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VOLUME I — PARTE I
2 JORGE LUIZ SOUTO MAIOR
CURSO DE DIREITO DO TRABALHO — V OLUME I 3
VOLUME I — PARTE I
4 JORGE LUIZ SOUTO MAIOR
EDITORA LTDA.
Todos os direitos reservados
LTr 4462.2
Outubro, 2011
Bibliografia.
ISBN 978-85-361-1780-5
11-05972 CDU-34:331(81)
Índice para catálogo sistemático:
1. Brasil : Direito do trabalho 34:331(81)
2. Direito do trabalho : Brasil 34:331(81)
CURSO DE DIREITO DO TRABALHO — V OLUME I 5
Um discurso em duetos...
agradeço,
aos meus pais, Luiz Alberto e Maria Martha: um por ter me ensinado a
duvidar da vida e o outro por ter me ensinado a amar a vida;
aos meus familiares, nas pessoas da minha madrinha, Eunice, e da minha
tia, Maria José, pelo afeto inestimável;
aos meus “velhos” amigos, nas pessoas do Waguinho
e do Rogério, pela compreensão dos defeitos;
aos meus “novos” amigos, nas pessoas do
Ricardo e do Léo, pela renovação da compreensão;
aos meus colegas de trabalho, nas pessoas da Olívia
e da Marli, pelo apoio incondicional;
aos meus eternos professores, nas pessoas do Marçal
e do Márcio Túlio, pela transmissão desinteressada
de conhecimento e de sensibilidade;
aos meus parceiros de projetos, nas pessoas do
Paulo e do Orione, pelo exercício da confiança;
aos meus companheiros da luta judicial, nas pessoas do Alessandro e do
Barberino, pelo impulso para a ação;
aos meus alunos, nas pessoas da Lucyla e do Gustavo,
pela oportunidade do convívio;
aos meus exemplos, nas pessoas do Eduardo e do Brawm, pela
demonstração de dedicação e competência;
aos meus colaboradores, Tábata e Zeca, pela contribuição inestimável;
aos meus incentivadores, nas pessoas da Myia e do Tarso, pela
revitalização constante da empolgação;
aos meus apoiadores, nas pessoas do Armandinho e da Mara,
pela oportunidade e pela força;
aos meus filhos, João Pedro e Camila, por me alimentarem as esperanças e
o otimismo com relação à humanidade;
e à Giovanna, por me conferir a experiência verdadeiramente
humana de partilhar uma vida e por me fazer perceber,
a todo instante, que o ser humano, por si, é um projeto incompleto...
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SUMÁRIO
Apresentação .......................................................................................................... 13
Introdução .............................................................................................................. 17
1. A crise de identidade do Direito do Trabalho ............................................ 21
2. A leitura histórica tradicional (contemporânea) do Direito do Trabalho .. 26
APRESENTAÇÃO
INTRODUÇÃO
Um estudo sobre qualquer assunto deve ter clara a delimitação do objeto a ser
examinado, suas origens, sua razão de existir e, consequentemente, sua função na
realidade social. Isto é de suma importância. O estudo do direito, no entanto, sofre
do grande mal da despreocupação com as investigações dessa natureza, vez que,
premido pela necessidade de dar uma resposta rápida a questões de ordem prática,
desde a Faculdade o estudante (o que nunca deixamos de ser) está mais preocupado
em conhecer as possíveis normas aplicáveis aos casos que lhe são postos a exame do
que em aprofundar-se nas investigações teóricas. A visão que se tem a partir do
Direito, assim, não raro, é imediatista, pontual e, consequentemente, reduzida.
Tem-se, concretamente, certo desprezo quanto ao estudo da Teoria Geral do
Direito, tanto que os leitores de obras organizadas como Cursos, nos quais se
apresentam também os marcos teóricos, normalmente “pulam” a parte inicial,
propedêutica, para irem direto ao que lhes possa interessar do ponto de vista prático,
por exemplo: qual o valor (monetário) de uma hora extra, além de como e quando
esta deve ser paga.
Diria isso meio sem esperança de que alguém lesse essa advertência, afinal a
“introdução” de cada livro é quase sempre não lida, não fosse a confiança de que o
leitor dessa obra é uma pessoa efetivamente preocupada em aprimorar conhecimentos
e estabelecer discussões críticas sobre as informações obtidas. Esta obra destina-se
a atingir um tipo de leitor determinado, procurando fazer-lhe uma espécie de
homenagem.
É possível, portanto, desde já esclarecer que o papel da Teoria Geral do Direito
não é, unicamente, o de demonstrar os contornos do Direito e, por conseguinte, o
seu conteúdo e a sua estrutura normativa. Como se procurará demonstrar,
desmistificando a visão abstrata do Direito, sem desprezar o seu caráter positivista,
a Teoria do Direito, mais que fixar os argumentos de coerência interna daquele que
se convencionou chamar o ordenamento jurídico ou o sistema normativo, deve propor
a compreensão do método de análise da realidade social para que a valoração a que
se chegue, pela utilização do método, permita ao Direito cumprir sua função social,
já que a nenhum ramo do conhecimento humano é dado voltar-se exclusivamente a
si mesmo, sem interagir com o homem e sua relação com o mundo. E, em se tratando
do estudo de um ramo específico, convém destacar que embora a sua teoria volte-se
também à identificação das suas particularidades, não pode perder o sentido geral
em que se insere.
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acaba formando o seu próprio mundo, assim como a realidade virtual da Matrix.
Com seus inegáveis encantos, extraídos de autênticos enigmas, espécies de magias
ou fábulas, pode nos conduzir a uma racionalidade que só se explica no interior de
sua própria lógica. Representa, portanto, uma perigosa aventura, pois traz o risco do
afastamento, um quase completo esquecimento, da realidade.
Não é por isso, no entanto, que se deva desprezar o estudo teórico, muito pelo
contrário, pois somente a vivência concreta dessa aventura é que nos conduz ao
mundo do Direito. O que se deve fazer é ter sempre em mente que o Direito não
serve a si mesmo e que, por conseguinte, devemos compreendê-lo e aplicá-lo com os
olhos voltados para a realidade. E qual é a posição em que deve se colocar o
observador? Qual o método jurídico? Eis uma questão essencial para a Teoria do
Direito, mas que por vezes escapa às investigações teóricas.
É importante, por isso, saber proferir um conceito da expressão, Direito, entender
o que são normas jurídicas (regras e princípios), como as normas se interligam,
como podem ser complementadas, interpretadas e aplicadas, mas é importante saber,
igualmente, qual a finalidade do Direito, a quais fatos sociais se direciona, qual a
importância do Direito para a sociedade. Interferem nesta segunda preocupação, os
estudos históricos, sociológicos, filosóficos e econômicos.
Em termos do Direito do Trabalho tudo isso se torna um pouco mais complexo
vez que esse ramo jurídico viu abalada sua base teórica, ainda em processo de
consolidação, em razão de influências externas de natureza econômica, e, sobretudo,
ideológicas. Para compreender o Direito do Trabalho, portanto, é preciso passar por
um estágio de desconstrução de alguns preconceitos que sobre si pendem e, em
seguida, enfrentar o desafio da reconstrução de seus fundamentos teóricos.
O que se procurará fazer neste primeiro volume é, em suma, destruir os conceitos
preconcebidos sobre o Direito do Trabalho e reconstruir suas bases teóricas, sem
perder de vista sua necessária interligação com a Teoria Geral do Direito, a qual,
também, passa por uma necessária releitura.
Quanto aos referidos preconceitos, o primeiro aspecto a destacar é o da grande
incoerência que se verifica na sociedade brasileira de incentivar o trabalho e de negar
a mesma relevância ao Direito do Trabalho. Essa visão distorcida quanto à significação
dessa temática é fruto, na verdade, de uma incompreensão do que é o Direito do
Trabalho e de qual é o seu papel na sociedade, partindo do necessário reconhecimento
de que se trata de uma sociedade capitalista.
O Direito do Trabalho é bombardeado por parte da mídia dominante, que passa
para a sociedade uma ideia equivocada sobre o que representam as normas jurídicas
trabalhistas. Não se apresenta o Direito do Trabalho como um direito. Fala-se,
unicamente, de aspectos pontuais da normatização jurídica, que repercutem
economicamente, e pensa-se estar lidando com o Direito do Trabalho.
É evidente que esse quase massacre diário sofrido pelo Direito do Trabalho
gera repercussões negativas no que concerne à sua compreensão, favorecendo à
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formação de uma falsa ideia a seu respeito. Cada cidadão, cuja opinião é forjada a
partir da desinformação, tende a ter uma “opinião” sobre os problemas ligados ao
Direito do Trabalho, refletindo, em certa medida, a ideia central de que os custos
do Direito do Trabalho constituem empecilho ao crescimento econômico.
Mesmo nos meios acadêmicos essa visão negativa sobre o Direito do Trabalho
repercute. Não é raro, por exemplo, verificar em algumas Faculdades de Direito
uma despreocupação generalizada quanto ao estudo do Direito do Trabalho por
parte dos alunos, às vezes de forma até ofensiva, tratando com desdém quem se
predispõe, expressamente, a fazê-lo. O aluno que pretende estudar Direito do Trabalho
o faz sem alarde, pois nos corredores das Faculdades ecoa o senso comum de que
Direito do Trabalho não é Direito ou se trata de um Direito de segunda categoria,
um “direitinho”, como já se chegou a difundir, sendo que os verdadeiros direitos
seriam o Direito Civil, o Direito Constitucional e o Direito Penal, não necessariamente
nesta ordem.
Este preconceito é alimentado, talvez sem que seja percebido, pelos professores
das demais matérias quando, ao serem indagados publicamente, por alunos ou leigos,
sobre uma questão que envolve o Direito do Trabalho, fazem quase questão de se
expressar no sentido de que “nada” entendem sobre Direito do Trabalho, o que não
fazem com relação a outras matérias, deixando transparecer, assim, a noção de que
saber algo sobre Direito do Trabalho depõe contra a intelectualidade jurídica.
Às vezes vai-se além e parte-se à preconização de que o Direito do Trabalho vai
acabar, expondo-se para o estudante que ele não deve se dedicar a estudar Direito
do Trabalho se quiser pensar em um futuro promissor na carreira jurídica.
Premonições como estas, é bem verdade, há de se reconhecer com pesar, muitas
vezes partem dos próprios professores de Direito do Trabalho, que, premidos pelas
demandas do mercado, desprezam o estudo da Teoria do Direito do Trabalho e,
ademais, mesmo que se dedicassem a isso se deparariam com a dificuldade da falência
das abordagens teóricas em torno desse Direito, o que dificulta, sobremaneira, tanto
a compreensão do Direito do Trabalho como uma reflexão verdadeiramente crítica
a seu respeito.
Aliás, não colabora muito para a modificação desse quadro a estrutura curricular
do ensino jurídico. Em muitas Faculdades o Direito do Trabalho (incluindo-se Teoria
Geral, relações individuais e coletivas do trabalho e processo do trabalho) deve ser
ministrado em apenas um ano letivo. Por melhor que seja o professor, não é mesmo
possível, em tão curto tempo, apresentar aos alunos toda a gama de temas que
demonstram a relevância do Direito do Trabalho para o profissional do Direito e
para a sociedade em geral.
Uma consequência grave dessa situação, da qual são vítimas alunos e
professores, é uma incompreensão, também para os profissionais da área, do que
seja efetivamente o Direito do Trabalho, como se deve interpretá-lo, aplicá-lo.
Como resultado, no dia a dia das Varas do Trabalho o Direito do Trabalho acaba,
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Já virou costume dizer que o mundo mudou e que, por isso, inevitavelmente, o
Direito do Trabalho precisa mudar. Apegar-se a um Direito que fora concebido para
outra realidade equivale a querer viver em um passado que não existe mais.
De fato, o mundo mudou, sendo que vários aspectos repercutem no denominado
mundo do trabalho.
Para fins didáticos, podemos classificar as mudanças mais citadas em quatro
espécies: mundo do trabalho (toyotismo e progresso tecnológico); economia (crise
e globalização); política (neoliberalismo, regionalismo e comunidade); e relações
sociais (emancipação feminina; imigrações; emancipação das minorias; ânsia pelo
consumo).
No aspecto pertinente ao mundo do trabalho, o que se tem dito é que o Direito
do Trabalho tradicional não se encontra adaptado ao novo modelo de produção. O
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Direito do Trabalho, como se diz, foi pensado e concebido para dar respostas jurídicas
ao fordismo, que se baseava na “standartização” das relações de trabalho, favorecida
pela adoção do sistema de “linhas de produção”, na qual cada trabalhador era
especializado na fabricação de uma parte muito precisa do produto final,
proporcionando uma produção em escala, mas, mais importante que isso, para o
efeito desta investigação, proporcionando uma delimitação muito estreita do conflito
capital-trabalho, a tal ponto de ter surgido a noção de “massa trabalhadora”, embrião
da classe operária.
Aliás, uma “massa trabalhadora”, que não tendo o conhecimento de todo o
processo da linha de produção, não tinha mesmo como ser chamada de outro modo.
Como se diz, para este modelo fordista, o Direito do Trabalho dava respostas
adequadas, mas para o mundo do trabalho atual o resultado não pode ser o mesmo.
Preconiza-se, por consequência, a necessidade de se enfrentar o desafio, proposto
por Jean Pélissier, Alain Supiot e Antoine Jeammaud(1), de encontrar um novo campo
de aplicação do Direito do Trabalho a partir das novas formas de organização do
trabalho, tais como o trabalho independente (em que a doutrina italiana destaca o
fenômeno da parassubordinação, com base no art. 403 n. 3, CPC), o teletrabalho
(ou trabalho à distância), o “franchising” etc.
Esses denominados “novos paradigmas” estariam por exigir uma nova
racionalidade para o Direito do Trabalho.
No aspecto econômico, sem considerar, ainda, a crise financeira iniciada em
meados de 2008, mantinha-se dizendo que ainda estaríamos diante dos efeitos das
crises do petróleo vivenciadas nos anos 70 (1973-1979), que acabaram por provocar
o fechamento de grandes fábricas a partir de 1984 e a eliminação do sonho do pleno
emprego.
A economia estaria regida pela lógica do movimento apelidado de globalização,
cujos passos iniciais teriam sido dados já em 1947, na Conferência de Havana, com
a criação do GATT, órgão encarregado de incentivar o livre comércio internacional.
Este órgão foi mais tarde substituído pela OMC, que conta atualmente até mesmo
com a adesão de antigos países comunistas.
Sobre este fenômeno do crescimento do comércio exterior, vale acrescentar
que já no período pós-Guerra, como efeito do impulso dado à economia pelo Plano
Marshall (que foi uma ajuda financeira dos EUA aos países aliados para sua
reestruturação), revitalizou-se a ideia de expansão do mercado, o que não deixava
de ser um efeito colateral da chamada “guerra fria” (um verdadeiro embate ideológico
entre as duas grandes potências militares mundiais: EUA e URSS).
Em julho de 1994, esta ideia de expansão foi concretizada pelos acordos firmados
na reunião de Breton Woods. Dentre outros compromissos fixados em tal reunião,
(1) PÉLISSIER, Jean; SUPIOT, Alain; JEAMMAUD, Antoine. Droit du travail. Paris: Dalloz, 2000, p. 164.
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das cidades provoca uma grande imigração do campo para as cidades. A produção
agrícola, assim, é quase abandonada e as cidades conhecem uma desproporção muito
grande entre oferta e procura de emprego e sofrem problemas estruturais.
A concorrência interna, no âmbito de cada país, provoca uma alteração sensível
nas bases jurídicas trabalhistas, atingindo, sobretudo, a concepção do emprego à
vida (a estabilidade no emprego) e reconstituindo a ideia, puramente econômica, do
salário por produção.
Todas essas modificações são acompanhadas da reivindicação de uma mão de
obra ao mesmo tempo qualificada e competente. Porém, a falência do Estado e também
do sentido da vida, constitui uma massa de trabalhadores que não atende a tais
exigências. Surge, assim, o fenômeno do desemprego estrutural (a parcela dos
(2)
“inimpregáveis”, como já dissera o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso) ,
que se intensifica com a crescente onda do fechamento de várias unidades fabris,
para atender ao novo modelo fracionado de produção.
Além disso, mesmo diminuindo o custo dos produtos e, desse modo,
transformando em autênticos consumidores uma parcela cada vez maior da
população, há limites óbvios para o ciclo da produção e consumo de produtos não
perecíveis. A saída é fabricar produtos que duram pouco, ou que saiam de moda,
rapidamente, para que a roda do consumo possa girar. Essa forma de impulsionar o
consumo passa a ser um modo de vida, influenciando as relações humanas, que
também se precarizam. O raciocínio efêmero norteia as relações entre as pessoas. A
sociedade se desenvolve por relações pessoais não duráveis e descompromissadas e
com isso vai se perdendo a possibilidade de aquisição de valores humanos, que
normalmente se desenvolvem em convivências de longo prazo, como a confiança.
Vide, neste sentido, a interessante obra de Richard Sennet, A Corrosão do Caráter.
Ter-se-ia, assim, o quadro completo a justificar o crescimento da ideia de que
tudo tendo mudado também o Direito do Trabalho deveria mudar e o raciocínio
parece lógico: se o Direito do Trabalho foi pensado e concebido para dar respostas
jurídicas ao modelo fordista de produção, que se baseava na “standartização” das
relações de trabalho, favorecida pela adoção do sistema de “linhas de produção”, na
qual cada trabalhador era especializado na fabricação de uma parte muito precisa do
produto final, proporcionando uma produção em escala, tal direito, então, não se
encontraria adaptado ao novo mundo do trabalho.
Quando da criação do Direito do Trabalho, diz-se, a previsibilidade e a integração
social eram as marcas das próprias relações humanas. Os produtos eram feitos para
(2) Na leitura neoliberal, os desempregados são os culpados por sua má sorte na vida, porque, afinal, não se
qualificaram devidamente, deixando fora de análise o aspecto essencial de que o modo de produção, que traz
consigo a lógica do consumo, só tem como abarcar uma pequena parcela da população, gerando, assim, a
denominada sociedade do 1/5. Hans-Peter Martin e Harald Schumann relatam dados de uma reunião, realizada
no Hotel Fairmont, em 1995, na cidade de San Francisco, entre chefes de Estado, economistas e empresários,
na qual se assumiu a postura de que a sociedade do futuro seria a sociedade do 1/5, não havendo perspectivas
de integração para os 4/5 excluídos. (MARTIN, Hans-Peter e SCHUMANN, Harald. A Armadilha da
globalização: o assalto à democracia e ao bem-estar social. São Paulo: Globo, 1997).
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durar toda uma vida e o sonho de Henry Ford era o de que todos os seus empregados
pudessem comprar os carros que eles próprios produziam. O Estado era um Estado
preocupado com o bem-estar social, o que teria atingido mesmo os EUA, com a
implantação do “New Deal”, em 1935, pelo Presidente Roosevelt, seguindo-se a
Inglaterra, em 1942, com o Plano Beveridge, posto em atuação a partir de 1946.
O mundo de hoje, ao contrário, notabiliza-se pelo imediatismo e pela
instabilidade das relações sociais: tudo é descartável, desde os relógios, que se
compram a preço de banana, até as relações afetivas, incluindo a própria família.
As relações humanas regem-se pelo fatalismo, com a despersonalização dos
culpados. A desgraça de uns é culpa de ninguém, são meros reflexos inevitáveis da
“globalização”, da “revolução tecnológica”, ou do índice “Dow Jones”...
Aliás, assustados pelo desemprego e pela iminência de um caos social, que é
obra do acaso, os trabalhadores se veem obrigados a lutar pela própria sobrevivência.
Além da estratégia de se identificar a própria pessoa como culpada por não possuir
um emprego, surge a noção de que se deve aceitar qualquer trabalho, não se avaliando
as suas condições, que são as que se apresentam possíveis no tal “mundo globalizado”.
A célebre frase, “trabalhadores do mundo, uni-vos!”, transforma-se em, trabalhadores
do mundo concorrei entre vós, lógica que se instaura mesmo entre os que já possuem
emprego, seja pela busca da aquisição de um melhor posto, seja na busca de novas
ocupações, já que se compreende que apenas um emprego precarizado, ou mesmo
mais que um, não é suficiente para uma sobrevivência digna. Além disso, procura-se
impregnar a ideia de que o desemprego é culpa do estrangeiro, do “trabalhador
polonês”, como se diz.
Da retórica da “globalização”, que se apresenta como fenômeno natural do
avanço tecnológico e que se explica a partir de si mesmo, ou seja, sem correlação
alguma ao modelo capitalista, conforme há muito já esclarecera Marx, busca se
eliminar, em todos os países, o “sonho” do bem-estar social. Quando um certo “Sr.
Mercado” fica nervoso, todos temem e este pânico faz com que subam, ou desçam,
os índices das bolsas (Dow Jones, Nasdaq, Tóquio, BOVESPA...), provocando uma
corrida não se sabe bem para onde. Alguns efeitos não têm qualquer explicação
razoável, partindo dos mais variados argumentos: diminuição da camada de ozônio;
“risco Brasil”; estado de saúde da Rainha da Inglaterra; guerra no Iraque; “superávit
primário”...
A sociedade que deveria se basear pelo pacto de solidariedade, se caracteriza,
então, pela luta de todos contra todos, pelo salve-se quem puder: e que vença o
melhor e mais competente. Os cursos de formação profissional preparam o jovem
para este mundo da competição, e seja o que Deus quiser!
Todos esses argumentos são utilizados para se concluir, com autoridade, que se
o mundo não é mais o mesmo, por consequência, também o Direito do Trabalho
precisa mudar e essa mudança, segundo se conclui, mesmo sem manter qualquer
relação lógica com as próprias retóricas apresentadas, deve ser a da diminuição dos
direitos trabalhistas.
26 JORGE LUIZ SOUTO MAIOR
(3) Vide, neste sentido: MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21. ed., São Paulo: Atlas, 2005, p. 40.
CURSO DE DIREITO DO TRABALHO — V OLUME I 27
das XII Tábuas ou no Direito Romano. Mas, essa autêntica garimpagem de leis, sem
qualquer objetividade teórica, tende apenas a obscurecer a exata compreensão do
fenômeno jurídico trabalhista, mostrando-se, por isso, totalmente, equivocada.
Só se pode conhecer o Direito do Trabalho dentro do contexto da sociedade
moderna, forjada a partir do capitalismo.
Atendendo à linha investigativa proposta, estabelecida a partir desse marco
teórico, a abordagem será direcionada, inicialmente, a destacar como e por quê, e
em qual contexto, surgiram as primeiras leis trabalhistas, ficando para o momento
imediatamente seguinte a tentativa de explicação do modo como se formou,
teoricamente, esse ramo específico do direito, que ficou conhecido por Direito do
Trabalho.
Essas questões, que envolvem ao mesmo tempo aspectos econômicos, políticos
e sociais, são fundamentais para compreender o que significa, efetivamente, o Direito
do Trabalho, e qual a sua função na realidade social.
CURSO DE DIREITO DO TRABALHO — V OLUME I 29
CAPÍTULO I
O trabalho, como fato social, é um só, mas a sua importância e o seu significado,
que influenciam no aspecto da sua valorização, vão depender daquilo que se passa
no mundo das ideias.
Filosoficamente, há diversos modos de se encarar o trabalho. Felice Battaglia
comenta que as várias conceituações técnicas do trabalho abordam-no apenas sob o
prisma externo, isto é, examinam somente a natureza produtiva do trabalho; já a
filosofia, sem desprezar esses aspectos, volta-se para o homem, para o espírito, para
o plano ético, buscando avaliar como o trabalho lhe é imprescindível e indagando
por que o homem trabalha, qual a destinação do trabalho e qual a finalidade do
trabalho? Neste sentido, a valorização do trabalho pode ser alcançada pela filosofia(1).
A investigação de Felice Battaglia centra-se, por isso, na ética do trabalho.
Considera Battaglia, que todo resultado do trabalho só tem legitimidade na medida em
que respeite os limites impostos pela moral. Repitam-se, por oportuno, suas palavras:
“É preciso repelir por isso uma prática de trabalho mecânica ou fisiològicamente
comprovada se, como entende o pensamento ético, a moral a sente lesiva à dignidade
humana; uma sistematização produtora ideada pela técnica, proclamada útil pela
economia, se diminui certas exigências da liberdade, não deve de modo algum executar-
-se. A motivação moral é superior a toda outra motivação. O trabalho da mecânica, da
física, da fisiologia, da técnica, da economia, deve ser sempre trabalho do homem que
a moral aprove, pois importa ao homem, já que é fim do homem (não aquêle trabalho
mas o trabalho; aquêle trabalho que é o trabalho do homem).”(2)
Na Antiguidade clássica imperava a noção de que o trabalho era uma atividade menor,
afeita aos homens não livres, que causa fadiga ao corpo e entorpece o espírito, mas como
adverte Felice Battaglia, esta concepção não é exata porque se o trabalho possui aspectos
penosos, produz, igualmente, alegria, “tanto que há uma alegria no trabalho”(3).
(1) BATTAGLIA, Felice. Filosofia do trabalho. São Paulo: Saraiva, 1958, p. 24.
(2) Idem, p. 24.
(3) Ibidem, p. 19.
30 JORGE LUIZ SOUTO MAIOR
(4) CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1995, p. 418-419.
(5) BATTAGLIA, op. cit., p. 31-2.
(6) Idem, p. 38.
(7) Apud, BATTAGLIA, op. cit., p. 33.
(8) Apud, BATTAGLIA, op. cit., p. 33-4.
(9) BATTAGLIA, op. cit., p. 57.
CURSO DE DIREITO DO TRABALHO — V OLUME I 31
a explicação para ela com a ideia de pecado, ou melhor, com a afirmação de que o
trabalho é uma pena imposta aos homens pelo pecado original cometido por Adão:
“Porque escutaste a voz de tua mulher, e comeste da árvore de que te ordenei que
não comesses; maldita é a terra por tua causa: em fadiga tirarás dela o sustento todos
os dias da tua vida. Ela te produzirá também espinhos e abrolhos, e comerás as ervas
do campo. No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela
fôste tomado: porquanto tu és pó, e em pó te hás de tornar.”(10)
O trabalho, no entanto, ganha, assim, uma nova conotação, no sentido de servir
como meio de os homens atingirem a Deus, pagando, com o trabalho, o pecado original
cometido. Nestes termos, o trabalho é fator de dignificação, isto é, de recuperação da
dignidade perdida perante Deus pela prática do pecado original, muito embora se
deixe claro, por essa religião, que a elevação da alma depende também de prece e
contemplação a Deus. O importante é que, por esta noção, o trabalho é sacralizado, o
que representa uma fuga definitiva da concepção antiga da vida(11).
Por essa ideia, o reino de Deus — terreno — é marcado pela materialidade: um
reino que “assegura todos os bens dêste mundo, mesmo quando livres de tôda sua
penosidade, especialmente o trabalho”(12). Mas, o trabalho na terra é meio de se alcançar
esse reino. Não bastam a oração e a contemplação, pois alcançar o reino de Deus “será
precisamente o resultado de um processo, que surge evolutivamente de uma dura
realidade, conquistada grau a grau, pelo que Deus misericordioso exige participação
dos homens”. Neste sentido, o “homem que colabora com Deus executa seu plano de
bem”. E, assim, o “reino de Deus não é só graça, mas também conquista”(13).
No pensamento hebraico, portanto, há uma valorização do trabalho, mas que,
no fundo, busca a aquisição do bem maior, que é a “fruição das coisas terrenas na
isenção de todo trabalho”(14), que, em última análise, representa a consideração do
trabalho como pena e fadiga. Além do que, trata-se de uma teoria restrita ao “povo
eleito”, não tendo, por isso, uma conotação universal, advindo daí a concepção de
que os demais povos devem trabalhar para os israelitas: “Quando os judeus cumprem
a vontade de seu Pai celeste, seus trabalhos são feitos pelas mãos dos outros: quando,
pelo contrário, se rebelam a esta vontade, não só devem trabalhar para si mas também
para outros” (15).
Com o cristianismo o trabalho ganha uma nova feição. Em princípio
desprestigiado(16), porque a preocupação central desse pensamento é a elevação do
que as vestes? Olhai as aves do céu: não semeiam nem ceifam, nem recolhem nos celeiros e vosso Pai celeste
as alimenta. Não valeis vós muito mais que elas? Qual de vós, por mais que se esforce, pode acrescentar um
só côvado à duração de sua vida? E por que vos inquietais com as vestes? Considerai como crescem os lírios
do campo; não trabalham nem fiam. Entretanto, eu vos digo que o próprio Salomão no auge de sua glória não
se vestiu como um deles. Se Deus veste assim a erva dos campos, que hoje cresce e amanhã será lançada ao
fogo, quanto mais a vós, homens de pouca fé? Não vos aflijais, nem digais: Que comeremos? Que beberemos?
Com que nos vestiremos? São os pagãos que se preocupam com tudo isso. Ora, vosso Pai celeste sabe que
necessitais de tudo isso. Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos
serão dadas com acréscimo. Não vos preocupeis, pois, com o dia de amanhã: o dia de amanhã terá as suas
preocupações próprias. A cada dia basta o seu cuidado” (Mateus, VI, 24-34).
(17) “É mais fácil passar o camelo pelo fundo de uma agulha, do que entrar o rico no Reino de Deus” (Mateus,
XIX, 24 e Marcos, X, 25).
(18) BATTAGLIA, op. cit., p. 62-71.
(19) “Portanto, também o trabalho se revela profundamente dignificado. Enquanto se renova a concepção
judaica do trabalho, mas impôsto aos homens pelo pecado, conseqüência e, ao mesmo tempo, pena do
pecado, começa-se a pôr em relêvo suas funções positivas. Antes de tudo, favorece êle a saúde do corpo, pois
no ócio ela se enfraquece e o espírito se inclina ao mal. Donde resulta para o indivíduo o dever de trabalhar,
como à comunidade o de dar trabalho. E chega-se a dizer que, se tendo trabalho, o operário persiste no ócio,
deve ser alijado. Êle assegura ao homem a independência, defende-o das fôrças do mal, que são as do Estado
pagão. É melhor que o cristão trabalhe, pois assim não deve nada a ninguém. Mesmo se não tem bens de
fortuna, poderá enfrentar sereno a luta pela religião, sendo o trabalho suficiente para seu sustento”
(BATTAGLIA, op. cit., p. 69).
(20) Idem, p. 83-4.
CURSO DE DIREITO DO TRABALHO — V OLUME I 33
Tornam--se más pelo uso que delas se pode fazer. Se Deus as concede ao homem,
êste pode desfrutá-las com a advertência de não abalar a ordem a que as coisas
estejam destinadas: o que deve redundar na glória de Deus, não pode ser instrumento
de uma exaltação individual com esquecimento do criador. Justo é o uso das coisas
para o bem, errado para o mal. Disto resulta um alto conceito: as coisas são simples
ensejos para a realização extrínseca do espírito que é vontade; fazemo-las boas pelo
destino que lhes imprimamos”.
No maniqueísmo vamos encontrar a noção do trabalho como essência para
eliminar os perigos do ócio, podendo servir, igualmente, para prover o próprio
sustento. Além disso, “não há distinção entre o trabalho intelectual e o trabalho
manual, o trabalho qualificado e o trabalho inferior: os irmãos devem servir-se entre
si, pois a comunidade está organizada de modo a que nenhum fique isento dos ofícios
mais humildes, por exemplo, da limpeza da cozinha, como aquêles para os quais, na
humildade, se adquire mérito e caridade”(21).
Com São Francisco reforça-se a ideia, já existente nas seitas heréticas da Idade
Média, de necessidade do trabalho para prover a própria subsistência e adquirir
independência, mas sendo contra qualquer tipo de esforço além dessa necessidade.
Nestes termos, a ordem fundada por São Francisco “era uma ordem laboriosa e de
pobreza, não mendicante em sentido estrito”(22). Além disso, em São Francisco, o
trabalho adquire a feição de proporcionar felicidade, na medida em que favorece a
alegria do espírito. Uma passagem reflete bem o seu pensamento(23): “E eu trabalharei
com minhas mãos, e quero trabalhar. E quero firmemente que todos os outros irmãos
trabalhem num ofício honesto. Quem não o souber, que o aprenda. Não pelo desejo
de recompensa, mas para o bom exemplo e para expulsar o ócio. E quando não se
nos dê recompensa ao trabalho, então encaminhemo-nos à mesa do Senhor, pedindo
esmola de porta em porta”.
Santo Agostinho faz interessante observação ao advertir que se deve distinguir
trabalho de trabalho. Na sua visão, interpretada por Felice Battaglia(24), “é lícito o
artesanato, o pequeno comércio, a agricultura: não o é, pelo contrário, a usura. O
comércio deve ir unido ao justo preço. Em geral há um critério para valorizar
èticamente o trabalho: se é tal, como o grande comércio, que una as coisas e os
afetos terrenos, que distraia de Deus nas duras perdas ou nos súbitos lucros, é
condenável e deve cortar-se; se, ao contrário, deixa aberta a alma ao céu, se
diretamente ajuda à libertação e à purificação, é de aplaudir-se, realizando uma sua
própria função indeclinável. Certamente que é o ideal a renúncia à riqueza, melhor a
contemplação do claustro, mas subordinadamente, no plano da economia individual
e social, não há que eliminar a salvação, porquanto os bens econômicos e as riquezas
não são de per si obstáculos ao céu.”
(25) Tal qual está previsto na Constituição Federal brasileira, art. 5º, XXIII.
(26) BATTAGLIA, op. cit., p. 87.
(27) Idem, p. 125.
(28) “...o resultado disso é preciso: acaba-se (....) por dar valor à vida comum, à vida de todo dia e em tôdas as formas
em que ela se apresenta, porque nela pode sempre operar Cristo com o resgate”. (BATTAGLIA, op. cit., p. 126)
(29) “O eleito deve salvar-se e trabalhar; o trabalho tem em si uma finalidade transcendente, mas é também,
para todos, finalidade econômica; querendo o trabalho, não se pode não querer os outros, a sociedade em
favor da qual os seus benefícios se realizam”. (BATTAGLIA, op. cit., p. 132).
(30) “Perdido Deus, com fria visão, perde-se o homem nas coisas, numa ânsia infinita de domínio que não
se sabe como concluirá”. (BATTAGLIA, op. cit., p. 139).
(31) Humanistas eram “um conjunto de indivíduos que desde o século anterior - século XIV - vinha se
esforçando para modificar e renovar o padrão de estudos ministrado tradicionalmente nas Universidades
medievais. Esses centros de formação intelectual e profissional eram dominados pela cultura da Igreja e
voltados para as três carreiras tradicionais: direito, medicina e teologia. Estavam, portanto, empenhados em
transmitir aos seus alunos uma concepção estática, hierárquica e dogmática da sociedade, da natureza e das
coisas sagradas, de forma a preservar a ordem feudal. Mas, conforme já vimos, as transformações históricas
foram tão drásticas nesse período, que praticamente dissolveram as condições de existência do feudalismo. E
as novas circunstâncias impuseram igualmente aos homens que alterassem suas atitudes com relação a seu
destino, à sociedade, à natureza e ao próprio campo do sagrado” (SEVCENKO, Nicolau. O renascimento. São
Paulo: Atual; Campinas, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1988, p. 13).
CURSO DE DIREITO DO TRABALHO — V OLUME I 35
enalteciam o trabalho. Com efeito, como explica Felice Battaglia, “A velha discussão
sôbre se a vida é subordinada à sorte ou se, ao contrário, se liga à nossa iniciativa, ao
nosso trabalho, encontra solução não duvidosa por parte de todos os humanistas
(....), que exaltam precisamente o homem em ação, livre e responsável artífice do seu
destino, da sua vitória na vida”(32). Desse modo, o trabalho que já fora considerado
pena pelo pecado original, uma indignação para o homem livre, agora, com o humanismo,
reafirma sua condição de essência da valorização do homem, enquanto ser racional.
Com o pensamento dos humanistas, a prática, decisivamente, é posta no mesmo
plano da contemplação, ou mesmo, prioritariamente(33).
Entretanto, a prática não é a prática de todos os homens, mas de um determinado
tipo de homem superior e o trabalho que se privilegia é o trabalho intelectual e não
o mero trabalho mecânico desprovido de atividade criadora(34).
Em Giordano Bruno encontra-se a noção de que o trabalho não vale por si, mas
pela previsão do ócio proporcionada pelo trabalho. O ócio, por sua vez, só é digno
quando fruto do trabalho, uma espécie de recompensa pela fadiga sofrida(35).
Importante destacar a respeito da concepção de Bruno sobre o trabalho, a
consideração de que o trabalho, para ter sentido, é o trabalho que fornece uma
recompensa, recompensa esta que se poderia traduzir na elevação a Deus, deixando-
-se sua posição inferior(36).
Tommaso Campanella(37) retoma a ideia de que o saber não vale sem o trabalho,
acrescentando Norberto Bobbio que mesmo não se adquire o saber sem o exercício
do trabalho, do aprendizado. “Não há de fato estudo, por elevado que seja, que
prescinda de atender às atividades manuais.”(38) Mas, Campanella não afasta o ócio
como compensação pelo trabalho realizado. As horas de repouso são essenciais,
dizia ele, para que o homem se ocupe com outras atividades de igual importância
como as espirituais e culturais, além de distrair-se, gozando a vida(39).
Para Campanella todo o trabalho, seja manual seja intelectual, é voltado para a
sociedade e neste sentido todos tem igual valor, superando-se a concepção tradicional
da distinção, no que se refere ao valor, entre esses dois tipos de trabalho(40).