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BOA VISTA – RR
MARÇO/ 2003
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BOA VISTA – RR
MARÇO/ 2003
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Aprovada em / /
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________
Profª.: Luciana Nabuco
_____________________________________________________
Profª.: Vângela Moraes
_____________________________________________________
Profª.: Antonia Costa
12
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a todos
aqueles que acreditaram em mim e
que colaboraram para o meu
crescimento acadêmico, profissional
e pessoal. Dedico em especial a
todas as pessoas que sonham com o
fim da exclusão social, com uma
sociedade igualitária.
13
AGRADECIMENTOS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................... 09
1 A DISCRIMINAÇÃO DO INÍCIO........................................................................ 12
3 O NEGRO NA TV BRASILEIRA........................................................................ 35
3.1 A telenovela apresentando o negro..................................................... 39
3.2 Escravidão: o destino do negro na tv................................................... 41
3.3 E os estereótipos persistem................................................................. 49
3.4 Negros como serviçais......................................................................... 51
3.5 Negros na classe média....................................................................... 53
3.6 Novela expõe problema mas não soluciona......................................... 56
3.7 O negro no telejornal: verdadeiras desigualdades sociais.................... 59
3.7.1 Contexto local.......................................................................... 61
3.8 Comerciais de tv, onde os negros são ainda mais invisíveis................ 62
REFERÊNCIAS..................................................................................................... 68
OBRAS CONSULTADAS...................................................................................... 69
ANEXOS............................................................................................................... 70
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INTRODUÇÃO
Esse fato pode ser facilmente verificado através da mídia, meio que reúne todos
os veículos de comunicação, que mostra diariamente, muitas vezes de maneiras
sutis, as gritantes desigualdades raciais existentes no país. É possível observa-las
em matérias onde a maioria dos pobres é da raça negra e em que a maioria dos
criminosos não é de brancos.
Com esse poder, a mídia poderia trabalhar para mudar essa realidade tão
injusta, já que nunca ficou comprovado que o negro é inferior ao branco em nenhum
aspecto e que a cor da pele de uma pessoa a faz menos valorosa que outra.
A telenovela brasileira será o nosso principal foco, por ter uma enorme
importância dentro da cultura nacional, podendo influir inclusive na formação da
identidade cultural do povo.
E com todo esse poder, a telenovela, ainda hoje perpetua a imagem do negro
ligada à mais antiga e mais triste condição que ele passou, a de escravo, papel
natural destinado aos atores negros.
Em novelas de períodos atuais essa imagem não muda tanto. Quando vemos
negros, geralmente estão representando papeis de domésticas, motoristas,
porteiros, malandros, favelados, entre outras funções relacionadas às camadas
menos favorecidas. Além de criminosos é claro, o estereótipo mais atual.
Sabemos que não é papel da televisão, nem tão pouco da telenovela, acabar
com as desigualdades sociais no país. No entanto, é possível que o tratamento que
vem sendo dado a imagem do negro junto a sociedade, possa estar reforçando uma
visão desfavorável de sua figura, inclusive entre eles próprios. E é disso que vamos
falar no decorrer do trabalho.
19
1 A DISCRIMINAÇÃO DO INÍCIO
A forma com que os negros nos são apresentados não nos permite refletir sobre
sua vida antes da escravidão, não nos permite questionar se existiu alguma outra
condição antes dessa época ou até mesmo se essa condição desumana imposta a
eles foi justa.
Mas seria possível classificar uma pessoa como inferior a outra devido a cor da
pele, dos olhos ou do cabelo, já que estas são apenas características de indivíduos
humanos?
Para Joel Rufino, nenhum desses grupos de pessoas é, porém, uma raça.
Pretos e brancos são apenas conjuntos de indivíduos que têm essas cores.
Segundo ele, a teoria das raças puras não é real, partindo do pressuposto que se
um grupo humano que tivesse se mantido, sem se misturar com outro, não sofreria
mutações e dentro de um tempo, desapareceria. Além disso, em absolutamente
nenhum lugar do planeta, um grupo conseguiu viver isolado dos outros. “Como a
raça humana sempre se misturou, conclui-se que uma ‘raça invisível’ de pele preta
pode ser igual ‘raça invisível’ de pele branca, ou amarela, ou vermelha, etc” (p.12).
Após a abolição, que ocorreu não pela tomada de consciência de que o negro é
um ser humano como o branco, mas em parte por motivos de piedade ao sofrimento
que os escravos passavam e também, com a convicção de que era preciso
modernizar o Brasil, pois a escravidão já não era a forma mais eficiente de
incrementar a economia imperial.
21
Mesmo livres, aos negros só era permitido exercer o mesmo papel que antes
lhes foi conferido, o de animal de serviço. Após a abolição eles não passaram a ser
vistos como trabalhadores livres, mão-de-obra igual a do branco. Não. O preconceito
então floresceu, reduzindo-os a uma condição de miserabilidade, que exterminava a
população negra.
Mas como os negros poderiam demonstrar algum valor, se não lhes eram
oferecidas oportunidades?
A eles, tudo foi negado: a posse de um pedaço de terra para poder cultivar,
escolas para se educar ou um trabalho para se sustentar. Só lhes restaram a
discriminação e repressão. Em busca da sobrevivência, eles se dirigiram então às
cidades, onde encontravam um ambiente menos hostil para viverem.
Essas condições tornaram alguns negros mais resignados com o destino imposto à
eles, que com o tempo melhorou com a ascensão à dignidade do ser humano. Mas a
permanente luta do negro continua, a conquista de um lugar e de um papel
participante legítimo na sociedade nacional. “Nela se viu incorporado à força. Ajudou
a construí-la, nesse esforço, se desfez, ao fim, só nela sabia viver, em razão de sua
total desafricanização” (RIBEIRO, p. 220).
Como o negro fazia parte do cotidiano do país, Rugendas fez várias imagens
dele, embora sempre de uma forma branda, praticamente como se fosse elemento
integrante da paisagem que retratava, com se fizesse parte da fauna ou da flora
nativa, sem o realismo de seu cruel cotidiano no Brasil, pois a preferência em suas
obras daquela ocasião, eram as imagens do exotismo tropical do continente, que
exercia um enorme fascínio sobre os europeus. A realidade da sociedade brasileira,
pouco foi informada ao resto do mundo através de suas telas, onde o negro aparecia
unicamente como um dos elementos gráficos, sem nada para passar como
mensagem.
Já o francês Jean Baptiste Debret, que veio para o Brasil em 1816, como
membro da missão francesa contratada pelo Império para introduzir o ensino de
26
artes plásticas no país, embora não assumisse nenhuma posição anti – escravista,
foi o artista que retratou com maior fidelidade o sofrimento da escravidão, fato que
fazia parte do verdadeiro cotidiano da sociedade brasileira.
Nas telas de Debret era possível se ter uma idéia nítida da vida e da paisagem
do Rio de Janeiro dos tempos de Império no Brasil, porem havia um espaço especial
nas obras de Debret, dedicado ao tema da escravidão, tendo como um dos
personagens principais de suas aquarelas o escravo de ganho da capital.
Nestas obras de arte iniciais no país, as primeiras imagens dos negros foram
retratadas através de um ângulo distante, pois apesar de algumas telas mostrarem
seu cruel cotidiano, o outro lado de suas vidas permaneceu em segredo. O não
conformismo dos negros com aquela situação, a sua luta em busca da liberdade e
dignidade, arrancadas junto com eles de suas terras de origem, continuaram no
escuro. O máximo que as telas daquela época poderiam causar em seus
apreciadores, era uma piedade conformada, pois não era de interesse de nenhum
artista do Império causar indignação ou qualquer tipo de reflexão mais profunda da
vida colonial no Brasil.
Mas analisando algumas telas dos artistas acima referidos já podemos identificar
o tratamento de inferioridade que o negro era tratado naquela época, como não
haveria de deixar de ser, pois o momento era em que teorias da superioridade do
branco sobre o negro eram vigentes, não só no Brasil, mas no mundo inteiro.
1
autor dos textos biográficos do site Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil.
27
Nos três primeiros séculos após sua chegada, a existência dos negros foi
praticamente ignorada pelos escritores, mesmo já compondo naquela época, uma
larga parcela da população, afinal foram milhões de negros traficados do continente
africano ao Brasil.
2
FRANÇA, Jean M. Carvalho. Imagens do negro na literatura brasileira, p. 12 e 13.
28
6
D.J. Gonçalves Magalhães, Suspiros poéticos e saudades in Imagens do negro na literatura
brasileira, p. 37.
30
forma diferente da poesia. Desta vez, com uma sensualidade mais extremada,
praticamente voltada para a animalidade.
Mesmo com essa alteração, na prosa, ainda era possível encontrar personagens
negros do tipo escravos fiéis, ordeiros e de moralidade impecável. No entanto, todos
apresentam características de um temperamento instável e imprevisível, sempre
desempenhando papéis de mucamas, moleques de recado, agregados da casa,
cocheiros, amas-de-leite e damas de companhia. Além de carregadores, negros de
ganho, mulatas sensuais, macumbeiros, capoeiras, alcoviteiras, entre outros.
Assim o negro, desde o início, foi mostrado na literatura brasileira, seja nos relatos
de historiadores, na poesia ou nos romances de ficção, em espaços secundários da
31
Isso ocorria porque mesmo depois da abolição, ao negro não foi permitida a
integração na sociedade. “Na verdade o preconceito e a discriminação nas relações
sociais entre brancos e negros, surgidos durante a escravidão, justificados por uma
série de conceitos éticos – religiosos, que levavam o senhor de escravos a raciocinar
os pruridos de consciência que caso tivesse, continuaram praticamente intatos
depois do 13 de Maio” (MENDES, 1993, p. 138).
Outro conceito que permaneceu por muito tempo e que ainda permanece na
sociedade brasileira é o da brancura como sinônimo de tudo que é bom, sendo um
32
Foi somente em 1944, que o negro começou a almejar um espaço real nos
espetáculos brasileiros. Abdias do Nascimento, incentivado pelo desejo de realizar
peças nos palcos brasileiros, reservados até então apenas a brancos, e com a
colaboração de outros negros, resolveu fundar o Teatro Experimental do Negro
(TEN). “O TEN conseguiu, como se viu, relativo sucesso de iniciativa nos primeiros
anos de vida, após sua estreia em 8 de maio de 1945, com a peça O’Neill, Empero
Jones, escolhida por falta de texto nacional adequado”, (MENDES, p. 138).
O TEN, embora passando por uma situação quase de falência e pelo problema
da escassez de textos voltados para a causa negra, ainda apresentou muitas peças
7
Trecho da peça O dote, de Arthur Azevedo in O Negro e o Teatro Brasileiro, p. 139.
33
como: Anjo Negro, de Nelson Rodrigues, que mostrou de maneira trágica, o desejo
de branqueamento do negro; Terras do Sem Fim, outra adaptação, de Jorge Amado;
Auto da Noiva; Aruana; Sortilego, que acentuou bastante as denúncias de injustiças
sofridas pelo negro na época; Filhos de Santo e O Castigo de Oxalá, ambas com
elementos da cultura religiosa negra, que considerados exóticos, eram bastante
apreciados pela platéia branca, segundo Miriam Garcia.
A companhia lutava para estabelecer uma nova dramaturgia para o negro, que
fugisse da comicidade tosca e anedótica impostas pela utilização dos tradicionais
estereótipos. Mas não conseguiu fazer isso sem a participação majoritária de
autores brancos, devido à discriminação do negro na sociedade, o que impedia ou
dificultava sua escolarização, que o ajudaria a sistematizar, pelo menos, seus
conhecimentos.
Tal problema ainda não foi sanado, pois enquanto existirem essas extremas
desigualdades sociais entre negros e brancos, o espaço do negro, em todos os
ramos da sociedade será limitado.
34
A busca da formação é, então, outro obstáculo que o negro tem que transpor com
maiores dificuldades que as apresentadas aos brancos.
Mas na verdade, não há bons papéis para atores negros porque os autores não
escrevem, pelos fatos que vêm sendo abordados durante todo esse trabalho, a
35
No cinema brasileiro, a realidade do negro não foi muito diferente que nas
manifestações artísticas anteriores a esse advento no país. Sua imagem
permaneceu sendo vista como sempre, como um ser das classes mais baixas da
população, geralmente ignorante, vinculados às piores desgraças da sociedade,
quase sem cidadania.
Afro – baiano – O tipo mais recente, ainda em formação. Negro brasileiro, que
procura acentuar seus traços culturais africanos nas roupas, no cabelo, etc.
Segundo Rodrigues (2001), ainda não existe de modo definido na dramaturgia
nacional, mas já é ironizado nos personagens dos programas de humor da TV, como
o Casseta e Planeta, ou mais precisamente programa do Chico Anísio, onde ele e o
ator Arnaud Rodrigues, faziam Baiano e Novos Caetanos.
Mas ainda, segundo Rodrigues (2001), o precursor desse estereótipo pode ter
sido o personagem do pintor Don Juan em As aventuras amorosas de um padeiro
(1976).
Mas não é isso que o cinema brasileiro vem mostrando em suas obras. Em um
dos mais populares filmes históricos brasileiros, Xica da Silva (1976), de Carlos
Diegues, por exemplo, podemos encontrar vários estereótipos num só personagem.
A protagonista, representada por Zezé Mota, é um misto de Negro de Alma Branca,
Mulata Boazuda e Nega Maluca.
Existem importantes fatos que marcaram a história dos negros no Brasil, como a
questão do separatismo negro na Bahia: o dos muçulmanos em 1835, na Guerra
dos Malés e o retorno à África das famílias afro – brasileiras, abordado apenas,
segundo Rodrigues, no romance A casa da água (1969), de Antonio Olinto.
Além disso, existe ainda a Guerra do Paraguai, onde o negro participou como
soldado, outro fato interessante, e a campanha abolicionista, enfocada de poucas
maneiras e encontrada apenas nos filmes Sinhá Moça, A Marcha e Vendaval
Maravilhoso (1949) do português Leitão de Barros.
São pouquíssimas as exceções que mostram o negro sobre outro prisma, como
em Chico Rei (1985) de Walter Lima Júnior, em que a estrutura social é bem mais
complexa que a de outros filmes afins, onde podemos encontrar mulatos libertos
membros da confraria do Rosário dos Pretos e inimigos do governo;
independentistas escravocratas; e negros opressores de outros negros. O tema
central trata da solidariedade entre os oprimidos, e a ascensão social ocorre sem a
perda de dignidade.
Na ficção da Bela Época podemos encontrar outros roteiros que também não
retratam nenhum fato marcante do período como: A escrava Isaura, Os guaranis,
O segredo do corcunda e Tesouro perdido.
Tais temas podem ser vistos em filmes como Samba em Berlim (1943), dirigida
por Luiz de Barros, Natal da Portela (1988) de Paulo César Saraceni, Orfeu (1999)
de Carlos Diegues; Atlântico Negro/ Na Rota dos Orixás (1979), direção de
Marcelo Barbiere, Barravento (1961), de Glauber Rocha, Também somos irmãos
(1949) de José Carlos Burle; Compasso de espera (1973) dirigido por Karin
Rodrigues e Zózimo Bulbul, Na boca do mundo (1979), de Antonio Pitanga e Um é
pouco, dois é bom (1971), de Odilon Lopez; respectivamente.
Além disso, mesmo nos temas que considera intimamente relacionado a negros,
a cultura e a religião de seus descendentes, o cinema permanece abordando tais
assuntos com racismo. Mesmo que seja um racismo às vezes quase imperceptível
39
aos olhos dos desatentos, pela maneira natural e branda que é mostrado, algumas
vezes se apoiando na comicidade, e aparentemente não intencional.
Em O trapalhão no planalto dos macacos, uma paródia dirigida por J.B. Tanko
do filme americano O planeta dos macacos, um dos pontos mais engraçados do
filme é quando a macaca principal se apaixona por Mussum, o único negro entre os
atores principais.
Essa forma de discriminação sutil e disfarçada vigente no país, faz com que existam
sempre papéis para negros, dando a falsa sensação que o negro tem espaço no
cinema, mas se observarmos mais atentamente, veremos que assim como em
outros setores da sociedade esses papéis são sempre secundários, com raras
exceções, geralmente advindas do cinema.
40
Pesquisas apontam Cajado Filho como primeiro cineasta negro e o que possui a
maior filmografia, com cinco longas – metragem: Estou aí, Todos por um e Falso
detetive, produzidos entre 1949 e 1951, e E o espetáculo continua – 1958, em que
acumulou as funções de diretor, argumentista, roterista e cenógrafo, e Aí vem a
alegria – 1959, sua produção mais simples e a última vez que dirigiu.
filmografia na língua iorubá; Quim Negro; Paulo Veríssimo; Afrânio Vital; Zózimo
Bulbul é diferente por ser composto de uma maioria de documentários e apresentar
certa continuidade (Alma no olho – 1976, Dia de Alforria – 1981 e Abolição –
1988). “Infelizmente, a carreira desses cineastas não teve a continuidade necessária
para burilar suas qualidades e corrigir seus defeitos. Desde o final dos anos 1980 um
negro não dirige um longa – metragem no Brasil” (RODRIGUES, p. 140).
Mas é preciso não perder a esperança de mudar essa realidade, seja através da
existência de mais cineastas negros, o que é muito difícil, com as desigualdades
sociais enraizadas no país, neste caso em particular, as desigualdades educacionais
e as econômicas, seja através da conscientização da parcela mais favorecida da
sociedade, onde residem os brancos, repetindo o caso ocorrido com o TEN, onde os
autores que inovaram com textos voltados para a causa negra, eram em sua maioria
brancos.
Essa esperança se fortalece no surgimento dos mais recentes filmes que tratam
dessa questão racial como Cruz e Souza, de Sylvio Back, Boleiros, de Ugo Giorgetti
e Cronicamente Inviável, de Sérgio Bianchi, entre outros realizados e que
esperamos surgir, pois mesmo com menos alcance que a televisão, o cinema tem
um importante papel na sociedade, o de provocar reflexão e contribuir assim, para
uma possível modificação de valores bem ultrapassados, a julgar de quando
surgiram, no colonialismo.
42
3 O NEGRO NA TV BRASILEIRA
Certo alguém disse um dia: Uma imagem vale mais que mil palavras. E na tevê,
as palavras servem apenas como moldura para sua arte.
Com todo esse poder, a televisão no Brasil demonstra não ter o menor interesse
em diminuir certos problemas, como as desigualdades raciais tão intensas no país,
Um estudo produzido por Zito, que analisou cerca de 70% das telenovelas
brasileiras e comprovou que em mais de um terço delas não havia a presença de
nenhum personagem negro. Além disso, segundo a pesquisa, no horário nobre da
televisão, a quantidades de atores negros nas telenovelas não ultrapassa mais que
10% em relação a quantidade de brancos, em razão da cota estipulada por lei.
44
E a tevê brasileira pertence a essa elite, que tenta passar, sem perceber de
maneira equivocada, o mito da democracia racial no Brasil, pois na ausência ou na
presença do negro, mas de forma subalternizada, a tevê acaba evidenciando o que
quer esconder, o que quer disfarçar, nossas gritantes desigualdades sociais e
raciais. Podemos observar que o Brasil está longe de ser uma democracia racial.
Igualdade que também cai por terra para os mais atentos. É só observar,
quantos destaques negros são vistos nos carros alegóricos e comparar com a
quantidade de brancos, apesar do samba ser considerado coisa de negro. O negro
45
como sempre, deve procurar o “seu lugar” e como é de praxe, é abaixo do branco, e
no carnaval é no chão.
Dentre eles estão: Tio Barnabé, arquétipo do preto-velho ridicularizado por suas
superstições, Saci Pererê, personagem do folclore e Tia Anastácia, estereótipo de
mãe-preta e a mais ridicularizada dos três, apontada como negra ignorante.
E nestes conceitos o negro não tem vez, a não ser em funções que se
assemelhem ao seu lugar de origem no Brasil, o de servo. E assim, não estando
relacionado aos elementos que a TV mais preza, principalmente a beleza, e sendo
um ser totalmente estereotipado, ele é mostrado a sociedade da forma mais
negativa e distorcida possível, quando não é ignorado.
Somente nos noticiários nacionais que o negro tem lugar garantido, onde eles
são apresentados na sua mais ampla desgraça, que apenas por insistência de
alguns é motivada única e exclusivamente por sua cor. Mas se formos buscar a
fundo essas causas, comprovaremos que o branco, que hoje quer vender a falsa
imagem da democracia racial, foi o causador deste problema, em razão da sua
ganância desmedida.
Uma das novelas pioneiras na utilização da presença do negro foi a A gata, uma
adaptação de Ivani Ribeiro de um texto de Manuel Munoz Rico, lançada pela TV
Tupi em maio de 1964. O tema foi o mais comum para a utilização de negros na
trama, a escravidão, mas com uma particularidade, a história central era ambientada
nos problemas dos escravos das Antilhas, no século XIX, ignorando a realidade
escravista brasileira.
Segundo relatos do livro A Negação do Brasil, o ator foi obrigado pela agência
patrocinadora da emissora, Colgate-Palmolive, a aceitar o papel e teve que ser
pintado de preto e usar rolhas no nariz e atrás dos lábios para aparentar uma
pessoa negra de nariz largo e beiçudo.
A cena talvez não tenha chamado a atenção na ocasião, pois foi mostrada como
uma ação desproposital, como muitas outras que a televisão já veiculou, mas com
certeza pode ser considerada com um dos maiores atos de preconceito e racismo da
TV brasileira, não podendo usar como justificativa nem o argumento da comicidade,
o elemento mais utilizado para disfarçar o racismo na sociedade.
Mesmo com novo tratamento a esse tipo de novela, a TV não conseguiu deixar
de lado o racismo. A história era contada de forma que os brancos fossem
apresentados como os grandes responsáveis pela vitória abolicionista, devido a
bondade e compaixão existentes nos mocinhos, sem qualquer participação de
negros. Estes, continuaram apenas como personagens de apoio aos brancos, e
representando o papel de coitados, dependentes e incapazes, fato que não é
verdadeiro, comprovado em alguns relatos históricos que mostram sua luta pela
liberdade e dignidade, mas que são maquiados pelos heróis de tez branca,
convenientes à sociedade que almeja se embranquecer por completo.
Um dos personagens que tenta passar essa outra ótica é o Pai José,
interpretado por Milton Gonçalves. Um homem altivo, que em sua pátria de origem
era considerado rei, e por isso mesmo sempre se mostrou irreverente e audaz,
apesar de escravo. Mesmo passando pelas piores torturas nunca baixou a cabeça
para o seu feitor, mostrando que embora estivesse na condição de escravo, tinha
orgulho de ser negro.
50
O autor da novela mostra no último capítulo, através de um texto que corre pela
tela, o que pensa a respeito do que os escravos passaram: “[...] e de tudo que
plantaram nada lhes restou [..] nem da terra, nem dos frutos, apenas a liberdade”.
Joel Zito (2002) vê Pacto de sangue como a novela em que mais se encontra,
nos personagens negros, as novas atitudes diante do escravismo e do racismo.
Segundo ele, o orgulho negro era ressaltado pela sabedoria de Maria (Zezé
Mota), que constantemente se trajava de belas batas africanas e se portava
expressando forte alto-estima, impondo respeito a todos, brancos e negros. A mãe
Quitinha (Ruth de Souza) era sempre vista no seu trono de rainha africana e
babalorixa. Damião (Haroldo de Oliveira), normalmente trajando fraque e colete, era
um comerciante bem-sucedido, com traquejo social no mundo dos brancos e
fidelidade as suas raízes e ao Quilombo Loana. A guerreira Baoni (Ângela Correa)
era uma personagem que parecia ter saído diretamente de um dos filmes de Caca
Diegues, em especial de Zumbi dos Palmares.
Este foi o maior elenco negro das décadas de 70 e 80, de uma novela horário
das seis na Globo. E em que, apesar de estarem interpretando papeis considerados
naturais para sua cor, os negros foram mostrados de uma maneira mais destacada.
Mas as histórias de amor, que é o que mais interessam ao público, continuaram para
os personagens interpretados por atores brancos, demonstrando que mesmo em
certo destaque, o negro ainda é discriminado. Ou será que negro não ama?
Tabela 1
Personagens negros em telenovelas que tiveram como
tema a escravidão no Brasil – Rede Globo (1975-1998)
51
Tabela 1 (cont.)
Personagens negros em telenovelas que tiveram como
tema a escravidão no Brasil – Rede Globo (1975-1998)
52
Jose de de leite
Alencar Neuza Borges Zana ama de
leite mulher
traumatizada
Clementino Tião escravo
Kele Mariinha
Maria das escrava
Graças Jô escravo
Fredman militante
Ribeiro Negrum
escravo
Paulo Tondato alforriado e
herói
Empregado de
Sidney Fragoso
Marques
Tabela 1 (cont.)
Personagens negros em telenovelas que tiveram como
tema a escravidão no Brasil – Rede Globo (1975-1998)
53
Dudu de Bentinho
Moraes escravo
Maria das
Dores
Escrava
alforriada
Milton Pai Jose
Gonçalves escravo
Aldo Bueno Pedro escravo
Joel Silva Tobias escravo
Tabela 1 (cont.)
Personagens negros em telenovelas que tiveram como
tema a escravidão no Brasil – Rede Globo (1975-1998)
54
Tabela 1 (cont.)
Personagens negros em telenovelas que tiveram como
tema a escravidão no Brasil – Rede Globo (1975-1998)
55
Para Rufino, a cor em nosso país é mais uma marca que uma raça. “De cor são
todos os que valem pouco ou quase nada - ‘isto é serviço de preto’ diz o povo
quando alguma coisa resulta mal - feita”.
8
Depoimento. Mídia de Racismo, 2002, p. 79.
59
Mas a característica maior do papel para negro é que ele tenha pouca
importância na trama, ele é geralmente colocado numa posição secundária, servindo
mais como elenco de apoio do que realmente como personagem.
Em uma matéria da Folha de São Paulo sobre Racismo9, a atriz Zezé Mota
relata o seguinte fato:
Lembro-me também de uma vez que passei um tempo nos EUA com
uma peça que fez muito sucesso. Quando voltei, fui procurar emprego na
Tupi. Uma ‘colega’, branca, me disse: Fique tranquila. Vão começar a gravar
duas novelas. Não é possível que não tenha nenhuma empregada.
9
publicada em 30 de novembro de 2000.
60
Isso ocorre, mais uma vez, porque o negro está relacionado apenas ao negativo,
neste caso ao inferior, ao feio e ao pobre. Imaginem se passa pela cabeça de uma
atriz branca interpretar o papel de uma empregada. Isso pode chegar a acontecer.
No entanto, os brancos se vêem sempre como protagonistas e com certeza tem uma
chance incomparável a do negro. A este, resta apenas sonhar que um dia tal
realidade vai mudar, e o seguimento negro finalmente vai poder ver suas histórias
retratadas no produto de comunicação mais querido do povo. Enquanto isso, têm
que aceitar o segundo plano e enfrentar a sulbaternidade, se não quiserem se deixar
morrer, mesmo que estejam aparecendo de forma deturpada.
Apesar da função de servo ser a grande sina do negro, a partir dos anos 70
papéis isolados de pessoas integrantes da classe média passaram a ser interpretado
por atores negros. A mensagem de inferioridade passou a ser transmitida agora de
uma forma mais branda aos olhos do público, de uma forma subliminar, em que os
negros já não apareciam mais como meros empregados, mas seus personagens
continuavam sem importância.
Para escolher uma boa novela é preciso prestar atenção nos seguintes
itens: o enredo tem que ser realista, plausível de acontecer com cada um
dos espectadores, para que melhor se identifiquem com os personagens;
não se devem apresentar problemas muito distantes, complicados ou
insolúveis.
A época passou a ser marcada então, com exceção das novelas adaptadas de
romances clássicos da literatura brasileira, por telenovelas que se referiam à história
61
Essa inovação ficou apenas na ambientação das histórias, pois apesar de uma
minoria de negros passar a ser vista nas telenovelas, na nova condição de classe
média, nenhum personagem teve destacado seus conflitos e os dramas da luta pela
ascensão social e econômica, com que era agora posicionado.
Simplesmente eram colocados na história, sem ter passado ou família, nada que
sirva para contar sua historia, que quando tinha a ascensão justificada, era mérito de
um personagem branco que lhe ajudou a chegar no bom lugar que chegou.
A utilização de famílias negras nas novelas não foi muito bem sucedida, e ao
que parece servia muito mais como desencargo de consciência dos autores, já que
nenhum deles teve coragem de dar o papel principal a um ator negro.
63
E em certas novelas, tal fato é uma disparidade. Novelas por exemplo que se
passam na Bahia, que representa o Estado de maior população negra do país. Porto
dos Milagres (2001) baseada num romance de Jorge Amado, se passava na Bahia,
no entanto, a maioria de seus atores é branca e, claro, seus protagonistas. No caso,
Marcos Palmeira que interpretava Guma, personagem central da história, era
mulato, mas a mocinha, Lívia, interpretada por Flávia Alessandra, era branca e loira.
Na novela Zezé Mota era uma paisagista que foi perseguida não só pelos vilões
da trama, o pai do personagem principal (Hugo Carvana) e a noiva (Joana Fonm),
mas também pelo público que se horrorizou em ver um romance entre uma negra e
um branco.
Joel Zito (2002) aponta como um fato interessante da história é que a vilã não foi
criticada pelo racismo, considerado até algo natural por muitos, mas pela sua falta
de educação.
O casal terminou com um final feliz, mas a iniciativa do autor perde créditos
quando vemos que a família de classe média de negros, apresentada no início da
história, termina se desmembrando e indo à falência. Passando a idéia de fraqueza
e de que o negro não pode ser bem sucedido.
64
(...) Eu esperava que essa família negra tivesse mais função de família
negra. Há muito venho cobrando dos autores, pois geralmente eles vêm
estereotipando; os personagens têm sido sempre negativos. Nessa novela,
temos uma família bem constituída, filhos estudando. De repente, com a
morte do pai, a família se desmembra. O personagem segue, mas não é
exatamente o que eu esperava. Eu estou sendo honesta: acho que tenho
muito mais para dar como atriz; que o meu papel podia ter outra
desenvoltura (...) Até agora, ninguém se preocupa ou pensa com o
sentimento do negro (ZITO, 253).
Em Anjo Mau (1997), novela de Cassio Gabus Mendes, adaptada por Maria
Adelaida Amaral, o racismo é um dos temas da trama, que apresenta uma mulher
miscigenada (Tereza) interpretada por Luiza Brunet, que tem vergonha de ser filha
de uma mulher negra (Dona Cida), escondendo seu passado da sociedade, inclusive
do marido e dos filhos, apoiada pela própria mãe (Mãe-preta) que protege a filha.
Mas a filha adotiva de Dona Cida (Vivian) interpretada por Taís Araújo, tem a
função de ressaltar o orgulho negro na trama, mesmo que não seja a personagem
principal.
Mas tanto orgulho negro vai por águas abaixo, quando no final as filha de Batista
terminam com rapazes brancos, fortalecendo o ideal de embranquecimento da
população brasileira, através da miscigenação.
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O último Censo mostra que 8,3% da população branca é analfabeta, mas entre a
população negra, esse índice aumenta para 19%. Além disso, pesquisas comprovam
que em média, os brancos estudam dois anos a mais que os negros.
Isso ocorre porque o ensino oferecido para a população mais pobre do país, que
é composta principalmente por negros, é sempre de qualidade inferior e muitas
vezes improvisado.
Além disso, as pessoas têm dificuldade de aprender aquilo com que elas não se
identificam, e no Brasil, onde os conteúdos apresentados nas escolas são
comprometidos com ideais da elite e do eurocentrismo, as dificuldades dos negros
ainda são maiores
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Quantos de vocês já não devem ter ficado sabendo comentários maldosos feitos
à respeito da jornalista negra de maior destaque na mídia, Glória Maria. A maioria
deles com certeza ligados à estética. Mas essa situação ainda precisará de alguns
anos para que mude. Hoje já conseguimos identificar alguns avanços, mas a
televisão brasileira ainda tem muito a progredir até eliminar essa idéia tão
ultrapassada de racismo.
Esta peça publicitária revela claramente o conceito que a sociedade tem sobre
os negros, o de eternos servos dos brancos. Seja como escravos na era do
colonialismo, ou hoje, como serviçais em qualquer área. A imagem do negro ainda é
muito relacionada com a inferioridade, sendo ele incapaz de chegar a desempenhar
com competência qualquer função que não seja subalterna.
Mas para começar a mudar essa realidade tão injusta, o sistema de cotas
universitárias vem com propriedade. O projeto ainda está em fase de debates, sendo
implantados já em algumas universidades. Mas acreditamos que embora seja um
método artificial, ele é necessário, pois a desvalorização do negro na sociedade
brasileira só pode ser revertida utilizando a diferenciação de oportunidades na
educação, desta vez em favor dos negros, já que há muitos anos essa diferenciação
vem sendo em seu detrimento, apoiada em conceitos racistas.
Está na hora do branco reconhecer o mal que fez ao negro e reparar o erro, a
começar pelas cotas no ensino superior, não porque este é incapaz, mas porque
desde sua chegada ao Brasil, nunca foi tratado como ser humano, em posição de
igualdade. O negro sempre esteve em desvantagem por uma cruel imposição do
branco, que hoje precisa deixar de ser hipócrita e assumir a sua responsabilidade,
apoiando a implantação do projeto, dentre outras medidas governamentais como a
inclusão da disciplina de cultura afrodescendente no ensino médio. Afinal, a chave
de tudo é a educação. A educação de qualidade para todos, sem qualquer distinção.
Assim quem sabe, a televisão brasileira comece a ter mais a cara do seu povo,
que por mais que muitos não queiram admitir, é composto em sua maioria por
negros.
Isso porque no Estado não existe uma exigência mais rígida quanto à formação
profissional para este trabalho. Aliás, boa parte dos que hoje trabalham na
apresentação dos telejornais locais não são formados em jornalismo.
Mas o que podemos ver é que não importa a região, nem os motivos, a ausência
do negro a frente dos telejornais é um fato que atinge a todo o Brasil, e Roraima não
fica de fora.
- Mesmo que os negros tivessem papéis com falas, eles eram geralmente retratados
em papéis secundários;
CONCLUSÃO
Dizem que a mídia transmite o reflexo da sociedade, e a televisão por sua vez
reproduz sua imagem. Mas na verdade, esse meio insiste em apresentar à
sociedade brasileira uma imagem distorcida de seu povo e de seu cotidiano,
renegando a sua verdadeira identidade racial, em que a cor negra predomina.
Sem saber como se identificar dentro da sociedade, pois desde pequeno é como
se fosse invisível, ou no máximo um portador de desgraças, tem que se espelhar
nos brancos, que são exaltados por uma série de qualidades, enquanto o negro, é
subjugado, desde que nasce. Ele cresce então querendo ser branco, ou pelo menos
um “negro de alma branca”, sendo obrigado a efetivar esse projeto de
branqueamento, planejado há séculos por nossos colonizadores, seja da forma que
for, inclusive tomando a iniciativa da miscigenação, que como muitos dizem: é para
limpar o sangue..
Na telenovela, por exemplo, o que se espera não é ver sempre o negro de terno
e gravata. Nada disso, mas mudar a forma rebaixadora como ele é apresentado,
sabemos que na vida real esta situação está mudando pela persistência individual
de alguns e pelo trabalho de grupos comprometidos com a causa. Porque então
continuar apresentando essa imagem tão negativa daquele que só ajudou e continua
ajudando a construir nossa sociedade?
E porque não mostrar essas histórias que são reais? Não serão forjadas como
alguns autores pensam até hoje que mostrar o negro na classe média não é um
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REFERÊNCIAS
RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro. São Paulo. Companhia das Letras: 1995
OBRAS CONSULTADAS
RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro. São Paulo. Companhia das Letras: 1995
TELLES, Norma. A Questão Indígena na Sala de Aula. São Paulo. Brasiliense: 1995
SANTOS, Anízio. Eu, Negro: Discriminação Racial no Brasil Existe? São Paulo,
Edições Loyola: 1986.
Folha de São Paulo. Editorias: TV FOLHA e ILUSTRADA. São Paulo: 1997 à 2002.
www.observatoriodaimprensa.com.br
www.folha.com.br
www.nascente.com.br
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ANEXOS