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É precisamente essa ambivalência que nos assola como sujeitos nem modernos nem
contemporâneos, projetando-nos ora no campo das práticas de sujeitos heterônomos, ora
no campo da fluidez e da garantia da autonomia. Estamos diante de uma inevitável
estrutura ambivalente que marca com tinta forte a matéria-prima entre o artificial e o
gerado por processos espontâneos, como se, finalmente, aí residisse toda a unidade da
narrativa na pesquisa e no invento científicos, nas correntes do romance, no cinema e no
vídeo, enfim, o que unifica a narrativa é a similitude, a verossimilhança com o natural, a
imitação (mimesis) do real.
Marcuse anteviu há meio século (em Eros e Civilização) que a relação entre fascismo,
capitalismo e tecnologia não sairia do horizonte histórico da modernidade. Sob esta
tríade, a tecnologia comporta uma traição da estética e da liberdade. A primeira é ter se
convertido em uma forma quase própria de dominação pelo auto-engano, dissimulação
ou engodo (mímesis). Com a falsa promessa de alforriar a humanidade do trabalho
degradante. A segunda traição foi o capitalismo gerar uma tecnologia que tem por base
a sublimação repressiva mediante novas formas de servidão mediadas pelos dispositivos
(celulares, computadores, comunicações de satélite, alimentos industrializados, armas
etc). Promessas da vida moderna. Aspiramos a uma vida autêntica mas temos que apoiar
a esfera das instituições que nos garantem a vida em comum, subjetividade da nossa
consciência, emoções, sentimentos afetos associados ao consumo como regra e estilo de
vida. Elas nos permitem a intersubjetividade nos espaços públicos. Mas as instituições
ameaçam esta intersubjetividade devido aos dispositivos que nos invadem pela maré
neoliberal, ideologia de uma sociedade cataláctica (das trocas); neste caso devemos
reformá-las e sua legitimidade ser refundada. Na impossibilidade, devemos derrubá-las.
Se isso for inviável, temos que achar os meios de destruí-las, contrapondo força-contra-
força se necessário, pois neste caso elas já se converteram em domínio da tirania
(Hannah Arendt).
Tem esse suporte na estética, como se a relação com a técnica, é simples e direta, e nos
permitiria – apesar da condição assexuada e descontextualizada dos dispositivos e dos
maquinismos – viver coletivamente a tecnociência como condensação da ciência
cognitiva dos sentidos. Tal ciência nos une, pois os objetos e processos tecnocientíficos
são instâncias culturais mas diante dessa condição, vivemos um estranho afeto, porque
inconsciente diante da máquina.
Este nos separa justamente pelo fato da perda de substância e da aura do presente se
tornar um ciclo de repetições que vai do ato de consumo no mercado para a satisfação e
esgotamento do prazer do objeto consumido, e daí retorna ao consumo que
retroalimenta a produção mediada pela tecnologia. Por isso mesmo toda produção de
tecnologia está embebida na estética. A disciplina estética instala a ordem da
sensualidade contra a ordem da razão(repressiva), segundo Marcuse, que propõe nos
apropriarmos dessa origem da grande recusa das humanidades e artes diante do
inexorável avanço das ciências exatas, físicas e naturais desde o século XVIII.
TAGS
EROA E CIVILIZAÇÃO, ESTÉTICA, FREUD, HEBERT MARCUSE, MÁQUINA
DO MUNDO, MONTAIGNE, MULTIMÍDIA, PRODUÇÃO DE
CONHECIMENTO, RENASCIMENTO, REPRESSÃO, TECNOCIÊNCIA, TECNOL
OGIA, TRABALHO DEGRADANTE
RICARDO NEDER
Sociólogo e economista político, professor associado da UnB. Editor-chefe da Revista Ciência &
Tecnologia Social e da coleção Construção Social da Tecnologia ambas vinculadas aos Estudos
Sociais da Ciẽncia e Tecnologia no Brasil, e ao PLACTS – Pensamento latinoamericano de
Ciência, Tecnologia, Sociedade, associados ao grupo de pesquisa Observatorio do Movimento
pela Tecnologia Social na América Latina. Coordena o Núcleo de Pesquisa NP+CTS (Políticas CTS
– Ciência, Tecnologia, Sociedade) CEAM/UnB, e o Programa de Extensão Incubadora Tecnológica
de Cooperativas Populares (da rede ITCP de incubadoras universitárias no Brasil) sediada na UnB
Planaltina (rtneder@unb.br)