2009
Sergio B. F. Tavolaro
RESUMO
A literatura nacional acerca da “aventura da cidadania no Brasil” apresenta freqüentes sugestões de que
os termos da ordem normativa moderna instalaram-se entre nós de uma maneira peculiar quando confron-
tados aos das chamadas “sociedades modernas centrais”. Como indício dessa “excepcionalidade”, faz-se
alusão à pretensa particularidade da institucionalização de garantias e obrigações civis, políticas e soci-
ais entre nós: os caminhos tomados, a seqüência histórica assumida, a abrangência e profundidade efetivas
de cada uma delas, tanto quanto seus principais pilares de sustentação, seriam a prova do “desvio normativo
brasileiro”. O presente artigo consistirá num esforço de revisão crítica: em primeiro lugar, farei uma consi-
deração pontual e seletiva da literatura recente sobre “cidadania no Brasil” a fim de apontar dificuldades
e dilemas analíticos. Em seguida, empreenderei uma problematização daquelas que julgo ser duas das
principais ancoragens teóricas no pensamento social brasileiro, jogando luz sobre os elementos que influ-
enciam de forma determinante interpretações a respeito da pretensa “excepcionalidade normativa” do
Brasil moderno. Por fim, defenderei a necessidade de uma ênfase analítica na dimensão contingente da
construção da cidadania a fim de se evitar abordagens “essencializantes” dos processos de definição de
nossa ordem normativa. Para tal, farei algumas incursões historiográficas com o propósito de ilustrar a
tentativa de contornar os dilemas assinalados a partir da operacionalização de duas idéias-chave: por um
lado, a noção de oportunidades políticas e, por outro, a idéia conforme a qual direitos e deveres são não só
categorias jurídicas mas também práticas situacionais.
PALAVRAS-CHAVE: cidadania no Brasil; Sociologia Política; modernidade; essencialismo.
Recebido em 14 de dezembro de 2006. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 17, n. 32, p. 95-120, fev. 2009
Aprovado em 3 de dezembro de 2007.
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PARA ALÉM DE UMA “CIDADANIA À BRASILEIRA”
te essa imagem de excepcionalidade que me pare- pondência entre, de um lado, parte majoritária do
ce permear parte significativa do tratamento acerca tratamento acerca da “aventura da cidadania no
da institucionalização de direitos e deveres na Brasil” de atribuir o rótulo de “desvio” à experiên-
moderna sociedade brasileira. Vale dizer, é notó- cia normativa brasileira e, de outro, a considerá-
ria, na produção científica nacional, a centralidade vel resistência de parte importante de nosso pen-
ocupada por alguns dos pressupostos do esque- samento sociológico quanto a colocar em pé de
ma conceitual de T. H. Marshall2. Cabe desde já igualdade as linhas mestras da sociabilidade do
um questionamento: não seria um paradoxo o fato Brasil contemporâneo e aquelas das chamadas
de que, apesar de referir-se ao caso inglês, o re- “sociedades modernas centrais”. Nesse aspecto
trato proposto por Marshall ser comumente ado- em particular, minha atenção voltar-se-á para duas
tado como referência primordial para pensar-se a abordagens do pensamento social brasileiro que
pretensa especificidade normativa brasileira? Será lograram delimitar, como nenhuma outra, o cam-
precisamente esse o ponto articulador das obser- po cognitivo no interior do qual operam as mais
vações críticas que se seguem. A meu ver, o para- influentes interpretações e diagnósticos a respeito
doxo é apenas e tão-somente aparente: a freqüên- da modernidade no Brasil. Uma delas tende a atri-
cia e intensidade das alusões da bibliografia em buir a tal “excepcionalidade” à posição periférica
questão ao referido esquema deve-se, em larga e dependente do Brasil no sistema capitalista in-
medida, ao fato dele ajustar-se àquela mesma ima- ternacional. A outra tende a atrelá-la a certa he-
gem de “excepcionalidade normativa” projetada e rança patriarcal-patrimonial que remontaria ao
alimentada por uma porção importante do pensa- nosso período colonial3 . A meu ver, aí está o ele-
mento social brasileiro. Ora, se o padrão de mento complicador: conforme procurarei mostrar,
institucionalização de direitos e deveres observa- essa correspondência faz que esforços voltados à
do na Inglaterra (ao menos tal qual narrado por explicação e interpretação da construção e funci-
Marshall) apresenta-se-nos como “o caso clássi- onamento da cidadania no Brasil ganhem traços
co” a partir do qual outras experiências contem- “essencializantes” na medida em que os embates
porâneas podem ser mensuradas, então variações e lutas em torno da ordem normativa brasileira
daquele retrato (sejam elas de cunho cronológico são forçosamente obscurecidos –– por vezes de
ou mesmo a subversão da célebre seqüência di- maneira um tanto dramática –– diante de certas
reitos civis ? políticos ? sociais sugerida por “variáveis independentes”. Dessa maneira, o ca-
Marshall) seriam, no limite, provas cabais de ráter propriamente sociológico da análise, que no
“excepcionalidade normativa”. meu entendimento deveria ater-se primordialmente
à dimensão agonística e contingente da definição
Mas, quais seriam os “andaimes” sobre os
das configurações de cidadania, é sub-
quais se sustentam essa imagem de “peculiarida-
repticiamente deixado em segundo plano. A dinâ-
de normativa”? Penso que há uma forte corres-
mica normativa brasileira é então quase que “na-
turalizada”, ainda que sob uma roupagem históri-
2 Nunca é demais lembrar que Marshall define o complexo ca e social: tácita ou explicitamente, condição pe-
da cidadania moderna nos seguintes termos: “O elemento riférica e dependente, em um caso, e herança
civil é composto por direitos necessários à liberdade indi- patriarcal-patrimonial, em outro, são catapultadas
vidual – liberdade da pessoa, liberdade de fala, de pensa- à condição de “determinantes em última instân-
mento e fé, o direito de propriedade e de concluir contratos cia” de nossa pretensa excepcionalidade, ou seja,
válidos, e o direito à justiça. (…) as instituições mais dire- são apresentadas como fontes explicativas pre-
tamente associadas aos direitos civis são as cortes de justi-
ponderantes do “desvio brasileiro” em relação aos
ça. Por direitos políticos eu entendo o direito de participar
no exercício do poder político, como um membro de um pressupostos do retrato traçado por Marshall.
corpo investido de autoridade política ou como eleitor de
membros de tal corpo. As instituições correspondentes 3 Tratei de forma sistemática cada uma dessas abordagens
são o parlamento e os conselhos locais de governo. Quanto em Tavolaro (2005), denominando-as de sociologia da de-
ao elemento social entendo ser toda uma gama de direitos, pendência (onde me referi especificamente a alguns dos
desde um modicum de segurança e bem-estar econômico principais aspectos dos pensamentos de Caio Prado Jr.,
até o direito de compartilhar por completo a herança social Florestan Fernandes, Octávio Ianni e Fernando H. Cardo-
e de viver a vida de um ser civilizado conforme os padrões so) e de sociologia da herança patriarcal-patrimonial (em
prevalecentes na sociedade. As instituições mais conectadas que salientei algumas das importantes contribuições de
a ele são o sistema educacional e os serviços sociais” Gilberto Freyre, Sergio B. de Holanda, Raymundo Faoro e
(MARSHALL, 1992, p. 8). Roberto da Matta).
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4 Sobre a amplitude dessa variedade normativa, talvez seja 5 Agradeço especialmente aos pareceristas anônimos da
suficiente aludir às disparidades existentes entre, de um Revista de Sociologia e Política pela sugestão de preencher
lado, a configuração de cidadania delineada ao longo da esta lacuna do artigo a fim de tornar mais palpáveis minhas
chamada “Era Vargas” e, de outro, as mudanças iniciadas a críticas à produção bibliográfica nacional acerca do que cha-
partir do início dos anos 1990. mei de “aventura da cidadania no Brasil”.
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PARA ALÉM DE UMA “CIDADANIA À BRASILEIRA”
sobre a cidadania. Ora, mesmo uma superficial Entendo que respostas para algumas dessas
consideração da produção acadêmica é facilmen- perguntas demandam uma avaliação crítica da pro-
te capaz de confirmar não ser este o caso6. O dução científica nacional acerca dessa problemáti-
ponto nevrálgico, por assim dizer, parece-me ser ca. Não há espaço aqui para um tratamento porme-
de outra ordem. Trata-se do peso que, implícita norizado desse que se tornou um amplo e ramifica-
ou explicitamente, certas noções caras ao pensa- do campo da produção brasileira. Foge, ainda, aos
mento social brasileiro têm nas explicações e in- meus propósitos levar a cabo uma revisão crono-
terpretações sobre o perfil da normatividade no lógica dessa literatura. Em vez disso, pretendo rea-
Brasil moderno, como se fossem determinantes lizar uma consideração seletiva e pontual a partir de
em última instância, ou ainda, o motor por exce- três vetores que, no meu entendimento, permeiam
lência de sua dinâmica e transformação. A tal produção de maneira a proporcionar suporte à
problematização dessas atribuições explicativas idéia-força segundo a qual a construção e dinâmica
enseja uma série de questionamentos: seria real- da cidadania no Brasil mostrou-se (e ainda revela-
mente possível identificar a existência de certos se) algo peculiar em relação às experiências das
elementos e referências normativas permeando chamadas “sociedades centrais”. São eles: a) pri-
toda a história brasileira, a despeito de algumas meiramente, a idéia de que os processos de moder-
inegáveis redefinições? Seria essa, então, a prova nização no Brasil desenrolaram-se de tal forma a
cabal da força determinante de certas “variáveis não se concretizar um cenário de diferenciação
independentes”, como que pré-definindo os ru- social plena, ou seja, Estado, mercado e sociedade
mos da sociabilidade e normatividade brasileiras? civil não chegaram a constituir esferas relativamente
E mais: seriam as tais “variáveis” capazes de ex- autônomas capazes de operar com base em códi-
plicar até mesmo as subversões normativas que gos próprios9; b) em segundo lugar, afirma-se não
coloriram nossa história constitucional7? O que ter havido um processo consistente de seculariza-
dizer dos inúmeros projetos alternativos e lutas ção da normatividade, razão pela qual valores e
tendo em vista tais mudanças8? códigos de sociabilidade tradicionais fazem valer
sua influência nas noções de direitos e deveres en-
tre nós10; c) por fim, salienta-se a imperfeita e po-
6 Um bom exemplo da sensibilidade da literatura para tais
rosa separação entre âmbitos públicos e privados
variações de configuração pode ser encontrado no estudo no Brasil, em virtude da qual o caráter universal da
de Maria da Glória Gohn a respeito das transformações no
perfil das relações sociedade civil- Estado ao longo das
cidadania moderna não consegue prevalecer11.
décadas de 1970, 1980 e 1990. Segundo a autora, “Nos
anos 70 e até meados dos anos 80, era um tanto consensual
1994). Talvez um exemplo bastante interessante seja justa-
entre os movimentos e as redes de assessorias que se deve-
mente a luta sindical que coloriu o cenário paulista no início
ria construir um contra-poder popular, uma força popular
do século XX, contrapondo projetos os mais variados de
independente do Estado. [...] Ao longo dos anos 80, com a
normatização das relações capital-trabalho (socialistas,
transição democrática, os movimentos passaram a ser
anarquistas, anarco-sindicalistas, comunistas, “amarelos”,
interlocutores privilegiados do Estado, porque este estava
dentre outros) aos contornos liberais e não-intervencionistas
se democratizando e buscando também mudar sua face
das oligarquias que dominaram a política nacional entre
aparente, de repressão” (GOHN, 1997, p. 313-314). Gohn
1891 e 1929. Além dos já clássicos Moraes (1978),
afirma que nos anos 1990 aquele cenário viria a alterar-se
Rodrigues (1966) e Simão (1981), v. também Araújo (1998)
uma vez mais já que o próprio Estado não mais precisava
e Gomes (1979).
dos movimentos sociais para se legitimar, ao mesmo tem-
po em que os movimentos progressistas quiseram partici- 9 Não resta a menor dúvida de que o padrão intervencionista
par e criar um espaço democrático não-estatal. do Estado brasileiro em um período que muitos vêem como
7 Que o digam os contrastantes contornos normativos sendo um dos marcos da modernidade no Brasil (FAUSTO,
1985), a chamada “Era Vargas”, ajudou sobremaneira a
facilmente observáveis em uma breve comparação entre as
moldar essa imagem de baixa diferenciação da dinâmica
constituições de 1824 (de influência liberal e, ao mesmo
societal brasileira. Ver, a esse respeito, Carone (1977).
tempo, legitimadora de um Estado não-secular), de 1891
(também de inspiração liberal mas marcadamente secular), 10 O ativo papel da Igreja Católica na dinâmica política
de 1934 (que, como sabemos, combinava preceitos liberais brasileira, ao menos desde o início dos anos 1930, é
e corporativos), e de 1937 (marcadamente corporativa e freqüentemente resgatado como um sinal da “imperfeita
autoritária). Cf. Costa (1985), Lessa (1999) e Vianna (1978). secularização” dos domínios públicos brasileiros. V.
8 Que o digam, por sua vez, as diversas lutas populares Bruneau (1982).
que desde longa data habitam, com maior ou menor grau de 11 Estudos clássicos como o de Victor Nunes Leal (1977)
organização, o universo político brasileiro (PRADO Jr., comumente sugerem a instrumentalização do aparato pú-
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Que fique bem claro: não quero dizer com isso brasileira resultou num cenário de “complexidade
que não tenha havido, em meio à tendência de desestruturada e desestruturante”: observa-se en-
tomar como fato consumado nossa pretensa tre nós um processo de superação da tradição e
especificidade política e normativa, empreendi- desagregação da moral convencional que, no en-
mentos auto-críticos a esse respeito nas ciências tanto, não é acompanhado da formação de âmbi-
sociais brasileiras. Ora, já no início dos anos 1980, tos e sistemas de ação autônomos (incluindo aí o
em um balanço da então recente produção brasi- Estado), por um lado, e de uma “moral pós-con-
leira sobre movimentos sociais, Ruth Cardoso vencional” (vide Habermas) característica da
(1983) chamava atenção à desconsideração, por modernidade central, por outro. As implicações
aquela bibliografia, das semelhanças existentes normativas dessa modernização torta não poderi-
entre nós e os “países centrais”12. No entanto, ao am, conforme Marcelo Neves, ser mais funestas:
mesmo tempo em que balanços críticos com essa tendo em vista a sobreposição de esferas de soci-
tonalidade não foram a regra, a perspectiva da abilidade, torna-se impossível a constituição de um
“excepcionalidade brasileira” foi a que tendeu a sistema jurídico resguardado de outros códigos
prevalecer. normativos e, dessa feita, dinamizado a partir de
critérios próprios. Com isso, disparidades de po-
Um exemplo privilegiado do primeiro vetor (a
der (tanto econômicas quanto de natureza políti-
relação baixa diferenciação social Þ peculiarida-
ca) fazem-se sentir de forma um tanto quanto
de normativa brasileira) pode ser encontrado nas
destrutiva, gerando insegurança generalizada nas
reflexões de Marcelo Neves (1996). Para ele, a
relações de conflitos de interesse (pois que as fron-
sociedade brasileira (segundo o autor, um caso de
teiras entre o lícito e o ilícito apresentam-se por
“modernidade periférica”) contemporânea difere
demais nebulosas e generalizadas). Isso significa
das sociedades modernas centrais na medida em
que o próprio Estado passa a atuar primordial-
que “à hipercomplexificação social e à superação
mente como “palco de realização de interesses
do ‘moralismo’ fundamentador da diferenciação
particularistas [...], à margem de textos constitu-
hierárquica não se seguiu a construção de siste-
cionais e legais de conteúdo democrático, cuja
mas sociais que, embora interpenetráveis e mes-
concretização possibilitaria a construção da cida-
mo interferentes, construam-se autonomamente
dania” (NEVES, 1996, p. 101)13. Em tais circuns-
no seu topos específico” (NEVES, 1996, p. 98).
tâncias, prevalece, por um lado, certo “fetichismo
Por isso, de acordo com o autor, a modernização
legal” (pois que a lei funciona como “mecanismo
de discriminação social”) e, por outro, as figuras
do subcidadão e do sobrecidadão14 (notoriamente
blico por lideranças políticas locais, regionais e mesmo na-
cionais em vista de benefícios e projetos privados, algo que
não teria modificado-se de maneira radical nem mesmo após 13 Trata-se, conforme salientou Sérgio Costa, de um argu-
as seguidas ondas de modernização atravessadas pela soci- mento bastante recorrente na literatura científico-social
edade brasileira (SOUZA & LAMOUNIER, 1990). brasileira: “Afirma-se que, historicamente, ‘tanto os seto-
12 De acordo com Cardoso (1983), ao colocar ênfase no res empresariais como os trabalhadores urbanos definiram-
se como atores políticos pela via do Estado’. É como se a
processo de centralização e hiperdesenvolvimento do Es-
separação das esferas da economia, da sociedade civil e da
tado brasileiro, aquela literatura fechou os olhos para um
sociedade política não houvesse sido plenamente comple-
fenômeno comum às “sociedades desenvolvidas”, com con-
tada” (COSTA, 1994, p. 50). Tal argumento, em cujo nú-
seqüências também similares do ponto de vista do teor das
cleo encontra-se a idéia segundo a qual a forte presença do
lutas por direitos: tal literatura não se deu conta de que,
Estado em todos os âmbitos da sociedade brasileira tolheu
tanto aqui como lá, o aparato político-adminidstrativo e
quase que completamente a construção de espaços públi-
seus planejadores tendiam a dialogar com os usuários e
cos autônomos, acha-se difuso em uma ampla gama
consumidores de serviços estatais, a despeito do sistema
temática. Ver, por exemplo, o trabalho de Ferreira (1996) a
político autoritário vigente no Brasil. Cabe lembrar que
respeito dos obstáculos à incorporação da qualidade
Ruth Cardoso voltaria a realizar reflexões dessa natureza
ambiental ao universo de direitos, que segundo a autora,
em Cardoso (1987) e Cardoso (1994). Uma extensa e cui-
acham-se fortemente vinculados à seguinte questão: “o pro-
dadosa auto-crítica realizada na década de 1990, igualmen-
blema central na história recente da relação do Estado bra-
te voltada para a produção científica sobre movimentos
sileiro com a sociedade e suas demandas é a inexistência do
sociais, pode ser encontrada em Gohn (1997), especial-
reconhecimento oficial e extra-oficial da dimensão concreta
mente o capítulo 8 (“Movimentos sociais no Brasil na era
da cidadania” (FERREIRA, 1996, p. 247).
da participação: 1978-1989”). Para uma revisão do ponto
de vista da produção sobre sociedade civil, ver Lavalle 14 Para uma consideração cuidadosa das noções de “sub e
(2003). sobrecidadão” pelo próprio autor, às quais encontram-se
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ganha fôlego renovado tão logo se observa que o fato de que o regime militar (1964-1985), em vez
autor atribui peso determinante à “tardia industri- de ter subvertido a lógica normativa da Era Vargas,
alização brasileira” na definição de nossa ordem acabou levando-a ao extremo na medida em que
normativa contemporânea, além de causa maior unificou e universalizou o sistema de seguridade
do atraso no processo de complexificação social. social (com a criação do INSS e a extensão dos
Assim, segundo W. G. dos Santos, caberia àquele direitos sociais aos trabalhadores rurais).
fator a responsabilidade pela institucionalização da
Mas, conforme salientei, a fonte explicativa de
cidadania no Brasil ter assumido uma ordem, rit-
Carvalho (2001) para a “excepcionalidade brasi-
mo, formato, escopo e objetivo incomparáveis
leira” é um tanto quanto diferente daquela utiliza-
àqueles observados nos chamados casos clássi-
da por Santos (1987); em vez de “industrialização
cos. A imagem de uma “cidadania à brasileira”
tardia”, o autor atém-se a dois fatores para expli-
torna-se, então, claramente delineada: a) nela, a
car os freqüentes obstáculos ao enraizamento de
dimensão social não só teria experimentado pre-
direitos políticos e civis na normatividade brasi-
cedência temporal sobre as demais; b) essa mes-
leira: de um lado, o papel central da escravidão,
ma dimensão social seria suficientemente prepon-
do latifúndio e da constante intrusão de interesses
derante para configurar o campo normativo con-
privados na dinâmica do Estado e, por outro, nossa
forme sua própria lógica; c) a isso se agrega a
herança ibérica. Vale dizer, para o autor, a despei-
idéia da neutralização de lutas e conflitos (contrá-
to de remontarem à nossa história colonial, am-
rios àquela lógica) por aquele ente responsável pela
bos teriam permanecido de uma forma ou de ou-
implementação e regulação dos benefícios soci-
tra ativos até os dias atuais. A questão crucial é
ais, a saber, o Estado.
que, segundo Carvalho, tais aspectos sempre e
Por um caminho um tanto quanto diverso, José mostraram-se alheios às noções normativas que
Murilo de Carvalho (2001) chega a um retrato emergiram com o Iluminismo: o direito natural e a
consideravelmente similar do padrão de cidadania liberdade individual. Daí, pois, o hiato que nos
que veio a predominar no Brasil moderno. Ao de- separa das sociedades modernas centrais.
nominar tal padrão de “cidadania passiva”, Car-
Uma vez mais, seria erro grosseiro afirmar que
valho joga luz sobre a Era Vargas para argumentar
a literatura especializada mostrou-se insensível a
que entre nós prevaleceu, na maior parte dos ca-
quaisquer tipos de contra-tendências ou mesmo a
sos, a institucionalização de direitos “desde cima”
indícios de transformações no tecido normativo
e, paralelamente, a noção de que garantias indivi-
brasileiro. A bem da verdade, a dinâmica política
duais tenderam a permanecer atreladas às ações
da primeira metade dos anos 1980 deu margem a
governamentais. Nesse sentido, tal qual W. G. dos
análises bastante otimistas quanto às mudanças
Santos, Carvalho (2001) defende que: a) via de
em curso e de suas implicações para o
regra, prevaleceram, nos diferentes momentos da
aprofundamento e ampliação do universo de di-
tessitura normativa brasileira moderna, a dimen-
reitos e de seus beneficiários. Para muitos, os ares
são social da cidadania em detrimento dos direi-
da redemocratização e a efervescência política que
tos políticos e civis; b) em tais circunstâncias, a
a acompanhou apresentaram-se como provas da
garantia da cidadania tendeu a ser vislumbrada
subversão quase que definitiva da timidez e su-
como resultante da gratidão e lealdade do
perficialidade da cidadania entre nós21. Nesse sen-
beneficiário face ao Estado. Vale dizer, não se tra-
tido, naquele clima de pujança mobilizatória, Eunice
ta, para o autor, de um padrão normativo que te-
Durham acreditava que “[a] transformação de
nha se esgotado no período 1930-45. Ao contrá-
necessidades e carências em direitos, que se ope-
rio, parece sintomático para J. M. de Carvalho o
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ra dentro dos movimentos sociais, pode ser vista promovida como mera integração individual ao
como um amplo processo de revisão e redefinição mercado. Ao mesmo tempo, [...] direitos estabe-
da cidadania” (DURHAM, 1984, p. 29). Mas, ain- lecidos têm sido crescentemente retirado dos tra-
da assim, não se dissiparam as desconfianças balhadores [...]. Paralelamente, projetos filantró-
quanto à autenticidade e alcance das transforma- picos do chamado terceiro setor têm se expandi-
ções em curso: contrastando a sociedade brasilei- do em número e escopo [...]” (DAGNINO, 2003,
ra à norte-americana, supostamente marcada por p. 4).
uma correspondência entre os preceitos legais da
No final das contas, tem-se a clara percepção
Constituição e a dinâmica social concreta, Eunice
de que mesmo sob o impacto de transformações
Durham afirmava que a onda de mobilização dos
de alcance mundial (como é o caso do
anos 1980 seria uma experiência totalmente nova
neoliberalismo, de acordo com a literatura cientí-
no Brasil, “um processo de construção coletiva
fico-social), não se observa cicatrizes profundas
de uma nova cidadania” uma vez que “não temos
na imagem de “excepcionalidade normativa brasi-
uma tradição democrática desse tipo, nem uma
leira”. Isso porque, na produção aqui considera-
tradição de gestão coletiva na vida política. Os
da, o propalado hiato entre a cidadania do Brasil
direitos que constam das nossas leis foram im-
moderno e a das chamadas sociedades centrais,
portados e sempre se mostraram inoperantes”
expressados nos três vetores anteriormente dis-
(DURHAM, 1984, p. 29; itálicos meus). Ou seja,
cutidos, ver-se-ia aprofundado de forma ainda mais
mesmo num clima intelectual e político de otimis-
dramática: a) O encolhimento do Estado implica-
mo, como o foi aquele de meados dos anos 1980,
ria na redução de redes de proteção social que,
reaparece como um fantasma o abismo entre a
por sua vez, alavancaria a presença do mercado
tessitura normatividade brasileira e a dos “países
em diferentes âmbitos sociais em detrimento da
modernos centrais”22.
atuação autônoma das organizações da sociedade
Certas dimensões assumidas pelo cenário po- civil; b) Interesses privados tenderiam a tornar-se
lítico pouco tempo depois das eleições presiden- ainda mais preponderantes sobre uma esfera pú-
ciais de 1989 não colaboraram para amenizar o blica não só mal consolidada como em processo
diagnóstico preponderante da “excepcionalidade de retraimento; c) Códigos de normatividade ou-
normativa brasileira” 23. Ainda que a “onda tros (muitos dos quais a meio caminho entre vi-
neoliberal” tenha sido percebida e tratada como sões tradicionais e a secularidade legal) teriam
um fenômeno de alcance quase global, abunda- maior probabilidade de tornar-se preponderantes
ram os diagnósticos conforme os quais o e de regular a dinâmica social e política de certas
neoliberalismo recaiu sobre nós – e sobre nossa localidades e âmbitos sociais em função da menor
então recém-revigorada cidadania – de maneira capacidade do Estado e de uma vigorosa esfera
particularmente acentuada. As reflexões de Evelina pública para garantir o “rule of law”.
Dagnino parecem-me emblemáticas desse senti-
Vale aqui retomar as interpretações de Santos
mento: conforme a autora, “[s]ob a inspiração
(1987) e Carvalho (2001). Primeiramente, nota-
neoliberal, a cidadania começou a ser entendida e
se que apesar de fazerem uso de fontes explicativas
comumente tidas pelo “imaginário sociológico
22 Evidentemente, não é minha intenção reduzir o teor da
brasileiro” como diametralmente opostas (uma de
cunho marcadamente econômico, outra de fundo
produção brasileira da década de 1980 em torno da cidada-
nia ao adjetivo otimista, opondo-a ao pretenso “pessimis- cultural-institucional), W. G. dos Santos e J. M.
mo” da produção da década de 1990. O esforço analítico de Carvalho convergem quanto ao retrato que
empreendido ao longo destas páginas revela não ser este o constroem do padrão de cidadania que acreditam
meu propósito. ter prevalecido no Brasil ao menos desde o
23 Nunca é demais lembrar que as inúmeras experiências desmantelamento da República Velha. Ambos vis-
de participação popular em administrações municipais, lumbram o golpe de 1930 como o início da transi-
muitas das quais ganharam maturidade ao longo dos anos ção de uma ordem normativa liberal restrita para
90, eram freqüentemente salientadas como sinal de que, uma ordem tendencialmente universalista e anti-
dentre outras coisas, a democratização não havia sido em
liberal. Nela, a dimensão social da cidadania teria
vão. Ver, por exemplo, Vilas Boas (1994), Dossiê: os movi-
mentos sociais e a construção democrática (1999) e Avritzer sobrepujado os direitos políticos e civis, mesmo
(2002). naqueles momentos em que pleitos eleitorais dire-
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PARA ALÉM DE UMA “CIDADANIA À BRASILEIRA”
tos foram realizados e em que boa parte da po- alternativos àqueles que predominaram e molda-
pulação pôde minimamente gozar de liberdade de ram a ordem social e normativa, embute uma con-
expressão. Em segundo lugar, “industrialização cepção de necessidade e inexorabilidade ao devir
tardia”, de um lado, e “herança ibérica”, de ou- histórico, a despeito da notória ocorrência de “con-
tro, assumem peso tal em uma e outra análises tra-discursos” e suas pressões por rotas diver-
que todo o desenrolar da construção da tessitura gentes às que acabaram por prevalecer.
normativa brasileira tende a ser visceralmente atre-
Revelador, para mim, é o fato de que esses
lado (e até mesmo reduzido em última instância)
diagnósticos encontram correspondência no re-
a cada um deles. Por fim, percebe-se que ambas
trato traçado por duas das mais importantes abor-
as empreitadas explicativas orbitam ao redor dos
dagens do pensamento social brasileiro acerca do
dois territórios cognitivos de maior destaque no
status da modernidade no Brasil: nossa sociologia
pensamento social brasileiro: é legítimo dizer que,
da dependência e nossa sociologia da herança
enquanto a noção de “industrialização tardia” gira
patriarcal-patrimonial. Vale dizer, não são razões
em torno da abordagem da sociologia da depen-
de afinidade intelectual que me levam a devotar
dência, a idéia de “herança ibérica” encontra-se
maior atenção a essas duas referências explicativas.
ancorada em nossa sociologia da herança patri-
Sem dúvida alguma, essas não são as únicas refe-
arcal-patrimonial.
rências a permear a literatura especializada a res-
Ora, quando aplicadas a contextos específi- peito da cidadania no Brasil. A justificativa para
cos, parece-me que as duas abordagens abrem essa consideração especial está no lugar de
mão do caráter contingente do processo de centralidade que tanto herança patriarcal-
institucionalização das ordens normativas corres- patrimonial quanto dependência ocupam no “ima-
pondentes àqueles contextos na medida em que ginário sociológico brasileiro”, por assim dizer:
“industrialização tardia” e herança ibérica” as- elas lograram delimitar os dois principais territóri-
sumem o papel de “variáveis independentes”. Isso os cognitivos no interior dos e em referência aos
porque: a) Uma e outra são com freqüência res- quais foram e permanecem sendo realizadas algu-
gatadas para explicar, sob o rótulo (implícito ou mas das mais influentes reflexões, interpretações
explicito) de determinantes em última instância, e explicações a respeito da configuração e dinâ-
os diferentes (por vezes até antagônicos) contor- mica da sociedade brasileira moderna
nos da sociabilidade dos mais significativos mo- (TAVOLARO, 2005)24.
mentos da história brasileira (como, por exemplo,
O ponto nevrálgico, por assim dizer, são as
a variada e multifacetada ordem que se seguiu à
conseqüências explicativas e interpretativas da
Independência, a tardia abolição da escravidão, a
resistência de ambas as abordagens quanto a co-
liderança do Exército na Proclamação da Repúbli-
locar a experiência do Brasil contemporâneo e a
ca, a constelação político-institucional pós-1891,
das chamadas “sociedades modernas centrais” em
a industrialização hipertardia, e assim por diante);
pé de igualdade. Por um lado, Florestan Fernandes
b) Ao serem assim resgatadas, tais variáveis as-
(1975; 1976) argumenta que, apesar de termos
sumem o primeiro plano do empreendimento
internalizado os mesmos padrões gerais de orga-
interpretativo, sobrepondo-se e, conseqüentemen-
nização social, política e econômica que as socie-
te, empurrando para o segundo plano os projetos,
interesses, anseios e visões de mundo díspares
que se enfrentaram continuamente na dinâmica 24 É legítimo dizer que essas duas abordagens permane-
social e cujo desenrolar foi responsável por defi- cem ainda hoje referências nodais no “imaginário sociológi-
nir o destino da sociabilidade e da normatividade co brasileiro”, fornecendo idéias e noções-chave a partir
das quais inúmeras tentativas de explicação e interpretação
do Brasil moderno. Dessa maneira, “projetos mar-
do Brasil contemporâneo esforçam-se para apreender as-
ginais” são comumente obscurecidos e negligen- pectos tão variados quanto a formação e funcionamento de
ciados em favor de uma indevida ênfase conferida nosso Estado, a estrutura e funcionamento de nosso cam-
a projetos e concepções vencedores, cuja po político-partidário, a dinâmica sindical brasileira, os
prevalência é apontada como evidência da pretensa movimentos sociais e nossa pretensamente singular cultu-
força explicativa daquelas mesmas variáveis; c) ra política, além, é claro, da suposta peculiaridade de nossa
cidadania. O problema da normatividade do Brasil moder-
Esse movimento de sobreposição, que, como afir-
no e, em particular, das configurações de direitos e deveres
mei, obscurece a presença e relevância de proje- que se institucionalizaram entre nós não escapam à
tos, interesses, anseios e concepções de mundo centralidade dessas duas idéias-força.
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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 32: 95-120 FEV. 2009
dades capitalistas centrais, o aspecto determinante da dinâmica social. Daí a proeminência do priva-
não foi superado: a nossa condição de dependên- do sobre o público, inclusive (e talvez principal-
cia econômica25. Segundo o autor, ao perpetuar mente) no próprio funcionamento do Estado27.
nossa posição capitalista periférica, tal condição
Ora, ainda que amplamente tidas como manei-
impede que as conquistas das sociedades centrais
ras diametralmente opostas de interpretar e expli-
sejam plenamente vivenciadas pela maior parte da
car o status da modernidade no Brasil, ambas as
população brasileira: os pressupostos cívico-hu-
abordagens tendem a ver um hiato – em essência,
manitários, igualitários e democráticos da ordem
jamais inalterado – entre a sociedade brasileira
burguesa. Isso explicaria, conforme a ordem pós-
contemporânea e os “países modernos centrais”
1930 (e, de forma ainda mais acentuada, a cons-
na medida em que: a) Estado, mercado e socieda-
telação pós-1964) foi capaz de mostrar, as nossas
de civil jamais se acharam plenamente diferencia-
peculiaridades normativas, expressas na dificul-
dos no Brasil na mesma proporção em que naque-
dade de “conciliação concreta, aparentemente a
las sociedades; b) o público e o privado invaria-
curto e longo prazos, entre democracia, capita-
velmente viram-se imbricados entre nós de ma-
lismo e auto-determinação” (FERNANDES, 1976,
neira um tanto acentuada; c) leis secularizadas
p. 254)26.
sempre encontraram obstáculos para fazerem-se
Por outro lado, enquanto Raymundo Faoro preponderantes na estrutura normativa brasileira.
(2001) enxerga o Estado patrimonial e sua buro- Portanto, as correspondências entre os diagnósti-
cracia como sendo as fontes primordiais de nos- cos da literatura acerca da “aventura da cidadania
sas especificidades, Gilberto Freyre e S. B. de no Brasil” e os retratos traçados por duas das prin-
Holanda voltam-se para nossas raízes patriarcais cipais abordagens do pensamento social brasilei-
que, segundo ambos, por séculos lograram ro tornam-se evidentes28.
permear quase que por completo a ordem social
A pergunta que se coloca é, quais seriam os
brasileira. Segundo Holanda, ainda que muito
problemas advindos de tal correspondência para
longinqüamente, foi-nos determinante um traço
a compreensão da “aventura da cidadania no Bra-
específico da cultura lusitana: sua “aversão con-
sil”? Chamo atenção especial para dois pontos
gênita a qualquer ordenação impessoal da existên-
vulneráveis: a) toma-se por certo um dado retrato
cia” (HOLANDA, 1994, p. 75). A esse traço en-
notavelmente “congelado” (e invariável) da socia-
contrar-se-ia estreitamente vinculada a marcante
bilidade do Brasil moderno (1. forte entrelaçamento
e ainda não superada presença de códigos de so-
entre Estado-mercado-sociedade civil; 2. “promis-
ciabilidade típicos de um momento em que o pater
cuidade” na relação público-privado; 3. baixo grau
familias – e a correspondente família de tipo pa-
de secularização normativa), apoiado em uma ima-
triarcal – era o centro articulador por excelência
gem também hipostasiada da sociabilidade supos-
tamente peculiar às chamadas “sociedades mo-
dernas centrais”. Com isso, tende-se ou a subes-
25 De acordo com Caio Prado, “Se vamos à essência da timar variações históricas em um e outro cenários
nossa formação, veremos que na realidade nos constituí- ou a simplesmente desconsiderá-las por comple-
mos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros;
mais tarde ouro e diamante; depois, algodão, e em seguida
café, para o comércio europeu” (PRADO JR., 1970, p. 22).
O problema, para o autor, é que essa motivação inicial não 27 Algumas das principais referências de nossa sociologia
só perdurou por séculos como se mantém ativa em nosso da herança patriarcal-patrimonial, também aqui guarda-
desenrolar histórico: “É com tal objetivo, objetivo exterior, das suas irredutíveis particularidades, são: Freyre (1990;
voltado para fora do país e sem atenção a considerações 1996; 2000), Holanda (1994), Faoro (2001) e Matta (1980;
que não fossem o interesse daquele comércio que se organi- 2000).
zarão a sociedade e a economia brasileiras. Tudo se disporá 28 A título de ilustração, parece-me sugestivo que, enquan-
naquele sentido: a estrutura social, bem como as atividades
to para Dagnino (2003) a chave-explicativa de nossa pecu-
do país [...]” (PRADO JR., 1970, p. 23).
liaridade normativa está na “cultura de autoritarismo soci-
26 Algumas das referências centrais da abordagem da soci- al” que permeia a sociabilidade brasileira desde longa data,
ologia da dependência, a despeito das irredutíveis Saes (2001) atribui nossa pretensa especificidade à “confi-
especificidades de cada trabalho e autor, são: Prado Jr. guração assumida pelo processo de desenvolvimento do
(1970; 1971; 1994), Fernandes (1975; 1976), Ianni (1971; capitalismo no Brasil” que, segundo o autor, jamais deixou
1978), Cardoso (1972) e Cardoso e Faletto (1979). de ser “retardatário e dependente”.
105
PARA ALÉM DE UMA “CIDADANIA À BRASILEIRA”
to (sob o argumento de que são por demais mar- normativas nodais da chamada República Velha
ginais e sem qualquer impacto no núcleo da dinâ- (CARONE, 1974). Quanto à Constituição de 1934,
mica social); b) as variações de configuração de ao mesmo tempo em que introduziu novas no-
cidadania que por ventura ocorreram ao longo de ções de direitos e deveres, é amplamente vista
nossa história são sumariamente desconsideradas como tendo recuperado termos legais previamen-
ou vistas como essencialmente superficiais frente te defenestrados pelo governo provisório que se
a certos padrões pretensamente típicos de um e seguiu à queda de Washington Luís (VIANNA,
outro contextos. Ganha força renovada, então, a 1989). Mudanças novamente significativas viri-
imagem de uma “cidadania à brasileira”, uma es- am a se concretizar com a Carta Magna outorga-
pécie de idéia-força que, em vez de jogar luz, via da em 1937, muitas das quais confirmadas em
de regra obscurece o teor das disputas e proces- 1943 pela Consolidação das Leis do Trabalho
sos históricos que levaram a essa ou àquela con- (DUARTE, 1999). O perfil daquela ordem
figuração de direitos e deveres29. normativa também sofreria sérios abalos com a
Constituição de 1946, que perduraria (aos trancos
Ora, tal opção analítica reduz a um plano se-
e barrancos, a bem da verdade) por quase duas
cundário a dimensão contingente e agonística da
décadas (WEFFORT, 1978). Os anos 1960, con-
construção da normatividade; trata-se, a meu ver,
tudo, abriram mais um novo capítulo na estrutura
de uma dimensão que uma sociologia política que
normativo-legal brasileira, que somente começa-
se pretenda atenta à variedade de configurações
ria a ser plenamente virado a partir da abertura
de direitos e deveres nas sociedades modernas não
política de meados dos anos 1980 (LAMOUNIER,
pode abster-se. Acredito que as noções de práti-
1990). Seria suficiente atribuir essa ampla gama
cas e oportunidades políticas, tais quais aborda-
de configurações de direitos e deveres a variáveis
das a seguir, auxiliam-nos a salientar esses aspec-
independentes erigidas em torno da idéia de “pe-
tos.
culiaridade da modernidade no Brasil”? Qual o ônus
IV. DO FATOR CONTINGÊNCIA NA CONS- de tal opção explicativa para se pensar as “condi-
TRUÇÃO DA CIDADANIA: ALGUNS ções de possibilidade” da cidadania no Brasil?
APONTAMENTOS HISTÓRICOS
Ora, conforme argumentei anteriormente, im-
Bem sabemos que os contornos normativos plícita ou explicitamente, as premissas fundamen-
embutidos na Constituição de 1822 diferem bas- tais do ensaio clássico de T. H. Marshall (1992)
tante daqueles que vieram a prevalecer na ordem tornaram-se referência central na produção cien-
constitucional posterior a 1891 (COSTA, 1985). tífica nacional a respeito do tema aqui tratado30.
Também sabemos que as principais medidas Em linhas gerais, conforme W. G. dos Santos
legislativas adotadas pelo governo provisório em (1987) salientou, afirma-se que a ordem, o ritmo,
1930 subverteram, em boa medida, referências o formato, o escopo e o objetivo dos direitos e
deveres entre nós diferem sobremaneira dos ca-
sos clássicos do “centro da modernidade”. O que
29 Nesse sentido, por exemplo, a redemocratização de questiono é precisamente a capacidade desse re-
meados da década de 1980 não teria alterado o cerne do trato um tanto quanto inflexível do pretenso pa-
padrão de diferenciação social supostamente característico drão de sociabilidade no Brasil moderno – que,
do Brasil moderno, em que o Estado tende a ocupar (assim como afirmei, acha sua correspondência numa
reza o argumento) posição nodal na dinâmica da sociedade imagem consideravelmente estereotipada da soci-
brasileira (apesar da inegavelmente exuberante emergência
de movimentos sociais e outras organizações no seio da
sociedade civil naquele momento de nossa história políti-
ca). Na mesma linha, o período da chamada “República 30 Ver, por exemplo, o trabalho de Holston e Caldeira
Populista” não teria alterado as linhas mestras da configu- (1998), em que se trabalha a noção de “disjunção” da cida-
ração de direitos e deveres institucionalizada ao longo da dania no Brasil contemporâneo. Conforme os autores,
Era Vargas (a despeito das efervescentes disputas eleito- “Usando a tipologia de T. H. Marshall, tal ‘disjunção’ sig-
rais de então), na medida em que a dimensão social teria nifica que em comparação com os direitos sociais e políti-
sido “sacralizada” no seio de nossa tessitura normativa. cos, a dimensão civil não foi efetivamente entrelaçada ao
Dessa feita, as diferentes configurações da cidadania no tecido da cidadania brasileira. Ao contrário, as proteções e
Brasil têm seu devir pré-definido por um dado quadro ana- imunidades dos direitos civis [...] são geralmente percebi-
lítico-conceitual, incapaz de fazer frente a variações (por das e experimentadas como privilégios elitistas de status
mais gritantes que sejam). social [...]” (HOLSTON & CALDEIRA, 1998, p. 276).
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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 32: 95-120 FEV. 2009
abilidade dos “países modernos centrais” –, apoi- se emblemáticos à própria imagem que a produ-
ado em “determinantes em última instância” como ção sociológica nacional projeta a respeito da ci-
aqueles aqui problematizados, de captar toda essa dadania no Brasil: primeiramente, as disputas e
gama de transformações normativas. Portanto, o embates em torno da ordem normativa que viria a
ônus de tal opção explicativa, que implica na ima- ser institucionalizada com a queda da monarquia
gem de uma “cidadania à brasileira”, é o de mos- e, em segundo lugar, o desmonte da normatividade
trar-se pouco sensível à dimensão contingente e que havia caracterizado a chamada “República
agonística do processo de institucionalização de Velha”.
direitos e deveres (uma vez pensado como fruto
Antes de dar prosseguimento a essa tarefa,
de lutas e conflitos entre projetos díspares de
porém, é preciso notar que até mesmo o debate
normatividade)31. Gostaria, ao final deste artigo,
internacional vem a certo tempo levantando críti-
de chamar atenção para dois eventos históricos já
cas ao ensaio de T. H. Marshall, jogando luz so-
consagrados pela historiografia brasileira que me
bre suas limitações em relação às variações
parecem ilustrar o caráter contextual e agonístico
normativas observadas nas próprias “sociedades
da institucionalização e vivência da cidadania no
centrais”. Nesse sentido, criticou-se desde a sim-
Brasil. A bem da verdade, as inúmeras experiênci-
plicidade do tratamento dedicado por Marshall aos
as de lutas por direitos que coloriram o cenário
conflitos de classe (BOTTOMORE, 1992), até sua
político brasileiro nos anos 1970 e 1980 poderiam
completa desconsideração quanto às diferenças
servir-me de referência para ilustrar essa dimen-
étnico-raciais (GORJANICYN, 2000) e de gêne-
são. Nesse exato sentido, por exemplo, as lutas
ro (FRASER & GORDON, 1994) observadas nas
por saneamento básico e saúde no município de
sociedades modernas. Critica-se, ainda, a
São Paulo, cuidadosamente investigadas por Pedro
periodização de institucionalização de direitos as-
Jacobi (1989), revelam justamente a abertura de
sumida por Marshall tanto quanto a sua cegueira
oportunidades políticas ímpares na esteira do en-
frente a fatores geopolíticos (MANN, 1996).
fraquecimento do regime militar e a crescente
Merece destaque também a crítica à insensibilida-
capacidade de movimentos de bairros de vocalizar
de de seu esquema analítico às diversidades
seus projetos e vivências de cidadania32. O mes-
normativas observáveis no interior de Estados-
mo pode ser dito em relação às disputas locais e
Nações, cujas localidades e regiões são
regionais que, de maneira mais sistemática a par-
freqüentemente permeadas por desigualdades e
tir do final dos anos 1970, conduziram à
conflitos de natureza normativa (SOMERS, 1993).
internalização de direitos ambientais na ordem
normativa brasileira (VIOLA & LEIS, 1995). No Gostaria, pois, de lançar mão de duas noções
entanto, pretendo ater-me a dois cenários que, por que acredito auxiliarem a sociologia política fren-
razões que mencionarei mais adiante33, revelam- te ao desafio de enfatizar a dimensão
“situacional”, contingente e agonística nos estu-
dos a respeito da consolidação da cidadania mo-
31 Ao menos em parte, é esse o espírito da crítica de derna, quais sejam, oportunidades políticas e prá-
Francisco de Oliveira (1994) à noção de “cidadania conce- ticas. Em ambos os casos, trata-se de salientar
dida” trabalhada por Teresa Sales (1994). que disputas pela definição dos contornos da or-
32 Ver, ainda, o número especial da revista Pólis dedicado dem normativa de uma dada sociedade envolvem
ao tema “São Paulo: conflitos e negociações na disputa embates em que projetos de sociedade, interesses
pela cidade”, organizado por Renata Villas-Bôas (1995). individuais e coletivos, demandas as mais varia-
33 Por ora, cabe apenas adiantar que a configuração das, anseios e, mais genericamente falando, vi-
normativa e societal assumida pela sociedade brasileira a sões de mundo díspares lutam entre si em torno
partir de 1930 é vista, tanto por nossa sociologia da he- de recursos políticos, simbólicos, econômicos e
rança patriarcal-patrimonial, como por nossa sociologia sociais que são escassos (isto é, que não podem,
da dependência como emblemática de nossa
“excepcionalidade”. Faoro (2001), por exemplo, vê na “Era
no limite, ser repartidos de maneira rigorosamen-
Vargas” a retomada daquele padrão patrimonialista- te igualitária entre todos).
estamental que por séculos permaneceu “nosso problema
A idéia de oportunidades políticas ganhou no-
não-resolvido”. Já tanto Ianni (1968) quanto Cardoso e
Faletto (1979) vêem naquela configuração a única capaz de toriedade no debate acadêmico especialmente a
proporcionar a uma sociedade periférica como a nossa o partir da segunda metade da década de 1980 na
salto modernizador almejado. esteira das discussões em torno das condições de
107
PARA ALÉM DE UMA “CIDADANIA À BRASILEIRA”
emergência dos movimentos sociais34. Em sínte- prios projetos de sociedade, interesses, anseios e
se, conforme salientei em trabalho anterior visões de mundo. De acordo com Sidney Tarrow
(TAVOLARO, 2008), afirma-se que “disputas (1999) e McAdam (1996), pode-se pensar em cin-
políticas são alavancadas quando mudanças nas co aspectos que sugerem tanto ao analista quanto
oportunidades e constrangimentos políticos cri- ao agente a existência de circunstâncias especiais
am incentivos para atores sociais que não possuem no horizonte político: a) a pronunciada decadên-
recursos próprios” (TARROW, 1999, p. 2)35. A cia na habilidade ou disposição do Estado de
questão-chave é que, quando tais circunstâncias coibir ou até reprimir dissenso; b) o surgimento
especiais convergem com a percepção dos própri- ou aprofundamento de brechas no interior das eli-
os agentes quanto aos custos de sua falta de ação36, tes; c) a abertura de acesso institucional e não-
elas podem apresentar-se como janelas de oportu- institucional à emergência de atores até então au-
nidade para o engajamento em embates, cujos re- sentes do processo decisório; d) o aparecimento
sultados podem inclusive alavancar ciclos de dis- de novos aliados que podem mostrar-se influen-
putas mais prolongados e de maiores dimensões37. tes nas disputas por poder; e por fim, e) rearranjos
na configuração do sistema político (TAVOLARO,
Propósitos heurísticos levam-me a trabalhar
2008). Ainda segundo Tarrow (1999), mesmo que
com uma espécie de “índice de disponibilidade de
transitórios ou até mesmo efêmeros, podem sur-
oportunidades políticas”, capaz de ajudar-nos a
gir novos centros de poder caso essas janelas de
pensar como os próprios agentes envolvidos em
oportunidades sejam aproveitadas.
embates em torno da manutenção ou transforma-
ção (total ou parcial) de ordens normativas (mais Dessa feita, uma vez trazida para o centro da
ou menos sedimentadas) decodificam sinais de análise, a noção de “oportunidades políticas” tem
abertura de janelas políticas para a o potencial de tornar a compreensão dos cenários
institucionalização e/ou consolidação de seus pró- em que se institucionalizam certas configurações
de cidadania imune a quaisquer ordens de “deter-
34 Sem qualquer intenção de propor uma genealogia da minação em última instância”; ou seja, torna os
noção em questão, indico as seguintes referências na litera- esforços interpretativos e explicativos da defini-
tura a respeito de movimentos sociais que passou a traba- ção de uma dada ordem normativa imunes à
lhar com a idéia de “oportunidades políticas” de maneira vinculação da dinâmica social a “variáveis inde-
sistemática, procurando aprimorá-la tendo em vista a ex- pendentes” externas às próprias lutas sociais. Por-
ploração de seu potencial: McAdam, McCarthy e Zald
(1988); Morris e Mueller (1992); Traugott (1995);
tanto, as mudanças de configuração de direitos e
McAdam, McCarthy e Zald (1996); Tarrow (1999). deveres observadas nos diferentes momentos da
35 Até mesmo disparidades de recursos financeiros (di-
história brasileira não precisam ser tidas como
decorrência desta ou daquela tendência implícita
nheiro) e políticos (poder) entre os agentes em disputa
podem ser compensadas na medida em que os mais frágeis em nossa sociabilidade “desde tempos
logrem tirar vantagem de oportunidades. imemoráveis”. Em vez disso, podem ser pensa-
36 Isso implica que caso essas circunstâncias especiais das como janelas de oportunidades aproveitadas
não sejam codificadas pelos próprios agentes como opor- por certos projetos de normatividade.
tunidades políticas, não importa o quão poderosos eles Já a ênfase na dimensão prática da luta por
sejam, terão pouquíssimas (ou mesmo não terão qualquer)
direitos é caudatária de uma longa tradição do pen-
possibilidade de efetivar as almejadas transformações (uma
vez mais, sejam elas políticas, normativas, econômicas, samento sociológico que busca salientar o nível
culturais etc.) (FRIEDMAN & BENFORD, 1992). micro da dinâmica social, com todas as suas
37 Não se trata de atribuir única e simplesmente a estrutu- minúcias, sutilezas e, fundamentalmente, o cará-
ras formais (como é o caso de instituições estatais) o rótulo ter “situacional” das relações intersubjetivas. Não
de “oportunidades políticas privilegiadas”: tais “janelas de poderei aqui me prolongar na consideração dessa
oportunidade” podem ter origem não só em instituições importante área de investigação sociológica. Gos-
políticas consideravelmente estáveis (cujas transformações taria apenas de fazer breve menção aos esforços
normalmente ocorrem vagarosa e gradualmente) como tam- de Erving Goffman (1959) para chamar atenção
bém em eventos altamente voláteis e transformações pas-
do papel central da “definição da situação” como
sageiras (MCADAM, MCCARTHY & ZALD, 1996). Ao
mesmo tempo, podem apresentar-se atreladas tanto ao forma de estabelecer-se o controle nos processos
aparato estatal e sua dinâmica como a grupos e/ou proble- intersubjetivos de estabelecimento de padrões de
mas consideravelmente específicos (GAMSON & conduta. Goffman salienta que o empenho em di-
MAYER, 1996). reção a tal definição dá-se por meio de um con-
108
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 32: 95-120 FEV. 2009
junto de práticas (dentre as quais as práticas “cor- acordo com a autora, mesmo que
retivas”, “defensivas”, ou mesmo “de proteção”) institucionalizados na forma de lei, os direitos não
por meio das quais se estabelecem, de maneira deixam de ser “práticas [...] contingentes ao e
um tanto quanto contingente, os termos do con- constituídas por redes de relações e idiomas polí-
texto da interação. Vale lembrar, nessa mesma di- ticos” (SOMERS, 1993, p. 589). A meu ver, essa
reção, Garfinkel (1984) e Berger e Luckmann dimensão prática e situacional da cidadania pode
(1967) procuraram acentuar o caráter circunstan- ser encontrada nas diferentes “demandas
cial e situado (e, sem sombra de dúvidas, reflexi- normativas” que permeiam setores os mais varia-
vo) das práticas e interações cotidianas que cons- dos da sociedade. É o embate entre essas “de-
tituem a complexa tessitura do social. mandas díspares” a respeito de direitos e deveres
que denota, de maneira muito especial, aquela di-
Ora, conforme Somers (1993) demonstrou em
mensão micro da definição da cidadania.
estudo sobre a luta por direitos na Inglaterra entre
os séculos XVII e XVIII, “[o]s contextos locais Dessa maneira, àqueles que se preocupam com
de processos legais [...] geraram culturas políti- a temática das condições de possibilidade da cons-
cas e legais diferentes, que acabaram por produ- trução da cidadania no Brasil, “oportunidades po-
zir diferentes padrões de cidadania em diferentes líticas” e “práticas” podem apresentar-se como
comunidades” (SOMERS, 1993, p. 605). Dessa antídotos ao perigo de vincular a dinâmica da
feita, conforme a localidade em questão, a institucionalização de direitos e deveres no Brasil
implementação e institucionalização de direitos ci- a fatores exógenos às próprias disputas e emba-
vis, políticos e sociais tiveram seqüências bastan- tes normativos. Além disso, em vez de atribuir
te singulares tendo em vista seus diferentes níveis peso explicativo a priori a uma dada imagem
de participação política. Assim, no tocante à di- (freqüentemente congelada) do suposto padrão de
mensão micro dos embates em torno da definição sociabilidade do Brasil moderno (em que a. Esta-
e institucionalização da cidadania, conforme a qual do-mercado-sociedade encontram-se invariavel-
os direitos e deveres devem ser vistos em termos mente entrelaçados; b. público-privado acham-se
de práticas “situacionais” e contextuais, inspiro- imbricados; c. a normatividade encontra-se semi-
me em esforços analíticos como aquele levado secularizada), há que se avaliar cada contexto,
adiante por Bryan Turner (1993). Conforme já tive quais os atores implicados, tanto quanto os proje-
oportunidade de salientar (TAVOLARO, 2008), tos de sociedade e de normatividade em disputa,
para Turner a cidadania é “um conjunto de práti- suas capacidades circunstanciais para fazer valer
cas (jurídicas, políticas, econômicas e culturais) seus interesses além, é claro, a existência ou não
que definem uma pessoa como sendo um mem- de oportunidades políticas que tornam transfor-
bro competente da sociedade, e que por conseqü- mações normativas mais ou menos aptas a ocor-
ência moldam o fluxo de recursos em benefício rerem. É precisamente nesse sentido que a ima-
de pessoas e grupos sociais” (TURNER, 1993, p. gem de uma “cidadania à brasileira” deve dar es-
2). O autor argumenta que a ênfase na dimensão paço a investigações menos generalizantes e mais
prática da luta por e gozo de direitos previne o contextualizadas de lutas em torno da
analista de lidar com a cidadania como um mero institucionalização de direitos e deveres. Há que
arranjo de garantias e obrigações. Evita, dessa se considerar aspectos circunstanciais e
forma, um tratamento demasiadamente jurídico situacionais não como fatores marginais e aces-
da cidadania, preferencialmente ancorado na es- sórios às “grandes tendências históricas”, mas sim
fera de ação do Estado. É necessário, pois, como como elementos centrais nos embates em torno
sugere Ann Mische (1995), levar em conta as da definição das configurações de cidadania. Isso
“exortações performativas” envolvidas nos em- porque, quaisquer que sejam tais configurações,
bates em torno da definição e atribuição de direi- por mais institucionalmente consolidadas que se-
tos, em vez de adotar uma perspectiva por de- jam, elas jamais deixam de ser objeto de disputas,
mais formal. Nessa mesma direção, também já seja para sua manutenção, seja para sua transfor-
havia chamado atenção para o fato de que mação. Deixe-me, aqui, fazer uma incursão
Margareth Somers (1993) reivindica uma abor- historiográfica que seja capaz de ilustrar esse ar-
dagem dinâmica e fluída do processo de constru- gumento.
ção da cidadania, vista como “um conjunto de
Pretendo realizar alguns apontamentos a res-
práticas sociais institucionalmente embutidas”. De
peito das disputas normativas que se desenrola-
109
PARA ALÉM DE UMA “CIDADANIA À BRASILEIRA”
ram a partir da crise do regime monárquico até o ros presidentes de nossa então imberbe experiên-
desmanche da “República Velha”38. A meu ver, o cia republicana (Deodoro e Floriano), a concep-
que deve ser assinalado é que a configuração de ção centralista não conseguiu tornar-se hegemônica
direitos e deveres tanto quanto o padrão de socia- – que o digam as disputas em torno da Constitui-
bilidade característicos daquele momento resulta- ção de 189140, as pressões que resultaram na
ram de embates e disputas em que demandas abrupta renúncia do Marechal Deodoro e a emer-
normativas díspares disputaram posições de pro- gência do Partido Republicano Paulista (PRP) para
eminência na organização da ordem social. Foi a posição de destaque ainda nos primeiros anos da
disponibilidade ou não de oportunidades políticas década de 1890. Mas qualificar sumariamente a
favoráveis que tornou possível que prevaleces- “República Velha” como sendo a “República
sem ou não; ainda assim, mesmo que Oligárquica” (ou mesmo “República do café-com-
institucionalizadas, muitas das normas que adqui- leite”) faz que corramos o risco de esquecermo-
riram status legal e universal somente ganhavam nos (ou, pior, negligenciarmos) o quão repleto de
vida em situações práticas, por setores da socie- “embates discursivos” foram as quatro décadas
dade capazes de vivenciá-los em seu dia-a-dia. A que antecederam o golpe de 1930. Mas há uma
expansão e o efetivo gozo desses direitos depen- série de “demandas normativas dissidentes” que
deram de lutas pela sua institucionalização e pelo conseguimos encontrar naquele cenário:
reconhecimento de seus portadores enquanto ci-
1. Em meio a uma República cuja configura-
dadãos. Darei ênfase, pois, às “demandas dissi-
ção institucional a partir de 1891 assumiu
dentes” que povoaram o período e que ajudaram
um perfil marcadamente federalista e libe-
a mudar a orientação e o perfil da sociedade brasi-
ral, um primeiro “discurso dissidente” era
leira naqueles momentos.
aquele que abarcava uma série de projetos
Na verdade, sabemos que a própria República de sociabilidade e normatividade sob forte
já nasceu cindida entre ao menos dois projetos inspiração positivista. O “Apostolado
díspares, um dos quais centralista (apoiado tanto Positivista”, sob o comando de Teixeira
por setores do Exército como por setores da oli- Mendes e Miguel Lemos, certamente foi
garquia gaúcha e intelectuais, todos sob inspira- quem manifestou de maneira mais
ção positivista), e um outro federalista (cujo prin- hiperbólica tais projetos (LINS, 1964). Pro-
cipal pilar de sustentação era a oligarquia agrária vavelmente a mais indelével de suas con-
paulista, apoiada por alguns de seus pares de ou- quistas institucionais tenha sido a seculari-
tras províncias que se viam marginalizadas na es- zação do Estado (CRUZ COSTA, 1964) ––
trutura política monárquica)39. Não há dúvidas para não falar da insígnia Ordem e Progres-
de que, a despeito de ter fornecido os dois primei- so na bandeira (Carvalho, 1990). Mas suas
demandas foram muito mais abrangentes:
o “Apostolado” defendia a institucionalização
38 Eis a justificativa deste recorte temporal: foi precisa-
mente a configuração de direitos e deveres que veio a con-
solidar-se no universo normativo brasileiro a partir de 1930 encontravam ancoragem institucional nas disputas que
a que mais corresponde àquela imagem do padrão de soci- opunham Liberais (partidários de uma estrutura político-
abilidade moderno tido como “especificamente brasileiro” institucional que garantisse autonomia local) e Conserva-
(conforme discutido nos dois primeiros itens deste artigo). dores (defensores do Poder Moderador instituído pela
Ou seja, a partir dos anos 1930, a ênfase nos direitos soci- Constituição de 1824). Os Liberais compreendiam classes
ais (em detrimento dos direitos políticos e civis) dar-se-á médias urbanas, padres e figuras emergentes das oligarqui-
em meio a um cenário que a historiografia e ciências sociais as de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Já, os
nacionais identificam como fortemente marcado por: a. Conservadores apoiavam-se em burocratas do Império,
Considerável intervenção estatal no mercado e na socieda- magistrados, grandes comerciantes, além dos setores mais
de civil; b. Papel ativo da Igreja católica na dinâmica políti- importantes das oligarquias mais tradicionais, como aque-
ca (sob a liderança de D. Sebastião Leme); c. las do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. Ver Carvalho
Instrumentalização da esfera pública pelos interesses pri- (1980) e Costa (1985).
vados em favor tanto da emergente burguesia industrial 40 Segundo Lessa (1999), os militares (alguns dos quais
como de outros atores com ligações privilegiadas ao apare-
nem mesmo centralistas eram) ocupavam apenas ao redor
lho do estado.
de 25% da Assembléia Constituinte; disputavam poder
39 Obviamente, também sabemos que já no Império os com outros dois grupos proeminentes, os federalistas mo-
confrontos entre um projeto centralista e outro federalista derados e os hiper-federalistas.
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Como bem mostrou a historiografia da Repú- sugerido por Nilo a fim de que se constituísse
blica Velha, ao menos em duas ocasiões anterio- uma “corte de honra” para decidir sobre o resul-
res ao Golpe de 1930 (as sucessões presidenciais tado das eleições. Epitácio, contudo, conseguiu
de 1910 e 1922) as bases daquela ordem manifes- apagar o incêndio.
taram de maneira mais acentuada suas
Esse não seria o destino do pleito que colocou
vulnerabilidades, muitas das quais voltariam à tona
em disputa os governadores Júlio Prestes (São
na sucessão de 1929. Na sucessão do mineiro
Paulo) e Getúlio Vargas (Rio Grande do Sul). Dessa
Afonso Pena, a aliança hegemônica São Paulo-
vez, a escolha do governador paulista como “can-
Minas Gerais (que desde Prudente de Moraes con-
didato oficial” frustrou as pretensões do político
seguira permanecer inabalada) viu-se ameaçada por
mineiro Antônio Carlos, que queria levar seu esta-
outras lideranças estaduais que, insatisfeitas com
do ao comando da Presidência. Vital Soares (Bahia)
os desequilíbrios de poder na Federação, junta-
foi escolhido para vice de Júlio Prestes, ao passo
ram-se ao redor do Senador gaúcho Pinheiro
que MG e RS ofereceram a João Pessoa (Paraíba)
Machado (fundador do Partido Republicano Con-
o posto de vice do candidato Vargas. Como reve-
servador) para apoiar a candidatura do Marechal
lou a troca de cartas entre Washington Luís e
Hermes da Fonseca (enquanto São Paulo e Bahia
Getúlio, o então presidente mostrou-se enorme-
uniram-se em torno da candidatura de Rui Barbo-
mente insatisfeito com a candidatura de seu anti-
sa, cuja plataforma bradava apoio aos cafeiculto-
go Ministro da Fazenda50. Mas previra que Júlio
res). Conforme sugeri acima, ao ganhar, a cam-
ganharia com folga, como foi de fato noticiado
panha “salvacionista” de Hermes intentou minar
no dia 1o de março de 1930, por uma diferença de
os pilares do poder oligárquico, enviando oficiais
mais de 200 mil votos. O resto da história todos
para assumir o poder no Ceará, em Alagoas,
sabemos.
Pernambuco e Sergipe. A vitória do mineiro
Venceslau Brás, em 1914, ajudaria a curar as feri- O que gostaria de salientar é que, em todas
das então abertas. essas ocasiões, as brechas, vulnerabilidades e fe-
ridas do arranjo político da República Velha vie-
O establishment oligárquico federativo ver-se-
ram à tona. Joseph Love (1971) conseguiu
ia novamente abalado em 1922, quando três esta-
sintetizá-las de maneira bastante fiel: a) a lideran-
dos de menor calibre (Rio de Janeiro, Bahia e
ça da aliança São Paulo-Minas Gerais invariavel-
Pernambuco) juntaram-se a lideranças do RS para
mente levava o governo federal a canalizar esfor-
mais uma vez perfurar a aparente inquebrantável
ços demasiados à valorização do café em detri-
composição São Paulo-Minas Gerais. A bem da
mento e ao custo das economias de outros esta-
verdade, tentativa parecida já havia sido feita em
dos da federação; b) outros estados sentiam-se
1918 por grupos políticos desses três mesmos
indevidamente desconsiderados; c) eleições para
estados, frustrados com a vitória de Rodrigues
governadores eram freqüentemente carregadas de
Alves. Em 1920, o então governador de SP, Wa-
problemas de legitimidade, muitas vezes forçando
shington Luís, uniu-se ao Governador de Minas
o governo central a intervir à revelia das oligar-
Gerais, Arthur Bernardes, para definir o político
quias locais; d) os acordos informais e a própria
mineiro como “candidato oficial” à sucessão de
estrutura institucional característica da República
Epitácio Pessoa (que havia assumido a presidên-
Velha (estabilizada por Campos Sales) mostrava-
cia após a morte súbita de Rodrigues Alves). Foi a
se crescentemente incapaz de absorver novos se-
definição do vice de Bernardes, o maranhense
tores que começaram a apresentar-se na cena
Urbano Santos, que acabou alavancando as insa-
política de maneira cada vez mais pronunciada à
tisfações dos estados menores, levando-os a jun-
medida que o país urbanizava-se e a economia
tarem-se a líderes gaúchos (dentre eles o gover-
tornava-se mais complexa.
nador Borges de Medeiros) em torno da chapa de
oposição Nilo Peçanha (Rio de Janeiro) – J. J. Foram precisamente essas fissuras que se abri-
Seabra (Bahia), chamada de “Reação Republica- ram e se constituíram como “oportunidades polí-
na”. A vitória de Bernardes não foi de pronto re- ticas” ótimas para que “projetos normativos alter-
conhecida pela oposição, que reclamava em alto e
bom tom do “demasiado apoio do governo fede- 50 Cf. o documento “Correspondência trocada entre Ge-
ral aos estados plantadores de café em detrimento túlio Vargas e Washington Luís”, reproduzida pela Agência
dos demais”. Até mesmo o apoio dos militares foi Americana (telegrafada) (A Revolução de 30, 1982).
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nativos” – fomentados de maneira contextual e herança histórica ou de uma dada posição no cená-
situacional – assumissem posições de comando e rio capitalista internacional –, defendo que enten-
redefinissem os rumos da sociedade brasileira de damos as diferentes configurações de direitos e
então. É nesse exato sentido que, em vez de uma deveres experimentados pela nossa sociedade como
“cidadania à brasileira” – supostamente definida defomentadas e consolidadas entre práticas de lutas
antemão por esta ou aquela tendência macro (cul- e oportunidades políticas. Essas, a meu ver, são
tural ou econômica), advinda seja de uma pretensa chaves-explicativas que nos ajudam a compreen-
der algumas das condições de possibilidade da cons-
trução da cidadania no Brasil.
Sergio B. F. Tavolaro (sergiotavo@fafcs.ufu.br) é Doutor em Sociologia pela New School for Social
Research (Estados Unidos) e professor adjunto da Universidade Federal de Uberlândia.
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PARA ALÉM DE UMA “CIDADANIA À BRASILEIRA”
OUTRAS FONTES
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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 32: 189-193 FEV. 2009
191
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 17, Nº 32: 181-185 FEV. 2009
183