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Arquitetura, arte do tempo


Sidney Tamai1

Resumo
tão da perspectiva e o espaço e tempo lineares da
A Arquitetura Moderna trabalhou o espaço modernidade; o segundo “Para uma arquitetura do
como eixo, o tempo foi secundário e linear. Espa- tempo, uma fotografia do tempo” de 2014 - AEAULP;
ço distinto e mudo. A desmaterialização da cultura o terceiro é “O intervalo da Invenção: a duração
atravessada pelo digital trouxe forte signagem e a como potência e singularidade nas artes enquanto
temporalidade como duração. A arquitetura e cida- Recombinantes Arquitetônicos” apresentado no #14.
de convivem e se estruturam hoje como realidades Art; o quarto é “Potencia signica na passagem dissi-
hibridas virtual/atual. Novas estratégias são neces- métrica entre artes” apresentado no #10.Art.
sárias para alçar esses novos arranjos temporais/ O artigo pretende abordar a questão dos tem-
espaciais, mais performáticos e interativos como pos e temporalidades envolvidos na arquitetura,
os conceitos de duração em H. Bergson, ao propor apenas procurando traçar uma passagem comum
entrar direto no objeto sem separação da coisa e o onde o tempo, de linear quantificável, presente na
tempo que a coisa contém; aliado ao conceito de arquitetura moderna, transita para outros entendi-
expectação de M. Lissovsky que permite ler o tempo mentos mais qualitativos como o conceito de tempo
pelo tempo (expectar) e não pelo espaço (perspec- enquanto duração, que o torna mais protagonista
tivar), expectar como ficar em expectativa, ou seja e as implicações e consequências primeiras nas
esperar para que os aspectos apareçam para que articulações dos eventos temporais/espaciais na
aja uma presença, em vez de enquadrar o espaço, a arquitetura contemporânea.
forma, a partir de um ponto de vista, fixando tempo
e espaço linearmente. Portanto uma arquitetura que A Perspectiva como prisão do Tempo e
ordena movimento e duração, dando forma física ao repercussões na Arquitetura Moderna.
tempo e integrada ao contemporâneo ecossistema
do digital/virtual com programação e parametria. Se vejo creio. Se vejo é verdade. Ver é igual
a crer. Esse olhar que é elevado a razão distinti-
Palavras-chave va entre o verdadeiro e o falso foi nos dado pela
perspectiva monocular e linear da renascença. Olhar
arte, arquitetura, tempo, duração, digital organizado dentro de uma lógica espacial, da sepa-
ração e afirmação do sujeito da perspectiva. De um
Esse artigo é sobre a questão recorrente nas lugar único que se olha, por onde passa a lógica das
minhas abordagens que é o tempo e fruto da con- distâncias e da escala, da temporalidade linear e da
vergência de quatro trabalhos, como eixo. Primeiro é ideia da verdade.
parte inédita do doutorado “A transmissão da arqui- Na Arquitetura Moderna o foco é o sentido da
tetura como campo expandido:invenção e singulari- visão, que objetiva destruir a ordem da perspectiva
dade”, apresentado na FauUsp, que aborda a ques- linear Renascentista e o seu caráter de representa-

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ção espacial. Então se faz necessário esclarecer o belece uma conexão narrativa, de uma mobilidade
sentido visual na perscetiva e suas diversas impli- ficcional, onde o observador está fixado a um ponto
cações. de vista.
O sentido visual cria espaços e tempos unifor- A invenção da Perspectiva trás um espaço do
mes, descontínuos e conectados pela estrutura da olhar, cuja ênfase é dada pelo olhar racionalizado e
perspectiva (McLUHAN: 1966 pg 255). É afirmativo estruturado, que unifica os objetos no campo visual,
e não relacional como o tato e a audição. Dessa e que de certa forma não considera a emergência
maneira a perspectiva processa-se então de forma e participação dos outros sentidos na composição
linear, descontínua e fragmentária. É linear, pois há desse espaço. (figura 1)
uma ordem hierárquica onde cada objeto ocupa um Nessa visualidade perspectivada, onde o sujeito
lugar sucessivo e dimensionalmente lógico no es- é o centro focal da cena espacial, acaba por acen-
paço. É descontínua, sendo apenas aparentemente tuar a separação entre sujeito e objeto. Há centrali-
contínua, pois seus planos são conexões garantidas zação da consciência e o objeto é entendido como
por uma lógica, com regras fixas para a represen- fora do sujeito, como sendo objeto (como caixa em
tação dos espaços. O sentido visual é fragmentário oposição a um subjecto) e consequentemente como
porque olhamos e percebemos sempre pequenas espaço.
partes do mundo a nossa volta, através da alteração
da posição do rosto, do corpo, do campo de visão
e do foco constantemente. A parte compõe o todo.
O que a perspectiva faz é unificar esse campo es-
paço-temporal. Como contraponto, é a emergência
da pintura moderna e do Cubismo, especialmente,
que virá recuperar o olhar múltiplo e fragmentado e
instantâneo. Figura 1: Woodcut from Albrecht Dürer’s Underweysung
A perspectiva propõe a relação entre as coisas der Messung, 2nd edition (Nuremberg, 1538).
no espaço, estabelecendo contextos. É um processo
de construção mental e de representação das coisas Por se tratar de uma forma idealizada do obje-
através de sua estrutura de construção do espaço. to na arquitetura, a visão perspectivada articula os
Pretende simular em duas dimensões uma tridimen- elementos no espaço dando-lhes um caráter de uni-
sionalidade incorporando um ponto de fuga unifica- dade, propõe a generalização, a universalização e a
dor e direcionador do fluxo de tempo. A perspectiva conseqüente abstração desses elementos. O tempo
racional incorpora o tempo na arquitetura através está preso ao total do evento, ao método de observa-
do ponto de vista sucessivo, valorizando a Profundi- ção e não as diferenças individuais. Essa alienação
dade. E é através do olhar Renascentista, enfático e separa o homem dos fenômenos.
racional, que se organiza claramente uma arquitetura Os espaços arquitetônicos, generalizados e
perspectivável de espaços em profundidade, man- universalizados, que ocorrem dessa estrutura espa-
tidos logicamente pela estrutura do deslocamento ço-temporal comportam-se como objetos ordenados.
linear, onde através do ponto de fuga tende-se ao Nessa leitura que trata o espaço como lógico e unifi-
infinito. Através da linearidade representativa esta- cado, se consegue supor uma dimensão nos objetos

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e a distância entre estes, para poder estabelecer des humanas são formalizadas arquitetonicamente
relações de qualidades dimensionais e de quantifi- a partir dessas regras do olhar e tendo como base
cação proporcional. espacial esses poliedros básicos de geometria sim-
Nessa cultura clássica do olhar de estrutura ples, isto é monovolumétricos, isomórficos e de tem-
linear e descontínua o que vale são as relações a poralidade monocrônica.
partir do olhar perspectivado, que são: a simetria, a Junto a esse olhar, proposto pelas derivações
proporção e a consonância. Quanto a descontínua, dos objetos platônicos, e ao espaço perspectivado
me refiro a variações sensíveis de grandezas dife- que constrói uma estética, vem os instrumentos his-
renciadas, mas obliterada pela perspectiva. Simetria tóricos de sua realização: esquadros, régua paralela,
como harmonia a partir de proporções regulares e compassos e tecnígrafo. Instrumentos capazes de
também como correspondência entre grandezas, for- gerar o léxico dessa linguagem: formas fechadas,
ma e posição relativa de partes que estão em lados volumetrias paralelas, simétricas, consonâncias e
opostos ou por eixo linear ou eixo central. Proporção proporções diretamente dirigidas por esse olhar.
como relação entre quantidades de elementos, por Agora, então podemos dizer que a perspectiva
comparação entre coisas ou ainda que tenha certa trouxe para a Arquitetura foi a simetria, a proporção,
disposição regular. Consonância como conformida- a consonância, linearidade forma-função, geometria
de, harmonia, acordo e rima. Interessante observar elementar e esquemas geométricos, encerramento
como os elementos da perspectiva carrega para a do volume (interno e externo), paralelismo, isotropia,
arquitetura a ideia de um Elenco dualista na constru- formalismo normativo via tipo e modelo, justaposição
ção da linguagem arquitetônica. simples com o empilhamento dos volumes, subordi-
Dentre os objetos platônicos, exclusivos, fe- nação e articulação das atividades e funções huma-
chados neles mesmos, axiais, distantes e não ex- nas aos elementos de hierarquização desse olhar
perimentais, o que mais facilmente se resolve na (figura 2). Mudar a arquitetura é mudar a forma de
perspectiva é o cubo e a derivação cúbica através olhar e projetar espaços e tempos.
das ortogonais. O resultado disso é que as ativida-

Figura 2: Palácio Farnese - Roma - Séc XVI Bramante/Michelangelo - Unidade de Habitação -Le Corbusier - 1947/50.

A linearidade da arquitetura racional funcionalis- da sucessividade contra o eixo da simultaneidade.


ta é o reconhecimento da sobrevalorização do eixo No eixo de simultaneidade está o Espaço e no Eixo

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das sucessões onde está o tempo. No eixo de simul- nicos. Essa escolha implica ainda em baixo nível de
taneidade está “a relação entre coisas coexistentes, articulação dos elementos, na ausência de assime-
de onde toda intervenção do tempo se exclui” No eixo tria, curvas, mudanças bruscas de linha e direção,
das sucessões “sobre o qual não se pode considerar semi-formas e ângulos não ortogonais.
mais que uma coisa por vez, mas onde estão situadas Na virada do século XX ocorre o espaço tran-
todas as coisas do primeiro eixo com suas respectivas sitável, espaço vazado entre um dentro e um fora e
transformações” (SAUSSURE: 1977, pg 95) O eixo se inicia com a perspectiva colocada em crise, pelas
da Simultaneidade está ligado a Sincronia e o eixo artes e ciência, em uma revolução óptica na forma
das Sucessões (linearidade) está ligado a Diacronia. de ver. Início do fim da monocularidade e de um
A Sincronia cuida do aspecto estático, das relações único ponto de vista (Cubismo). Isso permitiu ver e
entre elementos simultâneos e vem somente compro- estabelecer relações entre volumes no espaço sem
var o estado das coisas. A Diacronia diz respeito as a intervenção unificadora, organizadora e hierarqui-
evoluções ou sucessões das coisas, e trabalha na zada do espaço perspectivado e gerar espaços in-
direção da substituição de um elemento por outro no terpenetráveis e de fruições temporais diferenciadas.
tempo (SAUSSURE: 1977, pg 107) Esses artistas afastam-se das ilusões ópticas da
O tempo pode ser isomórfico, homogêneo, pou- perspectiva, preocupam-se com a concepção e não
co informativo e ligado a uma causa continua, com- com a imitação onde o olhar perspectivado deforma
portando-se como linear. É a sucessão dos eventos, a qualidade da forma concebida. Essa atitude é tão
uma coisa de cada vez. Pode também não ser linear, importante que Braque escreve em sua “Declaração”
ser intenso, descontínuo e plástico como no Cubis- de 1908 “Os sentidos deformam, a mente forma”.
mo. A linearidade atua como uma diacronia. A dia- (CHIPP: 2005, pg 265)
cronia descreve a evolução desses estados, dessas O olho óptico e biológico por onde se olha a
situações. Para melhor exemplificar essa questão, Arquitetura Moderna privilegia o movimento, o ge-
a perspectiva panorâmica é linear porque é focada nérico, e as transições de claro/escuro, que se
de um só ponto (antropocêntrica) (Saussure), já a encontram na perspectiva linear. Privilegia em geral
pintura Cubista é não linear porque propõe a simul- as superfícies lisas, reflexos, eixo direcional e as
taneidade e a assincronia dos pontos de vista. Uma continuidades. Do ponto de vista ótico, essas qua-
arquitetura linear segue a primeira orientação. lidades são percebidos pelo olhar periférico e não
Para Villém Flusser quanto maior for a transpa- pelo centro do olho, pela mácula, que se presta a um
rência de uma técnica ou de uma linguagem, maior olhar mais tátil, mais preciso, de definição de formas
será a dificuldade nos procedimentos técnicos e no espaço.
maior a diversidade e complexidade nos resultados. Essas atitudes descritas e de que forma ocor-
(FLUSSER: 1995, pg 37). E como já vimos, a Pers- rem apontam para uma contradição. As sintaxes da
pectiva, para ser bem executada e com relativa facili- arquitetura Moderna são para serem vistas de forma
dade deve compor-se de volumes simétricos, geome- perspectivada embora afirmem o contrário. O reco-
tria elementar, formas fechadas, paralelos e cúbicos. nhecimento do topos, da diversidade, das qualida-
Essa atitude de escolha das formas simples, marca des de cores e formas, de detalhes, da sobreposição
uma escolha tipológica de resultados, uma opção, e justaposição de múltiplas visões, é um outro olhar
no sentido de universalização dos espaços arquitetô-

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de contacto e de sensação tátil mais próximo ao do artigo, a leitura posterior de Krauss e Morris so-
olhar Cubista. bre Rodin e o campo estendido irão modificar esses
Resumindo a arquitetura moderna afirma estar princípios.)
trabalhando o espaço próximo a estrutura cubista Desse conjunto acima abordado, conclusões
com múltiplos pontos de vistas, mas utiliza de uma parciais podem ser apresentadas: É inegável o avan-
estrutura em que reafirma, na própria dimensão ópti- ço na leitura temporal do trajeto e este funcional-
ca do olhar a predominância do espaço perspectiva- mente delineando formas espaciais mais dinâmicas,
do. Essa atitude nos leva a pensar na Paralaxe, como mas a quebra da leitura e da constituição do espaço
dissemos, em vez de um espaço-tempo Einsteniano como um continuum linear não foi resolvido no proje-
que passa pelo olhar Cubista. to do Moderno. Os espaços são acessados de forma
São então essas as questões até agora apre- mais diacrônica e lineares em vez de simultâneos. O
sentadas, que mantém o espaço perspectivado: espaço é potencialmente mais inventivo e o tempo
Primeiro: são os volumes e suas variações de mais simbólico, mais lógico, contínuo, homogêneo e
escalas ortogonalmente distribuídos, mantendo hipotatico. Resumindo, o trajeto moderno é linear e
a ordem racional e linear da perspectiva com 1, 2 narrativo porque preserva a hierarquia das funções,
ou 3 pontos de fuga e também as axonométricas estrutura em forma arbórea, com sucessividade do
paralelas, como por exemplo a isométrica. Há uma deslocamento indo do principal para o secundário.
desconstrução do volume, mas ele permanece ali No projeto Moderno, é na sua intenção o nas-
como entidade, organizado a partir da visualidade. cimento de novas temporalidades derivadas dos
Organizado como uma leitura linear e sucessiva das espaços planos e do deslocamento do sujeito de
relações função e forma. seu eixo antropométrico. O Moderno funcionalista
Segundo: a sincronicidade espaço-temporal não fez isso, justamente porque estava amarrado a
dada pelo trajeto onde se preserva pelo desloca- idéia de constructo fechado, também pelo eixo X,Y,Z
mento a narrativa linear nos ambientes e que estão ortogonalizados e garantindo um lugar privilegiado
amarrados na perspectiva linear de continuidade ao observador e também dado pelo olhar na maneira
temporal, esta deixa a arquitetura como uma nar- antropomórfica, dado pelo olhar antropocêntrico de
rativa estetizada e fotograficamente privilegiada de ver o mundo. Lá ainda permanece alguém que olha
melhores momentos de pontos de vista dentro de o mundo, definindo a distancia homem-objeto, como
uma trajetória. Procura-se sempre valorizar um mo- na perspectiva. Finalizando, romper com a técnica
mento e um espaço da continuidade, via efeitos da da perspectiva eliminando um dos eixos X, Y ou Z
paralaxe. Esse esquema de deslocamento continuo do espaço cartesiano, não significa romper com a
e narrativo potencializa e sincroniza a ideia de que estrutura da perspectiva. Um exemplo dessa situ-
pra cada função um volume. Concluindo, essa solu- ação é Le Corbusier, que rompe alguns limites da
ção é contínua, congelada e sem desdobramentos caixa e ao mesmo tempo preserva o volume como
espaço-temporais. unidade, através das formas geométricas simples, e
Terceiro: a convergência entre perspectiva e es- talvez por isso não consiga fugir totalmente do es-
paço cartesiano que se apresenta na manutenção da paço perspectivado com limites definidos. (Existem
malha estrutural e que organiza o ponto de vista e o dois contrapontos importantes na obra de Corbusier
deslocamento espacial por paralaxe. (Na sequência em relação ao que foi apresentado: um é o Pavilhão

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Phillips, que conta com a participação do músico- intervalo entre eles, que estarão sempre conectados
-arquiteto Iannis Xenakis, (além de Edgar Varése e pelo tempo. (CAGE: 1985, pg 57)
Ritieveld) e a capela de Ronchamp, ambos os proje- Na arquitetura Moderna onde forma segue a
tos ocorrem em um Corbusier bastante maduro – em função, o trajeto humano legitima essa linearidade
1955 e 1958.) espaço-temporal contida nesse paradigma do Mo-
Se os espaços não são finitos, encerrados em derno. A percepção e proposição de que Velocida-
uma caixa quarto, trazem um tempo sincrônico, uma des distintas geram ritmos distintos e requerem es-
sincronicidade espaço-temporal, mas articulado por paços diferenciados, foi intuída em Wright, utilizada
planos, facilita e estimula a fluidez entre os espaços. por Corbusier para separar pedestres de automó-
Há uma fluidificação dos ambientes, unidos por uma veis e propor práticas urbanas separadas e mono-
leitura temporal contínua. A dinâmica dos espaços é funcionais. Ainda de forma mais clara e sofisticada,
dada pelo fluxo de tempo, pelo deslocamento orga- já formando uma tessitura de ritmos diferenciados,
nizado por ritmos temporais dados pela função de essas soluções estão de forma mais avançada nas
cada espaço. Um fluxo contínuo e linear para dar arquiteturas de Alvar Aalto e Louis Khan. Esse tipo
legibilidade e ordem aos espaços, que é a resposta de interação espacial está diretamente ligado aos
de civilidade, de crença na civilização, da arquitetura espaços da arquitetura funcionalista com a planta
moderna. livre, decomposição projetiva, as assimetrias, disso-
O deslocamento rítmico no espaço dentro de nâncias e os fluxos dos espaços. Mas há também
uma escala humana possui também uma lógica de um conceito de sucessividade linear, do qual já es-
deslocamento no espaço dado pelo reconhecimento crevemos, e que através de uma estrutura modular
dos lugares e suas funções. Então a linearidade do organiza uma continuidade que preserva a unicida-
deslocamento permanece, pois para explora-lo atra- de da obra arquitetônica e a antropocentricidade do
vés de um uso funcional estabelece-se uma trilha, espaço.
um trajeto. É essa postura que leva Peter Eisenmann
e Bernard Tschumi a criticarem o espaço antropo- Rumo ao Evento: a desmaterialização
cêntrico, racional e que pouco dialoga com o mundo da cultura atravessada pelo digital trouxe
atual. (EISENNEMAN: 2006, pg 9) forte signagem com novas temporalidades.
A temporalidade do espaço moderno é articu-
lado pelas Funções e pelos Trajetos. O trajeto, ou A melhor maneira de começar esse item é com
o deslocamento, constitui o tempo. O trajeto é a a frase de Bruno Jacobs sobre a desmaterialização
sincronia entre tempo e espaço linearmente organi- das técnicas e, portanto de todos os processos de
zado. Um evento arquitetônico acontece sempre em troca de informação:
relação a outro na continuidade temporal e para isso “A ideia de exposição universal está meio fora de
são gerados espaços que tratam de garantir essas moda hoje, pois as técnicas atuais são tão imateriais
continuidades lineares. Eventos no tempo não sig- que não se pode mais compreendê-las simplesmen-
nificam linearidade garantida por uma consonância te observando-as”.(JACOBS: 1996, pg 44) Se não
e proporção visual. John Cage, o músico, nos diz podemos mais observar com os olhos as técnicas,
que não importa que sons façamos e a distância de é porque a informação ganhou importância e a des-
materialização dos meios estabelece forte signagem.

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Sob a pressão do processo de desmaterializa- fazendo aparecer diferenças e potencializando o de-


ção constante, há o deslocamento valorativo para vir. Que permitisse ao sujeito ser articulador de seu
a qualidade da Leveza. Leveza que com novas eixo de singularidade.
técnicas construtivas nos traz o impermanente, o
ágil, o transparente, o nômade e a fluidez através
das formas líquidas. Traz também uma arquitetura,
como nos diz Morales, “cujo objetivo seja não o de
ordenar a dimensão extensa, sim o movimento e a
duração”...”e de dar forma física ao tempo”.( SOLÀ-
-MORALES: 2002, pg 126)
Rosalind Krauss nos lembra que escultura é
o conflito entre o tempo capturado e o tempo que
passa quando observamos o espaço, válido também
para esse novo ambiente fluido da arquitetura. Essa
escultura pode ser feita para uma leitura única e
total, instantânea, para ser percebida de uma só vez
ou em camadas de duração comparativas, relativas,
para experimentação, que está além do olhar único,
instantâneo e ríspido. Tempo e espaço são plásticos
e suas interpenetrações e continuidades estão arti-
culados ao usuário. (KRAUSS, 1998, pg 67) Figura 3: Diagrama de Paul Baran de 1964 tipos de infor-
De uma maneira mais geral o processo de des- mação: centralizado, descentralizado e distribuído.
materialização da cultura com sua densa signagem
e o tempo entendido como duração, são elementos Essa estratégia temporal de diferenças permite
que fortalecem o deslocamento do objeto para a gerar intervalos ou esperas que podem ser suporte
idéia de evento e o conceito de arte e arquitetura para repensar as artes n dimensionais que se apre-
líquida. As diferenças de objetos gerados por lingua- sentam e articulam cada vez mais como tempo. Por-
gens e artes que se davam por suportes materiais tanto, a presença do Intervalo ou Tempo complexo
diferenciados e, portanto por uso de ferramentas tanto na produção do mundo material/espacial como
distintas para produzi-las se apresentam em crise. no processo de invenção desse próprio mundo.
Ha em curso, como já afirmado, um processo de
O esperar transitivo forte desmaterialização da cultura, com descolamen-
to da informação de uma base material densa. A bai-
A hipótese pensada é que para esse mundo de xa adesão do material reprogramada em bits propõe
baixa adesão material, de eventos signados dever- um mundo omnipresente, em rede ponto a ponto, de
-se-ia entender a mobilidade das coisas do mundo e infraestrutura e superestrutura móvel e sustentável,
procurar produzir estratégias a partir do eixo de tem- enfim do objeto rumo ao evento ampliando o caráter
poralidade. Temporalidade essa que estabelecesse de signagem da cultura.
continuidade, apoiado na memória viva e dinâmica,

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Do ponto de vista histórico as tecnologias des- qualidade da leveza. leveza que com novas técnicas
materializantes funcionam como mediadoras e acele- construtivas nos traz o impermanente, o ágil, o trans-
radoras da nossa percepção do tempo. O tempo do parente, o nômade e a fluidez através das formas
homem artesanal, é o tempo ligado aos ritmos da na- mais líquidas. (referência - TAMAI: 2015, #14Art, pg
tureza, desde a sua respiração, pulsação, aos ciclos 2 e 3)
de vida e morte, das marés, do dia, das estações
etc. O tempo desse homem é sincrônico com o da Tempo como errância, expectar, dura-
Natureza. A produção industrial nos colocou o tem- ção e evento. Novas estratégias.
po técnico, tempo fragmentário dentro de um ritmo
corporal fragmentário com jornadas de trabalho e O Arquiteto Morales ainda nos chama a aten-
movimentos específicos e repetitivos nas máquinas. ção como Bergson (Henry) amplia o campo espa-
A Partir daí em direção ao pós-industrial ocorre que ço-tempo ao afirmar que “o espaço se percebe no
o tempo ficou reduzido a objeto, ele foi espacializado tempo e o tempo é a forma de experiência espacial”
funcionalmente nas máquinas e entorno humano. É (SOLÀ-MORALES: 2002, pg 128) . Bergson coloca
um tempo mensurável, isotrópico quantificável, ob- o conceito de DURAÇÃO, onde os acontecimentos
jetivado, ou seja foi criada uma categoria de Tempo garantem a diversidade das durações, ampliando e
separada do sujeito. multiplicando nosso entendimento do espaço/tem-
David Harvey nos diz que o que há é a racionali- po. Essa interpretação da duração, quase impede
zação da organização espacial para 1. produção efi- o objeto de ser fixado. Propõem espaços plásticos
ciente, 2.estabelecer redes de circulação e 3. redes em permanente dilatação e contração, espaços mais
de consumo. Sendo o tempo lembrado, memorizado fenomenais do que literais na sua materialidade. “O
não como um fluxo, mas como lembranças de luga- que era tempo cronometrável se converte em fluxos
res vividos, experimentados ocorre por esse efeito como experiências do durável” nos aponta Morales.
um colapso na cadeia significativa cujo objetivo é (SOLÀ-MORALES: 2002, pg 129)
reduzir a experiência a “uma série de presentes re- O Tempo como duração, Transducção e Interfa-
lacionados no tempo”. A resultante é que os eventos ce tem continuidade de reflexão através do conceito
são lisos, sem profundidade temporal. de Transducção Simondiana. Ocorre que, o transito
Essa intensa compressão do espaço-tempo, de uma estrutura de uma língua (um meio) para ou-
que nos traz um presente permanente, que de acor- tra não é automática. É a transducção (Simondiana
do com Harvey é pela ação generalizado do giro – tradução por analogia em Gilbert Simondon) que
do capital cria volatilidade e efemeridade de tudo atua como invenção mudando a base material e os
(moda, ideias,ideologias etc.) e também a descarta- procedimentos, mas preservando a potência dos
bilidade, de produtos, valôres, lugares e edifícios, já signos. É uma tradução inventiva, onde a invenção
que não há relações significantes entre ser e lugar. se faz no ato de traduzir. A mudança de base resiste
Trocamos o firme pelo fluído e o espaço pelo o que obriga a uma re-invenção dos códigos. Essa
tempo sem alterar as formas de produção e abor- postura, associada a uma atitude de Concretude do
dagem metodológica. Sob essa pressão do proces- objeto (técnico), da estrutura constitutiva (de coerên-
so de desmaterialização e a construção do tempo cia interna de causas e efeitos) coloca o objeto em
como vertigem há o deslocamento valorativo para a

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funcionamento pleno, tem autonomia e abertura em caminhos ao deslocar a atenção do fotografar para
perfeita interação ao contexto. (SIMONDON: 2008) a temporalidade ao invés do sobrevalorizado “ponto
A resistência na passagem muda a forma e po- de vista” espacial e sugere o “aspecto”. “O ponto de
tencializa a qualidade do signo. A Passagem traz vista é para o espaço o que o aspecto é para o tem-
potência, pois é difícil a permanência compreensível po”. É o esperar, o tempo tenso entre o ver e o clicar,
do signo em estado de ambigüidade permanente e ”é a dimensão pontual do tempo transformada em
na transição entre ir e voltar funciona como mola e imagem” (LISSOVSKY: 2010, pg 9) . Esse intervalo
são potencializadas via transducção. Obriga o autor, de tempo se precipita na foto. Essa “expectação” é
o expectador, a se reposicionar, a deslizar, a mudar um devir, uma imagem em aberto. O fotógrafo não
de lugar e atitude diante do fato. Um olhar alimenta enquadra uma cena através de um ponto de vista,
o outro de pontos de vistas diferentes. Um exemplo mas espera. Não espera a imagem se formar em
ampliado é o do guitarrista Jack White, do White recorte espacial previsível, se fechar, mas espera as
Strippes, que cria dificuldades para poder inventar, condições da imagem se apresentarem.
ao comprar e tocar uma guitarra de supermercado Fotografar através do tempo é olhar o aspecto
de plástico, com poucos recursos e que desafina da coisa e como ela deseja se configurar, o que
constantemente. Ele parte e precisa da dificuldade acontece na tensão entre o ver e o disparar e, por-
para ter elementos e possibilidades de transito para tanto na diferença entre o que foi visto e o que de
inventar. fato foi fotografado. Para isso é preciso um fotógrafo.
A forma de inventar é sempre na passagem de Um fotógrafo se constitui nas dúvidas, no vão
uma situação para outra. Dá-se em um fluxo de tem- entre o que a máquina pode fotografar e o que se
po, da passagem de um material para outro e por- fotografa. Atento na duplicidade do olhar e o ser
tanto das interfaces que se apresentam e como são olhado, entre o ver e ser visto. Esse olhar se constitui
resolvidas podendo chegar a plena potência física e pelas diferenças de interesses e procedimentos, en-
signica para estabelecer a dinâmica desse ambiente tre o que se imaginou olhar e o que de fato foi visto.
relacional. Os materiais devem ser escolhidos para Um olhar com abordagem e procedimentos próprios
procedimentos que mantenham sua potência e os de estranhamento que revela restos, resíduos, in-
procedimentos também adequados aos materiais e dícios, o improvável, o inominável, o que se oculta
interface para manter a potência da dinâmica. Na nas imagens pré-concebidas, o antes, o durante e o
proposta de Instalação é possível perceber que não depois da cena e mais ainda o fora de cena. Olhar
se trata somente de operações espaciais, como se como flanar, surfar, é estar a deriva, e pegar a in-
fosse possível, mas sim traz relevâncias nas ope- formação que lhe convém, tomando o caminho que
rações de tempo, de movimento que aparecem na lhe convém. É fragmentado, porém é atitude articu-
dinâmica ao vencer a gravidade ou a velocidade de ladora de significantes, de signos, em mensagens
passagem entre uma signagem sensível e outra. O significativas. Olhar que consegue ver o singular e
tempo é a referencia do usuário ou participante. O específico, a partir da coisa do tempo. Não universal,
tempo minimiza a aspereza da forma e não ao con- não típica, mas tópica. Interessante é ver como isso
trario. (referência -TAMAI: 2011, #10Art) repercute na arquitetura.
O autor Maurício Lissovsky, que muito colabora Para uma arquitetura invocada pelo tempo, a
com o tema ao escrever sobre fotografia, nos aponta primeira aproximação é a imagem de emaranhado

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e trama temporal, que evoca o passado, presente, características do espaço. Por isso Bergson lança o
futuro e está mais próxima da imagem-tempo de Gil- conceito de tempo como Duração que não se coloca
les Deleuze (DELEUZE:1985, pg 71) . Não simula como mensurável.
o movimento, mas o apresenta, o convoca através O Tempo enquanto Duração é subjetivo e se
do próprio tempo e deflagra novas experiências em faz presente pela Memória viva, e dinâmica de todos
quem as vê. Na imagem-tempo a imobilidade é apa- e de cada um. Memória que viva repleta de traços
rente, pois as coisas mudam de estado no tempo. E intensos que produz diferença ao selecionar o que
se essas imagens convocam o tempo, elas pulsam deve ou não ser esquecido. Memória não homogê-
o tempo. A imagem imóvel traz vários tempos e em nea que inunda o presente com resíduos do passado
várias direções, que duram e oferecem indicialmente preparando o devir como um desdobramento encor-
certa similaridade com a origem do fato arquitetôni- pado e singular. A Duração é também o Tempo como
co espaço-temporal. Diferença, diferença dada pela multiplicidade dos
Resumindo, isso nos permite ler o tempo pelo tempos e sua heterogeneidade, do tempo de vida
tempo (expectar) e não pelo espaço (perspectivar), e experiências do sujeito, do mundo ao redor e do
expectar como ficar em expectativa, ou seja esperar presente que contrai e presentifica essas diferenças.
para que os aspectos apareçam para que aja uma O Intervalo que se apresenta como Duração
presença, em vez de enquadrar o espaço, a forma, a é sempre a construção da Diferença. Aqui marca
partir de um ponto de vista, fixando tempo e espaço o início para o entendimento das experiências que
linearmente. realizei e realizo com estudantes de arquitetura no
Para Allan Watts “os objetos são também acon- sentido de tornar presente a leitura e transforma-
tecimentos” e nosso mundo é mais um conjunto de ções de elementos espacios-temporais a partir da
processos que de entidades (WATTS: 1978, pg 114). temporalidade, estimulando as transformações e
Isso nos põe diante dos elementos básicos da or- mutações de os espaços de caráter arquitetônicos
dem temporal assim como são entendidos: duração, em sua própria dimensão de vida fluída. Mas como
ritmo, frequência, proximidade, repetição, perma- chegar, como entrar no objeto tema?
nência, aceleração, transladação e ressonância que Para Bergson há duas maneiras de se conhecer
sempre são vistos como uma dimensão complemen- algo. A primeira é analítica e ocorre por rodeamento
tar e a serviço da espacialidade. da coisa em busca de pontos fixos e redundantes e
A questão é que a temporalidade, como apre- isso depende do nosso ponto de vista ao rodear e
sentado pelo filósofo Henry Bergson é sempre en- de nosso repertório simbólico. Assim são gerados a
tendida e mensurada através da espacialidade, como maioria dos procedimentos científicos. A segunda, é
já dito. Para ele o tempo não pode ser medido pois o que chama de intuitivo e pressupõe que entremos
o que normalmente se mede é o deslocamento de na coisa sem nenhuma ponte referenciada por va-
algo no espaço. Quando se mede o tempo está se lores simbólicos, mas espera atenta o que o objeto
medindo de verdade o espaço, com suas unidades tem a oferecer. O pensador da fotografia Mauricio
estanques, fragmentárias, regulares como as de um Lissovsky chama essa atitude de Expectação como
relógio. O tempo é transformado em espaço para a “dimensão pontual do tempo transformada em ima-
se tornar visível e mensurável. É também entendido gem” (ibidem). Isso evidencia as diferenças claras
como uma extensão e portanto com as qualidades e mas também as semelhanças, sendo no que o espa-

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ço pode-se enquadrar a partir de um ponto de vista, da escultura contemporânea eram: múltiplos pontos
mas o tempo deve-se Expectar, esperar para que os de vista, espaços distintos, distâncias estendidas e
aspectos apareçam. temporalidades estendidas.
O intervalo enquanto duração permite uma auto- Morris nos diz que as obras do passado tinham
ria da ausência. Esse intervalo durável é lugar móvel um foco espacial e as de agora no temporal. A Pre-
de contatos por similaridades no modo de pensar, sentidade, para Morris é “a experiência espacial em
projetar e construir. As qualidades, antes certas constante mudança, que se estende no tempo” e
de seu lugar, flutuam e procuram outras conexões; ainda “é a presença que funciona como atualidade
conexões paratáticas, sem hierarquias simbólicas e em processo” (MORRIS: 1978, pg. 402). A Presenti-
lineares. Não se pré-concebe o que e onde se encai- dade está diretamente ligada com a experiência do
xará e posteriormente se desenha e projeta. O que espaço real e sua diversidade de direções espaciais
ver e como ver ao desenhar é um aprendizado pois e temporais. Nos diz ainda: “O espaço real não é
as linguagens são imbricadas. experimentado a não ser no tempo real”
Lembrando que a forma é um aspecto em ge-
ral entendido como e através de um ponto de vista,
instante fragmentado e fixado da coisa movente, que
de fato está em constante transformação no tempo.
(referência - TAMAI: 2015, #14Art, pg 2 e 3)

Rumo a Arquitetura do Tempo

A arquitetura enquanto fenômeno cultural espa-


ço-temporal está entremeada por uma diversidade
de tempos com origens distintas. Tempo do movi-
mento atual, virtual, do percorrer, fluxos, dos senti-
dos diversos, das outras linguagens e artes conta-
minantes, dos materiais, durabilidade, da edificação,
do projeto, dos mecanismos construtivos e outros
objetivos e subjetivos.
Arquitetura em campo expandido, contaminada
por outras artes, linguagens e processos tem em
comum a ideia de objeto como um evento de tempo
e espaço, jamais como uma forma espacial fixa no
tempo. O objeto está sempre acionado pelo tempo.
Portanto, trata-se de um fenômeno de amplitude cul-
tural como para Robert Morris, no início dos anos 60
que toca parcialmente nessa questão ao apresentar Figura 4: Robert Morris - cubo espelho e labirinto de vidro.
o conceito de Presentidade articulando escultura e
arquitetura. Para ele, as características estruturais

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Presentidade é o espaço articulado pelo movi- Tanto a arquitetura minimal (se assim a nomear-
mento que o usuário faz por deslocamento, ao redor mos) quanto a desconstrutivista passam de alguma
e através da obra, cuja percepção da obra através maneira pela leitura. Valorização do Processo e do
da paralaxe horizontal apresenta fragmentos, parcia- experimental, da historia entendida mais como sin-
lidades, com formas pouco convencionais ou sim- crônica do que diacrônica, interessando o que muda
bólicas que possam ser identificáveis e nomeáveis. na arquitetura e que em qualquer lugar do tempo
Essa proposta desloca e leva o usuário e observa- seja possível enlace.
dor a novos pontos, despontando novas surpresas e Vejamos as suas características relativas ao
novas descobertas, evitando assim a unidade fácil, nosso tema: o tempo entra como formulador do
redundante de conjunto e abandonável. espaço via Charles Jencks: decomposição, descen-
Quando Morris coloca a questão de Presenti- tralização, descontinuidade, eixos oblíquos, diago-
dade, ganha qualidades arquitetônicas também. O nais e deformação. Dobras e superfícies de base
usuário se desloca, é impulsionado a deslocar na topologica entram na articulação temporal espacial,
arquitetura e cada vez mais por fluxos indicativos. como na obra de Ben Van Berkel - UNS studio abaixo
Ela pode ser grande articuladora do espaço arqui- (figura 5).
tetônico.

Figura 5: Casa Moebius - Projeto Ben Van Berkel - site do UNS Studio.

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Nessa linha de argumentação da Arquitetura, o


arquiteto Ignasi Sola-Morales nos chama a atenção
como Henry Bergson amplia o campo espaço-tempo
ao afirmar que “o espaço se percebe no tempo e
o tempo é a forma de experiência espacial” (SÓLA-
-MORALES: 2002, pg 128). Coloca o conceito de
Duração, onde os acontecimentos garantem a diver-
sidade das durações, o que amplia e multiplica o
entendimento do espaço/tempo. Essa interpretação
da duração, quase impede o objeto de ser fixado.
Propõem espaços plásticos em permanente dilata-
ção e contração. “O que era tempo cronometrável
se converte em fluxos como experiências do durável”
nos aponta Morales. ( SÓLA-MORALES: 2002, pg
129)
A arquitetura não responde mais a um quadro
fixo de espaço tempo, não é a síntese de uma su-
posta temporalidade ideal e instantânea. Essa con-
creção de um instante ideal e imaginário é posta em
crise, pois idealiza e generaliza o tempo linear de
uma ação, universal e separado de uma experiência
real.
Para Ignasi Sola Morales, é uma arquitetura,
“cujo objetivo seja não o de ordenar a dimensão Figura 6: Marcos Novak - Allobio e Arquitetura Líquida.

extensa, sim o movimento e a duração”...”e de dar


forma física ao tempo”, deixou a questão da solidez A forma fixa na arquitetura, semelhante ao ins-
e está de trânsito entre o viscoso e o líquido, saindo tantâneo fotográfico está, portanto, em crise. Troca-
da categoria de Espaço, passando pelo Processo mos o firme pelo fluído e o espaço pelo tempo. Ao
e encaminhando para o Tempo. Constroem-se, por rarear a materialidade trazemos espessuras tempo-
essas novas arquiteturas, uma formulação a partir de rais no fato arquitetônico. É algo estruturador e a
Vetores de Fluidez: tempo, transparência (reflexão, arquitetura se transforma com os acontecimentos se
espelhamento, translucidez), ausência (vazio), líqui- metamorfoseando na medida da necessidade. A uni-
da, velocidade, duração (material, deslocamento), dade da modernidade é pressionada pela fragmenta-
interface, flexibilidade (interconexões), leveza (rapi- ção em todas as direções e a forma é não-forma ao
dez), desmaterialização e luz. Arquitetura líquida em ser arquitetura do tempo.
vez de sólida, como também afirmou Marcos Novak Novas Ferramentas são necessárias, dispositi-
no início dos anos 90 (NOVAK: 1996, pg 8), que vos técnicos que processam informações, que são
existiram e existem no cyberespaço. (figura 6). as programações abertas para o Tempo, como o sof-
tware Grasshopper/Rhino que virtualizam possibili-

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dades e não definem uma forma como um desenho, vez de desenhos que representam um estado fixo de
um instantâneo entre muitas possibilidades. algo extremamente simbolizado. Portanto, o conjunto
Dispositivos, programas que só representam gráfico se necessário for, como plantas, cortes, ele-
uma ideia espacial que contrai o tempo em um de- vações etc serão sempre resultantes da edificação
senho não fazem mais parte desse escossistema. virtualmente construída.
Sistemas digitais que só fazem repetir e empenhar É nessa linha, o Espaço Reativo de Bernard
rapidez nesse esquema, também não fazem parte Tschumi propõe o conceito de arquitetura em mo-
desse novo ecossistema. Para esse novo, novas es- vimento, onde não existe o objeto arquitetônico fe-
tratégias, daí temos a Programação com parâmetros chado em si, mas arquiteturas articuláveis pelo des-
e que através de interfaces digitais e sensores ana- locamento no espaço, como o La Villete em Paris. A
lógicos incorporam informações do contexto (gravi- percepção se dá em ação e dificilmente é integrali-
dade, luz, temperatura, materialidade...) com infinitas zável como uma forma final e fechada.
interfaces, ampliando a ideia de projeto e a tornando O projeto de Diller e Scofidio (fig7) EyeBean e
mutável e selecionável na medida de novos imputs MAAT de Amanda Levete, também o Water Pavillon
é a realidade para uma arquitetura onde o tempo (fig8) do grupo Nox e ainda a topologia das rela-
é o eixo do processo todo. Os imputs de dados e ções sujeito, objeto e ambiente apresentada na casa
parâmetros (de parametria) são transformados em Moebius de VanBerkel (fig5) parecem nos trazer o
formas geométricas por algoritmos generativos. São tempo de deslocamento, sem o congelamento das
variáveis controladas com resultados em processo experiências de percurso com superfícies fluidas in-
de infinitas escolhas. diciando experiências na apropriação dos espaços,
Esse processo é sempre aberto, com parame- assim como apresentado de modo geral no artigo.
tria ou diagramas que fazem o presente transitar em (TAMAI: 2016, pg 6)

Figura 7: Eye Bean - N.Y. de Diller Scofidio / a direita: MAAT - Lisboa, de Amanda Levete

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Figura 8: – Water Pavillon - Holanda - do grupo Nox

Conclusões crise e a unidade da modernidade é pressionada


Boa parte da arquitetura praticada hoje opera pela fragmentação em todas as direções e a forma é
com essas relações apresentadas, mas é preciso não-forma ao ser arquitetura do tempo. Dispositivos
deixar mais claro o papel do Tempo como eixo orga- técnicos que processam informações, que são as
nizador e formulador do espaço que nos traz decom- programações abertas para o Tempo, como o sof-
posição, descentralização, descontinuidade, eixos tware Grasshopper/Rhino que virtualizam possibili-
oblíquos e diagonais e deformação. Novos vetores dades através de parametros.
de Fluidez: no tempo, na transparência (reflexão, es- Dispositivos, programas que só representam
pelhamento, translucidez), ausência (vazio), líquida, uma ideia espacial que contrai o tempo em um de-
velocidade, duração (material, deslocamento), inter- senho não fazem mais parte desse escossistema.
face, flexibilidade (interconexões), leveza (rapidez), Hoje Bits e Átomos não se estranham, estando ema-
desmaterialização e luz. Processos que alteram a ranhados. Dispositivos, programas que só represen-
relação de proximidade bits/átomos e formas de tam uma ideia espacial que contrai o tempo em um
edificação, por impressão e/ou crescimento quase desenho não fazem mais parte desse escossistema.
biológico, até arquiteturas em bits do cyberespaço. Sistemas digitais que só fazem repetir e empenhar
Isso implementa novos processos, procedi- rapidez nesse esquema, também não fazem parte
mentos, materialidades, instrumentos, tecnologias, desse novo ecossistema. Para esse novo, novas es-
escalas, interações e usuários co-participantes. tratégias, daí temos a Programação com parâmetros
Destacamos desse conjunto o processo de invenção e que através de interfaces digitais e sensores ana-
por Programação, pois a forma fixa na arquitetura, lógicos incorporam informações do contexto (gravi-
semelhante ao instantâneo fotográfico foi posta em dade, luz, temperatura, materialidade...) com infinitas

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interfaces, ampliando a ideia de projeto e a tornando EISENNEMAN, Peter. O pós-funcionalismo, in: Uma
mutável e selecionável na medida de novos imputs nova agenda para a arquitetura: antologia
é a realidade para uma arquitetura onde o tempo teórica (1965-1995). São Paulo, Editora Cosac
é o eixo do processo todo. Os imputs de dados e Naify, 2006.
parâmetros (de parametria) são transformados em
formas geométricas por algoritmos generativos. São ______. Visões que se desdobram - A Arquitetura na
variáveis controladas com resultados em processo época da Mídia Eletrônica. Revista Oculum e site
de “infinitas” escolhas. da revista LA: FAU-PUC Campinas. Sem data.
Finalizando, esse processo é sempre aberto,
com parametria ou diagramas que fazem o presen- FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios
te transitar entre um antes e um depois em vez de para uma futura filosofia da fotografia. São Paulo,
desenhos que representam um estado fixo (de algo Ed. Hucitec, 1985.
que se move no tempo), um instantâneo que paralisa
as ações sendo extremamente simbolizado. Enfim, HARVEY, David. Condição Pós Moderna. Brasil, Ed.
novos processos, procedimentos e um novo usuário Loyola, 1994.
reestruturam a lógica e a sequência do pensar/pro-
jetar, do fazer/construir e do habitar a partir do eixo JACOBS, Bruno in SCHEPS, Ruth (org) – O império
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