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FUNDAMENTOS

HISTÓRICOS TEÓRICOS
E METODOLÓGICOS
DO SERVIÇO SOCIAL

Aline Michele Nascimento Augustinho


Demandas emergentes
e intervenção crítica
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Reconhecer a importância de pesquisa, coleta, levantamento e análise


dos dados para a intervenção profissional na perspectiva crítica.
 Desenvolver estratégias de garantia dos direitos da população LGBT+,
negra e das mulheres de forma coletiva e não fragmentária.
 Discutir sobre a importância da conquista e da manutenção dos
direitos humanos em tempos de reatualização do conservadorismo
na sociedade e na categoria profissional.

Introdução
A perspectiva crítica se revela importante para a definição de estratégias
dos profissionais do Serviço Social direcionadas a segmentos sociais
diversos a partir de suas particularidades e individualidades, bem como
diante da possibilidade de movimentações sociais ideologicamente
conservadoras. Na contemporaneidade, as práticas desenvolvidas
para a equidade social indicam um posicionamento de inclusão da
diversidade pautada na valorização da construção identitária, cultural
ou individual dos sujeitos sociais. Ao mesmo tempo que fortalece a
dignidade humana dos sujeitos envolvidos no processo, pode causar a
retomada das perspectivas conservadoras pelos grupos sociais “centrais”,
que compreendem a diversidade como ameaça aos cenários sociais
estabelecidos.
Neste capítulo, você reconhecerá a importância da pesquisa, da
coleta, do levantamento e da análise dos dados para a intervenção
profissional na perspectiva crítica. A partir disso, compreenderá de
que forma é possível desenvolver estratégias de garantia dos direitos
da população LGBT+, negra e das mulheres de forma coletiva e não
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fragmentária. Por fim, verá que a criticidade do campo é ferramenta


recorrente para a manutenção dos direitos humanos em tempos de rea-
tualização do conservadorismo na sociedade e na categoria profissional.

A perspectiva crítica e o fortalecimento


da autonomia científica do Serviço Social
A trajetória do Serviço Social no Brasil é permeada pela luta dos próprios
profissionais da área, ao longo do século XX, para compreender seu papel e sua
função social de forma organizada e homogênea, como categoria profissional,
e, mais tarde, para projetar socialmente o campo profissional como campo
científico e especializado. O trabalho de reflexão sobre a função social dos
assistentes sociais, quando inseridos numa determinada conjuntura sociopolí-
tica e econômica, mais especificamente, no cenário de dependência econômica
das sociedades latino-americanas na conjuntura do capitalismo monopolista
no século XX, pode ser compreendido como o fundamento da formulação da
perspectiva crítica do Serviço Social. De acordo com Raichaelis (2010), as
práticas do Serviço Social no Brasil obtiveram um grande desenvolvimento
com a implantação de novos espaços ocupacionais para o assistente social,
como os Centros de Referências de Assistência Social (CRAS) ou os Centros
de Referência especializados de Assistência Social (CREAS). Porém, para a
autora, a perspectiva crítica não deveria ser deixada de lado nem mesmo com
a criação institucional desses novos espaços ocupacionais, sob o risco de a
profissão sucumbir às “[...] instâncias burocráticas das instituições emprega-
doras” (RAICHAELIS, 2010, p. 753).
A perspectiva crítica do Serviço Social se ancora na abordagem marxista
das relações de trabalho, centralizando o trabalhador na leitura e no desenho
de estratégias de intervenção na chamada questão social, compreendendo que
esse é o sujeito social mais negativamente afetado pelas dinâmicas sociais
resultantes da estrutura de produção capitalista monopolista, leitura que
constitui a especialização do trabalho desse campo profissional, como nos
salienta Iamamoto (2000, p. 26):

[...] o Serviço Social tem na questão social a base de sua fundação como
especialização do trabalho. Questão social apreendida como o conjunto das
expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma
raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se
mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se
privada, monopolizada por uma parte da sociedade. A globalização da pro-
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dução e dos mercados não deixa dúvidas sobre esse aspecto: hoje é possível
ter acesso a produtos de várias partes do mundo, cujos componentes são
fabricados em países distintos, o que patenteia ser a produção fruto de um
trabalho cada vez mais coletivo, contrastando com a desigual distribuição da
riqueza entre grupos e classes sociais nos vários países, o que sofre a decisiva
interferência da ação do Estado e dos governos.

A especialização do trabalho referida por Iamamoto (2000) se cristaliza


na década de 1990, especialmente com a definição do projeto ético-político
exposto no Código de Ética do Assistente Social de 1993 (BRASIL, 2012), mas
é precedido por outro ponto de inflexão importante: a perspectiva cientificista
exposta no Seminário de Sumaré, em 1978, e, posteriormente, pelo Código
de Ética de 1986 (BRASIL, 1986). Se o projeto ético-político se define pela
compreensão de que as práticas do Serviço Social devem ser orientadas a
proporcionar a autonomia do trabalhador diante das estruturas socioeconômicas
do capitalismo monopolista/neoliberal que o exploram e vilipendiam, é no
Seminário de Sumaré que emerge de forma organizada a compreensão de que
o Serviço Social deveria constituir-se como um campo profissional altamente
especializado, uma vez as práticas definidas para seu objeto de trabalho e
observância são únicas e específicas ao campo, e, por isso, a pesquisa científica
na área deveria ser fortalecida e expandida, especialmente por meio da criação
de novos programas de pós-graduação e pela participação dos estudiosos
brasileiros nos congressos e encontros internacionais sobre o Serviço Social.
O produto das deliberações do Seminário de Sumaré, o chamado Documento
de Sumaré, expressa a perspectiva da delimitação do campo científico especí-
fico que reconhecesse as linhas de pesquisa funcionais em nível internacional,
mas que, principalmente, mantivesse o foco no desenvolvimento de linhas de
pesquisa específicas sobre os quadros sociais brasileiros e latino-americanos,
criando um campo profissional não dependente de teorias e abordagens me-
todológicas dos chamados países centrais (europeus e Estados Unidos). Esse
documento consolida, ainda, a utilização do aporte teórico marxista como
orientador das leituras e práticas do campo, uma vez que expressa o reconhe-
cimento do Serviço Social como uma categoria de trabalho com similaridades
importantes à classe trabalhadora. Entre as similaridades, o fato de serem
assalariados e dependentes de estruturas estatais ou privadas que permitissem
sua atuação, já que os assistentes sociais não são profissionais liberais que
atuam autonomamente.
Para compreender melhor essa questão, vamos situar brevemente a pers-
pectiva crítica diante de alguns pontos do movimento que possibilitam essa
nova visão, o Movimento de Reconceituação. A perspectiva crítica do Serviço
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Social expressa o ponto máximo de organização profissional do campo, es-


pecialmente quando se compara tal posicionamento à perspectiva filosófica
neotomista do início do século XX.
O Documento de Sumaré expressa a preocupação com a legitimação
da área enquanto ciência também como resposta ao processo de reatuali-
zação do conservadorismo observado nos anos iniciais da década de 1970,
especialmente expostos no Seminário de Teresópolis (1970) e no Código
de Ética Profissional de 1975 (CFESS, 1975). Nesse momento, a conjuntura
político-econômica apresentava uma aceleração da industrialização advinda
do chamado “Milagre Econômico”. Por outro lado, o período de reatua-
lização do conservadorismo está inserido nos anos de maior intensidade
da repressão dos governos militares, especialmente após a promulgação
do Ato Institucional número 5, em 1968 (CFESS, 1986). Assim, é possível
compreender o resgate da leitura neotomista, ou seja, desconectada dos
processos históricos, como direcionamento das práticas dos profissionais do
Serviço Social (SANTOS, 2014). Essa perspectiva, no entanto, permanece
central por pouco tempo.
A proposta de especialização do campo por meio dos levantamentos
e estudos científicos expressa em Sumaré, por um lado, encerra qualquer
possibilidade de leitura conservadora ou neotomista. Por outro, permite que o
alinhamento à leitura marxista não seja encarado apenas como viés ideológico,
mas, sim, como fundamentação teórica para as análises desenvolvidas dali em
diante. O alinhamento com a perspectiva marxista é especialmente importante
para os países da América Latina, inseridos em contextos ditatoriais no período,
porque questiona não apenas a situação do trabalhador nas dinâmicas sociais
e de produção capitalista, mas também a situação de dependência econômica
do continente.
A mobilização final para consolidação da perspectiva crítica do Serviço
Social se dá com a realização do III Congresso de Serviço Social, em São
Paulo, no ano de 1979. Esse Congresso retoma o conteúdo do Documento de
Sumaré, corroborando-o, e é compreendido como o “Congresso da Virada”,
porque expressa publicamente, pela primeira vez, o alinhamento do campo
profissional ao marxismo. Nesse sentido, Oliveira e Chaves (2017) indicam
que o Congresso de 1979 encerra as disputas e tensões internas, bem como
as recorrentes releituras do neotomismo e do conservadorismo observadas
durante a reconceituação, sendo um “[...] marco histórico fundamental
na trajetória do Serviço Social brasileiro, a partir do qual a aproximação
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com a tradição marxista configura-se como um projeto em disputa pela


direção ideo-política e teórico-metodológica da profissão” (OLIVEIRA;
CHAVES, 2017, p. 153).
Esse é o momento em que se estabelece a renovação do Serviço Social
brasileiro pelo estabelecimento da perspectiva crítica, findando as cons-
tantes disparidades entre o marxismo e o retorno ao conservadorismo. No
Código de Ética Profissional de 1986 (CFESS, 1986), a perspectiva crítica
já se mostra presente ao analisar o término dos governos militares e propor
o pensamento das possibilidades democráticas que se seguiriam, inclusive,
das funções e responsabilidades dos profissionais do Serviço Social num
país de democracia recente, jovem e instável, e que caminhava a passos
largos para a constituição econômica neoliberal que já havia se estabelecido
nos países centrais:

A sociedade brasileira no atual momento histórico impõe modificações profun-


das em todos os processos da vida material e espiritual. Nas lutas encaminhadas
por diversas organizações nesse processo de transformação, um novo projeto
de sociedade se esboça, se constrói e se difunde uma nova ideologia. Inserido
neste movimento, a categoria de Assistentes Sociais passa a exigir também
uma nova ética que reflita uma vontade coletiva, superando a perspectiva
a-histórica e a-crítica, onde os valores são tidos como universais e acima dos
interesses de classe. A nova ética é resultado da inserção da categoria nas lutas
da classe trabalhadora e, consequentemente, de uma nova visão da sociedade
brasileira. Neste sentido, a categoria, através de suas organizações, faz uma
opção clara por uma pratica profissional vinculada aos interesses desta classe.
As conquistas no espaço institucional e a garantia da autonomia da prática
profissional requerida pelas contradições desta sociedade só poderão ser ob-
tidas através da organização da categoria articulada às demais organizações
da classe trabalhadora (CFESS, 1986, documento on-line).

Nesse trecho, é possível observar o trabalho de reflexão e reconheci-


mento da trajetória histórica empreendido pelos profissionais do período,
especialmente porque menciona abertamente o movimento de superação
da perspectiva neotomista, confrontando o código anterior e as disposições
tradicionais da profissão no Brasil (SANTOS, 2014) e posteriores retornos à
postura conservadora.
Diante do cenário exposto, fica mais fácil reconhecer a importância da
pesquisa, da coleta, do levantamento e da análise dos dados para a inter-
venção profissional na perspectiva crítica, ou seja, do fortalecimento da
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abordagem, da metodologia e do olhar científico para o Serviço Social, não


apenas como campo profissional, mas como uma disciplina que, embora
dialogue com outras áreas científicas como a Sociologia, a Antropologia,
a Psicologia, o Urbanismo, a Ciência Política e a Biologia, conta com uma
linha de análise, reflexão e intervenção que lhe é própria e única. Assim, as
práticas contemporâneas precisam valer-se tanto da afirmação do compro-
misso social firmado no projeto ético-político quanto do rigor metodológico
das práticas científicas.
O trabalho do assistente social contemporâneo parte, assim, da perspectiva
crítica inerente à composição de sua profissão que contesta a desigualdade
e a perspectiva de exploração do trabalhador nas sociedades capitalistas pe-
riféricas, baseando-se na luta pela autonomia do sujeito personificado pelo
trabalhador, e pode estruturar-se, embasar pareceres técnicos e sustentar
posicionamentos a partir das análises proporcionadas por levantamentos
científicos, especialmente a partir de leituras macroestruturais, ou seja, de
amplos quadros sociais, políticos ou econômicos. De acordo com a leitura de
Iamamoto (2000) sobre o objeto de trabalho do assistente social, é possível
compreender a importância dos levantamentos científicos no desenvolvimento
de arcabouços teóricos e no desenho de práticas e estratégias adequadas à
realidade social analisada:

Os assistentes sociais trabalham com a questão social nas suas mais variadas
expressões quotidianas, tais como os indivíduos as experimentam no trabalho,
na família, na área habitacional, na saúde, na assistência social pública etc.
Questão social que, sendo desigualdade é também rebeldia, por envolver
sujeitos que vivenciam as desigualdades e a ela resistem e se opõem. É nesta
tensão entre produção da desigualdade e produção da rebeldia e da resistên-
cia, que trabalham os assistentes sociais, situados nesse terreno movidos por
interesses sociais distintos, aos quais não é possível abstrair ou deles fugir
porque tecem a vida em sociedade. Exatamente por isso, decifrar as novas
mediações por meio das quais se expressa a questão social, hoje, é de funda-
mental importância para o Serviço Social em uma dupla perspectiva: para que
se possa tanto apreender as várias expressões que assumem, na atualidade,
as desigualdades sociais — sua produção e reprodução ampliada — quanto
projetar e forjar formas de resistência e de defesa da vida. Formas de resis-
tência já presentes, por vezes de forma parcialmente ocultas, no cotidiano dos
segmentos majoritários da população que dependem do trabalho para a sua
sobrevivência. Assim, apreender a questão social é também captar as múltiplas
formas de pressão social, de invenção e de re-invenção da vida construídas
no cotidiano, pois é no presente que estão sendo recriadas formas novas de
viver, que apontam um futuro que está sendo germinado (IAMAMOTO,
2000, p. 27-28).
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Você sabe como funciona a prática profissional do Serviço social em outros países?
Conhecê-la é uma etapa importante, pois permite elucidar questões, apontar caminhos
já explorados por outras sociedades e ponderar benefícios e pontos a serem evitados
na realidade nacional. Veja, como exemplo, o trabalho que reflete a interação entre
pesquisa e prática do Serviço Social em Portugal no link a seguir.

https://qrgo.page.link/Zd8q

Integrar segmentos sociais: acolher, proteger


e promover identidades
No âmbito da classe trabalhadora inserida nas dinâmicas de desigualdades
que fomentam a chamada questão social, há uma série de elementos de cunho
identitário e cultural que influenciam as possibilidades de trânsitos sociais para
os sujeitos que a compõem, bem como os problemas e situações de vulnerabi-
lidade a que estão suscetíveis. Em outras palavras, a classe trabalhadora não é
composta pelos mesmos sujeitos, não é homogênea apesar de seus componentes
sofrerem o mesmo tipo de exploração a partir da ótica da divisão social do
trabalho, ou seja, a venda da força de trabalho e a apropriação da mais-valia.
As singularidades dos sujeitos sociais que compõem sua identidade e formação
cultural têm impacto nas formas de diálogo, nas esferas e plataformas sociais
alcançadas, na possibilidade de segurança física, emocional e psicológica. Por
isso, todas as singularidades devem ser observadas na definição de estratégias
de intervenção dos assistentes sociais para grupos sociais específicos.
O desafio para o campo, no entanto, é não fragmentar os grupos que se
constituem como segmentos sociais. Por exemplo, as mulheres compõem
um grupo social específico e, inseridas na divisão sociotécnica do traba-
lho, enfrentam problemas como discriminação e menor salário que homens
exercendo a mesma função. Mas o segmento não é homogêneo, há mulheres
negras, brancas e indígenas, e a etnia tem impacto em suas possibilidades de
trabalho e remuneração justa numa sociedade estruturalmente racista. Entre
mulheres brancas, negras e indígenas, há ainda as mulheres cis gênero (que
se identificam com o sexo biológico) e as mulheres trans gênero (que não se
identificam com o sexo biológico), que apresentam necessidades e desafios
semelhantes, mas também diversos. Entre mulheres de diferentes etnias, de
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diferentes identificações de gênero, há, ainda, a segmentação religiosa, de


naturalidade (lugar de origem), de idade, entre outras. No entanto, todas são
mulheres, e as políticas de seguridade social desenvolvidas para o segmento
social das mulheres precisa trabalhar naquilo que as faz semelhantes e naquilo
que as diferencia entre si, atendendo às necessidades específicas dos micro-
segmentos e resguardando o direito de cada uma de expressar sua construção
identitária e cultural, sem desconectá-las ou anular sua condição de mulher.
Outros segmentos sociais que se configuram como minorias em relação ao
poder político, econômico ou étnico-estrutural dos homens cis heterosexuais,
cristãos e brancos, sujeitos sociais estabelecidos como centrais na dinâmicas
sociais capitalistas ocidentais, também necessitam de olhares que compreendam
suas particularidades como segmentos sociais, sem, no entanto, fragmentar o
conjunto social, ou seja, sem segregar. Por isso, as políticas de seguridade social
para mulheres, população LGBTQI+, negros e indígenas deve ser constituída
de forma a promover a integração dos segmentos a partir da observação e do
resguardo de suas especificidades, e não os isolando.
Nesse sentido, o trabalho do assistente social é desenvolver estratégias
de ação que permitam o pleno exercício das características identitárias e
culturais de cada segmento a partir da ideia de promoção da equidade social.
A equidade preza pela integração social dos indivíduos, observando suas
necessidades e especificidades, criando ferramentas e plataformas de acesso
para que possam transitar em qualquer esfera social com a mesma fluidez que
o grupo social dominante.
Vamos retomar o exemplo das mulheres e das diferenças identitárias
possíveis nesse segmento. Um projeto de integração para a equidade social
voltada a esse grupo leva em conta que mulheres trans precisam de políticas
de saúde inseridas no contexto de saúde da mulher, mas que sua constituição
biológica necessita de cuidados diferentes dos oferecidos para mulheres cis.
Da mesma forma, a saúde da mulher negra precisa de cuidados específicos,
como aqueles voltados para identificação e controle da anemia falciforme,
doença mais comum em populações negras que em populações não negras.
O importante é que essas identidades possam ser acolhidas pelos progra-
mas de seguridade social, de forma a integrar os grupos. Mas o que significa
tal integração? Principalmente, que os indivíduos de um segmento não serão
isolados, impedidos de acessar qualquer esfera social ou discriminados por
suas especificidades culturais e identitárias. No âmbito do Serviço Social, é
preciso estar atento à Política Nacional de Assistência Social e aos projetos do
Sistema Único de Assistência Social, o SUAS, cuidando para que as abordagens
estabelecidas se pautem pelo princípio integrado.
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A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi instituída pela Organização das Nações
Unidas, em 10 de dezembro de 1948, e, a partir disso, o Brasil instituiu a celebração do
Dia Nacional da Inclusão Social. A celebração é símbolo da luta por políticas públicas
voltadas para a diversidade e o respeito às múltiplas identidades culturais do brasileiro.
Acesse o portal do Ministério da Educação no link a seguir para saber mais.

https://qrgo.page.link/KtwQ

A reatualização do conservadorismo na
contemporaneidade e a necessidade da retomada
dos valores associados aos direitos humanos
A América Latina vive hoje um processo releitura do conservadorismo em
níveis institucionais e também no tecido social. Após pouco menos de duas
décadas de ascensão de governos e políticas públicas associadas às esquerdas e
à social-democracia, as populações latinas vivem, atualmente, um processo de
reatualização do conservadorismo semelhante àquele observado nas décadas
de 1960 e 1970 em alguns segmentos sociais, como a classe média.
A leitura conservadora prega a centralidade dos valores tradicionais, como
a família patriarcal heteronormativa e o cristianismo, além da noção de meri-
tocracia associada à mobilidade social e à tensão de classes, e a naturalização
dos privilégios de classe. A novidade é que, em vez do catolicismo de meados
do século XX, são segmentos protestantes os centrais nas décadas inicias do
século XXI.
As leituras conservadoras tornam-se, aos poucos, extremamente nacio-
nalistas e autoritárias, não temendo usar a violência para a manutenção dos
valores conservadores centrais. O panorama torna-se excludente e coercitivo,
na medida em que os sujeitos sociais que não correspondem à homogeinização
branca-heteronormativa-cristã podem sofrer discriminação, sexismo, racismo,
transfobia, entre outras formas de violências, simbólicas e físicas.
É importante ressaltar que pertencer a grupos sociais privilegiados não é
um problema. O problema é a utilização de privilégios sociais para segregar
ou explorar sujeitos sociais externos aos grupos centrais. Por isso, após a
comemoração dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em
2018, é essencial retomar a perspectiva crítica do documento e intensificar as
abordagens particulares à defesa e à promoção dos direitos humanos no Brasil.
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A perspectiva crítica do Serviço Social nos indica que o exercício pro-


fissional necessita da constante atenção às dinâmicas sociais e às alterações
possíveis nas sociedades capitalistas, que podem influenciar as necessidades
e as possibilidades de alcançar a emancipação pelos trabalhadores, ou, ainda,
aprofundar as desigualdades sociais. Por isso, as estratégias de atuação contem-
porâneas para os profissionais do Serviço Social são pautadas pela identificação
dos espaços sócio-ocupacionais ocupados pelo profissional. Nas palavras de
Raichaelis (2010, p. 754),

[...] os espaços sócio-ocupacionais que se abrem ao exercício profissional para


capturar a lógica de retração ou intensificação de demandas em determinadas
áreas, como a que ocorre atualmente com a política de assistência social, bem
como as respostas individuais e coletivas dos assistentes sociais às novas
exigências institucionais, exige desvelar o caráter contraditório do Serviço
Social como prática polarizada pelos interesses das classes sociais, que tanto
participa dos mecanismos de manutenção quanto de mudança, respondendo
a interesses do capital e também do trabalho, participando dos processos de
dominação e de resistência, continuidade e ruptura da ordem social, como
bem analisou Iamamoto em sua ampla e significativa produção bibliográfica
sobre o Serviço Social na sociedade capitalista madura.

Como você pôde perceber ao longo deste capítulo, a perspectiva e a inter-


venção críticas do Serviço Social são elementos profundamente enraizados na
história do desenvolvimento social e humano na América Latina, em especial
por sua condição de dependência econômica dos países centrais, cenário
específico inserido nas dinâmicas exploratórias promovidas pelo capitalismo
monopolista. No entanto, perspectivas orientadas para intervenções críticas não
são rígidas, mas devem observar as alterações e mobilizações das instituições
e do próprio capitalismo, verificando as novas formas de impacto social ou o
aprofundamento de questões já existentes.
Demandas emergentes e intervenção crítica 11

BRASIL. Código de Ética Profissional do Serviço Social, de 9 de maio de 1986. Diário


Oficial da União, Brasília, DF, 2 jun. 1986. Disponível em: http://www.cfess.org.br/js/
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www.cfess.org.br/js/library/pdfjs/web/viewer.html?pdf=/arquivos/CEP_CFESS-SITE.
pdf. Acesso em: 22 mar. 2019.
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IAMAMOTO, M. V. O serviço social na contemporaneidade: trabalho e formação profis-
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OLIVEIRA, E. M. A. P.; CHAVES, H. L. A. 80 anos do serviço social no Brasil: marcos histó-
ricos balizados nos códigos de ética da profissão. Serviço Social & Sociedade, São Paulo,
n. 128, p. 143-163, jan./abr. 2017.
RAICHAELIS, R. Intervenção profissional do assistente social e as condições de trabalho
no Suas. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 104, p. 750-772, out./dez. 2010.
SANTOS, L. M. L. Socioeconomia: solidariedade, economia social e as organizações em
debate. São Paulo: Atlas, 2014.

Leitura recomendada
CARDOSO, P.; DAL PRÁ, K. R. A intervenção profissional do assistente social no eixo de
planejamento e gestão: uma discussão a partir da experiência na coordenação de um
serviço de assistência social no âmbito da Proteção Social Básica. Textos & Contextos,
Porto Alegre, v. 11, n. 1, p. 129-141, jan./jul. 2012.

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