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PENSANDO A CLASSE OPERARI: OS TRABALHADORES SUJEITOS AO IMAGINARIO ACADEMICO (Notas de uma pesquisa) Maria Celia Paoli, Eder Sader, Vera da Silva Teles (Departamento de Ciéneias Sociais da USP) Jé observou Castoriadis que a discussio sobre a classe operdria assume quase obtigatoriamente um caréter politico, j& que, de algum modo, 0 movimento operitio foi investido do sentido histérico que Ihe atribuiu © marxismo (1), A produgdo sociolégica brasileira esti mesmo carregada de polémicas acerca das explicagdes sobre 0 comportamento operditio, suas determinagses e significados, cujas implicacbes politicas foram imediata- mente captadas nos meios universitérios tanto quanto pelas diferentes cor rentes ideoldgicas em confronto (2). Mas o que hoje aparece mais clare- mente € que as divergéncias mais radicais se revelam no proprio modo 1. Ver C. Castoriadis, “La question de Vhistoire du mouvement ouvrier® in experience dw mouvement ouvrier I: comment lutler, UGE, Paris, 1974, p. 67 © segs. 2. ‘Temos a polémica sbertwmente assumida entre F. Weffort de um lado ¢ C. Estevam e M. Herminia Tavares de outro, eoerea da presenca politica do protetariado ng pésguerta. Mas além disso, nfo somente toda a obra de F. Weffort surge por oposigio & tradigéo anterior, como também os trabalhes de Ledncio M, Rodrigues, L. Werneck Vianna, M. Herminia Tavares, J. A, Moisés, A. C. Bermardo, J. Humphrey, ‘A. Maroni, C, Fredetica, entre outros, constituiram pesas de um continue debate que cruzou universitétios e militantes politicos, Revista Brasileira de Historia 129 como a nogdo da classe é montada, antes de aparecerem nas explicagdes sobre sua dingmice, O lugar onde a classe é situada e descrita ea imagem dela construida so indissocidveis das explicacdes elaboradas, pois € nu articulagdo entre as questées decorrentes de uma determinada abordagem € as imagens substantivas construidas na claboragdo tedrica, que cada autor constitu sua unidade temétiea em torno do objeto “classe operdria”. Nossa pesquisa busca examinar justamente os modos de construgio da imagem dos trabalhadores nas ciéncias sociais em nosso pais. Ela nasceu de uma observacio que fizemos da existéncla de uma ruptura na produgdo intelectual sobre o tema. Transformagdes na prética social estariam dando visibilidade a novos temas © colocando no centro da reflexio 0 problema da emergéncia dos trabaihadores enquanto sujeito politico. Particularmente com as greves de massa em 1978 os trabalhadores apareceram de modo novo em nossa Histéria. Vistos tradicionalmente como personagens subordinados ao Estado ¢ incapazes de impulsio prépria ©, apés 1964, silenciados ¢ atomizados politicamente pelo regime militar, cles irrompem na cena politica em 1978 falando por boca propria e reve. lando a existéncia de formas de organizacdo social que haviam tecido margem dos mecanismos tradicionsis montados para representé-los € que serviam para sua cooptacio, enquadrumento ¢ controle. Grupos de fébrica, clubes de mies, comunidades de base e as mais diversas organizagdes de diferentes setores sociais a partit de diferentes temas, tomaram a sociabi- lidade prdpria entre seus membros como premissa para formas auténomas de organizagio © expresso que alteraram o prdprio campo da politica no pais. Impressionados pelas demonstragdes desses sinais de vida pripria dos dominados, muitos de nés nos voltamos para a interrogacio do seu signi- ficado e de sua gestagéo. Vivemos todo um movimento intelectual de revi- io histérica, buscando as raizes do presente, invisiveis nas formas pasta- das de representaco do social. Foi ento questionada uma imagem consti- tufda intelectualmente, no interior da qual os trabalhadores eram vistos como subordinados ao Estado gragas a determinagdes estruturais da indus- trlalizagdo brasileira, Apoiados nos novos movimentos sociais, toda uma produgdo te6rica recente procura captar nas experiéncias dos dominados a inteligibilidade de suas préticas. O que para nés definiu uma ruptura com a producio anterior sobre a classe operaria foi a nogéo de sujeito que emerge dessa nova produco, isto é, © gstatuto conferido as pré- ticas dos trabalhadores, como dotadas de sentido, peso politico e signi- ficado hisiérico na dindmica da sociedade. E foi precisamente isso que estruturou nossa questiio e que nos levou a penser as obras do periodo 150 Revista Brasileira de Historia anterior como compondo um paradigma no qual a classe aparece como sujeito subordinado, sem uma dindmica prdpria que emerja de suas pré- ticas, determinado por condigdes exteriores & sua existfncia concreta. Exa- minat 0 conjunto das obras que constituiriam 0 paradigma em questio foi nosso primeiro passo para qualificar ¢ compreender a natureza: da ruptura que constatamos. ‘Nossa leitura nfo pretendia descobrir realidades igaoradas ou mistifi- cadas pelos cientistas sociais. Nao partimos da consideraglio de que o modo de representago intelectual construfdo sobre os trabalhadores tenha sido uma invencio arbitrdria dos cientistas sociais. Pel contrétio, nés © tomamos como o modo pelo qual os trabalhadores foram efetivamente pensados numa dada sociedade, num dado momento de sua historia, Se determinados aspectos da vida social ndo foram tematizados num momento histérico € porque nao alcangaram significado social, e © que nos cabe compreender 0 que fornecia as categorias pelas quais se expressavam os vatores © nas quais se montaram suas discusses. Nao pedimos, pois, aos textos alguma gatantia de verdade, inquirindo sobre seus métodos, motivos ‘e resultados a partir de falhas lgicas ou ideolégicas, exigindo deles o que eles no se propuseram, Procuramos ver nos textos © que eles nos contam sobre 0 objeto, as idéias bésicas que organizam a representagdo desse objeto ¢ sua posigéo no tempo € no lugar do debate que suscita. Em se- guida podemos refletir sobre seu enraizamento num mundo real de rela- GGes sociais © de questées sobre elas, isto €, a definigéio do espaco hists- -tico onde se movimentam. ‘Mas nés inquirimos as obras a partir de quest6es que foram colocadas em nosso momento histérico. Por isso no quisemos reconstituir a unidade de cada obra mas sim examinar como responderiam & nossa questo: qual © estatuto conferide as prétices do proletariado na instituigdo de suas condigdes de existéncia social? E certo que para compreender a resposta de cada autor foi necessério acompanhar © percurso original de sua elabo- ragio, para poder entender sua nogio de classe operdria no campo temé- tico por ele construfdo, Fomos assim investidos por suas questdes € esse movimento terminou por afetar nossa propria questiio. Levados @ outros tempos histéricos, redescobertos nos debates mon- tados entre as obras examinadas, fomos obrigados a qualificar nossa propria questéo, ista é, a nogio de sujeiio com a qual estamos trabalhando. Tive- ‘mos que nos remeter ao sentido que essa questo fazia no interior dos horizontes politicos, sociais © culturais das conjunturas-em que foram escritos. Ficou claro que essa nogéo, tal como hoje a formulamos, 26 pode- ria emergir mum momento em que o politico no fosse concebido como Revista Brasileira de Historia i5t tum lugar fixado pelas estruturas sociais e determinagées econdmicas, mas ‘como préticas que criam sociedade ¢ economia, pondo em jogo uma matriz estrutural ¢ ampliando seu raio de constitu Finalmente, 2 partir de nossas quesiées, ancoradas num outro tempo lugar, pudemos descobrir, independentes dos quadros interpretativos dados, priticas ¢ experigncias vividas pelos trabalhadotes, através das des- crigdes, depoimentos ¢ relatos apresentados como material de pesquisa, Referidas nos textos examinados mas nfo claboradas, elas aparecem ofus- cadas pelas questies que entdo se armavam. E o que ressalta nesses traba- Ihos & sobretudo a consciéncia que tinham seus autores de uma sociedade industrial em formacao, cuja novidade constitui sua interrogacio central Dai a predominancia dos temas da industrializacdo, da urbanizacdo, das desigualdades sociais de uma sociedade em transicao, do peso tutclar do Estado. Se os autores se interrogam acerca do luger e papel dos trabalha- dores é mais como elemento no deciframento da peculiaridade da sociedade brasileira. Estamos ainda no meio de nosso trabatho e o que agui apresentamos constitui apenas conclusdes parciais da pesquisa. Tendo ja examinado as obras principais do periodo 1958-78, pudemos analisar a consisténcia de um paradigma intelectual montado nesses anos. Procuramos, neste artigo, transmitir resumidamente: a) as condigGes de emergéncia e as caracteristi- cas do campo temiitico sobre a classe operéria brasileira, montado a partit do fim dos anos 50, identificando seu processo de constituigao através de algumas obras decisivas; b) as condigdes ¢ caracteristicas da emergéncia de uma reflexo que apontava para a ruptuta com aquele campo temitica. A constituigéo de um campo temiitico: 0 proletariado como questiio Foi s6 20 iniciar a dScada dos 60 que a classe operdtia se tornou objeto de reflexio sistematica no Brasil. Examinando os desajustamentos dos trabalhadores na sociedade industrial, a falta de conseiéneia de classe do proletariado, 0 estabelecimento de um sindicalismo operdrio controlado pelo Estado, Juarez Brandio Lopes, Alain Touraine, Fernando Henrique Cardoso, Azis Simio, e, logo depois, Leéncio M. Rodrigues, J. Albertino Rodrigues, inauguram uma tradigfo de estudos sobre = classe operdria, Das questies que levantam, das imagens concretas que ressaltam a partir das formas de manifestagio em que localizam a classe, dos esquemas teéri- cos que armam com suas observagées, resulta um modelo consistente de anélise da presenga dos trabalhadores na sociedade brasileira. Porque, na 352 Revista Brasiteira de Histdria verdade, até ento, a imagem dos trabalhadores nas ciéncias sociais s6 apa- recia como agregudo amorfo sem vida prépria (nas vertentes dos pensa- mentos autoritérios € macionalistas) on como derivagZo abstrata de uma filosofia da histéria (na vertente da produgio comunista local). Com efeito, na tradieao do pensamento autoritario brasileiro, que tem suas raizes no Apostolado Brasileiro (3), os idedlogos do Estado Novo getulista sé pensam o proletariado do angulo da construgio da nacionali- dade ¢, por ai, constatam sua imaturidade © inconsisténcia (4). Nos anos 50 até 1964 uma corrente nacional desenvolvimentista d4 continuidade a essa tradig#o, embora ja se defrontasse com uma realidade onde era inelu- divel a presenga de trabalhadores organizados, © centro da reflexio dessa corrente est voltado para as condigdes da emancipagio nacional. Tendo por temas principais a anélise dos obsticulos a industrializagio ¢ os meca- nismos da dominagio estrangeira, os trabalhadores aparecem sistematica- mente diludos nas referéncias ao “homem brasileiro” (5), ‘Na corrente comunista, por seu lado, o proletariado € visto a partir de sua vocagio revoluciondtia. Dispondo de um arquétipo da sociedade existente ¢ da revoluo por vir, eles procuraram na realidade indicadores dos avangos e entraves da dindmica postulada, Tendo por referencia a imagem universal © ideal da classe, as andlises detectam na tealidade as munifestagdes do seu grau de maturidade: volume ¢ natureza da atividade sindicsl, organizagio partidéria, manifestagdes de adesio a ideologias con. sideradas revolucionérias, Iutas contra o regime (6). Nos anos 50, constituiu-se uma corrente tedrica que aborda a din’ mica da sociedade brasileira vista como um processo de modernizacio, 3. Sobre Miguel Lemos = Teixeita Mendes, consulte-e J, Cruz Costa Contribui- $0 @ Histéria das tdéias no Brasil, . Olympio, 1956. B. vejase patticularmente, de ‘Teixcita Mendes, “A incorporagéo do proletariade & soviedade moderna”. 4. Vejase a obra de Alberto Torres, Oliveira Vianna, Azcyedo Amaral e Fran- cisco Campos, cixjo empeniio voltavase para cvitar que os conflitos sociais se con. yyertessem em lutas de classe, Analistas sociais, os trés dllimos foram também politicos do Estado Novo, procurando, segundo as palavras de O. Vianna, suprir 0 quo a evolugio histérica “aindw no pode dar: estrutura, organizagéo, consciéncia coletiva™ (cit, im K, Erickson, Sindicalismo no processo politico do Brasil, Brasiliense, 1979, p. 36). 5. Os nomes mais expressivos dessa corrente «60 H. Jaguaribe, A. Vieira Pinto, R. Conbisier, 1. Rengel, 6, Na obra marxista mais consistente até ento — a de Caio Prado Jr. —~ & significative que a classe operdria nfo aparega, a no ser em negativo, como produto de um sistema em erise. © mesmo acontece em Nelson Wemneck Sodré. As referétr cigs concreias & classe aparecem nos depoimentos e relates de Astrojilde Pereira, Everardo Diss, Herminio Linhares, Jover elles, Hércules Correa Revista Brasileira de Historia 133 como passagem do mundo rural tradicional para o urbano-industrial (7). Tratavase da formulagzo académica de um momento vivido como transi- go. A sociologia dava forma & percepgio de um Brasil que havia ficado para trés apés 0 reinado getulista, onde a industrializacao © a urbanizacio accleradas ja eram visiveis ¢ a mudanga social aparecia como inevitdvel A preocupacio com as pesquisas empiricas fez com que esta producto sociolégica nos deixasse muitas andlises de aspecios culturais e das condi- ges sociais de diferentes extratos das classes dominadas: negros, migran- tes rurais, operdtios de bairros industriais, comunidades de cidades do interior. A evidéncia de um Brasil moderno conduzia este esforgo de pensar as condigées de implantag&o desta modernidade e 0 conjunto de processos que adaptariam as populagies a elas. A preocupago com a modernidade cedo se transformou, para parte dos pensadores, em uma preocupagio com as forgas sociais emergentes na rapida industrializagdo brasileira, isto 6 com os grupos e classes que pu- dessem transformar as bases sociais e politicas do pais. A presenga operé- ria propunhase como uma destas forgas, sendo, a um sé tempo, decisiva © subalterna, Em 1950, é com © voto operétio que Getilio Vargas volta a chefia do govern. Em 1955, so as greves operdrias de So Paulo que questionam a lideranca getulista ¢ fazem ascender diregées comunistes ainda no interior dos sindicatos estatizados. Em 1954, apés 0 suicidio de Vargas, assediado pelos conservadores udenistas, sio multiddes de traba- Ihadores nas ruas que bloqueiam o triunfo de seus oponentes. Em 1955, 0 Governo Kubitschek estabelece uma politica intensa de industrializacio, estimulando o ingresso de capitais estrangeiros, tendo por base de apoio um amplo Jeque de forgas que tinha em uma das pontas os sindicatos A reflexdo sobre a classe operria que dai emergiu teve marcas bem definidas. Primeiro, seus textos mais importantes safram do meio acadé- mico, isto é, procuravam base empirica e sistemética de explicagio. Se- gundo, supds a montagem de uma questio referida, comparativamente, & experiéncia dos paises de industrializacao cléssica, frente aos quais pergun- taya-se sobre a particularidade brasileira deste processo e, em especial, sobre © lugar que o proletariado ocuparia nesta transformagdo. Isto significava, imediatamente, defrontar-se com o marxismo. Impossivel pensar o lugar da classe operdria sem referirse as suas proposigdes. E significative que 7. Vejase principalmente a obra de Florestan” Fernandes até os anot 60 ¢ patticularmente o seu Mudancas Sociais no Brasil; L. A. Costa Pinto, Sociologia e Desenvolvimento Econdmico; J. Lambert, Os Dole Brass: 1. Hutchinon, Trabelho e Mobilidade. 134 Revista Brasileira de Historia ‘quase todos os autores que elaboraram a representagio académica sobre os trabalhadores brasileiros, na tradi¢ao sociolégica entéo existente, fize- ram-na sob o impacto do significado que Ihe atribufa o marxismo: ou in- corporando de algum modo suas formulagies ou contrapondo-se a elas. ‘A questo marxista, de qualquer forma, entrou depurada na academia; se de um lado incorpora-se um quadro tedrico de compreensio dos trabs- Ihadores através da nogio de classe social definida como campo de con- flitos gerados na dindmica da sociedade capitalista, de outro lado os pa- droes de objetividade cientifica procurayam isolar os elementos tidos co- mo ideolbgicos, presentes na formulagio marxista. Nessa opcracéo, hou- ye lugar para a absorgio dos instrumentos de anélise da sociologia indus- trial americana ¢ também para uma certa recuperacio da tipologia “so- ciedades tradicionais-sociedades modernas”, na medida em que toda a ques: tio implicava a produgio de uma idéia, ordenada e fundamentads, do pais que emergitia do proceso de industrializagfio. E do debate montado entre os autores do final da década de 50 que se constituira um modelo de anélise, dominante até o fim dos anos 70. Nesse perfodo, emergiu uma imagem da classe operdria brasileira que s¢ solidificou como explicagao de sua natureza, de suas determinagdes ¢ de seus limites. estudo pioneiro deste modelo foi, cronologicamente, 0 de Juarez Rubens Brando Lopes, “Os ajustamentos do trabalhador & indistria: mo- bilidade social e motivagao”, publicado em 1960 e “Relacdes Industrinis em duas comunidades brasileiras”, publicado em 1961 (8), Juarez procurow 05 trabalhadores na {ébrica, isto €, nos aspectos particulares do. trabalho industrial desenvolvido na organizagao do espaco fabril, procurando co- nhecer 0 modo de ajustamento destes trabalhadores em relagdes de tre- balho organizadas racional e empresarialmente, E 0 que ele encontrou nao foi exatamente um operariado fabril, mas sim migrantes rurais urbaniza- dos, com vinculacdo precdria e instével a fabrica. Os trabalhadores de Juarez eram uma gente que mudava freqientemente de ocupacio, nfo valorizando 0 trabalho fabril mais do que qualquer outro servico na ci- dade; pelo contrério até, quando podiam, pensavam em escapar da fé- brica, sonbando em trabalhar com independéncia. Suas perspectivas pro- fissionais de ascensGo na hierarquia {abril eram poucas, dado 0 baixo nt vel de qualificacdo que possufam; © eram sentidos em fungdo do saléirio © do prestigio que pudessem significar, através da organizacio hierérquica 8. 0 primeizo artigo citado far part do livre Trabalio.« Mobilidade, organiza. do por Bertram Hutchinson, Centro Brasileito de Pesguisas Educacionais, Rio, 1960. © segundo foi publicado em Sociologie du Travail, 1961, n° 4, pp. 33044. “Ambos foram republicados, também, em 1964, no livro Sociedade Industrial no Brasil, DIFEL, ‘So Paulo, 1964, Revista Brasileira de Histéria 2S em cada fiibrice. No interior do provesso de trabalho, os operdrios no desenvolviam organizagdo e comunicacdo informal grupal, ndo havendo enire eles liderangas claramente estabelecidas. Assim como a fébrica © © proceso de trabalho fabril ndo geravam nenhuma pritica cole- tiva de solidariedade grupal, também 0 sindicato era um dado extemo is suas vidas © & sua propria condigGo operdria: era algo sentido como feito Pelo Estado para eles e no algo feito por eles. Sua eventual adesio a uma greve era alheia ao espftito de uma reivindicagao coletiva e decor- tia da ago de piquetes do pessoal do sindicato. A perspectiva individua- lista do operétio que Juarez encontrou, instrumentalizando o emprego fabril, a legislagio trabalhista e 0 proprio sindicato, impedia 0 desenvol- vimento de uma ago coletiva de classe e de crengas ¢ tradigées operdrias. Nem mesmo o pequeno contingente que chegou @ posigGes mais qualifi- cadas das fabricas pesquisadas apresentava tragos de agio coletiva, infor- mal ou sindical, embora este grupo estivesse mais identificado com a con digao de operdrio profissional. As pesquisas de Juarez Brandao Lopes, talvez a despeito do seu au- tor, foram responsdveis por ter introduzido a classe operétia em negativo; 40 mosiréla pela auséncia de estabilidade profissional, de padres de agao coletiva, de falta de tradigéo e crengas nascidas no ¢ para 0 trabalho in- dustrial. Mais do que tudo, no entanto, Juarez 6 0 responsdvel pelo pre- dominio do fator referente 2 origem dos trabalhadores brasileiros sobre os referidos as experiéncias de exploracdo real, Porque o que este autor encontrou nas fabricas, afinal o lugar escolhido para se encontrar com a classe operiria, nfo € 0 que acontece nela: nada tem a ver com 0 pro- cesso de trabalho, a geréncia da empresa, a politica interna e a hierarquia dos postos © segdes fabris. © que acontece na fébrica é sinda o campo, com sua tradicionalidade, seu paternalismo, seu fatalismo, seus padroes de solidariedade afctiva. Como um fantasma, a mentalidade rural sobre vive em cada linha de produgio, em cada relaco mestre-operdrio, em cada desmando da politica empresarial, em cada manipulagao das horas extras € turmos noturnos, a cada vez que este migrante tornado operdrio pensa na sua liberdade como autonomia da relagio de mando. Esta es- tranha superposi¢ao de valores, dada pela predominincia do mundo de onde veio 0 operirio sobre a experiéncia real do proceso de trabalho in- dustrial levou Juarez a interrogar o caréter desta sociedade que nao produz a racionalidade suposta om processos de industrializagio: ¢ é af que o problema da classe operéria se torna inteiramente subordinado eo proble- ma da sociedade. Em vex de classe, temos apenas uma- assimilagdo pre- cfria de contingentes rurais & ordem fabril, e isto se deve a esta juste 136 Revista Brasileira de Histéria posigiio de camadas do passado ¢ do presente num momento de transicao da sociedade brasileira. Como ficaria comum em todos os outros autores do paradigma, 0 segredo da classe operdria brasileira € para ser achado inteiramente fora dela, na dindmica objetiva da sociedade global. E curios que os préximos trabalhos tenham retido a imagem de classe pintada por Juarez Brandao Lopes, mas nfo sua énfase empirica ¢ localizada no tempo ¢ no espago. Fernando Henrique Cardoso publicou, em 1961, importante ensaio sobre “‘Situago ¢ composigio social do pro- Ietariado brasileiro” (9) onde buscou interpretar a classe operéria bem longe da fabrica, tentando dar outra envergadura teérica aos resultados das pesquisas empfricas. Busca compreender a classe operdria numa teo- tia da hist6ria, situando-a na abstrata nogiio de consciéncia de classe, num salto que marcaria mais profundamente do que qualquer outro tex. to a imagem de classe em negative. Armado de uma nogio plena, aca- bada e modelar de classe, Fernando Henrique se propée a explicar por que as camadas operitias brasileiras ndo chegavam a “decantar” formas de comportamento © consciéncia que pudessem definir de maneira esté- vel a condigio de proletério. Seguindo seus pasos, comegamos na Pri- meira Repdblica, onde faltou uma industrializagao poderosa e homogenci= zadora das relagées sociais, para dotar os operdtios de ento de uma for- ma de atuagdo “adequada & sua situagao de classe” (p. 58). Nos anos 30/40, faltou liberdade sindical para propor a questo politica que a continui- dade do ciclo industrial propunha virtualmente. Nos anos 50, faltam va- lores industriais para trabalhadores que nfo tém tradigao de classe para fundar comportamentos autenticamente proletérios. Mas, nos dizia a aw tor, esta classe chegaré Id, Ndo por suas préticas, mas no dia em que a sociedade brasileira se transformar numa verdadeira sociedade capitalis- ta de base urbano-industrial, “adestrando” a ago proletiria para as im- plicagées globais de sua situagio de classe, Assim, em Fernando Henrique de 1961, a figura da classe operdria é vezia: sua substincia é apenas vit- tual, Vazia no sentido de que a heterogencidade de sua insergio na or- dem industrisl, o controle estatal das organizagdes sindicais ¢ sua com. posigiio recente coloca os trabalhadores industriais em contraposigéo a uma classe cOnscia de seus interesses, esta sim uma figura (terica) plena, A ‘nica chance dada pelo autor aos trabalhadores brasileiros ¢ a sua virtualidade de chegarem a ser a personificacao da nooo constituida ideal- mente, através da evolugio da sociedade. - 9. Sociologie du Travail, 1961, n° 4, pp. 50-65. Revista Brasileira de Historia a7 Na mesma época, Alain Touraine escreveu “Inddstria e Consciéncias Operéria em Sto Paulo”, (10) onde revé e polemiza a imagem dos limt- tes dados a classe operéria brasileira pela suz condigao de migrantes ru- rais. Para cle, a migrago assume um significado proprio em um pais tio desnivelado regionalmente. Independentemente das orientaces vslorativas dos migrantes, como trabalhadores industrisis cles jé pertencem & socie- cade urbana ¢ industrial ¢ isto é uma condigio privilegiada se comparada com a sua situagio anterior, Por isso, a tradicéo rural nao ¢ importante para definir o operariado brasileiro, pois ja hé, na propria migraeao, uma profunda identificagao com as chances de mobilidade que o “Brasil no- vo” oferece. Neste sentido, se nao hd, no Brasil, a identificacao dos tra- balhadores como pertencentes a uma classe social, isto nfo faz falta na medida em que a consciéncia de mobilidade existe: ela cria a nogdo do presente como transicfo, ndo produzindo segmentacio ou desagregacio valorativa. Para Touraine, pertencer ao Brasil urbano e industrial dé ori gem a um “ndo-conformismo ut6pico” e 2 uma identificagdo com © pro- cesso de industrializacdo por parte daqueles que sabem que ganharéo uma vida melhor com seu desenvolvimento. Touraine também sustenta a im- portincia de um movimento coletivo de classe que “participa direta © involuntariamente no poder” pelas préprias mfos do Estado, bem como a importancia do reformismo e do nacionalismo para se compreender esta forma de presenga operaria na politica. Assim, Touraine também. critica os infelectuais que percebem esta classe pelo filtro de uma histéria mo- delar calcada nos paises europeus, bem como aqueles que Tidam com uma noo abstrata de classe social. A conclusio geral é de que “a classe operiria brasileira em formacio é determinada mais por sua posigo numa sociedade nacional em crise © crescimento do que por sua situagéo de classe propriamente dita” (p. 7). Assim, mesmo tendo uma inegdvel originalidade na tentativa de qua- lifiear uma ago politica de classe e de pensar a presenga dos traba- Thadores como algo real ¢ préprio A industrializacéo, Touraine nao es capa da imagem de uma classe subordinada inteiramente a movimentos que nfo the séo proprios: mais uma vez, ela é reflexo do que acontece na sociedade, ¢, tal como esta, suas fraquezas © potencialidades esto em formagdo, em crise © em. crescimento, © ndmero especial da Revista Sociologie du Travail, de 1961, que reuniu a republicagdo dos artigos de Juarez, de Fernando Henrique ¢ a publicagio do ensaio de Toursine, entre outros, (11) langava sobretudo 10, Soviologie du Travail, 1961, n= 4, pp. 17-95. 11. Ha também, neste némero, importante artigo de Azis Simo. 138 Revista Brasileira de Histéria no debate entre os irés as idéias substantivas que comporiam 0 para- digma sobre a classe operdria brasileira, aparccendo nele como uma clas- se com face ¢ dinimica inteiramente subordinada a determinagao estrutu- ral das condiedes de industrislizagao, produzindo uma falta de conscién- cia adequada de classe que pudesse se imprimir na transformacio social e politica do pais. Mas a forma mais acabada do modelo foi produzida pela obra de Leéncio Martins Rodrigues, sobretudo em seu Conflito In- dustrial e Sindicalismo no Brasit, de 1966, ¢ também em Industrializacao € Atitudes Operdrias (1970), © Trabalhadores, Sindicatos e Industrializa- go (1974), além de numerosos artigos (12). Qual é este modelo mais acabado? Em Lebncio, mostrase o seguin- te: os trabalhadores industriais brasileiros, como classe substantiva, s0- frem uma enorme influéncia de seu ambiente de origem, 0 campo, con- servando variavelmente, mas persistentemente, modos de sentir, pensar © agir de tipo tradicional: esta classe interpreta a sua experiéneia fabril 2 partir da comparagdo com os modos de vida e trabalho nas rogides ndo- industrisis, Sua experiéncia de trabalho é feita sob a forma de uma alta instabilidade profissional, dado seu baixo nivel educacional e salarial. Contrastando com esta instabilidade e precariedade de insergiio no mer- cado de trabalho, existe uma forte aspiragio de melhoria de vida: o ele- mento simbélico principal seria 0 acesso a melhores niveis de renda ¢ de consumo, qualquer que fosse 0 modo de conseguirlos, ou seja, o tra- balho a ser feito. Nesse casc, nem o trabalho industrial nem a condigao opertia slo positivamente valorizados. O que os trabalhadores valorizat € um bom emprego, numa boa empresa. Segue-se que a perspectiva de classe desaparece para dar lugar a uma perspectiva individualista: 0 bai: x0 nivel de solidariedade profissional corresponde a uma instrumentali- zagio individual do sindicato, da empresa e da prOpria sociedade indus- trial, Os trabalhadores brasileitos sio alheios a tudo o que teria a ver com uma condigfo operSria propriamente dita: nfo se interessam pelas questbes relativas s decisies no Ambito da empresa nem da sociedade; no se interessam pela sua propria situacto profissional como algo cole- tivo. Em poucas palavras, um nivel de vida baixo, uma rejeigto das de- terminantes sociais e politicas do trabalho industrial ¢ uma auséncia de qualquer projeto coletivo, eis os tragos da classe operiria brasileira no mundo da_produgao. 12. Conflito Industrial e Sindicalismo no Brasil toi publicado em 1966, Difel, a Paulo; Industrializagdo e Atitudes Operdrias em 1970, elaborando dados de uma a realizada em 1963. Brasiliense, S30 Paulo. Trabalhadores, Sindicatos ¢ In- {usirializapao sto ensaios publicados em 1974, Brasiiense, Sao Paulo. Revista Brasileira de Histéria 139 Em tais condigées, sua adesio ao sindicato s6 se faz por necessi- dade individual ¢ em todos os casos é uma adesio fraca, tornando os sindicatos algo muito pouco representatiyo como expresso de suas ba- ses. No méximo, os trabalhadores agem coletivamente por ocasiéo das greves que demandam reajustes ¢ aumentos salariais, isto é, greves de na- tureza estritamente econdmica, Mesmo assim, nfo ha greves isoladas em fébricas; as caracteristicas de cada fabrica sio muito secundétias, Se de um lado yale a localizagéo das fabricas e seu tamanho na eclosio das Steves, muito mais vale a decisio (de cima) do sindicato da categoria. Isto explica, para Leéneio, por que a orgenizago sindical brasileira manteve sua estrutura organizativa desde o Estado Novo. Por mais que os sindicatos reivindiquem a limitagao da interferéncia do Estado na vida sindical, nfo hi, para Ledncio, um esforgo sério em conseguir um raio maior de autonomia. Parecethe mio depender desta autonomia a amplia- cio do poder sindical na esfera politica: quando houye esta ampliacéo, ela se dew sob a égide do populismo. Finalmente, a incapacidade e a de- pendéncia politica das liderangas impede a alterago do quadro sindical, A dependéncia real ¢ concteta dos sindicatos aos poderes piblicos acaba dando, neste quadro, um papel de real protagonista da historia a0 Estado. O carter subordinado da classe, politicamente, esté no card- ter subordinado a0 movimento coletivo operétio expresso no sindicato, ancorado simultaneamente na fraqueza de uma classe heterogénea forma- da por uma industrializaggo desigual, na fraqueza das aliangas sindicais com as fragdes dominantes, na impossibilidade de uma base real para enfrenté-las, na debilidade da posigdo sindical frente ao Estado e, final- mente, na frequeza da propria sociedade civil. Uma pela outra, encontra- mos, no pensamento de Ledncio, todas estas fraquezas articuladas em um efrculo cuja determinagdo comeca ¢ termina no sistema industrial bra- sileiro. Assim, a classe operéria brasileira 6 um agente subordinado, no sentido de ter um fraco peso social e politico de classe, no s6 pela via das injung6es politicas de um sindicato tuielado pelo Estado mas sobre- tudo pelas limitag6es do préprio processo de industrislizagio — algo que parece ser considerado pelo autor como @ inevitével e objetiva determi- nagio estrutural que marca os limites da presenga de classe. José Albertino Rodrigues, no seu também j4 clissico Sindicato e De- senvolvimento no Brasil (1967), (13) aprofundou o paradigma pelo lado de uma reflexio empirica ¢ histérica sobre 0 sindicato brasileiro. Esta his- iéria € contada através de uma famosa tipologia dos periodos sindicais 15. Difel, Sao Paulo, 1967, 140. Revista Brasiteira de Histéria brasileiros, calcada na forma de proposta e atuagio dos sindicatos, que permite a José Albertino mostrar 0 quanto os trabalhadores sindicaliza- dos montaram movimentos reivindicativos, mas foram engolidos ¢ buro- cratizados pela aco do Estado através da ordenagao juridica da CLT, Com um duplo efeita, os direitos instituidos pelo Estado (€ anteriormente rei- vindicados pelo movimento) despertam a conscigncia operéria mas ao mes- ‘mo tempo a subordina aos valores individualizantes: voltam aqui, de no- vo, 0: pontos ressaltados por Juarez, a tradigéo sécio-cultural patriarcal e rural da massa operétia. Entre a formacio bésica nos valores tradicio- nais que persistem no interior da adesio aos sindicatos © a burocrati- zagao das estruturas organizativas destes siltimos pelo Estado, a classe operdria fica dependente econdmica, cultural e ideologicamente do Esta- do e da sociedad Assim, A primeira vista, 0 prestigio da classe operdria brasileira nao parece ser muito alto nos autores do paradigma, & importante, no entan- to, frisar que nem tudo comega e termina na imagem substantiva, que os autores construram, de uma classe submissa e secundéria no desentolar da historia brasileira, Embora haja diferencas substanciais entre eles, hi algo que os unifica do prisma da constitwigo de um objeto: a classe ope: réria no € mais cireunstancial 8 histéria brasileira do sculo XX, nem sua dindmica aparece como derivada das elites desta sociedade (como apa- reeia no pensamento autoritétio — de todas os mutizes — anterior), Nao apenas ela jé conta para o movimento social ¢ politico do pais (0 que deve sor também imputado a realidade histérica dos anos 50-60) co- mo sobretudo ela j& tem uma face préprin como classe — ainda que su- bordinada 2 din&mica objetiva da industrializacao desigual © a0 bloqueio politico imposto pelo Estado através da estrutura sindical, Isto 6 impor- tante de se notar porque a imagem de classe em negativo no significa um desconhecimento de sua existéncia politica ou de sua importincia. Ne- nhum dos autores citados, como muitos outros que pesquisaram dentro das hipéteses principais do paradigma, so (ou eram) pessoas insensiveis & presenca operdria, embora seu compromisso real passasse mais por um anscio de transformagio democrética da sociedade brasileira prometido pelo ritmo de uma répida industrializacto, Assim, a classe operdria apresenta-se, no pensamento académico, sob os tragos j4 mencionados: sfo trabalhadores heterogéneos que passam por uum processo de mudanga de vida abrupto, tomam. consciéncia de si como individvos em mobilidade ¢ tiveram a mé sorte de se formarem como classe no interior de uma estrutura sindical tutelada pelo Estado. A ques- to que resta de tudo isso € como esta classe poderia se coletivizar nos Revista Brasileira de Histéria ut termos em que ela foi entendida por estes autores. E uma classe sensfvel 4s vantagens individuais que Ihes oferecem as agregagdes sindicais; hi nela uma espécie de negacao espontinea das formas de organizapao © dos métodos de luta préprios a0 movimento operério; hé também uma certa legitimagao do Estado por parte destes trabalhadores, como fonte doa dora de direitos. Se isto é exaustivamente constatado pelos autores do modelo, por onde, afinal, estes trabalhadores existiriam como classe? Nos autores do paradigma, vistos com os olhos do presente, parece haver uma espécie de impoténcia em conceber a natureza da pritica ope- réria, por mais que a histéria politica concreta (a ingeréncia autorité- tie do Estado sobre a vida sindical ¢ politica) seja cuidadosamente ana- Tisada em seus trabalhos. A partir do momento em que os padres de soclabilidade operdria apareciam como tradicionalismo, individualismo, afe- tividade, submissdo patronal, recusa do trabalho industrial, consumismo; a partir do momento em que o espaco por exceléncia desta coletivizacao — 0 sindicato — se apresenta burocratizado, clientelista ¢ tutelado; e, ainda, que 0s direitos que este sindicato representa interpelam os traba- Ihadores de modo eficaz, 0 pensamento dos intelectuais académicos como que se encontra desarmado. Estiio diante de um proletariado que nio se identifica com o sistema fabril nem forma suas identidades no interior dos antagonismos de classe. Restava localizar as caréncias desta classe operéria para imputarlhes seus limites, ou entio suas virtualidades, E remetélas & denncia das condigGes determinadas por uma estrutura so- cial tardiamente constituida como capitalista, Assim, se faltava muita coisa pata a classe operéria poder aparecer como sujeito de suas préticas, também faltava aos intelectuais do perfodo uma concepgao de pritica operdria no acontecimento real de sua prole- tariza¢lo. Prova isso a desconsideragiio com os sinais reais do antagonis- mo de classe, muitas vezes descritos nas pesquisas, na forma de depoimen- tos © percepedes dos trabalhadores investigadas sobre sua pritica fabril ¢ sindical (e mesmo sobre suas concepgies polfticas), interpretadas pelos autores como sinais de um passado a ser superado ¢ nfio como algo que se engendrava a partir da experiéncia concreta de proleterizacao, Desse ponto de vista, cabe um lugar & parte, no paradigma que tra- balha com a nog de classe como sujeito subordinado, ao trabalho de Azis Simio, Sindicato ¢ Estado (1966) (14). Porque Azis Simao tem, por um lado, uma clara nogo de uma classe que se constitui na lute politi- ca, a partir de suas condigSes materiais de exploragdo fabril. A figura da classe, expressa nas vicissitudes de uma luta pefdida parg o Estado pés-30 14. Dominus, Séo Paulo, 1966. 12 Revista Brasileira de Histéria © que vinha desde 0 comego do século, é a de trabalhadores que se fize- ram numa ago coletiva diversa, que teve graus de eficdcia importantes no que toca & organizagio ¢ mobilizagdo operéria e na capacidade de pressdo sindical. Inclusive no plano ideolégico, a classe operdria pré-30 se constitu com independéncia de princfpios organizativos, referidos & rea- lidade material das condig6es da época. Mas, de outro lado, Azis traba- tha também com uma figura de classe operdria impotente, no plano or- ganizativo e sindical. Impotente de fazer frente a processos que a des- mobilizam como prética real no pés-30, que a tornam subordinada a0 Estado e com uma insergo heterondmica na sociedade. O supreendente nessa segunda imagem de classe que Azis constréi 6 que se a impoténcia sindical ¢ um resultado histérico da derrota dos trabalhadores em luta, esta derrota nfo € politica (como seria de supor no interior da imagem de um movimento din&mico que Azis havia pintado). B uma derrota que vem do processo de concentrago © crescimento industrial, impondo a ins- titucionalizaciio das relacdes de trabalho como padriio inelutdvel e irre- versfvel, vindo das transformagées sociais da sociedade. Era nevessério, nos diz Azis explicando o pés-30, racionalizar e ordenar ss formas de con- flito trabathista — e isto propde como inevitével a burocratizacdo, a he- teronomia, a unidade ¢ @ centralizagao sindical. Por isto nao foi o Estado que criou tais padrées, mas acclerou algo que j4 estava dado pela com- plexificago das relagdes industriais. A viabilidade politica da classe ope- réria, presente nas suas priticas antes de 1930, vai-se com uma “inevita- bilidade” das transformacées provocadas pela industrializacdo. Nesse sen- tido, Azis Simao acaba com uma imagem de classe inevitavelmente su- bordinada a uma légica externa as suas préticas. Os sinais da ruptura Os anos que seguem o golpe militar de 1964 so vividos sob o signo de uma ruptura que tem vérios registros. Em primeiro lugar, 0 fim do otimismo desenvolvimentista dos anos anteriores, a faléncia do projeto nacional-democrético ¢ o fim da crenga anterior nas possibilidades de uma transformagio democrética de socie- dade através do Estado. A sociedade brasileira parecia revelar a face perversa da modernizagio capitalista dos anos anteriores. Desemprego, po- breza e marginalizagio que atingiam amplas camadas das populagdes ur banas apareciam nfo mais como residuos de um passado em vias de su- peracio, Mas como realidade constitutivas — estruturais — de um capi- Revista Brasileira de Historia 143 taliemo dependente incapaz de realizar plensmente as virtualidades de uma sociedade moderma © democritica. Surge o tema da marginalidade — no interior da teoria da dependéncia — estimulando estudos vérios sobre a populagées urbanas: estudos sobre populagves faveladas, sobre formas de trabalho ¢ de integragio no mereado de trabalho, seus modos de vida, mecanismos culturais de integracfio (ou nifio integra¢o) & sociedade etc. No inicio dos anos 70, esses estudos so submetidos a uma critica pro- funda. Certamente sob o impacto de um desenvolvimento capitalista acc- lerado e modernizante que a teoria da dependéncia era incapaz de prever e explicar, tem-se nesses anos um profundo processo de revisio das teorias, econémicas que até entio vinham informando as andlises sobre a socie- dede brasileira, Critica-se o pressuposio duslisia das teorias da moderniza- 20 (moderno-arcaico, rural-urbano) que tinha sido mantido pela teori da dependéncia (centro-periferia, pélo marginal-pélo integrado). Chama- se aten¢fo para os mecanismos internos de dominagio e de acumulacdo capitalista. O trabalho de Francisco de Oliveira, publicado em 1972 — “A Economia Brasileira: critica & razo dualista” — foi um marco impor- tante nesse debate. Sobretudo a partir desse trabalho, o fema da margina- lidade perde seu anterior prestigio acedémico. O enfoque passa a ser o das formas de exploragio da forga de trabalho e o da Idgica do capital presidindo a continua reprodugdo de formas arcaicas de produsiio, Por ai, o tema da heterogeneidade da composicio interna dos trabalhadores urbanos ganha um novo estatuto teérico. Nao mais residuos de wm pas- sado rural ¢ de uma sociedade nio plenamente desenvolvida, moderna ¢ integrada, Néo mais resultado perverso de um capitalismo incapaz de se realizar plenamente por conta de sua dependéncia estrutural aos paises de capitalismo central. Mas expresso ¢ resultado da forma mesmo como se deu no Brasil a realizago do modo capitalista de produco. As chama- des populagdes marginals passam ento a receber um novo tratamento te6- rico, como compondo e constituindo o proletariado brasileiro, na sua sin- gularidade, Mas o que estava em jogo, sobretudo, nesse debate, era o ‘questionamento des premissas anteriores que haviam fundado a erenca nas possibilidades de um capitatismo nacional ¢ independente © nas virtua lidades protaginicas de uma burguesia nacional. Descobre-se entiio a ma- friz estruturel de um capltalismo que 96 podia se desenvolver através de uma intense explotagio da forca de trabalho; descobre-se ainda que a es trutura sindical © a legislagéo trabalhista tinham pot fungao, além do controle ¢ disciplinamento operétio, o rebaixamento do prego da forca de trabalho, sendo portanto funcionais & scumulagio capitalista; & que o pac- to populista vigente entre 1945-64 era apenas a forma polftica encontrads me Revista Brasileira de Historia para viabilizar um capitalismo excludente © segregador em condicdes nas quais nenhum dos’ setores da classe dominante tinha condigies de impor dirctamente seu dom{nio de classe. Em segundo lugar, os anos pés-64 foram vividos sob 0 signo de uma derrota politica, que impunha a exigéncia de elucidar suas rezOes. O pas- sado entdo € submetido a um esforgo de revisdo sistemdtico. Os estudos sobre 0 populismo que surgem ao final dos anos 60 cumprem, nesse sen- tido, uma funcio critica, através dos quais se tinha a dentincia da fra lidade das nossas instituigdes, os limites da democracia dos anos anterio- res, a natureza do pacto populista como forma de controle, cooptagio ¢ subordinagGo des classes populares urbanas. Entre a esquerda militante, as orientagdes politicas dominantes no periodo anterior sfio postas sob uma critica cerrada e a questéo do reformismo, ou melhor, o tema da reforma vs. tevolucdo polariza um debate e disputa politica que néo deixam imu- nes 0 mundo académico. Em terceiro lugar, viviese sob o impacto de um Estado autoritétio € repressor, porém modernizante. Um Estado que impunha um profundo reordenamento da sociedade, de tal forma que os espagos institucionais tradicionais fecham-se ¢ desfiguram-se como lugares significativos do exer- cicio da politica e de aparecimento de atores e projetos politicos no ce- nério péblico do pats. Surgem os estudos sobre o autoritarismo. A ques- tao da democracia ¢ das possibilidades de um revigoramento da “socied de civil” como alternativa politica se enunciam como temas novos dé te- flexio politica ¢ intelectual no periodo (meados dos anos 70). Finalmente, o siléncio politico imposto ¢ o apagamento dos sinais' de presenca das classes trabalhadoras na sociedede trazia em seu bojo-o-tema da “eterna exclusio” a que foi submetida a classe operfiria. Como diz Wemeck Vianna, “ignorada ¢ subestimada na sociedade,: a: discussie: so- bre saa importancia ¢ significado encontrou abtigo na Universidade, onde se formou (mais propriamente: ampliouse — NA) um conjunto de: pes- quisadores dedicados ao seu estudo, cuja protiferaglo insolitamente. coin- cidiu com umia fase crepuscular do objeto’ iivestigado” {15), Os estudes sobre anarquismo, sobre os sindicatos getilistas, sobre as greves ¢ 0’ mo- vimento operdrio no perfodo populista pareciam indicar um esforco de etu- cidagio das razées de sua reiterada excliisio ¢ demote na “histéria brasi- Ieira, por onde se enunciava, ao mesmo tempo, uma reinterpretagio do passado que enfatizava a matriz corparativista, litista e auforitéria da hist6ria politica brasileira. : 15. “Questées Atuais sobre o Sindlcalismer". Escrite-Enssio, n° 4, 1978, Revista Brasileira de Histéria 55 A publicaggo em 1972 de dois trabalhos de Francisco Weffort — “Participagao e Conflito Industrial: Contagem € Osasco, 1968” e “Sindi- catos © Politica” (16) produziram um impacto considerdvel no periodo. Em primeiro Iugar porque foram esses trabalhos que inauguraram uma funda revisio critica da natureza ¢ limites do sindicalismo populisia e das orientagdes politicas vigentes naquele perfodo, Em segundo luger, porque preocupado em captar os sinais de uma novidade hisiérica nas greves de Osasco ¢ Contagem em 1968, Weffort propunha no campo mesmo das pré- tices operdrias a possibilidade de uma superacdo do sindicalismo oficial como lugar da subordinagio operdria. Em terceiro lugar © — sobretudo — porque foi através desses trabalhos que pela primeira vez € posto em ‘questiio « imagem de atraso que havia sido legada pela tradigéo de estu- dos sobre classe operfria que analisamos nesse artigo. Como os autores que o precederam, Weffort procura a classe nos sin- dicatos. Porém, a0 contrario deles, 0 sindicato ndo é tratado como insti- tuigo formada, com funcOes préprias ou modelares ¢ limites precisos da- dos pelo cardter da sociedade. O sindicato & visto como lugar politico onde esto presentes orientagdes ideolégicas atuantes © conflitantes, atra- vyés das queis a classe se faz na sua visibilidade, Weffort constr6i uma imagem de classe que se faz na luta politica de suas organizagdes sindi- ‘cais, mesmo que sua imagem de classe seja a de um movimento subordi- nado pelas estruturas impositivas do Estado. E uma classe que existe na constituigao — mesmo que precéria — dos trabalhadores para a greve de 1968, nas energias desencadeadas por uma conjuntura especifica, na comissiio de fébrica como possibilidade de auto-organizacio operdria. Dan- do consisténcia politica &s formas altemativas de expressio operdria (na conjuntura de 1968), Weffort construiu uma figura atuante, mesmo que captada pelas malhas institucionsis. Sua classe operaria é uma que sai as rruas, que faz greves apesar dos sindicatos e dos partidos, mostra energias € um impeto reivindicativo indisfargével. sobretudo uma classe que nfo fem atributos negativos que limitem, por definicao ou insergao estrutural, 2 mabilizagao espontinea coletiva em varios momentos de histérie. Weffort constrdi uma classe em movimento, que ganha forma, substincia e visi- bilidade na Juta politica e que nfo est aprisionada pelo peso das estra- turas das quais seria — como nos autores anteriores — portadora de suas virtualidedes e limites. Nessa imagem de classe, 0 que esté colocado — pelo menos implicitamente — é uma desmontagem da idéis de fabrica, de sindicato ¢ de partido como Togaes insttyidos enquanto moras objet 76, © primeira fo1 publicado em Cadernos Cebrap, 187, © segundo & sun tese dio live-doetneia defendida em 1375 na USP. 146 Revista Brasileira de Histéria vag6es das determinagdes estruturais da sociedade, predeterminando ¢ fi xando as possibilidades da classe operéria. E através sobretudo de Welfort que 0 diélogo entre os autores que © precederam pode ser montado como um dilogo que incide sobre as qua- lificagoes atribufdas aos trabalhadores enquanto classe e através das quais se construiu uma imagem de atipicidade e fraqueza. Pois para Weffort, a heterogeneidade da composi¢ao interna da classe, os comportamentos & valores pouco profissionais © a insergao individualista e consumista dos trabalhadores pouco teriam a yer com a estrutura e fungbes limitadas dos sindicatos e sobretudo com as possibilidades politicas do movimento ope- ririo ¢ sindical. Por mais interessante que tudo isso seja, nada nos dizem sobre o crucial da classe operdria: o seu comportamento politico no interior de projetos e orientagdes atuantes em determinados momentos. Mas € nas razGes explicativas da imagem de uma classe atuante que Wetfort rompe de vez com a idéia de fraqueza e atraso da classe. Sua demoligao da figura ausente, dependente ou inconsciente de classe, repou- sa na demoligao da idéia de “determinagGes estruturais” que dariam fei- 40 substantiva aos trabalhadores como classe politica. Toda sta argu- mentac&o esté na recusa do “automatismo estrutural” que passa, sem me- dingdes, da estrutura para a ago conereta da classe. O que Weffort de- nuneia € 0 provedimento teérico que subordina a agio da classe a uma ‘mera figuragio das possibilidades jé contidas na estrutura e que aparecem como atributos negativos da classe. Weffort critica uma interpretagio que, por um proceso dedutivo e naturalizante, constréi uma imagem de classe a partir de evidéncias que se formam nas estruturas e que so vistas como tragos impositivos © exigidos pelo cardter da sociedade. Nese procedimen- to, diz Weffort, tudo aquilo que precisaria ser elucidado é tomado como evidéneias adquiridas a partir das qusis se vé entio a agio politica da classe. Weffort quer ver esta agio mais como pritica de elaboracio cole- tiva, e a nog de conjuntura — que chama como fundamento da ima- gem de classe atuante que retrata — tem como nticleo as propostas po- litieas € ideolégicas atuantes em um dado momento histérico. Assim, a classe operdria ndo € vista como portadora passiva da estrutura da socie- dade, pois é capaz de propor uma ago politica que condiciona a conjun- tura como trama politica de atores sociais e que — através de escolhas, orientagées ¢ formulagdes — atualiza as possibilidades abertas pela estru- tura e, nesse sentido, condiciona a formactio dessa mesma estrutura, B através sobretudo de Weffort que podgmos questionar aquilo que foi visto tradicionalmente, E que nos coloca — por sua vez'— a questo de saber até que ponto essa imagem poderia ter sido diferente ¢. até Revista Brasileira de Histéria 147 que ponto foi imposigzo de tempos e mundos sobre os quais os tex- tos se abriram e construiram, cada qual, a imagem de classe que se tor naria dominante, Como os autores que © precederam, Weffort se pergunia sobre o lugar o significado da classe operdria na sociedade brasileira. E isso 0 faz tributério — e nesse sentido compartilha — do campo de indagagdes que levaram os outros autores a um empreendimento de deci- framento da sociedade. Porém, Weffort o faz ancorado em outro tempo ¢ Tugar, onde os acontecimentos do pés-64 e as perguntas postas por cles revelam outros significados acerca da sociedade. Afinal, em eeu texto, so os acontecimentos de 64 que dio o significado © desyendam os limites ¢ contradigdes do sindicalismo populista. E atento as préticas ¢ orientagdes dos atores sociais, se pergunta o tempo todo sobre as condigées que teriam tornado possfvel uma presenca no subordinada da classe operdtia, Esta indagagio, em torno da qual procura ver a hist6ria como movimento po- litico de possibilidades abertas pela ago das classes e no como simples realizacdo. de algo jé predefinido pelas estruturas da sociedade, nos diz algo de um tempo histérico onde a subordinagdo da classe operitia pas- sara a ter um outro significado; um tempo histérico onde os lugares ce- didos pelo Estado para sua presenca — em particular, os sindicatos — revelavam-se como lugares que produziam a subordinagio e que davam nova visibilidade aos mecanismos politicos ¢ institucionais da dominagdo. A experiéncia de uma época que conferia visibilidade & dominagio como fato politico dominante, em que os atores sociais iam assumindo novas figuragées, assim como 0 préprio Estado, recolocava o significado da pre- senga da classe operéria, No mais o seu lugar numa sociedade desigual e em mudanga, Mas procura de préticas capazes de elaborar as condi- ges de sua propria autonomia, entendida esta como questo politica que punha em catisa as préprias estruturas do Estado. Por tudo isso, 0 trabalho de Weffort constitui, senio uma ruptura, pelo menos um ponto de inflexio na tradigo de estudos sobre classe ope- réria no Brasil, Certamente inaugurou um campo novo de reflexes, pe- Jos estudos de conjumtura que tiverem continuidade em outros trabathos produridos nos anos 70 ¢ pela énfase politica, que a partir daf seré do- minante, no tratamento da classica questio da subordinacio-eutonomia da classe operdtia, Dissemos no inicio desse artigo que as questies propostas pelos au- tores analisados nos permitem qualificar nossas proprias questbes. Primei- ro, peles diferencas ‘na meneica de conceber e-escrever a diniica das classes ¢ pela imagem ‘de classe que € construfda. Segiindo, pelo iugar que a questiio do significado da presenga © das priticas dos trabelhedores 188 Revista Brasileira de Histéria ‘ocupa no interior do debate proposto por eles. Nos ptimeiros trabalhos analisados, a questo dos trabalhadores como sujeitos de praticas dotadas de significado politico ¢ hist6rieo nfo encontrava lugar porque © discurso voltava-se para elucidar uma outra questo — a do cardter da sociedade brasileira — que j4 definia de antemo 0s espagos nos quais se esperava encontrar a classe operéria, no enquanto priticas, mas enquanto presen- ¢a instituida, Weffort, por sua vez, a0 qualificar politicamente a ago da classe operdria enquanto possibilidade de negar o lugar subordinado que © Estado Ihe impoe, movimenta-se num campo onde ja se faz possivel pen- sar a classe operiria enquanto sujeilo, Nesse sentido, as questdes postas por Weffort estabelecem pontos de contato com os trabalhos produzidos depois de 78. Porém, se Weffort pensa o lugar da classe operdria como lugar poli- tico produzido na histéria, esse lugar ainda est estritemente delimitado pelas relagdes instituidas pelo Estado, exigindo, portanto, que a classe, en- quanto sujeito, assuma uma figuracio precisa. Ela se dé através do sindi- eato ou do partido, E mesmo quando (caso de “Contagem € Osasco”) esse sujeito se constitui num outro espago — a fébrica —, o significado desse lugar é expresso da impossibilidade politica do sindicato. E precisamente esse ponto que a produgfo académica pds-78 representa uma ruptura, Nesta, os trabalhadores urbanos nfo so mais exclusivamente 0 operaria- do organizado, embora continuem a ser, de todos os modos, priotizados; so sujeitos sociais que se expressam em miiltiplas dimensGes, com formas de vida propria, estratégias de vida caracteriziveis, definindo-se a cada mo- mento em seu local de moradia, de trabalho, nas suas formes de lazer, de religiosidade, de saber. Sdo, sobretudo, sujeitos de préticas diversas que recobrem os varios campos de sua experiéncia, que se constituem na luta contra opressdes espectficas, nflo redutiveis a um Gnico lugar dado pelo Estado fundador de uma dominagio de classe univoca e homogénea € que produzem, portanto, a imagem de sujeitos miiltiplos, que ndo se subordinam a ums figurago Gnica, para genhar uma visibilidade que con- fira significado politico & suas priticas. Revista Brasileira de Hist6ria 149

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