Você está na página 1de 3

HAN, Byung-Chul. Louvor à Terra: uma viagem ao jardim. Petrópolis, RJ: Vozes, 2021.

Edição do Kindle.

Prefácio
“Meu jardim secreto é afinal, de fato, também um jardim dos sonhos, pois sonho lá da Terra porvir” (HAN,
2021, p.8).

“A Terra não é um ser morto, sem vida e muda, mas um ser vivo eloquente, um organismo vivo. Mesmo a
pedra vive” (HAN, 2021, p.9).

Jardim de inverno
“Vejo, agora, o jardim de inverno duplicado. Ele é um lugar simbólico para a morte e a ressurreição, um lugar
do trabalho de luto metafísico. A câmara clara é, a meus olhos, um jardim florescente, uma luz clara na
escuridão invernal, uma vida em meio à morte, uma festa da vida que desperta novamente e meio à vida fatal
de hoje. Uma luz metafísica transforma a chamb re noir [câmara escura] em uma chamb re claire [câmara
clara], em um claro jardim de inverno” (HAN, 2021, p.15).

O tempo do outro
“No jardim, as estações do ano são percebidas, antes de tudo, corporalmente. A dor que eu sinto aí é,
todavia, benéfica, sim, avivadora. Ela me devolve a realidade, sim, a corporeidade que hoje é cada vez mais
perdida no morno mundo digital. Esse mundo não conhece nenhuma temperatura, nenhuma dor, nenhum
corpo. O jardim, porém, é rico em sensibilidade e materialidade. Ele dá muito mais sustentação ao mundo
[welthaltiger] do que a tela [de computador]” (HAN, 2021, p.20).

“O tempo do jardim é o tempo do outro. O jardim tem o seu próprio tempo, do qual não posso dispor [como
quiser]. Cada planta tem o seu tempo próprio. No jardim, muitos tempos próprios se cruzam” (HAN, 2021,
p.21).

“É admirável que cada planta tem uma pronunciada consciência de tempo, talvez até mais do que o ser
humano, que se tornou, hoje, sem tempo, pob re de tempo” (HAN, 2021, p.21).

“O conhecimento não é aquisição, não é minha aquisição, minha redenção, mas a redenção do outro.
Conhecimento é amor. O olhar amante, o conhecimento conduzido pelo amor redime as flores de sua falta
de ser. O jardim é, portanto, um lugar da redenção” (HAN, 2021, p.22).

De volta à terra
“Digital se diz, em francês, numérique [numérico]. O numérico desmistifica, despoetiza, desromantiza o
mundo. Ele o priva de todo mistério, toda estranheza, e transforma tudo no conhecido, no banal, no familiar,
no curtir, no igual. Tudo se torna comparável. Em vista da digitalização do mundo, torna-se necessário
reromantizá-lo, redescobrir a Terra, sua poética, restituí-lo a dignidade do misterioso, do belo, do sublime”
(HAN, 2021, p.26).

“Quando nos ocupamos mais detidamente com a história da Terra, sentimos uma profunda veneração pela
Terra, que, hoje, infelizmente, está entregue a uma total exploração. Ela é verdadeiramente arruinada.
Deveríamos aprender novamente o espanto com a Terra, com a sua beleza e estranheza, com a sua
unicidade [Einmaligkeit]. No jardim, vivencio [isso]: a Terra é magia, enigma e mistério. Se se a trata como
recurso que deve ser explorado, já se a destruiu assim” (HAN, 2021, p.27).

“Perdemos, hoje, toda sensibilidade pela Terra. Não sabemos mais o que é a Terra. Nós a compreendemos
apenas como um recurso com o qual se deve lidar, na melhor das hipóteses, sustentavelmente. Preservar a
Terra significa devolvê-la à sua essência” (HAN, 2021, p.28).

“A Terra é a fonte da felicidade. Hoje, a abandonamos, sobretudo no curso da digitalização do mundo. Não
sentimos mais o poder revigorante da Terra, que traz felicidade. Ela é reduzida ao tamanho da tela” (HAN,
2021, p.28).
Lírios-da-folha-do-coração
“Cresci na metrópole de Seoul. Quando era criança, brincava não na natureza, mas entre um rio, que foi
degradado à condição de uma canalização fedida, e trilhos. Nas minhas recordações de infância, há mais
fedor do que aroma. Eu não tinha nenhuma natureza bela ao meu redor” (HAN, 2021, p.62).

“Dedaleira se diz, em latim, Digitalis. A palavra ‘digital’ indica o dedo digitus, que, antes de qualquer coisa,
conta. A cultura digital faz com que o ser humano se degrade em, por assim dizer, um ser de dedos. A cultura
digital se baseia no dedo contador. A história, porém, é narrativa. Ela não conta. Contar é uma categoria
pós-histórica. Nem tweets nem informações se reúnem em uma narrativa. Também a timeline não narra
nenhuma história de vida, nenhuma biografia. Ela é aditiva, e não narrativa. O ser humano digital usa os
dedos no sentido de que ele constantemente conta e calcula. O digital absolutiza o número e o contar. A
amizade, porém, é uma narrativa. A era digital totaliza o aditivo, o contar e o contável. Até mesmo inclinações
são contadas sob a forma de likes. A narrativa sofre uma perda massiva de sentido. Hoje, tudo é tornado
contável, a fim de poder convertê-lo na linguagem do desempenho e de eficiência. O número torna, além
disso, tudo comparável. Apenas desempenho e eficiência são contáveis. Assim, tudo que não é contável
deixa de ser. Ser, porém, é um narrar, e não um contar. A esse último falta a linguagem , que é história e
rememoração” (HAN, 2021, p.63).

Sobre a felicidade
“Eles (as plantas e os animais) são o que nós fomos; eles são o que nos tornaremos novamente. Fomos
natureza como eles, e nossa cultura deve nos levar de volta, pelo caminho da razão e da lib erdade, à
natureza. Eles são, portanto, ao mesmo tempo, a representação de nossa infância perdida, que permanece
eternamente para nós o que nos é mais caro; por isso nos preenchem com uma certa melancolia. Ao mesmo
tempo, eles são representações de nossa maior perfeição no ideal, e, por isso, nos colocam uma comoção
sub lime” (SCHILLER apud HAN, 2021, p.66).

“Frequentemente, anseio por trabalhar no jardim. Até então, não conhecia esse sentimento de liberdade. Ele
também é algo muito corporal. Nunca fui tão corporalmente ativo. Nunca toquei tão intensamente a terra. A
Terra me parece ser uma fonte da felicidade. Me espantei frequentemente com sua estrangeiridade, sua
alteridade, sua vida própria. Apenas nesse trabalho corporal eu a conheci intensamente. Regar as flores,
observá-las, alegra e acalma. Trabalho de jardim não é, portanto, uma expressão adequada. Trabalho
significa, originariamente, praga e labuta. Jardinar é, em contrapartida, animador. Me recupero, no jardim, da
labuta da vida” (HAN, 2021, p.68).

Belos nomes
“Nietzsche compreende o ato de dar um nome como um exercício de poder. Os dominadores ‘marcam cada
coisa e cada acontecimento com uma sílaba e os tomam assim, por assim dizer, em sua posse.’ A origem
da linguagem é, desse modo, a ‘manifestação do poder dos dominadores’. As linguagens são o ‘eco da
mais antiga tomada de posse das coisas’. Cada palavra, cada nome é, para Nietzsche, um comando: Tu
deves te chamar assim! Nomes são, assim, correntes. Nomear é dominar” (HAN, 2021, p.70).

Um diário de jardineiro
“O tempo-de-festa [Fest-Zeit] é atemporal [zeitlos]. A festa promove a atemporalidade. Hoje, o tempo se
totalizou no tempo de trabalho. Não há mais festa. O tempo é, por isso, mais efêmero do que nunca” (HAN,
2021, p.86).

“No alemão, que me é tão familiar, eu me entrego, ao jardinar, a uma bela língua estrangeira, a um belo
mundo estranho. Uma folha oculta em si tantas palavras estranhas” (HAN, 2021, p.95).

“Eu dormiria de bom grado até me tornar ninguém, até me tornar sem nome. Isso seria uma redenção. Hoje,
ocupamo-nos apenas com o ego. Todos querem ser alguém, ou seja, todos querem ser autênticos, ser
diferentes dos outros. Assim, se igualam uns aos outros. Sinto falta do sem nome” (HAN, 2021, p.119).

“Hoje, temos demais para dizer, demais para comunicar, porque somos alguém . Desaprendemos tanto o
silêncio, como também o silenciar-se. Meu jardim é um lugar do silencio. No jardim, faço silêncio” (HAN,
2021, p.120).
“A digitalização aumenta a barulheira de comunicação. Ela elimina não apenas o silêncio, mas também o
tátil, o material, aromas, cores cheirosas, sobretudo o peso da Terra. Humano remete a humus, terra. A Terra
é o nosso espaço de ressonância, que nos alegra. Se abandonamos a Terra, abandonamos a felicidade”
(HAN, 2021, p.120).

“Uma cor parece com azeite, mas é produzida com urina de touro. Cores cheiram. O mundo digital desfaz,
em última instância, a própria realidade. Ou a realidade é desrrealizada em uma janela no interior do digital.
Logo, nosso campo de visão se igualará a um display tridimensional. Afastamo-nos cada vez mais da
realidade. Meu jardim é, para mim, a realidade recuperada” (HAN, 2021, p.121).

“Mediterrâneo significa, literalmente, em meio à Terra. Aqui estou, então, especialmente próximo à Terra. A
proximidade da Terra deixa feliz. A mídia digital, porém, destrói a Terra, essa maravilhosa criação de Deus. Eu
amo a ordem terrena. Eu não a abandonarei. Sinto um sentimento de profunda fidelidade, profundo vínculo
diante desse precioso presente de Deus. A religião não significa, penso eu, senão esse profundo vínculo
que, porém, me liberta. Ser livre não significa vaguear ou ser sem vínculos. Liberdade significa para mim,
neste momento, o demorar-se no jardim” (HAN, 2021, p.124).

“A paisagem mediterrânea é íntima. Ela me toca no meu mais íntimo. O bater de asas de um pássaro negro
me penetra. Ele me toca profundamente. Tudo aqui é muito próximo, muito íntimo. Íntimo é o superlativo de
inter. Eu estou em meio à paisagem” (HAN, 2021, p.128).

“O mundo parece, no momento, afundar em uma chuva diluvial, depois de devastadores incêndios florestais.
Os seres humanos arruínam a Terra. Agora, eles recebem a punição por sua falta de consideração e sua
irrazoabilidade. Faz-se mais necessário do que nunca o louvor à Terra. Temos de preservar a Terra. Caso
contrário, desmoronaremos em nossa destruição” (HAN, 2021, p.144).

“O esperançar [Hoffen] é o modo temporal do jardineiro. Assim, o meu louvor à Terra se dirige à Terra porvir”
(HAN, 2021, p.146).

“A Terra é bela, sim, mágica. Deveríamos preservá-la, tratá-la protetoramente, sim, louvá-la, em vez de
explorá-la tão brutalmente. O belo nos obriga ao preservar. Isso eu aprendi e experimentei [eu mesmo]”
(HAN, 2021, p.148).

Você também pode gostar