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O ROM ANCE COMO EPOPEI A BURGUES A

1. As vicissitudes da teoria do romance

O romance literário é o gênero mais típico da sociedade bur­


guesa. Embora nas literaturas do Oriente antigo, da Antiguidade e da
Idade Média existam obras sob muitos aspectos afins ao romance, os
traços típicos do romance aparecem somente depois que ele se tornou
a forma de expressão da sociedade burguesa. Por outro lado, é no
romance que todas as contradições específicas desta sociedade são
figuradas do modo mais típico e adequado. Ao contrário das outras
formas artísticas (por exemplo, o drama) , que a literatura burguesa
assimila e remodela em função de seus próprios objetivos, as formas
narrativas da literatura antiga sofreram no romance modificações tão
profundas que, neste caso, pode-se falar de uma forma artística
substancialmente nova.
A lei universal da desigualdade do desenvolvimento espiritual
em relação ao progresso material, estabelecida por Marx, manifesta­
se de modo claro também no destino da teoria do romance. Com base
em nossa definição geral do romance, seria possível supor que a teoria
desta nova e específica forma literária foi elaborada de modo com­
pleto na estética burguesa. Mas não foi isso o que aconteceu: os pri­
meiros teóricos burgueses ocuparam-se quase exclusivamente dos
gêneros literários cujos princípios estéticos podiam ser recolhidos da
antiga literatura, como o drama, a epopeia, a sátira etc. O romance se
desenvolve de modo quase inteiramente independente da teoria geral
da literatura, que não o toma em consideração e não influi sobre ele
( recorde-se, nos séculos XVII e XVIII, Boileau, Lessing, Diderot etc. ) .
A s primeiras alusões sérias a uma teoria d o romance encontram -se
em observaÇões dispersas feitas pelos próprios romancistas, que de­
monstram elaborar este novo gênero de modo inteiramente cons­
ciente, ainda que, em suas generalizações teóricas, não superem o
que é absolutamente necessário para sua própria criação.
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Decerto, esta falta de atenção para o que é especificamente


novo no desenvolvimento burguês da arte não é casual. O pensa­
mento teórico da burguesia nascente, em todas as questões da estética
e da cultura, tinha forçosamente de se manter o mais próximo
possível de seu modelo antigo, no qual encontrara uma poderosa
arma ideológica em sua luta pela cultura burguesa contra a cultura
medieval. Esta tendência se reforçou ainda mais no período absolu­
tista, quando a burguesia atravessava as primeiras fases do seu desen­
volvimento. Todas as formas de criação artística que haviam crescido
organicamente da cultura medieval, assumindo um aspecto popular
e até mesmo plebeu - e que, portanto, não correspondiam aos mo­
delos antigos -, foram ignoradas pela teoria e, frequentemente, re­
chaçadas como "não artísticas" (como, por exemplo, o drama shakes­
peariano ) . E, como se sabe, o romance - em seus primeiros grandes
representantes - liga-se direta e organicamente, ainda que ao mesmo
tempo de modo polêmico, à arte narrativa medieval: a forma do
romance surge da dissolução da narrativa medieval, como produto de
sua transformação plebeia e burguesa.
Somente na filosofia clássica alemã é que surgem as primeiras
tentativas de criar uma teoria estética geral do romance e de incluí-lo
organicamente num sistema de formas estéticas. Ao mesmo tempo,
também as formulações dos grandes romancistas sobre seu próprio
trabalho ganham amplitude e profundidade (Walter Scott, Goethe,
Balzac) . Portanto, os princípios da teoria burguesa do romance foram
estabelecidos neste período.
Mas uma literatura mais abundante sobre a teoria do romance
veio à luz somente na segunda metade do século XIX. Foi nesta época
que o romance confirmou definitivamente sua predominância co­
mo forma de expressão típica da consciência burguesa na literatura.
As tentativas de fazer renascer a epopeia antiga com base na civiliza­
ção moderna, bastante difundidas nos séculos XVI I e XVIII (Milton,
Voltaire, Klopstock) , desaparecem neste período. Além disso, nos
maiores países europeus, há já algum tempo havia se encerrado o
ponto culminante do desenvolvimento do drama. É assim natural
que surj a também (mais ou menos na época da publicação dos
artigos teórico-polêmicos de Zola) uma mais ampla literatura sobre o
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romanée, ainda que não tanto de caráter teórico-sistemático, mas


sobretudo de natureza jornalística e voltada para questões de atuali­
dade. A desigualdade do desenvolvimento fez com que esta literatu­
ra se ligasse, ao mesmo tempo, à fundamentação teórica do natura­
lismo: o romance foi separado das grandes tradições e conquistas da
época revolucionária clássica e a forma do romance se dissolveu sob
o efeito da decadência geral da ideologia burguesa.
Por mais interessantes que sejam estas teorias do romance para
o conhecimento das aspirações artísticas· da burguesia depois da
metade do século XIX, elas não podem resolver os problemas fun­
damentais do romance, ou seja, não podem nem fundamentar a
autonomia do romance como gênero literário particular no seio de
outras formas de narração épica, nem especificar as características
específicas deste gênero, os princípios que o diferenciam da literatura
que tem como objetivo o puro divertimento.

2. Epopeia e romance

A teoria marxista do romance deve partir, portanto, ainda que


criticamente, das ideias elaboradas sobre este gênero literário pela
estética clássica alemã. A estética do idealismo clássico foi a primeira
a pôr, no plano dos princípios, a questão da teoria do romance - e o faz
de modo simultaneamente sistemático e histórico. Quando Hegel
chama o romance de "epopeia burguesa': põe uma questão que é, ao
mesmo tempo, estética e histórica: ele considera o romance como o
gênero literário que, na época burguesa, corresponde à epopeia. O
romance, por um lado, tem as características estéticas gerais da grande
narrativa épica; e, por outro, sofre as modificações trazidas pela época
burguesa, o que assegura sua originalidade. Com isso, em primeiro
lugar, é determinado o lugar do romance no sistema dos gêneros
artísticos: ele deixa de ser um gênero "inferior': que a teoria evita com
soberba, sendo plenamente reconhecido seu caráter típico e domi­
nante na literatura moderna. Em segundo lugar, Hegel deriva preci­
samente da oposição histórica entre a época antiga e os tempos mo­
dernos o caráter e a problemática específicos do romance. A pro­
fundidade desta formulação do problema manifesta-se no fato de que
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Hegel, seguindo o desenvolvimento geral do idealismo clássico ale­


mão a partir de Schiller, sublinha enfaticamente a hostilidade à arte
da moderna sociedade burguesa; ele constrói sua teoria do romance
precisamente com base na contraposição entre o caráter poético do
mundo antigo e o caráter prosaico da civilização moderna, ou seja, da
sociedade burguesa.
Como já bem antes dele o fizera Vico, Hegel - ainda que cer­
tamente sem indicar os seus fundamentos econômicos objetivos -
liga a criação da epopeia à fase primitiva de desenvolvimento da
humanidade, ao período dos "heróis", ou seja, ao período em que a
vida social ainda não era dominada, como o seria na sociedade
burguesa, pelas forças sociais que adquiriram autonomia e indep�n­
dência em face dos indivíduos. O caráter poético da época "heroica",
que se expressa de modo típico nos poemas homéricos, repousa na
autonomia e na atividade espontânea dos indivíduos; o que significa,
como diz Hegel, que "a individualidade não se separa do todo ético a
que pertence, e tem consciência de si somente em sua unidade subs­
tancial com este todo". 1 O caráter prosaico da época burguesa consis­
te, para Hegel, na inevitável abolição tanto desta atividade espontânea
quanto da ligação imediata entre o indivíduo e a sociedade. Diz ele:
"No atual Estado de direito, os poderes públicos não têm em si mes­
mos uma figura individual, mas o universal enquanto tal reina em
sua universalidade, na qual o caráter vivo do indivíduo ou é removido
ou aparece como secundário e indiferente". Portanto, os homens mo­
d_ernos, ao contrário dos homens do mundo antigo, "têm seus obje­
!ivos e condições pessoais separadas dos objetivos do todo; o que o in­
divíduo faz com suas próprias forças o faz somente para si e, por isso,
responde apenas por sua própria ação e não pelos atos do todo. subs-
tancial ao qual pertence".
Esta lei, que regula a vida da sociedade burguesa, é reconhecida
incondicionalmente por Hegel como resultado historicamente ne­
cessário do desenvolvimento da humanidade e como um progresso
absoluto em relação ao primitivismo da 1época "heroica". Mas este
progresso tem também uma série de lados negativos; o homem perde
sua anterior atividade espontânea e a submissão ao moderno Estado
burocrático, vivida como a submissão a um organismo coercitivo
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externo, priva-o de qualquer atividade deste tipo. Esta degradação


destrói o terreno obj etivo para o florescimento da poesia, que é
suplantada pela prosa rasteira e pela banalidade. A tal degradação, o
homem não pode se submeter sem resistência. Diz Hegel:
.
O interesse e a necessidade de uma totalidade individual
efetiva e de uma autonomia autêntica não nos abandona­
rão jamais, e não podem nos abandonar, por mais que o
de3envolvimento da ordem na vida civil e política madura
[ou seja, o desenvolvimento burguês] seja por nós reconhe-
"
cido como fecundo e racional.

Embora Hegel considere impossível eliminar esta contradição


entre poesia e civilização, ele pensa ser possível mitigá-la. Esta função
é encarnada pelo romance, que desempenha na sociedade burguesa o
mesmo papel desempenhado pela epopeia na sociedade antiga. En­
quanto "epopeia burguesa': o romance deve, segundo Hegel, conciliar
as exigências da prosa com os direitos da poesia e encontrar uma
"média" entre eles.
Na realidade que se tornou prosaica, o romance deve, sempre
segundo Hegel, "devolver à poesia, nos limites em que isso é possível
na situação dada, o direito que ela perdeu". Mas isso deve ser feito não
na forma de uma contraposição romanticamente cristalizada entre
poesia e prosa, mas mediante a figuração de toda a realidade prosaica
e da luta contra ela. Essa luta encontra sua realização
[ ... ] no fato de que, por um lado, os personagens, inicial­
mente em oposição à ordem do mundo, aprendem a reco­
nhecer nela o autêntico e o substancial, reconciliando-se
com suas relações e nela ingressando de modo ativo; mas,
por outro lado, eles cancelam do que fazem e realizam a
forma prosaica, substituindo a prosa existente por uma
realidade que se torna amiga da beleza e da arte.

Na teoria do romance de Hegel, encontraram sua mais lumi­


nosa expressão todas as grandes virtudes do idealismo clássico, mas,
ao mesmo tempo, também as suas inevitáveis limitações. Por ter se
aproximado, ainda que de forma falsa e idealista, da compreensão de
uma contradição essencial da sociedade burguesa - ou seja, do fato de
que nela o progresso técnico material é alcançado ao preço de um
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rebaixamento de muitos aspectos decisivos da atividade espiritual e


social, em particular da arte e da poesia -, a estética clássica alemã
conseguiu realizar uma série de importantes descobertas, que cons­
tituem a razão de sua permanente grandeza. Em primeiro lugar, ela
tornou evidente o elemento comum que liga o romance à epopeia.
Na prática, essa ligação se reduz ao fato de que todo romance de
grande significação tende à epopeia, ainda que de modo contraditório
e paradoxal - e é precisamente nesta tendência jamais alcançada que
ele adquire sua grjll deza poética. Em segundo lugar, o significado da
teoria burguesa clássica do romance reside na tomada de consciência
da diferença histórica entre a epopeia antiga e o romance, e, portanto,
na compreensão do romance como um gênero artístico tipicamente
novo.
Não temos aqui o espaço para falar detalhadamente da teoria
geral da epopeia na filosofia clássica, ainda que esta última tenha feito
muito para um conhecimento teórico da composição dos poemas
homéricos (por exemplo: o significado dos momentos regressivos na
epopeia em contraposição com a progressão dos motivos no drama,
autonomia das partes singulares, função do acaso etc. ) . Estas teses
gerais são de extraordinária importância para entender a forma
romanesca, já que esclarecem os princípios poéticos formais graças
aos quais o romance, como antes dele a epopeia, pode dar um quadro
completo do mundo, um quadro de sua época.
Goethe formula do seguinte modo a oposição entre romance e
drama:
No romance, devem-se representar sobretudo ideias e
acontecimentos; no drama, personagens e fatos. O romance
deve avançar lentamente: as ideias do protagonista devem
retardar [ .. ] a evolução demasiadamente rápida da ação.
.

[ . ] O herói do romance deve ser passivo, ou, pelo menos,


..
·

não excessivamente ativo.2

Esta passividade do herói do romance é exigida por considera­


ções de natureza formal: ela é necessária a fim de que, em torno dele,
possa se desenvolver, em toda a sua amplitude, a totalidade do mundo.
No drama, ao contrário, o protagonista encarna a totalidade de uma
contradição social levada a seu limite extremo.
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Nesta teoria do romance se expressa, ao mesmo tempo,


frequentemente sem que os próprios teóricos o percebam, um caráter
específico do romance burguês: a sua impossibilidade de encontrar e
representar um "herói positivo". Decerto, a filosofia clássica não
aborda plenamente este problema, já que ela tende conscientemente
a alcançar um impossível estado médio entre as tendências contra­
postas e em luta no seio do capitalismo: não por acaso ela toma como
modelo o Wilhelm Meister de Goethe, romance que se propõe cons­
cientemente figurar este "estado médio". Todavia, a filosofia clássi­
ca esclareceu até certo ponto a diferença entre epopeia e romance.
Schelling, por exemplo, vê o objeto do romance na luta entre idea­
lismo e realismo, enquanto Hegel o aponta na educação do homem
para a vida na sociedade burguesa.
A importância dessas conquistas da estética clássica se mani­
festa no fato de que elas liquidaram definitivamente todas as tenta­
tivas feitas nos séculos XVII e XVIII no sentido de criar e fundamen­
tar teoricamente uma epopeia moderna. A inexequibilidade destas
tentativas revela-se no fato de que Voltaire, em sua teoria da poesia
épica, polemiza precisamente com o princípio heroico dos poemas
homéricos e busca construir uma teoria da epopeia carente de todo
heroísmo, apoiada numa base puramente moderna, ou seja, na base
social que é própria do romance. Não é certamente por acaso que
Marx, falando da hostilidade do capitalismo à poesia em geral e à
poesia épica em particular, cite precisamente a Henriade de Voltaire
como caso modelar de um poema épico fracassado. 3
Portanto, uma atitude teoricamente justa em face da forma do
romance pressupõe uma compreensão teoricamente correta das con­
tradições do desenvolvimento da sociedade capitalista. A filosofia
clássica alemã não era de modo algum capaz de chegar a uma tal
compreensão. Para Hegel, Schelling etc., o desenvolvimento burguês
era o último grau "absoluto" do desenvolvimento da humanidade.
Eles não podiam compreender, portanto, que o capitalismo está his­
toricamente condenado; a compreensão da contradição fundamental
da sociedade capitalista (a contradição entre a produção social e a
apropriação privada) situava-se para além de seus horizontes. Até
mesmo a filosofia de Hegel só podia, no melhor dos casos, aproximar-se
200 • GYORGY LUKÁCS

da formulação de algumas consequências importantes que decorrem


daquela contradição. E nem mesmo aqui esta filosofia podia com­
preender a verdadeira unidade dialética dos opostos sociais. Den­
tro destes limites, Hegel chega apenas à exata antecipação das contra­
dições do desenvolvimento capitalista, ao pressentimento da insepa­
rabilidade entre o seu caráter progressista, que revoluciona a produ­
ção e a sociedade, e a intensa degradação do homem que este desen­
volvimento traz consigo.
O mérito imorredouro da estética clássica alemã para a teoria
do romance reside na descoberta da profunda relação que liga o
romance como gênero à sociedade burguesa. Mas é precisam ente a
justeza deste modo de formular a questão que determina necessa­
riamente os limites da resposta que lhe é dada. Para a estética do
idealismo clássico alemão, um conhecimento exaustivo e rigoroso da
sociedade burguesa - e, mais ainda, da marcha de seu desenvolvi­
mento, da superação histórica de seus limites - era impensável. Até
mesmo Hegel - que, entre todos os seus contemporâneos, foi quem
melhor compreendeu a essência do capitalismo - não pôde ir além de
um simples pressentimento da contradição interna da sociedade
capitalista; e, quando ele tenta retirar deste pressentimento suas con­
sequências estéticas, cai necessariamente em contradições insolú­
veis. É por isso que sua observação correta sobre a natureza antiartís­
tica do capitalismo se transforma na errônea teoria do fim da arte, ou
seja, da passagem do "Espírito" para um estágio situado além da arte.
É também por isso que ele concebe a variante antirromântica da
"reconciliação com o real" como o conteúdo necessário do romance,
manifestando com isso, sem dúvida, um amor pela verdade que
recorda o "cinismo" de Ricardo,4 mas com uma estreiteza que o
obrigou a ignorar muitas possibilidades e questões importantes do
romance.
Os teóricos burgueses - até mesmo os do período clássico -
estão diante de um dilema: ou exaltar romanticamente o período he­
roico, mítico, primitivamente poético da humanidade, buscando
assim escapar da degradação capitalista do homem mediante um
retorno ao passado (Schelling) ; ou atenuar a contradição do ordena­
mento capitalista, insuportável para a consciência burguesa, numa
Ü ROMANCE COMO EPOPEIA BURGUESA + 201

medida suficiente para tornar possível, pelo menos, uma certa aceita­
ção e um certo reconhecimento deste ordenamento ( Hegel ) . Ne­
nhum pensador burguês superou este dilema teórico, nem mesmo,
como seria de prever, no que se refere à teoria do romance. E os
grandes romancistas só podem figurar de modo correto esta contra­
dição quando, inconscientemente, deixam de lado suas próprias
teorias românticas ou conciliadoras. A estética clássica alemã iden­
tificou a diferença específica entre epopeia e romance; viu, por
exemplo, que, enquanto a objetividade da epopeia antiga é conferida
pelo mito, é a forma específica do romance que lhe fOnfere esta objeti­
vidade ( "o romance só é objetivo graças à sua forma", diz Schelling) .
Contudo, tal estética não foi capaz de tratar concretamente estas
características do romance e não foi além de uma contraposição -
ainda que correta em suas grandes linhas - entre romance e epopeia.
As bases para a construção de uma autêntica teoria científica
do romance foram colocadas, pela primeira vez, na doutrina de Marx
e Engels sobre a arte. Marx deu uma explicação materialista da desi­
gualdade do desenvolvimento da arte com relação ao progresso ma­
terial, bem como da hostilidade do modo capitalista de produção à
arte e à poesia: esta explicação contém a chave para compreender a
desigualdade do desenvolvimento de formas e gêneros literários es­
pecíficos. As ideias gerais de Marx sobre a epopeia antiga e sobre sua
contrafação moderna, contidas na Introdução à crítica da economia
política e nas Teorias da mais-valia, bem como o capítulo do livro de
Fngels sobre A origem da família, da propriedade privada e do Estado
dedicado à desagregação da sociedade tribal, trazem à luz a dialética
do desenvolvimento da forma épica, um de cujos momentos mais
importantes é construído pelo romance.

3. A forma específica do romance

Por suas finalidades e natureza, o romance tem todos os traços


característicos da forma épica: a tendência a adequar o modo da
figuração da vida ao seu conteúdo; a universalidade e a amplitude do
material abarcado; a presença de vários planos; a submissão do
princípio da reprodução dos fenômenos da vida por meio de uma ati-
2 02 • GYORGY LUKÁCS

tude exclusivamente individual e subjetiva diante deles (como é o ca­


so na lírica) ao princípio da figuração plástica, na qual homens e
eventos agem na obra quase por si, como figuras vivas da realidade
externa. Mas todas estas tendências atingem sua plena e completa
expressão somente na poesia épica da Antiguidade, que constitui a
"forma clássica da epopeia" (Marx). Neste sentido, o romance é o
produto da dissolução da forma épica, a qual, com o fim da sociedade
antiga, perdeu o terreno para seu florescimento. O romance aspira
aos mesmos objetivos a que aspira a epopeia antiga, mas não pode
jamais alcançá-los, já que - nas condições da sociedade burguesa,
que constituem a base do desenvolvimento do romance - os modos
de realizar os objetivos épicos tornam-se tão diferentes dos antigos
que os resultados são diametralmente opostos às intenções. A con­
tradição da forma do romance reside precisamente no fato de que este
gênero literário, como epopeia da época burguesa, é a epopeia de uma
sociedade que destrói a possibilidade da criação épica. Mas este fato -
que, como veremos, constitui a causa principal dos defeitos artísticos
do romance quando comparado à epopeia - proporciona-lhe, ao mes­
mo tempo, também uma série de vantagens. O romance abre cami­
nho para um novo florescimento da épica, de cuja dissolução nasce,
gerando com isso possibilidades artísticas novas que a poesia ho­
mérica ignorava.
Schelling tem toda razão quando atribui uma tão grande im­
portância à forma do romance. Byron - que, a despeito de usar uma
forma versificada, escreveu com seu Dom Juan um romance e não
uma epopeia - formulou enfaticamente, desde os primeiros versos, a
oposição entre epopeia e romance sob o ponto de vista da forma. Ele
quer romper com a composição épica, com o início já in media res,
pois quer contar a biografia de seu herói desde o começo. Com isso,
Byron aponta efetivamente para uma característica específica essen­
cial da forma romanesca. Como a epopeia opera com um herói que,
por toda sua psicologia, cresceu sem problemas no seio da sociedade
em que vive, a figuração épica não carece de nenhuma espécie de
explicação genética; por conseguinte, ela pode ter seu começo no
ponto mais favorável ao desenrolar dos eventos épicos. A narração do
passado serve somente aos interesses do relato, à explicitação da ima-
Ü ROMANCE COMO EPOPEIA BURGUESA + 203

gem do mundo, à tensão épica etc., mas não tem em vista uma
explicação do caráter do herói e de sua relação com a sociedade. No
romance, ocorre precisamente o contrário: o passado é absoluta­
mente necessário para explicar geneticamente o presente, o desen­
volvimento ulterior do personagem. Mas Byron aborda o problema
sob um aspecto formal: ele exige a forma biográfica como forma do
romance. Ora, sabe-se que grande parte dos romances clássicos ado­
tam esta forma biográfica; mas seria incidir no formalismo deduzir
da necessidade para o romance do princípio da explicação genética a
conclusão de que a forma biográfica é igualmente necessária. Balzac,
por exemplo, o grande mestre do desenvolvimento genético, põe ex­
pressamente a exigência de começar o romance em qualquer ponto
do desenvolvimento do herói e utiliza também esta variante da figu­
ração em sua prática criadora.
Como vimos, ocorre uma contradição entre teoria e prátiéa no
desenvolvimento do romance, que se manifesta no atraso da teoria
com relação à prática da criação romanesca. Disso se poderia concluir
que, para a construção da teoria do romance com suas particulari­
dades específicas, poderiam servir como material somente as obras
dos grandes romancistas. Contudo, ao lado da teoria por assim dizer
"oficial" dos grandes poetas e pensadores do período revolucionário
da burguesia, encontramos neles também uma teoria "esotérica", na
qual se manifesta, mais do que em sua teoria propriamente dita do
romance, uma mais clara compreensão das contradições fundamen­
tais da sociedade burguesa.
Vejamos um exemplo. Já na Fenomenologia do Espírito, Hegel
indicou a oposição entre o período heroico e o período prosaico da
burguesia, ou seja, a oposição entre a atividade humana espontânea
e a dominação de forças sociais abstratas. Essa indicação serve para
iluminar o caminho que leva da epopeia e da tragédia gregas ao mun­
do da prosa ( Roma). Mas os leitores atentos da Fenomenologia cer­
tamente observaram que esta passagem aparece duas vezes, inicial­
mente nos capítulos que tratam da transição à sociedade burguesa
moderna, ou seja, nos capítulos sobre o "reino humano espiritual" e
sobre "o espírito alienado de si mesmo, a cultura". Estes capítulos
mostram uma atividade espontânea e uma autonomia do homem,
204 + GvôRGY LuKAcs

mas a atividade espontânea tornada alienada de si mesma, defor­


mante e deformada, própria do período de nascimento do capita­
lismo, o da acumulação primitiva. Em tais capítulos, Hegel nada diz
sobre a poesia, em particular sobre o romance e seus problemas
formais, mas não é certamente por acaso que, num momento de­
cisivo de suas considerações, ele cite O sobrinho de Rameau de Diderot
e extraia da estrutura e da forma desta obra-prima importantes
conclusões:
O que no mundo da cultura se experimenta é que não
têm verdade nem as essências efetivas do poder e da riqueza,
nem seus conceitos determinados, bem e mal, ou a cons­
ciência do bem e do mal, a consciência nobre e a consciência
vil; senão que todos estes momentos se invertem, antes,
um no outro, e cada um é o contrário de si mesmo. [ ... ]
Mas a linguagem do dilaceramento é a linguagem perfeita
e o verdadeiro espírito existente de todo este mundo da
cultura.5

Os princípios desta teoria "esotérica" hegeliana do romance


contêm também os princípios da poética "esotérica" de Balzac, que,
na maioria das vezes, ele enuncia pela boca de seus personagens (e,
portanto, na forma atenuada da ironia). Assim, em Ilusões perdidas,
Blondet diz:
Tudo é bilateral no domínio do pensamento... O que
faz Moliere e Corneille serem grandes não é a faculdade de
fazer Alceste dizer sim e Filinte, Otávio e Cinna dizerem
não. Rousseau, na Nova Heloísa, escreveu uma carta a fa­
vor e outra contra o duelo. Você teria coragem de definir
qual era a verdadeira opinião dele? Qual de nós poderia
julgar entre Clarice e Lovelaée, entre Heitor e Aquiles? Qual
é o herói de Homero? Qual foi a intenção de Richardson?

Do ponto de vista prático, esta poética não leva Balza� (nem o


Hegel do período da Fenomenologia) a um ceticismo niilista. Ela
significa apenas que Balzac, em sua obra, desenvolv� até o fundo as
contradições mais profundas da sociedade burguesa e figura a inter­
penetração dinâmica destas contradições como forças motoras desta
sociedade. O fato de que Balzac, como Goethe e Hegel, busque, do
ponto de vista teórico, encontrar um utópico "estado médio" destas
Ü ROMANCE COMO EPOPEIA BURGUESA + 205

contradições e o tenha até mesmo figurado em alguns dos seus ro­


mances não tem aqui importância, já que o significado do autor de A
comédia humana na história do romance reside precisamente no fato
de que, no essencial de sua obra, ele se afastou desta utopia e se ateve
à figuração das contradições existentes. É aqui que estão seu mérito e
sua força.
Contudo, o conhecimento criador das contradições antagôni­
cas como forças motrizes da sociedade capitalista (radicadas, em sua
forma geral, no antagonismo de classe entre proprietários e não­
proprietários) é apenas o pressuposto da forma romanesca, não a
própria forma. Já Hegel havia enunciado que o conhecimento correto
do "estado geral do mundo" é apenas o pressuposto do "princípio
poético" propriamente dito, a premissa da invenção e do desenvolvi­
mento da ação. O problema da ação constitui precisamente o ponto
central da teoria da forma do romance. Todo conhecimento das
relações sociais é abstrato e desinteressante, do ponto de vista da
narrativa, se não se torna o momento fundamental e unificador da
ação; toda descrição das coisas e das situações é algo morto e vazio se
é descrição apenas de um simples espectador, e não momento ativo
ou retardador da ação. Esta posição central da ação não é uma in­
venção formal da estética; ao contrário, ela deriva da necessidade de
refletir a realidade do modo mais adequado possível. Se se trata de
representar a relação real do homem com a sociedade e a natureza
(ou seja, não apenas a consciência que o homem tem dessas relações,
mas o próprio ser que é o fundamento desta consciência, em sua
conexão dialética com esta última) , o único caminho adequado é a
figuração da ação. E isso porque somente quando o homem age em
conexão com o ser social é que se expressa sua verdadeira essência, a
forma autêntica e o conteúdo autêntico de sua consciência, inde­
pendentemente de que ele o saiba ou não, e quaisquer que sejam as
falsas representações que ele tenha desta conexão. A f�ntasia poética
do narrador consiste precisamente em inventar uma história e uma
situação nas quais se expresse ativamente esta "essência" do homem,
ou seja, o elemento típico do seu ser social. Através deste talento in­
ventivo, que pressupõe naturalmente uma profunda e concreta pe­
netração nos problemas sociais, os grandes narradores podem criar
206 • GYORGY LUKÁCS

uma representação global de sua sociedade, a partir da qual - como


diz Engels de Balzac - é possível, "mesmo no que respeita aos
pormenores econômicos", aprender mais do que "e ri-i todos os livros
de historiadores, economistas e profissionais da estatística da época".6
As condições em que surge esta ação, seu conteúdo e sua forma
são determinados pelo grau de desenvolvimento da economia e da
luta de classes no momento em questão. Mas a epopeia e o romance
resolvem este problema central que lhes é comum de modo diame­
tralmente oposto. Para ambos os gêneros, é necessário tornar evidente
as peculiaridades essenciais de uma determinada sociedade por meio
de destinos individuais, das ações e dos sofrimentos de indivíduos
concretos. É nas relações do indivíduo com a sociedade, expressas
através de um destino individual, que se manifestam as características
essenciais do ser histórico-concreto de uma forma social dada. Engels
descreve a grande dame como figura principal dos romances de Balzac
e afirma que, "em torno deste quadro central, [ ele] pinta toda a
história da sociedade francesa".7
Mas, no estágio superior da barbárie, no período homérico, a
sociedade ainda era relativamente unida. O indivíduo situado no
centro da narração podia ser típico ao expressar a tendência funda­
mental de toda a sociedade, e não a contradição típica no interior da
sociedade. A realeza, "ao lado do conselho e da assembleia do povo,
significa apenas a democracia guerreira" (Marx) - e Homero não
mostra nenhum meio' pelo qual o povo (ou uma parte do povo) possa
ser obrigado a fazer algo contra a própria,vontade. A ação da epopeia
homérica é a luta de uma sociedade relativamente unida, de uma
sociedade enquanto coletividade, contra um inimigo externo.
Com a desagregação da sociedade tribal, desaparece da arte
narrativa esta forma de figurar a ação, já que ela desapareceu também
da vida real da sociedade. As características, as ações ou as situações
dos indivíduos não podem mais representar toda a sociedade, ou seja,
não podem se tornar típicos de toda a sociedade. Cada indivíduo
representa agora uma das classes em luta. E são a profundidade e a
justeza com as quais é compreendida uma dada luta de classes em
_
seus aspectos essenciais que permitem resolver o problema da
tipicidade dos homens e de seus destinos. A unidade da vida do povo,
Ü ROMANCE COMO EPOPEIA BURGUESA + 207

que se tornou contraditória, pode ser representada apenas por meio


da apreensão correta das oposições que a constituem, ou seja, como a
unidade destas oposições. As tentativas posteriores de renovar os ele­
mentos formais da antiga poesia épica estão condenadas, na medi­
da em que nascem num nível de desenvolvimento mais elevado das
oposições de classe, a representar a sociedade de um ponto de vista
errôneo, especulativo, como se esta fosse ainda um sujeito unitário.
Uma vez surgida a sociedade de classes, a grande arte narrativa só
pode extrair sua grandeza épica da profundidade e tipicidade das
contradições de classe em sua totalidade dinâmica. Na figuração
épica, estas oposições se encarnam sob a forma de luta dos indivíduos
na sociedade. Disso resulta, em particular no romance burguês mais
tardio, a aparência de que o tema principal seria a oposição entre o
indivíduo e a sociedade. Mas se trata apenas de uma aparência. A luta
dos indivíduos entre si ganha objetividade e verd �de somente porque
os personagens e os destinos dos homens refletem de modo típico e
fiel os momentos centrais da luta de classes. Mas, já que a sociedade
capitalista cria a base econômica para uma ligação multilateral e
recíproca que abarca toda a vida humana (produção social), o ro­
mance do período capitalista pode oferecer um quadro da sociedade
na totalidade viva e dinâmica de suas contradições (produção social e
apropriação individual) . Em Balzac, o amor e o casamento da grande
dame pode ser o eixo em torno do qual se alinham os traços carac­
terísticos de uma transformação de toda a sociedade. As histórias de
amor dos romances gregos (como, por exemplo, Dafne e Cloé de
Longo) , ao contrário, são idílios separados do conjunto da vida so­
cial: os personagens "não passam de simples escravos que não têm
participação no Estado, esfera em que se move o cidadão livre". 8
A dialética do desenvolvimento desigual da arte se manifesta,
contudo, no fato de que esta mesma contradição principal, que cria a
possibilidade da verdadeira ação romanesca - e que faz do romance a
forma artística predominante de toda uma época histórica -, cria ao
mesmo tempo as condições menos favoráveis para a solução central
do problema desta forma artística, ou seja, o problema da ação. O
caráter da sociedade capitalista é de tal natureza que, em primeiro
lugar, as forças sociais se manifestam nela de modo abstrato, im-
208 + GvôRGY LuKAcs

pessoal e inapreensível pela narração poética (decerto, Hegel já havia


notado este fato, mas sem compreender suas causas econômicas e,
portanto, de modo incompleto) . Em segundo lugar, esta natureza faz
com que a realidade burguesa cotidiana frequentemente não favoreça
uma tomada de consciência imediata e clara das contradições sociais
fundamentais; e isto porque, na sociedade burguesa, dominada por
fo rças espontâneas e elementares, n inguém é capaz de tomar
consciência do impacto de suas ações nos demais indivíduos e o
choque de interesses adquire muitas vezes um caráter impessoal.
Portanto, para os grandes romancistas, o problema da forma consiste
em superar esta hostilidade do material com que trabalham, inven­
tando situações nas quais a luta recíproca seja concreta, clara, típica,
sem aparecer como um choque fortuito; só assim, da sucessão desta;
situações típicas, pode ser construída uma ação épica realmente
significativa.
"Personagens típicos em circunstâncias típicas" - assim Engels
define, numa carta sobre Balzac, a essência do realismo no romance.9
Mas esta tipicidade significa, precisamente, o que vemos em Balzac:
um distanciamento da realidade cqtidiana "média" é artisticamente
necessário para obter situações e ações épicas, para encarnar concre­
tamente em destinos humanos as contradições fundamentais da
(

sociedade e evitar que estas apareçam apenas como um comentário


sobre tais destinos. A criação de personagens típicos (e de situações
típicas) significa, portanto, a figuração concreta das formas sociais:
significa um novo renascimento - que não seja pura imitação mecâ­
nica - do pathos da arte e da estética antigas. Hegel define do seguinte
modo a palavra grega pathos, que ele diz ser intraduzível:
Segundo os antigos, pode-se designar com a palavra
pathos as potências gerais que não se manifestam apenas
para si, em sua independência, mas que são igualmente vi­
vas no coração humano e agitam a alma humana até em
suas mais profundas regiõ �s. 1 0

Portanto, o pathos não é simplesmente idêntico à paixão:


decerto, ele se exterioriza na paixão, mas é ao mesrr.. o tempo "uma
potência da alma, legítima em si, um conteúdo essencial da raciona­
lidade". 1 1 O pathos antigo se apoiava na ligação imediata entre o
Ü ROMANCE COMO EPOPEIA BURGUESA + 209

privadq e o público na pólis e, ao mesmo tempo, na unidade imediata,


nos personagens da epopeia e do drama antigos, do universal e do
particular, do típico e do individual. Na vida moderna, esta unidade
imediata é inatingível. A separação entre as funções sociais e as ques­
tões privadas condena toda poesia burguesa do "cidadão" a uma uni­
versalidade abstrata: é precisamente por causa disso que esta poesia
perde seu pathos no sentido antigo da palavra. Mas este fechamento
no privado e o isolamento entre os indivíduos - que, como diz Marx,
é "a realização completa do materialismo da sociedade civil"12 -
tornam-se não um fenômeno casual, mas uma lei universal; e, por
isso, a busca do pathos da vida moderna só pode ter sucesso, até certo
ponto, seguindo esta direção. Assim, ainda nas palavras de Marx,
"quando o sol universal se põe, a borboleta procura a luz da lâmpada
do particular". 13
Os grandes representantes do romance realista começaram
muito cedo a ver na vida privada o verdadeiro material do romance. Já
�ielding se definia como "o historiador da vida privada"; Restif de la
Bretonne e Balzac definiam do mesmo modo a tarefa do romance.
Mas esta historiografia da vida privada só não se rebaixa ao nível da
crônica banal quando, no âmbito privado, manifestam-se concreta­
mente as grandes forças históricas da sociedade burguesa. No prefácio
à Comédia humana, Balzac declara o seu programa: "O acaso é o
maior romancista do mundo; para ser-se fecundo basta estudá-lo. A
sociedade francesa ia ser o historiador; eu nada mais seria que o seu
secretário". 14
Este orgulhoso objetivismo do conteúdo, este grande realismo
na figuração do desenvolvimento social pode se encarnar na obra de
arte somente quando se vai além do âmbito da realidade cotidiana
"média" e o escritor atinge o pathos da vida privada (Balzac) ou "o
materialismo da sociedade burguesa" (Marx) . Mas este pathos só pode
ser encontrado por meio de caminhos muito indiretos e complexos.
As forças sociais que o artista apreende, figurando o seu caráter con­
traditório, devem aparecer como traços característicos dos persona­
gens representados, ou seja, devem possuir uma intensidade de pai­
xão e uma clareza de princípios que não existem na vida burguesa
cotidiana; e, ao mesmo tempo, devem se manifestar como caracterís-
210 + GYôRGY LuKAcs

ticas individuais de um indivíduo concreto. O caráter contraditório


da sociedade capitalista se manifesta por toda parte e a humilhação e
depravação do homem impregnam toda a vida na sociedade burguesa,
tanto subjetiva quanto objetivamente; por isso, quem vive uma expe­
riência apaixonada e profunda até o fim torna-se inevitavelmente
objeto destas contradições, um rebelde (mais ou menos consciente)
que se põe contra a ação despersonalizadora do automatismo da vida
burguesa. Em um de seus prefácios, Balzac observa que os seus leito­
res não compreenderam de modo algum seu personagem pai Goriot
se nele viram apenas resignação: Goriot, ingênuo e ignorante, é a seu
modo tão rebelde quanto Vautrin. Balzac capta aqui perfeitamente o
ponto em que, mediante o pathos, podem nascer uma situação e uma
ação épicas também no romance moderno. Nas figuras de Goriot e
Vautrin (bem como nas da Marquesa de Beauséant e de Rastignac) ,
encarna-se efetivamente u m certo pathos: cada uma destas figuras é
elevada a um nível de paixão tão alto que nelas se manifesta o conflito
interno de um momento essencial da sociedade burguesa; e, ao
mesmo tempo, cada uma delas se encontra num estado de revolta
subjetivamente justificada, mesmo se nem sempre consciente, repre­
.
sentando assim em suas próprias pessoas um momento singular da
contradição social. É somente graças a isso qu� tais figuras se encon­
tram numa relação recíproca viva: as grandes contradiÇões da socieda­
de burguesa adquirem nelas uma forma concreta, como se tais con­
tradições fossem problemas que elas vivem individualmente.
Esta composição do romance, que salva a invenção poética da
destruição provocada p elo deserto prosaico da vida cotidiana
burguesa, não é de modo algum uma partic ularidade individual de
Balzac. O pro cedimento pelo qual Stendhal e Tolstoi põem em
contato, respectivamente, Julien Sorel (j acobino retardatário ) e
Mathilde de la Mole (aristocrata monarquista e romântica) , ou o
príncipe Nekludov e Kátia Maslova, 15 fazendo nascer uma ação épi­
ca, este procedimento está fundado no mesiJo princípio, ainda que
com as diferenças dos métodos criativos de ambos em relação a outras
questões. A unidade entre o individual e o típic9 só pode se mani­
festar claramente na ação. Como diz Hegel, a ação "é a mais clara
manifestação do indivíduo, de sua disposição de espírito e de seus
Ü ROMANCE COMO EPOPEIA BURGUESA + 21 1

objetivos; somente em sua ação torna-se realidade o que o homem é


no mais profundo do seu ser". E esta ação - esta real unidade entre o
homem e o "destino", a unidade entre o homem e a forma de mani­
festação das contradições que determinam o seu destino - é o que lhe
confere a nova forma mediata e indireta do pathos antigo. O perso­
nagem é típico não porque é a média estatística das propriedades
individuais de um certo estrato de pessoas, mas porque nele - em seu
caráter e em seu destino - manifestám-se as características objetivas,
historicamente típicas de sua classe; e tais características se expres­
sam, ao mesmo tempo, como forças objetivas e como seu próprio
destino individual.
A justa compreensão desta unidade determina a fecundidade
dos motivos épicos, sua capacidade de servir como base para o desen­
volvimento de uma ampla ação na qual se manifeste a totalidade de
um mundo. Quanto maior for a concretude com a qual o pathos de
uma figura artística individual se vale com a contradição social que
determina intimamente o seu destino, tanto mais a composição do
romance se aproxima da infinitude épica dos antigos. A Estética de Hegel
apresenta à grande arte épica - e, portanto, também ao romance -
uma exigência j usta, ou sej a, a figuração de uma "totalidade dos
objetos". Isso significa não somente figurar as relações recíprocas
entre os homens, mas também as coisas, as instituições etc., que
mediatizam estas relações dos homens entre si e com a natureza. A
exigência de totalidade significa que a escolha destes objetos não deve
ser arbitrária. Mas isso não significa de modo algum a falsa exausti­
vidade "enciclopédica" de Zola e de muitos escritores de sua escola, já
que estes "objetos" só ganham significação na medida em que media­
tizam relações sociais e humanas, ou seja, para usarmos uma lingua­
gem técnica, na medida em que são momentos da ação romanesca. A
"totalidade dos objetos'', portanto, não é uma justaposição pedante de
elementos isolados de um suposto "meio'', mas nasce - a partir de
uma necessidade do próprio relato - da representação de destinos
humanos, na qual as determinações típicas de um problema social se
expressam com base em uma ação. Como imagem da realidade
social, do desenvolvimento da sociedade, a ação do romance é domi­
nada pela necessidade.
212 + GvôRGY LuKAcs

Mas a verossimilhança da ação, no sentido de uma probabili­


dade média estatística, não tem aqui quase nenhuma importância.
Os grandes romancistas, de Cervantes a Tolstoi, valem-se sempre do
acaso com soberana liberdade; a ligação extrínseca entre as singulares
ações em suas obras é extremamente frouxa. O Dom Quixote é
formado por uma série de episódios singulares, ligados entre si
somente por meio do pathos da figura do protagonista em seu
contraste com Sancho Pança e com a realidade prosaica. Apesar disso,
tem-se aqui a unidade da ação no grande estilo épico, já que os
personagens do romance revelam sua essência de modo sempre con­
creto, agindo em situações concretas. Nos romancistas modernos, ao
contrário, ainda que feitas com habilidade, as construções são vazias
e desconexas no sentido épico, já que as oposições, mesmo quando
bem observadas, permanecem apenas como oposições entre perso­
nagens e concepções e não podem se expressar em ações.
Poderia parecer que o novo pathos como base da composição
romanesca distinga esta composição da epopeia e a aproxime do
drama. O pathos social antigo, que se manifesta de modo imediato,
encontra efetivamente na tragédia sua expressão mais adequada e
pura. Ao contrário, o novo "pathos da vida privada'', que sofre
múltiplas mediações, só pode se manifestar na ação quando são
figurados todos os elos de mediação sob a forma_ de pessoas concretas
e de situações concretas; este pathos, portanto, destrói a forma do
drama. O caráter dramático da composição de alguns romances de
Balzac (e também de Dostoievski) não contradiz esta afirmação; com
efeito, não se pode imaginar um drama que contenha uma riqueza de
detalhes mediadores tão ramificada como aquela que tem lugar no
romance. A debilidade artística dos dramas de grandes romancistas
(Balzac, Tolstoi) não é de modo algum casual. Tampouco é casual o
fato de que a multiplicidade dos personagens contraditórios da vida
burguesa tenha encontrado sua expressão adequada em toda uma
série de grandes romances, ao passo que as tentativas de simplificar e
abreviar esta multiplicidade, submetendo-a à totalidade intensiva do
drama, levaram a um fracasso quase generalizado.
Ü ROMANCE COMO EPOPEIA BURGUESA + 213

4 . O nascimento do romance

Do ponto de vista do conteúdo, o romance moderno nasceu da


luta ideológica da burguesia contra o feudalismo. Mas a nítida
oposição à concepção medieval do mundo, que se manifesta na
totalidade dos primeiros romances, não os impediu de recolher a
herança da arte narrativa medieval. Esta herança está longe de se
esgotar nos enredos aventureiros etc., que o novo romance retoma
em forma satírico-popular ou ideologicamente reelaborada. O novo
romance recolhe da narrativa medieval a liberdade e a heterogenei­
dade da composição de conjunto; a sua dispersão numa série de
aventuras singulares ligadas entre si somente pela personalidade do
protagonista principal; a relativa autonomia destas aventuras, cada
uma das quais se apresenta como uma novela acabada; a amplitude
do mundo representado. Decerto, todos estes elementos são radi­
calmente reelaborados, tanto do ponto de vista do conteúdo quanto
daquele da forma, e não somente nos casos em que são tratados ao
modo da paródia e da sátira. Começam a penetrar na composição
romanesca, com intensidade cada vez maior, elementos plebeus.
Heine tem razão quando considera que este momento é decisivo:
" Cervantes criou o romance moderno quando introduziu no
.romance de cavalaria a figuração fiel das classes subalternas e da vida
popular".
Mas o novo material, cuja apropriação artística levou à criação
da nova forma romanesca, não nasceu apenas desta renovação de­
mocrática da temática de aventuras da velha narrativa, ora apro­
ximada à vida real: é agora a prosa da vida que, ao mesmo tempo,
ingressa no romance moderno. Cervantes e Rabelais, criadores do
romance moderno, refletem em suas obras este importantíssimo
fato, ainda que dele extraiam conclusões diferentes. Tanto a aristo­
cracia de Cervantes quanto o burguês de Rabelais se rebelam, por um
lado, contra a degradação do homem na moribunda sociedade feu­
dal, e, por outro, contra a sua degradação na nascente sociedade
burguesa, embora cada um deles veja a seu modo o caminho para
superar esta dupla degradação. A unidade do sublime e do cômico na
imagem de Dom Quixote - uma unidade que jamais voltou a ser
alcançada - é determinada precisamente pelo fato de que Cervantes,
214 • GYORGY LuKAcs

ao criar bte personagem, luta de modo genial contra as características


principais de duas épocas, uma das quais está substituindo a outra: ou
seja, ao mesmo tempo, contra o heroísmo da cavalaria medieval, cada
vez mais destituído de sentido, e contra a baixeza prosaica da socie­
dade burguesa, que se manifestava claramente desde seus inícios.
Esta espécie de "luta em duas frentes" contém em si o segredo
da inigualável grandeza e, se assim pudermos nos expressar, do
realismo fantástico deste primeiro grande romance. A Idade Média,
esta "democracia da não-liberdade",16 fornece aos escritores, preci­
samente no período de sua dissolução, uma temática de homens e de
situações extremamente rica e variada. Neste período, a autonomia e
a atividade espontânea do homem podem ainda se manifestar de
modo relativamente livre (Hegel considera este período uma espécie
de retorno ao antigo heroísmo e explica corretamente' a grandeza de
Shakespeare com as possibilidades que o período lhe oferecia) . A
prosa da vida burguesa não era nesta época mais do que uma sombra
que incidia sobre a ampla variedade da vida em movimento, uma
vida plena de maravilhosas colisões e aventuras; a limitação da vida
individual, a mutilação do homem pela divisão capitalista do traba­
lho não eram ainda, na época do Renascimento, um fato social
dominante.
Mas esta luta simultânea contra o feudaliSmo e contra a já
anunciada degradação burguesa fornece ao artista muito mais do que
um rico material para a criação. O mundo multicolorido das formas
medievais de vida continua a ser um material rico mesmo quando se
combate com o máximo vigor o seu conteúdo social; e a nascente
sociedade burguesa, com sua nova ideologia, está ainda marcada pelo
pathos da liberação do homem em face da mortificação feudal, da
servidão social e ideológica, da mediocridade e da mesquinhez
econômica e política da Idade Média. Para Rabelais, a inscrição na
porta principal da abadia de Theleme - "faça o que bem quiser" - tem
ainda o pathos legítimo e entusiasmante da libertação da humani­
dade. Este pathos não perde seu valor, nem mesmo aos olhos do leitor
contemporâneo, pelo fato de que o apelo a "fazer o que se quer"
deveria inevitavelmente degenerar em seguida no hipócrita "laisser
faire, laisser passer" da covarde e abjeta burguesia liberal. Na utopia de
Ü ROMANCE COMO EPOPEIA BURGUESA + 215

Rabelais, ainda ecoa o pathos d a luta contra toda mutilação do


desenvolvimento livre e integral do homem, o pathos que inspirou
mais tarde a luta heroica dos jacobinos e levou à brilhante crítica do
capitalismo feita pelos socialistas utópicos, em particular por Fourier.
Portanto, também a luta de Rabelais contra a prosa da nova vida
burguesa não é uma revolta pequeno-burguesa contra os "lados
maus" da civilização (como, mais tarde, o seria nos adversários ro­
mânticos do capitalismo ) . A utopia do "estado médio': da reconci­
liação dos adversários em luta, conserva-se naturalmente como uma
utopia também em Cervantes e em Rabelais; mas, por vir artistica­
mente figurada, ela não requer uma renúncia à representação das
forças antagônicas em toda a sua oposição.
Este ponto de vista permite que o romance em seu nascimento
assuma, em relação à questão do "herói positivo", uma posição intei­
ramente diversa daquela que será possível mais tarde. A essência das
classes dominantes na sociedade burguesa não permite que um
grande e honesto escritor encontre neste ambiente um "herói posi­
tivo". Mas, no período de nascimento do romance burguês, uma
peculiar disposição das oposições sociais, das velhas e novas formas
de sujeição da liberdade e da atividade espontânea dos homens,
permitia ao romancista incluir na figuração do seu herói, apesar de
todas as observações satíricas e irônicas, os traços de uma autêntica
"positividade': No desenvolvimento ulterior do romance, toda "po­
sitividade" do herói é destruída pela crítica, pela ironia e pela sátira,
com tanto maior intensidade quanto mais o crescente domínio da
burguesia leva a uma regressão da individualidade e à formação de
"homens com estreita mentalidade burguesa" (Engels) . Quanto mais
o romance se transforma numa figuração da sociedade burguesa,
numa crítica e autocrítica criativa desta sociedade, tanto mais clara­
mente se manifesta nele o desespero suscitado no artista pelas con­
tradições, para ele insolúveis, de sua própria sociedade (Swift compa­
rado a Rabelais e Cervantes) .
A s particularidades d o Renascimento geram também o estilo
original do romance em sua fase inicial: o realismo fantástico. Os
grandes princípios ideológicos e sociais da época são apreendidos e
representados pelo romancista de modo realista; realistas são os tipos
216 • GYORGY LUKÁCS

figurados, os quais, por meio da heterogênea variedade das aventuras,


são levados pelo artista a autênticas ações, a uma verdadeira
explicitação de sua essência; realista é o modo da escrita, o traçado
preciso dos detalhes necessários em sua ligação orgânica com as
grandes forças sociais, cuja luta se manifesta nestes detalhes. Mas a
história narrada é conscientemente não realista e, sim, fantástica. Este
elemento fantástico nasce neste caso, por um lado, da visão utópica
das grandes forças da época, e, por outro, da comparação satírica do
velho mundo em dissolução e do novo que está nascendo a partir dos
princípios de l uta pela libertação do homem. Como veremos em
seguida, este fantástico não tem ainda em si nada de romântico, pois
não se trata de um desesperado combate de retaguarda contra a prosa
da vida capitalista; ao contrário, ele está ainda impregnado da alegre
energia revolucionária da nova sociedade em gestação. E este fantás­
tico não se contrapõe ao realismo e não constitui algo contrário, nem
sequer do ponto de vista artístico, ao realismo geral da composição; ao
contrário, funde-se com ele num todo orgânico: tem sua fonte na
grandeza da concepção de conjunto destes escritores, em sua capaci­
dade de apreender e figurar de modo justo as características verda­
deiramente decisivas de sua época, sem levar em conta a verossimi­
lhança exterior das situações e da combinação em que elas se mani­
festam. A luta contra a Idade Média, acompanhada ao mesmo tempo
pela apropriação de sua herança temática e form Íl, torna possível a
Cervantes e Rabelais cultivarem este original realismo fantástico.
Mesmo os escritores que dedicaram sua atividade à luta contra o feu­
dalismo num período mais tardio puderam ainda, embora de forma
atenuada, prosseguir na linha deste realismo fantástico (os romances
de Voltaire) . As viagens de Gulliver, de Swift, são uma transição origi­
nal entre o tipo rabelaisiano de realismo e aquele que seria próprio de
Defoe; do ponto de vista formal, há uma continuidade com a linha de
Rabelais, mas o caráter puramente satírico do realismo de Swift já
abre uma nova fase no desenvolvimento do romance.
Ü ROMANCE COMO EPOPEIA BURGUESA + 2J 7

5. A conquista da realidade cotidiana

A visão amarga e pessimista que Swift tem da sociedade


burguesa é quase única no século XVIII; também é única a sua forma
satírico-fantástica, que se situa fora da corrente principal do desenvol­
vimento do romance no maior país capitalista, a Inglaterra, bem co­
mo na França. Não é que os demais escritores mostrem em suas obras
fatos menos negativos, situações menos terríveis e quadros menos
cruéis do "reino \).nimal do espírito" 17 da sociedade burguesa nascen­
te, em seu período de acumulação primitiva. Nas obras de Defoe e de
Lesage, de Fielding e de Smollett, de Restif e de Lados, e mesmo de
Richardson e Marivaux, ainda que sob forma diversa em cada um de­
les, é figurado de modo realista um mundo que, em seu conteúdo,
poderia fornecer um material mais do que suficiente para justificar o
pessimismo de Swift. Mas o tom fundamental de toda a figuração
nestes escritores é diverso daquele de Swift: trata-se de mostrar a
vitória da tenacidade e do mérito burgueses sobre o caos da sociedade
que está superando os restos do feudalismo e de evocar o terrível qua­
dro, sórdido e sangrento, da acumulação primitiva. Walter Scott diz
do Gil Blas de Lesage: "Este livro deixa no leitor um sentimento de sa­
tisfação consigo mesmo e com o mundo". E também o Moll Flanders
de Defoe, bem como a maioria dos outros grandes romances deste pe­
ríodo, se concluem com um final feliz. Portanto, os escritores têm
, uma atitude positiva em face de sua própria época e de sua própria
classe, que estava realizando uma grande transformação histórica.
Mas esta autoafirmação da burguesia vem ao lado de uma grande
dose de autocrítica: todos os horrores, todas as abominações da acu­
mulação primitiva na Inglaterra, bem como a desagregação moral e o
arbítrio do absolutismo na França, são desmascarados através de im­
piedosas imagens realistas. Aliás, pode-se dizer que, com a figuração
destas dores do parto da sociedade capitalista, surge o romance realista
no sentido estrito da palavra - e que, pela primeira vez, a realidade
cotidiana é conquistada pela literatura.
O romance abandona o vasto campo do fantástico e se volta
decisivamente para a figu�ação da vida privada do burguês. É neste
período que se manifesta, em toda a sua clareza, a tentativa do roman-
218 • GYôRGY LUKÁCS

cista de se tornar o historiador da vida privada. Os amplos horizontes


históricos do romance em seus inícios se restringem; o mundo do
romance se limita cada vez mais à realidade cotidiana da vida
burguesa e as grandes contradições motrizes do desenvolvimento
histórico-social são figuradas apenas na medida em que se manifes­
tam de modo concreto e ativo nesta realidade cotidiana. Mas estas
contradições continuam a ser figuradas. E o realismo da vida cotidia­
na, a recém-descoberta "poesia da realidade cotidiana", a vitória dª
poesia sobre esta realidade prosaica, tudo isso não passa de um meio
para a figuração concreta e viva dos grandes conflitos sociais da épo­
ca. Portanto, este realismo está muito longe de ser uma simples cópia
da realidade cotidiana, uma simples reprodução de seus traços exte­
riores, ao contrário do que era frequentemente exigido pela estética
oficial da época. Com clara consciência, os romancistas tendem a
uma figuração realista do típico, a um realismo para o qual a cuida­
dosa figuração dos detalhes não é mais do que um meio. Fielding diz
claramente que o retrato de pessoas vivas, mesmo que plenamente
bem realizado em sentido artístico, não tem nenhum valor se as pes­
soas figuradas não são tipos. Ele cita ironicamente o exemplo de um
seu conhecido que fizera fortuna sem recorrer a fraudes e trapaças;
decerto, diz Fielding, este homem existe na realidade, mas não pode
se tornar o herói de um romance. O princípio do , típico, porém, que
está na base do grande realismo, não se manifesta apenas nesta
escolha negativa. Fielding continua:
Embora todo bom autor deva se manter nos limites da
verossimilhança, não é absolutamente necessário que seus
personagens e suas peripécias sejam cotidianas, ordinárias
ou vulgares, como as que têm lugar em qualquer rua e
qualquer casa ou podem ser encontradas nos aborrecidos
'
artigos dos j ornais.

Estes escritores triunfam contra a prosa cada vez mais intensa


da vida por meio da força, da energia e da espontaneidade de seus
heróis típicos. Os grandes realistas desta época veem até que ponto o
homem se tornou um joguete das forças econômico-sociais e em que
escassa medida a sua vontade e as regras morais influem em seu
destino. Apesar disso, o caráter poético de.Gil Blas, de Tom Jones e de
Ü ROMANCE COMO EPOPEIA BURGUESA + 2J 9

Moll Flanders18 nasce de sua enérgica atividade de representantes


típicos de uma classe em ascensão: a sua vida, cujos eventos e proces­
sos são determinados por estas forças econômico-sociais, sofre vários
abalos, mas, apesar de tudo, eles chegam com êxito à outra margem
do rio. Com a sociedade capitalista, nasce a dominação da natureza
pelo homem; mas, no início, por mais terrível que seja sua manifesta­
ção concreta, as forças sociais ainda não atingiram aquele ponto de
absoluta alienação do pensamento e da vontade do homem, que seria
o traço próprio da sociedade capitalista já consolidada e funcionando
de modo automático. Byron define Fielding como "o Homero em
prosa da natureza humana". Por razões sobre as quais voltarei em
seguida, este juízo é exagerado. Mas não há dúvida de que, nas melho­
res partes dos maiores romances desta época, há uma espécie de
aproximação à antiga epopeia. Assim, por exemplo, a luta do homem
com a natureza, enquanto símbolo do nascente domínio da natureza
pela sociedade, é figurada na primeira parte do Robinson Crusoé de
Defoe com uma força épica incomparável, aproximando-se efetiva­
mente, algumas vezes, da poesia das coisas próprias da epopeia antiga.
Esta poesia se manifesta em numerosos e importantes romances des­
te período. Trata-se do reflexo literário, da configuração épica do cará­
ter progressista da liberação das forças produtivas pelo capitalismo
em luta pela supremacia social. Este caráter progressista continua
ainda a ser aqui o fator predominante, mesmo em meio a todos os
horrores produzidos pelo desenvolvimento capitalista. No Robinson,
este momento é quase inteiramente dominante, mas sem que por
isso as contradições sejam apologeticamente encobertas; disso resulta
sua peculiar poesia, que se manifesta igualmente, ainda que de modo
menos perceptível e claro, nos demais romances deste período.
Este empenho vitorioso dos heróis dos primeiros romances
realistas tem em si um certo traço de "mediação" entre as grandes
contradições da época e, sem dúvida, lhes atribui um caráter relativa­
mente "positivo". Mas o estreitamento do horizonte com relação aos
grandes romancistas do primeiro período já se manifesta muito clara­
mente na questão do caráter positivo do herói. Este caminho descen­
dente não deve de modo algum ser atribuído a um menor talento dos
escritores, mas tem sua explicação no crescente avanço do capitalis-
220 • GYôRGY LUKÁCS

mo e na consequente degradação do homem. A "positividade" do he­


rói paga um preço: o da tendência à limitação e à mediocridade. Não
penso apenas na aborrecida religiosidade puritana de Robinson; em
Gil Blas e Tom Jones, as maiores figuras artísticas desta época, até
mesmo a energia da atividade espontânea já tem uma certa marca da
mediocridade burguesa. Esta tendência não é uma questão de talento
individual do escritor. Isso pode ser visto, em primeiro lugar, no fato
de que, na França menos desenvolvida do ponto de vista capitalista, a
figura de Gil Blas pôde restar menos contamínada por esta limitação,
o que não se pode dizer de nenhum personagem criado p elos
escritores ingleses, embora, como realistas, estes superassem Lesage.
Em segundo lugar, os heróis de todos estes romances, apesar de sua
positividade do ponto de vista burguês, tornaram-se, no decurso do
ulterior desenvolvimento da burguesia, cada vez mais inaceitáveis
por ela como heróis positivos (veja-se, por exemplo, a crítica a Tom
fones feita por Thackeray) .
A crescente onda da reificação capitalista, a estandardização do
modo de vida e o nivelamento do indivíduo geram, no âmbito do
romance realista, as mais variadas formas de expressão do protesto
subjetivo. Nasce assim, entre outras coisas ( como, já genialmente
observara Schiller) , a tendência ao idílio como figuração de uma
"ingênua" relação total do homem com a natureza, algo que a civi­
lização burguesa nega de modo inevitável e impiedoso. Mas a gran­
deza da época em questão se manifesta no fato de que até mesmo as
narrativas idílicas desta época têm um caráter combativo e de protesto
(O vigário de Wakefield, de Goldsmith) . É precisamente nos romances
que expressam este protesto subjetivo e sentimental que se revela do
modo mais claro que os grandes escritores deste período, ao lado da
crítica das sobrevivências da velha sociedade, fornecem uma auto­
crítica da própria classe que constrói a nova sociedade. Podemos ver
aqui que, quanto mais enérgica for esta luta contra o velho ordena­
mento, quanto mais a conquista criadora da vida espiritual dos perso­
nagens representados se vincular à luta contra as convenções mortas
e mortificantes da sociedade aristocrática feudal, tanto mais ampla e
profunda se torna a figuração artística (Richardson, Abade Prévost,
Diderot, Sterne) . Trata-se da luta que a burguesia trava, em nome de
Ü ROMANCE COMO EPOPEIA BURGUESA + 22 1

toda a sociedade, a favor da autonomia e da atividade espontânea dos


sentimentos humanos. Contudo, quanto mais esta tendência se
interioriza, quanto mais se expressa no protesto lírico da individua­
lidade humana contra a prosa da vida material, tanto maior será a
força com que ela desagrega a forma da narrativa; quanto mais a líri­
ca, a análise e à descrição suplantarem o personagem, a situação e a
ação, tanto mais serão liquidadas as grandes tradições da representa­
ção realista da realidade e toda esta tendência se tornará o prenúncio
do romantismo.
Rousseau e o Goethe do Werther são a expressão mais con­
centrada destas tendências. Mas, embora em parte eles preparem
a desagregação romântica da forma do romance, ainda estão longe
dela. Contudo, há componentes preponderantes em seus romances -
como as cartas, os diários, as confissões, as descrições líricas da pai­
xão etc. - que já começam a dissolver a forma épica do romance. A
impotência prática do homem para penetrar, através de uma ação
espontânea, o mundo capitalista cada vez mais fetichizado leva à
tentativa de encontrar, para a conturbada subjetividade humana, um
ponto de apoio dentro dela mesma, de criar para ela um mundo pró­
prio, de vida interior, "independente" e não reificado. Em Laurence
Sterne, esta tendência encontra pela primeira vez uma claríssima
expressão. Ele transforma o elemento fantástico objetivo dos velhos
romances num fantástico subjetivo; e as combinações dos traços au­
tênticos da realidade se convertem nele numa bizarra ornamen­
talidade formal. Ele rompe conscientemente com a unidade da
narrativa a fim de criar, mediante arabescos fantásticos, uma unidade
subjetiva, uma unidade dos estados de espírito contrastantes da com­
paixão e da ironia; tais contrastes tornam-se agora o espelho no qual
se refletem as contradições objetivas. A base ideológica desta disso­
lução da forma é o deslocamento relativista das contradições reais da
vida para o "coração do poeta": Sterne relativiza o contraste entre Dom
Quixote e Sancho Pança, mostrando que cada um dos irmãos Shandy
une em si mesmo os dois personagens de Cervantes, já que cada um
deles é o Dom Quixote dos próprios ideais e o Sancho Pança dos
ideais alheios. Este extremo relativismo subjetivista de Sterne ex­
pressa uma característica, muito importante e cada vez mais intensa,
222 • GYORGY LUKÁCS

da ideologia burguesa: sua reação ao poder crescente da prosa da


existência. Por isso, Friedrich Schlegel está certo quando aponta em
Sterne "a poesia natural das classes superiores de nossa época".

6. A poesia do "reino animal do espírito"19

Como diz Marx em O 18 brumário, a Revolução Francesa foi o


término do período heroico do desenvolvimento da burguesia:
Uma vez estabelecida a nova formação social, os colos­
sos antediluvianos desapareceram; e, com eles, a Roma
ressuscitada [ .. ] . Inteiramente absorta na produção da ri­
.

queza e na concorrência pacífica, a sociedade burguesa não


mais se apercebia de que fantasmas dos tempos de Roma
haviam velado seu berço. 20

No período situado entre a Revolução Francesa e o ingresso


autônomo do proletariado na arena da história universal, a ideologia
burguesa se eleva pela última vez às grandes sínteses sistemáticas
(Hegel, Ricardo, os historiadores franceses da época da Restauração) ;
algo similar pode ser dito d o romance. A figuração d a realidade
cotidiana, que havia alcançado tão grande perfeição no romance do
século XVIII, transforma-se agora num mero p rocedimento artístico,
num meio de expressão épico-monumental do caráter já então tragi­
camente inconciliável das contradições capitalistas. Em certo senti­
do, pode-se dizer que o romance volta ao fantástico de seu período
inicial, mas este fantástico torna-se agora o realismo fantástico das
evidentes contradições da vida burguesa; o pathos otimista se
transforma em pressentimento trágico do fim inevitável da civiliza­
ção burguesa. (No desenvolvimento do romance russo, a Revolução
de 1 905 desempenha o mesmo papel que junho de 1 848 na Europa
Ocidental. 21 Os grandes representantes do romance russo, de Pushkin
a Tolstoi, correspondem portanto a um estágio de desenvolvimento
do romance análogo àquele de Goethe, Balzac e Stendhal.)
Mas o novo realismo fantástico se distingue do anterior porque
passou pela experiência do romantismo. Decerto, é impossível forne­
cer aqui uma caracterização social e ideológica do movimento ro­
mântico europeu; limito-me, portanto, a mencionar o que é absolu-
Ü ROMANCE COMO EPOPEIA BURGUESA + 223

tamente necessário para a compreensão do desenvolvimento do ro­


mance. A multiplicidade de versões do movimento romântico deve­
se ao fato de que ele é uma combinação, dosada de modo diverso em
diferentes escritores e grupos, de uma recusa reacionária da Revo­
lução Francesa com um protesto confuso contra a reificação morti­
ficante trazida pelo capitalismo vitorioso. A luta contra a prosa da vi­
da burguesa adquire no romantismo um caráter reacionário, voltado
para o passado; mas, dado que as correntes sociais das quais o ro­
mantismo é expressão ideológica conservam-se sempre, consciente
ou inconscientemente, no terreno da realidade burguesa, também o
protesto romântico contra a prosa burguesa se baseia inevitavelmente
na aceitação tácita da reificação capitalista, quase como se esta fosse
um "destino" inelutável. Disso resulta que, no domínio da arte e da
teoria artística - e, portanto, também no campo do romance -, o
romantismo não pode nem mesmo tentar superar o caráter prosaico
da vida mediante um método criativo que permita descobrir na
realidade social os elementos de uma atividade humana espontânea,
que esta realidade ainda conserva, e de torná-los assim objeto de uma
ampla figuração realista. Ao contrário, o romantismo do século XIX
perpetua uma oposição cristalizada entre prosa objetiva e poesia
subjetiva, reduzindo-se assim a um protesto impotente contra esta
prosa.
Esta degradação socialmente determinada do princípio poé­
tico, rebaixado ao nível de uma subjetividade impotente, manifesta­
se na literatura romântica seja na escolha temática de sistemas sociais
que ainda não foram tocados pelo capitalismo (os romances histó­
ricos de Walter Scott); seja na contraposição entre o princípio poético
e aquele prosaico mediante uma forma exageradamente fantástica
( E. T. A. Hoffmann, E. A. Poe etc.); seja no abandono absoluto do
terreno da realidade social, na tentativa de criar livremente, a partir
do sujeito, a realidade poética como uma particular esfera "mágica"
(Novalis) ; seja, finalmente - e este é o momento mais importante
para o desenvolvimento ulterior do romance -, num exagero simbó­
lico- fantástico da reificação cristalizada do mundo exterior, na
tentativa de, mediante esta estilização simbólica, depurá-la do caráter
prosaico e torná-la de novo poética. O canhão que rompe suas
224 • GYôRGY LUKÁCS

amarras e termina na ponte do navio, no 1793 de Victor Hugo, é


talvez o exemplo mais expressivo desta estilização. O canhão, escreve
Hugo,
[ ... ] torna-se inesperadamente uma espécie de besta sobre­
natural. É uma máquina que se transforma num monstro.
[ . . ] Dir-se-ia que este eterno escravo se vinga; parece que
.

a raiva que está nos objetos que chamamos de inertes su­


bitamente emerge e explode. [ .. ] Não podemos matá-lo
.

porque ele é morto. Mas, ao mesmo tempo, é vivo. E vive


da vida sinistra que lhe vem do infinito.22

O romantismo - que escreve em sua bandeira a luta impla­


cável contra a prosa da vida moderna - leva, no final das contas, a uma
capitulação incondicionada a essa prosa "fatal", terminando, inclusi­
ve, por se converter numa glorificação simbólica ( involuntária, na
maior parte das vezes) , numa apologia poética desta aborrecida e
condenada prosa da vida.
Não há um só escritor importante, neste período de desenvolvi­
mento do romance, que esteja inteiramente isento de influências
românticas. Nesta influência profunda e generalizada do romantis­
mo na literatura burguesa da época da Revoluçãq Francesa, mani­
festa-se a necessidade social que produziu as tendências românticas.
Mas os grandes escritores desta época são grandes precisamente
porque não capitulam, sob a aparência de uma oposição intransi­
gente, diante da crescente prosa da vida burguesa, mas buscam
descobrir e figurar, por meio de múltiplas formas, os elementos que
. ainda sobrevivem de uma atividade espontânea dos homens. A luta
destes escritores contra a degradação do homem na ordem capitalista
consolidada é mais profunda do que a luta dos românticos preci­
samente porque ela é mais vital e evita um pretenso "radicalismo".
Mas as tendências românticas estão presentes em todos eles enquanto
momentos (parcialmente) superados. Mas só "parcialmente". Embo­
ra os grandes escritores realistas do século XIX superem o romantis­
mo, na medida em que sua luta criadora contra a degradação do ho­
mem penetra muito mais profundamente do que o fazem os românti­
cos no interior do mundo objetivo, eles não superam inteiramente a
herança romântica. Querendo ou não, eles são obrigados, quando
Ü ROMANCE COMO EPOPEIA BURGUESA + 225

não podem derrotar o caráter reificado das formações sociais, a


recorrer aos meios da estilização romântica.
Ambas as formas de superação do romantismo, a verdadeira e
a aparente, manifestam-se claramente em Balzac. Mas esta ambigui­
dade dos grandes escritores deste período em face do romantismo
manifesta-se de modo muito diferenciado em cada um deles. Todos
podem ser criticados por fazerem concessões, por um lado, à prosa da
vida, e, por outro, ao subjetivismo romântico. Esta dupla crítica do
romance clássico já aparece nos debates sobre o Wilhelm Meister de
Goethe. Numa carta endereçada a Goethe, na qual resume sua im­
pressão final, Schiller escreve que o aparato romântico deste roman­
ce, apesar de toda a habilidade artística de Goethe, terá o efeito apenas
de um "jogo teatral", de um "procedimento artificioso", enquanto
Novalis, como romântico coerente, recusa esta obra de Goethe como
"um Cândido dirigido contra a poesia":23 "Trata-se de uma história
doméstica e burguesa poetizada. [ . . . ] O espírito deste livro é o ateísmo
artístico. Ele é construído com grande habilidade; mas o fato é que se
obtém um efeito poético com um material poético barato".
Esta duplicidade na luta dos melhores pensadores e artistas
contra a degradação do homem na ordem capitalista - duplicidade
que resulta, em última instância, do fato de que esta luta se trava
inevitavelmente no terreno burguês, enquanto o conhecimento das
causas desta degradação tende a romper com todos os limites
burgueses - determina a posição dos escritores na questão do herói
"positivo". A exigência hegeliana de que o romance eduque o leitor
para a realidade burguesa deveria levar, em última instância, à criação
de uma personalidade positiva proposta como modelo. Mas este herói
positivo, como certa feita se expressou cinicamente Hegel, seria não
um herói, mas
[ . . . ] um filisteu como os outros: [ ] a mulher, outrora
...

adorada como um ser único, comporta-se mais ou menos


como todas as outras mulheres, o emprego obriga ao tra­
balho e gera aborrecimentos, o casamento transforma-se
num calvário doméstico; é, em suma, o despertar depois
da juvenil embriaguez.24

Deste modo, a realização da exigência hegeliana levaria


inevitavelmente à banalidade; e, para realizá-la de modo poético, seria
226 + GYORGY LuKAcs

preciso pôr em ação a dialética irônica desta realização (ver o epílogo


de Guerra e paz, de Tolstoi). Em geral, por razões que já mencionei, a
conciliação das contradições sociais só pode se tornar um elemento
da composição do romance quando ela não é efetivamente realizada,
ou sej a, quando o autor figura algo diverso e maior do que esta
conciliação dos opostos, isto é, sua trágica impossibilidade. O in­
sucesso das intenções conscientes do escritor, a figuração artística de
uma realidade diversa daquela projetada, constitui precisamente a
grandeza dos escritores neste período de desenvolvimento do
romance.
Caracterizando Tolstoi como "espelho da revolução russa'',
Lenin descreve com grande clareza esta relação paradoxal entre a
intenção do artista e sua obra:
Como se pode chamar de espelho o que não reflete
absolutamente os fenômenos de modo justo? Mas nossa
revolução é um fenômeno extremamente complexo; entre
a massa de seus executores e participantes diretos, há mui­
tos elementos que não compreenderam o que estava acon­
tecendo. [ .. ] Tolstoi refletiu o intenso ódio, a aspiração já
.

amadurecida no sentido de uma vida melhor, o desejo de


livrar-se do passado, bem como a imaturidade das fanta­
sias, a falta de educação política, a fraqueza diante da re­
volução. 25

Estas profundas observações críticas valem também, mutatis


mutandis, para Balzac e Goethe; com efeito, Engels adotou o mesmo
ponto de vista metodológico para criticá-los. Diz-se do herói de
Wilhelm Meister que ele partiu como Saul em busca das jumentas do
seu pai e terminou por encontrar um reino; mas seria possível dizer,
com ainda maior justeza, em referência a estes romances clássicos,
que seus criadores efetivamente buscaram e encontraram as jumen­
tas (a utopia do "estado médio" ) , mas que, no caminho desta busca,
descobriram e figuraram o reino das contradições históricas da socie­
dade capitalista.
A representação destas contradições, insolúveis no capitalis­
mo, torna possível - nas obras bem-sucedidas - a figura do herói
"positivo". Em um dos seus prefácios, Balzac escreve que seus ro-
Ü ROMANCE COMO EPOPEIA BURGUESA + 227

mances teriam fracassado se, para o leitor, as figuras de César


Birotteau, Pierrette, Madame de Mortsàuf etc., não fossem mais
atraentes, por exemplo, do que as de Vautrin ou Lucien de Rubempré.
Na verdade, os romances de Balzac são bem realizados precisamente
porque isso não ocorreu. Quanto mais profugdamente o artista
descobre as contradições da sociedade burguesa, quanto mais des­
mascara impiedosamente a baixeza e a hipocrisia desta sociedade,
tanto menos exequível se torna a cínica exigência hegeliana de um
herói "positivo" filisteu. Já vimos que os heróis "positivos" do
romance do século XVIII ( que eram livres e vigorosos, ainda que
limitados) torn à� -se cada vez mais inaceitáveis, no século XIX,
como heróis positivos. A exigência de criar um herói "positivo" torna­
se, para a burgu,esia do século XIX, cada vez mais apologética, ou seja,
a exigência de que o escritor não descubra as contradições, mas as
mascare e as concilie. Gogol pronunciou-se contra esta exigência:
Não me entristece que não estejam satisfeitos com meu
herói; o que me entristece é que esteja alojada na alma a
invencível certeza de que os leitores possam estar igualmente
satisfeitos com esse mesmo Tchitchkov: Se o autor não
tivesse olhado para dentro da alma do personagem, se
não houvesse remexido até o fundo o que escapa à atenção
geral e se oculta, não teria revelado os pensamentos mais
secretos, aqueles que nenhum homem confia a outro; se
o tivesse mostrado como ele aparecia a toda a cidade, a
Mánolov e aos outros, então todos ficariam felizes e conten­
tes e o considerariam uma pessoa interessante.26

Com estas palavras, Gogol evidencia com clareza a problemá­


tica social fundamental do romance moderno: aquilo a que aspiram
os grandes escritores enquanto representantes das tendências histó­
rico-universais progressistas da revolução burguesa contradiz as exi­
gências instintivas feitas à literatura pelo homem médio da sociedade
burguesa. O que faz a grandeza dos clássicos do romance burguês é
precisamente o que os afasta da maioria dos membros de sua própria
classe: é o caráter revolucionário de suas aspirações o que os torna
impopulares no ambiente burguês.
228 • GYORGY LUKÁCS

7. O "novo" realismo e a dissolução da forma romanesca

Ao lado do grande romance, sempre existiu uma literatura


meramente agradável. Ela jamais enfrentou seriamente os grandes
problemas sociais, mas limitou-se a reproduzir o mundo tal como
ele se reflete na consciência burguesa média. No período de ascensão
da burguesia, contudo, a oposição entre esta literatura meramente
agradável e o grande romance não era de modo algum tão nítida
quanto veio a se tornar no período da decadência burguesa. No plano
da escrita, a velha literatura agradável ainda vivia das tradições da
robusta arte narrativa popular; em sentido social, só raramente ela
caía numa apologética grosseira e mentirosa. As coisas se passam de
modo inteiramente diverso no período da decadência da burguesia. A
apologia se torna o traço cada vez mais predominante da ideologia
burguesa: quanto mais emergem de modo nítido as contradições do
capitalismo, tanto mais grosseiros se tornam os meios utilizados para
glorificá-lo de modo mentiroso e para caluniar o proletariado revolu­
cionário e os trabalhadores rebeldes. Em consequência, no período
posterior a 1 848, o romance sério, verdadeiramente artístico, tem de
se posicionar contra a corrente dominante e se afastar cada vez mais
da ampla massa dos leitores de sua própria classe. Esta posição
oposicionista, quando não leva a uma adesão à causa do proletariado,
cria em torno do escritor burguês uma atmosfera de isolamento
social e artístico cada vez mais profundo. Ao contrário dos escritores
do período anterior, eles não podem mais viver a vida da sociedade, a
vida de sua própria classe, nem participar de suas lutas: transformam­
se em observadores de uma realidade social que lhes é, em maior ou
menor medida, estranha e hostil.
Devido a esta situação, os grandes escritores deste período só
podem recolher do passado a herança do romantismo. A relação viva
entre eles e as grandes tradições do período ascendente da burguesia
se debilita de modo crescente; mesmo quando se sentem herdeiros
destas tradições e estudam com afinco o seu legado, encaram-no cada
vez mais de um ponto de vista romântico. Flaubert é o primeiro e, ao
mesmo tempo, o maior representante deste novo realismo que busca
o caminho de uma apropriação artística da realidade burguesa em
Ü ROMANCE COMO EPOPEIA BURGUESA + 229

oposição a uma apologética vulgar e mentirosa. A fonte artística do


realismo flaubertiano reside no ódio e no desprezo pela realidade
burguesa, que ele observa e descreve com extraordinária exatidão em
suas manifestações humanas e psicológicas; mas, ao analisá-las, ele
não vai além da polarid(\de cristalizada das contradições que
emergem à superfície, sem penetrar em suas conexões essenciais
mais profundas. O mundo que ele figura é o mundo da prosa
definitivamente consolidada. Tudo o que é poético existe doravante
somente no sentimento subjetivo, na revolta impotente dos homens
(dos "jovens" de Hegel) contra a prosa da vida; a ação do romance
pode consistir apenas na figuração do modo pelo qual este sen­
timento de revolta, a priori impotente, é esmagado por esta vil prosa
burguesa. De acordo com esta concepção fundamental, Flaubert
introduz em seus romances o mínimo de ação possível; descreve
eventos e homens que quase não superam o nível da realidade bur­
guesa cotidiana, sem fornecer ao leitor nem um enredo épico nem
situações e personagens concretos. Já que o ódio e o desprezo pela
realidade descrita constituem o ponto de partida de seu método
criativo, ele renuncia conscientemente ao modo narrativo caracterís­
tico de todos os velhos realistas ( um modo que, nos maiores dentre
eles, aproxima-se mesmo do estilo da epopeia) . Esta arte da narração
é substituída, em Flaubert, pela descrição refinada de detalhes
sofisticados. A banalidade da vida, contra a qual se insurge romanti­
camente este realismo, é figurada num plano puramente "artístico":
não são as características objetivamente importantes da realidade que
se encontram no centro da atenção do artista, mas a banalidade
cotidiana, que ele recria por meio da revelação artística de seus de­
talhes mais vistosos.
A essência da herança romântica reside sobretudo no falso
dilema entre objetivismo e subjetivismo. O dilema é falso porque es­
te subjetivismo e este objetivismo são igualmente vazios, inflados e
coagulados. Mas o dilema era inevitável porque sua origem não está
na individualidade deste ou daquele artista, ou em sua ausência de
honestidade ou de talento, mas tem sua base na situação social do
intelectual burguês no período da decadência ideológica da bur­
guesia. Subjetivismo vazio e objetivismo inflado são as categorias que
230 • GYORGY LUKÁCS

aparecem necessariamente na superfície do mundo fenomênico do


capitalismo consolidado. Fechados no círculo mágico deste mundo
objetivo e necessário dos fenômenos, é em vão que os grandes escrito­
res realistas deste período buscam encontrar um terreno objetivo
sólido para sua criação realista e, ao mesmo tempo, conquistar para a
poesia, a partir das forças interiores do sujeito, um mundo que se
tornou prosaico.
A intenção consciente de Zola é superar as tendências român­
ticas; mas isto ocorre apenas na intenção, apenas em sua própria
imaginação . Ele quer que o romance tenha uma base científica;
propõe substituir a fantasia e o arbítrio inventivo pelo experimento e
pela documentação. Mas esta cientificidade não é mais do que uma
variante do realismo romântico, sentimental e paradoxal de Flaubert:
com Zola, passa a predominar o aspecto pseudo-objetivo do roman­
tismo. É verdade que Goethe e Balzac encontraram nas ideias cientí­
ficas de Geoffroy de Saint-Hilaire muitos estímulos úteis para exp\i­
car seu próprio método criativo de figuração da sociedade; mas o fato
é que, neles, esta influência científica não fez mais do que reforçar
uma tendência dialética que já existia, ou seja, a tendência a descobrir
as principais contradições da sociedade. Ao contrário, a tentativa de
Zola de usar neste sentido as ideias de Claude Bernard levou-o apenas
a um registro pseudocientífico dos sintomas do desenvolvimento ca­
pitalista e não o fez penetrar nos fundamentos deste processo. (Paul
Lafargue observa corretamente que, para a prática literária de Zola, o
vulgarizador Lombroso contou muito mais do que Claude Bernard. ) .
Experimentação e documentação significam, n a prática, que Zola
não participa da vida do mundo, não figura no romance suas próprias
experiências de vida e de luta, mas se aproxima de um complexo
social como um repórter (na justa observação de Lafargue) que tem
como objetivo descrever tal complexo. O universo de Zola é o canhão
louco de Victor Hugo, do qual já falamos, tornado prosaico.
Zola descreve com muita exatidão o modo como escreveu seus
romances; de resto, segundo ele, este é o modo _como devem ser
escritos os romances realistas. Diz ele:
Um de nossos romancistas naturalistas quer escrever
um romance sobre o mundo dos teatros. Parte desta ideia
Ü ROMANCE COMO EPOPEIA BURGUESA + 23 1

geral, sem ter ainda um fato ou um personagem. Sua


primeira preocupação deve ser a de agrupar num conjunto
de notas tudo o que pode saber sobre o mundo que pre­
tende figurar. Deve conhecer um ator, assistir a uma peça.
Depois, [ ... ] conversará com os homens mais informados
sobre o assunto e coletará as palavras, as histórias, os re­
tratos. Isso não basta: ele buscará em seguida os documen­
tos escritos. [ . . . ] Finalmente, visitará os locais, viverá alguns
momentos num teatro para conhecer todos os seus recan­
tos, passará noites no camarim de uma atriz, impregnar­
se-á o mais possível do ar ambiente. E, uma vez recolhidos
todos os documentos, seu romance se escreverá por si
mesmo. O romancista terá apenas de distribuir logicamente
os fatos [ . . ] . O interesse não está na excentricidade da
.

história; ao contrário, quanto mais banal e comum ela for,


tanto mais se tornará típica.27

O falso objetivismo deste método se manifesta aqui, com toda


clareza, no fato de que, em primeiro lugar, Zola identifica o banal
com o típico e o contrapõe apenas ao singular, ao simplesmente
interessante; e, em segundo, no fato de que ele não vê mais o que é
característico e significativamente artístico na ação, na reação ativa
do homem aos eventos do mundo exterior. Nele, a figuração épica das
ações é substituída pela descrição dos fatos e das circunstâncias.
A contraposição entre narrar e descrever é tão velha quanto a
literatura burguesa, já que o método criativo da descrição nasceu da
reação imediata do escritor à realidade prosaicamente cristalizada,
que exclui toda ação espontânea do homem.28 É bastante significativo
que já Lessing tenha protestado energicamente contra o método
descritivo por ser ele contrário às leis da poesia, em geral, e da épica,
em particular; sobre isso, Lessing cita Homero para mostrar, com
base no exemplo do escudo de Aquiles, que no autêntico poeta épico
todo "objeto acabado" se dissolve numa série de ações humanas. É
inútil, mesmo nos melhores escritores, a luta contra a crescente onda
da prosa burguesa da vida; isso pode ser comprovado no fato de que a
figuração das ações humanas é cada vez mais suplantada, no ro­
mance, pela descrição das coisas e dos fatos. Zola não faz mais do que
formular teoricamente, de modo bastante nítido, a decadência
espontânea da arte narrativa no romance moderno. Ele ainda se
232 • GYôRGY LUKÁCS

encontra no início desta decadência; e é por isso que suas obras, num
grande número de episódios apaixonantes, ainda estão próximas das
grandes tradições do romance. Mas as linhas fundamentais de sua
criação já abrem caminho para uma nova orientação. Basta comparar
a cena de uma corrida de cavalos em seu romance Naná e aquela
contida em Ana Karênina de Tolstoi. Em Tolstoi, trata-se de uma cena
épica viva, na qual tudo é épico, desde a sela do cavalo até o público,
ou seja, onde tudo é construído através das ações dos homens em
situações para eles significativas. Em Zola, temos uma descrição
esplêndida de um evento da vida da sociedade parisiense, evento que,
do ponto de vista da ação, não tem nenhuma ligação com o destino da
protagonista do romance, e a que os demais personagens assistem
apenas na condição de espectadores interessados, mas não envolvi­
dos. Em Tolstoi, a cena da corrida é um episódio épico na ação do
romance; em Zola, é uma simples descrição. Tolstoi, portanto, não
tem necessidade de' " inventar" uma "relação" entre os elementos
objetivos deste episódio e os protagonistas do romance porque a
corrida é parte essencial da própria ação. Zola, ao contrário, é obrigado
a ligar a corrida ao resto do conteúdo de seu romance de modo
simbólico, ou seja, mediante a coincidência casual dos nomes do
cavalo vencedor e da protagonista do romance.
Este uso do simbolismo, que Zola recolheu como herança em
Victor Hugo, atravessa toda sua obra: a grande loja, a Bolsa etc., são
símbolos da vida moderna elevados a uma gigantesca dimensão,
como a igreja de Notre-Dâme ou o canhão em Victor Hugo. O falso
objetivismo de Zola se manifesta do modo mais claro nesta coexis­
tência inorgânica de dois princípios criativos inteiramente heterogê­
neos: o detalhe apenas observado e o símbolo puramente lírico. Este
caráter inorgânico atravessa toda a composição: já que o mundo des­
crito em cada romance não é construído com base em ações concretas
de homens concretos em situações concretas, mas é uma espécie de
recipiente, de ambiente abstrato no qual os homens são inseridos a
posteriori, desaparece a ligação necessária entre o personagem e a ação;
para o mínimo de ação indispensável, basta algum traço recolhido
dos casos médios. Contudo, a prática de Zola é, também aqui, melhor
do que sua teoria, ou seja, as características de seus personagens são
Ü ROMANCE COMO EPOPEIA BURGUESA + 233

mais ricas do que os enredos que ele concebe; mas, precisamente por
isso, eles não se transformam em ações, permanecendo objeto de
simples observações e descrições. Portanto, o número de tais descri­
ções pode aumentar ou diminuir à vontade. A cientificidade do méto­
do de Zola, cujo objetivismo mal oculta o empobrecimento da ima­
gem do mundo social que ele constrói, não pode assim nem levar a
um reflexo exato das contradições da sociedade capitalista, no plano
do conhecimento, nem à criação de obras narrativas acabadas, no
plano artístico. Lafargue mostra corretamente que, apesar da exatidão
de suas observações singulares, Zola aborda temas dos quais não vê as
determinações sociais decisivas (o alcoolismo dos operários em O
matadouro, a oposição entre velho e novo capitalismo em O dinheiro).
Por outro lado, n o que s e refere a o desenvolvimento d o romance, não
têm tanta importância os erros de fato cometidos por Zola na inter­
pretação dos fenômenos sociais ( embora os velhos realistas, por
participarem pessoalmente das lutas sociais de seu tempo, intuíssem
a verdade nas questões decisivas) , mas sim o fato de que tais erros fa­
voreceram a aceleração da dissolução da forma romanesca. Os gran­
des "historiadores da vida privada" tiveram por sucessores tão somente
cronistas líricos ou jornalísticos dos eventos do dia a dia.
Flaubert e Zola constituem a última inflexão no desenvolvi­
mento do romance. Por isso, tornou-se necessário examinar mais
detalhadamente suas obras, já que as tendências à dissolução da
forma do romance manifestam-se neles, pela primeira vez, de uma
forma quase �lássica. O desenvolvimento ulterior do romance, apesar
de toda a sua variedade, transcorre nos quadros dos problemas já
delineados em Flaubert e Zola, ou seja, no quadro do falso dilema
entre subjetivismo e objetivismo, que leva inevitavelmente a uma
série de outras antíteses igualmente falsas, como, por exemplo, a
perda cada vez mais irremediável da verdadeira tipicidade das
situações e dos personagens, substituída pelo falso dilema entre a
banalidade da média e o que é puramente "original" ou "excêntrico".
Em consequência deste falso dilema, o desenvolvimento do romance
moderno oscila entre os dois extremos igualmente falsos da "cienti­
ficidade" e do irracionalismo, entre o fato bruto e o símbolo, entre o
documento da "alma" ou da "atmosfera': Decerto, não faltam nem
234 • GYôRGY LUKÁCS

mesmo as tentativas de voltar ao verdadeiro realismo. Mas tais


tentativas só em raríssimos casos vão além de uma aproximação ao
realismo flaubertiano. Não se trata de um acaso. Zola, como escritor
honesto, afirma sobre sua própria prática: ''Agora, toda vez que me
empenho num estudo, deparo-me com o socialismo".29 Na atual
sociedade, um escritor não tem de modo algum necessidade de tratar
tematicamente das questões imediatas da luta proletária de classe para
se deparar com o problema, central em nossa época, da luta entre
capitalismo e socialismo. Mas, para enfrentar até o fundo todo o ·

conjunto de questões relativas a esta luta, o escritor deve romper com


o círculo mágico da ideologia burguesa decadente. Somente pou­
quíssimos escritores são capazes de fazê-lo; os demais restarrl prisio­
neiros, em sentido artístico e literário, deste círculo cada vez mais es­
treito, cada vez mais repleto de contradições. A ideologia da burguesia
decadente, cada vez mais apologética, restringe continuamente a
esfera da atividade criativa do escritor. Como diz Heinrich Mann,
"saber o que um escritor virá a ser depende daquilo que sua classe
pode suportar".
Não podemos propor aqui, nem mesmo sumariamente, uma
história do romance mais recente. Registraremos apenas - ao lado da
tendência decadente geral da ideologia burguesa, que culmina na
barbárie fascista e no sufocamento consciente de toda tentativa de
figuração verdadeira da realidade - os principais tipos de solução para
os impasses do romance que foram tentadas nas últimas décadas.
Repetimos: elas permanecem todas no plano do falso dilema que já
observamos em Flaubert e Zola. A escola de Zola, em sentido estrito,
desagregou-se muito cedo, mas o "zolismo", o falso objetivismo do
romance documental, subsiste até hoje, com a única diferença de que
os laços que ainda ligavam Zola ao velho realismo se rompem cada
vez mais e o programa de Zola se realiza de modo cada vez mais puro
(o que não exclui o surgimento de algumas obras bem realizadas
deste tipo, como, por exemplo, alguns romances de Upton Sinclair) .
Com muito mais força, naturalmente, crescem o subjetivismo e o
irracionalismo, que surgem logo após a desagregação da escola de
Zola propriamente dita. Esta tendência transforma paulatinamente o
romance num agregado de fotografias instantâneas da vida interior
Ü ROMANCE COMO EPOPEIA BURGUESA + 235

do homem e, no final, leva à completa dissolução de todo conteúdo e


de toda forma do romance (Joyce, Proust) .
Como protesto contra estes fenômenos d e dissolução, fazem­
se as mais variadas tentativas - no mais das vezes reacionárias - de
renovar a antiga força e vitalidade da narração. Alguns escritores
fogem da realidade capitalista para um mundo rural estilizado, que
pretende es tar nos antípodas do capitalismo (como Knut Hamsum) ,
o u num mundo colonial não ainda contaminado pelo capitalismo
(Kipling) ; outros, através de uma reconstrução estética das condições
da velha arte narrativa, buscam restabelecer o romance como forma
artística (redução à novela, estilização histórico-decorativa ao modo
de Conrad Ferdinand Meyer) etc. Naturalmente, surgem também
escritores que fazem a tentativa heroica de nadar contra a corrente e,
com base em uma crítica honesta da sociedade contemporânea,
buscam conservar ou reativar as grandes tradições do romance. À
medida que, por um lado, aprofundam-se as contradições e a
degradação da ordem capitalista, e, por outro, fortalece-se vitoriosa­
mente o socialismo na União Soviética, à medida que crescem os
sentimentos revolucionários entre os intelectuais, os melhores repre­
sentantes da literatura ocidental rompem as relações com a bur­
guesia, o que abre para a sua criação amplas perspectivas (Romain
Rolland, André Gide, André Malraux, Jean-Richard Bloch etc. ) .

8 . As perspectivas do romance socialista

Já tivemos ocasião de destacar o papel que o ingresso do pro­


letariado na arena histórica desempenhou no desenvolvimento de­
clinante do romance: quanto mais a luta de classes entre proleta­
riado e burguesia aparece com clareza como o evento central da vida
social, tanto menos é possível ao romancista burguês abordar com
profundidade os problemas centrais da sociedade. O amadureci­
mento da consciência proletária de classe no decurso do desenvol­
vimento revolucionário do proletariado gera, também no campo do
romance - como, de resto, em todos os campos da cultura -, novos
problemas e novos métodos criativos para resolvê-los. Já observamos
que o problema da degradação do homem na sociedade capitalista
236 • GYORGY LUKÁCS

tinha inevitavelmente de se tornar o problema central de toda a


estética do romance. Em A sagrada família, Marx caracteriza do
seguinte modo a diversa atitude da burguesia e do proletariado diante
da degradação geral do homem no capitalismo:
A classe proprietária e a classe do proletariado represen­
tam a mesma autoalienação humana. Mas a primeira se
sente à vontade nesta autoalienação, sabe que a alienação
é seu próprio poder e nela encontra a aparência de uma
existência humana; a segunda, ao contrário, sente-se ani­
quilada nesta alienação, vislumbra nela sua impotência e
a realidade de uma existência desumana. Ela é, para fazer
uso de uma expressão de Hegel, no interior da abjeção, a
revolta contra esta abjeção, uma revolta à qual é necessaria­
mente levada pela contradição entre sua natureza humana
e sua situação de vida, que é a negação aberta e absoluta
desta natureza.30

Por isso, o proletariado - cuja consciência de classe revolucio­


nária se expande no período do declínio ideológico da burguesia - é
capaz de compreender toda a dialética do desenvolvimento capitalis­
ta; ele vê na miséria, prossegue Marx, "o aspecto subversivo revolucio­
nário [ . . . ] que porá fim à velha sociedade"; ele sabe também que o ca­
pitalismo "é o mau lado que suscita o movimento, que faz história ao
fazer com que o combate amadureça". 31
Desta posição de classe nova e necessária do proletariado em
face das contradições da sociedade capitalista, surgem para o roman­
ce, através da mediação das mudanças em sua temática, importantís­
simos problemas formais. Para o proletariado, bem como para o ro­
mancista socialista, a sociedade não é um mundo "acabado", feito
de objetos cristalizados: a luta de classe do proletariado se trava num
mundo em que a atividade espontânea dos homens pode se tornar
heroica. Já no romance burguês, como vimos, podia brotar uma
tensão épica da luta do homem por sua existência exterior e por sua
integridade interna, na medida em que esta luta ainda era travada
corajosamente contra a degradação feudal e capitalista. O pathos desta
luta se intensifica no proletariado, não só porque a existência do
trabalhador é muito mais insegura no capitalismo, mas também
porque a luta contra a eterna ameaça que pesa sobre a existência
Ü ROMANCE COMO EPOPEIA BURGUESA + 237

individual está indissoluvelmente ligada às questões gerais de toda a


classe proletária e ao grande problema da transformação da sociedade.
Com efeito, a luta contra as ameaças que pesam sobre a existência
individual deve, para o proletariado, converter-se na luta pela
organização revolucionária da classe tendo em vista a derrubada do
capitalismo. A estrutura das organizações proletárias de classe
(sindicatos, partidos) resulta de uma atividade heroica dos proletá­
rios. Esta atividade heroica torna-se ainda mais elevada pelo fato de
que tal luta é, ao mesmo tempo, o processo de humanização dos
operários oprimidos pelo capitalismo: a dialética da autocriação do
homem por meio do trabalho e da luta reproduz-se aqui no nível
mais alto do desenvolvimento histórico. Se aqui, nas palavras de
Marx, "o próprio educador tem de ser educado", 32 então este processo
não é uma adaptação à prosa da vida burguesa, como Hegel exigia do
romance burguês, mas uma luta incessante que tem como meta a
destruição dos últimos restos de degradação do homem na sociedade
e no próprio homem. Disso resulta que o indivíduo proletário que
trava esta luta deve necessariamente se tornar um herói "positivo".
Esta nova aproximação à epopeia se tornará ainda mais evidente se
recordarmos o seguinte: nos romances burgueses, até mesmo nos
mais bem realizados, os problemas sociais objetivos só podiam ex­
pressar-se indiretamente, mediante a figuração da luta dos indiví­
duos entre si; algo diverso ocorre no romance socialista, já que na
representação da organização de classe do proletariado, da luta de
classe contra classe, do heroísmo coletivo dos operários, manifesta-se
um elemento estilístico que se aproxima da essência da epopeia
antiga, que figurava a luta de uma formação social contra outra. O
significado histórico-universal de Maxim Gorki reside precisamen­
te no fato de que ele compreendeu - e expressou numa forma artis­
ticamente acabada - todas estas novas tendências que decorrem da
situação histórica do proletariado.
Estas peculiaridades do desenvolvimento do proletariado co­
mo classe encontram sua máxima expressão depois da conquista do
poder. O proletariado vitorioso, que tomou em suas próprias mãos o
poder estatal, continua a luta para extirpar as raízes da sociedade de
classe. A conquista do poder estatal, a ditadura do proletariado, a
238 • GYôRGY LUKÁCS

transformação planificada da economia, a abolição das contradições


econômicas próprias do capitalismo etc., tudo isso leva, também no
terreno do romance, a uma série de modificações radicais no plano
do conteúdo e da forma. O socialismo destrói a reificação fetichizáda
das categorias econômicas e das instituições sociais. A suposta
autonomia destas últimas e sua oposição hostil às massas trabalha­
doras desaparecem. "O Estado somos nós", como disse Lenin. A luta
contra a degradação do homem eleva-se qualitativamente a uma fase
superior, na qual ela se orienta de modo ativo contra as causas
objetivas desta degradação (separação entre cidade e campo, entre
trabalho físico e intelectual etc. ) ; e esta luta de classe no terreno da
economia é acompanhada pela luta ideológica contra os resíduos da
velha sociedade na consciência dos homens. Desaparece a velha
insegurança sobre o amanhã - e isto cria a possibilidade de que
desapareçam as formas de ideologia que se desenvolveram com base
nessa insegurança (a religião) . A luta de classes pela destruição das
classes liga-se indissociavelmente ao desenvolvimento de inúmeras
formas de atividade espontânea e de um novo heroísmo das massas
trabalhadoras; em outras palavras, liga-se à luta por um novo homem,
por um "homem de formação multilateral" (Lenin) , por um homem
que não sofra nem participe, ativa ou passivamente, de qualquer tipo
de exploração de outro ser humano (libertação da mulher etc. ) .
Todos estes momentos d o desenvolvimento geram n o realismo
socialista um tipo de romance radicalmente novo. O crescimento dos
elementos puramente épicos resulta necessariamente das tendências
do próprio desenvolvimento social. Mas confundiríamos as pers­
pectivas do desenvolvimento com o próprio desenvolvimento se
víssemos apenas as vitórias de hoje e deixássemos de lado a luta e os
obstáculos internos e externos; se, no lugar de caminhos tortuosos,
impostos pela dialética objetiva da luta de classes e da construção so­
cialista, traçássemos uma utópica linha reta. As constantes observa­
ções críticas do camarada Stalin a respeito, por exemplo, do colcós
como simples forma socialista que só pode ser preenchida com um
conteúdo socialista através do trabalho e da luta, ou sobre o modo dia­
lético como se efetua o desaparecimento do Estado etc., são ao mesmo
tempo indicações sobre as relações entre romance e epopeia no perío-
Ü ROMANCE COMO EPOPEIA BURGUESA + 239

do da construção socialista. Portanto, deve-se entender com clareza


que se trata aqui de uma tendência para a epopeia e não de um fato já
consumado. Pois, como se sabe, o proletariado está apenas no
caminho da realização da grandiosa tarefa que consiste em "superar
os vestígios do capitalismo na economia e na consciência da huma­
nidade" (Stalin) . É precisamente esta luta que desenvolve os novos
elementos épicos; ela desperta em grandes massas energias até então
reprimidas e deformadas, faz brotar destas massas os homens de
vanguarda do socialismo, dirigindo-os para ações que manifestam
neles capacidades que eles mesmos não conheciam e os transformam
assim em líderes das massas em movimento. As qualidades indivi­
duais destes líderes consistem precisamente na sua capacidade de
realizar de modo 'claro e determinado os valores sociais universais.
Eles adquirem assim, em medida crescente, os traços característicos
dos heróis épicos.
Este novo florescimento de elementos da epopeia no romance
não é simplesmente uma retomada artística da forma e do conteúdo
da velha epopeia (por exemplo, da mitologia) , mas nasce necessaria­
mente da sociedade sem classes que está surgindo. Ele não rompe as
ligações com o desenvolvimento do romance clássico. Com efeito, a
construção do novo e a destruição objetiva e subjetiva do velho estão
ligadas entre si por uma indissolúvel conexão dialética. É precisa­
mente ao participar da luta pela edificação socialista que os homens
superam em si mesmos os resíduos ideológicos do capitalismo. Cabe
à literatura a tarefa de mostrar o homem novo em sua concretude ao
mesmo tempo individual e social. Ela deve conquistar para a criação
artística a riqueza e a multiplicidade da construção socialista. Como
disse Lenin,
[ ] a história em geral e, em particular, a história das
...

revoluções é sempre mais rica de conteúdo, mais variada,


mais multilateral, mais viva, mais "astuciosa" do que o su­
p õ e m os melhores partidos e as vanguardas mais
esclarecidas das classes mais avançadas. 33

A tarefa d� romance no período da construção do socialismo é


a de figurar concretamente esta riqueza, esta "astúcia" do desenvolvi­
mento histórico, esta luta pelo homem novo e pela erradicação de
240 + GYORGY LuKAcs

qualquer forma de degradação do homem. A literatura do realismo


socialista luta efetivamente, com tenacidade e lealdade, por este novo
tipo de romance; e, nesta luta por uma nova forma artística, por um
romance que se aproxime da majestade da epopeia, mas conservando
ao mesmo tempo as características essenciais do romance, o realismo
socialista já obteve significativos resultados ( Cholokhov, Fadaiev,
Panferov, Gladkov etc. ) .
A nova atitude d o romance d o realismo socialista e m face dos
problemas do estilo épico confere um significado inteiramente
particular, nesta fase do desenvolvimento, à questão da herança. Em
primeiro lugar, o romance do realismo socialista se desenvolve
necessariamente a partir dos problemas estilísticos da época atual.
Como observou Lenin, o socialismo se constrói com o material
humano legado pelo capitalismo. Ora, como as questões estilísticas
do presente dependem necessariamente do ser social, têm a ver com a
consciência, com este material humano. Portanto, ninguém pode
negligenciar estas questões estilísticas. É preciso submetê-las a um
trabalho de crítica e superá-las através da crítica. Mas, em segundo
lugar, o estilo do realismo socialista exige uma representação cada vez
mais enérgica da unidade dialética entre o individual e o social, entre
o que é singular e o que é típico no homem. As condições sociais do
realismo burguês se diferenciam bastante das condições do desen­
volvimento do realismo socialista; basta pensar no fato de que os
velhos realistas lidavam com a base social das contradições insolúveis
do capitalismo, ao passo que o realismo socialista brota de uma
sociedade na qual as contradições sociais estão sendo levadas à sua
solução definitiva, graças à atividade do proletariado e de seu partido
dirigente.
Mas a impiedosa coragem dos velhos realistas em seu modo de
pôr e resolver os problemas constitui a herança literária cuja assi­
milação crítica é de essencial importância para o realismo socialista.
E isso é ainda mais verdadeiro na medida em que a evolução do capi­
talismo em declínio obscureceu e deformou todas as questões postas
pela sociedade, de modo que o modelo natural para uma arte que
ponha as questões com coragem e levando em conta todas as suas
determinações, para um realismo impiedoso que não se perde na
representação de detalhes banais, só pode ser o velho realismo
Ü ROMANCE COMO EPOPEIA BURGUESA + 241

burguês. Naturalmente, a assimilação da herança deste grande


realismo deve ser crítica: deve implicar, antes de mais nada, um
aprofundamento do método criador do realismo artístico. E, final­
mente, em terceiro lugar, cabe lembrar que, da necessária tendência
do desenvolvimento do romance socialista no sentido da epopeia,
decorre a exigência de que também a velha epopeia e seu estudo teó­
rico sejam considerados uma parte importante da assimilação da
herança cultural. Para a literatura do realismo socialista, foi certa­
mente muito positivo o fato de que seu grande mestre e guia, Maxim
Gorki, seja o elo vivo de mediação entre as tradições do velho realismo
e as perspectivas do realismo socialista. A revolução russa, em
consequência de uma possibilidade favorável, nasceu do desenvol­
vimento desigual, ou seja, nasceu a partir da revolução burguesa
( 1 905 e fevereiro de 1 9 1 7) ; do mesmo modo, a decadência literária -
ao contrário do que ocorreu nos países ocidentais, onde teve lugar
um longo período de estagnação revolucionária - não teve ocasião de
se desenvolver na Rússia. Gorki, o primeiro clássico do realismo so­
cialista, mantém ainda relações diretas, até mesmo pessoais, com os
últimos clássicos do grande realismo burguês ( Tolstoi) . A obra de
Gorki, portanto, é a continuação viva das grandes tradições do ro­
mance realista e, ao mesmo tempo, a reelaboração crítica destas tradi­
ções, em conformidade com as perspectivas do realismo socialista.

Notas

1 Aqui como adiante, Lukács cita textos da Estética de Hegel.


2 J. W. Goethe, Os anos de aprendizagem de Wilhelm Meister, São Paulo,
Ensaio, 1 994.
3 K. Marx, Teorias da mais-valia, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, v. l ,
1 980, p . 267.
4 Em suas Teorias da mais-valia (ed. cit., v. 2, 1 98 5 ) , Marx refere-se ao
"cinismo de Ricardo" para mostrar que a economia clássica burguesa era
ainda capaz de apontar as contradições do capitalismo.
5 G. W. F. Hegel, Fenomenologia do Espírito, Petrópolis, Vozes, 1 992, parte II,
p. 55-56.
6 F. Engels, carta a M. Harkness, abril de 1 888, em K. Marx e F. Engels, Sobre
a literatura e a arte, Lisboa, Estampa, 1 97 1 , p. 1 97.
242 • GYôRGY LUKÁCS

7
Ibid.
8 F. Engels, A origem da família, da propriedade privada e do Estado, em K.
Marx e F. Engels, Obras escolhidas, Rio de Janeiro, Vitória, v. 3, 1 963, p. 63.
9 Engels, carta a M. Harkness, ed. cit., p. 1 96.
10
Hegel, Fenomenologia do Espírito, ed. cit., parte I, p. 2 1 5.
" Ibid.
12
K. Marx, Para a questão judaica, Lisboa, Avante! , 1 997, p. 89. Modificamos
a tradução.
13
K. Marx, Diferença entre as filosofias da natureza em Demócrito e Epicuro,
Lisboa, Presença, 1 972, p. 88.
14
Honoré de Balzac, A comédia humana, Rio de Janeiro-Porto Alegre-São
Paulo, Globo, v. 1, 1 959, p. 14.
15
Personagens, respectivamente, de O vermelho e o negro e de Ressurreição.
16
K. Marx, Crítica da filosofia do direito de Hegel, São Paulo, Boitempo, 2005,
p. 52.
17
A expressão é de Hegel na Fenomenologia do Espírito, ed. cit., parte I,
p. 246 e ss.
" Personagens, respectivamente, de Lesage, Fielding e Defoe.
19
Cf., supra, nota 1 7.
"' K. Marx, O 18 brumário de Luís Bonaparte, em K. Marx e F. Engels, Obras
escolhidas, ed. cit., v. l , 1 956, p. 225.
21
Lukács se refere ao fato de que, em junho de 1 848, no seio do processo
revolucionário ocorrido na França, o proletariado francês promoveu uma
insurreição que foi esmagada pelas forças burguesas. Em toda a sua obra,
Lukács situa neste episódio o início do que vai chamar de "decadência
ideológica da burguesia".
22 Victor Hugo, Quatre-vingt-treize, primeira parte, livro II, tomo IV.
23 Cândido é uma novela de Voltaire.
24
G. W. F. Hegel, Estética. A arte clássica e a arte ro mân tica, Lisboa,
Guimarães, 1 958, p. 30 1 .
25 Lukács cita o artigo de Lenin, "Tolstoi, espelho da revolução russa'', publicado
em Proletari, 1 1 de setembro de 1 908.
'li> Gogol se refere a personagens do seu romance Almas mortas.
v E. Zola, Le roman expérimental, Paris, Garnier-Flammarion, 1 979, p. 2 14-2 1 5.
28 Lukács desenvolve este argumento, inclusive a comparação entre Naná e
Ana Karênina, em seu ensaio "Narrar ou descrever?", em id., Ensaios sobre
literatura, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1 968, p. 47-99.
zi Carta a J. Van Santen Kolff, de junho de 1 886.
Ü ROMANCE COMO EPOPEIA BURGUESA + 243

" K. Marx e F. Engels, A sagrada família, São Paulo, Boitempo, 2003, p. 48.
A tradução está modificada.
31 Ibid, p. 49.
32 K. Marx, "Teses sobre Feuerbach", em K. Marx e F. Engels, A ideologia
alemã, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2007, p. 6 1 1 - 6 1 2 .
33 V. I. Lenin, A doença infantil do "esquerdismo" n o comunismo, e m id., Obras
escolhidas em três tomos, Lisboa-Moscou, Avante ! -Progresso, t. 3, 1 979,
p. 332.

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