Você está na página 1de 13

A PÓS-MODERNIDADE: UM DEBATE FILOSÓFICO

JÜRGEN HABERMAS

Jürgen Habermas, sociólogo e filósofo alemão, membro da Escola de Francoforte/Frankfurt


(escola filosófica de inspiração marxista a que pertencem Adorno, Horkheimer e Marcuse).
Habermas e Karl-Otto Apel (segunda geração da escola de Frankfurt), assumem a herança da
Teoria crítica da primeira geração, mas atenuando o seu alcance fundamentalmente negativo e
revalorizando os recursos construtivos, afirmativos e até fundadores (Apel), da razão. Ambos
prolongam Kant, a filosofia das Luzes, tentando integrar o materialismo histórico (Marx), a
psicanálise (Freud), a Hermenêutica (Heidegger, Gadamer) e, sobretudo, a filosofia da
linguagem (Wittgenstein), num racionalismo renovado e complexo.

Sua tese foi publicada sob o título (traduzido: o espaço público no seio do qual se forma a
opinião pública). Trata simultaneamente da ciência política, da história, da sociologia e da
filosofia. Depois de ter sido assistente de Adorno, Habermas ensina primeiro em Heidelberga
(junto de Gadamer) e, depois, em Frankfurt, a partir de 1964. Como Marcuse, são os
movimentos estudantis esquerdistas dos anos sessenta que vão torná-lo célebre. As suas
exigências de racionalidade levam-no todavia a criticar os excessos e a falta de seriedade da
contestação, que se volta então contra ele.

Habermas tornar-se-á, durante os anos setenta, o alvo simultaneamente da esquerda e da


direita. Irá abandonar durante alguns anos a Universidade de Frankfurt para dirigir o Instituto
Max Plank de Pesquisa sobre as Condições de Existência do Mundo Científico e Técnico. Mais
ainda que Apel, Habermas prolonga e renova a inspiração da Teoria Crítica concentrando-se na
crítica das ideologias (especialmente filosóficas).

Em seguida consagrar-se-á a uma grande filosofia da comunicação considerada nas suas


dimensões epistemológicas e éticas. Vai assim importar-se, a partir dos anos oitenta, a noção de
uma nova ética dita “comunicacional” ou “processual”, ética “do discurso” ou ainda “da
discussão”, a que o nome de Apel está igualmente intimamente associado. (cf Hottois, 2003:
388).
É fundador da Teoria do agir comunicativo. Tenta desenvolver uma teoria global da acção social,
nos seus aspectos subjectivos, estruturais e evolutivos.

Habermas é considerado um dos maiores filósofos contemporâneos. O fio condutor do seu


pensamento é a ideia da razão crítica a serviço da emancipação do homem (influências do
iluminismo e do marxismo). Esta razão crítica não deve estar contra a razão técnico-económica,
mas deve redimensioná-la.

Grande aspiração de Habermas é conseguir uma união entre a teoria e a praxis (esta é a eterna
aspiração de todos os filósofos).

Objectivo de Habermas é salvaguardar a racionalidade e assim a possibilidade de chegar a uma


verdade.

Habermas e o conceito de Modernidade

Habermas recorre a Hegel, como o primeiro filósofo que elevou a Modernidade ao estatuto de
problema filosófico no século XVIII. (Habermas, 1998: 27ss e 57)

Para ele, Hegel foi o primeiro filósofo a desenvolver um conceito preciso da modernidade;
temos portanto de remontar a Hegel se quisermos compreender o que significa a relação
interna entre modernidade e racionalidade, tida como evidente até Max Weber e hoje posta em
questão. Temos de nos certificar do conceito hegeliano de modernidade para podermos avaliar
a razão daqueles que fazem as suas análises partindo de outras premissas. Não podemos no
entanto afastar a priori a suspeita de que o pensamento pós-moderno está meramente a
atribuir a si mesmo uma posição transcendente, quando na realidade permanece dependente
dos pressupostos, validados por Hegel, da auto-compreensão moderna.

Diz Habermas (1998: 16), não podemos excluir de antemão a hipótese de que o neo-
conservadorismo ou o anarquismo de inspiração estética estejam a tentar mais uma vez, em
nome de um adeus à modernidade, revoltar-se contra ela. Pode muito bem ser que eles estejam
pura e simplesmente a disfarçar sob a capa do pós-iluminismo a sua cumplicidade com uma
venerável tradição do contra-iluminismo.

Hegel: Modernidade como problema filosófico

Hegel, afirmara Habermas, é o primeiro a elevar à categoria de problema filosófico o processo


de separação da modernidade das sugestões normativas do passado que lhe são exteriores. É
certo que no quadro de uma crítica da tradição que integra experiências da Reforma e do
Renascimento e reage aos inícios das modernas ciências da Natureza, a Filosofia dos tempos
modernos desde o fim da Escolástica até Kant exprime também já a autocompreensão d
modernidade.

Mas é só no fim do século XVIII, que o problema da autocertificação da modernidade se torna


de tal modo premente que leva Hegel a tomar consciência desta questão como o problema
fundamental da sua Filosofia.

A inquietação causada pelo facto de a modernidade, na ausência de modelos, ser forçada a


encontrar o seu equilíbrio nas bipartições por ela provocadas, é considerada por Hegel a “fonte
da necessidade de Filosofia”. Ao mesmo tempo que a modernidade desperta para uma
consciência de si própria, nasce nela uma necessidade de autocertificação, que é compreendida
por Hegel como a necessidade de Filosofia.

Ele vê a Filosofia confrontada com a tarefa de traduzir em pensamento o seu próprio tempo
que, para Hegel, significa a época moderna. Hegel está convencido de que não pode de forma
alguma apreender o conceito que a Filosofia faz de si própria sem atender ao conceito filosófico
de modernidade.

Em primeiro lugar Hegel descobre o princípio dos tempos modernos: a subjectividade. Partindo
deste princípio, explica simultaneamente a superioridade do mundo moderno e a sua
vulnerabilidade à crise, a qual se revela no facto de o mundo ser um mundo do progresso e de
ser ao mesmo tempo o mundo do espírito alienado de si próprio. Para Hegel, os tempos
modernos são caracterizados de uma forma geral por uma estrutura de auto-relação a que ele
chama de subjectividade.

Ele explica a subjectividade por meio de liberdade e reflexão. “o que dá grandiosidade à nossa
época é o reconhecimento da liberdade, a propriedade do espírito, o reconhecimento de que o
espírito estando em si está consigo”. A subjectividade para ele tem quatro conotações:

- Individualismo; Direito à crítica; Autonomia do agir e Filosofia idealista.

Máximas de Habermas na apologia à modernidade:

- Já atingimos o último estádio da história

- O futuro começou

- Não podemos deitar o bebé juntamente com o balde e água suja

Críticas de Habermas aos teóricos Pós-Modernos

1. Os argumentos dos Pós-Modernos são insustentáveis

2. A Pós-Modernidade não conseguiu esquivar-se da Modernidade. Ela é ainda Moderna.

3. Os Principais promotores da “aventura” para a “condição Pós-moderna” são os cientistas


sociais que defendendo as causas de uma sociedade culturalmente solidária e igualitária,
exigem a substituição ou superação da Modernidade, acusando-a de inoperância. “Não
se pode lançar o bebé, juntamente com o balde de água suja”.

Teoria do Agir Comunicativo: Novo Paradigma científico?

Em 1981 Habermas publica a sua obra-prima: Teoria do agir comunicativo, onde elabora uma
teoria pragmática de linguagem que visa uma relação entre a linguagem e o sujeito que a usa.
Trata-se de uma pragmática universal (ou formal) que procura as condições universais
necessárias que estão a monte de toda possível comunicação linguística orientada ao
entendimento: uma Teoria da competência comunicativa (= capacidade de usar sistemas
abstractos de regras que permitem a produção de discursos possíveis, compartilhados por
todos, ou seja: os pressupostos gerais do agir comunicativo).

Habermas faz um giro pragmático para fundamentar a Teoria do agir comunicativo: “nós
vivemos ainda na modernidade, mas uma modernidade tardia”. A razão ainda permanece como
princípio organizador; o que mudou é o princípio da razão instrumental, para uma razão
comunicativa.

Estas regras do agir comunicativo, ou seja, as regras comuns a todos os que querem comunicar
são quatro:

1. Compreensibilidade: precisa usar expressões compreensíveis aos interlocutores.

2. Verdade: o falante deve ter a pretensão de falara verdade, que possa ser partilhada pelo
ouvinte.

3. Veracidade (ou sinceridade): o falante deve conseguir a confiança do ouvinte (coerência


do falante com aquilo que ele fala).

4. Pretensão de justeza: o falante deve usar expressões correctas em base a normas e


valores compartilhados pelo ouvinte.

Se faltar uma destas quatro regras, não é possível um “discurso racional” e consequentemente
não é possível nenhuma comunicação entre os interlocutores. Estas regras devem ser
antecipadas (antecipação ideal) enquanto prefiguração de um contexto de perfeita
racionalidade intersubjectiva.

Estas quatro regras do agir comunicativo não têm somente valência lógica, mas também ética
(por isso é chamada Ética do Discurso) e pressupõem 3 condições (éticas) para que haja um agir
comunicativo: os interlocutores devem ser sujeitos iguais, livres e capazes de raciocinar.

Dentro deste discurso comunicativo, Habermas distingue dois tipos de agir racional:
1. Agir instrumental, motivado por interesses técnico-estratégicos e finalizado ao
sucesso.

2. Agir comunicativo, motivado por interesses hermenêuticos finalizado à recíproca


compreensão, ao entendimento.

Estas duas formas do agir se condicionam reciprocamente e definem assim dois níveis distintos
e complementares de sociedade:

1. Sociedade como sistema: agir técnico-instrumental, estratégico (busca do


dinheiro e do poder).

2. Sociedade como mundo da vida: agir comunicativo (busca dos valores


compartilhados).

Este mundo da vida (que se articula em três componentes: cultura, sociedade, pessoa) é a base
para que haja um agir comunicativo. É necessário defender o mundo da vida das “colonizações”
tentadas pelo sistema, que provoca “distúrbios” no âmbito da reprodução cultural (perca de
sentido), na integração social (anomia) e da socialização (ruptura com a tradição).

Habermas se distancia do pessimismo da Escola de Francoforte em relação a modernidade: ele


confia no poder emancipatório da razão comunicativa e na capacidade da modernidade de
autocorrigir-se.

A defesa da razão crítica operada por Habermas, coincide com a defesa da modernidade e do
seu projecto emancipatório. A modernidade não está no fim, mas está ainda em construção
(modernidade incompleta).

Na sua obra Discurso filosófico da modernidade (1985) Habermas desafia as teorias do pós-
modernismo, mediante uma “re-narração” crítica da modernidade: recupera os valores do
iluminismo como a emancipação do intelecto da autoridade e da tradição.
Habermas porém observa que a modernidade não conseguiu contrapor nada à capacidade
unificadora da religião (que o iluminismo aboliu): nem Hegel, nem Nietzsche conseguiram, mas
mesmo assim devemos salvar a modernidade e a razão, pena a recaída nas trevas.

Se Hegel faliu com a sua ideia de “Espírito Absoluto” e também Nietzsche com a sua “vontade
de potência”, Habermas propõe como solução (unificadora do saber e da racionalidade) a
Filosofia crítica da intersubjectividade racionalmente fundada (ou seja a Ética do discurso de tipo
universal-pragmático).

A Ética do Discurso tem estas características:

1. Cognitiva: os julgamentos morais não provêm de desejos ou decisões irracionais, mas da


razão comunicativa encarnada na linguagem. É possível distinguir juízos morais justos ou
injustos (contra o “cepticismo ético”).

2. Deontológica: defende o carácter vinculante dos princípios morais.

3. Formalista: não determina normas específicas mas só os princípios orientativos do agir


comunicativo.

4. Universalista (ou pós-convencional): a moral não é ponto de vista de uma determinada


cultura e época, mas vale para todos os seres racionais do mundo.

5. Pública (ou pós-kantiana): a moral não é algo de individual (como era para Kant), mas é
algo público, resultado de um “discurso público”, ou seja considera o que todos de
comum acordo reconhecem como norma universal.

Daí: Fala sobre os objectivos da ética do discurso: A busca de um Consenso universal (ideia de
universalidade).

Daqui seguem dois princípios:

1. Princípio de universalização: as normas devem satisfazer o interesse de todos.


2. Princípio do discurso: considerar válidas as normas que encontraram o consenso de
todos os que concorrem no discurso público.

A Ética do discurso está atenta não só aos princípios mas também às consequências do agir: por
isso é uma Ética de responsabilidade.

A Teoria do agir comunicativo se estrutura como uma teoria da racionalidade e de uma


interpretação da modernidade, ou seja como um estudo orgânico das componentes racionais.

Assim, a razão comunicativa revitaliza e completa o projecto inacabado da modernidade,


como saída para um paradigma de filosofia do sujeito esgotada.

Como fundar a Ética em Habermas?

Habermas sustenta que não é possível fundar a ética sobre a metafísica ou a religião (como se
fazia antes): a moral pode ser só pós-metafísica e pós-religiosa (renúncia em fazer intervir Deus
na ética). Precisa ver qual tipo de razões garante à moral uma força suficiente de convicção.

Para Habermas só a Ética do discurso pode fazer isso.

A moral é autónoma, ou seja legitima-se em base a si mesma e aos próprios princípios.

Esta legitimidade está na razão comunicativa, com o seu princípio de universalidade: uma lei é
válida quando todos a aceitam.

Habermas critica o relativismo cultural (pelo qual cada cultura é uma totalidade fechada e os
princípios são julgados em base a culturas determinadas), porque de facto existe uma lógica
“inter-subjectiva” da argumentação que é trans-cultural (ou seja não se limita aos confins de
uma cultural particular).

Critica também o relativismo pós-moderno (Lyotard): mesmo porque existe uma multiplicidade
de jogos linguísticos, é necessário um “mínimo comum denominador” racionalmente fundado,
que permita um diálogo entre as culturas.
O mesmo cepticismo que quer contestar a Ética do Discurso, deve usar determinadas regras de
argumentação, ou seja deve pressupor válida a teoria contra a qual combate (e esta é uma
patente auto-contradição).

Os conteúdos morais (juízos éticos) não têm uma contingência emocional e subjectiva, mas têm
um conteúdo cognitivo (objectivo).

Sobre o fim da filosofia, para Habermas a razão, mesmo que não exaure todo o saber (existem
saberes que não podemos demonstrar cientificamente), fica insubstituivelmente “guarda da
racionalidade”: consequentemente, a filosofia mantém a sua competência dentro do debate
público.

Tipos de conhecimento:

Para Habermas, todo o saber e conhecimento é movido por interesses. Ele distingue 3 tipos de
conhecimentos (saber):

1. Ciências empírico-analíticas (viradas à busca das leis). Aqui temos interesses técnicos
(Agir instrumental).
2. Ciências histórico-hermenêuticas (viradas à compreensão do sentido). Aqui temos
interesses práticos, que visam um entendimento comunicativo entre patners (agir
comunicativo).
3. Ciências crítico-reflexivas (viradas à elaboração de uma teoria crítica do homem). Aqui
temos interesses emancipativos, que visam libertar os sujeitos de todos os
condicionamentos.

JEAN FRANÇOIS LYOTARD E A PÓS-MODERNIDADE

Filósofo francês, estudante da Sorbonne no pós-guerra, parte para Argélia, onde ensina
Filosofia. Professor em França e EUA, da formação fenomenológica-marxista, passou pelo
Estruturalismo, para chegar ao pós-modernismo.
Na sua obra Peregrinações, afirma que “a luta contra a exploração e alienação se torna toda a
minha vida. Até ao ponto que…não faço e não sinto quase nada que não seja imediatamente
ligado à causa”.

Em 1979 publica a sua obra que o torna famoso internacionalmente: “La Condition post
moderne” (A condição pós-moderna). Esta obra sobre a reforma das universidades foi
comissionada pelo governo canadiano. Lyotard sustenta que o saber não é reduzível à ciência
nem ao conhecimento.

Saber não é só conhecimento fundado sobre enunciados denotativos (que se pode declará-los
verdadeiros ou falsos), mas também valorativos e prescritivos (saber viver e saber fazer).

O saber tradicional se baseia sobre as narrativas (contos baseados em jogos linguísticos auto-
referências, ou seja que têm em si mesmo as suas autorizações. Mas a ciência sempre
desprezou este tipo de saber, mesmo que ela é também narrativa auto-referencial, ou seja deve
recorrer a justificações extra-científicas).

A modernidade de facto recorreu a duas grandes narrações: iluminística e idealística.

Na sociedade pós-industrial (triunfo da tecnociência capitalista, informatização e mercificação


do saber), assistimos ao declínio das grandes narrações unificantes da modernidade:
“Simplificando ao extremo, considera-se que o ‘o pós-moderno’ é a incredulidade em relação as
metanarrativas” (A condição pós-moderna: 12)

Esta incredulidade não é motivada pelo triunfo do capitalismo e tecnicismo, mas pela
deslegitimação ínsita nas grandes narrações já no Séc. XIX (niilismo): a ciência se encontra
deslegitimada e a narração iluminista não justifica os enunciados prescritivos e valutativos (nem
tudo o que é justo ou bonito ou real deve ser “racional”).

Não é possível um saber omni-compreensivo que legitime os vários sectores do conhecimento e


da linguagem.

Consegue então a pergunta: “Onde pode residir a legitimidade, acabando as metanarrativas?”


(op cit: 13). O critério tecnológico não é pertinente para julgar sobre o que é verdadeiro ou
justo. O critério para Lyotard é o das micro-narrações e na legitimação por “paralogia”
(invenção de novos jogos linguísticos).

Com a ideia das micro-narrações, Lyotard se coloca em contraste com a ideia de Habermas da
busca de um consenso universal obtido mediante um Diskurs: Lyotard sustenta que isso é
impossível, pois não existe uma “meta-linguagem” geral onde os interlocutores possam
encontrar um acorde sobre regras universalmente válidas, e contesta também que o fim seja o
consenso, pois para Lyotard o fim é a dissensão ou a paralogia (paralogia é um raciocínio não
válido, mas que aparentemente é válido: diferencia-se do sofisma enquanto não tem intenção
de enganar).

Em relação à pesquisa, Lyotard substitui a legitimação da ciência através das metanarrativas


pelo critério de performância e eficiência. Ele argumenta que o critério da performatividade
transformou a educação num processo de produção de profissionais e especialistas na
computação para competir no mercado internacional.

Mais que um consenso universal, Lyotard aceita um consenso local, momentâneo e sempre
sujeito à revisão. “Está-se então orientado para multiplicidades de meta-argumentações finitas,
isto é, argumentações que incidem sobre meta-prescritivos e que são limitadas no espaço-
tempo)”. (op cit: 131). A ideia de saber de Lyotard não é algo de unitário, estável, garantido,
mas é algo de flexível, local, mutável…conforme à livre actividade da mente humana.

Em 1983 Lyotard publica “Le différend” (O diferendo). Trata-se do aprofundamento da condição


pós-moderna do ponto de vista teórico (por isso é o seu livro mais “filosófico”). Lyotard volta a
negar a possibilidade de uma única metalinguagem que nivela as diferenças dos discursos.
Quando dois interlocutores não chegam a um consenso (o diferendo), é porque não há uma
metalinguagem, porque tudo no homem é frase: toda a obra de facto é um conjunto de frases,
sem intenção de desenvolver um discurso. Estas frases podem ser numeradas, mas sem
constituir um sentido. Esta é a tarefa atribuída à Filosofia: registar frases que chegam.

A ideia do “sujeito múltiplo, fragmentado e complexo” tem assim a ver com a condição pós
moderna de fim das metanarrativas, na ideia dos pós modernistas. Também é por isso que
Lyotardianos falam da vida social como um “jogo” de linguagem em que os discursos são tão
variados que nos é impossível encontrarmo-nos num lugar definitivamente.

O Pós-Modernismo nestes moldes insiste nos jogos das diferenças onde a multiplicidade, a
heterogeneidade e o pluralismo são elementos essenciais da forma de estar no mundo. Para
teorias de esquerda e discursos emanados da periferia esta conclusão é bem cómoda porque
tem um efeito libertador do seu discurso: o centro já aparece como uma construção e ficção e,
portanto, não mais como uma realidade fixa e imutável.

Começa-se a questionar a sua legitimidade entanto que centro. O conceito do “outro” e da


“diferença” (Heterogeneidade) tornam-se úteis para compreender e explicar fenómenos como o
racismo. Procura-se desenvolver uma visão um tanto ou quanto utópica do “outro” que não é
(necessariamente) oposto. Mas o relativismo pós moderno pode ser despolitizante: colocar a
mulher como “o outro” mas ao mesmo tempo igual pode desprover ao movimento feminista de
conteúdos específicos na sua luta pela emancipação.

Por fim a obra Peregrinações é um texto autobiográfico que continua na ideia de integração,
anti-dogmatismo, típicos da filosofia.

Se o saber não tem mais em si o seu fim (formação da pessoa culta, emancipação humana…) e
deve servir para outra coisa, a sua transmissão subtrai-se à exclusiva responsabilidade dos
cientistas e dos estudantes.

Se no passado era claro para todos a que servia a ciência (progresso, emancipação, etc.) nesta
ela não está mais clara. Mas uma resposta é possível somente na ciência (via crítica-racional).
Em outras palavras, a ciência está “autocondenada” a não poder dizer o seu sentido pois este
está de fora de si (enunciado prescritivo, pois se baseia sobre regras) mas ela não pode
abandonar o seu âmbito crítico-racional, pois não seria mais ciência. Esta é mesmo a aporia do
pós-moderno segundo Lyotard.

r
BIBLIOGRAFIA

HABERMAS, J.: “Modernidade – um projecto inacabado”. In: ARANTES, O. & ARANTES, P.: Um
ponto cego no projecto modernidade Jürgen Habermas. SP. Brasiliense. 1992

HABERMAS, J., O Discurso filosófico da Modernidade….

HARVEY, David. Condição pós-moderna. Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São
Paulo: Loyola, 1994

HOTTOIS, Gilbert, História da filosofia: da renascença à Pós-modernidade, Lisboa, Instituto


Piaget, 2003.

LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008.

LYOTARD, Jean-François. O Pós-Moderno Explicado às Crianças, Lisboa, Dom Quixote, 1987.

Você também pode gostar