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Ofcran»; J&éZ
Hua Senacc? Pinhoino, 304 - Cx. R 13
CEP: t».0Dl-»70 - Passo Fundo - RS
Font: (OxaM) 3045-3277
Título original:
The Aesthetic Dimension
(Die Permanenz der Kunst)
© Carl Hanser Verlag, Munique, 1977
Capa de Edições 70
ISBN 972-44-0194-4
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meramente «técnica» da arte revolucionária nada diz da qualidade
da obra, nem da sua autenticidade e verdade.
Para além disto, uma obra de arte pode denominar-se
«revolucionária» se, em virtude da configuração estética,
apresentar a ausência de liberdade do existente e as forças que se
rebelam contra isso no destino exemplar do indivíduo, romper a
realidade mistificada (e reificada) e der a ver o horizonte de uma
transformação (libertação).
Neste sentido, toda a verdadeira obra de arte seria
revolucionária, na medida em que subverta as formas dominantes
da percepção e da compreensão, apresente uma acusação à
realidade existente e deixe aparecer a imagem da libertação. Isto
verifica-se tanto no drama clássico como nas peças de Brecht, tanto
nas Afinidades Electivas de Goethe como nos Anos de Cão de
Günther Grass, tanto em William Blake como em Rimbaud.
A diferença óbvia na apresentação do potencial subversivo
deve-se à diferença de estrutura social com que estas obras se
confrontam: a distribuição da opressão entre a população, a
composição e a função da classe dominante, as possibilidades
existentes de mudança radical. Estas condições históricas estão
presentes nas obras de arte de vários modos: explicitamente ou
como pano de fundo e horizonte, na linguagem e nas imagens. Mas
são expressões e manifestações históricas específicas da mesma
substância trans-histórica da arte: possuem uma dimensão própria
de verdade, protesto e promessa, uma dimensão que reside na sua
própria forma estéticat Assim, o Woyzeck de Büchner, as peças de
Brecht, mas também os romances e as narrativas de Kafka e de
Beckett são revolucionários em virtude da
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teórica própria, que milita contra toda a tentativa de lhe atribuir uma
forma estética (").
Mas, se a obra de arte não pode ser compreendida em termos de
teoria social, também não o pode ser em termos de filosofia. Na sua
discussão com Adorno, Lucien Goldmann rejeita a afirmação de
Adorno de que, para compreender uma obra literária, « há que
transcender em direcção à filosofia, à cultura filosófica e ao
conhecimento critico». Ao contrário de Adorno, Goldmann insiste na
concreticidade imanente à obra, que a torna uma totalidade (estética)
por direito próprio: «A obra de arte é um universo de cores, sons e
palavras e caracteres concretos. Não há morte, só há Fedra moribunda»
(12).
A reificação da estética marxista deprecia e distorce a verdade
expressa neste universo - minimiza a função cognitiva da arte como
ideologia. Pois, o potencial radical da arte reside precisamente no seu
carácter ideológico, na sua relação transcendente com a «base». (A
ideologia nem sempre é mera ideologia, falsa consciência. A
consciência e a figuração de verdades que aparecem como abstractas
em relação ao processo de produção estabelecido também são funções
ideológicas. A arte é uma destas verdades. Como ideologia, opõe-se à
sociedade existente. A autonomia da arte contém o imperativo
categórico: «as coisas têm de mudar». Se a libertação dos seres
humanos e da natureza tem de ser possível, então, o nexo social da
destruição e da repressão deve ser rompido. Isto não significa que a
revolução se torne temática; pelo contrário, nas obras esteticamente
mais perfeitas, isso não acontece. Parece que, nessas obras, a
necessidade da revolução é pressuposta como o a priori da arte. Mas, a
revolução é como que também ultrapassada e
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da arte são dados apenas na própria obra como um todo: no que diz e
no modo como diz.
Neste sentido, toda a arte é “l ’artpour Vart” apenas na medida em
que a forma estética revela dimensões da realidade interditas e
reprimidas: aspectos da emancipação. A poesia de Mallarmé é um
exemplo extremo; os seus poemas evocam modos de percepção,
audição, gestos - uma festa de sensualidade que destrói a experiência
de todos os dias e antecipa um princípio de realidade, uma
sensibilidade, radicalmente diferentes.
O grau a que a distância e o afastamento da práxis constituem o
valor emancipatório da arte torna-se particularmente claro nas obras
literárias que parecem fechar- -se rigidamente contra tal práxis. Walter
Benjamin rastreou isso nas obras de Poe, Baudelaire, Proust e Valéry.
Elas exprimem uma «consciência de crise» (Krisenbewusstsein): um
prazer na decadência, na destruição, na beleza do mal; uma exaltação
do associai, do anómico - a rebelião secreta da burguesia contra a sua
própria classe. Benjamin escreve sobre Baudelaire:
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então, não se percebe por que razão o escritor deve falar a sua
linguagem - não seria ainda a linguagem da libertação.
É característico que os textos mencionados comprometam a
arte com «o povo», que «o povo» apareça como o único aliado
contra o barbarismo. Tanto na estética marxista como na teoria
e propaganda da Nova Esquerda, há uma forte tendência para
falar do «povo» em vez do proletariado. Esta tendência exprime
o facto de, sob o capitalismo monopolista, a população
explorada ser muito maior do que o «proletariado» e de
compreender uma grande quantidade de estratos da classe
média anteriormente independentes. Se «o povo» é incorporado
no sistema prevalecente de necessidades, então só a ruptura
com este sistema pode transformar «o povo» num aliado contra
o barbarismo. Antes de tal, o escritor não pode tomar
simplesmente um «lugar entre o povo», que previamente lhe
estava reservado. Os escritores devem, antes de mais, criar esse
lugar, e isto é um processo que talvez exija que se oponham ao
povo, que talvez os impeça de falar a sua linguagem. Neste
sentido, hoje, a palavra «elitismo» pode bem ter um conteúdo
radical. Trabalhar para a radicalização da consciência e das
necessidades significa tomar o material explícito e consciente
bem como a discrepância ideológica entre o escritor e «o povo»,
em vez de a obscurecer e camuflar. A arte revolucionária pode
realmente tornar-se «O Inimigo do Povo».
A tese básica de que a arte deve ser um factor de
transformação do mundo pode facilmente tornar-se no
contrário, se a tensão entre a arte e a práxis radical diminuir de
modo a que a arte perca a sua própria dimensão de
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cognitivos. A verdade única da arte rompe com a realidade de todos
os dias e das férias, que bloqueia toda a dimensão da sociedade e da
natureza. A arte é a transcendência para esta dimensão onde a sua
autonomia se constitui como autonomia na contradição. O combate
contra esta transcendência, na qual se impõe a autonomia histórica da
arte - e com isso o seu protesto contra a sociedade existente - entrega
a arte àquela realidade para cuja transformação devia servir. Embora
o abandono da forma estética possa proporcionar o espelho mais
imediato de uma sociedade em que se destroem, se atomizam, se
destituem das suas palavras e imagens, sujeitos e objectos, a rejeição
da transformação estética transforma tais obras em pedaços e
fragmentos da verdadeira sociedade, cuja «antiarte» pretendem ser.
A antiarte nega à partida as suas próprias intenções.
As várias fases e tendências da antiarte ou da não-arte
compartilham uma assumpção comum - a saber, que o período
moderno se caracteriza por uma desintegração da realidade, que
torna toda a forma fechada em si mesma, toda a intenção de
significado (Sinngebung) falsa, se não impossível (25). Afirma-se que
a colagem, a montagem com vários meios ou a renúncia a qualquer
mimese estética são a forma da realidade; essa forma reflectiria a
realidade destroçada que contradiría toda a formação estética. Antes,
o oposto é que acontece. Experimentamos, não a destruição de cada
todo, de toda a unidade, de todo o significado, mas antes o domínio e
o poder do todo, a unificação sobreposta, administrada. A catástrofe
não é a desintegração, mas a reprodução e a integração do que existe.
E na cultura intelectual da nossa sociedade é a forma estética que, em
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virtude da sua alteridade, se pode opôr a esta integração.
Significativamente, o recente livro de Peter Weiss tem o título
Aesthetik des Widerstands (Estética da Resistência).
O esforço do artista para a superação da separação entre arte e vida
não pode ultrapassar esta separação. Wellershoff aponta o facto
decisivo: «existem diferenças sociais intransponíveis entre a fábrica
de conservas e o estúdio do artista: a fábrica de Warhol» (26); entre a
pintura gestual e os gestos “vivos” do trabalho fabril. Estas diferenças
tão pouco se podem transpor deixando acontecer as coisas (ruídos,
movimentos, conversa fiada, etc.) e incorporando-as, inalteradas,
numa determinada estrutura (por exemplo, num livro, num concerto).
A imediatidade, que significa aqui a abstracção de mediações, assim
adquirida é com isso mistificada: não aparece como o que é e o que
faz - é uma imediatidade artificial.
A libertação (Entschrdnkung) e a dessublimação que ocorrem na
antiarte renegam assim a realidade (e falsificam- -na), porque lhe
falta o poder cognitivo e incisivo da forma estética; são a mimese sem
transformação. A colagem, a montagem e a deslocação não alteram
este facto. A exibição de uma lata de sopa nada diz da vida do
trabalhador que a produziu nem da do seu consumidor. A renúncia à
forma estética não anula a diferença entre a arte e a vida - mas anula a
que existe entre essência e aparência, na qual reside a verdade da arte
e que determina o valor político da arte. A dessublimação da arte
pretende libertar a espontaneidade - tanto do artista como do receptor.
Mas assim como, na práxis radical, a espontaneidade só pode fazer
avançar o movimento de libertação como espontaneidade
mediatizada, isto é,
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obra autônoma. A forma estética é essencial à sua função social. As
qualidades da forma negam as da sociedade repressiva - as
qualidades da sua vida, do seu trabalho, o seu amor.
A qualidade estética e a tendência política estão inerentemente
relacionadas, mas a sua unidade não é imediata. Walter Benjamin
formulou a relação interna entre tendência e qualidade na tese: «A
tendência da obra literária só pode ser politicamente correcta se
também for correcta pelos padrões literários» (29). Esta formulação
rejeita com suficiente clareza a vulgar estética marxista. Mas, não
soluciona a dificuldade implícita no conceito de «correcção» literária
de Benjamin - nomeadamente, a sua identificação da qualidade
literária e política no domínio da arte. Esta identificação harmoniza a
tensão entre forma literária e conteúdo político: a forma literária
perfeita transcende a tendência política correcta; a unidade da
tendência e da qualidade é antagônica.
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ilusão e a aparência são qualidades da realidade dada, antes de o
serem da arte. E a mistificação não é apenas uma característica da
sociedade capitalista. A obra de arte, por outro lado, não encobre
o que ela é - revela-o.
Este Outro possível permanece fiel à história real na medida
em que é válido transcendentemente a cada situação histórica
específica. A tragédia existe sempre em todo o lado enquanto a
peça satírica a segue sempre e em toda a parte; a alegria
desaparece mais depressa do que a dor. Este conhecimento,
inexoravelmente expresso na arte, talvez abale a fé no progresso,
mas também pode manter viva outra imagem e outro objectivo da
práxis, nomeadamente, a reconstrução da sociedade e da natureza
sob o princípio do aumento do potencial humano de felicidade e
da diminuição do sofrimento. A revolução existe por amor à vida,
não à morte. Aqui se situa talvez o mais profundo parentesco
entre a arte e a revolução. A resolução de Lenine de não ouvir as
sonatas de Beethoven, que tanto admirava, atesta a verdade da
arte. O próprio Lenine o sabia - e rejeitava este conhecimento.
... muitas vezes não consigo ouvir música. Age sobre os
meus nervos. Uma pessoa gostaria de dizer tolices, de acariciar
as cabeças da gente que vive num inferno de sujidade e que, no
entanto, pode criar tal beleza. Mas, hoje em dia, não se pode
acariciar a cabeça de ninguém - a nossa mão seria mordida.
Devemos bater nas cabeças, bater impiedosamente - embora
idealmente sejamos contra toda a violência. ( )
Na verdade, a arte não se situa sob a lei da estratégia
revolucionária. Mas, talvez esta última um dia incorpore algo da
verdade inerente à arte. A expressão de Lenine «gostaria»
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não exprime uma preferência pessoal, mas uma alternativa
histórica - uma utopia que deve ser traduzida para a realidade.
Há na arte inevitavelmente um elemento de hybris: o mundo
criado pela arte não pode ser transposto para a realidade.
Permanece um mundo «fictício», embora como tal visione e
antecipe a realidade. Assim, a arte corrige a sua idealidade: a
esperança nela apresentada não deve e nem pode permanecer um
ideal (o oculto imperativo categórico da arte!), a sua realização,
porém, permanece exterior à arte. Na realidade, a «pura
humanidade» da Ifigênia de Goethe realiza-se na cena de
despedida da peça - mas só aí, na própria peça. É absurdo
concluir que precisamos de mais Ifigénias que preguem o
evangelho da pura humanidade, e de mais reis que a aceitem.
Além disso, sabemos há muito tempo que essa pura humanidade
não redime todos os crimes e sofrimentos humanos: torna-se
antes sua vítima. Assim, ela permanece ideal: as condições para
a sua realização geram- -se na luta política contra a realidade
dada. O ideal entra nesta luta apenas com o fim, telos\ transcende
a práxis concreta. Mas, as imagens do próprio ideal mudam com
a mudança da luta política. Hoje em dia, a «pura humanidade»
(tanto quanto hoje pode ser um ideal) encontrou talvez a sua
representação literária mais verdadeira na filha surda-muda de
Mãe Coragem, que é morta por um grupo de soldados enquanto
salva a cidade com o seu tambor.
Surge agora a questão: os elementos críticos, transcendentes,
da forma estética também serão operativos nas obras de arte
predominantemente afirmativas, conformistas? E vice-versa: a
negação extrema na arte conterá ainda afirmação?
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A forma estética, em virtude da qual uma obra se opõe à
realidade estabelecida é, ao mesmo tempo, uma forma de afirmação
através da catarse reconciliadora. Esta catarse, na qual a afirmação
se impõe, é um acontecimento mais ontológico do que psicológico.
Baseia-se nas qualidades específicas da própria forma, na sua
ordem não repressiva, no seu poder cognitivo, na sua imagem de
sofrimento que chegou ao fim. Mas a «solução», a reconciliação,
que a catarse oferece, também preserva o irreconciliável. A relação
interna entre os dois pólos pode ser ilustrada por dois exemplos de
extrema afirmação e extrema negação - a «Tümerlied» (Canção da
Torre) no Fausto de Goethe:
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rebelião: afirma nesse total horror a impotente força do amor.
Mesmo aqui, nas mãos do assassino e ao lado do corpo
despedaçado da querida Lulu, uma mulher exprime o grito pela
eternidade da felicidade: «Mein Engel! - Lass dich noch einmal
sehen! Ich bin dir nah - in Ewigkeit!... O verflucht!» (Meu anjo! -
Deixa-me olhar-te mais uma vez! Estou junto de ti! Estarei junto de
ti - na eternidade!... Maldição!). De modo semelhante, nas peças
mais aterrorizadoras de Strindberg, onde homens e mulheres
parecem viver apenas de ódio, tédio e maldade, ressoa o grito de O
Sonho: «Es ist schade um die Menshen.» (Pobres seres humanos!).
Esta unidade de afirmação e negação prevalecerá também na
afirmação apolínea da «Canção da Torre»? O verso «não importa o
quê» invoca o sofrimento (do cantor e dos outros) que entrou na
felicidade. A felicidade tem a última palavra, mas é uma palavra de
recordação. E, no último verso, a afirmação tem um tom de tristeza
- e de desafio.
Na sua análise do poema de Goethe Überallen Gipfeln... (33),
Adorno revelou como a mais sublime forma literária preserva a
memória da dor no momento de paz:
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estética (da peça, do poema, do romance), o terror é evocado,
chamado pelo seu nome, para testemunhar, para se denunciar. E
apenas um momento de triunfo, um momento na corrente da
consciência. Mas a forma capturou-o e deu-lhe permanência. Em
virtude desta realização da mimese, estas obras contêm a
qualidade de Beleza na sua forma talvez mais sublime: como Eros
político. Na criação de uma forma estética, em que o grito sobre o
horror do fascismo não se asfixia - apesar de todas as forças de
repressão e obliteração, os instintos vitais rebelam-se contra a
fase global sado- masoquista da civilização contemporânea. O
regresso do recalcado, conseguido e preservado na obra de arte,
pode intensificar esta rebelião.
A obra de arte conseguida perpetua a memória do momento de
prazer. E a obra de arte é bela na medida em que opõe a sua
própria ordem à da realidade - a sua ordem não-repressiva, onde a
própria maldição é proferida em nome do Eros. Aparece nos
breves momentos de realização, de tranquilidade - no belo
«momento» que suspende a dinâmica incessante e a desordem, a
necessidade constante de fazer tudo o que deve ser feito para se
continuar a viver.
O Belo pertence às imagens da libertação:
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-sensuais», o «prurido artístico dos sentidos» são apresentados
como «condições básicas para a autonomização da arte». O
queimar pinturas e estátuas não é uma «expressão de um
fanatismo cegamente violento», mas antes uma «consequência de
um mesquinho ideal de vida burguês, anti-intelectualista;
Savonarola é o seu representante intransigente» (37). Também
Adorno diz que a «hostilidade em relação à felicidade, o
ascetismo, essa spécie de ‘ethos’ que constantemente balbucia
nomes como Lutero e Bismarck, não pretende a autonomia
estética» (38). Adorno encontra aqui traços do «mesquinho ódio
burguês ao sexo».
No meio da sensibilidade constitui-se a relação paradoxal da
arte com o tempo - paradoxal porque o que é experimentado
através da sensibilidade é presente, embora a arte não possa
mostrar o presente sem o mostrar como passado. O que se tornou
forma na obra de arte já aconteceu: é recordado, re-apresentado. A
mimese traduz a realidade para a memória. Nesta recordação, a
arte reconheceu o que é e o que podia ser, dentro e fora das
condições sociais. A arte retirou este conhecimento da esfera do
conceito abstracto e implantou-o no domínio da sensualidade.
O seu poder cognitivo extrai a sua força deste domínio. A força
sensual do Belo mantém a promessa viva - a memória da
felicidade passada, que procura regressar.
Embora o universo da arte esteja permeado pela morte, a arte
repudia a tentação de dar um significado à morte. Para a arte, a
morte é uma infelicidade constante, uma ameaça constante mesmo
nos momentos de felicidade, triunfo e realização. (Mesmo em
Tristãio, a morte não deixa de ser um
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acidente, um duplo acidente da poção do amor e do ferimento. O
hino à morte é um hino ao amor.) Todo o sofrimento se torna
doença de morte - embora a doença em si se possa curar. La
Mortdes Pauvres pode bem ser redenção; a pobreza pode ser
abolida. No entanto, a morte permanece a negação inerente à
sociedade, à história. É a lembrança final das coisas passadas - a
última lembrança de todas as possibilidades abandonadas, de tudo
o que podia ter sido dito e não foi, de cada gesto, e cada carinho não
realizado. Mas, a morte também lembra a falsa tolerância, a pronta
submissão à necessidade da dor.
No trágico da grande arte está o caveat à tese segundo a qual
chegou o tempo de mudar o mundo. Embora a arte dê testemunho
da necessidade de libertação, também atesta os seus limites. O que
foi feito não pode ser desfeito; o que passou não pode ser reavido.
A história é culpa, mas não redenção. Eros e Thanatos não são
apenas adversários, como também amantes. A agressão e a
destruição podem estar, cada vez mais, ao serviço de Eros, mas o
próprio Eros actua sob o signo do sofrimento, do que passa. A
«eternidade do prazer» constitui-se através da morte dos
indivíduos. Para eles, esta eternidade é um universal abstracto. E,
talvez a eternidade não dure muito tempo. O mundo não foi feito
por amor ao ser humano e não se tem tornado mais humano.
Enquanto a arte preservar, com a promessa de felicidade, a
memória dos objectivos inatingidos, pode entrar, como uma ideia
«reguladora», na luta desesperada pela transformação do mundo.
Contra todo o feiticismo das forças produtivas, contra a
escravização contínua dos indivíduos pelas condições objectivas
(que continuam a ser as do domínio), a
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Conclusão
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sob o princípio da liberdade não é apenas exigido pela existência
contínua dos interesses de classe. As instituições de uma sociedade
socialista, mesmo na sua forma mais democrata, nunca poderíam
resolver todos os conflitos entre o universal e o particular, entre os
seres humanos e a natureza, entre os indivíduos em si. O socialismo
não liberta o Eros da dominação da morte, nem poderia fazê-lo. Este
é o limite que impele a revolução para além de todo o estado de
liberdade conseguido: é a luta pelo impossível, contra o
inconquistável cujo domínio talvez possa, no entanto, ser reduzido.
A arte reflecte esta dinâmica na sua insistência na verdade de um
mundo por ela criado, que não é o mundo da realidade social nem o
tem por solo. A arte abre uma dimensão inacessível a outra
experiência, uma dimensão em que os seres humanos, a natureza e
as coisas deixam de se submeter à lei do princípio da realidade, hoje
dominante. Sujeitos e objectos encontram a aparência dessa
autonomia que lhes é negada na sua sociedade. O encontro com a
verdade da arte acontece na linguagem e imagens distanciadoras,
que tornam perceptível, visível e audível o que já não é ou ainda não
é percebido, dito e ouvido na vida diária.
A autonomia da arte reflecte a ausência de liberdade dos
indivíduos na sociedade sem liberdade. Se as pessoas fossem livres,
então a arte seria a forma e a expressão da sua liberdade. A arte
continua presa da ausência de liberdade; ao contradizê-la, adquire a
sua autonomia. O nomos a que a arte obedece não é o do princípio da
realidade estabelecida, mas o das suas transformações - até à sua
negação. Mas, uma mera negação seria abstracta, «má» utopia. A
utopia,
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muitas vezes, justificou as relações sociais estabelecidas; no entanto,
sempre manteve bem vivo aquele grito humano que nao pode
satisfazer- -se com a sociedade existente. A magoa e a dor sao
elementos essenciais da literatura burguesa.» (Leo Lowenthal, Das
Bild des Menschen in der Literatur, Neuwid, Luchterhand, 1966, pp. 14 e
segs.).
(7) Ver o meu ensaio «The afirmative Character of Culture» em
Negations (Boston, Beacon Press, 1968).
(8) No seu livro Marxistische Ideologie und allgemeine Kunst theorie
(Tübingen, Mohr, 1970), Hans-Dietrich Sander apresenta uma
analise exaustiva dos contributos de Marx e Engels para uma teoria
da arte. Conclusão algo provocante: a maior parte da estetica marxista
é não só uma grosseira vulgarização, mas a inversão total das
opiniões de Marx e de Engelsi Escreve ele: Marx e Engels viram «a
essencia de uma obra de arte precisamente não na sua relevância
social ou política» (p. 174). Estão mais próximos de Kant, Fichte e
Schelling do que de Hegel (p. 171). A documentação de Sander para
esta tese pode ser demasiado selectiva e minimizar afirmações de
Marx e Engels, que contradizem a interpretação de Sander. No
entanto, a sua analise mostra realmente com muita clareza a
dificuldade da estética marxista em abordar os problemas da teoria da
arte.
O Bertolt Brecht, «Volkstümlichkeit und Realismus» in
Gesammelt
/I0\
Werke (Francoforte, Suhrkamp. 1967), volume VIII, p. 323.
( ) Georg Lukacs, «Es geht um den Realismus», in Marxismus und
Literatur, organizado porFritz J. Raddatz (Reinbek, Rowohlt, 1969),
volume II, p. 77.
(") In Die Linkskurve III, 5 (Berlim, Maio de 1931, p. 17.
(12) Colloque International sur la sociologie de la littérature
(Bruxelas, Instituto de Sociologia, 1974), p. 40.
(13) Walter Benjamin, «Fragment über Methodenfrage einer
Marxistishen Literatur-Analyse» in Kursbuch 20 (Francoforte,
Suhrkamp, 1970), p. 3. reimpresso em 1970), p. 9.
(14)Leo Lowenthal, Das Bild des Menschen in der Literatur p. 12.
(15) Reinhard Lettau em «Nashville Skyline» de Bob Dylan
in Der Spiegel, 1974-73, p. 112.
(16) Lucien Goldmann, Towards a Sociology of the Novel
(Londres, Tavistock, 1975), pp. 10 e segs.
(17)Brecht, Gesammelt Werke, vol. VIII, ob. cit., pp. 324 e segs.
O Ibid., p.,323. , ,FF
() Jean-Paul Sartre, On a raison de se rèvolter (Paris,
Gallimard, 1974), p. 96.
78
(20) Brecht, Gesammelt Werke, ob. Cit., pp. 324 e segs.
(21) Brecht, Gesammelt Werke, volume VII, pp. 260 e segs.
^^(22)Friedrich Nietzsche, Der Wille zur Macht (Estugarda, Kroner,
79
Bibliografia
81
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Tavistock Publisher, 1975).
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Press, 1975).
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(Tübingen, Niemeyer, 1956; segunda edição em 1970).
Lowenthal, Leo, Literature and the Image ofMan (Boston,
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Lukács, Georg, «Es geht um den Realismus», in Marxismus und
Literatur, vol.II, organizado por Fritz J. Raddatz (Reinbek,
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Nietzsche, Friedrich, Der Wille zur Macht (Estugarda, Kroner,
1930).
Sander, Hans-Dietrich, Marxistiche Ideologie undallgemeine
Kunsttheorie (Tübingen, Mohr, 1970).
Sartre, Jean-Paul, On a raison de se révolter (Paris, Gallimard,
1974).
ÍNDICE
PREFACIO........................................................... 10
CAPÍTULO 1........................................................ 15
CAPÍTULO II........................................................ 31
CAPÍTULO III........................................................45
CAPÍTULO IV....................................................... 57
CAPÍTULO V........................................................ 65
CONCLUSÃO....................................................... 73
NOTAS................................................................. 77
BIBLIOGRAFIA.................................................... 81