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A PRODUÇÃO MUSICAL NO CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL

EUROPEU DA VIRADA DO SÉCULO XX

João Pedro M. Marques


Graduando do 1º período
Curso de Licenciatura em Música

Palavras-chave: Romantismo. Modernismo. Claude Debussy.

A presente comunicação articula a produção musical e o contexto histórico e social da


Europa entre o fim do século XIX e começo do século XX, do final do Romantismo ao
surgimento dos primeiros movimentos modernistas, com destaque especial para a obra
de Claude Debussy (1862-1918), um dos precursores do movimento modernista no
campo musical. Tomamos a música como objeto de estudo para a compreensão do
contexto histórico-social da época, uma vez que a música, como toda e qualquer arte,
exprime os valores sociais, políticos e ideológicos de sua época. Pretendemos desta
forma trabalhar as relações entre os movimentos político-sociais e os movimentos
musicais situados no referido período histórico.

Pascal Ory, em sua obra consagrada à cultura na Frente Popular, define a música
como a “arte considerada a mais mediocremente influenciável pela conjuntura política”.
(ORY, 1994, apud CHIMÉNES, 2007, p. 24). Esta afirmação de Ory não apenas indica
que a música reflete as características de seu contexto histórico, mas também o faz com
grande intensidade. Portanto, a música, como objeto de estudo, pode ser uma fonte de
informações acerca dos períodos de sua produção e performance na História, bem como,
de forma recíproca, a contextualização histórica pode esclarecer o estudo da
musicologia. Sendo assim, a Musicologia e a História são campos de estudo
complementares, ainda que não dependentes.

Em especial, o século XIX foi um período de radicais mudanças na configuração


da sociedade ocidental, com a dinamização da industrialização e do capitalismo em
proporções até então inéditas.

Foi a partir do século XX, no entanto, que se configurou a Música Moderna


como a conhecemos, com o desprendimento das antigas convenções musicais, sendo
Claude Debussy (1862-1918) o precursor deste movimento. Tal inovação pode ser
observada de forma clara em sua obra Prélude à l’Après-Midi d’un Faune (composta
entre 1891 e 1984), considerada o marco inicial do Modernismo, trazendo uma nova
concepção à música, com tonalidades não imperativas, ambiguidade harmônica,
liberdade formal e irregularidade rítmica, bem como uma melodia abstrata, que sugere
uma atmosfera imaginativa de poesia e mistério, evocando imagens de sonhos
quiméricos e ilusórios.

Griffiths, no livro Modern Music: A concise history, afirma que “Uma das
principais características da música moderna, na acepção não estritamente cronológica,
é sua libertação do sistema de tonalidades maior e menor que motivou e deu coerência a
quase toda a música ocidental desde o século XVII” (GRIFFITHS, 1987, p. 7)

As técnicas formais e rítmicas de Debussy podem ter atenuado a


sensação do decorrer temporal, mas o movimento tinha para ele
extrema importância. Mais uma vez, ele não se preocupava apenas em
pintar imagens sonoras: ‘Eu desejaria para a música’, escreveu, ‘uma
liberdade que lhe é talvez mais inerente que a qualquer outra arte, não
se limitando a uma reprodução mais ou menos exata da natureza, mas
às misteriosas correspondências entre a Natureza e a Imaginação’.
(GRIFFITHS, 1987, p. 10)

Podemos ver, portanto, que desde seu início, a Música Moderna tinha como
objetivo libertar-se das limitações ortodoxas que dominaram a música ocidental por
mais de dois séculos, assim como as próprias filosofias Realista e Naturalista, então
emergentes e que moldavam o caráter social e político da Europa entre o final do século
XIX e o começo do século XX, o que deixa explícita a relação entre a arte e a política
em um mesmo contexto histórico.

1. O Impressionismo na Música Moderna


Quase simultaneamente ao surgimento do movimento modernista na música,
surgia também o movimento impressionista na pintura, com obras de Monet (1840-
1926), Manet (1832-1883), Renoir (1890-1915), dentre outros. O movimento em
questão consistia na representação da impressão visual da realidade.

A já citada obra Prélude à l’Après-Midi d’un Faune, de Debussy, além de


marcar o prelúdio da Música Moderna, também representa a transposição do
Impressionismo na música, movimento que surgiu como uma reação aos excessos
dramáticos e elaborados da Era Romântica, sendo um termo controverso e
frequentemente não aceito como um movimento oficial da música, considerado pelo
próprio Debussy uma “invenção dos críticos”.
:
Paris, nesta época, era a própria vanguarda, a capital espiritual
do mundo. Os efeitos e traumas da guerra franco-prussiana já
estavam esquecidos. [...] Os pintores impressionistas já eram
menos ‘discutíveis’ e tinham campo livre e não poucas
motivações para a sua criatividade. Era também a cidade na
nova poesia, esta mais polêmica, mas não menos considerada. E
o símbolo da França moderna era erguido: a Torre Eiffel. Em
comemoração ao centenário da Revolução Francesa, a cidade
organiza uma grande exposição internacional. Com isso a vida
cultural parisiense é intensificada, inclusive com a vinda de um
grande número de artistas estrangeiros. (MEDAGLIA, 2015, p.
10-11)

Este estopim cultural no mundo artístico pode ser facilmente relacionado com o
contexto social de seu tempo, em um cenário pós Revolução Francesa (1789-1799), no
qual o pensamento ocidental tomara outro rumo, caminhando para um futuro de intensas
modificações na política, filosofia, arte e na própria sociedade como um todo.

Por uma perspectiva técnica e crítica, o Prélude distingue-se por sua peculiar
formação tonal e rítmica, onde “mesmo que os blocos básicos do sistema tonal, isto é, o
material triádico, sejam facilmente identificáveis no decorrer da obra, tais blocos nem
sempre se interconectam de acordo com a gramática da prática comum do período tonal
(1600-1900).” (PITOMBEIRA, 2008. p. 3) Seria incorreto afirmar que se trata de uma
música atonal, uma vez que há uma tonalidade definida, no entanto a melodia e
harmonia compõe-se de tal forma que torna-se difícil identificar uma tonalidade
específica, maior ou menor, em diversos trechos da obra, na qual mesmo o tema
principal da flauta apresenta certa ambiguidade em sua origem.

Fig. 1: Excerto orquestral para flauta do Prélude à l´Après-Midi d’un Faune de Debussy,
compassos 1 a 41.

1
Disponível em https://www.flutetunes.com/tunes.php?id=624
Fig. 2: Acorde meio-diminuto2.

. “Caprichosa na harmonia e na forma, a música de Debussy é também mais


livre em sua medida de tempo.” (GRIFFITHS, 1987, p. 7) Esta liberdade e flexibilidade
rítmica também se relacionam diretamente com a composição da tonalidade, conferindo
um aspecto de improviso à obra.

Por fim, pode-se dizer que embora apresente uma grande flexibilidade e
ambiguidade estrutural em sua composição rítmica, harmônica e melódica, o Prélude à
l’Après-Midi d’un Faune apresenta também total coerência em sua composição e uma
considerável complexidade em suas nuances expressivas, além de caracterizar os
processos que se tornaram os padrões musicais do Modernismo após esta obra,
conferindo-a inestimável valor para o surgimento da música moderna.

“Se a música moderna teve um ponto de partida preciso, podemos identificá-lo


nesta melodia para flauta que abre o Prélude à l’Après-Midi d’un Faune de Claude
Debussy.” (GRIFFITHS, 1987, p. 7)

Tendo sido um período de profusas revoluções políticas, sociais, científicas e


filosóficas, o século XIX foi também palco para radicais transformações no âmbito
musical, alterando toda a configuração da música ocidental, fato que conduziu ao
nascimento da “Música Moderna”

O Modernismo trouxe à música, dominada pelos sistemas clássicos e


tradicionais desde o século XVI, novos conceitos teóricos e estruturais, além de sua
própria expressividade artística, agora mais livre, imaginativa e poética, relacionando-se
diretamente com a nova composição cultural do mundo moderno.

2
Imagem representativa, sem link relacionável.
Tendo em vista o contexto sociocultural entre os séculos XIX e XX, podemos
definir a Música Moderna não somente como um movimento musical, mas também um
movimento social e cultural que representa todo o contexto cultural e político da
sociedade em sua época: “Existem certas manifestações artísticas tão arraigadas a seus
contextos de origem, que se torna, às vezes, difícil apreciá-las e, em alguns casos,
compreendê-las sem se considerar, ou nelas identificar, toda uma cultura que as
motivou.” (MEDAGLIA, 2015, p. 6)

Referências:
BALZI, Juan. O Impressionismo. Claridade: Nova Alexandria, 2019.
CHIMÈNES, Myriam. Musicologia e história. Fronteira ou "terra de ninguém" entre
duas disciplinas? Revista de História, São Paulo, n. 157, p. 15-29, rasil, dez. 2007.
GRIFFITHS, Paul. A Música Moderna: Uma história concisa e ilustrada de Debussy a
Boulez. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.
MEDAGLIA, Júlio. Música Impopular. São Paulo: Global, 2015.
PITOMBEIRA, Liduino. Um modelo tonal para o Prélude à L’Après-midi d’un faune
de Debussy. Em Pauta, Porto Alegre, v. 19, n. 32/33, p. 100-109, jan.- dez. 2008.
SINICO, André & GERLING, Cristina. Análise temporal e comparação de gravações
do excerto orquestral para flauta do Prélude à l’Après-Midi d’un Faune de Claude
Debussy. Música em Perspectiva, Paraná, v. 9 n. 1, p. 69-102, jun. 2016.

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