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3.

Feminismo, Essencialismo e Construtivismo

3.1 O feminismo em Herland

De acordo com Herta Nagl-Docekal (1999),1 a polarização de gêneros não criou uma
ordem simétrica e complementar, mas sim, marcou padrões de hierarquia que resultaram na
sociedade patriarcal. Como discutido nos capítulos anteriores, muitas foram as causas da
misoginia contemporânea, mas é fato que o pensamento machista vigente ao longo da história
causou a necessidade de um movimento que fosse contrário à essa visão. Assim, surgiu o
feminismo, [...] “um movimento que produz sua própria reflexão crítica, sua própria teoria.”
[...] (PINTO, 2010. p. 15) 2
Os objectivos principais do feminismo são a luta pela
liberdade da mulher e a implementação da igualdade entre
homens e mulheres de modo a construir-se uma sociedade
alicerçada na participação equivalente de ambos os sexos em
todos os campos sociais. Na realidade, afloram vários
feminismos preocupados com a posição da mulher na
sociedade, daí que não possamos nem devamos falar de um
feminismo específico. [...] (SOUSA, 2008. p. 85)3

O feminismo é, teoricamente, a luta pelos direitos das mulheres que não exclui os
homens, ou seja, a gestão social por homens e mulheres. Desse modo, homens e mulheres são
iguais e merecem direitos iguais perante a sociedade. Bom, como foi dito, essa é a teoria do
movimento, entretanto, por perdurar durante mais de um século, a corrente passou por
diversas fases - chamadas ondas - e, na contemporaneidade possui variadas ramificações.
A chamada primeira onda do feminismo teve seu início no final do século XIX na
Inglaterra. As chamadas sufragistas reivindicavam, principalmente os direitos políticos
femininos, como o direito ao voto e a liberdade de expressão. Foi nessa época que Charlotte
Perkins Gilman viveu e publicou suas obras a favor do movimento. Perdeu força na década de
30 e só ressurgiu na década de 1960.
Durante esses 30 anos, a publicação do Segundo Sexo, de Simone De Beauvoir, em
1949 considerada, ainda, uma das maiores obras feministas, marcou as mulheres e embasou as
teorias da segunda onda do movimento. Em 1963, Betty Friedan lança A mística feminina, um
livro que assim, como o de Beauvoir, marcou o novo feminismo e foi o estopim para o início
da nova fase. O movimento torna-se mais libertário e foca nas relações de poder entre os

1 Hypatia vol. 14, no. 1 (Winter 1999) by Herta Nagl-Docekal


2PINTO, Céli, R. J. Feminismo, história e poder. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 18, n. 36, p. 15-23, jun. 2010
3 SOUSA, Fátima, “Essencialismo e Construcionismo na Ficção utópica de Charlotte Perkins Gilman: Herland e
With her in Ourland.” Via Panorâmica: Revista Electrónica de Estudos Anglo-Americanos/An Anglo-American
Studies Journal 2.a ser.1 (2008): 83-98. Web. <http://ler.letras.up.pt>. p. 85
homens e as mulheres. Essa é considerada a fase do feminismo radical e foi marcada pela
divisão binária entre gêneros. Esse ponto de vista pode ser observado com a obra de Firestone
(1970). Em The Dialectic of Sex, a autora assume a posição de que a opressão feminina foi
enraizada em uma realidade biológica: homens e mulheres foram criados diferentes, e não
iguais. De acordo com Caplan-Bricker (2018), a segunda onda [...] “traçava uma linha a partir
do pensamento binário das feministas radicais e das lésbicas separatistas para um
essencialismo biológico que podia facilmente ser um tiro pela culatra.”[...] (tradução nossa) 4
Hoje em dia, com o advento da terceira onda, o feminismo como um todo não assume mais
essa visão polarizada. Contudo, a vertente feminista radical - hoje em dia chamada de
femismo5 - conserva a visão da superioridade feminina e da diferença entre os sexos.
Por fim, a terceira onda, se iniciou nos anos 90 e foi uma continuação da luta pela
liberdade da segunda onda e uma reação aos extremismos da mesma. Admitindo um ar mais
profissional, com a criação de ONGs, o movimento se tornou mais respeitado e reconhecido
mundo afora, além de ter se aproximado do Estado. [...] “Uma das questões centrais dessa
época era a luta contra a violência, de que a mulher é vítima, principalmente a violência
doméstica.” [...] (PINTO, 2010. p. 17)6 O ponto chave dessa onda feminista é que o
movimento percebeu que diferentes grupos de mulheres, reivindicavam diferentes questões,
ou seja, um feminismo só não era pertinente à todas. Hoje em dia, o movimento não se atém à
classe média branca europeia - como a primeira onda -, nem à polarização sexual - como a
segunda -, mas reconhece a pluralidade feminina e dá voz a distintos grupos de mulheres. Por
isso suas diferentes vertentes como: feminismo liberal, negro, radical, transfeminismo etc.7
Charlotte Perkins Gilman publicou Herland durante a primeira onda do feminismo. A
autora, deixa clara a sua posição com relação ao movimento na utopia - ela almejava uma
sociedade em que as mulheres fossem ativas no papel socioeconômico - ao abordar temas
polêmicos à época, e ainda atuais, como: [...] “liberdade de expressão feminina, pela qual as
mulheres pudessem colaborar ou ocupar cargos profissionais importantes na sociedade e na

4No original: [...] “traced a direct line from the binary thinking of radical feminists and lesbian separatists to a
biological essentialism that could easily backfire.” [...] Issue 16. Essays. 23 de abril de 2018. Leaving Herland by
Nora Caplan-Bricker. Disponível em: https://thepointmag.com/politics/leaving-herland/ . Acesso em 16 de
outubro de 2019.
5 Para mas informações acerca do termo: Laura VIEIRA Moura, LOUYSE DE FREITAS MACHADO,
STELLA DE SOUZA SCHIMIDT, SINARA CASARIN. Feminismo x Feminso 2016. Disponível em:
http://trabalhos.congrega.urcamp.edu.br/index.php/micjr/article/view/528. Acesso em 18 de outubro de 2019.
6 PINTO, Céli, R. J. Feminismo, história e poder. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 18, n. 36, p. 15-23, jun. 2010
p. 17
7 Para mas informações acerca das diferentes vertentes do feminismo, acessar: https://medium.com/qg-
feminista/quais-s%C3%A3o-as-principais-vertentes-do-feminismo-ae26b3bb6907 Acesso em: 18 de outubro de
2019.
política, sustentabilidade e respeito pelo meio ambiente, consumismo.” [...]
(MATIOLEVITCZ, 2018, p. 16)8 A obra, assim, representa os anseios das mulheres da
época; oportunidade de luta e revisão dos direitos e valores individuais e coletivos.
A autora era muito engajada nos movimentos sociais de sua época e seu trabalho
reflete sua posição política e expande a importância do feminino na sociedade. [...] “As
mulheres da época, criadas em berço patriarcal, conformavam-se com a situação imposta pelo
pai ou marido, um formato que perdurou durante muitos anos.” [...] (MATIOLEVITCZ, 2018,
p. 31)9 Seu objetivo era, então, incentivar as mulheres (e os homens) a mudar seus pontos de
vista acerca dos papéis de gênero. Contudo, não apenas Herland corroborou para a exposição
de sua opinião acerca do feminino, mas também The Yellow Wallpaper (1892) um conto
inspirado em sua experiência com a maternidade que questiona o papel privado da mulher, o
público do homem e a depressão pós-parto; Women and Economics (1898) sua obra mais
famosa na qual a autora argumenta sobre o papel da mulher na sociedade , na política e na
economia; e a revista feminista editada por ela The Forerunner (1909-1916). Ou seja, a
maioria das obras de Gilman, refletiam o feminismo.
Em Women and Economics, a autora toma uma posição construtivista pois “sugere que
a feminilidade e a masculinidade são construções sociais que podem ser modificadas para que
possamos nos tornar seres humanos que são alheios ao gênero.” (DE SIMONE, 1995.
tradução nossa)10 Ela tinha consciência que a cultura vigente possuía - e ainda possui -
construções estereotipadas dos papéis masculinos e femininos. Segundo Matiolevitcz (2019),
as mulheres nascem condicionadas a condutas estabelecidas socialmente que as privam de
liberdades de escolhas. Para Gilman, as mulheres deveriam ser parceiras de seus maridos, e
não submissas; homens e mulheres deveriam evoluir juntos para manter uma sociedade
equilibrada.
Gilman acredita que a transformação social é necessária,
tanto as mulheres, quanto os homens teriam que mudar. Essa
mudança viria a proporcionar um mundo melhor, onde todos
sairiam ganhando, as mulheres com a possibilidade de
ampliar os horizontes profissionalmente, ajudando no
8 MATIOLEVITCZ, Cássia Silva. Herland: Utopia e feminismo em Charlotte Perkins Gilman. Tangará da
Serra. 2018. p. 16
9 MATIOLEVITCZ, Cássia Silva. Herland: Utopia e feminismo em Charlotte Perkins Gilman. Tangará da
Serra. 2018. p. 31
10 No original: “Gilman suggests that “masculinity” and “femininity” are entirely social constructs which could
be changed so that we could become human beings who happen to be of different genders.” DE SIMONE. DE
SIMONE, Deborah M. Charlotte Perkins Gilman and the feminization of Education. WILLA, Volume IV, 13-17.
1995. Disponível em https://scholar.lib.vt.edu/ejournals/old-WILLA/fall95/DeSimone.html. Acessado em 16 de
outubro de 2019.
sustento do lar e os homens ganhando a possibilidade de
experimentar participar do que chamada de sustento
emocional do lar, da vida familiar. (MATIOLEVITCZ p.
39)11

As opiniões de algumas estudiosas de Herland, divergem com relação à intenção da


autora ao escrever a obra quando comparada à mais famosa Women and Economics. Segundo
Matiolevitcz, Gilman apresenta um espaço em que os indivíduos podem agir e coagir sem
pressupostos restritos ao gênero, ou seja, ela idealiza um país em que haja equilíbrio entre os
sexos e todos os seres humanos são capazes de contribuir ativamente na sociedade; a
estudiosa utiliza a seguinte passagem para provar seu argumento [...] “Estamos tentando
aprender o máximo que podemos com vocês, assim como ensinar tudo o que tiverem
dispostos a aprender sobre nosso país” (GILMAN, p. 77).12 Ou seja, para as nativas, os
exploradores em suas terras é um sinal de oportunidade de evolução e prosperidade. Desse
modo, não há contradição entre a utopia e sua obra anterior Women and Economics. Já
Caplan-Bricker enfatiza que, ao excluir os homens da sociedade e expôr uma organização
estatal superior ao mundo exterior, como nos fragmentos a seguir: “-Senhoras [...], não há
homens nesse país? [...] -Não [...], não há homens neste país. Não houve um homem entre nós
nos últimos dois mil anos.”13 “Era evidente que se tratava de um povo altamente qualificado e
eficiente” [...]14, Gilman assume que as mulheres são superiores aos homens 15 e se aproxima
dos movimentos separatistas da segunda onda feminista. Assim como a autora anterior,
Bowers acredita que Herland [...] “promove a desigualdade entre os gêneros e reforça
estereótipos uma vez que a Terra das Mulheres é uma sociedade livre de medos pois não
possui homens.” [...]16, ou seja reforça valores hegemônicos. Desse modo, para essas autoras,
em Herland, Charlotte Perkins Gilman contradiz a própria visão apresentada anos antes em
Women and Economics em que homens e mulheres podem construir uma sociedade melhor
em conjunto.

11 MATIOLEVITCZ, Cássia Silva. Herland: Utopia e feminismo em Charlotte Perkins Gilman. Tangará da
Serra. 2018. p. 39
12 GILMAN, Charlotte Perkins. Herland: Terra das Mulheres. 1. ed. São Paulo: Via Leitura, 2018. p. 77
13 GILMAN, Charlotte Perkins. Herland: Terra das Mulheres. 1. ed. São Paulo: Via Leitura, 2018. p. 55
14 GILMAN, Charlotte Perkins. Herland: Terra das Mulheres. 1. ed. São Paulo: Via Leitura, 2018. p. 28
15 No original: [...] “women are better than men: more peace-loving, altruistic and eminently rational” [...] Issue
16. Essays. 23 de abril de 2018. Leaving Herland by Nora Caplan-Bricker. Disponível em:
https://thepointmag.com/politics/leaving-herland/ . Acesso em 16 de outubro de 2019.
16 No original: [...] “By stating that the society is free of fear due to the absence of men Perkins Gilman is not
promoting equality of sexes as she is perpetuating the stereotype of violence being associated with men.” [...]
BOWERS, Elinor. Exploration of how Charlotte Perkins Gilman’s Herland is Problematic as an Feminist
Utopian Novel
Entretanto, é importante salientar que existe uma terceira visão da questão de gênero
na obra, Segundo Sousa, (2008) a autora ora se aproxima do construtivismo ao dizer que os
gêneros são construções sociais, ora se aproxima do essencialismo ao mostrar as qualidades
que as mulheres possuem ao se distanciar do masculino. De acordo com ela, [...] “as
personagens femininas de Herland e toda a sua comunidade podem ser consideradas
essencialistas em oposição aos três exploradores que devem ser inseridos num contexto
construcionista.” [...] (p. 90)17

3.2 O essencialismo e sua questão com o gênero em Herland

Consoante Sousa (2008)18, o essencialismo surge na filosofia clássica com os trabalhos


de Platão. Para o filósofo, os fenômenos do mundo são reflexos de formas fixas e imutáveis.
A essência tem como propriedades a constância e a descontinuidade, ou seja, a essência é
inalterável. Assim, a corrente filosófica defende a pré-disposição individual, ou seja, fatores
inatos que influenciam no comportamento humano. Em, The Risk of Essence19, Diana Fuss,
advoga a respeito do essencialismo e sua questão com o gênero. A autora acredita que de
acordo com a crença essencialista, o natural é reprimido pelo social. [...] “o essencialismo é
tradicionalmente definido como uma crença na verdadeira essência.” [...] (FUSS, 1989. p.
250)20
No que diz respeito ao gênero e a sexualidade, “A tradição Essencialista defende a
idéia de que a sexualidade é determinada por fatores biológicos e fisiológicos, confirmando
então sua estabilidade, não sendo suscetível a nenhum tipo de variação.” [...] 21 Sendo assim,
segundo essa visão, o gênero é uma característica estável e permanente nos indivíduos. O
essencialismo foi a base filosófica do positivismo22 até o século XX. Segundo, DeLamater e
Hyde 23(1998), [...] “dominou, portanto, filosoficamente o pensamento científico do mundo

17 SOUSA, Fátima, “Essencialismo e Construcionismo na Ficção utópica de Charlotte Perkins Gilman: Herland
e With her in Ourland.” Via Panorâmica: Revista Electrónica de Estudos Anglo-Americanos/An Anglo-
American Studies Journal 2.a ser.1 (2008): 83-98. Web. <http://ler.letras.up.pt>. p. 90
18 SOUSA, Fátima, “Essencialismo e Construcionismo na Ficção utópica de Charlotte Perkins Gilman: Herland
e With her in Ourland.” Via Panorâmica: Revista Electrónica de Estudos Anglo-Americanos/An Anglo-
American Studies Journal 2.a ser.1 (2008): 83-98. Web. <http://ler.letras.up.pt>. p. 85
19 Fuss, Diana. “The ‘Risk’ of Essence”.1989. Kemp and Squires 250-8.
20 Fuss, Diana. “The ‘Risk’ of Essence”.1989. Kemp and Squires 250.
21 VASQUEZ, Maria Laura R. Essencialismo e construtivismo Social sob uma perspectiva Sexual. Disponível
em: http://www.cuidardesi.com.br/essencialismo_construtivismo_social.htm#top. Acesso em: 15 de outubro de
2019
22 Para mais informações: JÚNIOR, João Ribeiro. O que é positivismo. Brasília: Editora Brasiliense, 2017.
23 DeLamater, John, and Janet Shibley Hyde. “Essentialism vs. Social Constructionism in the Study of Human
Sexuality.” The Journal of Sex Research 1.35 (1998)
ocidental.” (DELAMATER E HYDE, 1998. p. 10-18), tradução nossa) 24 Por ter considerado,
principalmente fatores biológicos para argumentar sua tese, durante muitos anos, indivíduos
julgados fora dos padrões da normalidade - ou seja, homossexuais, transsexuais etc - eram
vistos como fraquezas hereditárias, patológicos pelos seguidores desse ponto de vista.
Entretanto, com o avanço dos estudos essencialistas e de gênero, o termo deixou de
atribuir as características psicológicas apenas ao particular. Segundo Nogueira (2001)25, o
essencialismo assume o gênero como atributo interno e inerente, mas ele é separado das
experiências e interações que ocorrem nos contextos diários da vida.
[...] “O essencialismo não implica necessariamente
determinismo biológico ou uma ênfase do biológico para a
explicação das especificidades do género (embora
historicamente o determinismo biológico tenha sido uma
forma de essencialismo referente ao género). É o facto de se
assumir a existência de qualidades ou características de e nos
indivíduos, e não as suas origens (biológicas ou sociais) que
define o essencialismo (Crawford, 1995)26.” [...]
(NOGUEIRA, 2001, p. 55)27

Pudemos observar no subcapítulo anterior, que a segunda onda feminista visou,


principalmente, a separação entre o homem e a mulher. Todavia, em Construcionismo social,
discurso e género28, Nogueira afirma que o movimento também pretendeu distinguir os
termos ‘sexo’ e ‘gênero’ como tentativa de separar o sexo biológico (e afastar, assim a
perspectiva essencialista) e o sexo social (e se aproximar, assim da perspectiva construtivista).
Contudo, a força essencialista tradicional acabou mantendo a distinção biológica e perdura na
contemporaneidade. Assim, discursos como ‘Menino veste azul e menina veste rosa’ ou
‘Menina será princesa e menino será príncipe’29 que reafirmam os estereótipos essencialistas
acerca do sexo biológico no século XIX - classificados por Vasquez: [...] “defendiam que tudo

24 No original: [...] “Essentialism therefore dominated philosophical and scientific thought in the Western
world. DeLamater, John, and Janet Shibley Hyde. “Essentialism vs. Social Constructionism in the Study of
Human Sexuality.” The Journal of Sex Research 1.35 (1998): 10-8.
25 NOGUEIRA, Conceição. Construcionismo social, discurso e género. Psicologia, Lisboa , v. 15, n. 1, p. 43-
65, jan. 2001 . Disponível em http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0874-
20492001000100003. Acesso em 15 out. 2019.
26 Crawford, M. (1995). Talking difference: On gender and language. Londres: Sage.
27 NOGUEIRA, Conceição. Construcionismo social, discurso e género. Psicologia, Lisboa , v. 15, n. 1, p. 55,
jan. 2001 . Disponível em http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0874-
20492001000100003. Acesso em 15 out. 2019.
28 NOGUEIRA, Conceição. Construcionismo social, discurso e género. Psicologia, Lisboa , v. 15, n. 1, p. 43-
65, jan. 2001 . Disponível em http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0874-
20492001000100003. Acesso em 15 out. 2019.
29 Para mais informações sobre os discursos de Damares Alves, acessar:
https://oglobo.globo.com/sociedade/menino-veste-azul-menina-veste-rosa-diz-damares-alves-em-video-
23343024 Acesso em: 18 de outubro de 2018.
que fugisse aquela padronização de normalidade, irradiada de preconceitos, poderiam ser
vistos como patológicos” [...]30, ditos pela ministra dos direitos humanos brasileira Damares
Alves; ou a oposição de algumas bancadas conservadoras no Congresso Nacional à mudança
de nome de pessoas transgêneras31, são comumente notados e propagados pela população dois
séculos depois.
Algumas correntes psicológicas focadas na visão feminista, [...] “centram-se nas
próprias mulheres, produzindo conhecimento que consideram verdadeiramente feminino” [...]
(NOGUEIRA, 2001, p. 54)32 Contudo, como observado pela própria autora, muitas psicólogas
aderentes dessa perspectiva, ao rejeitarem estereótipos ligados às mulheres, celebram a
natureza especial das mesmas se aproximando do essencialismo e, consequentemente,
enfatizando diferenças entre os sexos e corroborando com a polarização dos mesmos. Desse
modo, afirmar que existe uma psicologia feminina é afirmar o essencialismo, ou seja, é
anunciar que as mulheres partilham um conjunto de qualidades, traços e capacidades inatas
que lhes condiciona a conduta. Assim, [...] “o essencialismo também desempenha um papel
importante na naturalização das hierarquias de género.” [...] (SOUSA, 2008, p. 85)33
Conforme Vasquez, o essencialismo não percebe o modo como as formas de
conhecimento social interagem com a biologia devido à sua falta de relação com o exterior.
Nogueira compartilha do mesmo ponto de vista ao dizer que a corrente coloca a
responsabilidade da mudança nos indivíduos e não na sociedade.
Segundo a corrente essencialista, o sexo masculino está naturalmente ligado à razão e
o feminino à emoção. Ou seja, o pensamento abstrato, o julgamento objetivo e a orientação
são traços dos homens ao passo que a subjetividade, a espontaneidade e o particular são traços
femininos.34 Dessa maneira, ela ajuda a construir os estereótipos de gênero vigentes na
sociedade ocidental contemporânea. Ao atribuir traços considerados culturalmente inferiores à
características inatas femininas e traços opostos à características inerentes do sexo masculino,
essa corrente filosófica assume a subordinação das mulheres como natural.

30 VASQUEZ, Maria Laura R. Essencialismo e Construtivismo Social sob uma perspectiva Sexual. Disponível
em: http://www.cuidardesi.com.br/essencialismo_construtivismo_social.htm#top. Acesso em: 15 de outubro de
2019
31 Para mais informações sobre a bancada evangélica e sua oposição acerca do nome social, acessar:
https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2015/04/bancada-evangelica-quer-cassar-direito-a-nome-social-
de-transsexuais-e-travestis-6681/. Acesso em: 18 de outubro de 2019.
32 NOGUEIRA, Conceição. Construcionismo social, discurso e género. Psicologia, Lisboa , v. 15, n. 1, p. 54,
jan. 2001 . Disponível em http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0874-
20492001000100003. Acesso em 15 out. 2019.
33 SOUSA, Fátima, “Essencialismo e Construcionismo na Ficção utópica de Charlotte Perkins Gilman: Herland
e With her in Ourland.” Via Panorâmica: Revista Electrónica de Estudos Anglo-Americanos/An Anglo-
American Studies Journal 2.a ser.1 (2008): 83-98. Web. <http://ler.letras.up.pt>. p. 85
34 Hypatia vol. 14, no. 1 (Winter 1999) by Herta Nagl-Docekal. p. 49
Na obra The Man Made World, Gilman defende que as crianças nascem e são criadas
em um ambiente endocêntrico que as influenciam na misoginia pois os homens têm acesso à
educação enquanto as mulheres são influenciadas apenas pelas suas mães no campo
doméstico. Desse modo, o ser é construído e sua essência não é valorizada. Seguindo esse
pressuposto, Sousa advoga que na opinião de Gilman, [...] “a essência dos indivíduos deve ser
considerado o aspecto mais importante do ser. Deve, sublinho, mas não é.” [...].35 Em Herland
- a obra aqui analisada - a autora explicita o seu ponto de vista ao atribuir à mulher o direito
de ter identidade própria descolada de estereótipos.
Na utopia em questão, Charlotte Perkins Gilman projeta uma sociedade gerida pelo
gênero feminino com aspectos que superam a sociedade misógina exterior regida pelo gênero
masculino que impossibilita a participação feminina na sociedade em geral. A escritora exalta,
desse modo, as capacidades das mulheres, normalmente consideradas sensíveis e dependentes,
além de impossibilitadas de realizarem tarefas “masculinas”. Segundo Sousa (2008)36, Gilman
intencionou mostrar que para que os valores humanos imperem, é preciso propiciar um
ambiente alheio à valores sexistas - no caso do livro, um país livre do patriarcado. Para
Caplan-Bricker, [...] “imaginar um mundo onde as mulheres são livres sem definição binária
de gênero, é imaginar as mulheres intocadas pela misoginia.” [...] (CAPLAN-BRICKER,
2018, p.11, tradução nossa)37. Podemos observar a superioridade das nativas da terra com
relação à construção dos exploradores na seguinte passagem:
Tínhamos esperado uma monotomia submissa e entediante,
mas encontramos uma inventividade social corajosa e muito à
frente da nossa, e um desenvolvimento científico e mecânico
similar ao nosso. Tínhamos esperado mesquinharia, mas
encontramos uma consciência social que fazia parecer que os
outros países eram crianças birrentas e tolas. Tínhamos
esperado inveja, mas encontramos uma ampla afeição entre
irmãs, uma justiça se paralelo. Tínhamos esperado histeria,
mas encontramos um padrão de saúde e vigor, e
temperamentos tranquilos, de modo que o conceito de
profanação, por exemplo, foi impossível de explicar, por mais
que tenhamos tentado. (GILMAN, 2018. p. 92)38

35 SOUSA, Fátima, “Essencialismo e Construcionismo na Ficção utópica de Charlotte Perkins Gilman: Herland
e With her in Ourland.” Via Panorâmica: Revista Electrónica de Estudos Anglo-Americanos/An Anglo-
American Studies Journal 2.a ser.1 (2008): 83-98. Web. <http://ler.letras.up.pt>. p. 89
36 SOUSA, Fátima, “Essencialismo e Construcionismo na Ficção utópica de Charlotte Perkins Gilman: Herland
e With her in Ourland.” Via Panorâmica: Revista Electrónica de Estudos Anglo-Americanos/An Anglo-
American Studies Journal 2.a ser.1 (2008): 83-98. Web. <http://ler.letras.up.pt>. p. 89
37 No original: [...] “to imagine a world where women are free of this binary is to imagine a state of nature of
sorts, a womanhood uncorroded by misogyny.” [...] Issue 16. Essays. 23 de abril de 2018. Leaving Herland by
Nora Caplan-Bricker. Disponível em: https://thepointmag.com/politics/leaving-herland/ . Acesso em 20 de
outubro de 2019. p.11
38 GILMAN, Charlotte Perkins. Herland: Terra das Mulheres. 1. ed. São Paulo: Via Leitura, 2018. p. 92
Conforme o essencialismo advogado por Sousa,39 ao construir uma sociedade
organizada livre de sexismos ou pressupostos masculinos e patriarcais, as mulheres provam
possuir capacidades nunca reconhecidas pelos homens. De acordo com o ponto de vista
essencialista, as nativas da Terra das Mulheres, abraçam essa corrente pois preservam sua
essência sem influência de fatores externos. “O aspecto mais importante para as mulheres
daquele país é a humanidade de cada ser.” [...] (SOUSA, 2008, p. 90)40
A maternidade, assunto amplamente abordado na obra, é tida como parte da essência
natural da mulher - tanto que a reprodução se dá sem a necessidade do homem. [...] “A
maternidade é a ética dominante na sociedade, e o cuidado com as crianças é o trabalho mais
procurado da nação.” [...] (CAPLAN-BRICKER, 2018, p.7, tradução nossa) 41 Em muitos
momentos, a autora enfatiza a vontade de quase todas as nativas de gerarem filhos, porém não
podendo devido ao controle populacional do país. A solução é, então, que apenas algumas
mulheres tentam bebês, mas que os mesmos sejam filhos de todas. [...] “Quase todas as
mulheres valorizam a maternidade acima de tudo. Cada garota a trata com carinho e
familiaridade, como uma alegria inigualável, uma honra, a coisa mais preciosa, pessoal e
íntima do mundo.” [...] (GILMAN, 2018, p. 94)42 Segundo, Matiolevitcz, a função da
maternidade na Terra das Mulheres é questionar o papel da mesma: [...] “busca de
compreensão daquilo que elas representam como mulher que vive em função da família e no
final se vê sozinha no ninho e o do questionamento de criar um filho para o mundo, um filho
que é de todos e todos da comunidade têm dever de educá-lo” [...] (MATIOLEVITCZ,2018,
p. 54)43
Elinor Bowers44, vai de encontro ao ponto de vista de Gilman sobre a maternidade.
Segundo ela, ao exaltar esse conceito, as mulheres de Herland se conformam com a visão
essencialista de que o sexo feminino foi criado para tal: [...] “Como vocês veem, somos
mães.” [...] (GILMAN, 2018, p. 78)45 Ou seja, As mulheres são limitadas à maternidade e
39 SOUSA, Fátima, “Essencialismo e Construcionismo na Ficção utópica de Charlotte Perkins Gilman: Herland
e With her in Ourland.” Via Panorâmica: Revista Electrónica de Estudos Anglo-Americanos/An Anglo-
American Studies Journal 2.a ser.1 (2008): 83-98. Web. <http://ler.letras.up.pt>. p. 90.
40 SOUSA, Fátima, “Essencialismo e Construcionismo na Ficção utópica de Charlotte Perkins Gilman: Herland
e With her in Ourland.” Via Panorâmica: Revista Electrónica de Estudos Anglo-Americanos/An Anglo-
American Studies Journal 2.a ser.1 (2008): 83-98. Web. <http://ler.letras.up.pt>. p. 90.
41 No original: [...] “Motherhood is the society’s dominant ethic, and childcare is the most sought-after job in
the nation.” [...] Issue 16. Essays. 23 de abril de 2018. Leaving Herland by Nora Caplan-Bricker. Disponível em:
https://thepointmag.com/politics/leaving-herland/ . Acesso em 20 de outubro de 2019. p. 7
42 GILMAN, Charlotte Perkins. Herland: Terra das Mulheres. 1. ed. São Paulo: Via Leitura, 2018. p. 94
43 MATIOLEVITCZ, Cássia Silva. Herland: Utopia e feminismo em Charlotte Perkins Gilman. Tangará da
Serra. 2018. p. 54
44 BOWERS, Elinor. Exploration of how Charlotte Perkins Gilman’s Herland is Problematic as an Feminist
Utopian Novel
45 GILMAN, Charlotte Perkins. Herland: Terra das Mulheres. 1. ed. São Paulo: Via Leitura, 2018. p. 78
nascem biologicamente para esse serviço. Essa interpretação, reforça, assim, estereótipos
construídos socialmente, Bowers46, acredita, então que a obra de Perkins peca nesses aspectos.
De acordo com ela, a sexualidade ambivalente feminina e a relação das mesmas com a
maternidade, além de posicionar os exploradores no papel do aventureiro que ensina as
nativas, corroboram com a visão essencialista a respeito dos gêneros. Ou seja, em seu ponto
de vista Gilman, retrata as mulheres de Herland, da mesma forma que elas são construídas:
perpetuando a crença da falta de desejo sexual feminino e representando-as como seres que
não pensam em nada além das crianças. [...] “não tinham a mais vaga noção do amor - no
sentido sexual, quero dizer. Para aquelas garotas, a maternidade era a máxima ambição” [...]
(GILMAN, 2018, p. 100)47
Caplan-Bricker (2018)48, também critica a visão essencialista de gênero na obra,
segundo ela, as mulheres na novela eram brincalhonas, graciosas e atrativas aos homens sem
ao menos se esforçarem para o ser. E isso reforça o estereótipo de que o sexo feminino é mais
sentimental, cooperativo e altruísta. Elas escolhem as crianças acima de qualquer outra coisa;
a natureza do poder feminino, para ela, em Herland, é o bem da espécie - por esse motivo, a
autora às compara às formigas e às abelhas: “- Observe as formigas [...] elas não cooperam à
perfeição? Não há argumento contra isso. Este lugar é como um enorme formigueiro. Você
sabe que um formigueiro pode ser reduzido à um berçário? E quanto às abelhas? Elas não
cooperam e vivem em harmonia?” (GILMAN, 2018. p. 78)49
Sousa assume que [...] “Herland é a terra do essencialismo, o local onde a sociedade
não “faz” mulheres, a terra em que as mulheres nascem mulheres, não são construídas e
transformadas nesses mesmos seres.” [...]50 em sua obra Essencialismo e Construcionismo na
Ficção utópica de Charlotte Perkins Gilman: Herland e With her in Ourland. Contudo, ao
observarmos as opiniões de Elinor Bowers e de Caplan-Bricker no que diz respeito à Herland
e de Herta Nagl-Docekal no que diz respeito ao tema, percebemos que o conceito de essência
humana não pode ser assumido como verdadeiro uma vez que o seu lado positivo se modifica
de acordo com o ponto de vista.

46 BOWERS, Elinor. Exploration of how Charlotte Perkins Gilman’s Herland is Problematic as an Feminist
Utopian Novel
47 GILMAN, Charlotte Perkins. Herland: Terra das Mulheres. 1. ed. São Paulo: Via Leitura, 2018. p. 100
48 Issue 16. Essays. 23 de abril de 2018. Leaving Herland by Nora Caplan-Bricker. Disponível em:
https://thepointmag.com/politics/leaving-herland/ . Acesso em 20 de outubro de 2019. p. 7 - 8
49 GILMAN, Charlotte Perkins. Herland: Terra das Mulheres. 1. ed. São Paulo: Via Leitura, 2018. p. 78
50 SOUSA, Fátima, “Essencialismo e Construcionismo na Ficção utópica de Charlotte Perkins Gilman: Herland
e With her in Ourland.” Via Panorâmica: Revista Electrónica de Estudos Anglo-Americanos/An Anglo-
American Studies Journal 2.a ser.1 (2008): 83-98. Web. <http://ler.letras.up.pt>. p. 93
Ao afirmar que a sociedade de Herland não “faz” mulheres e por isso, elas seguem sua
“essência” e, consequentemente, são essencialistas; Souza não considera que a corrente coloca
as mulheres em posição subordinada aos homens. Aqui, a autora faz crítica ao movimento
filosófico oposto ao essencialismo, o construtivismo - que abordaremos no subcapítulo a
seguir - e faz menção a uma famosa passagem de O Segundo Sexo - em que Simone de
Beauvoir critica a construção de gênero - que é a base do feminismo como ele é considerado
na atualidade:
“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino
biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea
humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da
civilização que elabora esse produto intermediário entre o
macho e o castrado que qualificam o feminino.” (DE
BEAUVOIR, 1980. p.235)51

3.3 O construtivismo em Herland

O construtivismo é uma corrente de pensamento que surgiu entre os anos 60 e 70 para


se opor ao essencialismo. Enquanto esta afirma que o ser é constituído de essência, aquela
advoga que o ser humano é construído e influenciado pela sociedade em que habita e suas
ideologias. Desse modo, segundo o construtivismo, o gênero e a sexualidade são construções
sociais, isto é, [...] "produto de forças históricas e sociais" [...] (VASQUEZ) 52. O
construtivismo, valoriza, então a construção social histórica, cultural e política e suas
influências na constituição individual. Assim, como afirmado por Nogueira (2001)53, a
psicologia se torna o estudo do ser construído socialmente, produto de discursos histórica e
culturalmente contingentes; conjunto de relações sociais.
O objetivo da pesquisa construcionista é então, segundo Nogueira, deslocar-se da
natureza pessoal e interna e para as interações pessoais e seus resultados. Ou seja, o
conhecimento não é o que se tem, mas o que se faz em conjunto com outros indivíduos. [...]
O conhecimento é relativo e dependente do tempo e da cultura, isto é, não só é específico de
culturas particulares e períodos da história, como também é produto dessa cultura e história e
dependente dos arranjos prevalecentes, quer económicos quer sociais. [...] (NOGUEIRA,

51 DE BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1980. p. 235
52 VASQUEZ, Maria Laura R. Essencialismo e construtivismo Social sob uma perspectiva Sexual. Disponível
em: http://www.cuidardesi.com.br/essencialismo_construtivismo_social.htm#top. Acesso em: 21 de outubro de
2019
53 NOGUEIRA, Conceição. Construcionismo social, discurso e género. Psicologia, Lisboa , v. 15, n. 1, p. 43-
65, jan. 2001 . Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0874-
20492001000100003. Acesso em 21 de outubro de 2019.
2001 p. 48)54. Ou seja, como defendido por Butler (1992)55 o “eu” é constituído e as relações
sociais e discursivas são pressupostas para nós.
Consoante Spink e Freeza (1999)56 na visão construtivista, a verdade não é absoluta e
individual. Ela é específica e construída a partir de convenções pautadas por critérios de
inteligibilidade, coerência, utilidade, moralidade etc.; elas são adequadas às finalidades
relevantes coletivamente. Ou seja: “O que a postura construcionista reivindica é a necessidade
de remeter a "verdade" à esfera da ética, isto é, pautar a sua importância não como verdade
em si, mas como relativa a pessoas, grupos e relações” [...] (NOGUEIRA, 2001, p. 52). 57
DeLamater e Hyde compartilham do mesmo ponto de vista e afirmam em Essentialism vs.
Social Constructionism in the Study of Human Sexuality 58 que as essências verdadeiras não
existem, e sim a realidade é estabelecida socialmente, e, portanto, os fenômenos são
construtos sociais, produtos de uma cultura específica, linguagem e instituições.
Por se opor ao essencialismo, a corrente em questão, argumenta que as categorias
sociais tais como raça, gênero e sexualidade são construídas historicamente para defender
uma base biológica das diferenças entre grupos, a fim de manter a hegemonia social e política.
Diana Fuss59, vai mais longe em seu argumento e afirma que a própria essência é construção
histórica, isto é, o natural é produzido pelo social. Isto é, o construtivismo visiona o
essencialismo como mecanismo de preservação de poder social, econômico e político.
Dessa forma, observa-se que as divergências entre grupos sociais e os estereótipos
ligados à elas estão tão enraizados na mente das pessoas, que, consequentemente, são
considerados dados integrantes da vida social, como observado por Sousa 60. Ou seja, as
desigualdades e padrões entre raças, gênero, sexualidade etc., são tomados como verdades
absolutas embora sejam construídos, como observado anteriormente.

54 NOGUEIRA, Conceição. Construcionismo social, discurso e género. Psicologia, Lisboa , v. 15, n. 1, p. 48,
jan. 2001 . Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0874-
20492001000100003. Acesso em 21 de outubro de 2019.
55 Butler, Judith. 1992. Contingent foundations: Feminism and the question of “post- modernism.” In Feminists
theorize the political, ed. Judith Butler and Joan W. Scott. New York: Routledge.
56 Spink, M.}., St Frezza, R. M. (1999). Práticas discursivas e produçáo de sentidos: A perspectiva da
psicologia social. In M. J. Spink (Org.), Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano: Aproximações
teóricas e metodológicas. Sáo Paulo: Cortez Editora.
57 NOGUEIRA, Conceição. Construcionismo social, discurso e género. Psicologia, Lisboa , v. 15, n. 1, p. 52,
janeiro 2001 . Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0874-
20492001000100003. Acesso em 21 de outubro de 2019.
58 DeLamater, John, and Janet Shibley Hyde. “Essentialism vs. Social Constructionism in the Study of Human
Sexuality.” The Journal of Sex Research 1.35 (1998): 15-16.
59 Fuss, Diana. “The ‘Risk’ of Essence”.1989. Kemp and Squires 251.
60 SOUSA, Fátima, “Essencialismo e Construcionismo na Ficção utópica de Charlotte Perkins Gilman: Herland
e With her in Ourland.” Via Panorâmica: Revista Electrónica de Estudos Anglo-Americanos/An Anglo-
American Studies Journal 2.a ser.1 (2008): 83-98. Web. <http://ler.letras.up.pt>. p. 89
No tocante ao gênero, o construtivismo constata-o - em contraste com a perspectiva
essencialista - como um sistema que se constrói e se organiza nas interações. [...] “Não é, por
isso, um atributo individual, mas uma forma de dar sentido às transacções: ele não existe nas
pessoas mas sim nas relações sociais.” (NOGUEIRA, 2001, p. 56) 61 Ou seja, segundo
Nogueira (2001)62 o gênero é uma ideologia, as distinções dos mesmos se propagam na
sociedade de acordo com padrões impostos que influenciam os pensamentos, os sentimentos
dos indivíduos, o comportamento, afetam as interações sociais e determinam as estruturas de
poder dentro de determinada cultura. [...] “O discurso do género envolve a construção da
masculinidade e da feminilidade como pólos opostos e a essencialização das diferenças daí
resultantes.” (NOGUEIRA, 2001, p. 56)63
Ou seja, o que conhecemos como gênero não é o que o essencialismo considera
inerente aos indivíduos, mas um acordo social: o que concordamos que seja. Dessa forma,
tanto homens quanto mulheres aceitam - inconscientemente - as distinções de gênero visíveis
a nível estrutural que se estabelecem ao individual a ponto de assumirem para si os traços
pertinentes a cada sexo dentro de sua cultura. Segundo Crawford (1995), além dessa
internalização de atributos considerados femininos, as mulheres também internalizam a
inferioridade, a desvalorização e a subordinação a elas designados. Observamos esse
fenômeno anteriormente neste mesmo subcapítulo: as ideologias/construções sociais são tão
enraizadas nos indivíduos, que são tomadas como verdade. Nogueira reforça a afirmação de
Crawford ao afirmar, também, que a compreensão de gênero como construção social [...]
“guia o comportamento, dirigindo as pessoas a conformar-se com as expectativas
genderizadas e deste modo a fazer o género de uma forma compatível com a sua construção
num determinada contexto social.” [...] (NOGUEIRA, 2001, p. 58) 64 Constata-se, assim, que
o gênero, é performativo, isto é, se faz, se constrói, como afirmado por Souza ao fazer menção
à citação de Simone de Beauvoir. 65

61 NOGUEIRA, Conceição. Construcionismo social, discurso e género. Psicologia, Lisboa , v. 15, n. 1, p. 56,
janeiro 2001 . Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0874-
20492001000100003. Acesso em 22 de outubro de 2019.
62 NOGUEIRA, Conceição. Construcionismo social, discurso e género. Psicologia, Lisboa , v. 15, n. 1, p. 56,
janeiro 2001 . Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0874-
20492001000100003. Acesso em 22 de outubro de 2019.
63 NOGUEIRA, Conceição. Construcionismo social, discurso e género. Psicologia, Lisboa , v. 15, n. 1, p. 56,
janeiro 2001 . Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0874-
20492001000100003. Acesso em 22 de outubro de 2019.
64 NOGUEIRA, Conceição. Construcionismo social, discurso e género. Psicologia, Lisboa , v. 15, n. 1, p. 58,
janeiro 2001 . Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0874-
20492001000100003. Acesso em 22 de outubro de 2019.
65 Subcapítulo 3.2 deste trabalho. p. 11-12
[...] “As observações do mundo sugerem que existem duas categorias de seres
humanos—homens e mulheres.” (NOGUEIRA, p. 47), contudo, o construtivismo questiona e
busca responder os motivos pelos quais essa categorização e distinção é tão importante a
ponto das categorias de personalidade se basearem nela. Ou seja, construtivistas como Gerden
(1992)66 buscam compreender a necessidade dessa distinção entre homens e mulheres uma
vez que elas não refletem nenhuma realidade concreta além das diferenças referentes aos
órgãos reprodutores.
[...] “Categorias como “homem” e “mulher” não são fixadas
pela natureza e muito menos se consubstanciam numa
essência natural imutável. Pelo contrário, são socialmente
construídas e variam consideravelmente de uma cultura para
outra e de um momento histórico para outro.” (SOUSA,
2008, p. 87)67

Discutimos nos capítulos anteriores que o conceito de razão, na maioria dos casos, tem
conotações masculinas. Essa ideia foi introduzida na antiguidade e continua presente hoje em
dia tida como verdade. Nesse ponto, sabemos que a verdade não é essência, mas sim
construções sociais pertinentes a cada cultura; no que diz respeito às diferenças entre o gênero
masculino e o feminino, a verdade construída na sociedade ocidental - influenciada pela
filosofia antiga -, é a que [...] “os homens e as mulheres têm - e são obrigados a cultivar -
características específicas.” [...] (NAGL-DOCEKAL,1999 p. 67. tradução nossa)68
Nagl-Docekal aponta outro estereótipo vigente na sociedade em sua obra The Feminist
Critique of Reason69: os homens possuem habilidades inatas de cultivar a razão em diferentes
esferas sociais, como a política, a justiça e a economia, possibilitando, assim, sua vivência
pública. Em contrapartida, o essencialismo acredita que as mulheres não possuem essas
habilidades e, em função disso, são preservadas ao âmbito doméstico. Tomando como partida
a visão construtivista da verdade, segundo Irigaray70, o fato de as mulheres serem discutidas
negativamente, não é específico apenas do discurso sexual, mas também a consequência do
caráter fundamentalmente masculino do pensamento ocidental.

66 Gergen, K. J. (1992). Lo yo saturado. Barcelona: Paidos.


67 SOUSA, Fátima, “Essencialismo e Construcionismo na Ficção utópica de Charlotte Perkins Gilman:
Herland e With her in Ourland.” Via Panorâmica: Revista Electrónica de Estudos Anglo-Americanos/An Anglo-
American Studies Journal 2.a ser.1 (2008): 83-98. Web. <http://ler.letras.up.pt>. p. 87
68 No original: [...] “men and women have-and are obliged to cultivate-specific types of character.” [...] Hypatia
vol. 14, no. 1 (Winter 1999) by Herta Nagl-Docekal. p. 67
69 Hypatia vol. 14, no. 1 (Winter 1999) by Herta Nagl-Docekal.
70 Irigaray, Luce. 1981. This sex which is not one. In New french feminisms, ed. Elaine Marks and Isabelle de
Courtivron. New York: Schocken Books.
Tomando como partida essas afirmações, Gilman, em sua obra é consciente de que o
que consideramos feminino é reflexo da sociedade masculina em que vivemos, isto é a
feminilidade é construída para atender à masculinidade. Podemos observar isso em Herland,
na seguinte passagem:
[...] Aquelas mulheres cuja distinção essencial da
maternidade era a nota dominante de toda a cultura, eram
marcantemente deficientes no que chamamos de
‘feminilidade’. O que me levou rapidamente à conclusão de
que os ‘charmes femininos’ de que tanto gostamos não são
nem um pouco femininos, mas mero reflexo da
masculinidade - desenvolvidos para nos agradar porque elas
tinham que nos agradar [...] (GILMAN, 2018. p. 70)71

A autora utiliza comparações entre o país misterioso e a sociedade exterior como


artifícios para expor a discrepância de tratamento entre as mulheres e os homens, não
exclusivamente no romance, mas inclusive na época em que foi escrito - e ainda na
atualidade. Segundo Matiolevitcz (2018)72, os exploradores representam a voz dessas
diferenças, desses rótulos atribuídos à cada gênero e construídos pela sociedade. Para a
autora, a sociedade externa reforça um molde feminino no qual o homem tem o dever de
sustentar financeiramente o lar sem que seja questionado por isso; enquanto a mulher, além de
cuidar do lar, servir o marido e criar os filhos, o deve fazer com exclusividade e quando fugir
desses padrões impostos, é questionada por tal decisão. As personagens masculinas são,
então:
[...] as vozes de um mundo criado por homens para priorizar
as necessidades masculinas, mantendo as relações de poder
nas quais a mulher está subjugada a atender às suas vontades,
tornando-se o gênero que, socialmente, atende à continuidade
desta organização social de poder e controle. [...]
(MATIOLEVITCZ, 2018. p. 57-58)73

De acordo com Sousa (2008)74, o objetivo de Gilman ao adicionar os três exploradores


na obra não somente era explorar o ponto de vista do mundo exterior no que diz respeito ao
gênero, mas também inserir a visão construtivista do mundo. No subcapítulo anterior,
constatamos que, segundo Sousa, a Terra das Mulheres representa o essencialismo - um local
onde suas nativas são essencialmente humanas, sem influências da hegemonia; desse modo, o

71 GILMAN, Charlotte Perkins. Herland: Terra das Mulheres. 1. ed. São Paulo: Via Leitura, 2018. p. 70
72 MATIOLEVITCZ, Cássia Silva. Herland: Utopia e feminismo em Charlotte Perkins Gilman. Tangará da
Serra. 2018. p. 57
73 MATIOLEVITCZ, Cássia Silva. Herland: Utopia e feminismo em Charlotte Perkins Gilman. Tangará da
Serra. 2018. p. 58
74 SOUSA, Fátima, “Essencialismo e Construcionismo na Ficção utópica de Charlotte Perkins Gilman: Herland
e With her in Ourland.” Via Panorâmica: Revista Electrónica de Estudos Anglo-Americanos/An Anglo-
American Studies Journal 2.a ser.1 (2008): 83-98. Web. <http://ler.letras.up.pt>. p. 90
mundo exterior, a terra nativa das personagens masculinas, representa o construtivismo - um
mundo influenciado por padrões pré estabelecidos culturalmente e historicamente. [...] “Os
exploradores estão habituados às diferenças de tratamento entre homens e mulheres, pois
essas são características específicas da sociedade em que vivem, baseada no
construcionismo.” [...] (SOUSA, 2008, p. 90) 75 Ou seja, segundo a autora da utopia, os
gêneros são frutos de uma tradição social que influencia suas características. O
construcionismo, não o essencialismo, incita a desigualdade entre os sexos.
Sousa (2008)76 argumenta que as diferenças entre cada sexo são apenas biológicas, ou
seja, não existem diferenças internas e que as mesmas são culturalmente impostas -
aproximando-se, desse modo, da visão construtivista - e isso resulta em seres desiguais no que
diz respeito a sua essência e em termos sociais. Ou seja, de acordo com ela, as diferenças
biológicas não justificam a desigualdade entre os gêneros, as culturais, sim. Em Herland, a
autora, possibilita o encontro entre o mundo essencialista e o construtivista, e ao fazê-lo,
rejeita a sociedade patriarcal e sua tradição de gênero. Por essa razão, o vocábulo gênero e a
divisão entre masculino e feminino, não fazem sentido na Terra das Mulheres - “- Elas nem
parecem notar que somos homens - ele continuou - Tratam-nos como tratariam qualquer um.
É como se o fato de sermos homens fosse mero detalhe.”77 (GILMAN, 2019, p. 40) -, uma vez
que todos são tratados em concomitância com sua natureza e não com seus aspectos
biológicos.
[...] Quando dizemos “homens”, “homem”, “masculino”,
“masculinidade” e todos os seus derivados, temos no fundo
da mente uma imagem ampla e vaga do mundo e de todas as
atividades nele. Crescer, “ser homem”, “agir como homem”:
o significado e a conotação são bastante amplos. O vasto
pano de fundo está repleto de colunas de homens marchando,
de fileiras de homens se locomovendo, de longas procissões
de homens; de homens conduzindo seus barcos por mares
desconhecidos [...]; de homens em toda parte, fazendo tudo:
“o mundo”. Quando falamos em “mulher”, pensamos no sexo
feminino, em fêmea. [...] para aquelas mulheres [...], a
palavra “mulher” carregava um significado pesado, tendo
evoluído tanto quanto o desenvolvimento social; enquanto
isso, a palavra “homem” indicava apenas o sexo masculino.
[...] naquela terra, as mulheres eram “o mundo”. (GILMAN,
2018, p. 150)78
75 SOUSA, Fátima, “Essencialismo e Construcionismo na Ficção utópica de Charlotte Perkins Gilman: Herland
e With her in Ourland.” Via Panorâmica: Revista Electrónica de Estudos Anglo-Americanos/An Anglo-
American Studies Journal 2.a ser.1 (2008): 83-98. Web. <http://ler.letras.up.pt>. p. 90
76 SOUSA, Fátima, “Essencialismo e Construcionismo na Ficção utópica de Charlotte Perkins Gilman: Herland
e With her in Ourland.” Via Panorâmica: Revista Electrónica de Estudos Anglo-Americanos/An Anglo-
American Studies Journal 2.a ser.1 (2008): 83-98. Web. <http://ler.letras.up.pt>. p. 91
77 GILMAN, Charlotte Perkins. Herland: Terra das Mulheres. 1. ed. São Paulo: Via Leitura, 2018. p. 40
78 GILMAN, Charlotte Perkins. Herland: Terra das Mulheres. 1. ed. São Paulo: Via Leitura, 2018. p. 150
3.4 Conclusão

Podemos observar, dessa forma, que a intenção da autora ao escrever a utopia


feminista, era dar voz a todos os seres humanos, independente de gênero. Como afirmado por
Matiolevitcz: “Herland questiona o território sexista, a divisão da sociedade por gênero que
não intercambia os interesses e princípios humanos. A obra apresenta ao leitor um espaço em
que os indivíduos podem agir e coagir sem pressupostos restritos ao gênero.” [...]
(MATIOLEVITCZ, 2018, p. 71).79. Ou seja, Gilman defende que que os sexos devem ser
livres para viverem de acordo com a sua natureza, desgarrados de estereótipos. Os direitos
humanos prevalecem sobre a sexualidade.
Gilman, assim, reconhece a necessidade de igualdade entre mulheres e homens para
que a convivência seja viável. Em Herland, a autora valoriza o indivíduo como ser humano
detentor de virtudes que devem ser respeitadas independentemente do gênero a ele atribuído.
O fato de as mulheres na utopia não possuírem traços tipicamente femininos, explica seu
entendimento acerca do gênero como algo que deve ser eliminado para a construção de uma
sociedade perfeita e igualitária.
Como pudemos observar ao longo deste capítulo, o gênero é entendido pelos
essencialistas como algo inerente do indivíduo, como parte de suas características biológicas;
já de acordo com a visão construtivista, o gênero se faz, ou seja, se constrói baseando-se em
parâmetros sociais, culturais, históricos etc. Pudemos notar, também, na visão de Charlotte
Perkins Gilman, que nosso entendimento de gênero é fruto do coletivo, desse modo, sua
intenção ao publicar Herland era romper os estereótipos sociais atribuídos à mulher e ao
homem e para tal, contribuiu para uma perspectiva pluralista do termo, [...] “já que o modelo
monolítico de racionalidade, autenticidade e verdade foi sempre baseado numa forma
(masculina) de conhecimento.” (NOGUEIRA, 2001, p. 55). 80
Segundo Nogueira (2001),81 ninguém pode ser considerado muito, pouco ou nada
feminino ou masculino. O gênero é performativo, ou seja, depende do ambiente em que o
indivíduo está inserido e das expectativas relacionadas a eles. [...] “o género não é um traço

79 MATIOLEVITCZ, Cássia Silva. Herland: Utopia e feminismo em Charlotte Perkins Gilman. Tangará da
Serra. 2018. p. 71
80 NOGUEIRA, Conceição. Construcionismo social, discurso e género. Psicologia, Lisboa , v. 15, n. 1, p. 55,
janeiro 2001 . Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0874-
20492001000100003. Acesso em 22 de outubro de 2019.
81 NOGUEIRA, Conceição. Construcionismo social, discurso e género. Psicologia, Lisboa , v. 15, n. 1, p. 57-
59 , janeiro 2001 . Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0874-
20492001000100003. Acesso em 22 de outubro de 2019.
inerente aos indivíduos, mas sim que qualidades usualmente vistas como relacionadas com o
sexo dos actores são de facto determinadas pelos contextos.” [...] (NOGUEIRA, 2001, p.
57).82 Dessa forma, o vocábulo deve, assim, ser visionado como algo plural e fluido, ou até
mesmo, inexistente já que é uma construção e não um atributo biológico.
Para Gilman, em uma sociedade sem polarização sexual, os indivíduos assumem
características andróginas, ou seja, não assumem papéis de gênero como observamos na
contemporaneidade. Valoriza-se, assim o indivíduo.83
[...] “a androginia sugere a combinação de atributos
femininos e masculinos, eliminando a suposição do dualismo
de género. Não assume nenhuma ligação entre sexo biológico
e género psicológico e pretende essencialmente que as
mulheres se libertem das orientações comportamentais
adequadas ao seu sexo” (NOGUEIRA, 2001, p. 184)84

Na passagem acima, Nogueira afirma - embasando a tese de Gilman - que a androginia


elimina a submissão entre os sexos, uma vez que não existe essa divisão. Ou seja, em
Herland, a obtenção de igualdade se dá através da androginia. [...] “Se não existirem
estereótipos, viveremos num mundo habitado por seres andróginos iguais.” [...] (SOUSA,
2008, p. 90)85. Assim, as nativas da Terra das Mulheres são definidas como uma mistura de
traços femininos e masculinos: “É claro que eram meninas. Meninos nunca teriam aquela
beleza resplandecente, mas nenhum de nós tivera certeza a princípio.” 86; ou até mesmo como
não possuidoras de qualquer característica sexual: [...] “tinham eliminado não apenas
determinadas características masculinas, pelas quais é claro que nem procuramos, mas tanto
do que sempre havíamos pensado como essencialmente feminino.” [...]87
Por fim, é necessário salientar que ao esboçar a androginia, o objetivo de Gilman é
expor o equilíbrio entre o essencialismo - a Terra das Mulheres - e o construtivismo - a terra
dos exploradores. Assim, ela faz com que o essencialismo e o construtivismo dialoguem. A
autora explica a construção dos papéis masculinos e femininos na sociedade ocidental ao

82 NOGUEIRA, Conceição. Construcionismo social, discurso e género. Psicologia, Lisboa , v. 15, n. 1, p. 57,
janeiro 2001 . Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0874-
20492001000100003. Acesso em 22 de outubro de 2019.
83 SOUSA, Fátima, “Essencialismo e Construcionismo na Ficção utópica de Charlotte Perkins Gilman: Herland
e With her in Ourland.” Via Panorâmica: Revista Electrónica de Estudos Anglo-Americanos/An Anglo-
American Studies Journal 2.a ser.1 (2008): 83-98. Web. <http://ler.letras.up.pt>. p. 89
84 Nogueira, Conceição. Um Novo Olhar sobre as Relações Sociais de Género: Feminismo e Perspectivas
Críticas na Psicologia Social. Braga: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
85 SOUSA, Fátima, “Essencialismo e Construcionismo na Ficção utópica de Charlotte Perkins Gilman: Herland
e With her in Ourland.” Via Panorâmica: Revista Electrónica de Estudos Anglo-Americanos/An Anglo-
American Studies Journal 2.a ser.1 (2008): 83-98. Web. <http://ler.letras.up.pt>. p. 90.
86 GILMAN, Charlotte Perkins. Herland: Terra das Mulheres. 1. ed. São Paulo: Via Leitura, 2018. p. 24
87 GILMAN, Charlotte Perkins. Herland: Terra das Mulheres. 1. ed. São Paulo: Via Leitura, 2018. p. 68-69
mesmo tempo em que pinta um mundo essencialista utópico. De acordo com Sousa (2008) 88,
Herland, une as esferas pública - masculina - com a privada - feminina, e argumenta que
apenas através da união das duas, pode-se alcançar a verdadeira igualdade entre os seres.

ttps://medium.com/qg-feminista/o-que-s%C3%A3o-as-ondas-do-feminismo-eeed092dae3a
(15/10/19)

88 SOUSA, Fátima, “Essencialismo e Construcionismo na Ficção utópica de Charlotte Perkins Gilman: Herland
e With her in Ourland.” Via Panorâmica: Revista Electrónica de Estudos Anglo-Americanos/An Anglo-
American Studies Journal 2.a ser.1 (2008): 83-98. Web. <http://ler.letras.up.pt>. p. 94.

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