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XIV Coloquio Internacional de Geocrítica

Las utopías y la construcción de la sociedad del futuro


Barcelona, 2-7 de mayo de 2016

DIREITO À CIDADE: UTOPIA POSSÍVEL A PARTIR DO USO E


APROPRIAÇÃO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS URBANOS

Rosalina Burgos
Universidade Federal de São Carlos - UFSCar Campus Sorocaba
rburgos.ufscar@gmail.com

Direito à cidade: utopia possível a partir do uso e apropriação dos espaços públicos
urbanos (Resumo)

A partir do entendimento acerca dos sentidos do direito à cidade enquanto um conjunto


de direitos materiais e intangíveis, dos quais a sociedade possa usufruir de forma
igualitária – apesar dos fundamentos da desigualdade que estão na base da (re)produção
espacial sob ditames capitalistas – propõe-se um estudo acerca do que se passa na esfera
público-política, como lócus privilegiado da análise das contradições de um espaço
urbano que não é para todos. Com base numa fundamentação teórico-conceitual
dedicada à análise e compreensão da denominada urbanização crítica, procedeu-se à
investigações de campo na cidade de Sorocaba no interior paulista, identificando formas
diversificadas de uso e apropriação de espaços públicos, tanto no âmbito da vida
cotidiana, quanto em manifestações públicas por direitos. Em conjunto, definem um
contexto sociocultural em movimento e transformação e, neste sentido, sinalizador das
possibilidades de realização da utopia que reside no ideário de uma cidade para todos.

Palavras-chave: direito à cidade, utopia, espaços públicos, Sorocaba/SP.

The right to the city: a possible utopia through the use and appropriation of urban
public spaces (Abstract)

Through the understanding of one's right to the city as a group of materialistic and
intangible rights of which a society can benefit equally from (despite the foundation of
inequality that underlie the capitalist dictates' spacial (re)production), a study arrises of
the proposed of the current happenings in the political-public sphere, such as the
privileged locus of the contradictions of an urban space that is not for everyone. Based
on a theoretical and conceptual foundation dedicated to the analysis and understanding
of the denominated 'critical urbanization', field investigations were made in the city of
Sorocaba, São Paulo, identifying different uses and appropriations of public spaces both
in everyday usage and in the context of public protests. Together, they define a social-
cultural context in movement and transformation which signals towards the possibilities
of the realization of a utopia that resides in the idea of a city for all.

Keywords: right to the city, utopia, public spaces, Sorocaba/SP.


XIV Coloquio Internacional de Geocrítica
Las utopías y la construcción de la sociedad del futuro
Barcelona, 2-7 de mayo de 2016

Parte-se da premissa da realização possível da cidade enquanto obra, situada na


centralidade do valor de uso, em contraposição à reprodução do espaço urbano enquanto
produto1 sob os ditames dos processos de valorização e segregação socioespacial 2. Com
base na análise e compreensão das formas de uso e apropriação dos espaços públicos,
observa-se que as práticas socioespaciais neles inscritas apontam para as
potencialidades e desafios do direito à cidade enquanto utopia possível, em
contraposição aos fundamentos da produção capitalista da cidade3. Por sua vez,
considera-se o direito à cidade como o conjunto de direitos – materiais e imateriais-
simbólicos – que possam ser usufruídos de maneira equânime por todos os citadinos na
sociedade urbana, num enfrentamento à logica da urbanização crítica, onde o urbano
não é para todos4.

Para abordar a temática do direito à cidade, esta deve ser compreendida como obra que
resulta de um processo social histórico. Ou seja, a cidade é obra da ação de agentes
sociais diversos, interesses múltiplos, lugar do trabalho e da festa, de tensões e conflitos
que se revelam nos espaços públicos, sendo um campo sempre aberto para o possível,
em contraposição ao pensamento sobre a cidade como produto, lócus de reprodução
privilegiada do capital.

Desde a cidade antiga, o sentido da relação entre espaço público e espaço político se
perpetua; um implica o outro, transformando-se permanentemente. No espaço público
tudo está em movimento. Realiza-se pleno de contradições, conflitos e possibilidades
que revelam conteúdos socioespaciais da própria sociedade urbana que os concebem e
os usam ou negligenciam.

No centro deste debate, encontra-se a problemática do esfacelamento da sociabilidade


no nível da vida cotidiana5, experiência cindida pelo aprofundamento das relações
sociais mediadas pela forma mercadoria6 e consequente esvaziamento dos sentidos da
esfera pública7, num contexto de recrudescimento da lógica de reprodução dos espaços
privados8 que apontam para a urgência de retorno aos espaços públicos na cidade
contemporânea9.

Neste contexto, pleiteia-se o direito à cidade enquanto utopia realizável a partir das
formas efetivas e potenciais de uso e apropriação dos espaços públicos, nos interstícios
das contradições internas do próprio capitalismo, de onde emergem, com força
reivindicativa e transformadora da realidade, diversas manifestações sociais de caráter
público-político, econômico e cultural que partem dos segmentos sociais desfavorecidos
pela lógica de produção capitalista da cidade10.

1
Lefebvre, 2001, 2004
2
Moraes, 1999
3
Harvey, 2005
4
Damiani, 2004
5
Martins, 2008, 2014
6
Marx, 1983
7
Habermas, 1984; Arendt, 1981
8
Carlos, 1994, 2001
9
Serpa, 2007
10
Harvey, 2014
2
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O utópico – entendido enquanto aquilo que ainda não tem lugar11 – instaura-se como
potência realizável no momento em que a apropriação propriamente dita do espaço
público acontece: eis o espaço de representação, superando as separações-mediações da
representação do espaço12 que se projeta com o urbanismo. Seja em relação às
manifestações públicas inscritas no pleito do conjunto de direitos sociais que apontam
para o fortalecimento do direito à cidade, como já apontado anteriormente, seja em
relação às formas criativas e do banal no cotidiano. Utopia que se realiza ao encontrar
lugar nas fraturas do reprodutível, subvertendo a repetição alienante da sociedade
burocrática de consumo dirigido13.

Com o objetivo de analisar e compreender as potencialidades do uso e apropriação dos


espaços públicos – enquanto utopia realizável pelo direito à cidade – vem se
desenvolvendo estudo sobre a temática no escopo das pesquisas “Valorização do espaço
e segregação socioespacial na cidade de Sorocaba: implicações na vida cotidiana (2012-
2013)” e “Valorização espacial e direito à cidade: contradições e conflitos da
urbanização recente da cidade de Sorocaba – SP, Brasil (2015-2016)”14, acerca dos
quais são apresentadas algumas contribuições15.

Em termos metodológicos, parte-se do embasamento teórico-conceitual acerca da


temática relacional do direito à cidade e os espaços públicos, com destaque para o
pensamento e obra de Henri Lefebvre e geógrafos dedicados à abordagem dos referidos
temas, tais como Ana Fani Carlos16, Amélia Damiani17, Odette Angelo Seabra18,
Serpa19, S. Martins20, dentre outros. Para tanto, foram consideradas contribuições sobre:
a cidade enquanto obra21; a crítica ao urbanismo e a ilusão urbanística22; a forma urbana
e a centralidade do urbano23; o uso do espaço e as topias24. Este referencial teórico
converge para a compreensão sobre as possibilidades de uma sociedade urbana ainda
em curso, enquanto resultante da “urbanização completa, hoje virtual, amanhã real”25
junto à qual:

“o urbano (abreviação de “sociedade urbana”) define-se (...) não como realidade acabada,
situada, em relação à realidade atual, de maneira recuada no tempo, mas, ao contrário, como
horizonte, como virtualidade iluminadora. O urbano é o possível, definido por uma direção, no
fim do percurso que vai em direção à ele”26.

11
Lefebvre, 1986
12
Lefebvre, 1974
13
Lefebvre, 1980
14
Com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.
15
Burgos, 2013, 2014
16
Carlos, 1994, 2001, 2011
17
Damiani, 1999, 2004
18
Seabra, 1996, 2004
19
Serpa, ´2007, 2014
20
Martins, 2000
21
Lefebvre, 2001
22
Lefebvre, 2004
23
Lefebvre, 1976, 1986
24
Lefebvre, 1966, 2004
25
Lefebvre, 1994, 15
26
Lefebvre, 1994, 28

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Estudos com base empírica foram realizados acerca do uso e apropriação de espaços
públicos na cidade de Sorocaba, cidade média do interior paulista (Brasil) com cerca de
640.000 habitantes (IBGE, 2015), com intenso processo de valorização e segregação
socioespacial.

Fortemente marcada pela expansão de grandes empreendimentos privados (condomínios


fechados, conjunto de shopping centers e hipermercados, dentre outros), formalizou-se
como sede da recém-criada Região Metropolitana de Sorocaba, reunindo 26 municípios,
com aproximadamente 1,7 milhão de habitantes (Figura 01) em maio de 2014. É a 15ª
região metropolitana mais populosa do país. Seu PIB (Produto Interno Bruto) gira em
torno de R$ 46,7 bilhões (3,46% do PIB do Estado de São Paulo) segundo dados do
IBGE (2010). Faz divisa tanto com a Região Metropolitana de São Paulo quanto com a
Região Metropolitana de Campinas, integrando a denominada Macrometrópole Paulista
(Figura 02).

Figura 1. Região Metropolitana de Sorocaba (2014)

Fonte: IBGE (2012) Disponível em http://www.ibge.gov.br

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Figura 2. Macrometrópole Paulista (2012)

Fonte: Emplasa (2012) Disponível em http://www.emplasa.sp.gov.br/emplasa

Neste contexto, emerge um diversificado quadro de demandas sociais, que em conjunto


pleiteiam os princípios do Estatuto da Cidade27, expressos por uma série de
manifestações públicas que se intensificaram na última década.

Alguns casos analisados: as grandes manifestações contra o aumento da tarifa de


ônibus, sobretudo em junho de 2013; intervenções artísticas do projeto artístico-cultural
“Como o tempo, como o amor”, do Coletivo Cê de teatro, realizado em praças e
Terminais de ônibus urbanos; a “Feira de transição agroecológica” que semanalmente
reúne agricultores da região no Parque Chico Mendes para venda de produtos orgânicos,
realização de oficinas e rodas de conversa para troca de saberes sobre vida saudável
junto à população local; o evento denominado de Musicada que reúne artistas, em
praças e parques da cidade; a intervenção artística denominada Guerrilha Gerador e o
evento itinerante Encontros Poéticos, dentre outros, realizados em diversos espaços
públicos da cidade. Todos organizados de forma colaborativa e gratuita, com explícita e
expressiva participação popular.

Resulta destes estudos contribuições para compreensão da potência de realização do


direito à cidade, enquanto utopia possível, a partir da análise do que se passa nos
espaços públicos. As contradições internas da reprodução capitalista do espaço expõem
fraturas deste tecido social, perversamente amalgamado pelos imperativos do mundo da
mercadoria, mas pleno de desejos incontidos de encontrar novos sentidos nas formas de
27
Lei 10.257 de 10 de julho de 2001, que regulamenta o capítulo “Política urbana" da Constituição
brasileira. Destaca como princípios básicos o planejamento participativo e a função social da propriedade.
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apropriação do espaço urbano, pois a vida nas cidades há de ser mais do que o
enclausuramento em suas estruturas mercadológicas visíveis e invisíveis, tal como a
indústria do medo: há que se considerar os caminhos que apontam para a abertura de
uma maior participação popular efetiva para uma gestão pública mais democrática das
cidades, sinalizadora de outro devir, latente-potente, realizando-se no uso e apropriação
dos espaços públicos urbanos.

Apropriação de espaços públicos enquanto utopia realizável

Os espaços públicos integram a história territorial de formação das cidades desde a sua
gênese, apresentando transformações nas formas de concepção, uso e apropriação em
consonância com os conteúdos da sociabilidade existente em cada período histórico
considerado, deixando entrever aspectos importantes para a compreensão da formação
social, seus conflitos, resistências e resíduos.

O debate contemporâneo sobre os sentidos do direito à cidade oferece um largo espectro


de possibilidades analíticas que contribuem para a produção de conhecimento acerca do
que se passa no cerne de nossa sociedade, imbricado às formas de uso e apropriação do
espaço urbano para a vida. Um campo teórico complexo, e interdisciplinar, delineia-se
na investigação acerca desta temática que envolve desde os fundamentos da função
social da propriedade, o direito à mobilidade urbana, à infraestrutura básica, o direito
elementar à moradia, à experiência da participação ativa nas deliberações e caminhos
para a cidade enquanto obra – para além da sua reprodução enquanto produto (nos
contextos de valorização espacial), bem como a luta pelo direito ao desfrute do ócio,
num contexto de reprodução do espaço urbano sob a lógica do mundo do trabalho e dos
circuitos de reprodução do capital. No contexto deste panorama que envolve diferentes
níveis e dimensões do urbano28, agentes hegemônicos e temporalidades diversas –
tempo sobre tempo – os espaços públicos se apresentam, desde os primórdios da
história das cidades, como lugar no qual os conflitos, resistências e resíduos relativos às
formas de sociabilidade se expressam como sinalizadores dos conteúdos socioespaciais
da esfera público-política.

Para além da análise acerca dos espaços públicos a partir do processo pelo qual foram
criados, ou ainda, acerca das políticas definidas para que sejam mantidos pela
municipalidade ou outra instância da gestão pública; para além das considerações acerca
de sua delimitação físico-territorial (e prerrogativas inscritas nos planos urbanísticos
para que sejam implantados, comumente restritos às áreas comuns exigidas pela
legislação de ordenamento territorial no processo de abertura de loteamentos), propõe-
se um caminho teórico e investigativo que situe o debate acerca das possibilidades do
direito à cidade a partir das múltiplas possibilidades de uso e apropriação efetivas destes
espaços. Aqui a esfera pública corresponde aos conteúdos socioespaciais que dão
sentido aos espaços públicos, e sem a qual a experiência da vida urbana não se realiza
de forma plena.

Numa sociedade constituída sobre os fundamentos das separações, materializados pelas


formas espaciais da segregação, das topologias hierárquicas, de uma topografia social
28
Lefebvre, 2004.
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ordenada segunda a lógica do mercado imobiliário, o espaço público ganha força


quando mais parece prestes a sucumbir. A raridade em meio à hegemonia dos espaços
privados (os condomínios fechados, as áreas comerciais e industriais vigiadas, as
grandes superfícies de comércio) confere aos espaços públicos uma potência de
transformação, latente e sempre prestes a instaurar nova consciência espacial através da
práxis, fundando outro entendimento acerca das formas de uso e apropriação do espaço.

Como inicialmente assinalado, compõe base teórica-conceitual deste artigo


contribuições de autores dedicados ao tema da urbanização sob a perspectiva do
pensamento de Henri Lefebvre, mais precisamente acerca de uma urbanização que se
realiza de forma crítica, no que se refere à compreensão da complexidade envolvida no
entendimento sobre a sociedade urbana, os níveis e dimensões do urbano e o devir. A
cidade enquanto obra, em contraponto à cidade como produto, sintetiza o diálogo a ser
aprofundado em relação às contribuições do autor em relação à temática dos espaços
públicos. Por sua vez, parte significativa da obra de Milton Santos, mais precisamente
quando direcionada ao entendimento sobre a realidade brasileira e latino-americana29,
também encontra lugar na proposição deste estudo, sobretudo quando se trata da relação
entre o lugar e o cotidiano, a contribuição acerca das contradições entre os espaços
luminosos e os espaços opacos, sendo este último o lócus de (sobre)vivência dos
denominados homens lentos30. Eis um campo aberto ao entendimento destas abordagens
teórico-conceituais já inscritas no âmbito da Geografia Urbana, fértil convite à melhor
compreensão do que se passa na esfera público-política, ou ainda sobre aspectos da
população e dos territórios produzidos pela prática socioespacial instaurada.

À abordagem apresentada por autores como Hannah Arendt31 e Jürgen Habermas32,


acerca do significado e essência do espaço público enquanto realização do político,
propõe-se o diálogo com a obra de Chantal Mouffe para quem o político está
relacionado à própria formação social, sendo aquele indissociável da noção de
conflito33. Por um lado, entende-se com Arendt que na esfera política reside a prática
consciente de sujeitos históricos, cientes de seu estar no mundo; é nela que a palavra
ganha centralidade, onde o ver e o ser visto, onde ter algo a dizer e a ser ouvido dá
sentido à existência e pertencimento social no mundo. Para a autora, o próprio mundo se
faz real a partir da experiência da vida pública e política, em relação às quais a história
da humanidade conheceu seus períodos sombrios, ditatoriais e de totalitarismos que
negam, justamente, a liberdade e a igualdade:

“O termo „público‟ denota dois fenômenos intimamente correlatos, mas não perfeitamente
idênticos. Significa, em primeiro lugar, que tudo o que vem a público pode ser visto e ouvido por
todos e tem a maior divulgação possível. (...) Em segundo lugar, o termo „público‟ significa o
próprio mundo, na medida em que é comum a todos nós e diferente do lugar que nos cabe dentro
dele. (...) A esfera pública, enquanto mundo comum reúne-nos na companhia uns dos outros e,
contudo evita que colidamos uns contra os outros, por assim dizer”34.

29
Santos, 1978, 1982.
30
Santos, 1996.
31
Arendt, 1981.
32
Habermas, 1984.
33
Mouffe, 2015
34
Arendt, 1981, p. 59-62.

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A situação de conflito, tão cara aos desvelamentos do que se passa na esfera público-
política se insere no âmago mesmo da formação social. No decurso da periodização
histórica que encerra a formação das cidades, são redefinidos os usos e os significados
dos espaços públicos, segundo as mudanças que ocorrem no modo como a sociedade os
concebem, percebem e deles usufrui. Tais transformações correspondem, direta ou
indiretamente, aos valores e ideários próprios dos grupos ou classes de poder em cada
período, firmando-se através de seus projetos e ações políticas. Sobre este aspecto,
expressivo é o período de transição do século XIX ao XX ao observar que os grupos
sociais hegemônicos projetaram nas principais cidades um ideário de espaço público
como símbolo de modernidade à imagem e semelhança do que encontravam no
urbanismo europeu.

O conceito de espaço público remete à instauração do (com)viver com a pluralidade,


com a diferença em meio ao diálogo entre os diversos atores, ou agentes, sociais que
produzem o espaço. Convite e desafio ao exercício do dissenso e da troca que não
perpasse pelo equivalente universal, qual seja, o peso do valor aprisionado na forma
mercadoria. Estratégia que tende a reduzir a riqueza que reside na gratuidade da
apropriação dos espaços para a vida em novos produtos, na imensa coleção de
mercadoria que é o mundo, na acepção do próprio Karl Marx35. A ênfase aqui recai
sobre o denominado tempo do lazer, na tríade lefebvriana para a vida cotidiana
enquanto tempo do trabalho, da família e do lazer36. Em linhas gerais, tal ênfase não
retira, nem relativiza, tampouco reduz, a importância dos espaços do habitar que, ainda
segundo Henri Lefebvre37, não deve se reduzir às formas arquitetônicas estéreis
reproduzidas pela indústria da construção civil, a exemplo dos grandes conjuntos
habitacionais destinados à façanha nunca atingida de equacionar o déficit habitacional.
Eis o habitat, nas palavras do próprio autor: a redução do sentido da casa, o espaço mais
elementar da sociabilidade primeira, à mera instância do reino das necessidades38.

Se, por um lado, a ênfase dada ao espaço do lazer na tríade apresentada por Henri
Lefebvre abre a possibilidade da abordagem acerca das práticas socioespaciais
realizadas, ou realizáveis, no denominado tempo do não-trabalho, não significa que a
análise se restrinja à experiência do conjunto de atividades definidas como lazer. Ao
contrário. O conceito de lazer reduz a potência do que se passa nestes espaços que se
firmam pelo uso e apropriação que não se limitam às práticas domesticadas pelos
ditames do uso do tempo perpassados por ideologias hegemônicas. Ou seja, não se
reduz à doutrinação imposta pelos padrões de consumo, a exemplo de todo o aparato de
vestimentas e acessórios da indústria do culto ao corpo perfeito, quase nunca atingido, e
por isto mesmo profundamente explorado como norteador de hábitos que, embora
possam resultar numa vida saudável, realizam-se de forma a deixar pouco espaço para o
espontâneo e o inusitado. Ainda que praças e parques, passeios públicos diversos,
calçadas e ruas (quando tomadas pelos transeuntes) possam ser capturados por tais
práticas domesticadas, é neles que reside a grande potência daquilo que ainda não foi
concebido e que pode aflorar nos interstícios do urbano, seja subvertendo seu ritmo,
sentido ou devir.

35
Marx, 1983.
36
Lefebvre, 2004.
37
Lefebvre, 2004.
38
Lefebvre, 2004.
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Espaços públicos-esfera pública em Sorocaba: a utopia possível

Numa cidade marcada pela ideologia do trabalho, a história recente de Sorocaba é


pautada por gestões públicas locais que fizeram valer os princípios do higienismo em
seus planos político-territoriais. Um conjunto de praças equipadas, ciclovias e parques
de dimensões diminutas em sua grande maioria (que também poderiam ser definidos
como praças equipadas) conferem à Sorocaba títulos que a autorizam a captar recursos
oriundos de instâncias superiores da gestão administrativa. Como exemplo, a cidade
ostenta título de Cidade Saudável, ou ainda de Cidade Educadora, embora apenas uma
parte da cidade se encontre esteticamente e socialmente vinculada aos preceitos de uma
cidade justa e equânime. Suas periferias, seus bairros pobres, encontram-se escondidos
em vertentes íngremes e fundos de vale, longe dos principais eixos viários que
estruturam a cidade como um todo. Ainda nestas localidades, apesar de toda a carência
de infraestrutura subjacente às práticas sociais, é possível encontrar espaços públicos,
ou espaços que os correspondam enquanto possibilidade de abrigar uma esfera pública.
Terrenos baldios, fragmentos não edificáveis no traçado viário dos loteamentos – uma
rotatória, um canteiro junto à calçada, um campo de várzea às margens de um córrego
ou ainda casa e quintais abertos ao uso público comunitário – a vida pulsa de forma
contraditória, angustiante e criativa. No universo das ausências e carências, o que existe
de espaço possível de apropriação para as práticas de sociabilidade é fortemente
potencializado e usado.

Das observações e incursões a campo na cidade de Sorocaba no contexto da realização


de pesquisa científica acerca do processo de valorização espacial e o direito à cidade, ou
ainda sobre o acirramento da segregação e a agenda reivindicatória visando uma cidade
mais justa, tem-se que os espaços públicos são detentores e depositários das práticas de
sociabilidade que retiram a sociedade local do padrão de vida subordinada ao consumo,
característica amplamente difundida com a denominada cultura do shopping center
difundida localmente.

Vale destacar que a cidade detém hoje cerca de uma dezena de shoppings, denotando
sua característica de polo regional de comércio e serviços. A sede da atual região
metropolitana situa a cidade de Sorocaba numa posição de destaque no contexto do
interior paulista, majoritariamente de caráter político-cultural conservador.

Se, por um lado, o caráter conservador marca parcela significativa da normatização dos
espaços públicos, vigiados por câmeras de segurança de caráter público e privado, por
outro lado, percebe-se uma complexa teia de agentes, ou atores, sociais que atuam de
forma colaborativa para ocupar e ampliar espaços democráticos e de essência plural nela
existentes. A seguir são apresentados alguns casos analisados na cidade de Sorocaba e
que denotam formas diversas de uso e apropriação de espaços públicos, seja no âmbito
da vida cotidiana, seja em momentos específicos de mobilização e participação social,
promovidos coletivamente.

Dentre as formas coletivas de organização e uso de espaços públicos, e que instaram


uma esfera público-política na cidade de Sorocaba, está o Fórum dos movimentos
sociais e sindicais de Sorocaba e região. Este fórum se destaca pela participação direta
da Universidade de São Carlos em seu campus Sorocaba, cuja chegada nesta cidade

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média do interior paulista no ano de 2006 foi impulsionadora de um conjunto de ações


de extensão universitária que impactaram, direta ou indiretamente, a dinâmica social da
cidade. Um marco importante deste referido fórum foi o evento denominado I Encontro
UFSCar – Movimentos Sindicais e Sociais da Região de Sorocaba, organizado
coletivamente em parceria com 40 organizações e movimentos da região:

“O I Encontro ocorreu em 1 e 2 de julho de 2011, na própria UFSCar de Sorocaba. Teve nove


mesas articuladas a partir de nove temas: Relações de Trabalho; Saúde; Educação; Meio
Ambiente; Cultura e Comunicação; Movimento Estudantil e Juventude; Diversidade e Igualdade
Social; Luta por Moradia e Questão Fundiária; Direitos Humanos e Assistência. O I Encontro
findou com uma plenária geral que produziu uma síntese e propostas de articulação entre os
movimentos e deles para com a UFSCar. Os três grandes objetivos do I Encontro eram: a reunião
da comunidade da UFSCar de Sorocaba com os movimentos e organizações sociais da região
que abriga tal comunidade; a rememoração da história desses movimentos e organizações; e a
viabilização de parcerias dos movimentos entre si e com a UFSCar”39.

O referido fórum manteve suas atividades com a articulação de uma rede de entidades
da sociedade civil, sindicatos e movimentos sociais diversos que, até o presente
momento, representa um espaço de comunicação, debate e ações de significativo
impacto na visibilidade das entidades envolvidas. De um primeiro momento de
articulação resultou o evento anteriormente citado, cujas atividades e contribuições
teóricas e relatos resultaram na publicação de um livro, disponibilizado gratuitamente
para acesso através da internet40. Utopia realizável no espaço público instaurado com a
chegada de uma universidade pública, que logo de início estabeleceu diálogo com a
comunidade externa, sobretudo através de ações fomentadas por sua Pró-Reitoria de
Extensão Universitária – Proex.

No contexto de uma cidade com características históricas significativamente


conservadoras em termos políticos e culturais, a articulação de agentes, ou atores,
sociais numa rede dialógica na escala da cidade, e em sua região de influência,
representou, desde o início, a realização concreta de uma possibilidade e um desejo
latente dos participantes: promover uma pauta de debates e mobilização pública visando
à construção de uma esfera de participação democrática que desenhou caminhos de
construção de políticas públicas. Em relação a isto, houve o desdobramento do referido
fórum em outros com questões específicas, a exemplo do Fórum Popular de Educação,
o Fórum Social de Sorocaba, ou ainda outros formatos de organização coletiva, a
exemplo da rede que reúne produtores rurais dos municípios vizinhos em feiras de
produtos agroecológicos em parques e praças de Sorocaba, ou ainda as diversas
iniciativas associativas, de caráter comunitário e independente, relacionadas ao universo
da cultura, como é o caso dos diversos coletivos de cultura, mostras de arte
independente, ou ainda projetos em torno de bibliotecas e centros culturais comunitários
criados pela própria sociedade civil.

Em todos os casos assinalados, observa-se a ampliação da esfera pública e de mudanças


significativas na dinâmica dos espaços públicos, onde estas ações ocorrem. Observa-se
que nem sempre os casos analisados se dão exclusivamente em espaços públicos
propriamente ditos. Mas, deve-se ressaltar que a esfera pública sempre se faz presente e
39
Groppo, 2012, 14.
40
Martins, 2012.

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em todos os casos, em algum momento, as ações transcorrem efetivamente em espaços


públicos, tais como praças, parques e ruas. Neste rico contexto tem lugar o dissenso, o
debate, inúmeros desafios para a continuidade e garantia de permanência destas práticas
no nível do cotidiano, ao mesmo tempo em que transformam os conteúdos
socioespaciais na escala da cidade, chegando a consolidar propostas de políticas
públicas que alcançam níveis mais gerais que reverberam na escala da região e para
além dela.

Vale ressaltar que as camadas sociais populares estão visceralmente presentes nos
espaços públicos, destacando-se as inúmeras estratégias de sobrevivência (espontâneas
ou institucionalizadas) que, ao menos em tese, proporcionam visibilidade às periferias,
suas gentes e sua problemática. Ainda sobre este assunto, a sociabilidade no nível da
vida cotidiana se apresenta menos impactada pelos circuitos de valorização espacial nos
espaços públicos urbanos não capturados pela globalização enquanto fábula41, podendo
reter importantes aspectos da esfera pública e política. Se, por um lado, o urbano
enquanto conceito se traduz pela simultaneidade, pelo encontro das diferenças, pela
possibilidade da novidade, sempre mais latente e presente nas sociedades urbanas com
níveis mais profundos de complexidade – com forte expressão em seus espaços públicos
– por outro, localiza-se no ritmo da vida cotidiana, não inserida na escala das
metrópoles, elementos para pensar a esfera pública e política, a partir dos elementos da
tríade lazer, família e trabalho42, seus agentes históricos, seus conflitos presentes e seu
devir.

Por ocasião do momento de formulação e aprovação do Plano Municipal de Educação,


um fórum popular se consolidou com amplo debate, reunindo professores da rede
municipal de ensino e demais instâncias (estadual e federal), bem como estudantes, pais
de alunos e população em geral, a exemplo de ativistas sociais, artistas, profissionais
liberais. Em plenárias abertas, foram debatidas as propostas a serem encaminhadas às
audiências públicas na Câmara Municipal. Diversos conflitos de interesse foram
observados e, embora boa parte das contribuições deste fórum popular tenha sido
negligenciada pelo poder público local, o fortalecimento dos segmentos populares
envolvidos foi a principal conquista, resultando no reconhecimento público de sua
importância no contexto de reivindicações que apontam para os princípios mais
elementares do direito à cidade.

No ano de 2015 aconteceu o Fórum Social de Sorocaba, de caráter organizacional


colaborativo, cujas atividades estiveram sediadas em diversos espaços da cidade, tais
como espaços culturais e praças públicas. O Fórum se caracterizou como importante
lócus de debate e proposição de ações referentes ao âmbito da cultura nesta cidade,
dando visibilidade à sinergia de atores sociais que atuam, direta ou indiretamente, no
dinamismo das práticas socioculturais, de forma plural e muito além dos projetos e
programas apresentados pela administração pública. Ou seja, muito do que acontece na
cidade em termos culturais é promovido pela própria população em seu segmento de
artistas com trabalho autoral e independente, com apoio de recursos obtidos com editais
públicos ou não.

41
Milton Santos, 2000.
42
Lefebvre, 1980.
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Outro aspecto relevante é a realidade regional marcada por um conjunto de cidades


pequenas, notadamente voltadas às atividades primárias que consolidam um verdadeiro
cinturão verde no entorno do Município de Sorocaba, do que resulta a constituição de
uma rede de produtores agrícolas que inserem no espaço urbano os produtos derivados
da agricultura orgânica. Para além da atividade produtiva, a rede de produtores
orgânicos instaura um espaço de debate, troca de saberes e de outra lógica possível em
relação ao consumo de alimentos mais saudáveis, na contramão dos segmentos
produtivos reféns da agroindústria, invariavelmente atrelada aos defensivos agrícolas.
Realizando-se no formato de pequenas feiras, esta rede vem se fazendo presente em
diversos espaços da cidade, a exemplo do Parque Natural Chico Mendes, que integra o
conjunto de parques públicos urbanos da cidade, em eventos diversos onde promovem
uma feira para expor e vender seus produtos, ou ainda no próprio campus da UFSCar,
onde alguns integrantes da referida rede participam de projetos de extensão e cursos de
formação.

A cidade apresenta ainda um histórico de existência dos denominados “coletivos de


cultura”, espaços concebidos e usados por jovens artistas, numa cidade que vai se
firmando como dual em termos de atividades ligadas à cultura. De um lado, o poder
público oferece uma agenda de eventos, notadamente em parques e espaços públicos
destinados à cultura, que aos poucos vem se tornando mais diversificada, sobretudo em
resposta às ações dos artistas locais junto ao Fórum Municipal de Cultura. De outro
lado, iniciativas de grupos de artistas instauram um roteiro diversificado de espaços nos
quais pulsa uma esfera pública que, mesmo quando não instalados em espaços
propriamente públicos, colaboram com seu fortalecimento a partir da atmosfera
dialógica e de visibilidade para a população e novos artistas, sejam estes músicos,
atores, ilustradores, dentre outros. É o caso de espaços como as sedes de coletivos de
cultura e espaços que dialogam diretamente com este universo tão diverso tais como:
Rasgada Coletiva; Ateliê Txai; Quintal Livre; Cantinho Girassol; Confraria dos
Alquimistas; Mofo de Ouro; Mi Casa; dentre outros. A seguir, apresentamos uma breve
caracterização de alguns deles.

Um dos mais antigos e atuantes coletivos de cultura de Sorocaba e região, o Rasgada


Coletiva se consolidou com uma história de realização de um diversificado espectro de
eventos, com artistas locais, nacionais e internacionais. Concebido por um grupo de
artistas, sobretudo ligados à música, produção cultural, ilustradores e educadores, este
coletivo cultural marcou sua história com a realização de um evento semanal
denominado Carne de Segunda, que teve vigência por cerca de cinco anos num mesmo
endereço: uma pequena casa defronte à linha férrea que corta a cidade. Os cômodos e
quintal da edificação, a rua pacata e o terreno não edificado às margens da ferrovia,
transformavam-se semanalmente num território de troca de ideias, mostra da arte autoral
e independente, numa atmosfera festiva e amistosa. O que poderia ser motivo de
conflito de vizinhança num bairro residencial popular (pelo afluxo considerável de
pessoas toda segunda-feira naquela localidade), contava com a aprovação dos
moradores vizinhos que se demonstravam solidários com a agenda de eventos. Com
trabalho em equipe, de caráter voluntário, os integrantes se organizavam nas atividades
diversas para que o evento transcorresse da melhor forma possível, dividindo-se entre
cuidados com a comunicação visual, aparelhagem de som para as apresentações de
músicos ao vivo, além de suporte para exposições, limpeza do ambiente e iluminação.

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Após alguns anos de existência, seus principais integrantes estabeleceram maior


aproximação com a gestão pública, especificamente em relação às secretarias de cultura
de Sorocaba e demais cidades, além de realização de projetos com recursos captados por
editais públicos, a exemplo da Lei de Incentivo à Cultura - Linc. De acordo com
reportagem publicada por ocasião da mudança de endereço da sede, o principal jornal
local reconheceu que este coletivo de cultura havia realizado mais eventos públicos do
que a própria prefeitura no período considerado. Após uma pausa de cerca de um
semestre, o coletivo instalado numa nova sede passou a realizar o evento numa praça
pública, com apoio governamental:

“Com apoio do Museu de Arte Contemporânea (Macs) e do Programa de Ação Cultural do


Governo do Estado de São Paulo (Proac), o evento contou com exposições, música e exibição de
curtas de animação (...). Realizado desde 2010, o Carne de Segunda já promoveu mais de 200
edições e volta a acontecer mensalmente, com entrada gratuita. "É muito bom fazer parte dessa
história, que fomenta a produção artística em Sorocaba e região", destacou a presidente do
Macs43, Cristina Delanhesi, em relação à parceria com Pêu Ribeiro, Henrique Ravelli e Rafael
Ferraz” 44.

Outro espaço que se destacou nesta esfera pública não governamental foi o espaço
denominado Quintal Livre. Concebido no contexto das manifestações públicas
ocorridas em junho de 2013 em torno do aumento da passagem de ônibus, e demais
reivindicações articuladas naquele momento. A casa localizada no centro antigo de
Sorocaba se caracterizou como espaço para encontros, exposições culturais, debates
diversos, sempre às quintas-feiras. Por ocasião de um ano de existência, a imprensa
local notificou:

“Com a intenção de resgatar o caráter político das ações culturais, o espaço cultural Quintal
Livre realiza sua edição especial de aniversário, em comemoração a um ano de atividades. Mais
do que algumas mudanças estéticas no local, esse novo ciclo marca também a intenção de
resgate do que os organizadores chamam de „espírito de junho do ano passado‟, quando abriram
as portas ao público, em meio às manifestações que ocorriam em diversos pontos do país” 45.

De acordo com um dos idealizadores do espaço, Juan Lomardo, professor de Geografia


e mestrando em Educação pela UFSCar Sorocaba,

“os espaços alternativos e coletivos têm que reforçar essa vertente mais politizada para além do
entretenimento. Ele ainda propõe uma relação ampla entre os coletivos culturais e os
movimentos sociais como já acontece no próprio Quintal, que tem parcerias com o grupo Garfos,
de alimentação orgânica, e o Veddas de vegetarianismo, exemplifica. „Uma questão complicada
é que muitas pessoas enxergam os espaços alternativos culturais como meramente voltados para
o entretenimento. Não que não sejam locais de diversão e entretenimento, também são, mas as
pessoas esquecem de quão politizadas podem ser as ações culturais, e da própria
responsabilidade dos indivíduos em politizar suas ações. Henri Lefebvre, filósofo francês, frisou
que o espaço urbano deve ser um local onde a festa sirva como uma ação revolucionária. Quando
se referia a isso, Lefebvre falava do espaço público e de como a cidade, as ruas, a praça pública
não são mais ocupadas pelo povo. Os coletivos, como espaços abertos ao público, têm esse

43
Museu de Arte Contemporânea de Sorocaba – Macs.
44
Negrão, 2015.
45
Fernandes, 2014.

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potencial de fomentar cultura, mas também de serem um espaço de politização, um pré-espaço


antes da ocupação das ruas, como aconteceu em junho do ano passado‟, defende” 46.

Assim como estes exemplos situam ações promovidas em espaços abertos à população
no contexto de ações culturais na cidade de Sorocaba, existe ainda outro conjunto de
exemplos de práticas socioculturais que se apropriam dos espaços públicos
propriamente ditos. Para uma cidade onde se multiplica o número de shopping centers e
empreendimentos privados destinados ao usufruto do tempo livre em meio aos apelos
do consumo, as iniciativas a seguir citadas colaboram para instaurar a possibilidade de
outra lógica de uso do tempo e produção do espaço. Aquilo que não encontra lugar nos
interstícios da lógica capitalista que incide sobre o nível do cotidiano, moldando-o
segundo determinados padrões de comportamento, encontra formas inusitadas de
realização das possibilidades sempre latentes da apropriação dos espaços para a vida.
Utopia realizável.

Destaca-se deste contexto alguns casos que vem sendo analisados no escopo das
pesquisas que estão na base deste artigo. A primeira delas diz respeito às grandes
manifestações contra o aumento da tarifa de ônibus, sobretudo em junho de 2013 que
conferiu à cidade formas ampliadas de uso e ocupação dos espaços públicos como há
muito tempo não se via na cidade. Foram consideradas pela imprensa e poder público
local como a mais expressiva forma de manifestação pública que a cidade presenciou na
sua história recente. Para além das manifestações públicas de caráter político-
reivindicatório, os eventos incluíam atividades de debate, apresentações artísticas que
promoveram o encontro e a apropriação dos espaços públicos da cidade.

De forma mais específica, é possível citar alguns projetos artísticos que convidam o
cidadão comum, citadino, a interagir de forma diferente com os espaços públicos
urbanos. Um caso emblemático corresponde ao conjunto de intervenções artísticas do
projeto “Como o tempo, como o amor” realizado por artistas do Coletivo Cê de Teatro,
realizadas em praças e Terminais de ônibus urbanos, com performances que
convidavam a questionar o automatismo dos citadinos em seus percursos cotidianos na
cidade:

“A gente entende que a performance é uma forma miúda de despertar questionamentos do


automatismo desses espaços transitórios. Por que é estranho andar em câmera lenta ou atravessar
a faixa de pedestre com um braço erguido? Por que não? Questiona a atriz Mariana Rossi”47.

No contexto do público juvenil, destaca-se ainda o evento denominado de Musicada, o


qual reúne artistas independentes em praças e parques da cidade, com exposição de
trabalhos autorais de diferentes linguagens (música, literatura, artes plásticas, teatro,
dentre outras modalidades) como alternativa e complementar à programação cultural
oficial da Prefeitura. O evento marcou positivamente o uso e apropriação do Parque
Maestro Nilson Lombardi, também conhecido como Parque Ipiranga, situado na
periferia da zona oeste da cidade, localidade marcada por escassez de atividades
culturais e problemas sociais diversos:

46
Fernandes, 2014.
47
Shikama, 2015a.

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“Desde o início, o público do festival, que ocorre duas vezes por ano - sempre no período de
férias escolares - tem crescido de forma exponencial. No evento criado no Facebook, a edição
deste domingo havia recebido a confirmação de 1.400 pessoas. „Essa é a primeira vez que o
festival será plugado. Todas as outras, então menores, era no formato acústico‟, detalha Oliveira,
ressaltando que a parceria estabelecida com a Prefeitura de Sorocaba, por meio da Secretaria de
Cultura (Secult), consiste apenas na cessão de uso da praça e o fornecimento de um ponto de
luz”48.

É possível ainda citar, como registro histórico, a intervenção artística denominada


Guerrilha Gerador, na qual músicos levavam para determinado espaço público, sem
prévia divulgação ou autorização do poder público, um gerador móvel de energia para
ligar seus instrumentos e realizar apresentações gratuitas, invariavelmente causando
surpresa e questionamentos sobre as formas de uso e ocupação de espaços públicos
ociosos, tanto por parte da população quanto da própria gestão pública.

Podemos apontar também o evento itinerante Encontros Poéticos que já passa da XV


edição, organizada por poetas de diversas idades e cidades, que se reúnem em praças da
cidade de Sorocaba para declamar poesias junto à população local.

Estes são apenas alguns exemplos num contexto que vem se diversificando no nível da
vida cotidiana, a partir de formas populares de uso e apropriação dos espaços públicos
da cidade, confrontando a lógica do lazer confinado nos diversos shoppings nela
existentes. Importante ressaltar que todos os eventos citados são organizados de forma
colaborativa e gratuita, com significativa participação popular, independente de apoio
da Prefeitura ou outra instância do poder público, ou entidades da sociedade civil
organizada.

Considerações Finais

A esfera público-política pode ser observada a partir das sucessivas formas de uso e
apropriação dos espaços públicos. Contraditoriamente, estes espaços podem apresentar
diferentes níveis de profundidade em relação aos conteúdos da sociabilidade própria da
experiência de participação democrática e cidadã.

Se, por um lado, os projetos, políticas e planos, acompanhados por legislação


correspondente, tendem majoritariamente à reformulação dos espaços públicos,
inserindo-os nos circuitos de valorização espacial (garantindo que se reproduzam
enquanto espaços luminosos, segundo Milton Santos)49, por outro lado promovem
perdas das experiências de proximidade no nível do cotidiano, uma vez que o capital
tende a transformar e homogeneizar as relações sociais mediadas sistematicamente pelas
trocas.

Neste contexto, é da maior importância atentar para que as agendas políticas sejam cada
vez mais articuladas de forma ampla, multi-escalar, integrada e compartilhada com os
diversos setores sociais, na elaboração e execução de seus planos e planejamentos
específicos: habitação, transporte, cultura, saúde, educação, dentre outros. Caracteriza-

48 Shikama, 2015b.
49
Santos, 1996.

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se assim, na atualidade, um desafio e uma necessidade a articulação entre municípios (a


exemplo dos consórcios intermunicipais, dos comitês de gestão de recursos hídricos,
dos fóruns temáticos regionais, dentre outros) e destes com as demais esferas da gestão
pública e segmentos da sociedade civil para que o alcance efetivo dos princípios
norteadores do direito à cidade.

No contexto analisado, observou-se, sobretudo, que as formas de uso e apropriação de


espaços públicos, bem como de criação de espaços de desenvolvimento da esfera
pública, têm uma relação estreita com as questões políticas que extrapolam um
determinado segmento específico, seja ele da cultura, da educação ou da geração de
renda. Inúmeros eventos e a mobilização social em geral imprimem à cidade uma
atmosfera que reivindica melhor qualidade de vida, ligadas às condições de
acessibilidade, qualidade dos serviços públicos, a exemplo das praças e parques que são
amplamente usados pela população.

Conforme as cidades se tornam mais complexas, maior é a demanda pelo conjunto de


elementos que estão na base de uma gestão democrática que corresponda, de modo
proporcional direto, a um maior nível de participação cidadã, condição essencial para a
consolidação dos sentidos do direito à cidade.

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