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lVORE OOD ON
A Construção Social
do Curriculo
Ivor F. Goodson
EDUCA
Lisboa - 1997
suMÁRIo
Nota de Apresentação........................................................................ 9
(J) Cf. SILVA,Tomaz Tadeu (1996). Identidades terminais - As transformações na política da pedagogia e
na pedagogia da política. Petrópolis: Vozes, pp. 77-82.
10 IVOR F. GOODSO_-
(2) Este parágrafo é uma transcrição (adaptada) do texto de Tomaz Tadeu da Silva, citado na nota anterioc
_ -oTA DE APRESENTAÇÃO 11
.No domínio da pedagogia e da didáctica, a polémica das palavras e a defesa dos terri-
tórios institucionais, muito em especial no campo da formação de professores, estão na
ordem do dia em França. ( ...) Tradicionalmente, os defensores dos saberes recusaram as
questões ditas pedagógicas, tendo reduzido a formação de professores unicamente à
dimensão dos saberes disciplinares. ( ...) Mas, hoje dia, recorre-se aos especialistas em
didáctica, sublinhando, no entanto, que se trata de algo novo e diferente da pedagogia.
( ...) É uma falsa dicotomia, pois didáctica e pedagogia são uma e a mesma coisa, desig-
nam a mesma realidade?'.
(3) BERTRAND,Yves & HOUSSAYE,[ean (1995) .• Didactique et Pédagogie: l'illusion de Ia différence •. Les
Sciences de l'Éducation - Pour l'Ere Nouvelle, 1/1995, pp. 7-23.
NOTA DE APRESENTAÇÃO 15
(4) cr.,por exemplo: KLIEBARD,Herbert (1995). Tbe strngglefor tbe American curriculum, 1893-1958.
New York & London: Routledge, 2i edição.
(5) Cf., por exemplo, alguns dos números recentes da revista Histoire de l'Éducation.
(6) POPKEWITZ, Thomas (1987). Tbe formation of scbool subjects: Tbe strnggle for creating an American
institution. London: Falmer Press.
16 IVOR F. GOODSON
António Nóvoa
A HISTÓRIA SOCIAL DAS DISCIPLINAS ESCOLARES
«0 curso deve fornecer instrução em Língua Inglesa e Literatura, pelo menos numa
outra Língua para além do Inglês, em Geografia, em História, em Matemática, em
Ciências e em Desenho, prestar a devida atenção aosTrabalhos Manuais e à Educação
Física e, nas escolas de raparigas, aos Lavores.Não devem ser atribuídas menos do que:
4,5 horas por semana ao Inglês, à Geografia e à História; 3,5 horas à Língua estrangeira
escolhida (ou 6 horas quando fossem escolhidas duas Línguas estrangeiras); 7,5 horas
às Ciências e à Matemática, sendo que devem ser consagradas pelo menos 3 horas às
Ciências».
«0 horário de 8-10 disciplinas, que o documento de discussão apresenta, tem uma preo-
cupação académica, como Sir Robert Morant nunca teria imaginado> (Times
Educational Supplement, 31/7/1987).
reno elevado- é importante está a ganhar uma aceitação cada vez maior. No
«terreno elevado. o que é básico e tradicional é reconstituído e reinventado.
f O estatuto, que assumimos como um dado, do conhecimento escolar é, assim,
reinventado e reafirmado. Não se trata apenas de uma manobra política ou
retórica, pois esta reafirmação afecta o discurso sobre a educação e relaciona-
-se com os parâmetros da prática. Penso que, hoje em dia, seria uma insen-
satez ignorar a importância central do controlo e definição do currículo escrito.
Num sentido significativo, o currículo escrito é o testemunho público e visível
das racionalidades escolhidas e da retórica legitimadora das práticas escolares.
Na Inglaterra e no País de Gales o currículo escrito promulga e sustenta
determinadas intenções básicas ao nível educativo, na medida em que são
operacionalizadas em estruturas e instituições. Dito de outro modo: o currícu-
lo escrito define as racionalidades e a retórica da disciplina constitu~dQ o
único asp-ecto rãngível de uma padronização de recursos (financeiros, avaliª-ti-
vos, materiais, etc.). Nestasimbiose, é como se õ currículo escrito servisse de
guia à retórica legitimadora das práticas escolares, uma vez que é concretiza-
do através de padrões de afectação de recursos, de atribuição de estatuto e de
distribuição de carreiras. Em suma, o currículo escrito proporciona-nos um tes-
temunho, uma fonte documental, um mapa variável do terreno: é também um
dos melhores roteiros oficiais para a estrutura institucionalizada da educação.
O que importa salientar é que o currículo escrito - nomeadamente o plano
/ de estudos, as orientações programáticas ou os manuais das disciplinas - tem,
neste caso, um significado simbólico mas também um significado prático.
Simbólico, porque determinadas intenções educativas são, deste modo, publi-
camente comunicadas e legitimadas. Prático, porque estas convenções escritas
traduzem-se em distribuição de recursos e em benefícios do ponto de vista da
carreira.
O estudo do currículo escrito deveria proporcionar uma série de conheci-
mentos sobre o ensino. Mas, é preciso salientar que este estudo deve estar
relacionado com investigações sobre os processos educativos, os textos esco-
lares e a história da pedagogia. Porque a educação é composta pela matriz arti-
culada destes e de outros ingredientes vitais. Quanto ao ensino, e ao currículo
em particular, as questões centrais são Quem fica com o quê? e O que é que
elesfazem com isso?
A definição do currículo faz parte desta história. E isto não significa afir-
mar uma relação directa entre a definição pré-activa do currículo escrito e a
sua realização interactiva na sala de aula. Significa, sim, afirmar que _o currícu-
lo escrito fixa frequentemente parâmetros importantes para a prática da sala de
ãula (nem sempre, nem em todas as ocasiões, nem em todas as salas de aula,
mas frequentemente). Em primeiro lugar, o estudo do currículo escrito facilita
- fIlSTÓRlA SOCIAL DAS DISCIPIlNAS ESCOLARES 21
«Jáé tempo de os factos históricos relacionados com as origens das disciplinas modero
nas em Inglaterra serem conhecidos, e serem conhecidos em relação à história das for-
ças sociais que as introduziram no currículo educacional» (Watson, 1909, p. viii),
«O conhecimento com que um professor pensa "preencher" a sua disciplina é detido ~ ~.~
em comum com membros de uma comunidade de apoio que, colectivamente, abordam 'U' /
os seus paradigmas e critérios de utilidade, a forma como são legitimados nos cursos /'
22 IVOR F. GOODSON
»
& {<os professores, como porta-vozes das comunidades disciplinares, estão envolvidos
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numa organização elaborada do conhecimento. A comunidade tem uma história e, atra-
vés dela, um corpo de conhecimentos respeitado.Tem regras para reconhecer assuntos
"inoportunos" ou "ilegítimos", e formas de evitar a contaminação cognitiva. Terá uma
~ filosofia e um conjunto de autoridades, que dão uma grande legitimação às actividades
que são aceitáveis para a comunidade. A alguns membros é atribuído o poder de pres-
tar "declarações oficiais" - por exemplo, directores de revistas, presidentes, responsá-
veis pedagógicos e inspectores. Eles são importantes como "outros significantes" que
providenciam modelos para os membros mais novos ou indecisos, no que diz respeito
à adequação das suas crenças e comportamentos, (1973, pp. 70-71).
"Não se trata somente do modo como a educação está organizada, expressando cons-
ciente e Inconscientemente \)Wut
a otgal'ir2~ç~()t\~Wt!\ m\\'Ui'à ~ ~~ \l\Wà~\)~\~~Ià~~·.
A HISTÓRIA SOCIAL DAS DISCIPliNAS ESCOLARES 23
se pensava ser uma simples distribuição constitui, na verdade, uma modelação real com
objectivos sociais específicos. Trata-se também do facto de que o conteúdo da educa-
ção, que está sujeito a uma filiação histórica clara, representa determinados elementos
básicos da cultura, consciente e inconscientemente. O que se considera ser "uma edu-
cação" é, de facto, um conjunto específico de ênfases e omissões» 0975, p. 146).
«Osque estão em posições de poder tentarão definir o que se deverá entender como
conhecimento, o grau de acessibilidade ao conhecimento de diferentes grupos e quais
as relações aceites entre as distintas áreas de conhecimento e entre os que a elas têm
acesso e as tornam disponíveis» 0971, p. 52).
. sua implementação como prática escolar. Além disso, um conjunto de doeu- ~ Í'- li~
mentos compilados por Tom Popkewitz (12§llibordam os aspectos históricos é:" If ~
de uma gama de disciplinas: educação ré-escolar (Bloch), (rt0:Freedman),
leitura e escrita (Monagha e Saul), iologi (Rosenthal e ByBeeJ, matemática
(Stanic), estudos sociais (Lybhel), edOCaÇãoespecial (Franklin e Sleeter), cur-
rículo socialista (Teitelbaum) e um estudo do manual escolar de Ruggs
(Kliebard e Wegner). I,J/
No Canadá, a história do currículo foi lançada como campo de estudos '(Jtf- ~ /
devido ao trabalho pioneiro de George ~ A Common Countenance I . h,}JJ
(1986), que examinou os padrões de estabilidade e de mudança curriculares CfJF'-
numa série de disciplinas ao longo dos dois últimos séculos. Esta obra esti-
mulou uma vasta gama de novos e importantes trabalhos sobre história curri-
cular. Por exemplo, o estudo muito estimulante de Gas ell sobre a história da
física escolar, que é um dos textos integrados num livro recente, International
Perspectives in Curriculum History, que procura reunir alguns dos mais signi-
ficativos contributos produzidos em diferentes países sobre a história curricu-
lar. Além dos trabalhos já mencionados de Stanic, Moon, Franklin, McCulloch,
Ball e Gaskell, estão ainda incluídos três artigos: Victorian Scbool Sdêiic de
Hodson; ~ducation de Louis Smith; English on the Norwegian Common
26 IVOR F. GOODSON
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das situações que serão aceites como conformes à regra da educação. Mas, por
outro lado, ..as recompensas por atender a critérios externos constituem uma
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28 IVOR F. GOODSON
1 "('I' lJJ41-' ~apacidade crescente para mobilizar recursos sociais para objectivos organiza-
/cionais» 0983, p. 86). A este respeito, john Meyer faz uma distinção entre cate-
1) gorias institucionais e organizacionais.
~(e-~) salas de aula.As categorias institucionais incluem níveis de ensino (como o primário),
tipos de escola (como a unificada), funções educacionais (como a de reitor) e tópicos
curriculares (como a leitura, a Reforma ou a Matemática). Em cada um destes casos, a
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forma organizacional criada e mantida pelos professores (e por outros actores) é con-
() frontada com uma categoria institucional, significativa para um público (ou públicos)
mais vasto» (Reid, 1984, p. 68).
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As categorias institucionais que Meyer define são a principal moeda no
mem:rdo eaucaciõna . Neste merca o, saon-ecessárias-tipificáçõ-es sõciãis íden-
-'fifiCáV'éisé'pãdróniZáveis~ para os alunos, porque estão a construir carreiras
escolares ligadas a certos objectivos profissionais e sociais; para os professo-
res, porque desejam assegurar o futuro dos seus alunos e alcançar boas car-
, reiras e estatutos profissionais para eles próprios. A missão dos espaços
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rY /" disciplinares liga-se ao mercado na procura dessas retóricas que irão-assegu-
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ràr ca egorias 1 en 1 lcáwL,. c-reQ[vetsparà a opinião pública. Para Rêid" -
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1 ver tópicos acessíveis ao maior número possível de alunos, estão novamente a aumen-
tar as exigências em termos de conteúdos e a pôr em causa estilos inovadores de ensi-
t/,p no» (1984, p. 73).
®1~ Este episódio exemplifica essencialmente uma situação em que os assun-
~e,~) '" tos internos e as relações externas não estão em harmonia ou, mais concreta-
mente, são divergentes. As mudanças organizacionais foram assim
implementadas, mas as cate orias institucionais, dependentes de gru os de
apoIo externos, mostraram-se resistentes à mudança. E muito improvável que
à mudança organizacional, sem um apoio ou acompanhamento ao nível insti-
tucional (isto é, com significado para grupos mais vastos), venha a ter efeitos
ngo prazo.
Essencialmente, aquilo que é necessário para compreender a estabilidade
e mudança curriculares são formas de análise que procuram examinar os
assuntos internos em paralelo com as relações externas, como um modo de
desenvolver pontos de vista sobre a mudança organizacional e sobre as
mudanças em categorias institucionais mais amplas. Esta análise ultrapassa a
forma um pouco internalista de grande parte das pesquisas curriculares. Trata-
-se de práticas de pesquisa que desenvolvem frequentemente analogias médi-
cas e, por isso, Miles referiu-se à «saúde organízacíonal- das escolas. No
trabalho de Hoyles (1969), a mudança curricular não «pega»devido a uma
espécie de rejeição de tecidos por parte de escolas que não têm saúde orga-
nizacional. A tónica foi posta'na constituição e funcionamento interno da esco-
la como um corpo discreto e auto-regulador.
Webster argumentou convincentemente contra esta analogia médica ao
desenvolver alguns dos pontos de vista de Robert Nisbet, que nos exortam a
concentrar a atenção em aspectos mais vastos da mudança e da conservação
culturais. Incita-nos a apreciar os mecanismos de estabilidade e persistência na
sociedade, -o simples poder do conservantismo na vida social: o poder do cos-
tume, da tradição, do hábito e da mera inércia»(Webster, 1971, pp. 204-205),
Tal como Webster observa:
l «Segundo o ponto de vista de Nisbet, enganámo-nos muitas vezes quando pensamos
. que se está a dar uma mudança social radical, porque não nos apercebemos da distin-
ção significativa... entre reajustamento ou afastamento individual numa estrutura social
l11(cujos efeitos, embora possivelmente cumulativos, nunca são suficientes para alterar a
I estrutura de uma sociedade ou instituição para postulados culturais básicos) e a mais
fundamental, embora enigmática, mudança de estrutura, tipo, padrão ou paradígma»
• (1971, pp. 204-205).
\ Por esta razão, Nisbet afirma que «são raros os momentos históricos em
) que, como consequência de uma crise, e qualquer tipo de atenção dada a essa
'llNAS ESCOLARES: PADRÕES DE ESTABIllDADE
•Os discursos intelectuais que se pensa, num dado período, terem um valor cultural ou
instrumental para os jovens, tomam-se, na escola, disciplinas que, por sua vez, provi-
denciam a organização intelectual e os veículos que os professores empregam para
ensinar sistematicamente os seus conhecimentos a milhões de alunos, durante os doze '
anos, ou mais, em que estão na escola. Os professores deixam as escolas, mas os alunos
permanecem - é a existência de um programa organizado de formas rotineiras que
possibilita o facto de um professor retomar a matéria onde o outro deixou, quer seja
no meio do ano, ou no final do ano. É a existência de~tas instituições sociais, com o seu
carácter conhecido, que toma possível os esforços comuns de um sistema escolar - for-
mação dos professores, elaboração de textos e exames, construção de equipamento e
edifícios, etc. Por outras palavras, as disciplinas e as formas de ensino que as rodeiam
são estruturas que especificam as condições e os contextos de sentido em que o ensi-
no terá lugar, e constituem os espaços e os meios de colaboração institucional das
agências educativas para o progresso do seu trabalho» (1975, pp. 8-9). I
f.!i'
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sociedade. mencionados anteriormente. A disciplina escolar é, assim, um dos
~ ~ prismas at~avés d~~ quais pod<:!.e]Eosvislu!,!lbl],f'! .estrutura_do ensino estatal.
Parece, no entanto, um terreno particularmente valioso para a pesquisa, uma
5!
..J ~
vez que a disciplina se situa na intersecção das forças internas e externas que
Q} mencionámos: além disso, as acções do Estado em matéria educacional são
I.M muitas vezes incaracteristicamente visíveis em alturas de reorganização disci-
'W plinar (por exemplo, no caso presente do currículo nacional britânico ou no
debate actual sobre o currículo australiano).
I De certa forma, a disciplina escolar permanece como um arquétipo da
i divisão e fragmentação do conhecimento nas nossas sociedades.
~.. . \ Enclausurados dentro de cada -rnicro-disciplina, os debates mais vastos
{p,r- . sobre os objectivos sociais do ensino tendem a ser travados de forma isola-.
da e segmentada (e, sem dúvida, sedimentada) entre os diferentes níveis
internos e externos e entre os domínios públicos e privados do discurso. A
harmonização através dos níveis e domínios é uma busca ilusória: a estabili-
dade e a conservação continuam, assim, a ser o resultado mais provável da
estruturação do ensino, no qual as disciplinas constituem um ingrediente cru-
\ cial.
, Alguns investigadores afirmaram recentemente que o sistema foi construí-
do, desde os seus primórdios, para ~--....,.
assegurar a estabilidade -e para mistificar
-----_ e
.. -
dissimular as relações.-i!f poder que sustentam todas as acções curriculares.
J I Por exempIõ, referindo-se ao caso da Alemanha em particular e da Europaem
{fácil como parece. Não basta ficar quieto, a não ser que o pesadelo de Orwell se tome
realidade com o controlo completo da distribuição social do conhecimento. Além
disso, para ficarem quietos, todos os que contribuem para a estrutura da distribuição
existente teriam que estar de acordo - algo que é extremamente improvável numa
I
sociedade como a nossa. Por esta razão, é necessário um sistema elaborado capaz de
produzir a legitimação da distribuição desejada. Nas suas melhores condições, um sis-
@
tema desses pode por si só produzir ou organizar a legitimação de que necessita. Os
atritos que possam surgir durante o processo de legitimação não serão susceptíveis de
I afectar o equilíbrio subjacente do poder, pelo que terão de ser neutralizados noutras
I áreas (fazendo-os surgir como problemas técnicos da estrutura do conhecimento ou do
~ método de ensino, por exemplo)>>(1990, p. 160)
~I
--
Ao examinar o aparecimento do sistema educativo na Alemanha, a partir
do primeiro projecto prussiano de 1816, Haft e Hopmann observaram que a
divisão dos planos de estudo de acordo com o nível escolar e o tipo de esco-
la implicava divisões nos horários, nos regulamentos dos exames e das pro-
moções, nas instruções dos manuais escolares, ete. Na sua versão final, estas
divisões são aumentadas pelo plano de estudos global que é reduzido a um
catálogo disciplinar de objectivos e conteúdos. Haft e Hopmann declaram que:
Reinscrevendo o «tradicional»:
O currículo nacional britânico
-Uma estrutura curricular fragmentada permite que novos conceitos sejam adoptados,
pelo menos parcialmente, desde que as margens entre as disciplinas não estejam irre-
conhecíveis.A autorização para abandonar a suposta estrutura da administração disci-
plinar não é de modo algum facilmente obtida e está sempre confinada a áreas ir
disciplinares intimamente relacionadas. A "coligação" que constitui uma determinada
disciplina tem que ser enfraquecida a partir de dentro. É por isso que o esforço inglês
para desenvolver uma abordagem integrada do ensino científico só teve sucesso quan- I
do foi apoiado por uma combinação de incentivos e uma escassez significativa de pro- ~
fessores de Ciências... Estabelecer a abordagem integrada como forma regular do
ensino científico, parece bastante impossível, a não ser que surjam programas adequa-
dos, tanto a nível administrativo como a nível educativo (o que será difícil, devido à
divisão social das disciplinas).
O facto de as abordagens integradas não serem úteis em sistemas compartimentaliza-
dos não significa,porém, que tenham de existir diferentes conceitos curriculares em
cada compartimento. O oposto é verdadeiro. Os limites do sistema como um todo
reduzem o grau de mudança que um simples esforço pode conseguir. Nos sistemas
compartimentalizados não se deixou acessível nenhum nível no qual o desenvolvi-
mento curricular pudesse ser organizado como um esforço de construção social de
novas estruturas e lógicas de distribuição do conhecimento. Porque as dependências
e as ideias dominantes não podem ser desafiadas em geral.Assim,se existir um con_}
ceito curricular predominante com que o sistema como um todo possa contar, isso
tem de ser aceite como a regra do jogo em cada compartimento (isto é, as mudanças
devem respeitar o limite de variação que lhes é imposto). (Haft & Hopmann, 1990,
p. 167).
1969; Cox & Boyson, 1975). Os autores desta colecção afirmavam que o pro-
fessores tinham sido demasiado influenciados pelas teorias progressistas da
educação, tais como a integração das disciplinas e práticas de ensino basea-
\ das na pesquisa e na descoberta. Isto teve como consequência uma negli-
.( gência do ensino de conhecimentos básicos e disciplinares e conduziu a uma
) redução dos padrões de aproveitamento do aluno e a um aumento da indis-
.' ciplina na escola; através deste raciocínio, a disciplina escolar (académica)
I era posta em paralelo com a disciplina moral e social (comportamental). A
\ reabilitação da disciplina escolar garantiu o restabelecimento da disciplina
\ nestas duas perspectivas. Os Black Papers foram adaptados pelos políticos,
que os foram integrando nos seus discursos e projectos. Em 1979, por exem-
plo, na sequência de uma pesquisa realizada em várias escolas secundárias
de Inglaterra e do País de Gales, as autoridades chamaram a atenção para o -
que julgavam ser a prova de uma correspondência insuficiente entre as qua-
lificações e a experiência dos professores e o trabalho que estavam a reali-
zar. Posteriormente, numa outra pesquisa, descobriram que o ensino
( ministrado por professores que tinham estudado as disciplinas que ensina-
{ vam como disciplinas principais na sua formação inicial se encontrava mais
'directamente associado a padrões elevados de trabalho (Her Majesty's
Inspectorate, 1983).
I
l&;f I
y I lhem disciplinas, então é provável que os professores necessitem de conheci-
v I mentos disciplinares. Mas isto serve para impedir um debate sobre quando
~1 deveriam escolher as disciplinas como um processo educacional. Em vez disso,
@/.{temoscomoeSCOlhaumfaitaccomPliPrático.Defacto, os alunos não têm
I outra hipótese senão aceitar « os domínios disciplinares que escolheram».A rea-
I( bilitação política das disciplinas por ditame político é apresentada como uma
escolha do aluno.
~,J.j.4 Em Teaching Quality volta-se à questão da correspondência entre as qua-
r \ty{ ~ lificações dos professores e o seu trabalho com os alunos; verificamos que «o
!i 11
~. ). ~
~v 'G
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1, v ~ J
~ ,~ L-
\ ...
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'1Jv
, ,5', 'I [J
o
:7 )
DISCIPLINAS ESCOLARES: PADRÕES DE ESTABILIDADE 37
~l~t~
numa clara crença no padrão hierárquico e sequencial da aprendizagem dis-
ciplinar. ~
Todo o ensino disciplinar especializado, no decurso do ensino secundá- . ..
rio, requer professores cujo estudo da disciplina em questão se situe num nível
adequado ao ensino superior, represente uma parte substancial do período de ,
formação superior e se situe num nível elevado de competência.
6)' .~
O início da especialização disciplinar evidencia-se melhor quando é ana- --- .
lisada a questão do trabalho não disciplinar nas escolas. Muitos aspectos do
trabalho escolar ocorrem fora (ou ao lado) do trabalho disciplinar - estudos
do processo escolar mostraram como o trabalho auxiliar e terapêutica integra-
do surge, porque os alunos não têm aproveitamento nas disciplinas tradicio-
nais. Longe de aceitar a disciplina como um veículo educacional com severos
limites, se a intenção é a de educar todos os alunos, o documento publicado
por Her Majesty's Inspectorate procura reabilitar as disciplinas mesmo nos
domínios que surgem, frequentemente, da "dispersão»disciplinar:
11 ricular seja apresentada como uma revolução curricular, tal como Orwell obser-
: vou: «o que controla o passado, controla o futuro» (ver Goodson, 1989).
As semelhanças põem em dúvida a retórica de «umanova e importante ini-
ciativa»tomada pelo Governo e apontam para algumas continuidades históri-
DISCIPLINAS ESCOLARES: PADRÕES DE ESTABILIDADE 39
40 IVOR F. GOODSON
t docente estão a convergir de um modo tal que poderão alterar e acentuar o papel do
grupo disciplinar.Ao sugerir novas modalidades de certificação, por exemplo, o gover-
• no federal está a privilegiar o conhecimento disciplinar sobre a formação pedagógica.
As comissões estatais de certificação estão a seguir uma conduta semelhante, ao exigi-
rem a especialização numa determinada disciplina especializada. O corpo docente uni-
versitário está a formar "alianças" com os seus "parceiros" disciplinares nas escolas
secundárias, com vista a partilhar tempo, conhecimentos e legitimidade. Os pesquisa-
dores e os reformadores estão a reformular conhecimentos pedagógicos como disci-
plinares e a alargar a categoria disciplinar especializada em graus elementares. Os
reitores, rotineiramente encarregados da supervisão e avaliação de um grupo generi-
camente categorizado como "professores", vêem-se agora (e são vistos) como não
tendo conhecimentos para dirigir os "especialistas".E os próprios professores estão a
mudar.A sua identificação com as áreas disciplinares está a ser reforçada, à medida que
adquirem as credenciais educacionais que certificam tais conhecimentos: a percenta-
gem dos professores do ensino secundário que detêm pelo menos uma especialização
"'I;à universitária na disciplina que lhes foi atribuída aumentou aproximadamente de 60%
<:\. em 1962 para 80% em 19860989, pp. 3-4).
«Surgiu uma excepção à regra geral do laissezjaire educacional: pela primeira vez
decidiu-se estabelecer critérios para o que as crianças americanas deverão saber nos
vários níveis de ensino das várias disciplinas e elaborar exames nacionais para desco-
brir se o sabem.
Faltarão pelo menos quatro anos até que esses exames atinjam as salas de aula, mas a
ideia em si já está a levantar problemas. Os exames nacionais podem conduzir a um
currículo nacional de facto> (Norris, 1990, p. 7).
Conclusão
,.
Estudos históricos da estabilidade e d~\ mudança curriculares fornecem
valiosos pontos de vista sobre os parâmetros'é os objectivos do ensino. O estu-
DISCIPliNAS ESCOIARES: PADRÕES DE ESTABIliDADE 41
i
e materiais à medida ue rosse uem as suas mis~ões individuais e colectivas.
A função social do ensino fixa parâmetros, perspectivas e incentivos níti-
dos para os actores envolvidos na construção das disciplinas escolares. A nossa f
investigação sobre as actividades desses actores classifica-as como sendo acti- I
vidades individuais ou colectivas com «carreiras»e <missões»dependentes de /
fontes externas para a obtenção de recursos e de apoio ideológico. '
Focar somente o conflito significa esquecer dimensões cruciais do poder,
além de que o conflito, nesta perspectiva pluralista, é essencial na medida em {}
que permite ensaios experimentais das atribuições de poder: sem isso, pensa- I
-se, o exercício do poder não chegaria a manifestar-se. Um outro problema
relaciona-se com questões de consciência, uma vez que os pluralistas «opõem- r?
se à ideia de que os interesses possam estar desarticulados (ou não possam ser
directamente observados) e, acima de tudo, à ideia de que as pessoas possam
realmente estar enganadas sobre os seus próprios interesses, ou não ter cons-
ciência deles» (Lukes, 1974, p. 14). Há muito tempo, Lynd tratou esta questão
numa introdução ao livro de Brady, Business as a System of Power, um sistema
que do seu ponto de vista é:
-Uma forma de organização da sociedade intensamente coerciva que obriga cumulati-
vamente os homens e todas as suas instituições a fazerem prevalecer a sua vontade
44 IVOR F. GOODSON
sobre a minoria - que detém e exerce o poder económico; e que esta inexorável dis-
torção das vidas humanas e das formas associativas é cada vez menos o resultado de
decisões voluntárias tomadas por homens "bons" ou "maus" e cada vez mais uma teia
ímçessoaí de coerções ditadas Qela necessidade de manter o sistema em funciona-
mento. (1943, p. xii),
cráticas específicas. Por esta razão, o Ministério da Educação, como uma buro-
cracia estabelecida, tem objectivos, necessidades e ideologias que poderão
muito bem opor-se, nos termos da política educacional, às necessidades da
economia.
~J)
das entidades centrais funcionam através de um sistema educacional descen-
tralizado, nomeadamente através das autoridades educacionais locais. Estas
autoridades locais têm as suas próprias burocracias, com as suas próprias dinâ-
. / micas e preferências políticas. Deste modo, é verdade que, em relação ao cur-
~ ( rículo das escolas, «os concursos curriculares ganhos numa esfera podem ser
perdidos numa outra esfera, revelando a possibilidade de grandes variações
I
\
"o lado incitativo do poder de coação reside no facto de a esfera de acção autónoma
dos funcionários governamentais estar limitada pela sua subordinação a uma socieda-
de democrática e a uma economia capitalista. Os funcionários governamentais estão
dependentes essencialmente do acordo do povo, expresso através dos votos, para
exercerem a sua autoridade. Mas esses votos são fortemente condicionados pelo esta-
do da economia e pela provisão governamental de programas politicamente populares.
E,numa economia capitalista, o crescimento económico e as receitas fiscais para fínan-
ciar programas governamentais estão dependentes da disposição do comércio em
investir capitals (Dougherty, 1988, pp. 409-410).
50 IVOR F. GOODSON
«Estespúblicos que pagam e apoiam a educação, colocam o seu trabalho nas mãos de
profissionais apenas num sentido limitado e inesperado. Porque, embora pareça que os
profissionais têm poder para determinar o que é ensinado (a nível escolar, distrital e
nacional, dependendo do país em questão), a sua expectativa é limitada pelo facto de
só as formas e actividades que têm significado para os públicos externos poderem
sobreviver, a longo prazo» (Reid, 1984, p. 68).
DISCIPLINAS ESCOIARES: PADRÕES DE MUDANÇA 51
Introdução
~\ I ')
I educação científica. A história da disciplina pode muito bem explicar esta prós-
pera actividade de investigação: as Ciências são uma disciplina que só atingiu
um lugar de destaque no currículo do ensino secun - no após uma onga e
\ visível luta políti9.:..Na Grã-Bretanha, teve lugar em meãdos do sécuÍü XIXum
:'Jt:.r , cOrifrlto su6stancial sobre qual a forma que a educação científica deveria assu-
'.~ \ mir: esta luta, como poderemos verificar, permite compreender substancial-
~
rI.",)
r_~( ti
mente a construção social do currículo científico que iria prevalecer não só nas
~~scolas estatais inglesas, mas também no currículo de muitos outros países.
tir .('I < ~~ Todavia, tal como acontece geralmente com a história do currículo, a
\!""'~Jn!YcI maioria das primeiras histórias da educação científica adoptam um. tom narra-
'\ . 'tb . tivo não crítico e um adrão es . ente evolutiv _e_cLOnológiCQ. Seguindo
// esta forma, temos o trabalho pioneiro de D.M. Tur!l,er, The History of Science
Teaching in England (1927). De acordo com um formato ainda mais conciso
de «factos e acontecimentos-, sem qualquer tipo de análise ou história social,
temos o trabalho de G.D. ÉishoQ, Physics Teaching in England from Early
Times up to 1850 (1961). Não obstante, estes volumes fornecem dados valio-
sos que poderão ser utilizados numa reflexão mais aprofundada sobre a his-
tória da Física como disciplina escolar.
a período de estudos mais analíticos sobre as Ciências como disciplina
escolar começou de facto nos an Z sessenta uma fase de análise social mais
sistemática em geral. Alguns trabal os mteressantes debruçaram-se sobre a
relação entre a educação científica e técnica. Refira-se, por exemplo, o estudo
de Cane 0959-1960) sobre as disciplinas científicas e técnicas no currículo
inglês da viragem do século, ou o trabalho de ~~gle South Kensington to
Robbins (964), abrangendo um período de cerca de um século (entre a
Exposição de 1851 e meados do século XX). Mais tarde, Roderick eSte hens
produziram uma obra intitulada Scieruific and Technical Education in
Nineteenth Century England (972), que é uma valiosa fonte de dados, mas
que, de um certo modo, volta a uma forma menos analítica e mais narrativa.
A investigação mais estimulante e promissora dos anos sessenta recorreu
à análise do trabalho dos pioneiros da educação científica. Este trabalho sobre
a realidade anterior à existência de um paradigma dominante de «Ciências»per-
mitiu a compreensão das primeiras lutas por «aquilo que contava como ensino
das Ciências». a excelente estudo de Price 0959-1960) sobre George Combe
serviu de exemplo, mas o mais importante de todos talvez tenha sido o traba-
lho de Ball (964) sobre Richard Dawes e o ensino das coisas comuns, o qual
mostrou que as primeiras iniciativas no ensino científico nas-esco as primárias
HISTÓRIA DE UMA DISCIPliNA ESCOLAR: AS CIÊNCIAS 55
o apoio oferecido pelo Her Majesty's Inspectorate estes recursos não tardaram
I a aparecer. Em primeiro lugar, em 1851, foi estabelecido um subsídio gover-
namental para a aquisição de equipamento escolar. Um importante fabricante
de instrumentos científicos, sediado em Londres, produziu conjuntos de equi-
pamento padrão para o ensino das Ciências, sendo dois terços do custo de
compra deste equipamento recuperado através dos subsídios governamentais.
Em segundo lugar, o fornecimento de manuais foi possível graças a um esque-
ma governamental, mas como a maioria dos livros existentes eram pouco ade-
quados, James Kaye Shuttleworth (responsável pelo Committee of Council on
Education), encomendou a redacção de manuais escolares apropriados. Em
terceiro lugar, Moseley recebeu instruções para elaborar um esquema no sen-
tido de as Escolas de Formação de Professores respondessem às novas neces-
sidades curriculares. Nesta altura, a ciência das coisas comuns parecia pronta
a estabelecer-se como a versão mais importante da educação científica no cur-
rículo escolar primário. Relativamente às três condições prévias mencionadas
acima, Hodson pensou que: «Com estas três condições reunidas, necessárias
para o desenvolvimento do esquema de Dawes, e visto as escolas que já uti-
lizam o esquema estarem a mostrar um êxito considerável, podia augurar-se
um futuro promissor a este movimento- 0988, p. 144).
Nesse momento, a ciência das coisas comuns era apoiada ao mais alto
nível e disponibilizavam-se novos recursos. Em particular, havia cada vez mais
indícios de que esta forma de ensino científico estava, de facto, a resolver
alguns dos problemas de como ensinar a disciplina a um grande número de
alunos. O público das escolas primárias estava a receber cada vez mais uma
educação científica viável, bem sucedida e cativante.
No entanto, as coisas inverteram-se muito rapidamente. Richard Dawes foi
transferido para um novo posto, em Hereford, e teve de trocar os seus inte-
resses educativos por novos interesses. Praticamente ao mesmo tempo, Henry
Moseley foi transferido para a Catedral de Bristol. Deste modo, os dois princi-
pais impulsionadores da ciência das coisas comuns foram afastados de uma só
vez.
O sucessor de Henry Moseley alterou a realidade anterior e mudou o esta-
tuto da Física de disciplina obrigatória para optativa. No final da década, dei-
xou praticamente de haver uma formação específica de professores. Em 1859,
os subsídios para o ensino das Ciências foram reduzidos e, em 1862, todos os
recursos financeiros especialmente destinados às Ciências foram retirados.
Fica aqui uma questão fundamental para os historiadores do currículo:
porque é que esta primeira iniciativa, bem sucedida, de educação científica de
massas acabou por malograr? O estudo de Layton dá-nos algumas pistas de
resposta, ao resumir o movimento para a ciência das coisas comuns:
HISTÓRIA DE UMA DISCIPIlNA ESCOLAR: AS cIÊNCIAS 57
«Aquinão havia migalhas da educação das classes altas caridosamente dispensadas aos
filhos dos pobres trabalhadores. A instrução estava ligada a uma cultura que lhes era
familiar e a oportunidades genuínas para o uso da razão e especulação ao recorrerem
a observações que pertenciam à vida diária. A compreensão e o exercício do pensa-
mento não eram prerrogativas das classes média e alta» 0973, p. 53).
«Aspalavras que são familiares aos ouvidos dos nossos filhos, e reconhecidas por eles
quando aprendem a ler, são estranhas aos filhos de um trabalhador e ininteligíveis; e os
modos de expressão mais complicados que são próprios de formas de pensamento ela-
boradas e que exercem as capacidades de raciocínio dos nossos filhos, são distintos das
ideias tal como podem ser apreendidas no dia-a-dia. (cf Iayton, 1973, p. 85).
«Um rapaz pobre vacilou ao dar uma resposta; era aleijado e encurvado e o seu rosto
pálido emaciado reflectia claramente uma história de pobreza e as suas consequências
[...] mas, sem demora, deu uma resposta tão lúcida e inteligente à questão que lhe fora
colocada que despertou nos outros um sentimento de admiração pelos talentos do
rapaz combinado com um sentimento de vergonha de que se poderia encontrar mais
informação em algumas das nossas classes baixas, em questões de interesse geral, do -
que nas classes que estão muito acima delas no mundo devido à posição social".
E acrescentou:
"Seria um estado social pernicioso e corrupto em que os que não estão comparativa-
mente abençoados com os dons da natureza deveriam ser geralmente superiores em
feitos intelectuais àqueles que estão acima deles na posição social» (cf Hodson, 1988,
p. 167).
maioria das instituições educacionais terem laboratórios para este fim, as esco-
las normais pediam a todos os alunos que passassem muitas horas nos seus
bem equipados laboratórios de Química. (cf Kuslan, 1982, pp. 214-215).
O recente estudo de Tornkins sobre o Canadá revelou que, inicialmente,
o ensino científico da História Natural integrava "os elementos mais simples da
Botânica e da Zoologia, incluindo a Fisiologia humana ensinada através de
aulas práticas. e que a Filosofia Natural «significava essencialmente a aprendi-
zagem dos princípios básicos da Física e da Química•. Segundo a opinião de
Tornkins, na década de 1880 o ensino da Química estava "bem estabelecido-,
ainda que numa forma algo concreta e rudimentar, na maioria das províncias
do Canadá; porém, pouco se fez quanto a trabalho laboratorial no período
anterior a 1890. Croal reivindica que foi a mudança para uma ciência Iabora-,
torial e um método científico que contribuiu para a consolidação do estatuto
da disciplina. Salienta igualmente a influência crescente das universidades na
definição da disciplina. Deste modo:
"Por volta de 1890, as Ciências tinham ganho aceitação em Toronto como disciplina.As
escolas secundárias de Ontario eram agora obrigadas a ter laboratórios com vista a
adquirir um estatuto mais elevado. A ciência "pura" das disciplinas universitárias signi-
ficava, como continuaria a significar,que os aspectos aplicados recebiam pouca aten-
11
I ção no currículo> (Tomkins, 1986, p. 87).
I
(8) Os parágrafos seguintes são baseados num livro anteriormente publicado: Scbool Subjects and
Curriculum Cbange: Studies in the Social History 01 Curriculum (London, Croom Helm, 1983).
64 rvon F. GOODSON
~IJI
movida como uma ciência experimental rigorosa, conduzida em laboratórios e
proporcionando uma visão coerente do conhecimento. "O estudo dos corpos
vivos é efectivamente uma disciplina que está dividida em Zoologia e Botânica
somente por uma questão de conveniência- (cf. Popkewitz, 1987, p. 131).
Nesta afirmação, a ambição quase audaciosa dos autores é clara, a Biologia
não se contentaria com uma mera equivalência com as disciplinas já estabele-
.~ cidas, a Botânica e a Zoologia; a Biologia seria o novo paradigma superior,
~ uma disciplina mais moderna capaz de reunir todo um conhecimento anti-
quado e fragmentado numa só disciplina científica.
Assim, ao mesmo tempo que o livro aparecia, Henry Martin desenvolvia
no seu trabalho, na john Hopkins Uníversity, um curso geral de Biologia que
HISTÓRIA DE UMA DISCIPLINA ESCOlAR: AS CIÊNCIAS 67
University para outras universidades. Pouco depois, esta Biologia começou a ~ ~ .o:. rvY
desenvolver-se em muitas escolas secundárias. Em Nova Iorque, por exemplo, . y
realizou-se um curso geral de Biologia para ser ministrado nas escolas secun- 0 ~~
dárias do Estado. 'IJ I. j.
«ABotânica e a Zoologia das nossas escolas secundárias não têm sido desde o começo
diferenciadas do trabalho universitário. Os novos métodos ou fases da Biologiaque apa·
receram na universidade surgiram rapidamente na escola secundária. [...] O equipa-
mento do laboratório da escola secundária é também baseado no que se usa na
universidade, chegando mesmo a rivalizar com ele» (cf. Popkewitz, 1987, p. 132).
lugar para os estudos ecológicos que não pusessem em causa uma concepção l' \
científica rigorosa.
72 IVOR F. GOODSON
«Será o avanço dos estudos de campo impedido pela falta de professores formados para
os conduzir? Estarão os processos de administração educacional e a inflexibilidade no
currículo escolar a obstruir as oportunidades locais para ensinar as crianças fora da sala
de aula? Estarão os professores inibidos pela falta ou inacessibilidade de recursos, e
geralmente pela simples dificuldade de tratar de estudos de campo de padrão mais ele-
vado numa base mais geral? Estará o sistema de examinação a penalizar as escolas que
revelam alguma iniciativa neste domínio em oposição àquelas que se limitam à rotina
interna? (Study Group on Education and Field Biology, 1963, p. 185).
ros cidadãos irão necessitar de uma introdução muito melhor aos princípios e
meios da ciência, de um sentido dos valores mais profundo e mais satisfatório
e de um sentimento emocional mais firme e forte de pertencerem realmente à
civilização contemporânea» 0963, p. viii).
A importância do Relatório foi sublinhada por Dowdeswell que, em 1962,
cDomedçoualI dli:igir o Proljecto bi~lógilcod de Nduffield' /D~sde AOE inlíci?, l) t0,
ow eswe sa íentou o va or e ducaciona os estu os eco OglCOS.
l co ogia 't:)
desenvolveu-se como uma nova síntese intelectual nas universidades. Algumas
das novas universidades estabeleceram departamentos de Ecologia ou -ciência
ambiental-, havendo desenvolvimentos igualmente significativos nas universi-
dades mais antigas. Sir Arthur Tansley, o primeiro presidente do Council for
the Promotion of Field Studies, promoveu a disciplina em Oxford, de acordo
com a muito enraizada tradição dessa universidade.
A definição da Ecologia como uma disciplina de base universitária, no
âmbito do paradigma científico mais tradicional e dos outros desenvolvimen- ~
tos na Biologia, "continha» as mais puras tradições ambientais e naturalistas. I
«Identificar esta versão como "bioquímica", "ecológica" ou "celular" poderia ter impli-
cações não intencionais e desastrosas, porque algumas pessoas poderiam considerar
estas versões como sendo cursos de Ecologia, Bioquímica ou Biologia celular e não
como programas gerais de Biologia elaborados por grupos de biólogos com diferentes
formações. Assim, era necessário que estas versões fossem indicadas em termos neu-
tros» (Grobman, 1969, p. 64).
os outros ... que prepararam o caminho para o sucesso da Biologia como ciên-
cia; a partir desse momento, havia uma forte possibilidade da Biologia se tor-
nar uma "ciência exacta" ao lado da Física e da Química-". Falando do final
da década de sessenta, o Professor Dowdeswell confirmou: "O estatuto seguiu
a ascensão da Biologia molecular. As grandes descobertas de Crick e Watson
mudaram tudo-. No entanto, ao lado destes desenvolvimentos, Dowdeswell
mencionou outro tema ao fazer o seguinte comentário: "havia um sentimento
de que tudo o que não fosse quantitativo não era ciência-?". Outro biólogo
universitário explicou a tendência da seguinte forma: «A Biologia era, e ainda
é, muitas vezes, uma ciência mais descritiva do que física l...1 em consequên-
cia, os candidatos mais fracos eram enviados para esta área e, quando se faziam
abordagens quantitativas, era por mais respeito pela disciplina, por um aumen-
to do estatuto/li). Os temas gémeos da Biologia molecular e da quantificação
foram incorporados na Biologia como disciplina escolar. O primeiro tema dos
planos de estudo dos níveis avançados de ensino é agora, frequentemente, -a
célula», focando a estrutura, organização molecular e funções. De igual forma,
a quantificação é agora uma característica proeminente de muitos destes pla-
nos de estudo.
No entanto, os cursos de Biologia mantiveram elementos das fases iniciais
da história da Biologia. Tal como aconteceu com a Geografia, houve uma resis-
tência e um intervalo de tempo no que se refere à incorporação de novas ver-
sões da Biologia, mesmo no que diz respeito à versão de ciência exacta.
jenkins comenta que «tanto a abordagem de princípios como a abordagem de
tipo para elaborar planos de estudo para a Biologia deveriam sobreviver duran-
te os anos sessenta criando maiores diferenças nos planos de estudo de ensi-
no da Biologia do que em qualquer outro momento no passado» (Jenkins,
1979, p. 155). Mas ambas as versões que Jenkins mencionou caíram no para-
digma «científico»da Biologia. Para a tradição de trabalho de campo as conse-
quências eram mais evidentes: um resultado final da ascensão da Biologia
molecular e da quantificação no domínio da Biologia seria o de confirmar
finalmente a desvalorização dos aspectos humanos e ambientais da ecologia e
biologia de campo na disciplina .
•0 grande problema residia no facto das pressões dos ambientalistas terem surgido
mais ou menos ao mesmo tempo que a Biologia estava a fazer um grande esforço para
se tornar uma disciplina de ciência exacta com todo o estatuto que isso envolvia [...]
o aspecto ambienta! surgiu exactamente no meio da luta fina! da Biologia para ser aceí-
te como uma ciência exacta, sendo assim empurrado para as margens da disciplinas?",
existe num dado momento histórico, o currículo escolar pode ser visto como
veículo e portador de prioridades sociãis. - --- - --
r
sociais e políticos travados em torno da escola. Longe de ser um produto tec- DArA~r..(P
nicamente racional, que resume imparcialmente o conhecimento tal como ele T ~
;I' -
Ç9-'!!!J?lexidade
crescente de acordo com a idade e conhecimentos exigidos aos
alunos» (cf. Haml ton & Gibbons, 198i\p. 7).-Mir áfirmãqliefõ(Cielãêtü,'O
-Colégiõ de Montaign que inaugurou o sistema de turmas no ensino - masa ,
~ \\.' rel~o_ vital a .re~onstruir é.o._modocomo _aorganização em turmas veio a s.t1:..
'<Y \\
associada a um currículo prescrito e ordenado por etapas ou níveis.
. Os Jesuítas foram um dos primeiros grupos religiosos a estabelecerem a
tradição de um controlo curricular extremamente centralizado nas escolas. O
Ratio Studiorum era indiscutivelmente o curso de estudos mais sistemático
jamais planeado: «estecurrículo cuidadosamente graduado, organizado em tur-
mas, prenunciou os "padrões" ou graus que posteriormente se tornaram o
príncipio básico organizador de todos os sistemas ocidentais de ensino»
(Tomkins, 1986). Os Jesuítas levaram os seus sistemas para muitos países; o
currículo incluía o Francês como língua de base, o Latim, o Grego, a
Gramática, a Retórica e a Filosofia, bem como a História, a Geografia e a
Matemática.
Quanto às origens anglo-saxónícas, o Oxford English Dictionary situa a
./ fonte mais antiga da palavra currículo em 1633, em Glasgow. Hamilton pensa
~~~~~ que Glasgow era uma área central devido à influência das ideias religiosas de
Calvino 0509-1564):
r,
~~~
[~
«À medida que os discípulos de Calvino ganhavam ascendência política e teológica na
Suíça,Escócia e Holanda dos finais do século XVI,a ideia de disciplina - "a verdadeira
, essência do Calvinismo".: começou a denotar os princípios internos e o mecanismo
/
~
,~ 1
-,J-
,J externo do governo civil e da conduta pessoal. Segundo esta perspectiva existe uma
relação homóloga entre curriculo e disciplina:o curriculo estava ara a Qrática edl!f~
ci~~! ..~.~~!l~.~Lcomoa..di.s.d~ tE.stav~p~ pratic,! SOCialcalv~a» (Hamilton &
-J
c)Y
Gibbons, 1980, p. 14).
i de estudo sequenciais que, por sua vez, ressoavam com diversos sentimentos renas-
centistas e reformistas de mobilidade ascendente. Nos países calvinistas (como a
Escócia),estas concepções encontraram a sua expressão, teologicamente, na doutrina
/, l/da predestinação (a convicção de que só uma minoria preordenada poderia atingir a
~ \\ salvação espiritual) e, educacionalmente, no aparecimento de um sistema educacional
~í:
(
v0:"
,9Y < nacional, mas bipartido, no qual se oferecia aos "eleitos" (isto é, predominantemente
àqueles que tinham capacidade para pagar) a possibilidade de uma formação escolar
'longa, enquanto os restantes (predominantemente os pobres rurais) se ajustavam a um
" ~ I curriculo mais conservador (centrado sobre o conhecimento religioso e a virtude
..\~ \ socíal)»(Hamilton, 1980, p. 286).
~W~· \
o CONTEXTO DAS INVENÇÕES CULTURAIS 81
«Não era somente uma resposta às necessidades de uma economia industrializada, aos
conflitos de classes ou estatutos, ou a conjunturas históricas únicas em países especí-
1
ficos, tais como a natureza da burocracia central na Prússia, as revoluções e reacções
na França, o poder do campesinato na Suécia, ou a extensão do direito de voto às clas-
ses trabalhadoras na Inglaterra» (Ramirez & Boli, 1987, p. 2).
-,./ I
Preparavam os exames para as escolas. Um relatório da Universidade de
\. .
1\ ,/ Cambridge declara que «a criação destes exames foi a resposta à solicitação
~~~
%~ social para que as universidades apoiassem o desenvolvimento de escolas para
..-' ;/ .
.
a classe média•.
f' / I Em meados do século XIX,a característica do currículo mencionada ante-
~I\ C r riormente, O poder de diferenciar, era institucionalizada. A criação de exames
Y
'" -f ")~ tY ~ . no ensino secundário e a institucionalização da diferenciação curricular
J -" t'} deram-se quase na mesma altura. Por exemplo, o Relatório de Taunton classi-
\ ~ ,
--"I.""J
\V " ..•.• ..,.
o CONTEXTO DAS INVENÇÕES CULTURAIS 83
.As disciplinas académicas que a Comissão julgava apropriadas para a educação geral
de todos os alunos, eram consideradas por muitos reformadores como sendo somente
apropriadas para o segmento da população do ensino secundário que seguiria os estu-
l
I
dos universitários. De facto, disciplinas como o Francês e a Álgebra acabaram por ser
I designadas como disciplinas de acesso à universidade, um termo praticamente desco-
nhecido no século XIX.Atémesmo as disciplinas como o Inglês se tornaram diferenci-
f
adas através de trabalhos literários-padrão prescritos para aqueles que iriam para a
universidade, enquanto que os trabalhos populares e o Inglês prático eram destinados
à maioria dos alunos. (Kliebard, 1986, pp. 15-16).
I
conflito curricular começou a ter certas semelhanças com a situação existente,
ao focar a definição e avaliação do conhecimento examinável. Deste modo,
I. certas disciplinas assumiram um papel preponderante, nomeadamente do
~ ponto de vista da carga horária e da organização dos horários escolares, sobre-
~!tudo as que faziam parte do exame final que dava acesso ao ensino superior.
L O Relatório de Norwood mencionava que:
=
diversas como trabalhos em madeira e em metal, educação física, arte, estudos
técnicos, contabilidade, costura e ciências domésticas conseguiram
de estatuto ao exigirem exames e qualificações académicas mais valorizadas. I
-
88 IVOR F. GOODSON
•No topo de um tal sistema devem estar os peritos, que fazem avançar a pesquisa em
secções altamente especia1izadas. Por detrás deles estão os homens e as mulheres,
como os que as universidades deveriam formar, que estão familiarizados com as des-
cobertas dos peritos e são tapazes de relacionar peça com peça. Uma mudança pro-
gressiva e um reajustamento constante serão proporcionados por estes líderes do
pensamento relativamente independentes. Atrás destes estão os graduados do ensino
secundário, que estão relativamente familiarizados com o vocabulário dos seus supe-
riores, têm uma sensação de familiaridade com os vários domínios e respeito pelo
conhecimento especia1izado. Finalmente, temos as massas mais lentas, que mastigam as
frases feitas dos seus superiores, pensam que as compreendem e seguem por imitação>
(d. Apple, 1990, p. m.
Essencialmente, a história da educação americana, nesta fase, parece ser
l ! uma história de objectivos comuns corrompidos por uma diferenciação inter-
I' nalizada e por uma fragmentação disciplinar. Esta internalização do conflito
iI não é em lado algum mais evidente do que na história interna das disciplinas
" escolares. Pois, tal como aconteceu com a designa ão escola ública Jambém
a designação disciplma escolar sobreviveu - a retórica, J2elomeDOS,permane-
~~a mesma. Para a fiistónãêõnípleta temos de abrir o livro e olhar lá para
\I dentro. A história do currículo ao ensino secunClárioamencano é, assim, para:
oxal - estabilidade de categorias combinada com propriedades internas ins-
táveis. Kliebard apreende bem esta complexidade, ao rever a luta pelo
currículo americano em 1893-1958:
o CONTEXTO DAS INVENÇÕES CULTVRAIS 91
n
<Aúnica fortaleza que se mostrou virtualmente inexpugnável foi a disciplina escolar.A
disciplina como unidade básica no currículo resistiu com êxito aos esforços mais ambi-
ciosos para a substituir por áreas funcionais de vivência ou projectos surgidos do inte-
resse dos alunos ...
Mas as classificações disciplinares por si só podem ser enganadoras. Algumas das refor-
mas propostas pelos diversos grupos de interesse foram executadas no contexto glo-
bal da organização disciplinar do currículo. Naturalmente, nem todas as mudanças
podem ser vistas como sinais de progresso, mas conseguiram-se sucessos modestos na
reestruturação, integração e modernização das disciplinas que formam o currículo. As
disciplinas sobreviveram, mas numa forma alterada> CKliebard, 1986, p. 269).
versidade para a vida profissional. A ironia da moção tinha então que ser apre-
endida essencialmente como uma declaração de deferência aos poderosos gru-
pos de interesses da sociedade britânica.
Como pudemos ver, a escola pública britânica foi desde o início fundada
em princípios que favoreciam o currículo das «viasclássicas»de ensino da elite
minoritária. Isto abriu o caminho para uma diferenciação interna e uma frag-
mentação disClpinar nos asti ores aa esco a pu 1ca. m 1969, apenas qua-
tro anos apos a moçao a Câmara os Comuns, um sociólogo britânico alertou
para o facto de se estar a formar dentro da escola pública um «currículo para
a desigualdade. Shipman falou ironicamente das convergências intencionais
do desenvolvimento curricular que resultaram da introdução de novos cursos,
numa escola que ainda está claramente dividida em duas secções, uma ligada
a um sistema de exames externos, a outra menos limitada: «aprimeira está inti-
mamente ligada às universidades e está situada no âmbito das tradições aca-
démicas estabelecidas; a segunda tem uma curta história e ainda está na sua
fase formativa- 0971, pp. 101-102).
Shipman tinha a certeza que o problema não residia no carácter intrínse-
co dos dois tipos de currículo, mas sim na divisão em duas secções separadas
que "podem estar a produzir um novo meio de apoio a antigas divisões-. Duas
tradições diferentes produzem assim "duas nações» de alunos:
"3) os meus agradecimentos a john Meyer, Phil Wexler e Andy Hargreaves pelo diálogo sempre renova-
do.
--------- -- ----
96 IVOR F. GOODSON
«Dizer que é hegemónico não significa que seja o único currículo nessas escolas.
Significa,sim, que este padrão tem lugar de destaque nessas escolas; domina a maior
parte das ideias das pessoas sobre o que é a verdadeira aprendizagem.A sua lógica tem
uma grande influência sobre a organização da escola e do sistema de ensino em geral;
e serve também para marginalizar ou subordinar os outros currículos existentes: acima
de tudo, o currículo académico competitivo transforma a escolha e a insensibilidade
dos corações numa realidade central da vida escolar contemporânea- (Connell, 1985,
p.87).
SOBRE A FORMA CURRJCUlAR: NOTAS RELA1lVAS A úi\.fA 7EORIA DO aRRÍCUo 91
I
/
(, ,,~
com impulsos sociais mais amplos.
A noção de «mentalidade» deve muito ao' trabalho dos historiadores da !
Escola dos Annales. Seguindo as suas ideias, cheguei à conclusão que ao estu- )
dar períodos históricos é importante introduzir conhecimentos profundos nas
opiniões mundiais detidas por grupos culturais e subculturais distintos. Neste
sentido, a mentalidade está relacionada com o micro-conceito de habitus
desenvolvido por Bourdieu e Passeron (1977) ou resistência como uma opi-
nião característica detida pelos rapazes ingleses das classes trabalhadoras no
trabalho de Paul Willis (1977).
No seu estudo sobre a reforma educativa australiana, influenciado pelos
Annales, Pitman afirmou que «numa dada civilização, existem múltiplas cultu-
ras relacionadas com a posição social, com a classe social, com a profissão,
com o sexo e com quaisquer outros critérios relevantes»:
«Asrelações dialécticas dos vários grupos com os seus mundos materiais e as relações de
uns com os outros permitem o desenvolvimento de opiniões mundiais ou mentalidades
dentro destes grupos distintos uns dos outros. Por exemplo, na divisão de trabalho e na
substituição de classes de trabalho por organizadores de trabalho e donos dos meios de
produção, os partidpantes nas trocas assimétricas interagem diferentemente com os seus
mundos materiais, pelo menos em relação à natureza do trabalho. (1986, p. 60).
98 IVOR F. GOODSON
«No progresso da divisão do trabalho, o emprego da grande maioria dos que vivem do
trabalho, acaba por ser confinado a algumas operações; na maior parte das vezes a uma
ou duas. Mas os conhecimentos da maioria dos homens são necessariamente formados
pelos seus empregos comuns. O homem cuja vida é passada totalmente a desempenhar
umas quantas simples operações, cujos efeitos são também, talvez, sempre os mesmos
ou quase os mesmos, não tem oportunidade de aplicar os seus conhecimentos ou exer-
cer o seu talento [...] fica tão estúpido e ignorante, como é possível numa criatura
humana». '
A terceira dicotomia central diz respeito à resposta passiva das classes bai-
xas à experiência e conhecimento em comparação com o uso activo das clas-
ses altas. Este espectro da passividade em relação à actividade é talvez a parte
mais crucial do enigma das mentalidades quando relacionado com a evolução
do conhecimento escolar. Assim:
«Ai;ideias simples, superficiais e sensitivas das classes baixas não lhes permitiram pro-
duzir respostas mediatas à experiência, ou estabelecer ligações profundas entre dife-
rentes fragmentos de informação, no sentido de uma generalização para uso como
recursos numa vasta gama de contextos» (Shapin & Barnes, 1976, p. 234).
SOBRE A FORMA CURRlCUIAR: NOTAS RELATIVAS A UMA TEORIA DO CURRÍCULO 99
<Aofazê-lo,podiam, por um lado, alargar o seu raio de aplicabilidade e, por outro lado,
pôr em prática uma série de princípios abstractos e operações simbólicas. Podiam,
assim, ao contrário das classes baixas, fazer uso activo do conbecimento e da experiên-
cia. O que quer que fosse, servia para aumentar as possibilidades do seu pensamento.
[...] Na sociedade, como no corpo, a cabeça era reflexiva, manipulativa e controladora;
a mão era irreflexiva, mecânica, determinada por instruções, (Shapin & Barnes, 1976,
p. 235).
Shapin e Barnes pensavam assim que "à medida que se avançava para as
classes altas da sociedade, cada vez mais se deparava com modos de pensa-
mento abstractos, refinados e complexos e corpos de "conhecimento" mais
extensivos, finamente estruturados e profundos». Mas ao lado disto estava a
exigência de que o conhecimento deveria ser -correctamente distribuído»e não
;u}correctamente c assITicao» ou ensina 0« ora ae contexto»: - --- - - -
Figura 1
Ensino Tripartido
Sistema Educativo após a Lei Educativa de 1944
escolas era assim desafiado pelo facto de cada criança ter a mesma oportuni-
dade -igual- de frequentar a mesma escola unificada (não obstante o facto de
os -fílhos de pais ricos- continuarem a ir para escolas privadas). Mas os resul-
tados desta reforma apresentaram-se menos substanciais quando foram esta-
belecidos padrões internos. Porque dentro da escola unificada o velho sistema
tripartido foi restabelecido com um padrão de diferenciação horizontal.
Figura 2
As .VIlIS. da Escola Unificada
Disciplinas Académicas
Disciplinas Técnicas
Disciplinas Práticas/Manuais
A Currículo de elite.
A+B Currículo de -casta-, Hierárquico, estratificado.
A +- C Reforma de cima para baixo.
B +- D Reforma de baixo para cima.
104 IVOR F. GOODSON
Conclusão
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