica e na filosofia da linguagem.
O objetivo de Husserl era realizar uma “viragem” da Filosofia, com o intuito de
fundamentá-la em solo radical, dotando-a de um método apropriado. Este projeto, Husserl
procurou estabelecer a partir da publicação do livro A Filosofia como Ciência de Rigor – de
1910/1911 – que é uma obra que se situa a meio caminho entre as Investigações Lógicas –
de 1900/1901 –, e a crítica husserliana empreendida ao psicologismo e a instituição da
Fenomenologia em si das Idéias para uma Fenomenologia Pura e uma Filosofia
Transcendental, de 1913. Com a intenção de tornar a Filosofia uma “ciência de rigor”,
Husserl (1965) pretendia separar aquela filosofia rigorosa da filosofia “do ponto de vista”,
ou seja, pensá-la como uma “filosofia absoluta”, como a expressão de verdades absolutas, e
“não como expressão de anseios e de satisfação humanas” (Carvalho, 1965, p.XXVII).
A história de Husserl é marcada por situações de considerável relevância. De origem
judaica, foi proibido de publicar durante o período de governo do III Reich; suas obras
somente foram publicadas integralmente em 1950 na cidade de Haia, na Holanda. Durante
este período de perseguição, os inéditos de Husserl foram salvos graças aos esforços de
alunos e colegas próximos que conseguiram, clandestinamente, evitar a queima de seus
manuscritos enviando-os para fora da Alemanha. Neste aspecto, especial destaque para o

HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da


Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
Clínica, no prelo (Pede-se não reproduzir sem expressa autorização do autor).
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padre Hermann Leo Van Breda, que – após a morte de Husserl – transferiu o espólio
intelectual do mestre para a cidade de Louvain, na Bélgica, onde em 1939, sob sua direção,
foram fundados os Arquivos Husserl. A partir daí, e com o auxílio de Eugen Fink e Ludwig
Landgrebe, inicia-se a transcrição, ordenação e publicação de seus textos inéditos2.
A gênese da Fenomenologia pode ser associada a dois grandes pensadores: de um
lado, Wilhelm Dilthey e, de outro, Franz Brentano. Wilhelm Dilthey (1833-1911), foi o
grande nome do Historicismo alemão, além de ter se engajado na chamada “teoria da
concepção de mundo” ou Weltanschauung. Suas idéias influenciam as chamadas “filosofias
da vida” ou “filosofias do espírito”, ressoando em Heidegger, Max Weber e outros.
Influencia ainda Scheler, Jaspers e a corrente fenomenológica. Dilthey faz uma distinção
entre “ciências naturais” e “ciências do espírito”, dizendo que há uma diferença
gnoseológica nas questões metodológicas: de um lado, a observação externa dá os dados
das ciências naturais; e de outro, a observação interna revela a experiência vivida ou a
Erlebnis. No caso das ciências humanas, é necessário compreender a vida pela própria
vida, sem auxílio da metafísica ou de valores absolutos ou superiores.
Com isto, Dilthey faz uma distinção entre Erklaren (explicar) e Verstehen
(compreender) ou Aufklaren (entender). Distingue um “sistema de leis ou ciências”, de um
lado, de um “sistema de existências significativas e permeadas de valores” (visões de
mundo), do outro. Assim, haveria duas modalidades de ciência: as Naturwissenschaften
(ciências naturais) e as Geisteswissenschaften (ciências do espírito). Em outras palavras,
Dilthey antecipa e dá as bases para a crítica husserliana à aplicação das metodologias
naturalistas às ciências humanas.
Com Dilthey formaliza-se um pensamento que recoloca o sujeito humano num
contexto essencialmente social e histórico: somos seres históricos e constituídos na e pela
história. Assim, contrário a uma psicologia elementarista (que estuda o homem como
unidade psicofísica), propõe “uma psicologia compreensiva, descritiva e analítica,
reconhecendo a unidade estrutural da individualidade e seu modo de ser no mundo”
(Japiassu & Marcondes, 1990, p.73).
Contudo, é a partir do trabalho de Franz Brentano (1838-1917), filósofo alemão
nascido em Marienberg, que a Fenomenologia se estrutura. Foi professor em Würzburg,
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Tarefa ainda inconclusa nos dias atuais. Cabe destacar que Husserl deixou mais de 400.000 páginas
estenografadas.
HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da
Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
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Berlim e Viena, e em 1874, publica sua obra capital: Psicologia do Ponto de Vista
Empírico, fato este importante devido à posterior influência que terá sobre Husserl.
Brentano “foi representante de uma psicologia descritiva a qual chamou de
‘psicologia dos atos’, que considera o essencial das manifestações anímicas (atos) em sua
relação com o objetivo ao qual estão encaminhadas (intencionalidade)” (Bonin, 1991,
p.68). Foi sacerdote católico (tendo se ordenado em 1864, mesmo ano de seu doutoramento
em Filosofia), mas entrou em confronto com a Igreja por não aceitar o dogma da
infalibilidade papal, tendo por isto se retirado de sua cátedra em 1873 e se convertido ao
protestantismo em 1879. Dentre seus discípulos, destacam-se Christian Von Ehrenfels3,
Edmund Husserl e Oswald Külpe, sendo que Freud tomou algumas lições com ele (mais
especificamente durante os anos 1874-1876)4. O fundamental da psicologia brentaniana é
que a experiência se baseia na percepção interior, ao contrário do que propunham os
sistemas psicológicos primevos ao apontar para a introspecção (observação interior). Com
isto reage contra a análise dos conteúdos da consciência conforme a psicologia
experimental de Wilhelm Wundt e contra a orientação naturalista tomada de empréstimo à
física e à fisiologia.

Na “Psicologia do ponto de Vista empírico”, Brentano formula a noção de


intencionalidade no contexto da distinção entre os fenômenos ou atos físicos e mentais,
presentes à consciência. A característica fundamental e intrínseca dos atos psíquicos é a
intencionalidade, pois a in-existência (o termo aqui é o escolástico “inesse”, ou seja,
“existência-dentro-de”, cf. Brentano 1995: 88-89) é ao mesmo tempo a característica mais
importante e mais própria dos fenômenos mentais (Maciel, 2003, p.36).

Com isto, Brentano designa que a consciência humana se estrutura dinamicamente –


em atos – que remetem ao mundo. É, pois, característica do fenômeno humano se reportar

3
Importante personalidade da Psicologia. Foi precursor da chamada Gestalt-Theorie ou a Psicologia da
Gestalt, influenciando diretamente as figuras de Köhler, Koffka e Wertheimer.
4
A propósito, existe uma série de semelhanças entre Husserl e Freud: ambos nasceram na Morávia, Freud em
1856 e Husserl em 1859; estudaram em Viena, na mesma época, embora não existam informações de que
tenham se encontrado. Freud se doutorou em 1881 e Husserl em 1882. Ambos publicaram suas obras capitais
no ano de 1900 (Freud com A Interpretação dos Sonhos e Husserl com suas Investigações Lógicas). Ainda
sobre a correlação entre Freud e Husserl, assinala Bucher (1983, p.34): “(...) curiosamente, ambos os
pensadores iniciam as suas pesquisas com uma inovação metodológica pela qual se destacam de todas as
escolas e autores precedentes, e que merece ser chamada de corte epistemológico, com todas as implicações
que tem essa noção, de revolução, senão de ‘subversão’ das idéias vigentes até aí..”.
HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da
Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
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continuamente ao mundo. “O homem será visto e analisado como sendo um construtor de


significado através da sua percepção de mundo” (Maciel, 2003, p.36).
Foi Brentano quem deu as bases filosóficas para Husserl (havendo inclusive lhe
apresentado à Filosofia). Senão vejamos a seguinte citação de Brentano:

Todo fenômeno mental inclui algo como objeto dentro de si mesmo, ainda que os
objetos não estejam todos do mesmo modo. [Assim] Na apresentação algo é apresentado; no
julgamento, algo é afirmado ou negado; no amor, amado; no ódio, odiado; no desejo,
desejado, e assim por diante (Brentano citado por Maciel, 2003, p.36).

Com isto, Brentano estabelece uma categorização dos atos mentais, distinguindo-os
em “representação” (onde o objeto está sempre presente, como algo mentalmente
percebido); “juízo” (no qual é afirmado ou negado) e “sentimento” (algo é amado ou
odiado). Em resumo, os atos mentais se caracterizam por serem intencionais, ou seja,
remetem aos objetos. A intencionalidade não varia, apenas a forma como é assumida, ou
seja, a referência ao objeto é que varia (Maciel, 2003).
Sobre estas bases Husserl estrutura seu projeto de Fenomenologia (que iremos
analisar a seguir). Edmund Husserl nasceu na cidade de Prostnitz, na Morávia, em 1859;
entre os anos de 1876 a 1878 freqüenta e se gradua em Matemática pela Universidade de
Leipzig. Em 1882, Husserl obtém seu doutoramento na Universidade de Viena com a tese
“Sobre o Cálculo das Variações”. No ano seguinte, em Berlim, torna-se assistente de um
ex-professor seu, Karl Weirstrass. Em 1884, Husserl retorna a Viena e se filia ao
pensamento de Brentano. Dois anos depois renuncia à sua ascendência judaica,
convertendo-se ao Luteranismo, casando no ano seguinte com Malvine Steinschneider.
Posteriormente torna-se livre-docente pela Universidade de Halle. Começa aí sua vida
intelectual realmente produtiva.
No ano de 1891 publica o primeiro volume da sua “Filosofia da Aritmética”, obra
que ficou inacabada. Entre os anos 1900-1901, publica uma de suas obras capitais:
“Investigações Lógicas”. Cresce sua consideração, tanto que, em 1906, é nomeado
professor da Universidade de Göttingen. Seus cursos sempre foram fonte de
questionamento e de desenvolvimento de suas idéias. No ano de 1907, durante seu curso
sobre “A Idéia da Fenomenologia”, surge-lhe a primeira idéia explícita sobre a redução.

HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da


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Seguem-se suas publicações mais fundamentais: em 1910, “A Filosofia como


Ciência Rigorosa”; três anos mais tarde é a vez de “Idéias para uma Fenomenologia Pura e
para uma Filosofia Fenomenológica” onde propõe uma investigação da consciência e de
seus objetos. No ano de 1914, irrompe a Primeira Grande Guerra e, no ano seguinte, seu
antigo discípulo, Heidegger, ocupa a cadeira de livre-docente na Universidade de Freiburg.
No ano de 1929 publica “Lógica Formal e Transcendental”; em 1931, reunidas suas
conferências sobre a filosofia cartesiana, é publicada na França, as “Meditações
Cartesianas”; e em 1936 é a vez de “A Crise das Ciências Européias e a Fenomenologia
Transcendental”. Após muitas dificuldades, Husserl vem a falecer em 1938.
A questão da Fenomenologia e seus conceitos fundamentais serão objeto de uma
breve exposição a seguir.

Fenomenologia: Tentativa de Definição


“O verdadeiro método segue a
natureza das coisas a investigar,
mas não segue os nossos
preconceitos e modelos”.
(Edmund Husserl)

Definir claramente o que vem a ser a Fenomenologia talvez seja tarefa demasiado
árdua. Na realidade, o próprio conceito de definição carrega uma conotação de algo estático
que ignora a própria essência do termo.
O problema da Fenomenologia é um problema de fundamentação da ciência.
Husserl estabeleceu para si a tarefa de repensar esses fundamentos. Eugen Fink, um
eminente conhecedor do pensamento husserliano, aponta a fenomenologia como um
“recomeço radical”, uma retomada da busca das raízes. Constitui-se numa tentativa de
superação da dicotomia sujeito/objeto, através da apreensão das relações do homem com o
mundo5.
A Fenomenologia surge como uma crítica, no sentido original do termo6, enquanto
uma tentativa de pôr em crise o conhecimento vigente. Assim, surge como crítica à

5
Relações do homem com o Umwelt (mundo ambiente), Mitwelt (mundo humano) e o Eigenwelt (mundo
próprio).
6
Sobre a questão da “crítica” uma citação serve de esclarecimento: “O termo ‘crítica’ (..) foi aqui encarado no
sentido originário de uma interrogação sobre as condições de possibilidade e os limites de algo (..). Nesse
sentido, a crítica se caracteriza, não pela mera objeção pessoal ou pela apreciação que destaca as qualidades e
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psicologia positivista, objetiva, experimental que, como as demais ciências, buscava o


conhecimento absoluto ignorando a subjetividade.
Ao propor isto, a ciência constrói uma imagem de homem que não condiz com a sua
realidade. O homem não é uma coisa entre as coisas, e como tal não pode assim ser
considerado. O mundo é um objeto intencional com referência a um sujeito pensante, o que
invalida a objetividade absoluta.
A Fenomenologia se opõe também ao naturalismo, que assinala o comportamento
como uma mera relação causa e feito; e ao idealismo de Kant e Hegel, que propunha o
homem como um conjunto conceptual organizado.
No prefácio de seu livro Phénoménologie de la Perception, o filósofo francês
Maurice Merleau-Ponty – principal personagem a Fenomenologia pós-husserliana –
propõe a questão:

O que é a fenomenologia? Pode parecer estranho que ainda se coloque esta questão
meio-século após os primeiros trabalhos de Husserl. Ela está, entretanto, longe de ser
resolvida. A fenomenologia é o estudo das essências, e todos os problemas, segundo ela,
retornam a definir as essências: a essência da percepção, a essência da consciência, por
exemplo. Mas a fenomenologia é também uma filosofia que recoloca as essências na
existência e não concebe que se possa compreender o homem e o mundo de outra forma que
não seja a partir de sua “facticidade”. É uma filosofia transcendental que põe em suspenso,
para as compreender, as afirmações da atitude natural, mas é também uma filosofia para a
qual o mundo está sempre lá, anterior à reflexão, como uma presença inalienável, e cujo
esforço é de retomar esse contato ingênuo com o mundo para lhe dar, enfim, um estatuto
filosófico. É a ambição de uma filosofia que seja uma “ciência exata”, mas é também um
compte rendu do espaço, do tempo, do mundo “vividos”. É o ensaio de uma descrição direta
de nossa experiência tal qual ela é... (Merleau-Ponty, 1945, p.I).

A Fenomenologia é um esforço, uma tentativa de clarificação da realidade humana.


É uma abertura à experiência, à vivência integral do mundo. É a busca do fenômeno,
daquilo que surge por si só, daquilo que aparece, que se revela. Fenomenologia é ir às
coisas-mesmas, descobri-las tais quais se apresentam aos meus sentidos, tais quais eu as

os defeitos de uma obra ou de uma posição, mas por uma busca de fundamentos, isto é, por certo modo de
reflexão que, ultrapassando a experiência imediata, ruma para o ser, encontrando aí a origem da primeira”
(Frayze-Pereira, 1984:1. Grifos nossos).
HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da
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percebo. Mas é um “ir em busca” aliado à minha própria experiência subjetiva concreta. É
um olhar e ver, não apenas uma colocação diante de algo. É participação, envolvimento.
Assim sendo, a Fenomenologia torna-se um modo de existir, de se colocar no
mundo, de fazer parte deste mundo. Neste contexto, temos o ser humano também como um
fenômeno. O mais complexo (talvez), mas o mais completo também.
A Fenomenologia resta, pois, um método, de evidenciação, uma forma de renovação
dos problemas filosóficos, mas o que temos como o primordial na Fenomenologia é o seu
caráter de contínua reflexão crítica, de re-pensar o mundo e a realidade, pois afinal, o ser
somente se completa no seu devir, no seu crescer.7
Para compreendermos a Fenomenologia em sua tríplice perspectiva – como método,
como filosofia e como epistemologia – é preciso esclarecer certos conceitos e noções que
são centrais. Para tal, elaboraremos uma breve análise de seu arcabouço teórico.

Elementos para uma Fenomenologia


“Sem evidência,
não há ciência”
(Edmund Husserl)

Um dos aspectos centrais da Fenomenologia é a própria abordagem do que seja o


fenômeno. O fenômeno, ou melhor, aquilo que se revela, que aparece, não pode e não deve
ser considerado independentemente das experiências concretas de cada indivíduo.
Esclareça-se que, com isto, a fenomenologia não institui um mero subjetivismo ou um
princípio idealista pelo qual o “sujeito” – ou a “consciência”8 – se torna a única referência
com respeito ao mundo, mas, ao contrário, com isto estabelece uma re-ligação do sujeito
(enquanto subjetivação) com seu contexto, ou seja, re-coloca o ser no mundo.
Creio que há duas interpretações errôneas com relação à Fenomenologia que são
importantes de serem esclarecidas. Uma delas é exatamente a perspectiva que recoloca a

7
Esta concepção fica mais clara com Heidegger, quando este assinala que, fundamentalmente, o sujeito e o
mundo não são entidades separadas ou estáticas, sendo que o sujeito somente se deixa apreender por sua
inserção no mundo, o que leva à concepção que “(...) o indivíduo (...) sempre se encontra em transição, em
evolução; é um ser emergente nunca fixado, nunca estabelecido, mas modelador do mundo através de
interações constantes; sempre em devir, o seu desenvolvimento é marcado pela trama histórica da sua
temporalidade, através da qual ele tem que elaborar o sentido pessoal da sua existência” (Bucher, 1989,
p.30).
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Colocamos esses termos entre aspas propositalmente, dado que os estaremos esclarecendo a seguir.
HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da
Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
Clínica, no prelo (Pede-se não reproduzir sem expressa autorização do autor).
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subjetividade em ação: o mundo é mundo de significados que, exatamente por isto,


encontra-se relacionado ao sujeito que lhe dá significação. É comum se entender com isto
que o sujeito, então, se torna a referência que dita este significado, ou seja, “o mundo é tal
como é percebido ou vivido por um sujeito”. Há dois erros nesta interpretação: primeiro, ao
se colocar desta forma a questão, distingue-se dois pólos (sujeito e mundo), dando-se
ênfase ao pólo subjetivo. Ora, a proposta husserliana da Fenomenologia é exatamente o
oposto. Husserl (1985) é claro ao afirmar que não se nega o mundo, nem se separa o
homem do mundo: re-coloca-se o homem em intrínseca relação com esse mundo. O mundo
de significados a que nos referimos passa pela história cultural do sujeito, passa pela sua
vida privada, passa pelo seu contexto imediato (ou seu “fluxo de vivências”), passa ainda
pelo seu horizonte de futuro (seus desejos, seus anseios, suas expectativas), enfim, ao invés
de se tornar uma outra teoria determinista, a fenomenologia descortina a imensidão do
mundo ao redor desse sujeito da vivência. Portanto, a fenomenologia não pode ser
interpretada apenas pela ótica subjetivista, mas deve ser compreendida como
essencialmente intersubjetiva e mundana.
O segundo esclarecimento a que gostaria de me referir neste preâmbulo diz respeito
a uma expressão corrente entre aqueles que buscam interpretar a fenomenologia como uma
via alternativa às perspectivas vigentes – sejam estas filosóficas, científicas ou ideológicas.
É comum ouvirmos dizer que (ou lermos) a fenomenologia “supera a dicotomia sujeito-
objeto”. Se observarmos atentamente esta expressão, encontraremos um erro lógico
atrelado a ela. Se se supera algo, então este algo não mais faz parte desta realidade. E não é
isto que se observa de fato. Como apontamos no ponto anterior, a perspectiva
fenomenológica de fato propõe um outro olhar para os mesmos fenômenos (aí inclusos o
homem e seu mundo). Mas sua perspectiva não é excludente, ou seja, não retira o homem
do mundo, nem separa o mundo do homem, mas recoloca-os em relação. Assim sendo, é
preciso que se mantenham os pólos destacados (sujeito e objeto) para que seja possível
reuni-los. A Fenomenologia não “supera” dicotomias, mas as integra. Trata-se, na verdade,
de uma outra visão.
Na realidade, o esforço da Fenomenologia reside na tarefa de ir às coisas mesmas,
ou seja, apreender o mundo tal qual este se apresenta para nós enquanto fenômeno. Isto
significa dizer que podemos apreender o mundo e as coisas através de um “olhar ingênuo”,

HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da


Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
Clínica, no prelo (Pede-se não reproduzir sem expressa autorização do autor).
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na expressão do próprio Husserl. O que significa isto? Significa que ao olharmos para o
mundo, percebemo-lo naquilo que se apresenta enquanto tal, e não enquanto uma
determinada representação que já existe em nós, anterior à nossa experiência, e que é ditada
por nossa reflexão, por nossos conceitos, pelas apreensões da sociedade ou da cultura.
Significa olhar e ver. E não simplesmente olhar e achar algo “a respeito-de”.
Imaginemos o seguinte. Ao longo da nossa vida acumulamos uma série de idéias,
valores, conceitos, atitudes, que são produto da nossa experiência pessoal, da nossa
experiência com os outros, que são nos dadas pela cultura (ou pela sociedade, ou pela
religião, ou por nossa família), e que “atravessam” nossas relações futuras. Isto quer dizer
que ao nos relacionarmos com o mundo, já atribuímos, já colocamos no mundo, estas
idéias, valores, conceitos e atitudes que não estão lá, necessariamente, mas contidos em
nossa experiência. O “olhar ingênuo” é semelhante àquela atitude de nos colocarmos diante
de um bom filme – já visto – “de novo”, ou seja, significa “torná-lo novo”. Voltar às coisas-
mesmas é permitir um encontro com essa novidade, com esse “ainda não sabido ou
conhecido”; é ver ou perceber o mundo tal qual ele aparece por si só, e não através do
nosso crivo reflexivo.
Está-se falando de “experiência”. E este é um dos temas centrais da fenomenologia
husserliana. Husserl questiona a apropriação e a limitação da ciência empírica dos
fenômenos subjetivos. É através do seu contato com Brentano que Husserl desperta para as
insuficiências dessas ciências. Tomando o exemplo da Psicologia, Husserl questiona a
apropriação que esta faz da metodologia das ciências da natureza, sem o discernimento de
que seus objetos são distintos. Esta constatação e esta crítica já estava presente na filosofia
de Dilthey quando, em 1894, publica Idéias concernentes a uma psicologia descritiva e
analítica, e afirma que a vida psíquica é um dado imediato, e como tal, prescinde de
explicação, necessitando de compreensão e descrição (Dartigues, 1992).
Com isto, Husserl redefine o campo de investigação da experiência. Seu raciocínio
parte da idéia de como estudar os dados da experiência em sua totalidade. Coerente com a
perspectiva cartesiana, Husserl considerava que todo fenômeno estaria penetrado de logos,
penetrado no pensamento, mas que este logos somente se expõe no fenômeno. Se este
fenômeno não é construído, mas está acessível a todos, o pensamento racional e o logos
também. Com isto, reconhece a necessidade de se retornar às fontes originárias do

HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da


Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
Clínica, no prelo (Pede-se não reproduzir sem expressa autorização do autor).
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pensamento para tornar a filosofia rigorosa. Contudo, não se trata de retomar as opiniões de
filósofos do passado como ponto de partida para esta fundamentação, mas se trata de partir
da própria realidade.
A partir daí, Husserl elabora seu projeto de construir uma “filosofia como ciência
rigorosa”. Podemos tentar entender isto através da sua proposta de uma psicologia
científica, que seja empírica e eidética.
Husserl, ao longo de toda a sua obra, faz inúmeras referências à psicologia (Husserl,
1965, 1985), seja através de sua crítica à apropriação metodológica, seja a partir do exame
das fronteiras entre fenomenologia e psicologia (Struchiner, 2003). Em primeiro lugar, ele
elabora críticas relativas à psicologia empírica da época e; em segundo lugar, elabora um
projeto de “psicologia fenomenológica” enquanto uma psicologia eidética.
A psicologia fenomenológica pode ser entendida como a possibilidade de se
fundamentar fenomenologicamente os conceitos da psicologia ou como a análise concreta
dos significados psicológicos das experiências subjetivas. “Neste segundo sentido, trata-se
de uma ciência empírica de investigação da vida psíquica que se utiliza da fenomenologia
como método” (Struchiner, 2003, p.145).
Convém assinalar que o projeto de psicologia husserliano é o projeto de uma
psicologia eidética, enquanto que as aplicações que os psicólogos fazem da fenomenologia
à prática (clínica ou não) e à pesquisa constituem uma psicologia empírica. Esta colocação
é importante na medida em que regula um campo, determinando que certos conceitos e
noções fundamentais não se contrapõem em campos distintos, como é o caso de uma
aplicação prática (como no ato de pesquisar ou num consultório, p.ex.) e o caso de uma
construção epistemológica (quando se reflete sobre o processo de construção simbólica na
consciência, p.ex.).
Em 1911, Husserl publica um texto intitulado Philosophie als Strenge Wissenschaf9,
onde traça um panorama da psicologia dominante na época. Trata-se de um texto seminal,
pois Husserl parte de um questionamento com relação ao que considera como o maior
equívoco da ciência experimental da época: o objetivismo e o naturalismo, marcadamente
influenciados ou delimitados pelo positivismo.

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Filosofia como Ciência de Rigor.
HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da
Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
Clínica, no prelo (Pede-se não reproduzir sem expressa autorização do autor).
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Cabe aqui abrir um parêntese para entendermos o significado e a proposta do


positivismo, de modo a compreendermos a crítica husserliana. Para tal, faz-se necessário
retomarmos suas bases no empirismo britânico.
O Empirismo define que todo conhecimento deriva – direta ou indiretamente – da
experiência sensível (externa ou interna), ou seja, não há fonte de conhecimento que não
seja a experiência e a sensação. Sendo assim, as idéias derivam, portanto, de alguma
experiência sensória anterior à sua constituição; ou seja, não há idéias inatas, apenas idéias
derivadas dos dados da sensibilidade. A fundação do empirismo se dá a partir da figura de
John Locke (1632-1704), que tinha por objetivos, examinar as capacidades, funções e
limites do intelecto humano, estabelecendo a gênese, natureza e valor do conhecimento
humano. Para Locke, a fonte de todo conhecimento é a experiência, sendo a mente uma
tabula rasa.
Os demais expoentes desta corrente de pensamento reforçam a tese central do
empirismo. George Berkeley (1685-1753) defende que todas as idéias são sensações, não
existindo, portanto, idéias abstratas (que seriam ilusões). Em outras palavras, a existência
de uma “coisa” consiste no seu ser percebida (existe apenas aquilo que e enquanto é
percebido) ou, nas próprias palavras de Berkeley: “Ser é perceber e ser percebido”. Já
David Hume (1711-1776) aponta que todos os conteúdos da mente são percepções, sejam
estas originárias (que seriam as impressões), sejam estas derivadas (que seriam a memória
das impressões, as “idéias”).
Sobre estes alicerces instituiu-se o Positivismo, como um movimento que dominou
boa parte do cenário europeu nos mais diversos terrenos (filosófico, político, pedagógico e
literário), enfatizando os desenvolvimentos técnicos e científicos. Representado pela figura
de Auguste Comte (1798-1857), o positivismo faz a exaltação da ciência como o único
caminho para a solução dos problemas humanos e sociais:

O positivismo reivindica o primado da ciência: o único conhecimento válido é o


científico; o único método para adquirir conhecimento é o das ciências naturais; este método
consiste no encontro de leis causais e em seu controle sobre os fatos; tal método deve ser
aplicado também ao estudo da sociedade, isto é, à sociologia (Reale & Antiseri, 2005,
p.287).

HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da


Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
Clínica, no prelo (Pede-se não reproduzir sem expressa autorização do autor).
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A posição comteana é, pois, de estabelecer uma doutrina da ciência universal


aplicável a todos os fenômenos humanos. Segundo Comte (1988), a filosofia positiva teria
por tarefa construir uma “física social” ou uma sociologia científica, capaz de vencer a crise
da civilização, a partir de uma reorganização social. Em resumo: ciência passa a ser
definida como a “pesquisa de leis”, pesquisa pelas causas dos fatos (portanto, partindo de
hipóteses, postos à prova, em busca de comprovação) cujos objetivos devem ser previsão e
controle. Este modelo influencia sobremaneira o cenário intelectual da época, sendo base
para a medicina experimental de Claude Bernard; fundamento para o utilitarismo inglês –
desde Jeremiah Bentham, James Mill e John Stuart Mill, passando pelos estudos sociais de
Adam Smith, David Ricardo e Thomas Malthus (nomes importantes na construção das
modernas teorias econômicas), até alcançar a psicologia, com o positivismo evolucionista
(também conhecido por darwinismo social) de Herbert Spencer, que terá grande
importância para o pensamento americano.
É neste cenário científico e filosófico que se encontra a crítica de Husserl: “O
verdadeiro método segue a natureza das coisas a investigar, mas não segue os nossos
preconceitos e modelos” (Husserl, 1965, p.29). Com isto, Husserl anuncia que a
apropriação que as demais ciências – em especial aquelas que virão, mais tarde, a serem
conhecidas como “ciência do homem” – faz do método naturalista, ou seja, das ciências
físicas, não leva em conta a especificidade do seu objeto e do seu objetivo, ou seja, não se
pode considerar que o psíquico (p.ex.) seja tomado da mesma maneira que o físico. No
mesmo esteio da crítica de Dilthey, Husserl (1965, p.33) aponta: “Os objetos são o que são,
permanentes na sua identidade: a Natureza é eterna (...). O que o Ser psíquico ‘é’, a
experiência não o pode ensinar no mesmo sentido que se aplica ao físico. Pois o psíquico
não é aparência empírica; é vivência (...)”. O psíquico não pode ser tomado como “objeto”
da mesma maneira que tomamos uma pedra, por exemplo. O que Husserl procura rejeitar é
o fato de que uma apreensão naturalista de fenômenos como o psíquico, “(...) confundem a
descoberta das causas exteriores de um fenômeno com a natureza própria deste fenômeno”
(Dartigues, 1992, p.12).
A Psicologia desta época está, portanto, influenciada pelo positivismo e se pauta por
pesquisas experimentais, sob condições controladas, com o intuito de medir as relações
entre estímulos objetivos (ambientais) e respostas subjetivas. É sob esta premissa que a

HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da


Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
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Psicologia científica do século XIX se construiu enquanto uma psicologia fisiológica (como
podemos observar claramente através do projeto de psicologia experimental em Wundt,
Titchener, Dewey e os funcionalistas). Neste caminho, a única psicologia científica era a
psicologia experimental.
A primeira grande objeção de Husserl reside no fato que nenhuma ciência
experimental poderia ser o fundamento de disciplinas como a Lógica, p.ex., que lida com
princípios puros. O que faltaria à psicologia experimental, diz Husserl, seria uma disciplina
anterior, originária, não mais baseada em “fatos”, mas em “vivências”. O fenômeno
psíquico não é um fato a ser observado diretamente, mas se caracteriza por ser uma
“experiência vivida” ou uma “vivência de uma consciência”.
O projeto de uma psicologia empírica deve ser, pois, de uma “ciência natural da
consciência” e, para tal, deve ser antecedida por uma análise direta da consciência pura –
tarefa esta da Fenomenologia e com a qual não se confunde: uma psicologia empírica deve
ser precedida por uma psicologia eidética, como assinalamos anteriormente. Dito de outra
forma, e recuperando a redefinição de “experiência” temos que, como assinala Dartigues
(1992), o experimentalista (o psicólogo experimental, p.ex.) realiza “experimentação” da
realidade, ou seja, ele tem uma “experiência sobre o fenômeno”, enquanto que o
fenomenólogo tem uma “experiência do fenômeno”, ao que poderíamos denominar
“experienciação”. Assim, para a primeira ter um sentido, deve se fundar sobre a segunda,
portanto, para Husserl, as ciências empíricas devem se fundamentar nas ciências eidéticas.
Portanto, é possível realizar uma psicologia empírica exata (ou positiva), como o
próprio Husserl assinala: “Se por ‘positivismo’ entendemos o esforço, absolutamente livre
de pré-julgamentos, para fundar todas as ciências sobre o que é ‘positivo’, ou seja,
suscetível de ser tomado de maneira originária, somos nós os verdadeiros positivistas”
(Husserl, 1985, p.69).
Tudo isto pode se apresentar como aparentemente confuso, mas isto se dá somente
na aparência. Está-se falando de realidades absolutamente cotidianas e, portanto, de
experiências que cada um de nós tem no dia-a-dia, mas que nem sempre se reconhece nelas.
Retomemos o percurso husserliano. Seu projeto de uma fenomenologia como
ciência rigorosa toma como ponto de partida, não mais as opiniões dos filósofos, mas a
própria realidade (Dartigues, 1992). Trata-se de uma “terceira via”, alternativas ao 1)

HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da


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discurso especulativo da metafísica (já formalizado e sedimentado) e, ao 2) raciocínio das


ciências positivas (que apontava para um dogmatismo cientificista). Essa “terceira via”
seria, diz Husserl, a “das coisas-mesmas”. Vejamos como Husserl parte da mesma premissa
de Descartes para chegar em outro ponto.
Descartes também havia colocado para si a tarefa de repensar a filosofia em outras
bases. Para tal principiou por organizar um “método” de pensamento. O que Descartes
buscava era a certeza sobre a qual não se pudesse duvidar. Parte, portanto, da dúvida
enquanto uma “dúvida metódica”, com vistas a alcançar o fundamento inabalável do
conhecimento. Todos nós sabemos como termina essa história. Partindo da dúvida sobre o
caráter de verdade das ciências, das ideologias, das idéias, Descartes chega ao ponto em
que não pode mais duvidar, sob pena de se destruir a si mesmo. Que ponto é este? Aquele
que nos remete ao próprio ato de pensar. Chegamos ao famoso cogito, ergo sum. “Penso,
logo sou”, ou seja, se estou duvidando, é porque estou pensando, logo é o próprio ato de
pensar que me constitui. Husserl chama a isto de “intuição originária”, pois a partir dela se
origina uma série de caminhos.
Husserl reconhece a genialidade de Descartes, mas reconhece igualmente o seguinte:
ao realizar sua tarefa metódica, Descartes “limpa”, do terreno da consciência todos os
conceitos e noções falsas, para chegar num ponto central. A este ponto chamamos de
“resíduo” (aquilo que resta ao final e sobre o qual não mais se pode reduzir). O resíduo do
ato cartesiano é exatamente o cogito ou a subjetividade. Em outras palavras, Descartes
institui o ego-cogito (o “eu que pensa”). Todavia, para Husserl, há uma limitação nesta
perspectiva. O ego-cogito cartesiano institui o primado da consciência, mas retira esta
consciência do mundo.
A questão de Husserl nesse momento é a seguinte: os fenômenos são dotados de um
sentido (que ele chama de “essência”). E onde se situam essas essências? Na própria
consciência, já que são como vivências de consciência que essas essências se dão. E como
não reduzi-las a simples fenômenos psíquicos (como a percepção ou a sensação, p.ex.)?
Responde Husserl: as essências são acessíveis à consciência, mas não se confundem com os
fenômenos que competem à psicologia. Para resolver esse problema, a fenomenologia
precisa ir além da perspectiva cartesiana, sob pena de confundir fenômenos da consciência

HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da


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com a consciência mesma, ou seja, confundir a percepção de determinado fenômeno com o


fenômeno mesmo. Sabemos o quanto isto é falho e problemático.
A solução desse problema, Husserl encontra em Brentano, mais especificamente no
seu conceito de intencionalidade. A consciência cartesiana é solipsista, se basta a si
mesma, ou seja, fecha-se sobre si mesma. A noção de intencionalidade muda este
panorama: a consciência só é consciência quando se dirige para alguma coisa. Consciência
é sempre movimento, é sempre “consciência-de-alguma-coisa”. Aqui cabe uma pontuação
extremamente importante: a expressão “consciência de alguma coisa” (sem o hífen) é
completamente diferente da mesma expressão com o hífen. O hífen liga e impossibilita a
compreensão da expressão sem esta ligação. É isto que faz a intencionalidade: liga a
consciência ao mundo. Remete a consciência a alguma coisa fora dela. Não permite que a
consciência se feche sobre si mesma. A consciência fenomenológica é, portanto, ato.
Assim, Husserl retorna a Descartes e percebe que o cogito não pode ser apenas isto.
Para a fenomenologia – a partir da intencionalidade da consciência – o ego-cogito
cartesiano se torna um ego-cogito-cogitatum. Toda consciência é arremessada em direção a
algo, necessariamente. Não há mais como pensar a consciência destacada das coisas. Em
outras palavras: se a consciência é consciência-de-alguma-coisa, então um objeto só tem
sentido de objeto quando relativo a uma consciência, portanto, é um objeto-para-uma-
consciência (para um sujeito da consciência). É aqui que reside a “superação” da dicotomia
sujeito-objeto à qual nos referimos anteriormente.
Graças à intencionalidade, o mundo deixa de ser simples mundo de “coisas” e passa
a ser a morada dos “fenômenos”, como “essências” que não têm existência fora do ato da
consciência. A essência é sempre o termo de uma visada de significação, ou seja,
“essência” para a fenomenologia é o sentido do fenômeno.

Isso significa que as essências não têm existência alguma fora do ato de consciência que
as visa e do modo sob o qual ela os apreende na intuição. Eis por que a fenomenologia, em
vez de ser contemplação de um universo estático de essências eternas, vai se tornar a análise
do dinamismo do espírito que dá aos objetos do mundo seu sentido (Dartigues, 1992, p.18).

Para a fenomenologia, pois, não importa o objeto em si ou a consciência em si. Nem


o objeto, nem a consciência “existem” por si. A análise intencional nos “obriga” a conceber
uma relação entre consciência e objeto. Isto significa dizer que “consciência” e “objeto”
HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da
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não são entidades separadas, mas se definem respectivamente, no que Husserl chamou de
“correlação”. Fora dessa correlação não há, para a fenomenologia, nem consciência, nem
objeto. Uma questão que se põe aqui pode ser: “quer dizer que a consciência não existe?”.
Não se trata disto. O que é a consciência enquanto função orgânica, p.ex., é da seara da
ciência natural e não da fenomenologia. Não nos interessa a consciência “em si”, mas a
consciência enquanto correlação com o mundo.
O campo de análise da Fenomenologia será então o da elucidação da essência dessa
correlação entre consciência e objeto, já que é no campo da consciência que o mundo se
estende. A análise intencional husserliana irá, portanto, recobrir toda a esfera dinâmica do
“espírito” (o nous), e compor-se-á da análise da nóese (a atividade da consciência) e do
nóema (o objeto constituído por essa atividade).
Um ponto importante a ser assinalado. A correlação sujeito-objeto só se dá naquilo
que Husserl chama de “vivência” ou Erlebnis. Para se estudar esta correlação, é preciso
realizar uma operação de consciência, chamada de “conversão”. Trata-se de “suspender” a
crença na realidade do mundo externo para se colocar como consciência transcendental, ou
seja, que transcende a mera realidade empírica e que se coloca noutra posição. Esta é,
segundo Husserl, a condição de “aparição” do mundo como fenômeno. É a esse
desdobramento que se chama atitude fenomenológica, que torna a consciência doadora de
sentido e não mais a coloca como parte do mundo.
A consciência deixa de ser “parte” do mundo para se tornar o lugar do
desdobramento do mundo no campo da intencionalidade. E o mundo deixa de ser
considerado como “coisa”, destacado da consciência. O mundo como “coisa”, como res, é
uma das conseqüências do pensamento cartesiano. O “eu penso” de Descartes faz do “eu”
do cogito uma substância (a “alma”) e, por conseguinte, uma res. A intencionalidade –
diferentemente da dúvida cartesiana – reconecta o “eu penso” e seu objeto.
A consciência, aqui, deixa de ser receptiva para ser ativa. E o objeto (como o
mundo), deixa de ser uma coisa separada, para se tornar sentido-para-mim. À
fenomenologia, pois, não interessa nem o “objeto” (coisa, res), nem a “consciência” (como
atividade psicológica), mas interessa essa conexão entre uma consciência ativa e um mundo
de significados.

HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da


Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
Clínica, no prelo (Pede-se não reproduzir sem expressa autorização do autor).
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A análise fenomenológica nos coloca, pois, diante do mundo que precede a reflexão,
nos coloca diante de uma realidade que não é aquela dada a priori por minhas idéias,
conceitos, valores, etc. A atitude fenomenológica requer uma outra operação: para se ter o
mundo como fenômeno, devo me abster desses a priori que me acompanham, devo me
colocar diante do mundo numa atitude ingênua, devo “suspender” minhas idéias, valores,
conceitos e julgamentos (que estão em mim, antes mesmo de me encontrar com esse
mundo). A isto Husserl dá o nome de redução fenomenológica, e é o que permite colocar
em evidência o ser-no-mundo, produto desta intencionalidade.
Trata-se de uma atitude, que na abstração das idéias pré-estabelecidas em prol de um
contato direto com o observado e com o vivido. Desta maneira, sem elementos
perturbadores, a apreensão do mundo surge mais clara e límpida. Segundo Husserl, é
preciso realizar a époché fenomenológica, ou seja, pôr o mundo entre parênteses, suspender
todo e qualquer juízo da realidade. Não afirmar ou mesmo negar algo10, mas antes se deixar
abandonar à compreensão desta realidade, que assim estaríamos voltando às coisas
mesmas.

Quando procedo assim, (...), eu não nego este “mundo”, como se fosse um sofista; eu
não coloco sua existência em dúvida, como se fosse um céptico; mas eu opero a époché
“fenomenológica” que me impede de todo julgamento sobre a existência espácio-
temporal. Em conseqüência, todas as ciências que se reportam a este mundo natural - (...) -
eu as ponho fora de circuito, não faço absolutamente nenhum uso de sua validade; não faço
minhas nenhuma das suas proposições, fossem mesmo de uma evidência perfeita; não
acolho nenhuma, nenhuma me dá fundamentos... (Husserl, 1985, p.102-103).

A redução fenomenológica evidencia a colocação do ser-no-mundo, o


posicionamento do ser em situação, em função da qual este sujeito não é puro sujeito, nem
o mundo puro objeto. Ambos se correlacionam, permanecendo um em função do outro.
Redução é uma busca do significado, uma procura pelo subjacente, em detrimento
do simples aparente. A conseqüência da “époché” é a intuição das essências

10
Husserl parte do ego solipsista (um eu-pensante, fechado em sua racionalidade, em sua consciência
individual definidora, um ego-cogito) de Descartes para determinar uma nova relação do ego enquanto um
ego-cogito-cogitatum, que designa que, através da consciência intencional, se estabelece uma ligação
intrínseca entre o sujeito e o objeto. Desta feita, a relação sujeito-objeto se define em si própria, e não mais
em seus elementos. Isto permite, para a Psicologia, uma retomada do ser humano numa perspectiva de um
devir heraclítico.
HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da
Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
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(Wessensschau). Afinal, Fenomenologia não é apenas descrição do fenômeno, do aparente.


Isto seria realizar um simples fenomenismo. Mas antes, fazer fenomenologia é realmente se
embrenhar por dentro da realidade, para desvendar o que está por detrás desta realidade.
Para Merleau-Ponty, a Psicologia fenomenológica é a pesquisa das essências ou do
sentido, e que quando levada aos seus limites, a psicologia eidética se torna analítico-
existencial. Uma psicologia eidética deve situar o sujeito enquanto presença no mundo. A
redução é a maneira de se acessar o fenômeno tal qual ele é.

A redução não é uma abstração relativamente ao mundo e ao sujeito, mas uma mudança
de atitude – da natural para a fenomenológica – que nos permite visualizá-los como
fenômeno, ou como constituintes de uma totalidade, no seio da qual o mundo e o sujeito
revelam-se, reciprocamente, como significações (Forghieri, 1993, p.15).

A consciência é consciência ativa; cabe a ela dar sentido às coisas, ou seja, é a


consciência que atribui significados no mundo. Perceba-se aqui que não estamos discutindo
o caráter da existência das coisas (como colocado anteriormente por Husserl), mas tão
somente o sentido que estas coisas assumem para o eu subjetivo pensante. Esta talvez seja a
característica prática mais fundamental da fenomenologia husserliana. Ao mesmo tempo
em que a consciência é ativa, ela não ocorre no vazio; portanto, é consciência intencional.
Além disso, só é consciência quanto voltada-para-um-objeto; e este somente tem sentido de
objeto, quando é objeto-para-uma-consciência.
O projeto de Husserl para a filosofia consiste em:

(...) fundar – e fundamentar –, pela análise intencional, as significações vividas das


pessoas, bem como os conceitos constituídos. Para realizar este projeto, a razão especulativa
deveria seguir dois caminhos, complementares: por uma análise regressiva, voltar-se para si
mesma para refazer a gênese de suas intencionalidades, a partir de sua arqueologia pré-
teórica e pré-objetiva; por uma redução constitutiva, ascender ao mundo da consciência pura
e das suas unidades transcendentais. Porém, os dois caminhos o objetivo é o mesmo:
apreender, possuir e explicar intelectualmente os sentidos que o mundo nos oferece”
(Bucher, 1983, p.34).

Um derradeiro conceito que nos é capital para a Psicologia, é o de campo


fenomenológico. Uma citação talvez esclareça este conceito:

HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da


Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
Clínica, no prelo (Pede-se não reproduzir sem expressa autorização do autor).
23

(...) todo comportamento, sem exceção, está inteiramente em função do campo


fenomenológico, onde o organismo atua. O campo fenomenológico consiste na totalidade de
experiências das quais a pessoa toma consciência no momento da ação. Essa tomada de
consciência pode variar de um nível mais baixo a um mais elevado, embora se presuma que
nunca possa chegar a ser completamente inconsciente (Snygg & Combs, citado por Ribeiro,
1985:51).

Este modelo de pensamento acarreta importantes conseqüências para a nossa


compreensão da Psicologia como um todo. Uma delas é que convém assinalar uma
significativa distinção entre o “pré-conceito” e o “conceito”. O “pré-conceito” é produto de
uma antecipação, da ante-visão de uma possibilidade, ou seja, é um a priori. Já o conceito é
fruto da relação do sujeito com sua realidade vivencial, é um produto a posteriori. Mas
mesmo este deve ser “suspenso” num segundo momento.
Com relação à redução fenomenológica, podemos observar que, além da dificuldade
natural de mantermo-nos numa postura distanciada de nossos valores, há ainda a
possibilidade de um outro erro, a total abstenção de participação, ou seja, o distanciamento
indiscriminado da relação com o mundo e a realidade. Ou seja, redução não significa
abstenção de relação ou anulação de valores ou idéias, mas tão somente suspensão
temporária destes valores ou idéias no intuito de aproximar o sujeito pensante da efetiva
realidade do objeto, e não da concepção suposta deste. Esta é a real tarefa da
fenomenologia.
Em linhas gerais, estes seriam alguns dos principais conceitos da Fenomenologia.
Partindo disto, podemos agora procurar compreender como que a Fenomenologia encontra
espaço e influencia a Psicologia – como ciência e como disciplina independente – e a
Psiquiatria.

Fenomenologia, Psicologia e Psiquiatria


“O único sentido oculto
das coisas é elas não terem
sentido oculto algum”
(Fernando Pessoa)

HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da


Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
Clínica, no prelo (Pede-se não reproduzir sem expressa autorização do autor).
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Da mesma maneira que a Fenomenologia surge como filosofia, como método e


como uma epistemologia, suas aplicações à Psicologia e à Psiquiatria podem ser
compreendidas na mesma direção.
Talvez uma boa maneira de se entender a importância da Fenomenologia para a
Psicologia em geral seja a partir do que Keen (1979) elabora em seu livro. Para o autor, a
Psicologia Fenomenológica pode ser encarada sob quatro aspectos:
1) Como uma fonte de hipóteses;
2) Como um veículo para o humanismo;
3) Como um novo paradigma e,
4) Como uma resposta à crise.
Como “fonte de hipóteses”, a Fenomenologia surge como uma metodologia
alternativa à ciência natural, principalmente no que tange a questões tais como intuições,
sensações ou outros processos que não são comumente incluídos na lista de
questionamentos científicos, mas que são “fenomenológicos num sentido informal e
assistemático”.
A nível mais específico, a Fenomenologia – cuja preocupação básica é a experiência
– surge como uma metodologia importante dado que:

As reduções fenomenológicas, variações imaginárias e interpretações têm sido sempre o


capital de giro de cientistas, mas estes não as explicitaram de forma detalhada como
procedimentos metodológicos. No nível mais simples de contribuição, a fenomenologia
pode fornecer uma descrição clara e algum rigor metodológico a este estágio crucial, e tão
negligenciado, do processo científico (Keen, 1979, p.98).

Um dos campos em que se observa cada vez mais a aplicação da fenomenologia é o


terreno da pesquisa empírica em Psicologia. Husserl procurou criar um método que
permitisse a investigação tanto da interioridade quanto da exterioridade e, assim, “como
ciência do sentido íntimo, a psicologia deve voltar-se para as experiências concretas do
homem percebidas numa dimensão espacial e temporal, onde a construção do sentido só é
possível pela afirmação de uma consciência encarnada” (Mariguela, 1995, p.98).
Em termos gerais, no terreno das pesquisas qualitativas, a metodologia
fenomenológica vem sendo cada vez mais reconhecida. Este crescimento é louvável por
apresentar-se na “perspectiva de um refinamento metodológico e na conseqüente

HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da


Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
Clínica, no prelo (Pede-se não reproduzir sem expressa autorização do autor).
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oportunidade de considerar manifestações ou expressões humanas e sociais antes


inacessíveis para estudo sistemático” (Gomes, 1989). O objetivo central de uma pesquisa
nesta direção é de dar conta de dimensões do vivido humano não mensuráveis pela
metodologia quantitativa tradicional.
Está-se falando da investigação de aspectos da subjetividade que a ciência empírica
tradicional muitas vezes não dá conta ou mesmo negligencia. Como assinala Amatuzzi
(1994), as formas de investigação do humano são, essencialmente, modos de “ser”
humanos, como a cultura, a poesia, o teatro, etc. Para se realizar uma pesquisa neste
sentido, faz-se mister a utilização de um método de descrição e análise de processos que
seja compatível com a tradição de uma psicologia como ciência humana (Giorgi, 1977), no
sentido de valorizar aspectos da intersubjetividade humana.
Na perspectiva de investigação desse humano, o método deve dar conta da sua
originalidade. Como assinala Amatuzzi (1994), o que é próprio do humano não se deixa
captar pelos métodos da ciência tradicional. Como “explicar” a inspiração poética, p.ex., ou
o sonho como atividade simbólica, ou a contemplação artística ou mesmo o surto psicótico?
As investigações das ciências humanas são do tipo sujeito-sujeito, ou subjetividade-
subjetividade, ou podem ser entendidas como relacionais de acordo com Buber (1979).
Fazer pesquisa em ciências humanas é caminhar em busca de significados. Contrariamente
à ciência tradicional – alicerçada num paradigma naturalista – as ciências humanas lidam
com fenômenos, ao invés de simples fatos. Fatos somente são obtidos por abstração.
Fenômenos são vividos.
É neste sentido que se faz presente um projeto de “psicologia fenomenológica”,
cujos alicerces se encontram na redescoberta e valorização da subjetividade consciente,
suas manifestações e inter-relações, abarcando toda a complexidade do fenômeno humano:
indivíduo, cultura, sociedade, etc. Assim é que a “psicologia fenomenológica” se apresenta
como uma abordagem “holística”, que busca uma perspectiva mais ampla de abordagem.
Ao se propor a isto, a fenomenologia questiona o reducionismo presente nas metodologias
naturalistas (tal qual apontado por Husserl), em especial quando aplicadas ao fenômeno
psicológico. A psicologia fenomenológica, enquanto preocupação com a experiência
consciente difere do método introspectivo pelo fato deste último estar interessado nos

HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da


Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
Clínica, no prelo (Pede-se não reproduzir sem expressa autorização do autor).
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elementos mentais, ou seja, tratar-se de um método reducionista, não se atendo, pois, à


relação entre o objeto do estímulo e o significado da experiência (Gomes, 1985).
Como instrumental de pesquisa, a metodologia fenomenológica se constitui num
conjunto de procedimentos para a exploração da consciência imediata e da experiência
(Gomes, 1997).

Husserl reconhece a necessidade de uma psicologia, mas que é possível somente através
de descrição da experiência imediata enquanto manifesta na consciência em sua pureza. Por
pureza, Husserl refere-se à suspensão de qualquer pressuposição teórica ou experimental
como ponto inicial de análise (Gomes, 1985, p.137).

Com base nestas premissas, vem-se observando que a metodologia de pesquisa


fenomenológica tem se constituído num caminho importante para o estudo da experiência
consciente (Giorgi, 1985; Moustakas, 1994; Gomes, 1998; Moreira, 2002; Bruns &
Holanda, 2003) ou a “vivência” (Amatuzzi, 2003; Holanda, 2003a, 2003b; Martins &
Bicudo, 2005), e um modelo ideal para se estudar questões relativas à dimensão subjetiva
do existir humano, tais como a religiosidade ou a experiência religiosa (Holanda, 2004;
Alves, 2004; Morais & Ribeiro, 2004); a clínica psicológica e o vivido (Amatuzzi, 1992,
1994, 1995, 1996; Chaves, Macedo & Mendonça, 1996; Forghieri, 1993; Bruns & Holanda,
2003; Bruns & Trindade, 2003; Alves, 2003; Kristensen, Flores e Gomes, 2003).
Como um “veículo para o humanismo”, a Fenomenologia coloca em seu centro de
atenção, a consciência e os processos conscientes. Ao focalizar a experiência do indivíduo,
a Psicologia atua fenomenológica e humanisticamente. É relevante, contudo, o fato que o
humanismo carece de método, de uma teoria coerente e de uma estrita fundamentação de
dados. Além disso, a finalidade do humanismo (compreensão) difere dos fins científicos
(previsão e controle). A Fenomenologia pode ser um excelente veículo de comunicação
entre o Humanismo e a Ciência tradicional, ao possibilitar revelar de forma organizada,
metódica, o mundo privado do indivíduo.
Pode ser ainda considerada um caminho para a humanização, na medida em que
recupera diversos sentidos de subjetividade e recoloca o homem como um ser em
movimento, como subjetivação. Resgata ainda a singularidade da relação desse homem
com a cultura, a sociedade, a economia, a literatura, recuperando assim todo um sentido de
totalidade, em oposição à fragmentação do cientificismo.
HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da
Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
Clínica, no prelo (Pede-se não reproduzir sem expressa autorização do autor).
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A proposta husserliana e a Fenomenologia procuram ainda responder à crise de


valores erigida no pensamento moderno – herdeiro e devedor da metafísica dicotômica. A
antiga separação sujeito/objeto ou mesmo a herança maniqueísta são exemplos desta crise
atual. Além disso, busca dentro dos próprios valores, encontrar os significados que estão
implícitos.
Uma psicologia fenomenológica procura revelar o ser humano para si próprio,
fazendo-o observar-se e aos demais, refletir sobre si próprio e sobre suas observações.
“Mais explicitamente, o objetivo da psicologia fenomenológica é revelar à nossa
compreensão explícita aquilo que já compreendíamos implicitamente (...) nossa
compreensão diária, vivida, de nós mesmos, não é abordada por nossas teorias
psicológicas” (Keen, 1979, p.104).
Por fim, a Fenomenologia pode ser encarada com um “novo paradigma”:

[A Psicologia Fenomenológica] em seus momentos mais ambiciosos, aspira a


estabelecer um novo paradigma para a psicologia. Este novo paradigma envolverá uma
modificação quanto a quais fatos e teorias são importantes: que perguntas formular, quais
respostas considerar como tais e, em geral, quais os objetivos da ciência (Keen, 1979,
p.101).

A Fenomenologia propõe um olhar diferenciado para o mundo e os fenômenos da


realidade, um olhar onde a tradicional dicotomia positivista ganha novos contornos e se
torna uma correlação. Como uma nova forma de mudança radical de perspectiva, torna-se –
além de um método compreensivo – um paradigma revolucionário, que permite o advento
de um grande número de novas perspectivas sociais, psicológicas, filosóficas,
antropológicas e científicas. Podemos ilustrar isto através da análise das suas ramificações
no seio do pensamento psicológico e psiquiátrico.
Spiegelberg (1972) traça um panorama bastante elaborado das influências que a
Fenomenologia exerceu sobre as diversas escolas de Psicologia, destacando ainda algumas
especificidades em alguns movimentos ou personagens.
A filosofia fenomenológica sempre esteve presente junto à psicologia nascente,
desde os psicólogos de Göttingen (primeiro núcleo de influência de Husserl), dentre eles
Erich Jaensch, David Katz, Edgar Rubin e Géza Révész; passando pela Escola de
Würzburg, onde se destacam August Messer, Karl Bühler e Narziss Ach; e alcançando

HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da


Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
Clínica, no prelo (Pede-se não reproduzir sem expressa autorização do autor).
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grande notoriedade com a chamada Escola de Berlim, mais conhecida como a Psicologia
da Gestalt, com Max Wertheimer, Kurt Koffka, Wolfgang Köhler, Aron Gurwitsch, Karl
Duncker, Kurt Lewin, Fritz Heider e Martin Scheerer.
Para se vislumbrar a dimensão desta influência em meio a tantas personalidades não
tão conhecidas do grande público basta citarmos algumas das contribuições destes. Karl
Bühler (ao lado de sua esposa, Charlotte Bühler) foi um dos mentores da chamada
“Psicologia Humanista”; Kurt Lewin, é o criador da “Teoria do Campo” e um dos
precursores da Dinâmica de Grupo; ao lado de Fritz Heider, colaborou sensivelmente para o
desenvolvimento de uma teoria social; Edgar Rubin foi o responsável pela noção de “figura
e fundo”, desenvolvida pela Psicologia da Gestalt, cujos membros dispensam
apresentações.
No terreno da psicopatologia a Fenomenologia é decisiva. Karl Jaspers, que era
psiquiatra e filósofo, “funda” esta ciência sobre os fundamentos descritivos do pensamento
husserliano. Para Jaspers (1987), a psiquiatria seria a profissão prática, enquanto que a
psicopatologia seria a ciência propriamente dita, sendo que, por lidar com os fenômenos
subjetivos da vida psíquica, deveria se basear num método descritivo, constituindo-se numa
ciência compreensiva.
No esteio de uma “psicopatologia fenomenológica”, outros grandes nomes se
destacam, como Ludwig Binswanger (a quem iremos nos referir mais adiante), V.E. Von
Gebsattel e Erwin Straus, todos representantes de uma “antropologia psicológica”. Na
Holanda, toda uma escola se desenvolveu em torno da fenomenologia, liderados por
H.C.Rümke, Janse de Jonge, L.Van der Horst, F.J.J.Buytendijk e J.H.Van den Berg, este
último mais conhecido do grande público através de seu livro O Paciente Psiquiátrico (Van
den Berg, 1966). Igualmente na Inglaterra a psiquiatria conhece uma significativa
influência da Fenomenologia, destacando-se o grupo que constituiu a Antipsiquiatria, com
R.D.Laing e David Cooper, numa perspectiva mais sartreana.
Não poderíamos deixar de mencionar a estreita relação que existiu e ainda existe
entre Fenomenologia e Psicanálise. Para tanto, bastaria lembrarmos que Freud assistiu aos
cursos de Brentano em Viena, e sua prática clínica inicial caminha na mesma direção de um
procedimento descritivo. De qualquer modo, a fenomenologia encontra-se mais presente
nos seguidores tardios de Freud, como Daniel Lagache e Antoine Vergote (que desenvolve,

HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da


Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
Clínica, no prelo (Pede-se não reproduzir sem expressa autorização do autor).
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dentre outras coisas, uma perspectiva de leitura do fenômeno religioso à luz da


fenomenologia na Universidade de Louvain).
No cenário norte-americano, a fenomenologia encontra espaço a partir de leituras
específicas, mas já em William James e Gordon Allport, encontramos um terreno propício
a esta penetração.
Talvez a principal ramificação, oriunda diretamente da filosofia, seja a disciplina
desenvolvida por seu discípulo e sucessor na Alemanha, Martin Heidegger. Heidegger
procurou estabelecer uma ontologia com base no método husserliano, e termina por criar a
Daseinanalytik, ou Analítica Existencial, cuja obra de referência capital é o Ser e Tempo,
publicada em 1927.

As idéias de Heidegger conheceram rapidamente aplicações em estudos


psicopatológicos e na psiquiatria, onde se tentou revelar metamorfoses particulares desta
estrutura ontológica e dos seus determinantes. Trabalhos sobre espacialidade, historicidade,
disposição afetiva, percepção do desenrolar temporal, sonhos e outras dimensões da
existência e suas mutações em estados psicopatológicos, foram publicados em vários países
(Minkowski e Bachelard na França; Binswanger, Strauss, von Gebsattel e outros na
Alemanha; Buytendijk e Van den Berg na Holanda (Bucher, 1989, p.29).

De todos esses nomes, talvez o de maior expressão e penetração no campo clínico


seja o de Ludwig Binswanger (1861-1966) que, através do prisma heideggeriano e de uma
releitura da fenomenologia husserliana, propõe uma análise existencial que denominou
Daseinanalyse. Trata-se de uma nova maneira de encarar a clínica, a patologia e a realidade
existencial do indivíduo, onde a doença importa menos do que o indivíduo em questão.
Neste sentido, constituiu-se num movimento existencial e de esboço do mundo; uma
tentativa de compreender a maneira de ser do cliente.11 Binswanger delimita uma
“fenomenologia antropológica” que se preocupa com a totalidade do ser humano, na sua

11
Este movimento existencial em psiquiatria e psicopatologia é fruto de todo um processo de insatisfação
iniciado com os trabalhos de Reich, Rank, Fromm e Horney, que desemboca em significativas mudanças na
psicoterapia (May, 1967). Segundo Bucher (1983:37), “apesar de sua abertura para com a psicanálise,
Binswanger permaneceu fiel à fenomenologia transcendental de Husserl. (...) Graças à concepção do “Dasein”
de Heidegger, o conceito de consciência transcendental ligada a uma subjetividade pura, postulada à luz da
estrutura da intencionalidade e de “Weltentwurf”, do “projeto de mundo” desta consciência - se tornava mais
concreto, fornecendo assim a Binswanger a base para uma fundamentação filosófica da psiquiatria e
permitindo a sua aplicação à análise dos modos de espacialidade, de temporalidade e da “Selbstigung”, da
“auto-realização” da consciência, no seu “projeto de mundo” genuinamente próprio”.
HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da
Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
Clínica, no prelo (Pede-se não reproduzir sem expressa autorização do autor).
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normalidade e anormalidade, enquanto um ser que se experiencia em relação com o mundo


(Gomes, 1986).
Binswanger tinha uma dupla formação – era filósofo e médico – e era amigo de
Freud e de Heidegger, chegando mesmo a presidir a Sociedade Suíça de Psicanálise em
1910. Contudo, progressivamente vai se afastando da perspectiva ortodoxa freudiana e se
aproximando do pensamento fenomenológico de Husserl e de Heidegger. Segundo
Spiegelberg (1972), seu percurso filosófico atravessa quatro etapas: a) uma fase pré-
fenomenológica (quando está mais interessado em Kant e Natorp); b) uma primeira fase
husserliana; c) uma fase heideggeriana, e; d) uma segunda fase husserliana. O que teria
decidido seu afastamento da psicanálise freudiana seriam duas coisas: (1) a falta de uma
metodologia que justificasse a interpretação psicanalítica, cientificamente (o que considera
que a fenomenologia poderia suprir) e (2) uma perspectiva antropológica mais
compreensiva (que julgava ter encontrado na analítica heideggeriana). Eis os pontos que o
levaram a desenvolver sua “antropologia fenomenológica” (Spiegelberg, 1972).
Sua proposição era desenvolver uma nova compreensão do homem, não mais com
base em alguma teoria (mecanicista, biológica ou psicológica), mas pautada em termos de
uma elucidação puramente fenomenológica da estrutura total ou a articulação total da
existência como ser-no-mundo (In-der-Welt-sein). A preocupação de Binswanger era de
fundamentar filosoficamente a ciência psiquiátrica, numa compreensão existencial-analítica
das formas de existência esquizofrênica, retirando as patologias do quadro estrito do juízo
de valor biológico e transportando-as para um quadro mais amplo da estrutura existencial
(ser-no-mundo humano).

Para Binswanger, a Daseinsanálise é uma empresa científica, um ‘método de pesquisa’.


Ela não tem por perspectiva uma partida psicoterápica. Ela visa fundamentar o edifício da
psiquiatria como ciência. Em nenhum caso ela pode ser considerada como uma técnica
específica (Naudin, 1997, p.23).

A perspectiva existencial foi desenvolvida em várias nuances, tanto na Europa


quanto no continente americano. Nos Estados Unidos, podemos citar os nomes de Rollo
May e Irving Yalom, como os mais destacados representantes desta leitura. Já na Europa, a
proximidade do pensamento filosófico gerou uma multiplicidade de leituras e de correntes.
Podemos começar citando os trabalhos de Medard Boss, Roland Khun e Erwin Straus.
HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da
Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
Clínica, no prelo (Pede-se não reproduzir sem expressa autorização do autor).
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Posteriormente vem a ser modificada e ramificada noutra escola psicoterápica, através o


psiquiatra vienense Viktor Frankl, que aponta para uma evolução da análise existencial até
alcançar a chamada Logoterapia.
A Fenomenologia, propriamente dita, atinge fundamentalmente a corrente dita
“humanista” de psicoterapia, que preconiza a consideração da totalidade do ser do cliente, o
posicionamento do terapeuta de um modo mais ativo na relação, ou seja, o terapeuta como
um existente que se coloca em relação com o seu cliente, em contraposição a uma postura
mais distanciada, mais analítica e menos vivencial, menos intersubjetiva, além de outros
elementos.
Diríamos que fundamentalmente a Abordagem Centrada na Pessoa, de Carl Rogers
(considerado por muitos como o mais próximo de uma aplicação prática da fenomenologia)
e a Gestalt-Terapia12 poderiam ser consideradas como abordagens de cunho
fenomenológico. Isto se deve ao fato de haver aí uma consideração de que a fonte de todo
conhecimento autêntico está na experiência imediata de si e de outrem; apontam para uma
atitude terapêutica desprovida de idéias apriorísticas e fundamentam suas relações no
momento do aqui-e-agora, no presente, na presença do terapeuta enquanto existente aberto
à relação, ou seja, o terapeuta, neste sentido é muito mais “pessoa” (como assinala Rogers)
do que propriamente um papel a ser desempenhado.
Embora a expressão “aqui-e-agora” já tenha conotações populares diversas,
consideramos aqui alguns aspectos centrais a serem observados. Uma relação calcada no
“aqui-e-agora” envolve, antes de tudo, abertura, totalidade e presença. Abertura para a
possibilidade do encontro e presença efetiva do ser na relação enquanto totalidade. A partir
disto, estabelece-se uma relação imediata, ou seja, uma relação onde não se interpõem
meios entre o terapeuta e o cliente. Estas qualidades já são apontadas por Martin Buber
(1979), quando este fala do diálogo enquanto realidade existencial.
Enfim, o que assinalamos foi tão somente uma pequena parte do desenvolvimento
das idéias fenomenológicas e de suas aplicações ao campo da psicologia. A Fenomenologia
surge como “a” filosofia do século XX, como uma autêntica “revolução cartesiana”, como

12
A Gestalt-Terapia possui raízes filosóficas as mais variadas e, por vezes, conflitantes. Isto nos permite
afirmar que não existe apenas uma, mas diversas “Gestalt-Terapias”, cada uma compreendida a partir de um
enfoque específico e de uma construção epistemológica (sobre esta questão remetemos o leitor a um texto
anteriormente publicado em Holanda, 2005). Já a Abordagem Centrada na Pessoa possui uma base mais
fundamentada na Fenomenologia, mesmo que implicitamente.
HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da
Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
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o retorno ao “pré-reflexivo”, como o resgate das essências da realidade que se havia


esquecido anteriormente pelas filosofias pragmáticas e objetivistas, cuja preocupação
residia apenas no progresso das idéias voltadas para o objeto, para o “ter” materialista e não
para a essência e para a existência, para o “ser”.

Atitude Fenomenológica e Psicologia Clínica


“Então escrever é o modo de quem
tem a palavra como isca:
a palavra pescando o que não é palavra”
(Clarice Lispector)

À fenomenologia compete apresentar de maneira viva, analisar em suas relações de


parentesco, delimitar, distinguir da forma mais precisa possível e designar com termos fixos
os estados psíquicos que os pacientes realmente vivenciam. Visto que não se pode perceber
diretamente um fenômeno psíquico de outrem, assim como se percebe um fenômeno físico,
só se poderá tratar de representação, empatia e compreensão, a que poderemos chegar,
segundo o caso, pelo meio de levantamento de uma série de caracteres e símbolos
sensivelmente perceptíveis, por uma espécie de exposição sugestiva (Jaspers, 1987, p.71).

Esta colocação de Jaspers serve-nos de introdução à questão da aplicação da


Fenomenologia à situação específica da psicoterapia e das práticas clínicas. Uma análise
fenomenológica nos posiciona, enquanto clínicos, diante de um fenômeno específico que é
uma pessoa, que vem até nós em busca de auxílio, de esclarecimento.
Falar da aplicação da Fenomenologia à prática clínica não significa transpor
simplesmente certos conceitos específicos – que são filosóficos e circunscritos a este campo
– para o terreno da psicoterapia. Cabe este alerta para que não se faça uma análise simplista
das contribuições que o arcabouço fenomenológico pode nos proporcionar. Assim, não faz
sentido falarmos de uma “époché” na clínica ou de dizer que a tarefa de determinada
técnica é de atingir a intersubjetividade. É preciso cuidado ao se fazer uma transposição de
conceitos para campos diversos.
Quando falamos de “prática clínica”, não estamos nos limitando à posição clássica
da psicoterapia, mas estamos nos referindo a todo um conjunto de práticas que envolvem a
tomada do fenômeno humano na sua subjetivação, o que nos obriga a um olhar mais
acurado para as relações grupais, p.ex., mas igualmente para outros modelos de relação
HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da
Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
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psicológica, como é o caso do Aconselhamento Psicológico (Rosenberg, 1987; Spanoudis,


1997; Almeida, 1999; Morato, 1999) – como uma escuta ativa clínica – , certos tipos de
Acompanhamento Terapêutico (Carvalho, 2002), de terapias comunitárias (Amatuzzi et
alli, 1996), o CVV (Centro de Valorização da Vida), o Plantão Psicológico (Bartz, 1997;
Cautela Junior, 1999; Cury, 1999; Mahfoud, 1999) e até mesmo a situação de
Psicodiagnóstico (Augras, 1970).
Binswanger, por exemplo, é muito claro ao afirmar que sua leitura fenomenológica e
sua proposição de uma análise existencial aplicada à clínica psicológica se refere a um novo
“método de investigação”, de uma nova compreensão do homem. Ora, sem esta
compreensão, qualquer aplicação técnica seria vazia. Quando propõe a análise do dasein no
contexto clínico, Binswanger (1965, 1971) se propõe a uma “elucidação fenomenológica
da estrutura total ou da articulação total da existência como ser-no-mundo (In-der-Welt-
Sein)”, numa perspectiva claramente husserliana. Neste sentido, não “cria” uma
psicoterapia nova.
Do ponto de vista de Binswanger, a psicoterapia deve investigar a história do
paciente, mas na direção da compreensão de sua história de vida e não no sentido de
explicá-la. A psicoterapia atua no sentido de mostrar ao paciente onde, quando e em que
medida a realização da plenitude de sua humanidade foi se tornando impossível, fazendo-o
experimentar tudo isto da forma mais radical possível. Para Binswanger, o terapeuta se
assemelha a um “guia de montanha”, sendo o analista uma pessoa que se coloca no mesmo
plano de seus pacientes: plano da existência comum, de companheiro existencial, onde a
ligação entre ambos – terapeuta e paciente – não é um simples contato psíquico, mas um
encontro.
Buber (1965, 1988) igualmente nos alerta para certos perigos de uma análise
simplificada do fenômeno psicológico, à luz das diversas filosofias. Num famoso colóquio
com Carl Rogers, Buber aponta para certas divergências que uma interpretação psicológica
de sua filosofia poderia ter. Estas divergências são ainda mais esclarecedoras do que a
própria aproximação entre seus pensamentos. Para Buber (1988), a função do terapeuta –
que se aproxima da do educador – seria de realizar as potencialidades do outro, o que passa
por uma consideração deste outro tal qual ele é, numa consideração de si como um todo,
simultaneamente como “potencialidade” e como “atualidade”.

HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da


Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
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Buber, todavia, aponta para os limites que o princípio dialógico pode ter numa
situação específica de psicoterapia, onde os papéis já estão previamente definidos e bem
destacados:

Um homem vem a você para ser ajudado. A diferença essencial entre seu papel e o dele
é visível. Ele vem para ser ajudado por você (...). E não é somente isto. Você o vê,
realmente. Não quero dizer que você não possa se enganar, mas você o vê, exatamente
como ele é (Buber, 1988, p.161).

O que Buber assinala é que não é função do cliente confirmar o terapeuta, enquanto
que, do lado do terapeuta, compete a este confirmar seu cliente, e acrescente:

(...) a relação específica de ‘cura’ terminaria no momento em que o paciente lembrasse e


conseguisse praticar, de sua parte, o envolvimento, experienciando assim o evento do lado
médico. O curar como o educar não é possível, senão àquele que vive no face-a-face, sem
contudo deixar-se absorver (Buber, 1979, p.152).

Este alerta apenas introduz uma leitura que a Fenomenologia e as Filosofias da


Existência podem legar às práticas psicoterapêuticas. Então, como podemos entender a
fenomenologia aplicada à psicoterapia; ou, como poderíamos definir uma postura
fenomenológica num contexto clínico?
Segundo Bucher (1983), a Fenomenologia auxilia na compreensão dos processos de
interação psicoterapêutica a partir da análise da intersubjetividade e da colocação do ser-no-
mundo.
A Fenomenologia, aplicada à Psicologia, pode ser entendida como uma postura,
uma atitude que nos abre todo um leque de possibilidades, desde um modo de apreensão
do humano até formas de plenificação da existência. Mas podemos partir do lado do
psicoterapeuta nesta análise: como Buber já assinalara, é da responsabilidade do terapeuta
se deslocar em direção de seu paciente para compreendê-lo. Isto traz à baila uma reflexão
sobre as possibilidades e dificuldades que temos em nos posicionarmos de uma maneira
“isenta”, livre, despojada, diante das coisas e do mundo. E neste ponto, tocamos o que a
Fenomenologia propõe como metodologia, como o “retorno às coisas-mesmas”. Uma
possível leitura que podemos ter do legado de Husserl para nossa situação específica de
psicoterapeutas está exatamente no esforço em nos posicionarmos “sem misturas”, sem
amálgamas, diante das coisas, numa posição de observador que participa, mas não interfere.
HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da
Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
Clínica, no prelo (Pede-se não reproduzir sem expressa autorização do autor).
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A situação de psicoterapia é uma situação de campo, onde nosso campo


fenomenológico – nosso campo vivencial, ou nosso “espaço vital”, na expressão de Kurt
Lewin – se relaciona e interage com outros campos fenomenológicos, partilhando
experiências e sentimentos mútuos, mesmo reconhecendo a impossibilidade de uma troca
de posição. Se não podemos trocar de posição com o outro, então não podemos afirmar
nada a este outro, dado que isto seria a minha projeção sobre este outro. Assim, podemos
apenas acompanhar o processo do outro. Neste sentido, uma postura fenomenológica é uma
postura compreensiva, onde a noção de “intervenção” ganha outros contornos: uma postura
compreensiva – ao contrário de uma postura explicativa, como já assinalara Dilthey –
acompanha o processo do outro, e não interfere sobre este processo.
Esta postura, esta posição tomada pelo terapeuta, se caracteriza por uma escuta
ativa, por uma observação atenta, numa espera pela emergência do fenômeno do outro. Ao
contrário da perspectiva tradicional, naturalista ou explicativa, caracterizada por uma
atitude apriorística, que atribui sentidos de fora para dentro. Para realizar esta tarefa e
permitir a emergência do outro enquanto fenômeno é preciso que o terapeuta se encontre
com o cliente nele, com ele e através dele (Ribeiro, 1985). Para tal, faz-se necessário
realizar uma operação de consciência, que a fenomenologia tecnicamente denominou de
“redução fenomenológica”, e cujo significado essencial podemos designar pelo termo
abertura, ou seja, significa que o terapeuta está aberto para perceber seu paciente naquilo
que este se apresenta como mais essencial, naquilo que ele é, descobrindo-lhe a totalidade.
E abertura nos remete a responsabilidade, que significa dizer que se está disponível,
pronto a responder à demanda do outro (respons-habilidade).
Uma atitude que chamaríamos de “fenomenológica” difere de uma atitude
“fenomenista”. Uma atitude “fenomenista” confunde o que se percebe com o próprio ato de
perceber e, assim, o mundo se torna uma representação. Já a proposição husserliana da
Fenomenologia – na mesma esteira da dúvida cartesiana – é de um questionamento
contínuo e ininterrupto. Fazer fenomenismo é ficar no campo das simples descrições das
aparências. No campo da psicoterapia, encarar a emoção do cliente como uma mera
expressão sintomática é colocar-se no plano do simples fenomenismo; mas inseri-la dentro
da totalidade de sua existência é assumir uma postura crítica fenomenológica. Eis um
exemplo:

HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da


Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
Clínica, no prelo (Pede-se não reproduzir sem expressa autorização do autor).
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Estou pensando, especificamente, em certos trabalhos de corpo ou com o corpo, onde o


gestaltista pode reduzir-se a um simples fenomenista, isto é, lidar com o que acontece, com
as aparências de uma emoção, por exemplo, sem colocar este fenômeno dentro de um ser
maior, sem perceber o sentido existencial daquela emoção com o restante da totalidade do
cliente. Trata-se de uma ação sobre a aparência da aparência. Assim como a fenomenologia,
a ação psicoterapêutica não pode ser uma simples descrição do que se vê, mas uma
interrogação do todo que aparece (...) (Ribeiro, 1985, p.45).

Em suma, se prestarmos atenção ao cliente, este se nos revela, não apenas em


partes, mas na sua totalidade. As partes são objeto das ciências. O terapeuta que assume
uma postura fenomenológica se torna um verdadeiro facilitador da emergência do ser de
seu cliente, um facilitador do fenômeno-cliente, pois sabe que ninguém melhor do que ele-
mesmo para interpretar a sua própria realidade. Esta é uma posição defendida
explicitamente por Carl Rogers, por exemplo, e por boa parte da vertente existencial e
humanista da Psicologia. A Fenomenologia é a valorização do encontro, do presente, do
momento onde este ocorre, do aqui-e-agora.
Um dos sentidos primordiais de uma “atitude fenomenológica” na clínica consiste
na consideração do outro como um sujeito – ativo e concreto – contrariamente à concepção
naturalista que transforma este sujeito num “objeto”, como um “doente” a ser “tratado”, e
não como uma pessoa, como assinala Buber, que está no mesmo nível existencial do
terapeuta, como aponta Binswanger. Fazer fenomenologia na clínica é valorizar e
privilegiar o encontro, o “estar-junto” no presente, o que determina a diferença crucial
entre a relação médica (que é unidirecional e caracterizada pelo uso de agentes
intermediários – físicos ou bioquímicos, que são “aplicados” a um “paciente” que se
submete ao tratamento) e a relação psicoterápica (que se caracteriza pela relação direta,
cujo meio é o próprio “ambiente humano”, na condição do diálogo, dia-logos, humano)
(Bucher, 1989).
A psicoterapia deve ser entendida como um processo, onde a base é a relação de
significados que o cliente traz. Neste processo, o atendimento psicoterápico é uma
possibilidade de “ajuda” ao paciente na compreensão de seu processo de significar. E os
significados precisam ser buscados na palavra.
Numa perspectiva fenomenológica, a palavra nunca é mero signo, mas é sentido, é
ato, é a própria manifestação do ser-próprio do outro. Psicoterapia se torna então um
HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da
Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
Clínica, no prelo (Pede-se não reproduzir sem expressa autorização do autor).
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processo de “pescar a palavra”, como na poesia de Clarice Lispector: “Então escrever é o


modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra”. O
terapeuta é como o escritor, que tem a palavra como isca. As palavras podem ser vazias, e
estes vazios podem dominar o ser. Psicoterapia é um processo de re-descobrir sentidos, de
re-significar coisas ou situações; é um processo de transformação, onde passa-se dos
discursos vazios, para o discurso transformador.
Uma psicoterapia “fenomenológica” é aquela que busca o entendimento, a
compreensão da palavra, ou seja, é o processo que faz a palavra falar (Amatuzzi, 2001b).
Neste processo, o paciente vive e re-vive o incompreensível. “Escrever é procurar
entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que
permaneceria apenas vago e sufocador” (Clarice Lispector).
Fazer a palavra falar: esta é a tarefa da psicoterapia. Sair de um discurso vazio ou de
um sentimento que sufoca, que não se expressa, para um discurso que seja um dito, que seja
um ato realizador. “Enquanto não for dito ou atualizado na plenitude de um dizer ou de
uma presentificação, um sentimento permanece vago e sufocador. A partir do momento em
que ele é dito, algo se transforma (...)” (Amatuzzi, 2001b, p.63).
Uma psicoterapia fenomenológica caminha na direção de reunir palavra e sentido,
dito e vivido, como afirma Merleau-Ponty, mas não através de uma imposição de sentido
(de fora para dentro, como atribuição), mas de dentro para fora, como uma transformação
que se dá no fenômeno próprio do ser do outro, através dele mesmo, permeado pela escuta
do terapeuta. É esta escuta o principal instrumento do terapeuta que atua
fenomenologicamente. Escuta de sentido, e não da forma. “Nunca eu tivera querido, dizer
palavra tão louca: bateu-me o vento na boca, e depois no teu ouvido. Levou somente a
palavra, deixou ficar o sentido” (Cecília Meireles).
Rogers, em Um Jeito de Ser, coloca que: “O primeiro sentimento básico que
gostaria de partilhar com vocês é a minha alegria quando consigo realmente ouvir
alguém” (Rogers, 1983, p.4). Ouvir realmente, escutar verdadeiramente. Esta é a tarefa do
psicoterapeuta. Ouvir – não a palavra dita – mas o que diz a palavra. Ouvir a palavra e
escutar o sentido. A palavra falada nem sempre se encontra com o sentido vivido. Nas
psicoterapias de orientação fenomenológica e existencial, a palavra é percebida em si e
através de si.

HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da


Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
Clínica, no prelo (Pede-se não reproduzir sem expressa autorização do autor).
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“O que faz o psicoterapeuta? Ele nos ajuda a perceber como organizamos nosso
mundo, e como nossos problemas se prendem à forma como fazemos isso” (Amatuzzi,
2001b, p.69). Paul Ricoeur fala de um distanciamento que a linguagem opera em relação ao
real, ao que chama de “distanciamento da significação”. Ouvir é entrar em contato com o
que a pessoa diz. Segundo Amatuzzi (2001b), “a fenomenologia do ouvir se expande em
fenomenologia do diálogo. O que acontece então quando o ouvir chegou a esse nível de
profundidade? O passo seguinte pode ser expresso assim: permitindo a interpelação do
outro, sinto a necessidade da resposta. Seu discurso já não está nele. Está agora em mim”
(Amatuzzi, 2001b, p.71).
Uma psicoterapia “fenomenológica” é isto, uma relação intersubjetiva. E uma boa
metáfora para entendermos a fenomenologia na clínica é a questão do silencia e da palavra:
palavra e expressão, silêncio e expressão. Quantas e quantas vezes nossos clientes ficam em
silêncio absoluto e nos dizem, ao mesmo tempo, uma infinidade de coisas. Saímos do
terreno do “significado” (daquilo que é significado por alguém ou já dado) para o terreno
do sentido, do vivido, que nos é comum e que cala, na própria fala.

A plena expressividade ou não da fala, ou seja, sua autenticidade, pode ser descrita a
partir de sua relação com o pré-verbal que a mobiliza. Esse algo que a precede e a mobiliza,
posto que não-verbal, pode ser denominado, numa aproximação primeira de silêncio. A fala
é a ruptura de um determinado silêncio (Amatuzzi, 2001, p.24).

O psicoterapeuta deve estar atento ao significado que a fala tem, naquilo que a
conecta diretamente ao ser próprio do sujeito. A Fenomenologia diz de um sentido e um
significado que antecedem ao signo da própria fala, ou seja, diz de algo que remete o
sujeito a um pré-reflexivo, a um pré-cognitivo.
É a fala que contribui para modificar o sentido comum das palavras, mas os sentidos
comuns que constituem a fala, afirma Merleau-Ponty (1945). “Quando a fala é original ela
faz evoluir a própria língua” (Amatuzzi, 2001, p.25). Para Merleau-Ponty, é o silêncio
primordial – que se encontra por detrás do “barulho das palavras” – que é a “alma da
palavra pronunciada”, ou seja, é o que se concretiza e o que se constitui como sentido no
mundo do discurso. Em outras palavras, é na fala que se realiza um sentido anterior. Mas,
“a ruptura do silêncio que dá origem à fala não é propriamente a eliminação do silêncio,
mas uma realização dele” (Amatuzzi, 2001, p.25). Esta é uma regra importante no contexto
HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da
Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
Clínica, no prelo (Pede-se não reproduzir sem expressa autorização do autor).
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da psicoterapia: o silêncio primordial carrega o sentido das falas, mas é pela fala que este
sentido se realiza. Buscar o sentido anterior à fala não implica em negá-la, mas em acolhê-
la. Como a regra dialética nos ensina, a resposta está contida na própria pergunta. É pela
fala que acessamos o silêncio primordial. Ao terapeuta cabe caminhar junto com seu
cliente, na fala dele, através dele.
Merleau-Ponty (1945) ainda dá exemplos de falas originárias: a do apaixonado
(que descobre sua paixão), a do escritor (ou filósofo, que despertam a experiência
primordial), o poeta. Nestes, é o silêncio pré-verbal que mobiliza e conduz a fala; esta, já
estava contida neste silêncio: o apaixonado identifica seu sentimento, que se revela (que se
des-vela), e que pré-existia (e que toma um formato novo, um novo estatuto, ao ser
descoberto). Este é o mesmo caminho que Buber (1979) aponta para a relação dialógica: o
homem se realiza na linguagem, quando se torna palavra. Palavra, para Buber, é ato.
A Fenomenologia propõe que o significado, o sentido, aquilo que habita a palavra,
não é o pensamento, é anterior a este. A isto Husserl denomina de “experiência pré-
reflexiva”; a isto Merleau-Ponty chama de intenção primordial. É sobre este solo filosófico
que a maioria das práticas psicoterápicas – ditas humanistas, fenomenológico-existenciais
ou simplesmente existenciais – se apóia quando constituem suas práxis num desvelar de
sentidos, numa busca de significados anteriores às falas, num conjunto de métodos e
técnicas com vistas a permitir ao cliente retornar à sua experiência vivida. É nisto que se
constitui a possibilidade de compreendermos o “retorno às coisas-mesmas” da
Fenomenologia.
Quando Carl Rogers define sua proposta psicoterapêutica como sendo um processo,
cujo centro é a troca de experiências vivenciais entre terapeuta e cliente, caminha na
direção da Fenomenologia. Imprescindível uma postura específica da parte do terapeuta,
como sendo a “(...) dedicação do terapeuta em ir na direção do cliente, no ritmo do cliente
e com a maneira única de ser do cliente” (Bozarth, 1979, p.1).
A “Abordagem Centrada na Pessoa” de Rogers supõe um compromisso da
totalidade do terapeuta com a totalidade do cliente. Pagès (1986, p.5-6) aponta que “(...)
Rogers é implicitamente fenomenólogo a nosso ver na medida em que para ele a fonte de
todo conhecimento autêntico reside numa experiência que partindo da experiência
cotidiana, destaca-se daquela que contém pré-concepçðes e quadros intelectuais

HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da


Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
Clínica, no prelo (Pede-se não reproduzir sem expressa autorização do autor).
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deformantes (...)”. Esta posição é corroborada por Spiegelberg (1972), que diz que Rogers é
um fenomenólogo na prática.
Quando a Gestalt-Terapia fala de awareness, por exemplo, e a coloca como um
objetivo a ser alcançado, definindo-a como a experiência de estar em contato com a própria
existência ou, como assinala Ribeiro (1994), como a experiência de estar consciente da
própria consciência, está-se assinalando este “retorno” a uma experiência que a
Fenomenologia descreve como sendo pré-predicativa. Este processo se dá através do que a
Gestalt-Terapia define por contato (Perls, Hefferline & Goodman, 1997; Polster & Polster,
2001). E é neste caminho que a questão da linguagem se apresenta.

A finalidade da psicoterapia é levar o cliente à sua consumação, isto é, a desdobrar-se


até a plenitude no agir, no pensar, no expressar-se pela linguagem. Isto significa que o
homem todo inteiro é o sujeito do processo psicoterapêutico (...) O discurso unitário é a
pessoa do cliente e a do profissional, o vínculo é a relação. Neste sentido, a relação é uma
Gestalt (Ribeiro, 1985, p.30).

Essa abordagem processual expressa na linguagem gestáltica e imbricada no


conceito de awareness remonta a Franz Brentano em sua Psicologia do Ato, para a qual
tratava-se de distinguir o ato do conteúdo. Aqui encontramos um explícito ponto de
interseção entre Gestalt-terapia, Psicologia da Gestalt e Fenomenologia: (Karwowski, 2002,
2005)

Brentano falou de atos de ideação, de julgamento e de amor-ódio, todos eles dirigidos


'intencionalmente' a algum objeto. Esta foi a origem da construção fenomenológica da
realidade pelo percebedor e pelo percebido. E é o pano de fundo filosófico para o princípio
da Gestalt-terapia, de que a consciência é sempre consciência de algo. Além de ter sido uma
influência importante para a incorporação, pela teoria de campo na psicologia, do pensar em
termos de processo (Yontef, 1998, p. 204).

Quando a Daseinsanálise fala de abertura, está falando da dimensão existencial do


ser humano. “Se há algo que é essencialmente de natureza humana é a abertura. É para
isso que Martin Heidegger nos chama a atenção em sua ontologia fundamental. O homem
é essencialmente ser-aberto diante do que vem a seu encontro no seu mundo”
(Cytrynowicz, 1997, p.64). E compara a figura do terapeuta com a do jardineiro, que
cultiva uma planta:
HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da
Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
Clínica, no prelo (Pede-se não reproduzir sem expressa autorização do autor).
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(...) é tarefa primordial do terapeuta zelar pelo desabrochar da riqueza humana, isto é,
estar constantemente atento para o desvelamento do poder-ser próprio de cada paciente. Não
é o terapeuta quem deve indicar o que é próprio de cada paciente – isto é até um contra-
senso em relação ao sentido mesmo do próprio. O terapeuta deve atuar como um jardineiro
que cultiva uma planta. O jardineiro não produz a planta como se produz um automóvel, não
cria a terra, nem a semente, nem planeja os passos que devem ser seguidos pela planta para
atingir a maturidade, florir e frutificar. Ele somente cria melhores condições (...). O
terapeuta deve auxiliar o paciente a desvelar as próprias possibilidades (Cytrynowicz, 1997,
p.69-70).

Igualmente, a Fenomenologia e a Analítica Existencial de Heidegger re-constituem


o olhar que a psicoterapia e a psiquiatria podem ter sobre o fenômeno da patologia, ou
sobre o “ser-doente”. Como assinalam Boss & Condrau (1997, p.29), “(...) qualquer modo
do ser-doente só pode ser compreendido a partir do modo do ser-sadio e da constituição
fundamental do homem normal, não perturbado, pois todo modo de ser-doente representa
um aspecto privativo de determinado modo de ser-são”.
Estas perspectivas filosóficas introduzem temas que norteiam a análise existencial,
tais como a corporeidade, a espacialidade, a abertura e a liberdade. São temas que se
articulam no sentido de ajudar à compreensão do ser-do-homem. Igualmente permitem
novas perspectivas no campo da psicoterapia, seja pela ótica da própria compreensão do
fenômeno humano, seja pela introdução de novas técnicas ou instrumentais. No caso da
Daseinsanálise, a leitura heideggeriana introduz um novo modus operandi em relação à
análise dos sonhos, por exemplo. Para a Daseinanálise, o sonho é um modo que o sonhador
tem de estar-no-mundo, comparando-se o mundo onírico ao mundo da vigília. Assim
sendo, o sonhar contém a história de vida do sonhador – passada, presente e futura – e seus
elementos aludem a esta história, e faz com que a análise do sonho estabeleça relações entre
o sonhador e seu mundo vivido (Santos, 2004). Segundo Boss & Condrau (1997, p.33),

(...) a abordagem daseinanalítica da constituição fundamental do ser-humano (...) é


igualmente importante na prática terapêutica. Permite notavelmente a aplicação da
terapêutica de uma nova compreensão dos sonhos assim como uma concepção
completamente diferente daquilo que se chamou até agora nas escolas freudianas e
junguianas de ‘transferência’ entre o paciente e o terapeuta. Menos palpáveis mas não

HOLANDA, Adriano F. (2006). Fenomenologia, Psicologia e Clínica Psicológica. Inserção da


Fenomenologia no Contexto da Psicologia [Capítulo III], Liberdade para Viver. Escritos em Psicologia
Clínica, no prelo (Pede-se não reproduzir sem expressa autorização do autor).
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menos essenciais na prática terapêutica são as modificações que se interpuseram no clima da


análise.

Com a Logoterapia de Viktor Frankl, a influência da Fenomenologia e da Analítica


Existencial toma contornos de fundamentos básicos. Definida como a “psicoterapia do
sentido da vida”, a Logoterapia (que durante muito tempo foi chamada de “análise
existencial”), procura compreender o homem como um ser que busca sentido para sua vida,
e que o sofrimento e a falta de sentido configuram o que Frankl (1991) define como o
“vazio existencial”. Uma referência pode nos ajudar a compreender como que a perspectiva
existencial introduz um novo sentido de apreensão do fenômeno psicológico, segundo
Frankl:

Nem todo conflito é necessariamente neurótico; certa dose de conflito é normal e sadia.
De forma similar, o sofrimento não é sempre um fenômeno patológico; em vez de sintoma
de neurose, o sofrimento pode ser perfeitamente uma realização humana, especialmente se o
sofrimento emana de frustração existencial (...). A frustração existencial em si mesma não é
patológica nem patogênica. A preocupação ou mesmo o desespero da pessoa sobre se a sua
vida vale a pena ser vivida é uma angústia existencial, mas de forma alguma uma doença
mental (Frankl, 1991, p.94).

Todos esses exemplos não fazem destas abordagens formas “puras” de


fenomenologia, nem constituem uma “escola” fenomenológica de psicoterapia, mas deixam
claras as possibilidades que o método tem de se tornar uma prática. A rigor, nos dá como
norte, a idéia de que uma prática sem fundamentação, é uma prática vazia; mas uma clínica
embasada se torna um momento de transformação.

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Na Fenomenologia, portanto, toda subjetividade é necessariamente intersubjetividade.


Alteridade: similaridade e diferença
Identidade se dá pela alteridade
Ego-cogito

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