RESUMO Gerais, em Belo Horizonte, entre 1972-75 que irá se
O presente texto resgata o processo histórico em que expressar através do chamado método BH. ocorreu a aproximação do Serviço Social Brasileiro ao pensamento Com o início da chamada abertura de Antonio Gramsci, com destaque para as principais produções democrática entre 1978-84 e a revogação do AI-5, que compõem a historiografia profissional. Categorias como Estado ocorrerá uma ampliação dos espaços de participação ampliado, sociedade civil, classes subalternas, intelectual orgânico e tradicional, revolução passiva, filosofia da práxis, hegemonia, dos movimentos populares, incluindo novos itens na dentre outras, são destacadas por sua contribuição ao avanço agenda política, que iam desde o direito à greve até teórico-metodológico, ético-político e prático-operativo da melhores condições de trabalho o que permitiu ampliar profissão. a consciência crítica dos trabalhadores e ressaltar a A importância dessas categorias e do legado de importância da sua participação como sujeitos Gramsci, de maneira geral, são apresentados como fundamentais para pensar não apenas o Serviço Social como também as grandes políticos. transformações societárias na transição entre os séculos XX e XXI, No âmbito do Serviço Social, essa nova além de desvelar os problemas contemporâneos da vida social e conjuntura política pressionou, na época, os política num momento em que “o velho morre e o novo ainda não organizadores do CBCISS que haviam realizado os encontra espaço para nascer”. encontros de Araxá e Teresópolis e organizavam o encontro de Sumaré, a incorporar ao debate as vertentes PRIMEIROS ATORES - PRIMEIRAS fenomenológica e marxista em que a professora Creusa IDÉIAS Capalbo, ao tecer algumas considerações sobre o Quando as primeiras obras de Gramsci foram método dialético fará, também, indicações sobre a traduzidas e publicadas no Brasil, em meados dos anos questão do Estado, da hegemonia e dos intelectuais a 1960, o Serviço Social já desfrutava de reconhecimento partir do pensamento de Gramsci. legal e afirmava-se como profissão liberal. É neste As modificações sofridas pela realidade período também, que se observam os primeiros brasileira neste período ampliaram, conseqüentemente, questionamentos às matrizes conservadoras que os espaços da ação profissional dos assistentes sociais, subsidiavam o discurso e a prática profissionais desde com práticas não mais restritas ao âmbito institucional, os anos de 1930. mas também junto ao movimento organizativo das As propostas de natureza crítica que classes subalternas. Nesse sentido, as reflexões emergiam no interior do Serviço Social, neste período, profissionais mudam de direção à medida que se não encontraram, no entanto, espaço para se colocam frente a frente com a realidade e com as desenvolver, pois com o golpe militar de 1964, a condições de existência das camadas exploradas da tendência pragmático-tecnocrática é assumida como população. forma de responder às necessidades do crescente O processo de reorganização do Estado, a processo de acumulação capitalista. necessidade de fortalecimento da sociedade civil e a Há que se considerar, contudo, que as ações dinâmica mesmo da realidade brasileira, incentivaram repressivas que atingiam toda a sociedade, se, por um os profissionais a buscarem novos referenciais que lado, dificultavam o encaminhamento de reflexões de possibilitassem recuperar a prática e a formação natureza ideopolítica, por outro, não impediram que profissional. O novo cenário fez surgir tendências se gestassem algumas formas de crítica ao Estado diversas que apontavam para uma renovação, ainda autoritário e aos aportes teóricos que permeavam o que restrita à esfera acadêmica, mas recolocova em Serviço Social no período. É o caso da experiência debate diferentes tendências no âmbito do marxismo, desenvolvida na Universidade Católica de Minas entre elas o pensamento de Gramsci, que passa, nesse *Professora Titular do Departamento de Serviço Social da UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina
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período, a fazer parte da nossa cultura e a iluminar fundamentais como: hegemonia, Estado ampliado, com suas categorias, diversas formas de interpretação sociedade civil, classes subalternas, cultura, revolução da realidade brasileira. passiva, intelectual orgânico, intelectual tradicional, Dois grandes marcos da produção do Serviço filosofia da práxis, bloco histórico, dentre outras. Social desse período são, sem dúvida, o Método BH e Estas mesmas categorias continuam o livro Legitimidade e Crise no Serviço Social de permeando as produções do Serviço Social na Marilda Iamamoto. Mas ao lado dessas duas contemporaneidade com problematizações relativas às elaborações, há, ainda, todo um acervo de formulações classes sociais, às transformações sofridas pelo Estado, que instauram um novo debate no interior da profissão pela sociedade civil, ao papel das ideologias e da na virada dos anos de 1970 e início de 1980. Penso cultura na análise e compreensão da realidade social o aqui na larga produção que, no eixo da tradição que tem contribuído para operar mudanças marxista, busca no aporte teórico gramsciano subsídios significativas tanto no que se refere ao referencial para refletir sobre o Serviço Social frente às novas teórico-metodológico, ético-político quanto prático- demandas da realidade brasileira. operativo1 . No final da década de 1970, quando se Mas, de que forma o pensamento de Gramsci observa um relativo distanciamento do pensamento continua sendo importante tanto para pensar o Serviço althusseriano, Gramsci passa a ser um marco teórico Social quanto e para analisar a realidade significativo nas elaborações do Serviço Social. As contemporânea? Quais as principais categorias desse idéias de Gramsci passaram a ser progressivamente pensador que continuam sendo atuais em pleno século incorporadas pelo Serviço Social, abrindo novas XXI cujo cenário que temos diante dos olhos é possibilidades para pensar seus referenciais teóricos e paradoxal e assustador?. Diante das tempestades suas ações interventivas. De uma forma ou de outra, o político-sociais e das transformações societárias do pensamento de Gramsci repercutiu fortemente na final do século XX e início do século XXI, em que produção do Serviço Social desde os anos de 1980 e medida é possível pensar os problemas prossegue hoje em forma de livros derivados de teses contemporâneos da vida social e política a partir do acadêmicas, ensaios diversos, artigos e análises da legado de Gramsci? Em que sentido seu pensamento é prática profissional. capaz de nos ajudar a desvelar as novas questões postas As primeiras referências ao pensamento de pela ordem presente? Gramsci no Serviço Social, encontram-se nas Trazer o pensamento de Gramsci para pensar produções de Vicente de Paula Faleiros através da este novo século, exige tratar de alguns temas que são categoria da hegemonia e da análise da prática realmente inevitáveis. Irei me centrar na questão da profissional no contexto da sociedade capitalista. totalidade, cultura, política, hegemonia, Estado e Serão, no entanto, as produções de Safira Bezerra sociedade civil, com seus respectivos desdobramentos. Ammann, Alba Maria Pinho de Carvalho, Franci Gomes e Marina Maciel que possibilitaram a efetiva A PERSPECTIVA DE TOTALIDADE aproximação do Serviço Social ao pensamento gramsciano. O trabalho de Safira B. Ammann é O pensamento gramsciano tem sido extremamente relevante, uma vez que se constitui na abordado das mais variadas maneiras, seja nos meios primeira formulação que adota o referencial do acadêmicos, seja nos meios políticos. Se, por um lado, pensador italiano para analisar o processo sócio- Gramsci é analisado como um pensador reformista histórico do desenvolvimento de comunidade na (tema tão em voga nos dias atuais), e, por outro, como transição democrática. A produção de Alba Maria elaborador de uma teoria revolucionária de ocupação Pinho de Carvalho é extremamente significativa à de trincheiras no interior do aparelho do Estado, é medida que apresenta um estudo histório-crítico do importante sinalizar que, na presente abordagem, pensamento de Gramsci a partir de fontes originais. E, Gramsci será tomado como pensador marxista cuja por último, mas não menos importante, o texto de obra é perpassada por uma visão crítica e histórica dos Franci Gomes e Marina Maciel que busca em Gramsci processos sociais. Isto porque Gramsci não toma o suporte teórico para subsidiar as práticas interventivas marxismo como doutrina abstrata, mas como método do Serviço Social. As produções dessas autoras são de análise concreta do real em suas diferentes marcos significativos no trato de categorias determinações. Debruça-se sobre a realidade enquanto 6 Trilhas, Belém, v.2, n.1, p. 7-18, jul,2001 totalidade, desvenda suas contradições e reconhece que sociedade capitalista, o caráter das lutas de classe, tanto ela é constituída por mediações, processos e estruturas. sob a ótica da burguesia quanto das massas Essa realidade é analisada pelo pensador a partir de trabalhadoras, marcando as possibilidades históricas uma multiplicidade de significados, evidenciando que de cada uma no processo de construção da hegemonia. o conjunto das relações constitutivas do ser social É nesse jogo contraditório entre as classes, que envolve antagonismos e contradições, apreendidos a Gramsci tematiza as relações sociais, tomando-as partir de um ponto de vista crítico que leva em conta a enquanto processos totais e evidenciando os historicidade do social, sendo este, segundo Gramsci, antagonismos que engendram. Athos Lisa (1973: 77), o único caminho fecundo na pesquisa científica. companheiro de prisão, relembra, em suas Memórias, Demarcar o ponto de vista da totalidade na que Gramsci “não se colocava jamais problemas análise do real, significa contrapor-se à “razão cínica” abstratos separados e isolados da vida dos homens”, o ou à “miséria da razão”, que se afirmam cada vez mais, que indica sua capacidade de estabelecer a necessária como perspectivas particularistas e manipulatórias relação dialética entre teoria e prática. consonantes às manifestações multifacetadas, Ao examinar as transformações ocorridas no características da realidade contemporânea. A inserção pós-Primeira Guerra Mundial na organização social e dos indivíduos no espaço social, na atualidade, vem econômica do capitalismo, Gramsci passa a interrogar- ocorrendo de forma crescente através de ações se sobre como deveriam ser entendidas tais mudanças, multidimensionais, descontínuas e fragmentárias. A e sobre os novos problemas que elas sinalizavam, vida social, enquanto totalidade, é, no dizer de Jameson principalmente no tocante ao movimento operário. É (1996), cada vez mais irreconciliável com a lógica que no contexto dessas preocupações que aprofunda suas preside o mundo atual. Nesse rastro ocorre a reflexões a respeito das relações Estado/sociedade e proliferação de teorias do fragmentário, da classes sociais, e passa a pensar em uma nova estratégia heterogeneidade, do aleatório, reforçando a “alienação revolucionária para o Ocidente, a ser construída a partir e reificação do presente” e provocando um do quadro sócio-histórico do seu tempo. Esse período estilhaçamento dos nossos modos de representação. põe em cena a emergência de novas relações sociais, Enquanto crítica da política, a reflexão perpassadas por uma crescente socialização da política teórica do pensador italiano trabalha o real a partir de e, conseqüentemente, permite visualizar a ampliação categorias que se elevam do abstrato ao concreto, da do fenômeno estatal. Gramsci percebe que na aparência à essência, do singular ao universal, e vice- sociedade capitalista madura o Estado se ampliou e os versa. Sua reflexão categorial vai apreendendo a problemas relativos ao poder complexificaram-se, processualidade e a historicidade do social, o jogo das fazendo emergir uma nova esfera que é a “sociedade relações que permite desvendar a realidade e suas civil”, tornando mais complexas as formas de contradições constitutivas. estruturação das classes sociais e sua relação com a Do jovem Gramsci ao Gramsci da política. É nesse contexto que indica as possibilidades maturidade encontramos fortemente impregnada em de construção de uma nova sociabilidade, de seu pensamento, a preocupação constante com a transformação das condições de vida das classes construção de um novo projeto civilizatório, de uma subalternas, passando, necessariamente, pela nova civiltà capaz de vencer os desafios da construção de uma nova hegemonia, cujo processo de modernidade e construir uma democracia “de baixo estruturação não ocorre somente a partir do campo para cima”, uma democracia econômica, política e econômico. Exatamente porque Gramsci tem a clara social. Em sua breve trajetória de vida, deixa, como compreensão de que a estrutura da sociedade é legado, um pensamento crítico comprometido com a fortemente determinada por idéias e valores, a luta pela realidade essencialmente marcada por processos de hegemonia também encerra em si um debate sobre a exclusão social, por antagonismos e diferenças sociais, cultura. regidos por regras tradicionais conservadoras, pelo A compreensão da historicidade do social, instituído, pelas leis injustas, quase sempre utilizadas no pensamento gramsciano, não está desvinculada da em função da manutenção de privilégios. economia, do desvendamento das relações de Na tessitura da obra gramsciana encontramos produção, mas o pensador italiano também o compromisso com a interpretação dos processos compreende que a luta pela emancipação política do sociais, o desvendamento das desigualdades da
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proletariado não se esgota no terreno econômico, pois, A discussão da cultura como esfera dadas as condições de subalternidade intelectual às constitutiva do ser social é recuperada por Gramsci quais sempre estiveram submetidas as classes em seu sentido coletivo e não individual, ou seja, ele trabalhadoras, torna-se necessário o encaminhamento não trabalha essa temática do ponto de vista idealista, de um novo projeto cultural que propicie o deslocada do campo marxista, mas busca desenvolvimento de uma vivência democrática reproblematizá-la na interface com a economia e com independente do domínio ideológico da classe a política. Vale ressaltar que Gramsci não é um burguesa. O legado de Gramsci tomado, portanto, do culturalista, mas preocupa-se com o desenvolvimento ponto de vista da totalidade, congrega uma daquilo que chamamos de cultura política, necessária dialeticidade entre conceitos como hegemonia, cultura, à crítica da ordem das coisas. Para ele, crítica significa economia, história, ideologia, senso comum, Estado, cultura e cultura não significa a simples aquisição de sociedade civil, classes sociais, cidadania, democracia, conhecimentos, mas sim tomar partido, posicionar-se revolução, dentre outros, essenciais para pensarmos frente à história, buscar a liberdade. A cultura está as novas determinações da realidade contemporânea. relacionada, pois, com a transformação da realidade, uma vez que através da “conquista de uma consciência CULTURA, POLÍTICA E HEGEMONIA superior (...) cada qual consegue compreender seu valor histórico, sua própria função na vida, seus próprios Embora a obra gramsciana não contemple direitos e deveres” (Gramsci, 1975: 24). uma exaustiva discussão sobre as determinações Em Gramsci encontramos elementos que, econômicas, nela encontramos outros elementos, ao justamente, nos possibilitam problematizar a esfera lado da esfera infra-estrutural, que nos ajudam a cultural na ordem presente, uma vez que em sua obra compreender a realidade presente. A centralidade dessa transparece uma idéia de cultura forjadora da liberdade, obra é marcada pelo estudo dos fenômenos capaz de propiciar a ultrapassagem da heterogeneidade superestruturais, da esfera da política e da cultura e e da imediaticidade da vida cotidiana, das lutas suas expressões no âmbito da ordem capitalista. econômico-corporativas que atravessam o ser social Gramsci colabora, assim, para a crítica ontológica de para lutas mais duradouras e universais, voltadas à outras esferas do ser social que não a estritamente construção de uma nova hegemonia. econômica A passagem do momento corporativo ao Discutir as determinações sociais e políticas momento ético-político, da estrutura à superestrutura, do real no plano da totalidade significa, também, trazer essa tarefa “ontológico-dialética” de construir um novo em cena o debate sobre a cultura, não compreendida, bloco histórico, expressa-se em Gramsci através do aqui, como esfera autônoma na organização dos conceito “amplo” de política, denominado por ele de processos sociais, mas como lógica interna que “catarse”. “Pode-se empregar o termo catarse” - parametra as manifestações do capitalismo neste escreve ele - “para indicar a passagem do momento estágio globalizado. meramente econômico (ou egoístico-passional) para Nada mais concreto, para Gramsci, do que o momento ético-político, ou seja, a elaboração discutir a cultura política em um país como a Itália, superior da estrutura em superestrutura na consciência eivado pela ideologia secular da Igreja e da dos homens. Isso significa, também, a passagem do mentalidade católico-jesuítica que criou (e ainda cria) ‘objetivo ao subjetivo’. A estrutura, a força exterior uma postura de passividade, subserviência e que esmaga o homem, que o assimila a si, que o torna conformismo. Nada mais procedente do que discutir a passivo, transforma-se em meio de liberdade, em cultura política hoje, à medida que o estágio do instrumento para criar uma nova forma ético-política, capitalismo em que vivemos encerra em si uma lógica em origem de novas iniciativas” (Gramsci, 1977: cultural que vem provocando transformações 1244). A catarse significa, assim, o momento em que significativas no plano da superestrutura. As a esfera egoístico-passional, a esfera dos interesses manifestações culturais dessa nova/velha ideologia corporativos e particulares, eleva-se ao ético-político, reatualizam, no presente, tendências políticas e sócio- ao nível da consciência universal. culturais fortalecedoras de ações corporativas, Essa tarefa de transformação da força individuais e despolitizantes. econômica em direção ético-política que se expressa no momento catártico é mediada pela vontade coletiva
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e política, “pela vontade como consciência operosa da construção da hegemonia exige, assim, compromissos necessidade histórica, como protagonista de um real e de classe, superação de interesses particularistas e efetivo drama histórico” (Gramsci, 1977: 1559). Para individuais, abertura de espaços para congregar as chegar-se a esse momento, é preciso vencer o várias frações de classe. A partir da superação desse corporativismo, a visão particularista e restrita que, modo de ser e de pensar, a vontade coletiva avança e sob a ótica política, desconhece os valores próprios da vai delineando uma nova consciência, que se manifesta hegemonia e de sua perspectiva de totalidade. Somente e se concretiza na prática política. Constituir-se como elevando-se ao plano ético-político, as classes sociais classe hegemônica significa, assim, “tornar-se conseguirão imprimir à própria ação, caracteres protagonista das reivindicações de outros estratos socialmente universais e qualitativamente integrais. sociais (...) de modo a unir em torno de si esses estratos, Isso significa, também, a elevação da vida cultural- realizando com eles uma aliança” (Gruppi, 1978: 59) política daqueles estratos sociais que, antes de obtê- na luta por interesses comuns. la, viviam passivamente e, portanto, não haviam A noção de hegemonia, enquanto totalidade, superado o limiar da consciência histórica. Sair da significa a unificação da estrutura em superestrutura, passividade, para Gramsci, é deixar de aceitar a da atividade de produção e de cultura, do particular subordinação que a ordem capitalista impõe a amplos econômico e do universal político. Não se trata de uma estratos da população, é deixar de ser “massa de universalidade ideológica, mas antes concreta, pois os manobra” dos interesses das classes dominantes. É ser, interesses particulares passam a articular-se com os acima de tudo, intransigente, pois a intransigência “é interesses universais. O grupo social universaliza-se a única prova que uma determinada coletividade existe porque absorve, num projeto totalizador, a vontade dos como organismo social vivo, que possui um fim, uma grupos subalternos, “num trabalho incessante para vontade única, uma maturidade de pensamento. Porque elevar intelectualmente estratos populares cada vez a intransigência requer que cada parte singular seja mais amplos, isto é, para dar personalidade ao amorfo coerente com o todo, que cada momento da vida social elemento de massa, o que significa trabalhar e suscitar seja pensado e examinado em relação à coletividade” intelectualmente elites intelectuais de um tipo novo, (Gramsci, 1975: 136). que surjam diretamente das massas e permaneçam em Passar do momento econômico-corporativo contato com elas” (Gramsci, 1977: 1591). Hegemonia ao ético-político significa, também, levar em conta o é, assim, por um lado, vontade coletiva, e, por outro, processo de correlação de forças sociais, que implica autogoverno; e esse último se alcança através de um a passagem da “estrutura para as superestruturas mais trabalho “de baixo” que incorpora o singular ao complexas; é a fase na qual as ideologias germinadas coletivo e que, nesse processo, não mantém os grupos anteriormente se tornam ‘partido’, colocando-se em subalternos no plano inferior, mas os eleva, torna-os confronto e entrando em luta, até que somente uma mais capazes de dominar as situações, confere-lhes delas ou uma combinação de ideologias tende a uma maior universalidade, o que significa, para prevalecer e a difundir-se sobre toda a área social, Gramsci, a realização de uma “reforma intelectual e determinando, além da unidade econômica e política, moral”. a unidade intelectual e moral, mediante um plano não Quando Gramsci fala da hegemonia como corporativo, mas ‘universal’, criando, assim, a “direção intelectual e moral” afirma que essa direção hegemonia de um grupo social fundamental sobre os também se exerce no campo das idéias e da cultura, grupos subordinados” (Gramsci, 1977: 1583-584). A manifestando a capacidade de conquistar o consenso correta análise das relações de força indica que os e de formar uma base social, pois hegemonia “é algo fenômenos parciais da vida política e social, ao serem que opera não apenas sobre a estrutura econômica e remetidos à totalidade, podem sugerir estratégias e sobre a organização política da sociedade, mas também táticas, tanto para manter a ordem vigente como para sobre o modo de pensar, sobre as orientações fortalecer a construção de uma contra-hegemonia. ideológicas e sobre os modos de conhecer” (Gruppi, Mas, para tal, Gramsci insiste na necessidade 1978:5). de que as classes sociais abandonem o seu modo de Vencer as forças sociais que se colocam no pensar corporativo, produto das relações sociais e do cenário da história implica, portanto, uma compreensão modo de ser próprio da sociedade burguesa, que de que, nesse processo, não se pode levar em conta obstaculiza a formação de um projeto coletivo. A somente a situação objetiva, mas ainda os elementos
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subjetivos norteadores de uma consciência de classe partir deste, o conceito de transformismo, que significa crítica e uma independência em relação às outras uma experiência privada de hegemonia, de elementos classes. Cultura e política aparecem aqui como capazes de possibilitar o encaminhamento de questões inseparáveis, pois cultura é, para Gramsci, transformações e reformas profundas, excluindo da um dos instrumentos da práxis política, sendo esta, vida democrática amplos setores populares. Agrega- justamente, a via que pode propiciar às massas uma se ao transformismo a noção de “revolução passiva”, consciência criadora de história, de instituições, uma revolução cujos principais sujeitos históricos são fundadora de novos Estados. excluídos do processo e cooptados pela hegemonia de Mas a “reforma intelectual e moral” também classes totalmente alheias aos seus interesses. contém os processos de socialização da economia e Os processos de revolução “pelo alto” da política. “Pode haver reforma cultural, evolução também tiveram lugar na história brasileira, da civil das camadas mais baixas da sociedade sem uma Independência ao Colégio Eleitoral, passando pela precedente reforma econômica?” - pergunta Gramsci República Velha, Revolução de 1930, Golpe de 1964 (1977: 1561). Se a “reforma intelectual e moral” não e prosseguimos, hoje, com vários momentos de está desvinculada de uma reforma econômica, parece “revolução passiva” à medida que os processos de claro que Gramsci defende a idéia de que “o avanço exclusão ainda estão presentes na nossa frágil da democratização política é, ao mesmo tempo, democracia. Nesses contextos, as decisões sempre condição e resultado de um processo de transformação foram levadas a efeito de forma elitista e com a também nas esferas econômica e social”. O projeto exclusão das massas populares, através do consenso político-social voltado para o fortalecimento da ordem passivo, indicando a prevalência dos métodos de econômica confere ao Estado, no entanto, um forte supremacia em detrimento das formas de hegemonia. potencial de cooptação e supremacia, provocando, no Na conjuntura presente, essas contradições reaparecem campo ideológico, a conseqüente despolitização das sob nova roupagem, à medida que também se alteram classes subalternas. Essa prática, marcadamente as relações de força postas na dinâmica da vida social. conservadora, antidemocrática e excludente, leva a Essa tendência pode ser relacionada diretamente aos burguesia a fazer e refazer suas alianças, a romper os processos macropolíticos que marcam tanto as classes elos que unem as classes e seus dirigentes, tornando- capitalistas quanto as trabalhadoras, mais precisamente as cúmplices da dominação burguesa e cerceando as a partir da conjuntura dos anos 1980, expressa pelas possibilidades de formação de organizações crises do Welfare State e do padrão fordista-keynesiano revolucionárias. e pelo colapso do socialismo real. Nesse processo não O Estado, por outro lado, repousa sobre uma estão em jogo apenas os novos padrões e as novas base cultural protegido por uma malha sólida contra formas de domínio no campo econômico, necessários as revoluções, contra as irrupções violentas, e sua ação, à reestruturação do capital, mas também a necessidade que é a mesma do grupo social dominante, é vasta e de socialização de novos valores e novas regras de capilarizada. Sua hegemonia conforma massas comportamento, para atender tanto a esfera da humanas de cidadãos, porque estão ligadas ao modo produção como a da reprodução social (Mota, 1995). de vida burguês e a ele consentem e aderem. Nesse As relações Estado/Sociedade, nesse cenário, sentido, a hegemonia não significa apenas a elidem a formação de uma cultura que substitui a subordinação de uma classe em relação à outra, mas a relação estatal pela livre regulação do mercado. Nessa capacidade das classes na construção de uma visão de ótica, a classe burguesa busca eliminar os antagonismos mundo, ou seja, de efetivamente elaborar uma “reforma entre projetos de classe distintos, no intuito de construir intelectual e moral”. A preocupação de Gramsci é, pois, um “consenso ativo” em nome de uma falsa visão com a transformação dessa visão de mundo, com a universal da realidade social. Procede-se, assim, uma elevação das condições de vida das classes verdadeira “reforma intelectual e moral”, sob a direção subalternizadas e com a sua inclusão no cenário da burguesia, que, em nome da crise geral do capital histórico, excluídas que sempre foram dos processos em nível internacional, consegue socializar uma histórico-sociais. “cultura da crise” transformada em base material do É exemplar, aqui, a análise do Risorgimento consenso e, portanto, da hegemonia. italiano, que toma a hegemonia enquanto categoria Esse discurso genérico tem um efeito analítica no seu movimento dialético, indicando, a imediato no campo prático-operativo, à medida que
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as ações desenvolvidas para a recuperação econômica práxis política que se pode passar dessa fragmentação são de natureza transclassista, ou seja, beneficia a todos à unicidade, do modo de pensar desagregado a uma sem distinção. No entanto, do ponto de vista político, forma de pensar crítica e coerente. São expressões de essa estratégia também cria a subalternidade das “conformismo e resistência”, de determinismo e demais camadas de classe, obstaculizando a voluntarismo, de senso comum e de bom senso que se possibilidade das mesmas elaborarem uma visão de inscrevem na prática cotidiana e que podem ser mundo de corte anticapitalista e articular alianças e resgatados não apenas como simulacro, como ações estratégias em defesa de seus interesses. A abstrata desencarnadas da história, mas como possibilidades idéia de uma crise de caráter universal tende a concretas na construção de uma nova racionalidade. prevalecer e a difundir-se por toda a sociedade, Nesse campo contraditório, a luta de classes determinando, “além da unidade econômica e política, não desaparece e as alianças continuam cada vez mais a unidade intelectual e moral, mediante um plano (...) necessárias, mesmo manifestando-se de forma mais ‘universal’, criando, assim, a hegemonia de um grupo problemática, dadas as diferentes iniciativas políticas social fundamental sobre os grupos subordinados” que ora perpassam os movimentos sociais, às vezes (Gramsci, 1977:1583-584). Tal situação também é coincidentes, outras excludentes, bem como os novos geradora de uma cultura de passividade e de padrões de sociabilidade, que não ocorrem, como conformismo, atingindo diretamente o cotidiano das indica Gramsci, somente no plano econômico-objetivo, classes subalternas, reforçando o corporativismo e as mas também no ideológico-subjetivo. É esse o patamar ações particularistas, em detrimento de projetos de que vem cimentando a ideologia dos grupos natureza coletiva. Ocorre, dessa forma, uma dominantes, pois conseguem abranger, num projeto desqualificação das práticas dessas classes, tanto do totalizador, a sua vontade como sendo a mesma dos ponto de vista social e político quanto do econômico. grupos subalternos. A hegemonia é reconstruída, Assim, a luta pela hegemonia não se trava assim, através da imagem abstrata de universalidade apenas no plano das instâncias econômica e política repassada pelo Estado, que esfacela ainda mais o ponto (relações materiais de produção e poder estatal), mas de vista dos segmentos subalternizados, também na esfera da cultura. A elevação cultural das despolitizando-os, fragmentando as suas formas de massas assume importância decisiva nesse processo, expressão, no sentido de que suas lutas particulares a fim de que possam libertar-se da pressão ideológica não se articulem em vontades universais. O que era das velhas classes dirigentes e elevar-se à condição coletivo dissolve-se no singular e as massas destas últimas. A batalha cultural apresenta-se como permanecem no plano inferior, tornando-se incapazes fator imprescindível ao processo de construção da de dominar as situações que as oprimem, de romper hegemonia, à conquista do consenso e da direção com a licenciosidade que as tornam passivamente político-ideológica por parte das classes subalternas. agarradas à pragmaticidade e à imediaticidade Exercitá-la consiste, também, na capacidade dos cotidianas. intelectuais e do partido político participarem da A crise do capitalismo contemporâneo, “crise formação de uma nova concepção de mundo, de orgânica” no dizer de Gramsci, resulta, portanto, de elaborarem uma proposta transformadora de sociedade dificuldades não somente no terreno econômico, mas a partir “de baixo”, fazendo com que toda uma classe também no ideológico, esfera onde se produzem e se participe de um projeto radical que “envolva toda a mantêm as resistências aos impulsos de unificação da vida do povo e coloque cada um, brutalmente, diante consciência humana. Romper essa unidade ideológica, da própria responsabilidade inderrogável” (Gramsci, criticar a concepção de mundo “imposta” do exterior, 1977: 816). Não havendo um avanço nesse processo, requer a elaboração de uma nova forma de pensar, nem uma compreensão dessas mediações, que se crítica e coerente, viabilizadora de práticas sociais “não colocam como fundamentais na apreensão do real, as no abstrato, mas no concreto: sobre a base do real e da classes em presença tendem a formar alianças com os experiência efetiva” (Gramsci, 1977: 2268). Da setores tradicionais dominantes da sociedade. situação de subalternidade pode-se sair quando se Mesmo considerando que a história das assume a consciência do significado do próprio operar, classes subalternas é fragmentada, desagregada, da efetiva posição de classe, da efetiva natureza das episódica, atravessada facilmente pelas ideologias hierarquias sociais, quando se elabora uma nova conservadoras, Gramsci compreende que é a partir da concepção de economia, de política, de Estado e de
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sociedade, capaz de provocar a desarticulação da coercitivos, mas, também, através de uma nova ideologia dominante. Nesse sentido, a hegemonia esfera do ser social que é a sociedade civil. O que também coloca-se num novo campo de lutas, de confere originalidade ao seu pensamento é, alianças, de construção/desconstrução de saberes e justamente, o novo nexo que estabelece entre experiências, pois, antes de mais nada, “toda relação economia e política, entre sociedade civil e de hegemonia é necessariamente uma relação sociedade política, esferas constitutivas do pedagógica” (Gramsci, 1977: 1331-332), à medida que conceito de Estado ampliado. encerra em si possibilidades de emancipação coletivas, A sociedade civil, no pensamento não só para determinados indivíduos, mas para toda a gramsciano, apresenta-se como o “conjunto dos sociedade. organismos chamados ‘privados’ e que A compreensão da esfera da cultura é corresponde à função de hegemonia que o grupo fundamental para os assistentes sociais à medida que dominante exerce sobre toda a sociedade” as suas ações profissionais, travadas na relação direta (Gramsci, 1977: 1518). A denominação “privados” com as formas de vivência cotidiana dos sujeitos não aparece em contraposição ao que é público, sociais, permite identificar os modos como se forma a nem nega o caráter de classe desses organismos e identidade social, o senso comum, a função das suas diferentes formas de expressão, à medida que ideologias, dos mitos, ou seja, aquilo que Gramsci a sociedade civil não é um espaço homogêneo, mas chamou de conformismo e, ao mesmo tempo, a forma permeado por contradições. de superá-lo, uma vez que este, também, é o terreno A rigor, a “sociedade civil” é um conceito para a criação de uma vontade política capaz de romper tomado indistintamente como expressão exclusiva com a razão instrumental que funda a ordem capitalista. dos interesses das classes subalternas. Ora, na Vale considerar que, se a prática do Serviço sociedade civil estão organizados tanto os Social ocorre tanto no espaço institucional quanto na interesses da classe burguesa, que exerce sua esfera da sociedade civil há que se reconhecer que o hegemonia através de seus aparelhos “privados”, terreno cultural permite discutir novas formas de reprodutores de sua ideologia, representados hoje organização da vida social e de identificação de quer pelos meios de comunicação quer pelo diferentes sujeitos políticos. Assim, “quando as transformações culturais são vistas como alvos da luta domínio dos aparatos do Estado e dos meios de política e a luta cultural como instrumento para a produção; quanto os interesses das camadas de mudança política, está em marcha uma nova definição classes subalternas, que buscam organizar-se para entre cultura e política” (Dagnino, 2000:78). propor alternativas que se contraponham às parcelas minoritárias detentoras do poder, afirmando a prioridade do público sobre o privado, ESTADO E SOCIEDADE CIVIL do universal sobre o particular, da vontade coletiva sobre as vontades particulares. O estudo sobre a complexidade das Podem-se apontar duas questões básicas relações Estado/Sociedade próprias do capitalismo que marcam a diferenciação entre a esfera da desenvolvido, preocupação constante no sociedade civil e a esfera da sociedade política. A pensamento gramsciano, também se apresenta hoje primeira é a “diferença na função que exercem na como eixo fundamental para pensar as organização da vida social, na articulação e transformações do capitalismo contemporâneo, as reprodução das relações de poder” (Coutinho, novas formas de expressão do Estado, da sociedade 1979: 77); enquanto na sociedade política o civil e, conseqüentemente, os processos de exercício do poder ocorre sempre através de uma construção da hegemonia neste cenário histórico. ditadura, ou seja, de uma dominação mediante É, precisamente, a partir da crescente socialização coerção, na sociedade civil esse exercício do poder da política verificada nas sociedades ocorre através da direção política e do consenso. contemporâneas que Gramsci elabora sua teoria A partir dessa compreensão, essas esferas podem “ampliada” do Estado, indicando que o poder tornar-se terreno para o encaminhamento de uma estatal, nesse novo contexto, não se expressa ação transformadora ou de uma ação conservadora. apenas através de seus aparelhos repressivos e A segunda diferença refere-se à “materialidade
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(social e institucional)” própria a cada uma. Os nova organização do Estado, destituído de seu portadores materiais da sociedade política são os caráter público e cada vez mais submetido aos aparelhos repressivos do Estado, cujo controle é interesses daquelas classes. As regras do chamado realizado pelas burocracias executiva e policial- “ajuste econômico”, expressão das políticas militar; já na sociedade civil os portadores neoliberais, vêm promovendo a “morte pública” materiais, denominados por Gramsci de “aparelhos do Estado, desqualificando-o enquanto esfera de privados de hegemonia”, possuem uma certa representação dos interesses das camadas de autonomia em relação à sociedade política. É classes subalternizadas. Nesse sentido, o Estado justamente essa independência material que marca vem atuando, com uma fúria jamais vista, com o fundamento ontológico da sociedade civil, e que, procedimentos voltados a um verdadeiro desmonte ao mesmo tempo, a distingue como uma esfera com da esfera pública, efetuando a privatização dos estrutura e legalidade próprias, mediadora entre a mais elementares bens públicos (como saúde e estrutura econômica e o Estado-coerção. A educação), sob o propalado discurso da ontologia materialista do ser social, que funda a necessidade de reduzir o déficit público. teoria social de Marx, reaparece em Gramsci, por A idéia de déficit público é freqüentemente exemplo, na afirmação de que “não há hegemonia, vinculada pelos governos à relação direta com a ou direção política e ideológica, sem o conjunto produção de bens sociais de caráter público e não das organizações materiais que compõem a à presença dos fundos públicos na reprodução do sociedade civil enquanto esfera do ser social” próprio capital. É no interior desse discurso que (Coutinho, 1989: 78). Em outros termos, a se fortalece a dicotomia entre “público” e sociedade civil compreende o conjunto de relações “privado”, caracterizando-se por público tudo o sociais que engloba o devir concreto da vida que é ineficiente, aberto ao desperdício e à cotidiana, da vida em sociedade, o emaranhado das corrupção; e por privado, a esfera da eficiência e instituições e ideologias nas quais as relações se da qualidade. Oculta-se, também, de forma cultivam e se organizam, não de maneira cuidadosa, o fato de que a precária situação das homogênea, mas como expressão de projetos e contas públicas não tem origem apenas no excesso práticas sociais diferenciados, cenário de luta das de investimentos em ações de natureza pública, classes sociais e espaço de disputa na construção mas também na incapacidade dos governos em da hegemonia através de suas diferentes ampliar suas fontes via reformas no sistema instituições. tributário, controlar as taxas de evasão e Nesse sentido, longe das interpretações sonegação, que ocorrem em larga escala. idealistas, a sociedade civil não existe descolada No dizer de Atílio Borón (1995: 78), esse das condições objetivas, plano em que ocorre a “discurso satanizador do público” passa a produção e a reprodução da vida material e, fortalecer a idéia da crise estrutural do Estado, consequentemente, a reprodução das relações criando-se uma cultura anti-Estado que cimenta a sociais. A esfera da sociedade civil, dessa forma, necessidade de privatizar bens e serviços de pode ser abordada a partir das diferenciações de natureza pública, apropriados pelas empresas classe e de interesses que se modificam pelo privadas como fonte de novos lucros. É com essa impacto das novas dinâmicas econômicas, políticas lógica que se fortalecem as relações Estado- e sócio-culturais. sociedade-mercado e criam-se padrões, no âmbito São cada vez mais expressivas as frações da subjetividade e do consentimento, da da sociedade civil articuladas em torno de uma necessidade de sacrifício de todos os segmentos oligarquia financeira globalizada, que buscam de classe para “salvar” a nação. Enquanto nos garantir seus interesses ampliando os canais e as períodos populistas as classes hegemônicas faziam instituições capazes de aglutinar seus projetos, o concessões aos setores populares, na atualidade, que lhes confere uma hegemonia político- há uma inversão desse processo, à medida que o econômica assegurada pela performance do atual Estado, em nome das elites econômicas, impõe estágio de desenvolvimento do capitalismo. Tais sacrifícios às classes populares, as quais canais encontram-se ancorados, principalmente, na consentem em favor da hegemonia burguesa.
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Reforça-se, assim, uma “cultura política da crise”, ganha força, também, a indústria cultural destinada cuja pretensa verdade é repassada à sociedade e a criar atitudes e comportamentos que valorizam incorporada, principalmente pelas camadas de os interesses corporativos de classe, em detrimento classe subalternas (mas não só), como única, numa dos institutos de caráter coletivo. As formas assimilação de concepção de mundo matriz de uma coletivas de organização e representação vêm, unidade ideológica que congrega toda a sociedade. desse modo, sendo erodidas através de um Reafirma-se, assim, a hegemonia burguesa, à progressivo processo de esvaziamento e medida que uma determinada visão de mundo fragmentação de suas protoformas de luta e de seus converte-se em senso comum, tornando-se o referenciais políticos de classe. Despolitiza-se o cimento de um novo bloco histórico. trabalhador, principalmente através do À medida que esses pressupostos se alardeamento da “ideologia do medo”, pelo universalizam, transformando-se em senso comum, fechamento de inúmeros postos de trabalho e pela transfere-se para as classes dominantes uma desmontagem das formas jurídicas de resolução “poderosíssima ferramenta de controle político e dos conflitos trabalhistas, fazendo com que não social” (Borón, 1995: 95), convertendo-se o mais se respeitem garantias e direitos capitalismo na organização econômica final da conquistados. Essa fragmentação vai, história. A classe dominante consegue, assim, sorrateiramente, destruindo as possibilidades de legitimar a sua ideologia, porque, em primeiro construção de uma “vontade coletiva”, de um lugar, detém a posse do Estado e dos principais momento “ético-político”, trilhando o caminho de instrumentos hegemônicos (organização escolar, volta para o que Gramsci denominou de momento mídia), “lugar constituinte dos valores sociais e “econômico-corporativo”. Essa nova hegemonia garantia de sua reprodução” (Vianna, 1991: 155), fragmenta os sujeitos coletivos, quer do ponto de e, em segundo, possui o poder econômico, que vista material, reflexo da reestruturação produtiva representa uma grande força no seio da sociedade do capital, quer do ponto de vista político-cultural, civil, pois, além de controlar a produção e a através de valores particulares e individuais que distribuição dos bens econômicos, organiza e desorganizam as classes em relação a si mesmas e distribui as idéias. Assim, as superestruturas as articulam organicamente em relação ao ideário ganham materialidade, isto é, a classe dominante do capital. O “pertencimento” de classe cede lugar reatualiza a sua “estrutura ideológica” a fim de ao individualismo e ao “desencantamento defender e manter um certo tipo de consenso dos utópico”. aparelhos de hegemonia em relação aos seus As estratégias de desmonte das projetos, legitimados por via democrática. A organizações coletivas são enfeixadas no discurso transformação da objetividade burguesa em enganoso sobre a sociedade civil, remetendo-se a subjetividade e sua naturalização na sociedade esta a responsabilidade no encaminhamento de expressam-se através de um “movimento projetos para dar conta dos complicadores das molecular” que, conforme indica Badaloni (1991: novas expressões da “questão social”. Mas aqui a 109), “envolve indivíduos e grupos, modificando- sociedade civil é tomada ao avesso do sentido os insensivelmente, no curso do tempo, de modo gramsciano, à medida que é deslocada da esfera tal que o quadro de conjunto se modifica sem a estatal e atravessada pela racionalidade do aparente participação dos atores sociais”. mercado, sendo, em última instância, a expressão No Brasil, a Reforma do Estado que vem dos interesses de instituições privadas que ocorrendo é farta de exemplos. O processo de controlam o Estado e negam a existência de privatização do público posto pelas burocracias projetos de classe diferenciados. Tomada em ligadas aos aparelhos executivos e repressivos do sentido transclassista, é convocada, em nome da Estado está intrinsecamente relacionado à cidadania, a realizar parcerias de toda ordem, rearticulação de novas ideologias na esfera da sendo exemplares os projetos de refilantropização sociedade civil, cujos projetos das elites das formas de assistência (como o Comunidade econômicas sobrepõem-se aos das classes Solidária), em face das seqüelas da “questão subalternas. Sob o manto dessa nova ideologia,
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social”. Ocorre, assim, um progressivo processos decisórios e o bloqueamento das esvaziamento da sociedade civil, cujas formas de estratégias de destruição dos direitos sociais e dos protesto irrompem, muitas vezes, através da institutos de representação coletiva. Destaca-se, violência, do racismo, da xenofobia e de também, a importância do “partido político” fundamentalismos de diversos tipos. A crítica de enquanto articulador de interesses universais, cuja Gramsci às promessas fáceis do liberalismo do crise atual tem tornado cada vez mais tênues os século XVIII, que adentram os séculos XIX, XX e seus vínculos com o conjunto da vida social. XXI, reatualizam o figurino, mas seguem Gramsci não deixa, jamais, de pensar o partido privilegiando a hegemonia do capital financeiro, como instituição ético-política que, enquanto sendo a esfera econômica a dimensão mais alta da “intelectual coletivo”, no dizer de Togliatti, ou modernidade, e o mercado o “novo príncipe” do “partido de massa”, conforme expressa Ingrao (e cenário nacional e internacional. Mas essa mesmo Gramsci), possui a tarefa permanente de modernidade ilusória é totalmente despida de uma organizar politicamente a classe e ajudá-la na luta dimensão ético-política, à medida que reforça o pela construção da hegemonia. sistema de exclusão, as injustiças sociais e a O alargamento da democracia direta deterioração das condições de vida de imensos reforça a ação do partido, através de uma nova estratos populacionais. dinâmica democrática, recuperando sua Se tal hegemonia ideológica é, por um lado, legitimidade na formação de alianças e na o sustentáculo do novo estágio do capital aglutinação de interesses de classe em torno de um globalizado, por outro, constitui-se no espaço de projeto radicalmente voltado à socialização do florescimento de “novas formas de expressão do poder econômico e do poder político. É o conjunto coletivo”. As instituições da sociedade civil plural de forças progressistas (portadoras de representativas do protesto dos “de baixo” também projetos de classe e não de um pluralismo pastiche tendem a crescer no interior da crise mesmo do e folclórico) que será capaz de fazer retornar o capitalismo. A cultura pública e democrática, “pêndulo da história” para o campo da justiça, da gestada com o intenso processo de socialização da igualdade e da democracia, expressão da vontade política, precisa ser reafirmada, de forma que os coletiva, e fortalecer uma consciência “ético- organismos de base não sejam esfumados por esse política” necessária à criação de um novo “bloco processo de fragmentação, desmobilização e histórico”. passividade, esvaziador da democracia e da Fica evidente, assim, que se a sociedade cidadania. O dilema está no esforço para que essas civil na atualidade não é mais a mesma do tempo lutas cotidianas não se restrinjam a reformas de Gramsci, ele levantou questões fundamentais e pontuais, desencarnadas de um projeto totalizador, apontou caminhos que até hoje permanecem em acabando por perder-se no vazio. As lutas das aberto para se pensar a construção de uma minorias, do acesso à terra, moradia, saúde, sociedade radicalmente democrática que inclua educação, emprego, hipertrofiam-se em um cada vez mais a massa de excluídos e turbilhão de demandas fragmentadas, facilmente subalternizados pelo atual sistema. O potencial despolitizadas e burocratizadas pelo próprio mobilizador da sociedade civil indicado por Estado, situando-se naquilo que Gramsci denomina Gramsci, desloca o eixo da ação política das de “pequena política”, que engloba questões instituições formais para o terreno criativo das parciais e cotidianas e que precisa, inúmeras formas de organização social que buscam necessariamente, vincular-se à “grande política” reafirmar a primazia do espaço público na para criar novas relações. representação dos anseios e interesses da Mesmo considerando as características população (Semeraro, 1999). heterogêneas e multifacetadas da sociedade civil, não sendo tomada aqui de forma generalizada, nem mesmo como o centro de todas as virtudes, é possível, a partir dela e de sua interface com o Estado, buscar o alargamento da participação nos
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