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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO DE JANEIRO

UERJ

Valéria Rousseau P. Costa

DE MICROVESTÍGIOS À PAISAGEM: EM RUÍNAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Artes, Linha de Pesquisa Arte,
Experiência e Linguagem, do Instituto de Artes
da Universidade Estadual do Rio de Janeiro,
como exigência parcial para obtenção do Título
de Mestre em Artes, sob a orientação da Prof.
Dra. Ana Luzia de Lima Cunha.

Rio de Janeiro / RJ

2022
RESUMO

O sujeito de pesquisa desta dissertação é uma instalação audiovisual de 15 min que pretende-se
construção poética de um jardim que relaciona o material de arquivo sobre os interesses em arte e
arqueologia da Imperatriz Teresa Cristina Maria, esposa de D. Pedro II, com as ideias de ruína
investigadas por Walter Benjamin.

De uma certa experimentação, ou arqueologia de imagens e sons, se produz a narração anacrônica,


cujo corpo é formado por fotografias da coleção Mediterrânea do Museu Nacional, do Jardim das
Princesas e de outros materiais audiovisuais de procedência, qualidade e finalidade distintas, sem
hierarquia.

O texto nasce do encontro entre as imagens, desenha a linha narrativa do filme e fixa pela escritura,
ideias especulativas sobre o que ali se vê.

Seguir por um caminho que escapa `a lógica institucional de ordenar, catalogar, categorizar um arquivo
e ou coleção e afirmar a força insubordinada de outros saberes e epistemologias para ocupar I
desocupar questões produzidas pela memória I esquecimento social e nacional.

Nestas folhas, as escritas acadêmica, poética e ensaística dobram o conceito da escrita


cinematográfica. Entende-se como construção poética a organização de um espaço coletivo, relacional
e afetuoso entre imagens, sons, e textos de arquivos, além de autores, línguas, ideias e sonhos;
incluindo, é claro, o leitor como um elemento constitutivo dessa aliança.
SUMÁRIO

0. CONVERSA COM AS ESTRELAS

1. AQUILO QUE ME ARRISCO A IMAGINAR

_Jardim ou um mundo animado para poder habitar

_Do outro lado das Grandes Águas

_Nas bordas da cultura branca

2. O DESTINO DAS COISAS

_O arquivo como primeira morte

_Tornar público é tornar imaginável

_Embrechar o tempo

3. TODOS OS FOGOS, O FOGO

_Para acercar o rosto `as cinzas

4. PARA RETORNAR `AS COISAS MESMAS E SER NO MUNDO

_Acordar o coração em torno da fogueira sob uma noite estrelada

BIBLIOGRAFIA
_CONVERSA COM AS ESTRELAS_(escrita poética, ensaística.)

“Para retomar a tarefa, esperou que o disco da lua fosse perfeito. Depois, `a tarde, purifiou-se nas
águas do rio, adorou os deuses planetários, pronunciou as sílabas lícitas de um nome poderoso e
dormiu. Quase de imediato, sonhou com um coração que pulsava.” As ruínas circulares, J-L Borges.

Esse registro tem uma dimensão reflexiva sobre as questões suscitadas pelo projeto. É roteiro, mas de
escrita porosa que pretende ordenar a minha pesquisa. Também é escrita pela escrita. Vou
descobrindo mais sobre o trabalho enquanto escrevo.
Nas frestas a pesquisa se faz. Nas encruzilhadas. No caminho fragmentado e num percurso feito num
tempo inventado. A criação de um tempo próprio para contar essa história. Tempos históricos diversos
e memórias distintas.

Para provocar novas percepções ao explorar a relação metamórfica com o mundo, é preciso, ao
escrever cinematograficamente, sentir o material como força animada. É preciso ‘acercar o rosto `as
cinzas’, segundo Didi-Huberman. Observar como os próprios sentidos se lançam além do que se
apresenta como imediatamente dado, a fim de experimentar o contato com os outros lados de coisas
que não sentimos diretamente, com os aspectos ocultos ou invisíveis do sensível.

É preciso ouvir a música. E atentar-se ao sopro dos ancestrais. No tempo messiânico.

E então, um novo ciclo do tempo vai se movimentar até que uma ‘colisão’ o interrompa, para realizar
um novo começo, para que um novo movimento do tempo se inicie.

Primeiro, olhar o fogo para entrar nesse não tempo e perceber os caminhos presentes em alguma
dimensão próxima e, quem sabe, encontrar o tempo e manuseá-lo num espaço de imagens, sons,
palavras, ideias e sonhos.

O filme é escrita cinematográfica dos tempos que quis tocar. É feito de cinzas. A memória do fogo está
em cada imagem que não ardeu e que documenta a barbárie escondida sob o conceito de cultura.
É exercício para imaginar relações íntimas e secretas das coisas, encontros de temporalidades
contraditórias que afetam o que tocam. É represa de tempo. Empilhamento de coisas, relações,
histórias. É composição polifônica estruturada por texto e som. Também é colagem. Precisa ser feito
para se compreender o que verdadeiramente será.

A montagem é ferramenta para encontrar ligações ‘íntimas e secretas’ entre as imagens e torná-las
pertencentes `a mesma constelação.

A partida é de um lugar que teve, certa vez, a cor do fogo.


De lá chegaram ruínas de outro templo, de deuses incendiados e mortos que aqui encontraram as
nossas próprias ruínas, que se tornaram deles, do distante.

Em seguida, desenhar as palavras, pois os pensamentos dos brancos estão cheios de esquecimento,
nos ensina Davi Kopenawa.

Meu interesse não é só pesquisar / escavar. É sugerir uma espécie de “ativação” do material - imagens,
sons e textos são alterados uns pelos outros na contingência, observação, escuta e presença. Provocar
uma transformação do material e não pura exposição.

A narrativa é fragmentária, sem a experiência da totalidade formal nem espaço geográfico definido.
Me interessa a construção de um espaço virtual onde as imagens se comportam de diversas formas
(ora voam, ora são empilhadas) e a criação de perspectiva nesse ambiente arquitetônico virtual para
dar a noção da passagem do tempo não cronológico.

O que colocar `a margem – nas bordas do quadro? O que desfocar? A imagem nos conduz ao
extracampo? O som mostra aquilo que não somos capazes de ver ou realça aquilo que as imagens nos
trazem?
Há imagens establishing shots? Há experiência da totalidade espacial e olhar em perspectiva?
“Há mundo porvir?” Deborah Danowski e Eduardo Viveiros de Castro.

Sobre as imagens: ao depor nosso olhar sobre essas imagens penso nas condições que impediram a
sua desaparição.

As imagens não estão no presente. Gilles Deleuze: “Parece-me evidente que a imagem não está no
presente [...] A própria imagem é um conjunto de relações de tempo de que o presente só deriva,
apenas como um múltiplo comum, ou como o mínimo divisor. As relações de tempo nunca se vêem na
percepção ordinária, mas sim na imagem, enquanto criadora. Torna sensíveis, visíveis, as relações de
tempo irredutíveis ao presente”.2

“Saber olhar uma imagem seria, de certo modo, tornar-se capaz de discernir o lugar onde arde, o lugar
onde sua eventual beleza rerva um espaço a um ‘sinal secreto’, uma crise não apaziguada, um sintoma.
O lugar onde a cinza não esfriou.3”

Problemáticas para o texto do filme: a palavra-gesto.

_as frases, uso de: Nós / Os outros / O distante.


_a questão dos artefatos que não foram feitos para ficar em museus; sua representação na sociedade
de origem (ritualística, por ex); sua condição de objetos de pilhagem.

Lidar com o texto é também relacionar-se com a fisicalidade das palavras. Donna Haraway sugere que
palavras e linguagens são mais próximas `a carne do que `as ideias.

A descrição como atitude existencial, modo de ser no mundo para a abertura, comunhão e partilha.

Ruína: ato ou efeito de ruir, de cair violenta e subitamente; restos da arquitetura de uma civilização.
Um dos antônimos de arruinar é instituir.
Instituição: ação de instituir.
Referencial teórico para o estudo sobre ruínas: Walter Benjamin – pela filosofia.

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AQUILO QUE ME ARRISCO A IMAGINAR

_Jardim ou um mundo animado para poder habitar

Escrita: sobre jardim-paisagem / pitoresco / romântico – idas e vindas da história para o meu sujeito-objeto
/ Glaziou e o jardim inglês da Quinta da Boa Vista.

O jardim como o espaço onde o homem repousa, mas sobretudo como alegoria de uma cosmovisão
historicamente datada, fonte de inspiração poética e representação da subjetividade.
Todas as sociedades constrõem jardins em seus territórios?

Em certas culturas, o planeta Terra, a natureza absoluta, seria um grande jardim, cabendo ao homem
respeitar suas leis e preservá-la a fim de dar continuidade a vida.
O jardim-paisagem-pintura desenvolve no espírito humano sentimentos de acordo com a imagem
contemplada.
O jardim-paisagem como lugar de memória. Determinados objetos implantados na paisagem aparecem
como epitáfios metafóricos, incentivando o usuário a relembrar o passado e a morte.

Goethe: seus poemas e romances põem luz num espírito atento `a paisagem e ao jardim como
manifestações da sensibilidade e da arte.

Posicionamento de equilíbrio entre razão e sensibilidade.

Jardinar, “é como modelar a matéria incoerente e vertiginosa de que se compõem os sonhos” – JBL.

Olhar o jardim é sentir e retomar por sua vez o trabalho que o produziu; é apreender, no seu próprio
corpo, uma dinâmica de realização; é reencontrar as linhas de partilha, os limiares, as recuperações
sucessivas. É compreender a história que conta esse solo, das gerações que sucederam, e que
moldaram esse sítio sem todavia vencer as suas resistências e que conformam uma tapeçaria que bem
podemos de chamar a materialidade da memória manifestada na superfície.

Pensamento mágico (Ailton Krenak).


Eles dão nome a todas as plantas e animais que existiram naquela paisagem antes dela ser destruída,
cantam para eles, invocam a presença deles e criam um mundo animado para poder habitar.

Criar um mundo animado para poder habitar. (como metodologia de trabalho).

Para continuar ser o que somos.

“É uma experiência de consciência coletiva. De observar a nossa integridade, a nossa ligação cósmica.
Estamos caminhando aqui na Terra mas em outros lugares também.
Todo mundo anda em constelação.
Vocês precisam tomar cuidado porque o mundo está invadindo a nossa existência”. AK.
Tradução entre dois mundos.
Imprimir no corpo da Terra a sua marca e cultura como se os homens fossem a única inteligência
sensível.

Cantar para o jardim, e ele, sendo meu cúmplice, entrar nos meus sonhos.

Como se civilizar-se fosse um destino.

Para disparar a mudança, acessar o coração.

BIBLIOGRAFIA

MARIN, L. Sublime Poussin. São Paulo: Edusp, 2001.

BACHELARD, G. A poética do espaço. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008.

CAUQUELIN, A. A invenção da paisagem. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

AGAMBEN, G. O reino e o jardim. São Paulo: N-1 edições, 2022.

BORGES, J-L. Ficções. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

TEXTOS de Gilles A. Tiberghien.

TEXTOS de Augustin Berque, Alain Roger e Rosário Assunto - a experiência da paisagem se funda em sua experiência
estética.

O tradutor do pensamento mágico: Ailton Krenak


https://revistacult.uol.com.br/home/ailton-krenak-entrevista/

Paisagem é o lugar onde onde o céu e a terra se tocam - Michel Courajoud


https://xdocs.com.br/doc/michel-corajoud-a-paisagem-e-o-lugar-onde-o-ceu-e-a-terra-se-tocam-loywm5607w83

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AQUILO QUE CONSIGO IMAGINAR

_Do lado de cá das Grandes Águas

Escrita: descrição do jardim fabulado – pesquisar autores / textos literários que descrevem os jardins a partir
de fabulações poéticas.
“Mas se a gente tiver a possibilidade de contar mais uma história, a gente adia o fim do mundo”. Ailton
Krenak.

Do lado de cá das Grandes Águas, as conchas são pedaços de vida, mas no Jardim das Princesas,
determinaram seu destino, de ser ornamento, e não há esperança para seus simbolismos serem
reativados.
Cacos dos outros aqui se juntaram aos cacos nossos para formar uma paisagem inanimada que não é
imaginada e sim incrustada em espécies de tronos, aquele pretenso lugar onde o poder é simbolizado.
Dizem que os tais cacos são fragmentos de cerâmicas vindas das nações amigas, e aqui estão
destacados por conchas brasileiras que, pela técnica renascentista de embrechamento, preenchem as
lacunas dos cacos de histórias outras.

Ninguém escuta o passado nas conchas incrustadas.

A intenção do gesto que ordenou a paisagem do jardim de desenho neoclássico, onde bancos e tronos
já nasceram ruínas de um lugar-não-lugar, segue presente nesse passatempo tão caro `a imperatriz
Teresa Cristina Maria e `as princesas Leopoldina e Isabel.

A única possibilidade de vínculo entre os cacos de histórias outras e as conchas brasileiras é, talvez, na
própria escrita.

*Notas:
_De onde vieram essas conchas? Das praias do Rio ou de algum sambaqui? Os sambaquis sumiram exatamente quando
entraram as sociedades de guerra (sociedades indígenas). Nem os povos originários são tão originários. A sociedade dos
sambaquis desaparece e surge as sociedades da cerâmicas, da caça, da guerra que são os tupis.
Os gestos de feitura dos sambaquis / Os gestos da imperatriz com as princesas – mistura de universos. As louças e os
sambaquis – sobre as duas sociedades.
A paisagem européia impressa nas louças inglesas. A paisagem dentro da paisagem. A natureza pintada dentro da natureza
real. Artifício. Artefato cultural.
O ato de embrechar e a construção e universos irreconciliáveis. O gesto que declara a impermeabilidade da cultura
européia.
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AQUILO QUE CONSIGO IMAGINAR


_Nas bordas da cultura branca

*Escrita: sobre paisagem – história e as paisagens aqui propostas.

O corpo consciente não observa o mundo contemplativamente, mas participa ativamente do processo
experiencial. Paisagem como experiência incorporada.

Um território afetivo, talvez imaginário. Povos que vieram de outras paisagens.

Uma invasão que alterou profundamente a noção de território que os nossos antepassados tinham
sobre esse lugar.

A nossa maneira de experienciar o território, pela estética através do conceito de paisagem, é colonial.

“Paisagem é o lugar onde onde o céu e a terra se tocam “. Michel Courajoud.

Perder a ilusão das divisões demasiado nítidas; Ilusão que endurece a superfície das coisas.
Recompor uma nova geografia das coisas em que a terra e o céu não têm outras qualidades senão as
adquiridas pela sua contiguidade;
Como se todas as qualidades sensíveis apenas pudessem aparecer nessa espessura única do mundo,
aquela onde os meios e as coisas se tocam num impressionante tumulto.
Por conseguinte, o céu e a terra só adquiririam então forma e textura nos lugares onde a matéria de um
e a da outra fossem agitadas pela sua proximidade.
Nesta camada de instabilidade, onde dois meios se afrontam, todo o potencial ativo do céu e da terra se
encontra aí já concentrado.
O jardineiro com suas ferramentas, ao exacerbar céu e terra, faz-nos viver os primeiros instantes do
seu encontro.
Numa paisagem, a unidade das partes, a sua forma, vale menos que o seu extravasamento.
É difícil fraccionar uma paisagem, pois tudo nela está em expansão, tudo flui e se funde. O espaço está
cheio desses extravasamentos.
Presença singular, fortemente irrigada de sentido, porque se extravasa.
A paisagem é o lugar do relacional onde todos os locais só são compreensíveis por referência a um
conjunto que se integra, por sua vez, num conjunto mais vasto.
Com efeito, na própria carne da paisagem imprime-se e perduram todos os estigmas do passado. A
paisagem tem memória e eu posso interrogá-la.
A realidade sensível apaga-se nas telas das nossas representações.
A paisagem não é redutível `as aparências, e, sem dúvida, reina entre as coisas como potência de
entrelaçamento.
Aproximação lateral do conceito: explorar os seus estados-limite e prestar toda a atenção `as franjas do
próprio conceito.
Reencontrar o horizonte e a materialidade do mundo.
A paisagem é uma ideia manifesta.
E a paisagem da natureza é a assim a paisagem histórica, que restitui a história dos homens.
A autoridade colonial.
Esta paisagem testemunha o afrontamento de duas culturas.
Ver os manifestos desvios da paisagem acertiva da autoridade colonial.
Avanços perceptivos na profundidade da paisagem.
Paraíso perdido na Terra sem males.

Encontro em mim o complemento daquilo que olho.

Sendo a nossa relação com o mundo mediada pelo corpo, apreendo, no meu próprio corpo, a sua
dinâmica de realização.
Penetrar na sua estrutura.
Ainda que estranha, depressa a paisagem se me tornava familiar, pois compunha um território aberto
`as minhas investigações.
O que hoje contemplo é a paisagem histórica sedimentada.
O que hoje você contempla é a imagem de uma paisagem histórica, do desejo de escapar ao irrisório
caos da representação de mundo. Essa imagem mediada pela tela e decodificações (estudar como
percebemos uma imagem na tela) transforma a sua percepção dessa paisagem. Experiência enquanto
potência, virtualidade. O que hoje contempla é uma paisagem contemporânea organizada pela imagem
e pela mensagem.

“O padre jesuíta Kircher afirma que nas costas da Sicília, ‘as conchas de peixe que se reduziram a pó,
renascem e se reproduzem se regarmos com água salgada esse pó’. O Abade de Vallemont cita essa
fábula paralelamente a da Fênix que renasce de suas cinzas. Eis, portanto, uma fênix da água.
Se o pó na concha pode conhecer a ressurreição, a concha reduzida a pó, como não voltaria ela a
encontrar sua força de espiral viva?” A poética do Espaço, Gaston Bachelard.
BIBLIOGRAFIA

MARIN, L. Sublime Poussin. São Paulo: Edusp, 2001.

BACHELARD, G. A poética do espaço. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008.

CAUQUELIN, A. A invenção da paisagem. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

AGAMBEN, G. O reino e o jardim. São Paulo: N-1 edições, 2022.

BORGES, J-L. Ficções. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

TEXTOS de Gilles A. Tiberghien.

TEXTOS de Augustin Berque, Alain Roger e Rosário Assunto - a experiência da paisagem se funda em sua experiência
estética.

O tradutor do pensamento mágico: Ailton Krenak


https://revistacult.uol.com.br/home/ailton-krenak-entrevista/

Paisagem é o lugar onde onde o céu e a terra se tocam - Michel Courajoud


https://xdocs.com.br/doc/michel-corajoud-a-paisagem-e-o-lugar-onde-o-ceu-e-a-terra-se-tocam-loywm5607w83

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O DESTINO DAS COISAS

_O arquivo como primeira morte

A busca em meio a morte. Acessar os arquivos para dialogar com os mortos.


Mas os arquivos não nos entregam mais do que alguns vestígios, devido a sua natureza lacunar.
Nas palavras de Didi-Huberman, “o arquivo é cinza, não só pelo tempo que passa, como pelas cinzas
de tudo aquilo que o rodeava e que ardeu. É ao descobrir a memória do fogo em cada folha que não
ardeu, onde temos a experiência [...] de uma barbárie documentada em cada documento da cultura”. “A
barbárie está escondida no conceito mesmo de cultura”1.
Arquivo é “o que não para de se modificar por uma falta inesquecível”.2
O arquivo é constantemente uma falta, um processo em construção, uma história porvir que jamais será
inteiramente conhecida.
Cada fabulação sobre ele, gera fissuras na história concebida, singularidades que o investigador vai
tentar “embrechar” no mosaico de tudo aquilo que já sabe, para produzir, se possível, repensar a
história a partir do evento em questão.
“O arquivo quebra as imagens preconcebidas” 3, escreve Arlette Farge.
O arquivo, em virtude do seu aspecto de fragmento ou de vestígio bruto, carrega em si a possibilidade
de um mundo desconhecido e ao ser libertado de uma certa realidade, abre-se `a interpretações
imprevisíveis.
O arquivo não é o reflexo puro e simples de acontecimentos históricos, nem a sua simples prova. Deve
ser sempre elaborado mediante recortes incessantes, cruzamentos com outras fontes. Exige sucessiva
reconstrução, mas será sempre a “testemunha” de algo, como diz Arlette Farge, insistindo, em
particular, no seu aspecto de “recordação sonora” – o timbre de vozes inaudíveis.
Michel de Certeau e Michel Foucault mostraram que o arquivo não é, de modo algum, o reflexo
imediato do real, mas uma escrita provida de sintaxe.
O arquivo não como o fim da história, mas como imagem por vir.
A imagem de arquivo é apenas um objeto nas minhas mãos, uma cópia fotográfica indecifrável e
insignificante enquanto eu não estabelecer a relação – imaginativa e especulativa – entre o que vejo
aqui e o que sei por outras vias.
Existe em cada imagem um posicionamento, um gesto que fica nela impresso e que deve ser
considerado durante o processo de análise da mesma. Não existe, portanto, imagem pura ou sem
intencionalidade.
Olhar para o arquivo visual como um possível ponto de contato entre a imagem e o real. Como um
indício, um fragmento, uma peça de um quadro mais amplo e complexo. Sendo a imagem impotente
para mostrar todo o real segundo Didi-Huberman, é preciso explicitar a compreensão de que uma
imagem é incompleta, frágil e que precisa ser trabalhada para poder revelar. É necessário que seja
estabelecida a relação entre o que se vê e as informações que se possui.
“O arquivo mostra a perspicácia das condutas, o julgamento dos indivíduos e o discernimento das
coletividades: é um trabalho, então, de identificar modos de pensar, de descobrir suas regras e
circunscrever condutas que inventam simultaneamente sua própria significação, a fim de compreender
sobre quais sistemas de inteligência e de sentimentos se fundamenta o conjunto das coesões e das
rupturas sociais”.4
O trabalho com as imagens de arquivo intenciona provocar, ativar lembranças que surgem para além
da própria imagem mas que atualizam as questões ali latentes e que não são necessariamente
conhecidas até então.
Paradoxal, o arquivo contém ao mesmo tempo o que nega e aquilo que quer ouvir a qualquer preço: as
falas latentes, as histórias que se contam, representações e os atos prestes a se consumarem; formas
reconhecíveis e imbuídas de um saber social. São histórias em construção cujo desfecho nunca é
inteiramente apreensível.
“O arquivo é uma brecha no tecido dos dias, a visão retraída de um fato inesperado”5.

Deixar-se impregnar pelo arquivo, estar suficientemente disponível `as formas que ele contém.
Tropeçar no defeito material do documento: cantos corroídos, bordas danificadas pelo tempo que
engolem as palavras, escritos nas margens, palavras ilegíveis que deixam o sentido em suspenso,
rasgos, portanto ausências. Buscar nos arquivos o que está escondido como vestígio de um
acontecimento. Presença de arquivo e ausência dele são sinais a colocar em dúvida, portanto em
ordem. Tornar manifesto o que está latente e transformar aquilo que sobrevém.
Questionar a imagem para tornar significante o arquivo. Nas questões colocadas sobre as imagem, o
arquivo se torna significante.
Não ter medo dos arquivos, evitando assim o duplo obstáculo da sua sacralização e da sua contestação.

Arquivo de imagens heterogêneas. Arriscar me a criar relações entre esses vestígios de coisas
sobreviventes, heterogêneas e anacrônicas, para tentar criar um sentido, apesar das lacunas de seus
tempos.
Montagem pela força imaginativa
Direcionar o espírito
Interrogar história e memória nas imagens.

Isabelle Stengers sugere que reativar significa reativar aquilo de que fomos separados, mas não no
sentido de que possamos simplesmente reavê-lo. E recuperar significa recuperar a partir da própria
separação, regenerando o que a separação em si envenenou.

As imagens primeiramente montadas são o ponto de partida para a construção desse diálogo, sendo
esses ‘colisões’ que irão redirecionar o projeto. Em algum ponto desse caminho, haverá a qualificação.
Em outro, a defesa da dissertação. Mas será processo contínuo de (re) invenção no qual a alteridade é
presença autoral manifesta. O sujeito da fala (da voz, aquele que narra), ele mesmo a própria
coletividade, é o sujeito histórico, protagonista das suas relações com o mundo.
Da modernidade, de matriz cartesiano-kantiana, da separação radical entre o homem e o mundo, `a
metafísica decolonial de epistemologias e ontologias mitológicas e oníricas, conhecedoras das
propriedades dos entes cósmicos, bem como a maneira pela qual eles se interrelacionam, refletindo
desse modo uma ético-política cósmica.

Mas é possível reativar um arquivo em meio digital?


“Não é que o passado lance a sua luz sobre o presente ou o presente sobre o passado. Uma imagem,
pelo contrário, é aquilo em que o Outrora encontra o Agora para formar uma constelação”. Walter
Benjamin.

Pois são nossas aquelas brasas.

BIBLIOGRAFIA

1 DIDI-HUBERMAN, Georges. Quando as imagens tocam o real. Pós: Belo Horizonte, v.2, n 4, nov. 2012, p. 204 – 219.

2 CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1982, p.?

3 FARGE, Arlette, O sabor do arquivo, Paris, Seuil, 1989, pp. 10, 19, 70, 97, 135.

4 Ibid., pp. 11-2, 45, 55.

5 Ibid., p. 14.

OUTRAS BIBLIOGRAFIAS

OBS: as questões da imagem de arquivo na obra A Restoration _Elizabeth Price


Isabelle Stengers

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O DESTINO DAS COISAS

_Tornar público é tornar imaginável

“O ato de ver não é o ato de uma máquina de perceber o real enquanto composto de evidências
tautológicas. O ato de dar a ver não é o ato de dar evidências visíveis a pares de olhos que se apoderam
unilateralmente do “dom visual” para se satisfazer unilateralmente com ele. Dar a ver é sempre inquietar
o ver, em seu ato, em seu sujeito. Ver é sempre uma operação de sujeito, portanto uma operação
fendida, inquieta, agitada, aberta. Todo olho traz consigo sua névoa, além das informações de que
poderia num certo momento julgar-se o detentor.”1
O olhar como uma ação incompleta que inevitavelmente nos retorna. Aquilo que vemos está impregnado
pelo nosso olhar.
Ao tornar o arquivo público exposto `a alteridade, o espectador é convocado a acessar, nas imagens,
camadas de significância inacessíveis pelo próprio pensamento institucional de organização de uma
coleção. As políticas de esquecimento se contrõem, também, a partir desse aparelhamento, do que foi
desconsiderado. Por que foi desconsiderado?
O que é dirigido intencionalmente ao público é organizado para ser lido e compreendido por um grande
número de pessoas; busca divulgar e criar um pensamento, modificar um estado de coisas a partir de
uma história ou de uma reflexão. Existe para convencer sobre determinada ordem dos acontecimentos.
Já o arquivo, revela um não dito que em relação, desnuda-se parcialmente.
Michel de Certeau escreveu que, “em história, tudo começa com o gesto de pôr a parte, de coligir, de
transformar assim em ‘documentos’ certos objetos distribuídos de outra forma. Esta nova distribuição
cultural é o primeiro trabalho. Na realidade, ela consiste em produzir tais documentos, pelo fato de
recopiar, transcrever ou fotografar esses objetos, mudando ao mesmo tempo o seu lugar e o seu
estatuto”.2

O conceito de “zona de contato” de Mary Louise Pratt.


O museu como zona de contato – James Clifford.

Zona de contato como o espaço de encontros coloniais, o espaço onde povos geográfica e historicamente separados entram
em contato uns com os outros e estabelecem relações concretas, geralmente envolvendo condições de coerção,
desigualdades raciais e conflitos irredutíveis.
Diferentemente do termo “fronteira”, que se baseia na perspectiva da expansão europeia (a fronteira só é uma fronteira em
se tratando da Europa), a expressão zona de contato é uma tentativa de invocar a co-presença espacial e temporal de
sujeitos anteriormente separados por disjunções geográficas e históricas, e cujas trajetórias agora se cruzam.

“Ao usar o termo contato pretendo enfatizar as dimensões interativas, improvisadas, dos encontros coloniais, tão facilmente
ignoradas ou suprimidas pelos relatos difusionistas de conquistas e dominações. Um perspectiva de contato destaca como
os sujeitos são constituídos e as relações que têm uns com os outros. Ela enfatiza a co-presença, a interação, inter-
relacionando entendimentos e práticas, muitas vezes dentro de relações de poder radicalmente assimétricas. Não são
relações de igualdade.”

O museu é o destino histórico das produções culturais cuidadosa e autoritariamente salvaguardadas,


cuidadas e interpretadas.
Os objetos como lugares de negociação histórica.
Os objetos provocam histórias concretas de lutas atuais. São ferramentas de conexão e continuidade.

História 13: Glicéria Tupinambá e a ativação do manto no Museu Quai Branly.


História 24: relato de evento feito por James Clifford – histórias e mitos sugeridos pelos velhos objetos
do clã acabaram se revelando histórias específicas com significados presentes nas lutas políticas
concretas atuais.

Analu, nesse subcapítulo pensei em trazer práticas decoloniais de contato com os acervos dos museus (acima descritas)
escrever sobre os afrescos do Templo de Ísis que foram resgatados de Pompéia e trazidos pela Imperatriz Teresa Cristina.
São sobreviventes de pilhagem, erupção do Vesúvio e do incêndio no MN. Eles são peças do meu jardim ficcional.

Afresco_séc. I d.C_Museu Nacional Afresco_parede do templo recortada Afresco_fragmentos restaurados após


o incêndio

BIBLIOGRAFIA

1 DIDI-HUBERMAN, G. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Editora 34, 1989, pp. 77.

2 CERTEAU, M. de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1982, p.?

3 TUPINAMBÁ, G (em conversa com LACERDA, M. e CORNILS, P). Curar o mundo: sobre como um manto tupinambá
voltou a viver no Brasil. São Paulo: N-1 edições.
https://www.n-1edicoes.org/curar-o-mundo-sobre-como-um-manto-tupinamba-voltou-a-viver-no-brasil

4 CLIFFORD, J. Museus como zonas de contato. Periódico Permanente no 6 / fev. 2016.


http://www.forumpermanente.org/revista/numero-6-1/conteudo/museus-como-zonas-de-contato-j-clifford

OUTRAS BIBLIOGRAFIAS

SARTRE, J-P. O imaginário. São Paulo: Ática, 1996.

DIDI-HUBERMAN, G. Imagens apesar de tudo. São Paulo: Editora 34, 2020.

PRATT, M.L. Os olhos do império: relatos de viagem e transculturação. Florianópolis: Edusc, 1999.

CUSICANQUI, S.R. Ch’ixinakax Utxiwa: uma reflexão sobre práticas e discursos descolonizadores. São Paulo: N-1 edições,
2021.

LAPOUJADE, D. As existências mínimas. São Paulo: N-1 edições, 2017.

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O DESTINO DAS COISAS
_ Embrechar o tempo

Esse subcapítulo propõe a leitura do filme através do pensamento de Walter Benjamin sobre a história,
a alegoria e a obra de arte conectado `a ideia de ruína.

A tarefa do alegorista em trazer significados para o fragmento, o estilhaço, o objeto deslocado do


tempo linear. A fragmentação não como inacabamento ou interrupção da obra, mas como o próprio
processo de composição e montagem, onde os fragmentos significativos refletem o todo e compõem
um conjunto de contrastes. Da junção desses fragmentos, forma-se a alegoria que os transfigura numa
renovação incessante. Daí surgem os sentidos da obra como reflexão de mundo. Fragmentos
aparentemente disassociáveis, paradoxais, incongruentes e que, no entanto, criam, pela contiguidade,
um choque, capaz de provocar reflexão crítica.

A ruína carrega uma força histórica de conhecimento, ao acolher origens não premeditadas na marcha
do tempo, ao apontar para aquilo que não foi, mas poderia ter sido. Essa possibilidade de romper com
o tempo progressivo e impedir o ritmo da natureza também se expressa no caráter destrutivo – a
consciência histórica das ruínas como potencial para evitar-se a catástrofe final.

Ruinologia.

Warburg e o atlas Mnemosyne, Walter Benjamin e seu livro As Passagens, Georges Bataille e sua
revista Documents, Eisenstein e seus escritos , J-L Godard – conhecimento através da montagem.
Outros autores que trabalham a relação entre história, arquivo e montagem: Chris Marker e Harun
Farocki.

A história que se desenvolve ao mesmo tempo que o filme. A montagem intensifica a imagem e confere
`a experiência visual um poder que as nossas certezas e hábitos visíveis pacificam ou velam.

Tatear permanente a cada instante.

A alegoria como forma de figurar o sentido das coisas. Seu privilégio estaria, nas palavras de Pascal
Maillard (2000, p. 37), no poder que tem de “nos fazer atravessar o espelho da significância, para atingir
uma profundidade espacial e temporal”. A alegoria constrói de forma continuada a sua própria
significação. Por um lado, a leitura desse conceito não mais como a simples representação retórica de
uma ideia abstrata, mas como forma de expressão de uma visão crítica que muda o sentido habitual
das coisas, acompanhando sua evolução, sua metamorfose através do tempo, e reconstruindo a sua
significação. Por outro, como um conceito que traz em sua origem uma forte herança religiosa: a
consciência da fragilidade do homem e da fatalidade da morte. O que equivale a dizer que a alegoria vê
sempre o mundo de forma crítica e sob o signo da catástrofe.

O que, no filme, fundamenta a alegoria? A imagem da ruína – a estetização da destruição ou o que é


capaz de expressar no campo semântico da melancolia e decadência.

Força estrutural na ideia de alegoria para construir a linguagem do filme.


Excesso. Reunir os opostos, colocá-los em tensão, sem solução definitiva e sem dicotomia.

As ruínas e os fragmentos que nos levam `a proposta de uma destruição da totalidade do conhecimento
e `a sua reconstrução sempre possível diante de um outro tempo, face a distintas circunstâncias
históricas.

Fragmentação como processo de escrita e processo de montagem. Fragmentos como ruínas. A ideia
de ausência, de inacabamento. O processo de imaginação e de escrita em analogia com a montagem,
por Georges Didi-Huberman. A imaginação como construção e montagem de formas plurais postas
em correspondências.
Maurice Blanchot: só haveria escritura após o esfacelamento da linguagem, na sua incapacidade de
dizer o mundo real, em sua incapapacidade de abarcar a totalidade. A partir do momento em que ela se
torna cacos, poeira, sinais, torna-se imagem visual plurissignificante.
Os fragmentos contêm o todo e refltem a plenitude da obra.
O inacabamento se constitui como procedimento escritural que caminha em direção incerta.
Obra provisória e precária.
A alegoria torna-se uma escritura em permanente construção. Não se deixa apreender por inteiro. É
opaca. A alegoria estaria, portanto, ligada a uma forma fragmentada do processo de produção de
imagem. Instala-se no espaço da transitoriedade. Pode-se destacar o aspecto temporal como
determinante: a sucessividade da alegoria.
A linguagem estaria assim no campo semântico da queda, do desdizer, do esvaziamento? O rascunho
seria obra? Seria uma forma privilegiada pois não obriga organização em busca de um sentido
definido? Por que lhe permite refletir sobre sua própria escritura ou refletir sobre sua própria estrutura?

Descontinuidade temporal. O processo e questão só pode ser construído quando os fragmentos


estabelecem ressonância ou diferenças entre eles ou com outras fontes. O valor de conhecimento
nunca seria instrínseco a uma única imagem, tal qual a imaginação não se encerra passivamente
em uma única imagem.
“Trata-se, ao contrário, de pôr o múltiplo em movimento, de não isolar nada, de fazer surgir os hiatos e
as analogias, as indeterminações e as sobredeterminações em jogos nas imagens”.1

A montagem que não se apressa a concluir ou a enclausurar. Quando abre e complexifica a nossa
apreensão da história. Quando nos permite aceder `as singularidades do tempo e `a sua multiplicidade
essencial.

“Não será preciso fazer [...], com as lacunas da imagem, aquilo que é preciso fazer – desembaraçar-se,
debater-se – com os silêncios da palavra?”2

A multiplicidade das singularidades lacunares.

Na montagem, estética e ética na relação entre imagem e história.

Os acidentes, as quedas de imagens umas sobre as outras deixam então escapar algo que não se vê
neste ou naquele fragmento de filme, mas que aparece, diferencialmente, como obsessão generalizada.

“Não há a imagem, não há senão imagens”. E há uma certa forma de juntar imagens: assim que há
duas, há três. [...] É esse o fundamento do cinema”.3

“A onipotência dos ritmos. O que se passa nas junções. A união interna das imagens que lhes confere a
sua carga emotiva. A aproximação de coisas que nunca foram aproximadas e que não pareciam
predispostas a sê-lo”.4

“Na montagem encontra-se o destino”.5


Cinema como a arte de tornar a imagem dialética.

“Fazer história é passar horas olhando para estas imagens para depois, de repente, aproximá-las,
provocando uma centelha. Isso constrói constelações, estrelas que se aproximam ou que se afastam,
como dizia Walter Benjamin”.6

Uma coleção é sugerida uma nova “totalidade” cujos fragmentos, em seu novo contexto, libertam-se de
sua função originária. Cada caco contém o todo e a latência da história, a ser escrita ou libertada. Então
é na latência que está a sua vitalidade.
Relacionar os tempos nos cacos de história das imagens de arquivo.
Quantas coisas não retornam `a memória uma vez que tenhamos nos aproximando de um material
desconhecido. A encruzilhada.

A montagem como uma das respostas possíveis a esse problema de construção de historicidade.
A historicidade da imagem autônoma é incorporada naquilo que ela representa e no seu próprio percurso
em arquivos.

Mas aquilo que não pode ser visto deve ser mostrado.
A imagem de arquivo não pode ser decifrada e sequer apresentar um sentido sem que seja trabalhada
na montagem. É preciso que as imagens estejam em relação de processo de contínua construção com
outros elementos, numa espécie de devir. A montagem como um modo de fazer conhecer, como uma
maneira de multiplicar possibilidades de imaginação e sentido sobre as imagens.
Multiplicar, conjugar as imagens, por mais incompletas e imprecisas que sejam, como a possibilidade
de mostrar aquilo que não podia ser visto.
A montagem como elemento fundamental que possibilita o diálogo das diferenças através dos choques,
das confrontações e dos conflitos. A montagem é o momento no qual o discurso é construído, através
de uma elaboração imaginativa e de um pensamento crítico.
Requer assumir o caráter singular, parcial e incompleto das imagens e buscar, nas suas fissuras e
fugacidade, uma reflexão crítica sobre determinado acontecimento.
O processo da montagem é capaz de intensificar e trazer `a tona as fissuras das imagens e, assim,
restituir `a experiência visual uma potência que o hábito do olhar tende a atenuar.
Uma montagem realizada, principalmente, a partir de associações livres, poéticas e subjetivas de
imagens de arquivo juntamente com um texto que busque refletir soobre elas possibilita o surgimento
de aspectos impensados durante o processo de tomada das próprias imagens. A montagem ssume,
assim, um papel central na reflexão sobre as imagens de arquivo e no estímulo do pensamento e do
raciocínio crítico.

Jean-Paul Sartre insistia no papel desempenhado pela imagem no pensamento e no saber, que não
podem, de certa forma, prescindir da sua necessária passagem pela visão do objeto:
“Sempre prestes a ficar atolado na materialidade da imagem, o pensamento escapa escorregando para
outra imagem, desta para outra, e assim por diante. [...] O pensamento assume uma forma imagética
quando quer ser intuitivo, quando quer fundar as suas afirmações na visão do objeto. 85
Não se poderia reduzir a imaginação a uma falsa percepção a respeito do real.
Transmitir uma tal possibilidade de imaginação.
A imagem como ato e não coisa, J-P Sartre. Uma quase-observação do mundo.
Para articular a observação da própria imagem com a quase-observação dos acontecimentos que ela
representa. Esta quase-observação’ lacunar e frágil em si mesma, tornar-se-á interpretação ou “leitura”,
no sentido de Walter Benjamin, quando forem convocados todos os elementos do saber suscetíveis de
serem reunidos pela imaginação histórica numa espécie de montagem, com o estatuto, para dialogar
com Freud, de “construção de análise”.
Estudo de vestígios da história.
As imagens, agindo umas sobre as outras por colisões ou fusões, por rupturas ou metamorfoses.
“Para saber, portanto, é realmente preciso imaginar-se: a a mesa de trabalho especulativa é
inseparável de uma mesa de montagem imaginativa.”171

OBS: comentar sobre as relações entre texto e imagem como processo de reflexão na montagem.
Sobre as imagens que são registros fotográficos.

*quais são as minhas estratégias reflexivas e de investigação para tensionar as imagens?

BIBLIOGRAFIA

1 DIDI-HUBERMAN, G. Imagens apesar de tudo. São Paulo: Editora 34, 2020, p. 173.

2 Ibidem, p. 178.

3GODARD, J-L. “Jean-Luc Godard rencontre Régis Debray”, in Jean-Luc Godard par Jean-Luc Godard, II, A. Bergala (org.).
Paris: Chaiers du Cinema, 1998, p. 430.

4 BRESSON, R. Notes sur le cinématographe. Paris: Gallimard, 1975 (ed. 1995), pp. 22, 30, 33, 35-6, 52, 69, 93-4 e 107.

5 GODARD, J-L. “Le montage, la solicitude et la liberté”, in Jean-Luc Godard par Jean-Luc Godard, II, op. cit., p. 244.
6 GODARD, J-L. “Le cinéma a été l’art des âmes qui ont vécu intimement das l’Histoire”, Libération, 6-7 de abril de 2002,
p.45.

OUTRAS BIBLIOGRAFIAS

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TODOS OS FOGOS, O FOGO

_Para acercar o rosto `as cinzas

_Fogo - fogo escatológico (a ver com os mitos cosmogônicos). Todos os mitos escatológicos tem a ver
com algo que se deteriorou de tal forma, se degradou de tal forma que é preciso de uma purificação
para que aquilo retorne de outra forma. A escatologia muda um pouco no sentido judaico cristão.

O filósofo Giorgio Agamben, talvez evocando “A parte do fogo” de Blanchot, em seu “O fogo e o relato”,
afirma que toda a literatura é memória da perda do fogo.

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PARA RETORNAR `AS COISAS MESMAS E SER NO MUNDO

_Acordar o coração em torno da fogueira sob uma noite estrelada

Ara kañy rire, ara pyaú ramove


cheé, yuyra’ikãgã, amoñe’ery jevy va’erã
amoprõ jevy va’erã n˜e’eng,
e’i Ñande Ru Tenondé.

A’e ramo katu, yupo amboae


kuéry tupã ramo oó va’erã;
ekovia, jeguakava tenondé yvy
rupa jave i re opu’ã va’erã.

Depois de fundir-se o espaço e amanhecer um novo tempo,


eu hei de fazer que circule a palavra-alma novamente
pelos ossos de quem se põe de pé,
e que voltem a encarnar-se as almas,
disse nosso Pai Primeiro.

Quando isso acontecer


Tupã renascerá no coração do estrangeiro;
e os primeiros adornados novamente
se erguerão na morada terrena por toda a sua extensão.

(Profecia da nação Guarani do clã Jeguakava, narrada por Pablo Werá no início do século XX)

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BIBLIOGRAFIA I FILMOGRAFIA

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O tradutor do pensamento mágico: Ailton Krenak


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_Outros Projetos

Demonumenta é projeto coordenado pela professora Giselle Beiguelman e tem como tema discussões sobre a
colonialidade embarcada nos monumentos e acervos públicos.
http://blog.demonumenta.fau.usp.br/

https://jornal.usp.br/radio-usp/projeto-demonumenta-propoe-debate-sobre-a-colonialidade-na-arquitetura-e-nos-
espacos-publicos/
_Outras leituras

MARTIN, N. O regressar da noite – reflexões sobre a vida onírica, aqui e ali. Cadernos SELVAGEM. Publicação
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http://selvagemciclo.com.br/wp-content/uploads/2022/04/CADERNO40_MARTIN.pdf

FERREIRA, G, COTRIM, C. Escritos de artistas: anos 60 / 70. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.

_Rascunho (a considerar)

https://cosmosecontexto.org.br/uma-filosofia-do-fogo-os-transaberes-enquanto-cosmoteismo/

https://www.youtube.com/watch?v=zbuLDAStSGk&t=14s

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