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Pascal Ory, em sua obra consagrada à cultura na Frente Popular, define a música
como a “arte considerada a mais mediocremente influenciável pela conjuntura política”.
(ORY, 1994, apud CHIMÉNES, 2007, p. 24). Esta afirmação de Ory não apenas indica
que a música reflete as características de seu contexto histórico, mas também o faz com
grande intensidade. Portanto, a música, como objeto de estudo, pode ser uma fonte de
informações acerca dos períodos de sua produção e performance na História, bem como,
de forma recíproca, a contextualização histórica pode esclarecer o estudo da
musicologia. Sendo assim, a Musicologia e a História são campos de estudo
complementares, ainda que não dependentes.
Griffiths, no livro Modern Music: A concise history, afirma que “Uma das
principais características da música moderna, na acepção não estritamente cronológica,
é sua libertação do sistema de tonalidades maior e menor que motivou e deu coerência a
quase toda a música ocidental desde o século XVII” (GRIFFITHS, 1987, p. 7)
Podemos ver, portanto, que desde seu início, a Música Moderna tinha como
objetivo libertar-se das limitações ortodoxas que dominaram a música ocidental por
mais de dois séculos, assim como as próprias filosofias Realista e Naturalista, então
emergentes e que moldavam o caráter social e político da Europa entre o final do século
XIX e o começo do século XX, o que deixa explícita a relação entre a arte e a política
em um mesmo contexto histórico.
Este estopim cultural no mundo artístico pode ser facilmente relacionado com o
contexto social de seu tempo, em um cenário pós Revolução Francesa (1789-1799), no
qual o pensamento ocidental tomara outro rumo, caminhando para um futuro de intensas
modificações na política, filosofia, arte e na própria sociedade como um todo.
Por uma perspectiva técnica e crítica, o Prélude distingue-se por sua peculiar
formação tonal e rítmica, onde “mesmo que os blocos básicos do sistema tonal, isto é, o
material triádico, sejam facilmente identificáveis no decorrer da obra, tais blocos nem
sempre se interconectam de acordo com a gramática da prática comum do período tonal
(1600-1900).” (PITOMBEIRA, 2008. p. 3) Seria incorreto afirmar que se trata de uma
música atonal, uma vez que há uma tonalidade definida, no entanto a melodia e
harmonia compõe-se de tal forma que torna-se difícil identificar uma tonalidade
específica, maior ou menor, em diversos trechos da obra, na qual mesmo o tema
principal da flauta apresenta certa ambiguidade em sua origem.
Fig. 1: Excerto orquestral para flauta do Prélude à l´Après-Midi d’un Faune de Debussy,
compassos 1 a 41.
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Disponível em https://www.flutetunes.com/tunes.php?id=624
Fig. 2: Acorde meio-diminuto2.
Por fim, pode-se dizer que embora apresente uma grande flexibilidade e
ambiguidade estrutural em sua composição rítmica, harmônica e melódica, o Prélude à
l’Après-Midi d’un Faune apresenta também total coerência em sua composição e uma
considerável complexidade em suas nuances expressivas, além de caracterizar os
processos que se tornaram os padrões musicais do Modernismo após esta obra,
conferindo-a inestimável valor para o surgimento da música moderna.
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Imagem representativa, sem link relacionável.
Tendo em vista o contexto sociocultural entre os séculos XIX e XX, podemos
definir a Música Moderna não somente como um movimento musical, mas também um
movimento social e cultural que representa todo o contexto cultural e político da
sociedade em sua época: “Existem certas manifestações artísticas tão arraigadas a seus
contextos de origem, que se torna, às vezes, difícil apreciá-las e, em alguns casos,
compreendê-las sem se considerar, ou nelas identificar, toda uma cultura que as
motivou.” (MEDAGLIA, 2015, p. 6)
Referências:
BALZI, Juan. O Impressionismo. Claridade: Nova Alexandria, 2019.
CHIMÈNES, Myriam. Musicologia e história. Fronteira ou "terra de ninguém" entre
duas disciplinas? Revista de História, São Paulo, n. 157, p. 15-29, rasil, dez. 2007.
GRIFFITHS, Paul. A Música Moderna: Uma história concisa e ilustrada de Debussy a
Boulez. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.
MEDAGLIA, Júlio. Música Impopular. São Paulo: Global, 2015.
PITOMBEIRA, Liduino. Um modelo tonal para o Prélude à L’Après-midi d’un faune
de Debussy. Em Pauta, Porto Alegre, v. 19, n. 32/33, p. 100-109, jan.- dez. 2008.
SINICO, André & GERLING, Cristina. Análise temporal e comparação de gravações
do excerto orquestral para flauta do Prélude à l’Après-Midi d’un Faune de Claude
Debussy. Música em Perspectiva, Paraná, v. 9 n. 1, p. 69-102, jun. 2016.