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Tradução
de Humberto do Amaral. São Paulo: Ubu Editora, 2020. Edição do Kindle. Paginado.
APRESENTAÇÃO
POESIA E SEMIOCAPITALISMO
“Enquanto o mundo físico queima, a conexão toma o lugar da conjunção, a perfeição sintática substitui a relação
simpática entre organismos corpóreos: a vida automatizada dos neo-humanos, cercados e subjugados pela
onipresença dos automatismos da máquina digital conectada às redes, se assemelha a um organismo a que
falta fôlego: sem respiração, sem con-spiração, sem inspiração. A poesia é a condição para recompor um
cosmos para além do caos atual” (BERARDI, 2020, p.5).
INSURREIÇÃO?
POÉTICA E FINANÇAS
“O colapso europeu não é apenas o efeito de uma crise econômica e financeira – esta é também uma crise da
capacidade de imaginar o futuro” (BERARDI, 2020, p.8).
“O poder financeiro se baseia na exploração do trabalho cognitivo e precarizado: em sua forma contemporânea,
o intelecto geral está separado do corpo” (BERARDI, 2020, p.8).
“Em sua configuração atual, o intelecto geral está fragmentado e foi desprovido das capacidades de
autopercepção e de autoconsciência. Só a mobilização consciente do corpo erótico do intelecto geral e a
revitalização poética da linguagem poderão abrir caminho para o surgimento de uma nova forma de autonomia
social” (BERARDI, 2020, p.8-9).
IRREVERSIBILIDADE
“Como podemos pensar em um processo de criação de subjetividades quando a precarização está colocando
em risco a solidariedade social e quando o corpo social está conectado a automatismos tecnolinguísticos que
reduzem suas reações à repetição de padrões comportamentais já incorporados?” (BERARDI, 2020, p.12).
ENXAME
“Quando o corpo social está programado por automatismos tecnolinguísticos, ele age como um enxame: um
organismo coletivo cujo comportamento é dirigido de forma automática por interfaces conectivas” (BERARDI,
2020, p.12).
“Sob condições de hipercomplexidade social, seres humanos tendem a agir como um enxame. Quando a
infosfera é densa e rápida demais para o processamento consciente da informação, as pessoas tendem à
acomodação em comportamentos compartilhados. [...]. Em um ambiente hipercomplexo que não pode ser
devidamente entendido e governado pela consciência individual, as pessoas seguirão rotas simplificadas e
usarão interfaces que simplifiquem as complexidades” (BERARDI, 2020, p.13).
“Podemos então dizer que a vida social na esfera semiocapitalista está se transformando em enxame. Em um
enxame, não há como dizer “não”. Seria irrelevante. Você pode expressar sua recusa, sua rebeldia e sua não
adesão, mas isso não mudará a direção do enxame e tampouco afetará o modo pelo qual o cérebro dele
processa as informações” (BERARDI, 2020, p.14).
“A subjetividade social parece fraca e fragmentada em contraste com o assalto financeiro. Trinta anos de
precarização do trabalho e de competição colocaram em risco o tecido da solidariedade social como um todo e
tornaram frágil a capacidade psíquica dos trabalhadores de compartilhar tempo, bens e fôlego. A empatia entre
corpos humanos foi corroída pela virtualização da comunicação social” (BERARDI, 2020, p.39-40).
“Solidariedade não tem nada a ver com autonegação altruística. Em termos materialistas, a solidariedade não se
refere a você, mas a mim. Tal como no amor, não se trata de altruísmo: trata-se do prazer de compartilhar a
respiração e o espaço do outro. Amar é a capacidade de me desfrutar a mim mesmo graças à sua presença,
graças aos seus olhos. Isso é solidariedade. E porque a solidariedade tem como base a proximidade territorial
de corpos sociais, não há como construí-la entre fragmentos de tempo” (BERARDI, 2020, p.40).
COLAPSO
“O fim da modernidade começa com o desmoronamento do futuro, com os Sex Pistols gritando no future. Mas,
até onde sabemos, a história pós-moderna tem sido a história de uma máquina tecnolinguística que penetra em
cada aspecto da vida diária, em cada espaço do cérebro social” (BERARDI, 2020, p.66-67).
“Quando a relação entre significante e significado deixa de ser garantida pela presença do corpo, começa a
haver uma perturbação na minha relação afetiva com o mundo. Minha relação com ele se torna funcional,
operacional – mais rápida, se preferirem, porém precária. Até o ponto da desconexão entre a linguagem e o
corpo” (BERARDI, 2020, p.67).
CAPÍTULO 3 — O INTELECTO GERAL À PROCURA DE UM CORPO
RESPIRAÇÃO, CONSPIRAÇÃO E SOLIDARIEDADE
RITMO E RITORNELO
“A percepção do tempo de uma sociedade é moldada pelos ritornelos sociais” (BERARDI, 2020, p.87).
“A principal transformação cultural causada pelo capitalismo moderno foi a criação de ritornelos de percepção
temporal que impregnam e disciplinam a sociedade: o ritornelo do trabalho fabril, o ritornelo do salário, o
ritornelo da linha de montagem. [...]. A transição digital trouxe novos ritornelos: fragmentação eletrônica,
sobrecarga de informações, aceleração das trocas semióticas, fractalização do tempo, competição. [...]. O
atributo essencial do ritornelo é o ritmo, e o ritmo é uma configuração especial da relação entre o ritornelo
singular e o caos universal” (BERARDI, 2020, p.87-88).
“O ritmo é a relação estabelecida entre um fluxo subjetivo de signos (musicais, poéticos, gestuais) e o ambiente
(cósmico, terrestre, social). [...]. O ritmo está em todos os cantos da vida social. Os movimentos de trabalho, de
guerra, rituais e sociais têm ritmos próprios. [...]. No nível caosmótico, o ritmo é a concatenação entre a
respiração e o universo circundante. No jargão guattariano, o ritornelo é a única forma de criar essa
concatenação, esse agencement [agenciamento] entre a singularidade e o ambiente. [...] No nível social, o ritmo
é a relação entre o corpo e as concatenações sociais da linguagem. [...]. O ambiente social é marcado por
ritornelos, repetições de gestos e de signos que expressam simultaneamente o modo singular e a relação entre
agência e ambiente” (BERARDI, 2020, p.88).
— Ver Guattari sobre o conceito de “ritornelo”.