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Unidade II

Unidade II
2 TEORIAS CRÍTICAS DA LITERATURA: ANÁLISE E ELABORAÇÃO DE
ATIVIDADES DIDÁTICAS

2.1 Reflexões sobre o ensino de literatura

Para esta segunda unidade, proporemos algumas atividades didáticas, tanto para o Ensino Fundamental
quanto para o Médio, para que possamos refletir sobre o ensino de literatura e sua prática em sala de
aula. Vale lembrar que teremos nesse curso uma disciplina específica sobre ensino de literatura, na qual
essas reflexões serão aprofundadas.

A partir de nossa prática docente, podemos constatar que há uma visão equivocada sobre o que
é o ensino de literatura. Alguns alunos costumam me questionar: “Professora, vou ensinar literatura
somente no Ensino Médio, não é mesmo?”. E eu respondo: “Claro que não”.

Ensinar literatura não é ensinar história da literatura, ou simplesmente apresentar obras e autores.
Como vimos anteriormente, essa é uma visão equivocada e tem sido questionada há mais de 50 anos.
Com o surgimento da teoria literária e suas diferentes correntes teóricas, não deveria haver mais dúvidas
a esse respeito.

No 6º ano, quando o professor de Língua Portuguesa trabalha com a leitura e produção de gêneros
da esfera literária, observa seu enredo, narrador, personagens, estrutura, linguagem plurissignificativa,
entre outros aspectos, está ensinando literatura. Ou seja, análises e enfoques relevantes para a teoria
literária têm sido utilizados pelos professores, mesmo que alguns não tenham plena consciência dessa
prática.

Os documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e as diferentes


Orientações Curriculares, apontam para as especificidades do texto literário e seu ensino, a partir de
teorias atualizadas. Contudo, podemos observar pelos relatos de nossos alunos de Letras, ou mesmo dos
estudantes do Ensino Médio, que há ainda muitos obstáculos a serem superados.

Os PCN e as Orientações Curriculares do Ensino Fundamental não explicitam o ensino de Literatura,


mas demonstram uma clara preocupação com a formação do leitor literário, competente em sua
apreciação crítica e estética. Vejamos o que dizem as Orientações Curriculares: Proposição de Expectativas
de Aprendizagem do Ensino Fundamental de Língua Portuguesa para os professores da Rede Municipal
da cidade de São Paulo:

Ao tratar dos textos da esfera literária (prosa e verso) exploramos a leitura


e a produção de textos que são, antes de tudo, objetos estéticos, “obras
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OFICINA LITERÁRIA 2: TEORIAS CRÍTICAS DA LITERATURA

de arte”. Essa é a esfera privilegiada para desenvolver a sensibilidade dos


estudantes para o uso estético da palavra. Por isso, é fundamental que o
professor proporcione aos estudantes experiências ricas em emoção estética
e os estudantes aprendam a apreciar um texto literário, assim como ele
faz com a música, o cinema e outras linguagens artísticas. Nessa esfera,
é fundamental que o estudante possa elaborar critérios próprios para
selecionar, avaliar e criticar os textos que lê, e que tenha liberdade de se
expressar emocional e esteticamente (BRASIL, 2007, p. 96).

Os PCN de Língua Portuguesa destacam ainda a relevância do texto literário e suas especificidades,
que vão muito além de um mero pretexto para o estudo da língua:

O texto literário constitui uma forma peculiar de representação e estilo em


que predominam a força criativa da imaginação e a intenção estética. Não é
mera fantasia que nada tem a ver com o que se entende por realidade, nem
é puro exercício lúdico sobre as formas e sentidos da linguagem e da língua
(BRASIL, 1998, p. 26).

No Ensino Médio, o discurso literário também é apontado em suas especificidades e visto em


conjunto com os estudos linguísticos, na disciplina de Língua Portuguesa, conforme podemos observar
nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio:

[...] o discurso literário decorre, diferentemente dos outros, de um modo


de construção que vai além das elaborações linguísticas usuais, porque
de todos os modos discursivos é o menos pragmático, o que menos visa
a aplicações práticas. Uma de suas marcas é sua condição limítrofe, que
outros denominam transgressão, que garante ao participante do jogo da
leitura literária, o exercício da liberdade, e que pode levar a limites extremos
as possibilidades da língua (BRASIL, 2006, p. 49).

Quanto ao conceito de fruição (desfrute) ou apreciação estética, mencionado nas citações que
acabamos de apresentar, vale considerarmos o que dizem os PCN+ do Ensino Médio:

Trata-se do aproveitamento satisfatório e prazeroso de obras literárias,


musicais ou artísticas, de modo geral – bens culturais construídos pelas
diferentes linguagens –, depreendendo delas seu valor estético. Apreender
a representação simbólica das experiências humanas resulta da fruição de
bens culturais.

Pode-se propiciar aos alunos momentos voluntários, para que leiam


coletivamente uma obra literária, assistam a um filme, leiam poemas de sua
autoria – de preferência fora do ambiente de sala de aula: no pátio, na sala
de vídeo, na biblioteca, no parque (BRASIL, 2002, p. 67).

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A partir do exposto, podemos observar que a literatura se emparelha a outras produções culturais,
configuradas em distintas linguagens. Inclusive, a proposta do Ensino Médio é a de que diferentes
disciplinas sejam tratadas a partir de uma mesma área de conhecimento. No caso, Língua Portuguesa
faz parte da área de Linguagens, códigos e tecnologias, juntamente com Língua Estrangeira Moderna,
Arte, Educação Física e Informática.

No Ensino Médio, propõe-se a sistematização do ensino de literatura, mas não que o aluno decore
regras, nomes de autores e obras, e sim tenha conhecimento de diferentes movimentos literários,
contextualizados e vistos de forma sincrônica e diacrônica:

Os produtos culturais das diversas áreas (literatura, artes plásticas, música,


dança etc.) mantêm intensa relação com seu tempo. O aluno deve saber,
portanto, identificar obras com determinados períodos, percebendo-as
como típicas de seu tempo ou antecipatórias de novas tendências (BRASIL,
2002, p. 65).

Está claro que não se lê um texto literário da mesma forma que se lê outros textos, tanto que é
importante que façamos algumas considerações sobre leitura de literatura, digamos, a leitura literária.

A leitura envolve diferentes processos, neurolinguístico, cognitivo, simbólico, entre outros.


A recepção de um texto não recorre somente às capacidades reflexivas do leitor, como também
contribui para o afloramento de certas emoções, incitando-o a um engajamento afetivo, a uma
identificação com o texto lido, normalmente um texto ficcional, ou mesmo à sua recusa:

As emoções estão de fato na base do princípio de identificação, motor


essencial da leitura de ficção [...] querer expulsar a identificação – e
consequentemente o emocional da experiência estética parece algo
condenado ao fracasso [...] Mais do que um modo de leitura peculiar, parece
que o engajamento afetivo é de fato um componente essencial da leitura
em geral (JOUVE, 2002, p. 19-21).

Consideramos que o professor deva levar em conta esse engajamento afetivo, não só de seus alunos,
mas dele mesmo. Este é um grande desafio: motivar a leitura literária, incitar o desfrute, o prazer estético,
formar um leitor literário em meio a avaliações e cobranças para realização de provas e vestibulares. Não
há fórmulas mágicas. Pela nossa experiência, o encantamento do professor pela literatura contagia seus
alunos. Esse é um bom começo.

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OFICINA LITERÁRIA 2: TEORIAS CRÍTICAS DA LITERATURA

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Sobre leitura literária, recomendamos o livro a seguir:

JOUVE, V. A leitura. Tradução Brigitte Hervot. São Paulo: Editora Unesp,


2002.

Recomendamos também o item 2.1, Leitura: uma Prática Sociocultural,


da tese de doutoramento da autora deste livro-texto:

MENNA, L. R M C. A literatura infantil além do livro: as contribuições


do jornal português O Senhor Doutor e da revista brasileira O Tico-Tico.
2012. 314 f. Tese (Doutorado em Estudos Comparados de Literaturas de
Língua Portuguesa) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. Disponível em: <http://
www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8156/tde-07122012-105735/
publico/2012_LigiaReginaMaximoCavalariMenna_VCorr.pdf>. Acesso em:
24 jun. 2015.

2.2 Gêneros da esfera literária

Em nosso curso, há uma disciplina específica sobre os gêneros textuais, assim não nos aprofundaremos
muito nessa questão, apenas apontaremos aspectos que se referem especificamente à esfera literária.
Lembremos que os PCN destacam o trabalho com os gêneros, com relação à leitura, escuta, produção
e escrita, nas mais diferentes esferas (literária, jornalística, do cotidiano...), seguindo a perspectiva
enunciativa de Mikhail Bakhtin:

Todo texto se organiza dentro de determinado gênero em função das


intenções comunicativas, como parte das condições de produção dos
discursos, as quais geram usos sociais que os determinam. Os gêneros são,
portanto, determinados historicamente, constituindo formas relativamente
estáveis de enunciados, disponíveis na cultura [...] (BRASIL, 1998, p. 21).

No ensino de literatura, essa concepção de gêneros é bastante relevante e deve ser considerada.
Contudo, nós professores devemos ficar atentos para não colocar o processo de ensino-aprendizagem
em “uma camisa de força”, optando por uma “gramática do gênero”. Não adianta nada o aluno conseguir
distinguir um conto de um romance se não for capaz de uma apreciação pessoal e crítica sobre a
obra. Além do que, há tantas especificidades que seria impossível trabalhar com todas as variantes
de um conto, por exemplo (de mistério, social, de terror, maravilhoso, fantástico, entre tantos outros),
ou mesmo de um poema, composto em diferentes estruturas, estilos e temas (soneto, quadras, haicai,
versos livres, poema digital, redondilhas, canções...).

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Vejamos os gêneros da esfera literária privilegiados para o Ensino Fundamental, segundo os PCN:

Quadro 1 – Gêneros privilegiados para a prática de escuta e leitura de textos

Linguagem oral Linguagem escrita


Literários - Cordel, causos e similares Literários - Conto
- Texto dramático - Novela
- Canção - Romance
- Crônica
- Poema
- Texto dramático

Fonte: Brasil (1998, p. 54).

Outra sugestão de agrupamento é a dada pelos estudiosos Dolz e Schneuwly, a partir dos diferentes
domínios sociais da comunicação, levando em conta os aspectos tipológicos, no caso, trata-se da cultura
literária ficcional e do “narrar”, respectivamente:

Quadro 2

Domínios sociais de comunicação


Aspectos tipológicos Exemplos de gêneros orais e escritos
Capacidades de linguagem dominantes

Conto maravilhoso
Conto de fadas
Fábula
Lenda
Narrativa de aventura
Narrativa de ficção científica
Narrativa de enigma
Cultura literária ficcional
Narrativa mítica
Narrar
Sketch ou história engraçada
Mímesis da ação através da criação da intriga Biografia romanceada
no domínio do verossímil
Romance
Romance histórico
Novela fantástica
Conto
Crônica literária
Adivinha
Piada

Fonte: Dolz e Schneuwly apud Rojo e Cordeiro (2004, p. 59-62).

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Sugerimos a leitura integral do livro da professora Roxane Rojo:

ROJO, R.; CORDEIRO, G. S. (Org.). Gêneros orais e escritos na escola.


Campinas: Mercado de Letras, 2004.

No Ensino Médio, o trabalho com os gêneros também é privilegiado. Vejamos:

Quando se pensa no trabalho com textos, outro conceito indissociável diz


respeito aos gêneros em que eles se materializam, tomando-se como pilares
seus aspectos temático, composicional e estilístico [...] Essa abordagem
explicita as vantagens de se abandonar o tradicional esquema das estruturas
textuais (narração, descrição, dissertação) para adotar a perspectiva de
que a escola deve incorporar em sua prática os gêneros, ficcionais ou não
ficcionais, que circulam socialmente: na Literatura, o poema, o conto, o
romance, o texto dramático, entre outros [...] (BRASIL, 2002, p. 77).

Normalmente, os professores elegem os gêneros presentes nos diferentes períodos literários,


com maior ênfase aos romances e poemas. Eventualmente, o texto dramático também é trabalhado,
principalmente pela análise do teatro de Gil Vicente.

A produção de tais gêneros também deve ser privilegiada, ao lado de outros de tantas esferas.

Vale lembrar a importância de mesclarmos o cânone com produções contemporâneas e muitas


vezes até polêmicas quanto à sua literariedade. Por que não apresentar Carlos Drummond de Andrade,
Camões e poetas periféricos, como Sérgio Vaz, em um processo anacrônico e diacrônico?

Um texto dramático como o Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente, pode ser estudado em paralelo
a outras produções, como o Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, e sua versão fílmica, cujo roteiro
também merece ser explorado.

Polêmicas à parte quanto o que é e não é literatura, letras de canções também devem ser
estudadas, já que muitas se constituem em poemas de significativo valor estético ou mesmo
compõem o universo cultural de muitos dos nossos alunos, como os raps, por exemplo. Veja a obra
de Chico Buarque, Renato Russo, Lenine, Zeca Baleiro, Arnaldo Antunes, Racionais MC’s, entre
tantos outros.

A literatura de cordel e diferentes gêneros da tradição oral, como lendas, mitos, fábulas e contos
populares, não devem ser abandonados no Ensino Médio, pois se constituem um riquíssimo material
para leitura e produção.

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2.3 Propostas de elaboração de atividades didáticas

Atividade 1: Ensino Médio

Para o Ensino Médio, propomos uma análise contrastiva entre os contos “A menina de lá”, de Guimarães
Rosa, e “O não-desaparecimento de Maria Sombrinha”, de Mia Couto, publicados originalmente em
1962 e 1997, respectivamente. Sugerimos que a atividade seja aplicada no 3º ano do Ensino Médio, em
vista dos estudos sobre o Modernismo e Pós-Modernismo. Após o trabalho de análise e interpretação
dos contos, feita pelos alunos sob orientação do professor, sugerimos que sejam produzidos outros
contos, ou mesmo produções culturais diversas, a partir dos temas e discussões realizadas. Os alunos
podem transformar os contos em Histórias em Quadrinhos, textos dramáticos ou mesmo roteiros de
filmes, para posterior apresentação.

Como vimos, é importante que haja uma mescla de metodologias de ensino, baseadas em diferentes
teorias críticas. No caso dessa atividade, vislumbramos que a crítica temática, a crítica social, a estilística
e o estruturalismo dão conta de um trabalho consistente e produtivo. Cabe, logicamente, ao professor
verificar o nível de aprendizado de seus alunos para escolher os métodos que melhor atendem a suas
necessidades e capacidades.

Esclarecemos que muitos dos procedimentos aqui sugeridos são pontuados pelas disciplinas de
Teoria Literária, Literatura Comparada e História da Literatura.

Vejamos alguns trechos significativos dos contos:

A menina de lá, de Guimarães Rosa

“[...] Em geral, porém Nhinhinha, com seus nem quatro anos, não incomodava ninguém,
e não se fazia notada, a não ser pela perfeita calma, imobilidade e silêncios. Nem parecia
gostar ou desgostar especialmente de coisa ou pessoa nenhuma. Botavam para ela a comida,
ela continuava sentada, o prato de folha no colo, comia logo a carne ou o ovo, os torresmos,
o do que fosse mais gostoso e atraente, e ia consumindo depois o resto, feijão, angu, o arroz,
abóbora, com artística lentidão. De vê-la tão perpétua e imperturbada, a gente se assustava
de repente.

– “Nhinhinha, que é que você está fazendo?“ – perguntava-se.

E ela respondia, alongada, sorrida, moduladamente:

– “Eu... tou... fa-a-zendo”.

Fazia vácuos. Seria mesmo seu tanto tolinha? [...]

“[...] Nem mãe nem pai acharam logo a maravilha, repentina.

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Mas Tiantônia. Parece que foi de manhã. Nhinhinha, só, sentada olhando o nada diante
das pessoas: – “Eu queria o sapo vir aqui”. Se bem a ouviram, pensaram fosse um patranhar,
o de seus disparates, de sempre. Tiantônia, por vez, acenou-lhe com o dedo. Mas, aí, reto,
aos pulinhos, o ser entrava na sala, para aos pés de Nhinhinha – e não o sapo de papo, mas
bela rã brejeira, vinda do verduroso, a rã verdíssima. Visita dessas jamais acontecera. E ela
riu: – “Está trabalhando um feitiço...” Os outros se pasmaram; silenciaram demais [...]
Fonte: Rosa (2001, p. 68-9).

O não-desaparecimento de Maria Sombrinha, de Mia Couto

A família de Maria Sombrinha vivia em tais misérias, que nem queria saber de
dinheiro. A moeda é o grão de areia esfluindo entre os dedos? Pois, ali, nem dedos.
Tudo começou com o pai de Sombrinha. Ele se sentou, uma noite, à cabeceira da mesa.
Fez as rezas e olhou o tampo vazio. – “Eh pá, esta mesa está a diminuir!” Os outros,
em silêncio, balancearam a cabeça, em hipótese. “Vocês não estão a ver? Qualquer dia
não temos onde comer.”

[...] Por fim, sua visão minguante aconteceu com Sombrinha. Ele via o tamanho dela se
acanhar, mais e mais pequenita. E se queixava, pressentimental: – “Esta menina está-se a
enxugar no poente...” Todos se riam. O pai cada vez piorava. Face ao riso, o homem se remeteu
à ausência. Se transferiu para as traseiras, se anichou entre desperdício e desembrulhos. A
filha ainda solicitou comparência do mais velho.- “Deixe o seu pai lá onde está, ele não está
em lugar nenhum.”

Valia a pena sombrear a miúda, minhocar-lhe o juízo? Mas Sombrinha não deixou de
rimar com a alegria. Afinal, era ainda menos que adolescente, dada somente a brincriações.
Sendo ainda tão menina, contudo, um certo dia ela se barrigou, carregada de outrem.
Noutros termos: ela se apresentou grávida. Nove meses depois se estreava a mãe. Sem ter
idade para ser filha como podia desempenhar maternidades?
Fonte: Couto (2009, p. 11-4).

Antes da leitura dos contos, sugerimos que seja feito um levantamento prévio dos conhecimentos
dos alunos a respeito dos autores e temas dos contos apresentados.

Devido ao estilo dos autores e uma certa dificuldade quanto ao vocabulário, é importante que o
professor faça uma primeira leitura em voz alta, enfatizando os nuances mais relevantes. Muitos dos
significados podem ser apreendidos pelos alunos pela inferência.

Pensando na temática, observamos que os contos se aproximam ao tratar da morte de crianças,


especificamente meninas, de uma maneira insólita. Contudo, individualmente, possuem suas
especificidades. No conto de Guimarães Rosa, a fé, a religião, a crença em milagres sobressaem-se. No
conto de Mia Couto, a gravidez infantil, narrada em tons fantásticos, sobressai-se enquanto temática.

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Quanto à estilística, é importante destacar o uso de neologismos (“sorrida”, “pressentimental”,


“brincriações”), a escolha lexical primorosa, o uso de uma linguagem plurissignificativa e poética, assim
como a construção expressiva dos diálogos.

A estrutura narrativa também deve ser explorada, levando-se em conta o gênero conto e suas
características. Além disso, deve-se destacar a figura do narrador e a construção das personagens.

Observação

Segundo Massaud Moisés (1983, p. 114), “O conto é uma narrativa


unívoca, univalente. Constitui uma unidade dramática, uma célula
dramática. Portanto, contém um só conflito, um só drama, uma só ação:
unidade de ação”.

Já Salvatore d’Onofrio (2007, p. 88) afirma que “A diminuição


dos elementos estruturais confere ao conto uma grande densidade
dramática. Enquanto no romance o conteúdo textual encontra-se
diluído na multiplicidade de ações, personagens, espaços, tempos,
descrições, reflexões, no conto temos uma condensação do sentido
que se revela ao leitor de uma forma mais rápida e surpreendente.
O contista tem uma ideia fundamental a expressar. Inventa,
então, uma pequena história vivida por algumas personagens cujo
desfecho leva o leitor a deduzir a parcela de sentido do mundo que
a narrativa encerra”.

Quanto ao conteúdo e as questões sociais prementes, é importante destacar o contexto de produção


dos contos. Em uma leitura mais profunda, os contos apontam para a situação crítica da infância.
Podemos depreender do conto de Mia Couto, a partir de sua narrativa insólita e fantástica, o grave
problema da miséria e da gravidez precoce, meninas parindo meninas, algo observável não somente em
Moçambique, mas em muitos rincões brasileiros.

Observe, caro aluno, que, ao compararmos os contos de forma crítica e reflexiva, estamos
referenciados pela Literatura Comparada. Podemos ainda aplicar alguns procedimentos dos Estudos
Culturais, observando questões prementes ao colonialismo e pós-colonialismo na África.

É preciso, ao final das análises, resgatar a história da literatura, incluindo Guimarães Rosa e
sua obra na terceira fase do modernismo brasileiro e Mia Couto como atual expoente da literatura
moçambicana.

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OFICINA LITERÁRIA 2: TEORIAS CRÍTICAS DA LITERATURA

Saiba mais

Veja no site da revista Crioula alguns artigos sobre Mia Couto e suas
relações estilísticas com Guimarães Rosa.

REVISTA Crioula. [s.d.]. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/


crioula/search/search>. Acesso em: 25 jun. 2015.

Atividade 2: Ensino Fundamental

Para o Ensino fundamental, escolhemos uma atividade baseada no primeiro capítulo do 7º ano, da
coleção didática Português: uma Língua Brasileira, editora Leya, da qual a conteudista deste livro-texto
é coautora. Assim, a atividade é destinada a alunos de cerca de 12 anos.

Propomos a análise da introdução do romance A Majestade do Xingu, de Moacyr Scliar, e posterior


produção textual.

Vejamos alguns trechos:

Olhem lá, gritou a mãe de Noel. Era uma jangada que retornava da pescaria no mar alto.
Nunca tínhamos visto uma embarcação tão frágil. Uns troncos de madeira com uma vela de
pano rasgado – com aquilo os pescadores se aventuravam no oceano? Pensei que nós éramos
corajosos, disse minha mãe, mas esses homens têm muito mais coragem do que nós. Quase
precipitando-se pela amurada, Noel gritava e abanava para os pescadores, que, sorrindo,
abanavam também. Um deles ergueu no ar um grande peixe – as escamas rebrilharam ao
sol –, como se dissesse, olhem, estrangeiros, vejam como é generosa a natureza aqui, os
peixes se multiplicam sem cessar, as frutas caem das árvores, ninguém passa fome.

[...]

Por alguma razão (o olho do peixe, o olho morto do peixe?) aquela visão me causou
estranha angústia. Pobre peixe, arrancado da intimidade das águas pela rede que o
surpreendera, atirado sobre os troncos da jangada, golpeado com o remo ou com o facão que
o pescador tinha na cintura – e agora mostrado, morto, a perplexos e deliciados emigrantes
russos. [...] E ali estava, diante de nós, a cidade em que iríamos desembarcar e cujo nome não
sabíamos sequer pronunciar: Recife.

Fonte: Scliar (1997, p. 46-50).

Inicialmente, antes mesmo da leitura, é preciso que se faça um levantamento dos conhecimentos
prévios dos alunos sobre o autor, as migrações, povos que participaram da formação do povo brasileiro,
entre outros aspectos. A partir desse “aquecimento” inicial, explique que o narrador é um menino de

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família judia, vindo da Rússia com sua família, para o Brasil, em 1921, quando se tornou amigo do
menino Noel Nutels, que se tornaria, futuramente, um famoso médico ligado aos indígenas do Xingu,
ou seja, um personagem real em uma obra de ficção.

Um objetivo específico para essa leitura deve ser apresentado aos alunos, ou seja, eles precisam saber
para que e porque estão lendo. Cabe ao professor incitar a curiosidade de seus alunos, perguntando, por
exemplo: “Você já teve que enfrentar um lugar totalmente desconhecido?” ou “Como será a aventura
desse narrador, um jovem como vocês?”.

O professor, como modelo de leitura, deve ser o primeiro a ler o texto em voz alta. Depois, os alunos
precisam reler o texto para responder a diferentes questões de compreensão e interpretação.

É importante ressaltar os recursos estilísticos utilizados pelo autor, como a primorosa escolha e
articulação das palavras, a descrição e ambientação e o uso da linguagem poética, itens que devem ser
destacados em um gênero da esfera literária.

Deve-se também explorar os elementos narrativos, principalmente a figura do narrador em primeira


pessoa. Apesar de não ser um texto completo, podemos observar a criação de expectativas, o clímax no
desenrolar do enredo.

Veja algumas questões, com as respostas sugeridas em vermelho, pensadas com o objetivo de incitar
a fruição e a apreciação estética dos alunos:

1. Leia os trechos a seguir e observe como o narrador escolheu, cuidadosamente, as


palavras para formar imagens que despertam a sensibilidade do leitor.

I - “Pobre peixe, arrancado da intimidade das águas pela rede que

o surpreendera, atirado sobre os troncos da jangada, golpeado com o

remo ou com o facão que o pescador tinha na cintura – e agora mostrado, morto, a
perplexos e deliciados emigrantes russos.”

II - “[...] o que eu tinha diante de mim era uma orgia de cores,

Uma profusa, esfuziante aquarela que chegava a me deixar tonto [...].”

a) De que trecho você mais gostou? Por quê?

Resposta pessoal. Deixe os alunos responderem livremente, aguçando-lhes a apreciação


estética. Leia os trechos em voz alta para que eles notem a musicalidade, o paralelismo
sintático que confere ritmo ao trecho 1 na sequência “arrancado, atirado, golpeado,
mostrado”; a personificação e, “intimidade das águas”. A imagem colorida, a descrição
pictórica no trecho 2, por exemplo.
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OFICINA LITERÁRIA 2: TEORIAS CRÍTICAS DA LITERATURA

b) Segundo o trecho I, os emigrantes russos ficaram “perplexos e deliciados” diante do


peixe. E você? Como se sentiu em relação ao peixe, ao ler esse trecho? Que palavras do texto
provocaram tal sentimento?

Respostas pessoais.

c) O narrador no trecho II menciona uma “orgia de cores, uma profusa, esfuziante


aquarela” que até o deixava “tonto”. Explique com suas palavras a sensação visual do
narrador, substituindo as palavras destacadas por outras de sentido semelhante.

Espera-se que os alunos reproduzam a sensação do narrador por meio de paráfrases


que expliquem as palavras destacadas. Sugestão: a sensação era a de uma festa/confusão
de cores (orgia), uma enorme, abundante (profusa), alegre e radiante (esfuziante) aquarela.
Fonte: Figueiredo e Menna (2013).

Saiba mais

Veja a uma amostra da coleção em um livro digital, no qual aparece


o início do romance A Majestade do Xingu, de Moacyr Scliar, e algumas
atividades propostas

FIGUEIREDO, R.; MENNA, L. Português: uma língua brasileira. Coleção


Didática – Ensino Fundamental II. São Paulo: Leya, 2013. Disponível em:
<http://pnld2014.leya.com.br/livrodigital/avulso/portugues/7/index.
html#/20/>. Acesso em: 26 jun. 2015.

Resumo

Inicialmente, fizemos algumas reflexões sobre o ensino de literatura.


Apontamos que a literatura é ensinada tanto no Ensino Fundamental como
no Médio e que ensinar literatura não é ensinar história da literatura.

Os documentos oficiais demonstram preocupação com a formação do


leitor literário, um leitor competente em sua apreciação crítica e estética,
em todos os níveis de ensino.

A concepção de gêneros a partir da perspectiva enunciativa bakhtiniana


deve ser considerada no processo de ensino-aprendizagem de literatura;
contudo, o professor deve ficar atento para que essa perspectiva não se

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torne “uma camisa de forças” e os aspectos inerentes ao texto literário não


sejam menosprezados.

Ao final, propusemos duas atividades didáticas. Para o Ensino Médio,


uma análise contrastiva entre os contos “A Menina de Lá”, de Guimarães
Rosa e o “Não Desaparecimento de Maria Sombrinha”, de Mia Couto.

Para o Ensino Fundamental, propusemos a análise da introdução do


romance A Majestade do Xingu, de Moacyr Scliar, e posterior produção
textual.

Vimos a importância de mesclar metodologias de ensino, baseadas em


diferentes teorias críticas, a partir do que propõem as disciplinas: Teoria
Literária, Literatura Comparada, Estudos Culturais e História da Literatura.

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REFERÊNCIAS

Textuais

ARISTÓTELES, HORÁCIO, LONGINO. A poética clássica. Tradução Jaime Bruna. São Paulo: Cultrix, 2003.

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Maria Emantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

BARBERIS, P.; BERGEZ, D.; DE BIASI, P. M et al. Métodos críticos para a análise literária. Tradução
Olinda Maria Rodrigues Prata. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

BARTHES, R.; GREIMAS, A. J.; BREMOND C. et al. Análise estrutural da narrativa. Campinas: Vozes,
2008.

BAUMGARTEN, A. G. Estética: lógica da arte e do poema. Tradução Míriam S. Medeiros. Rio de Janeiro:
Vozes, 1993.

BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras
escolhidas. v. 1. São Paulo: Brasiliense, 1994.

BLOOM, H. O cânone ocidental. Tradução Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.

BONNICI, T.; FLORY, A. V.; PRADO, M. R. (Org.). Margens instáveis: tensões entre teoria, crítica e história
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___. PCN+ Ensino Médio: orientações educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares
Nacionais. v. Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Brasília: MEC/Semtec, 2002.

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