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De Architectura Libri Decem, Marco Vitrúvio

Roma, grande herdeira da sociedade grega, tida como capital do mundo ocidental antigo, foi responsável
pelo desenvolvimento de técnicas e obras de escala local e regional, de suma importância para o progresso da
arquitetura e da humanidade a partir da antiguidade. Nesse período, a ausência de tratados que sistematizassem a
prática e teoria arquitetônica levou o arquiteto romano Vitrúvio a elaborar um conteúdo, para o então Imperador
Augusto, que mais tarde torna-se fundamental para o resgate renascentista por tratar-se do único compêndio clássico
conhecido até os dias atuais. O De Architectura, escrito no século I a.C., estruturou-se em dez livros, onde se buscou
traçar fundamentos gerais da arquitetura, tratar da formação e do papel do arquiteto e fortalecer o diálogo entre as
características da arquitetura romana e grega.

Um dos primeiros temas debatidos por Vitrúvio em sua obra remete à educação do arquiteto,
estabelecendo, de início, a relevância de ambas partes práticas e teóricas em sua formação. Assim, amplia os
horizontes do saber do profissional de arquitetura, julgando fundamental seu contato com literatura, história, música,
filosofia, direito e demais conhecimentos, como forma de garantir maior independência intelectual, mas com clara
intenção de reforçar a relevância do domínio parcial dessas áreas sob a ótica do que julga necessário à arquitetura.

A partir daí, caracterizar a arquitetura a partir de seis principais elementos torna-se foco, como forma de
construir um raciocino que o leve a estabelecer que partes constituem a arquitetura. A ordenação, a disposição, o
ritmo e a simetria levariam a compreensão da necessidade de proporção dos elementos, de sua distribuição,
equilíbrio e integração adequados e de que leitura seria passada aos usuários a partir disso. O decoro, então,
estabeleceria a apropriação ao uso ao caráter do edifício e a economia, a adequação da obra ao meio legal e
financeiro no qual está inserida. Só então, torna-se possível colocar Firmitas, Utilitas e Venustas como partes
essenciais do fazer arquitetônico, que expressam, respectivamente, a solidez do conjunto permitida pela sua lógica
estrutural e concepção tectônica, a funcionalidade expressa pela adequação do conjunto ao seu uso e contexto, e a
beleza, fruto de uma concepção equilibrada, integrada e expressiva de seu caráter.

Outras importantes questões trazidas pelo tratado envolvem a origem da arquitetura e sua relação com a
natureza humana, remontando ao homem primitivo, a descoberta do fogo e a necessidade de gerar abrigo,
envolvendo, também, um debate acerca dos tipos de materiais, de sua natureza e sua relação com o homem. A partir
daí, a questão da simetria e proporcionalidade pode ser retomada, mostrando que a evolução da arte edificatória
tende a acompanhar a natureza do corpo humano a partir de uma série de relações identificadas desde a concepção
da matemática até os módulos de proporção a utilizadas nas fachadas. Isso possui rebatimento, inclusive nas ordens
clássicas, que começam a ser concebidas como representações antropomórficas do corpo humano, e passam a
representar, a partir dos aspectos que as distinguem, diferentes características humanas.

O trabalho de Vitrúvio é considerado um dos mais importantes para construção da compreensão do fazer
arquitetônico enquanto prática e teoria. Sua contribuição, apesar de criticada por Alberti, foi essencial para o
desenvolvimento da arte e arquitetura do período renascentista, para a análise do aprendizado construído pelas
sociedades clássicas e para estruturação de outros diversos momentos pelos quais a arquitetura passou. Ao
estabelecer quais as partes que constituem a arte edificatória, Vitrúvio pode esclarecer com clareza o papel do
arquiteto, explicitando a razão de sua obra ainda ser tão fundamental no ensino e na prática atual.

De Re Aedificatória, Leon Battista Alberti


As contribuições teóricas feitas por Leon Battista Alberti em seu tratado “De Re Aedificatória’” são
essenciais para o desenvolvimento das noções de arquitetura a partir do período renascentista. O primeiro livro
impresso de arquitetura, retomou questões tratadas por Vitrúvio durante a antiguidade clássica permitindo enriquecer
o debate acerca das características da arte edificatória, da relevância da beleza na concepção de cidades e edifícios
e do mutante papel do arquiteto. O vasto conhecimento de Alberti sobre a antiguidade foi um dos principais
elementos conectores de sua visão de arquitetura, permitindo, constantemente, utilizar de obras, personagens e
contos desse período, como objetos de comprovação de sua teoria. Teoria, esta, construída sob uma imagem de
arquiteto muito mais ampla, extrapolando o aspecto construtivo que até então fortalecia a prática profissional,
abordando o processo de elaboração do projeto de maneira muito mais abstrata e conceptiva e permitindo expressar
a capacidade do intelecto e a engenhosidade humana de reinterpretar a natureza para o esplendor de uma
sociedade. Assim, seu tratado se estrutura de maneira muito mais complexa que a obra vitruviana, expondo em dez
livros um tratado revolucionário, onde há, pelo próprio ordenamento, um destaque às noções de beleza na
arquitetura.

I – Delineamento II – Materiais III – Construção IV - Edifícios para fins universais V - Edifícios para fins
particulares VI – Ornamento VII - Ornamento de edifícios sagrados VIII - Ornamento de edifício públicos profanos IX -
Ornamento de edifícios privados X – Restauro de obras

Para Alberti, a arquitetura constitui-se, essencialmente, de delineamento e construção. Ou seja, a arte


edificatória é ao mesmo tempo o processo de concepção de um projeto e a edificação de uma forma e uma função
materiais. Isso significa, que não mais a obra prevalecerá sobre a lógica do ambiente construído como funcionou
durante toda a idade média, a partir de agora o desenho do projeto torna-se protagonista e com isso as tarefas da
arquitetura começam a se consolidar de maneira mais clara, sob seis principais aspectos, como defendido pelo autor:
região, área, compartimentação, parede, coberta e abertura. Essas partes, permitem amplificar o campo de atuação
do arquiteto a medida que passam a ser levadas em consideração o estudo do clima, do relevo e de outros diversos
aspectos ambientais para conformação do habitat humano. Isso se expande e permite estudar regiões, delimitar os
espaços edificantes e a partir disso a compartimentação desses espaços enquanto cidade e enquanto edifícios.
Talvez, essa compartimentação seja um dos mais importantes aspectos explorados pelo delineamento por
compreender a relevância das funções e proporções entre as partes sem torna-las algo fragmentado e desconexo.

A beleza, questão tida como substancial por Alberti, é vista pelo autor como a relação harmônica e
proporcional que permeia a função e a estruturação dos compartimentos, de modo à tornar-se desnecessária
qualquer alteração na obra. Algo inato, próprio de um conjunto concebido a partir das noções traçadas pelo
delineamento, capazes de gerar admiração e reconhecimento e que, por isso, acarretam num forte compromisso com
uma compartimentação bem delimitada e disposta, compromissada com a necessidade a comodidade. Enquanto que
o ornamento, por sua vez, é tido como algo de natureza essencialmente artificial, que não flui de um conjunto
integrado e portanto é descontinuo em relação a natureza humana.

Ainda são tratadas, em sua obra, questões relativas à viabilidade financeira e construtiva de projetos de
arquitetura, inserindo, nesse momento, a maquete de estudo como um dos principais elementos conceptivos
detentores da possibilidade de modificação concreta. E a partir daí, reforça a importância do tempo, do contexto, das
técnicas e dos materiais como formas de aproximar a prática construtiva da concepção arquitetônica. Tudo isso,
permeia a teoria de Vitrúvio, transpassando a necessidade de solidez, utilidade e beleza, desde a colocação do sítio
até à disposição dos elementos estruturantes do ambiente construído, sem deixar de lado a proporção orientada pela
natureza do corpo humano.

Alberti foi essencial não só para o desenvolvimento das noções de arquitetura renascentista, mas para o
exercício conceptivo do arquiteto como um todo. Suas contribuições refletem no ensino e na prática atuais de
maneira intensa e estabelecem um importante paralelo entre a construção e a idealização tanto na escala urbana
como arquitetônica. Seu resgate à Vitrúvio é fundamentalmente crítico, buscando preencher lacunas deixadas pelo
romano sem deixar de lado as bases de sua teorização, o que exprime um importante progresso tanto para
valorização da produção clássica tanto para sistematização dos saberes até então desenvolvidos.

Sebatiano Serlio e Andrea Palladio

No Cinquecento Italiano, ainda durante o período renascentista, o resgate da cultura grega foi reforçado
pela grande bagagem de informações erguidas acerca da antiguidade clássica e pelo desenvolvimento de técnicas
de impressão que permitiram maior difusão dos saberes relativos a arquitetura a partir do aperfeiçoamento de
métodos de desenho. O resgate da obra vitruviana ganhou ainda mais força e passou a guiar uma visão pautada,
sobretudo, em modelos, ordens e tipologias, favorecendo, à medida que colocou no centro a valorização dos estilos,
a fragmentação da visão integrada de arquitetura e cidade instituída por Alberti. Sebastiano Serlio e Andrea Palladio
são dois importantes nomes desse momento, sendo responsáveis pelos mais famosos tratados da arquitetura do final
da era renascentista.

Sebastiano Serlio, um dos poucos renascentistas italianos a terem contato com a cultura francesa, foi um
arquiteto muito importante para uma organização mais operativa dos saberes até então erguidos. Regole Denerali
d'Architettura, e seus nove livros foram conteúdos essenciais para a prática dos arquitetos e construtores da época,
sendo sua estrutura muito semelhante a trabalhada por Alberti em De Re Aedificatória.

O tratado elaborado pelo italiano sistematizou noções fundamentais de desenho e geometria, com um
conteúdo repleto de ilustrações e exemplos reais. Também ofereceu informações essenciais sobre os edifícios
clássicos como o Phanteon, abordando conjuntamente, de maneira bastante técnica, as cinco ordens, definindo-as
através de regras de proporção e dimensão relativamente rígidas. Ainda debateu as tipologias religiosas,
habitacionais, extraordinárias e os acampamentos militares, sempre mantendo-se preocupado em ilustrar bem o
conteúdo analisado como forma de tornar as informações mais aplicáveis, explicitando a qualidade didática que
caracteriza sua obra.

Andrea Palladio, talvez o maior nome da arquitetura renascentista, fez proveito da efervescência do ápice
econômico veneziano como meio para pôr em prática sua visão característica de arquitetura, pautada, sobretudo nas
tipologias públicas, religiosas e privadas, sendo esta última seu principal nicho de atuação, por meio das villas e
palácios. Inicialmente, seu conhecimento clássico guiou seus estudos, focando-se no levantamento de informações e
desenhos de diversas obras gregas, servindo como verdadeiras leituras da prática antiga. Essa relação, no entanto,
expressava claramente sua intenção de reformular essa arquitetura como forma de restituir seu contexto atual com a
beleza e a lógica de seus antepassados.

Seu tratado, Quattro Libri dell’Architettura, portanto, buscou sistematizar todo o conhecimento por ele
adquirido através de seus estudos sobre antiguidade e de sua prática profissional, dividindo em quatro livros,
respectivamente, i - as definições gerais da arquitetura, envolvendo seu vocabulário formal, as cinco ordens, os
materiais e os elementos estruturais, ii - a sua prática na elaboração de projetos privados, em villas rurais e palácios
urbanos, com forte enfoque na ilustração desses edifícios, iii - sua atuação em conjuntos públicos e religiosos, e sua
engenharia expressa por meio de pontes, estradas e praças, e iv - a discrição das principais obras da antiguidade
clássicas, também com importante enfoque para desenhos essenciais à compreensão e análise dos mesmos.

A possibilidade da ilustração como protagonista, explorada por ambos arquitetos, bem como a inclusão de
suas próprias obras como fonte de análise e exemplificação no tratado palladiano, foram, essencialmente, as
principais razões pelas quais ambos tratados se tornaram essenciais para o desenvolvimento da arquitetura. Tão
relevante se fez, que atualmente, é intrínseco à profissão do arquiteto a exploração dos desenhos como forma de
expressão fundamental das intenções e ideais de uma análise ou projeto. Além disso, a trajetória que antecede o
fazer arquitetônico de um profissional, também, nos é vista, hoje, como essencial para construção de uma lógica
produtiva crítica e coesa, explicitando a forte influência de ambos tratados na construção do saber e do fazer
arquitetura como um todo.

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