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lVORE OOD ON

A Construção Social
do Curriculo
Ivor F. Goodson

A Construção Social do Currículo

Edição apoiada pelo Ministério da Educação/Instituto de Inovação Educacional,


no quadro do sistema de incentivos à qualidade da educação.

EDUCA
Lisboa - 1997
suMÁRIo

Nota de Apresentação........................................................................ 9

A História Social das Disciplinas Escolares.............................. 17

Disciplinas Escolares: Padrões de Estabilidade ..~ç0.~ ..~.~ 27 0 ~1G'/


-:J!!!?1:.
Disciplinas Escolares: Padrões de Mudança ..... ~<!I'."'. ..~.. ,,~. 43 (110;<;; )
História de uma Disciplina Escolar: As Ciências.................. 53

o Contexto das Invenções Culturais:


Aprendizagem e Currículo 79

Sobre a Forma Curricular:


Notas Relativas a uma Teoria do Currículo r~~,
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'J
Referências Bibliográficas "., ' ,.,., "., , ,..,.,.., ' ,., 107
NOTA DEAPRESENTAÇÃO

«Umahistória do currículo não deveria estar centrada numa preocupação epistemoló-


gica com a verdade ou validade do conhecimento. Também não deveria tomar como
eixo de análise as preocupações pedagógicas actuais (nem as passadas), assim como
não deveria ser celebratória ou evolucionista.Também deveria tentar fugir da orienta-
ção da historiografia tradicional centrada nas ideias dos grandes educadores e pedago-
gos. Uma história do currículo tem que ser uma história social do currículo, centrada
.numa e istemolo ia social do conhecimento esco ar reocu ada com os determinan-
tes sociais e políticos do conheciment~o~ or anizado.Uma história do
currículo, enfim, não pode deixar de tentar descobrir guais conhecimentos, valores e
habilidades eram considerados como verdadeir~ legítimos numa determinada
é oca assim como não ode deixar de tentar determinar de que forma essa validade e
le itimidade foram estabelecidas». -

As palavras anteriores - escritas por Tomaz Tadeu da Silva'? na apresen-


tação da edição brasileira do livro de Ivor Goodson, Currículo: Teoria e
História - traduzem bem o sentido das abordagens propostas por este autor.
Na verdade, continuando a seguir a linha de reflexão de Tomaz Tadeu da Silva,
é possível identificar alguns pontos essenciais na análise histórica do currícu-
lo, tal como ela se tem organizado nos últimos anos.
Em primeiro lugar, é importante que a história do currículo nos ajude a
yer o conhecimento escolar como um artefacto ~c!!.l~ histórico suieito a
mudan as e flutua ões e não como uma realidade fixa e atem oral. Por outro

(J) Cf. SILVA,Tomaz Tadeu (1996). Identidades terminais - As transformações na política da pedagogia e
na pedagogia da política. Petrópolis: Vozes, pp. 77-82.
10 IVOR F. GOODSO_-

lado, é necessário reconhecer que o objectivo central da história do currículo


não é descrever como se estruturava o conhecimento escolar no passado, mas
antes compreender como é que uma determinada "construção social- foi trazi-
da até ao presente influenciando as noSSas ráticas e concepções do ensino.
U~ históri~ do currículo também não pode cair na armadilha olhar -pafã de
o processo de selecção e de organização do conhecimento escolar como um
processo "natural- e -inocente-, através do qual académicos, cientistas e educa-
dores "desinteressados- e "imparciais-determinariam, por dedução lógica e filo-
sófica, aquilo que é mais conveniente ensinar às crianças e aos jovens. Neste
sentido, é importante desconstruir o rocesso de fabricação do currículo, de
forma a mostrar as opsões e os interesses ue estão subjacentes a uma deter-
minad~ co~figuraçã~ do 1no ClêeStudose dasdiSci linasescolares. A histó-
ria do currículo-não se pode basear apenas nos textos formais,-tendo de
investigar também as dinâmicas informais e relacionais, ue definem modos
distintQs'sle ª-Qlicarna rática as deliberações legais. E por isso que a capaci-
dade ae
aar visibilidad~ narrativas e -actõres menos conhecidos é um dos
desafios principais da nova historiografia. Finalmente, é preciso sublinhar a
dimensão social, uma veL que ~U!Iículo está 0?,.ncebidopara ter efeito sobre
as pessoas, produzindo processos de selecção, de inclusão/exclusão e de legi-
timâÇ~od~_certos gru"pose ~eias(2). -~- . - -

Grande parte destas preocupações estão presentes nos textos incluído


neste livro de Iv0000dson, que aborda essencialmente os aspectos históricos
da construção do currículo. Trata-se de uma ~lecção o~ginal, feit~ pelo eró-
prio autor, com o objectivo de fornecer um panorama dos estudos realizado
nesta área, daqual é -um dos autores de referência, juntamente com especíà-
listas como Her~et! Kliebard,_MichaelApple ou Tho_~ Popkewitz.

• O primeiro capítulo, A história social das disciplinas escolares, faz um


ponto da situação sobre os estudos históricos em torno do currículo.
Após sublinhar a ideia do currículo como construção social, Ivor
.Goodson compara as políticas actuais de definição de um "núcleo CUf-
rieular mínimo- com orientações educacionais tomadas no princípio do
século XX. O conceito de disciplinas escolares é várias vezes mobiliza-
do - -fortaleza inexpugnável-, chamar-Ihes-á Herbert Kliebard - como
elemento de referência para os alunos e para a estruturação do ensino.
A partir de análises centradas na sociologia do conhecimento escolar.

(2) Este parágrafo é uma transcrição (adaptada) do texto de Tomaz Tadeu da Silva, citado na nota anterioc
_ -oTA DE APRESENTAÇÃO 11

Ivor Goodson aborda o papel dos diversos grupos sociais na definição


conflitual do currículo, desmistificando assim a ideia de um currículo
-aternporal-, que preexistiria aos processos sociais que conduzem à sua
emergência, consolidação e difusão.

• O segundo capítulo, Disciplinas escolares: padrões de estabilidade, reve-


la a construção histórica de um -determinado- modelo escolar, que ins-
creveu, ao longo dos últimos séculos, certas permanências estruturais na
organização do ensino e do currículo. A argumentação de Ivor Goodson
baseia-se na ideia de que o sistema foi concebido para assegurar a esta-
bilidade e para dissimular as relações de poder que sustentam o con-
junto das acções curriculares. A este propósito, refere-se à consagração
simbólica das disciplinas escolares, nomeadamente no ensino secundá-
rio, como o princípio mais bem sucedido na história do currículo. A
parte final do capítulo é dedicada à análise do -novo- currículo nacional
britânico, entendido como um reforço das disciplinas escolares e das
aprendizagens académicas -básicas-. Ivor Goodson menciona os três Rs
(.reading, writing, reckoning-) - o nosso ler, escrever e contar- qüe defi~
nem as tendências conservadoras emedücaçãõ-ãülongo dó Sêcü[õ Xx,
sublinhando que esta ideologia está"subjacente à imposição dõ -currí-
culo nacional- na Grã-Bretanha. Ensaiando uma curiosa analogia, apre-
senta os novos três Rs (reabilitação" reinvenção e reconstituição). que
têm vindo a reintroduzir as disciplinas escolares como referência exclu-
siva das políticas e das práticas de desenvolvimento curricular. Ao reve-
lar este conjunto de 'padrões de estabilidade-, Ivor Goodson procura
desconstruir um certo pensamento simplista e tornar mais complexas as
abordagens do currículo e do seu papel no ensino e na aprendizagem.

• O terceiro capítulo, Disciplinas escolares: padrões de mudança, insere-


-se na linha do precedente, sublinhando desta vez a mudança em vez
da estabilidade. Ivor Goodson continua a sua reflexão referindo os inte-
resses (científicos, políticos, profissionais) que sustentam as disciplinas
escolares e mostrando de que forma eles dão origem a diferentes con-
figurações curriculares. Através de uma análise da intervenção do Estado
na educação, demonstra como a legitimação de certas disciplinas esco-
lares e perspectivas curriculares é resultado do trabalho de um conjun-
to alargado de grupos sociais. A este propósito, sugere que as
disciplinas escolares possuem -um valor de moeda no mercado da iden-
tidade social-, o que lhes assegura um sistema que contém elementos
importantes de estabilização e de conservação, mas também factores
12 rvos F. GOODSON

que agem no sentido de evoluções e adaptações constantes. O jogo


entre as forças pró-estabilidade e pró-mudança consagra padrões e
modelos que autorizam novas compreensões da ausência/presença de
certas disciplinas escolares no currículo dos ensinos básico e secundá-
rio.

• O quarto capítulo, História de uma disciplina escolar: as Ciências, ilus-


tra, através da evolução do ensino científico, algumas das ideias e refle-
xões expostas anteriormente. Argumenta-se, no essencial, que a história
das disciplinas escolares deve ser contada como a história das forças
sociais que as trouxeram para o currículo. Assim, na parte inicial do
capítulo, Ivor Goodson analisa a mudança de padrões do ensino, que
passou de uma perspectiva centrada na ciência das coisas comuns (mais
útil e pertinente para a educação das classes trabalhadoras) para uma
lógica baseada numa ciência laboratorial pura (mais adequada à for-
mação das elites sociais). O autor relaciona esta mudança com tensões
e conflitos políticos, mas também com a própria evolução científica aca-
démica e universitária, mostrando de que forma o currículo do ensino
secundário é, em grande medida, determinado por estas forças «exterio-
res". A parte final do capítulo é dedicada ao ensino da Biologia, que
apenas se impôs em pleno século XX, surgindo a reflexão apoiada,
essencialmente, nos casos da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos da
América. Ivor Goodson revela a existência de duas tradições principais
- uma de cariz utilitário e outra mais preocupada com os aspectos aca-
démicos -, concluindo que a consolidação curricular da disciplina de
Ciências foi conseguida através da sua promoção como ciência exacta,
experimental e rigorosa. Pelo caminho perdeu-se, no entanto, uma visão
mais global da Biologia, integrada no vasto campo disciplinar das
Ciências.

• O quinto capítulo, O contexto das inovações curriculares: aprendizagem


e currículo, debruça-se sobre a organização do ensino por «turmas"e
sobre o processo histórico de desenvolvimento da «escola de massas".
Num e noutro caso, refere-se a intervenção de forças sociais, políticas,
económicas e religiosas que foram dando corpo aos modelos actuais de
ensino e de acção pedagógica. Ivor Goodson aborda, em especial, o
papel desempenhado pelo Estado, na transição do século XIX para o
século XX, na imposição de uma determinada visão da escola, em sin-
tonia com os projectos de consolidação das nações. Neste sentido,
detém-se na análise da pedagogia, do currículo e da avaliação enquan-
SOJA DE APRESENFAÇÃO 13

to entrada tripla que permite compreender o papel desempenhado pelo


Estado na arena da educação. Ao identificar os mecanismos de diferen-
ciação do ensino, nomeadamente entre as "vias clássicas» (académicas)
e as «vias vocacionais- (profissionalizantes), Ivor Goodson sublinha a
variedade de objectivos que se encontram por detrás da retórica da
"escola de massas- e do "ensino público •. A conclusão do capítulo apon-
ta para a necessidade de abrir a caixa negra do currículo de forma a
que seja possível captar a complexidade e as implicações políticas ine-
rentes à organização do ensino.

• O sexto capítulo, Sobre a forma curricular: notas relativas a uma teoria


do currículo, ensaia algumas reflexões conclusivas, a partir de uma
reelaboração das ideias apresentadas anteriormente. Ivor Goodson insis-
te na perspectiva do currículo como uma «construção social», interro-
gando--se sobre a razão que nos leva, frequentemente, a tratá-lo como
um "dado atemporal-. Através de uma referência a trabalhos de sociolo-
gia do conhecimento, analisa a questão das relações internas do currículo,
isto é, da forma curricular. Tendo como argumento central a frase esco-
lhida para subtítulo, A cabeça mais do que as mãos, explica um conjun-
to de políticas e de práticas de desenvolvimento curricular que tiveram
lugar em Inglaterra e que conduziram a uma diferenciação externa, e
mais tarde interna, das vias de ensino. Numa síntese final, propõe uma
figura com quatro entradas que definem distintas combinações curricu-
lares. A conclusão do capítulo refere que a forma académica do currí-
culo ("a cabeça mais do que as mãos-) foi historicamente favorecida,
primeiro de modo explícito e, posteriormente, através da internalização
de uma diferenciação que encobriu eficazmente os processos de repro-
dução social através da escola. As últimas palavras dirigem-se à neces-
sidade de examinar o currículo por dentro, contribuindo assim para uma
melhor compreensão do processo interno de estabilidade e de mudan-
ça curriculares.

O conceito de currículo é muito recente na cultura educacional portu-


guesa. Apesar de ter sido utilizado antes dos anos oitenta, é por esta altura que
se vulgariza, nomeadamente na sequência da chamada «reforma curricular •. Há
duas razões principais que explicam a tradução deste termo para a realidade
portuguesa: a primeira prende-se com a importãncia crescente do universo
anglo-saxónico na definição dos modos de pensar, das categorias de análise e
das linguagens a utilizar no contexto da educação e das ciências da educação;
a segunda relaciona-se com conflitos e lutas de poder no interior da comuni-
14 IVOR F. GOODSON

dade educacional e científica, no sentido de instaurar (legitimar) certas cor-


rentes e tendências de investigação e de acção pedagógica.

A forma como a expressão currículo é mobilizada, descontextualizada da


sua própria história enquanto conceito educacional, revela bem as ambiguida-
des que estão subjacentes à sua importação para Portugal: por vezes, procura-
se abranger com esta designação o conjunto dos problemas do ensino e da
'.
pedagogia (utilização corrente junto de certos círculos norte-americanos);
outras vezes, parece que o conceito serve, sobretudo, para substituir a ideia de
didáctica ou, pelo menos, de didáctica geral (utilização próxima das tradições
germânicas); finalmente, verifica-se, aqui e ali, que o termo é empregue em
vez de metodologia e/ou de metodologia geral (utilização mais frequente no
espaço francófono). O importante é reconhecer que a mobilização deste con-
ceito não é inocente e que ele tende a legitimar certos grupos e tendências em
desfavor de outros. Neste sentido, ele deve ser visto como parte dos jogos de
interesses que definem o trabalho académico e os processos de legitimação
das diversas correntes científicas.

A este propósito, é possível alinhar uma reflexão idêntica à que é sugeri-


da por Yves Bertrand e jean Houssaye sobre os conceitos de didáctica e de
pedagogia, na qual explicam que esta querela não é mais do que uma nova
forma da luta "clássica-entre saberes disciplinares (legitimados, agora, por via
da didáctica) e saberes pedagógicos:

.No domínio da pedagogia e da didáctica, a polémica das palavras e a defesa dos terri-
tórios institucionais, muito em especial no campo da formação de professores, estão na
ordem do dia em França. ( ...) Tradicionalmente, os defensores dos saberes recusaram as
questões ditas pedagógicas, tendo reduzido a formação de professores unicamente à
dimensão dos saberes disciplinares. ( ...) Mas, hoje dia, recorre-se aos especialistas em
didáctica, sublinhando, no entanto, que se trata de algo novo e diferente da pedagogia.
( ...) É uma falsa dicotomia, pois didáctica e pedagogia são uma e a mesma coisa, desig-
nam a mesma realidade?'.

Hoje em dia, o conceito de currículo impôs-se no léxico das Ciências da


Educação e é difícil escrever sobre questões pedagógicas sem o utilizar por
uma ou por outra razão. Mas é importante que o façamos com uma consciên-
cia crítica e histórica. O livro de Ivor Goodson pode ajudar-nos a melhor com-
preender os desafios do trabalho de construção social do currículo.

(3) BERTRAND,Yves & HOUSSAYE,[ean (1995) .• Didactique et Pédagogie: l'illusion de Ia différence •. Les
Sciences de l'Éducation - Pour l'Ere Nouvelle, 1/1995, pp. 7-23.
NOTA DE APRESENTAÇÃO 15

Em Portugal, tem havido uma renovação importante dos estudos históri-


cos em educação. No entanto, raras têm sido as investigações que incidem
directamente sobre as questões do currículo. A escola sem re foi vista como
~m lugar de cultura: 2rimeiro, num~ acepção idealizada de transmissão de
conhecimentos e de valores ditos -universais-; mais tarde, numa perspectiva
críti~ de inculcação ideológica e de reprodução social. Num e noutro _caso,
i norou-se o trabalho interno de rodução de uma c1:!l~ura_escolar,...9u~nãoé
inde endente das lu~e dos conflitos sociai§.,mas quetem especificidades
próprias que não podem ser olhadas apenas pelo prisma das sobredetermína-
çõ~ do mundo.!~.É neste plano que os estudos sobre o currículo adqui-
rem toda a sua dimensão, o que obriga a adoptar perspectivas teóricas e
metodológicas que não têm sido sistematicamente utilizadas pela comunidade
histórico-educacional portuguesa.

A realização de estudos históricos sobre o currículo ou sobre as discipli-


nas escolares, tal como têm sido desenvolvidos nos Estados Unidos da América
P2r Herbert Kliebard(4)e em Franç-ª..pela equipa de Pierre Caspard'", pode
constituir um passo decisivo para a renovação historiográfica no nosso país.
Neste sentido, é preciso desconstruir a parte do ensino que mais aparece
envolta numa ideologia de «naturalidade .. (e/ou de inevitabilidade), isto é, o
currículo. Na verdade, en uanto construção social, o_currículo_foiconcebido
par~ surgir como um elemento «natural., de tal modo que não é su'eito ao
escrutínio do pensamento e da crítica. O mésmo se-passa com omodelo esco-
lar que consagra o currículo existente. Mas trata-se num e noutro caso, ~ dis-
cursos gue constroem as nossas possibilidades (e impossibilidades) e que
marcam, semRre, a predominância de certos pontos de vista-(e interesses)
~obre-QOntõs de yisra (e interesses) concorrentes. -- - - ---

Na esteira de Thomas Popkewitz'", é preciso reconhecer que o presente


não é apenas a nossa experiência ou as nossas práticas imediatas. A nossa
consciência histórica Rassa pel~onhecim~ de que o passado é parte do
-110sso discurs9 dE;.todos os dias, estruturando o que pode ser dito e as 12~ssi-_
bilidades e desafios do tempo presente. É nesta perspectiva que podem ser
lidas, igualmente, as questões da al uimia curricular, isto é, da transforma ão

(4) cr.,por exemplo: KLIEBARD,Herbert (1995). Tbe strngglefor tbe American curriculum, 1893-1958.
New York & London: Routledge, 2i edição.
(5) Cf., por exemplo, alguns dos números recentes da revista Histoire de l'Éducation.
(6) POPKEWITZ, Thomas (1987). Tbe formation of scbool subjects: Tbe strnggle for creating an American
institution. London: Falmer Press.
16 IVOR F. GOODSON

de um conhecimentllsituadº-no seu espaço científico sl~referência em conhe-


cimento situado no ~Ra o soçial da escola.

Para a análise deste conjunto de questões, a obra de Ivor Goodson é


essencial. Ao longo dos últimos quinze anos, ele tem-se imposto como um
autor de referência, em particular nos domínios da história do currículo, das
políticas educativas, dos percursos de vida dos professores e das metodologias
qualitativas. Dentre as suas obras mais conhecidas, algumas das quais escritas
ou coordenadas em co-autoria, destacam-se: School Subjects and Curriculum
\ Change (1983), Defining the Curriculum: Histories and Ethnographies (1984),
Social Histories of the Secondary Curriculum: Subjects for Study (1985),
International Perspectioes in Curriculum History (1987), Tbe Making of
Curriculum (1988), Biography, Identity & Schooling: Episodes in Educational
Research (1991), Computers, Classrooms, and Culture Studies in the Use of
Computers for Classroom Learning (1991), Studying Teacbers' Lives (1992),
History, Context, and Qualitative Methods in the Study of Education (1992),
Schooling and Curriculum. Studies in Social Construction (1994) e Teacbers'
Professional Lives (1996).

Estamos perante trabalhos académicos de grande relevância, cuja leitura


pode ajudar a compreender melhor alguns dos dilemas educativos actuais. O
livro que agora se apresenta ao público português representa uma parcela
pequena deste labor científico. Mas se ele deixar a vontade de ir à procura de
outros textos do autor, terá sido atingido o nosso propósito principal.

Oeiras, 15 de Agosto de 1996

António Nóvoa
A HISTÓRIA SOCIAL DAS DISCIPLINAS ESCOLARES

Estudar as disciplinas escolares: Porquê?

o currículo escolar é um artefacto social, concebido para realizar deter- \


minados objectivos humanos específicos. Mas, até à data, na maior parte das J
análises educativas, o currículo escrito - manifestação extrema de construções
sociais - tem sido tratado como um dado. Por outro lado, não pode deixar de
levantar alguns problemas o facto de ter sido tratado 'como um dado neutro,
que se encontra integrado numa situação, essa sim, significativa e complexa
No entanto, no decurso do nosso próprio percurso escolar, tínhamos consciên-
cia de gostar de certas disciplinas, temáticas e lições. Aprendíamos facilmente
e de bom grado algumas disciplinas, enquanto rejeitávamos outras. Por vezes,
a explicação residia no professor, no horário ou na sala (ou mesmo em nós
próprios), mas frequentemente o que estava em causa era a forma ou o con-
teúdo do próprio currículo. Além destas respostas individualistas, há também
reacções colectivas em relação ao currículo e, quando os padrões são explici-
tados, percebe-se que o currículo escolar está longe de ser um factor neutro. A
nossa própria construção social encontra-se no cerne do processo através do
qual procedemos à educação dos nossos filhos. Contudo, apesar de certos
esforços dos sociólogos, em especial dos sociólogos do conhecimento, pouco
se tem feito para estudar em profundidade a história social do currículo.
Quando se aceita que o currículo é uma fonte essencial para o estudo his-
tórico, surgem uma série de novos problemas, pois «o currículo" é um concei-
to ilusório e multifacetado. Trata-se, num certo sentido, de um conceito \
«escorregadio",na medida em que se define, redefine e negoceia numa série)
18 IVOR F. GOODSON

( de níveis e de arenas, sendo muito difícil identificar os seus pontos críticos.


Por outro lado, o campo difere substancialmente em função das estruturas e
padrões locais ou nacionais. É por isso que se torna tão problemático deter-
-minar as bases em que assenta o nosso trabalho.
Uma grande parte dos estudos mais importantes sobre o currículo, sobre
o currículo como construção social, teve lugar nos anos sessenta e no início
dos anos setenta. Tratou-se de um período de mudança e de instabilidade em
todo o mundo ocidental, particularmente no mundo da educação, em geral, e
no mundo do currículo, em especial. Nessa altura, o desabrochar da investi-
gação curricular numa abordagem crítica foi encorajador e sintomático. O apa-
recimento de um campo de estudos sobre o currículo como construção social
constituiu uma realidade nova e de grande significado. Mas este movimento
teve também o seu reverso, nomeadamente no que se refere a dois aspectos
que se revelam importantes à medida que começamos a redefinir a nossa abor-
dagem da escola e do currículo.
/ Em primeiro lugar, vários investigadores colocaram-se na perspectiva de
que a educação devia ser reformada, «revolucionada», de que os «mapas da
aprendizagem deviam ser desenhados de novo». Em segundo lugar, esta inves-
tigação ocorreu num período de grande intensidade dos movimentos de refor-
ma curricular, que procuravam «revolucionar os currículos escolares». Assim
sendo, era improvável que estes investigadores se quisessem debruçar sobre
as áreas de estabilidade que existentes no currículo escolar.
Nos anos sessenta, poder-se-ia caracterizar a reforma curricular como uma
espécie de «torrente».Por toda a parte as ondas criavam turbulência e activi-
dade, mas, na verdade, limitaram-se a engolir algumas ilhotas, enquanto as
massas terrestres mais importantes não foram praticamente afectadas e as mon-
tanhas (o «terreno elevado . ) permaneceram completamente intactas. Agora, à
medida que a maré recua rapidamente, o terreno elevado é visto como uma
silhueta austera. A nossa análise da reforma curricular devia permitir-nos, pelo
menos, reconhecer que no mundo do currículo não há apenas «terreno eleva-
do», mas também «terreno normal».
No novo horizonte destaca-se, mais do que nunca, a disciplina escolar,
sobretudo as disciplinas «básicas»ou «tradicionais».Por todo o mundo ociden-
tal há apelos, e indícios claros, para o regresso às «aprendizagens básicas», para
uma revalorização das «disciplinas tradicionais». Em Inglaterra, por exemplo, o
novo Currículo Nacional define uma gama de disciplinas a serem ensinadas
como currículo «nuclear»em todas as escolas. Estas disciplinas têm uma estra-
nha semelhança com a lista das disciplinas do ensino secundário aprovada em
1904, o que merece o seguinte comentário do Times Educational Supplement:
«Aprimeira coisa a dizer sobre todo este exercício é que põe em causa oiten-
A HISTÓRIA SOCIAL DAS DISCIPLINAS ESCOLARE5 19

ta anos de história educacional da Inglaterra (e do País de Gales). É uma situa-


ção em que voltar atrás significa avançar».
Nos primeiros anos do século XIX foram criadas as primeiras escolas
secundárias estatais. O seu currículo era apresentado pelo National Board of
Education, sob a orientação meticulosa de Sir Robert Morant:

«0 curso deve fornecer instrução em Língua Inglesa e Literatura, pelo menos numa
outra Língua para além do Inglês, em Geografia, em História, em Matemática, em
Ciências e em Desenho, prestar a devida atenção aosTrabalhos Manuais e à Educação
Física e, nas escolas de raparigas, aos Lavores.Não devem ser atribuídas menos do que:
4,5 horas por semana ao Inglês, à Geografia e à História; 3,5 horas à Língua estrangeira
escolhida (ou 6 horas quando fossem escolhidas duas Línguas estrangeiras); 7,5 horas
às Ciências e à Matemática, sendo que devem ser consagradas pelo menos 3 horas às
Ciências».

Mas, ao olhar para o novo Currículo Nacional, aprovado em 1987, desco-


brimos que:

«0 horário de 8-10 disciplinas, que o documento de discussão apresenta, tem uma preo-
cupação académica, como Sir Robert Morant nunca teria imaginado> (Times
Educational Supplement, 31/7/1987).

Do mesmo modo, ao analisar a história do currículo do ensino secundá-


rio nos Estados Unidos da América, Herbert Kliebard salienta a importância das
disciplinas escolares -tradicionais-, apesar das vagas de reforma curricular que
tiveram lugar em períodos mais ou menos remotos. Kliebard caracteriza as dis-
ciplinas escolares, no âmbito do currículo do ensino secundário norte-ameri-
cano entre 1893 e 1953, como a fortaleza inexpugnável (1986, p. 269).
Mas, voltemos à conceptualização do currículo como fonte de estudo, não
obstante a dificuldade da sua definição, mesmo nos tempos actuais que lhe
conferem uma nova centralidade, no quadro de um regresso às «aprendizagens
básicas». Nos anos sessenta e setenta, os estudos críticos do currículo como
construção social apontavam para a sala de aula como o local da sua negocia-
ção e concretização. A sala de aula era o «centro da acção-, «a arena de resis-
tência». Segundo esta perspectiva, o currículo era o que se passava na sala de í
aula. A definição de currículo escrito, pré-activo - a perspectiva a partir do «ter-
reno elevado» e das montanhas - encontrava-se sujeita a redefinições ao nível
da sala de aula, e era muitas vezes irrelevante. /
Este ponto de vista é insustentável nos dias de hoje. É verdade que o «ter-
reno elevado» do currículo escrito está sujeito a renegociação a níveis inferio-
res, nomeadamente na sala de aula. Mas considerá-Ia irrelevante, como nos
anos sessenta, não faz qualquer sentido. Parece-me que a ideia de que o «ter-
20 IVOR F. GOODSON

reno elevado- é importante está a ganhar uma aceitação cada vez maior. No
«terreno elevado. o que é básico e tradicional é reconstituído e reinventado.
f O estatuto, que assumimos como um dado, do conhecimento escolar é, assim,
reinventado e reafirmado. Não se trata apenas de uma manobra política ou
retórica, pois esta reafirmação afecta o discurso sobre a educação e relaciona-
-se com os parâmetros da prática. Penso que, hoje em dia, seria uma insen-
satez ignorar a importância central do controlo e definição do currículo escrito.
Num sentido significativo, o currículo escrito é o testemunho público e visível
das racionalidades escolhidas e da retórica legitimadora das práticas escolares.
Na Inglaterra e no País de Gales o currículo escrito promulga e sustenta
determinadas intenções básicas ao nível educativo, na medida em que são
operacionalizadas em estruturas e instituições. Dito de outro modo: o currícu-
lo escrito define as racionalidades e a retórica da disciplina constitu~dQ o
único asp-ecto rãngível de uma padronização de recursos (financeiros, avaliª-ti-
vos, materiais, etc.). Nestasimbiose, é como se õ currículo escrito servisse de
guia à retórica legitimadora das práticas escolares, uma vez que é concretiza-
do através de padrões de afectação de recursos, de atribuição de estatuto e de
distribuição de carreiras. Em suma, o currículo escrito proporciona-nos um tes-
temunho, uma fonte documental, um mapa variável do terreno: é também um
dos melhores roteiros oficiais para a estrutura institucionalizada da educação.
O que importa salientar é que o currículo escrito - nomeadamente o plano
/ de estudos, as orientações programáticas ou os manuais das disciplinas - tem,
neste caso, um significado simbólico mas também um significado prático.
Simbólico, porque determinadas intenções educativas são, deste modo, publi-
camente comunicadas e legitimadas. Prático, porque estas convenções escritas
traduzem-se em distribuição de recursos e em benefícios do ponto de vista da
carreira.
O estudo do currículo escrito deveria proporcionar uma série de conheci-
mentos sobre o ensino. Mas, é preciso salientar que este estudo deve estar
relacionado com investigações sobre os processos educativos, os textos esco-
lares e a história da pedagogia. Porque a educação é composta pela matriz arti-
culada destes e de outros ingredientes vitais. Quanto ao ensino, e ao currículo
em particular, as questões centrais são Quem fica com o quê? e O que é que
elesfazem com isso?
A definição do currículo faz parte desta história. E isto não significa afir-
mar uma relação directa entre a definição pré-activa do currículo escrito e a
sua realização interactiva na sala de aula. Significa, sim, afirmar que _o currícu-
lo escrito fixa frequentemente parâmetros importantes para a prática da sala de
ãula (nem sempre, nem em todas as ocasiões, nem em todas as salas de aula,
mas frequentemente). Em primeiro lugar, o estudo do currículo escrito facilita
- fIlSTÓRlA SOCIAL DAS DISCIPIlNAS ESCOLARES 21

a compreensão do modo como as influências e interesses activos intervêm no


nível pré-activo. Em segundo lugar, esta compreensão- promove o nosso
con ecimento relativamente aos valores e objectivos representados na educa-
ção e ao mod Q a_d~.finiçãü.pré-acüva não.obstante.as.vanações indivi-
duais e locais Rode fixar arâmetros ara _a r~,lizaç~o e negociação,
interactivas na sala de aula e na escola.

Perspectivas para o estudo das disciplinas escolares

Com o desenvolvimento dos sistemas estatais de ensino, a disciplina esco-


lar tornou-se o principal ponto de referência para um número crescente de
alunos. Como consequência, o trabalho académico organizou-se em torno das
disciplinas. Foster Watson, pioneiro neste campo, afirmava que:

«Devido ao rápido desenvolvimento de um sistema de escolas secundárias distritais e


municipais, em Inglaterra e no Pais de Gales, observa-se, nos nossos dias, um interesse
especial pelo lugar e função das disciplinas "modernas" nas escolas secundárias. (1909,
p. vii),

Esta racionalidade antecipa, de algum modo, as ideias dos futuros soció-


logos do conhecimento na medida em que:

«Jáé tempo de os factos históricos relacionados com as origens das disciplinas modero
nas em Inglaterra serem conhecidos, e serem conhecidos em relação à história das for-
ças sociais que as introduziram no currículo educacional» (Watson, 1909, p. viii),

Nos cinquenta anos seguintes, poucos investigadores seguiram Foster


Watson, procurando relacionar as disciplinas escolares com as "forças sociais
que as introduziram no currículo educacional».
No entanto, nos anos sessenta, surgiu, por parte dos sociólogos e muito
em especial dos sociólogos do conhecimento, um novo ímpeto face à investi-
gação das disciplinas escolares. Em 1968, Frank Musgrove exortava os investi-
ga ores e ucaClonalSa «examinarem as disciplinas, tanto na escola como no
país em geral, enquanto conjunto de sistemas sociais alicerçados em re es de
comurucaçao, recursos matenalS e i eo ogías- 19 8, p. 101). No que diz res-
peito às «redes de comunicação>, Esland afirmou posteriormente que a inves-
tigação deveria incidir, em parte, na perspectiva disciplinar do professor.

«O conhecimento com que um professor pensa "preencher" a sua disciplina é detido ~ ~.~
em comum com membros de uma comunidade de apoio que, colectivamente, abordam 'U' /
os seus paradigmas e critérios de utilidade, a forma como são legitimados nos cursos /'
22 IVOR F. GOODSON

de formação e nas declarações "oficiais". Dir-se-iaque os professores, devido à nature-


za dispersa das suas comunidades epistémicas, sentem a incerteza conceptual que vem
da falta de outros significantes que podem confirmar a plausibilidade. Estão, assim,
extremamente dependentes de publicações especializadas e, em menor grau, de con-
ferências, que confirmem a sua realidade» (1971, p. 79).

Esland e Dale desenvolveram, posteriormente, este interesse pelos profes-


sores nas comunidades disciplinares:

»
& {<os professores, como porta-vozes das comunidades disciplinares, estão envolvidos

o/)/~~~'
fJ'/
numa organização elaborada do conhecimento. A comunidade tem uma história e, atra-
vés dela, um corpo de conhecimentos respeitado.Tem regras para reconhecer assuntos
"inoportunos" ou "ilegítimos", e formas de evitar a contaminação cognitiva. Terá uma
~ filosofia e um conjunto de autoridades, que dão uma grande legitimação às actividades
que são aceitáveis para a comunidade. A alguns membros é atribuído o poder de pres-
tar "declarações oficiais" - por exemplo, directores de revistas, presidentes, responsá-
veis pedagógicos e inspectores. Eles são importantes como "outros significantes" que
providenciam modelos para os membros mais novos ou indecisos, no que diz respeito
à adequação das suas crenças e comportamentos, (1973, pp. 70-71).

Esland esteve sempre especialmente preocupado com a realização de uma


investigação ue clarificasse o a el dos ru os rofissionais na constru ão
social das disciplinas escolares. Esses grupos podem ser considerados como
mediadores das «forçassociai~»referidas por Foster Watson:
«Asassociações de professores por disciplinas podem ser, teoricamente, representadas
como segmentos e movimentos sociais envolvidos na negociação de novas alianças e
racionalidades, à medida que as construções da realidade detida colectivamente se
transformam. Assim, aplicadas às identidades profissionais dos professores numa esco-
la, seria possível revelar as regularidades e mudanças conceptuais que são geradas atra-
vés dos membros de comunidades disciplinares específicas, à medida em que são
manifestadas em manuais escolares, em planos de estudo, em publicações especializa-
das, em relatórios de conferências, etc.»,

Tendo em conta a importância das perspectivas históricas, Esland acres-


centou que «as disci linas odem ser a resentadas como carreiras ue são
de endentes dos correlativos sócio-estruturais e sócio-psicológicos dos mem-
bros de comunidades epistémicas» (1971, p. 107 .
---X-relação entre o conteúdo do ensino, a educa ão e as uestões de oder
e controlo foi elucidada, em 1961, por Raymond Williams. Na sua obra Long
Revolution faz a seguinte observação:

"Não se trata somente do modo como a educação está organizada, expressando cons-
ciente e Inconscientemente \)Wut
a otgal'ir2~ç~()t\~Wt!\ m\\'Ui'à ~ ~~ \l\Wà~\)~\~~Ià~~·.
A HISTÓRIA SOCIAL DAS DISCIPliNAS ESCOLARES 23

se pensava ser uma simples distribuição constitui, na verdade, uma modelação real com
objectivos sociais específicos. Trata-se também do facto de que o conteúdo da educa-
ção, que está sujeito a uma filiação histórica clara, representa determinados elementos
básicos da cultura, consciente e inconscientemente. O que se considera ser "uma edu-
cação" é, de facto, um conjunto específico de ênfases e omissões» 0975, p. 146).

Poder-se-ia juntar aqui a noção de Williams de «conteúdo da educação",


pois a batalha pelo conteúdo do currículo, embora por vezes visível, é, em
muitos sentidos, menos importante do que o controlo sobre as formas subja-
centes.
Michael Young procurou seguir a relação entre conhecimento escolar e
controlo social e fê-Ia de modo a focar o conteúdo e a forma:

«Osque estão em posições de poder tentarão definir o que se deverá entender como
conhecimento, o grau de acessibilidade ao conhecimento de diferentes grupos e quais
as relações aceites entre as distintas áreas de conhecimento e entre os que a elas têm
acesso e as tornam disponíveis» 0971, p. 52).

A sua preocupação com a~s disciplinas escolares de elevado esta-


tuto centrou-se nos -princípios organízadores- que identificou como sendo a
base do currículo académico:

«Sãoeles a alfabet~o, através da ênfase dada à escrita como oposição à apresenta_\


ção orale ao individualismo (ou afastamento do trabalho de grupo ou cooperação),
que se centra no modo como o trabalho académíco é avaliado e que constitui uma
característica tanto do "processo" de aprendizagem como da forma como o "produto" ~
é apresentado; a abstracção do conhecimento e sua estruturação e compartimentaliza-
ç!o, independentemente do conhecimento do aluno; e, por fim, e relacionado com a )
anterior, está a desconexão dos currículos académicos, que se refere à dimensão em
que estes estão "em conflito" com a vida e a experiência diárias. (Young, 1971, p. 38).

Esta tónica posta na forma do conhecimento escolar não deveria, porém,


excluir preocupações como a de Williams com a construção social de conteú-
dos especificos. O ponto principal a reter é o da força correlacionada da forma
e do conteúdo, que deveria estar no centro do nosso estudo das disciplinas
escolares. O estudo da forma e do conteúdo da disciplina deveria, além disso,
ser colocado numa perspectiva histórica.
De facto, no seu último trabalho, Young reconhece a determinação um
pouco estática da sua escrita em Knowledge and Control e afirma que o tra-
balho histórico deveria ser um ingrediente essencial do estudo do conheci-
mento escolar. Escreveu sobre a necessidade de compreender a -emergência e
persistência históricas de convenções específicas (as disciplinas escolares, por
exemplo)". Quando estamos limitados na nossa compreensão histórica dos
24 IVOR F. GOODSON

problemas contemporâneos da educação, estamos também limitados quanto à


compreensão das questões da política e do controlo. Por isso, Young conclui
que: «Umaforma crucial de reformular e transcender os limites em que traba-
lhamos é ver... como esses limites não estão predefinidos, mas são, sim, pro-
duzidos através das acções e interesses conflituais dos homens na história»
(1977, pp. 248-249),

Estudo da história social das disciplinas escolares

o importante trabalho empreendido pelos sociólogos do conhecimento na


definição de programas de pesquisa sobre o conhecimento escolar conduziu à
valorização da investigação his órica. O estudo das disciplinas escolares abre
uma nova fase. O trabalho inicial levado a cabo pelos precursores do início do
século XX avançou elementos fundamentais; os sociólogos do conhecimento
desempenharam, em seguida, um papel vital ao recuperarem e reafirmarem a
validade deste projecto intelectual; orém, no decurso do processo deixou de
se restar a aten ão de id às circunstâncias histórica -~l1l íricas. Agora, a
tarefa a realizar passa pelo reexame do papel dos métodos históricos no estu-
do do currículo e pela articulação de um modo de estudo que estimule a nossa
compreensão relativamente à história social do currículo escolar e às discipli-
nas escolares em particular.
Em School Subjects and Curriculum Change, debrucei-me sobre a história
de três disciplinas: geografia,lbiologia e estudos ambientais~Goodson, 1983).
Cada uma destas disciplinas seguia um perfil evolucionário semelhante e este
trabalho inicial permitiu o desenvolvimento de uma série de hipóteses sobre o
modo como o estatuto, os recursos e a estruturação das isciplinas escolares
em urra o conhecimento a dis<j~a escolar em direc ões es ecí icas: em
direcção do ue eu chamo a «tradi ão acadérnica». Na esteira deste trabalho,
foi lançada uma nova série de estudos em história do currículo. No primeiro
volume, Social Histories of the Secondary Curriculum (Goodson, 1985), o tra-
balho abrange uma vasta gama de disciplinas: Grego e Latim (Stray, Englísh),
.C1e~ (Waring), economia doméstica (Purvis), educação religiosa (Bell),
estu os sociais (Franklin e Whitty) e línguas vivas (Radford). Estes estudos
reflectem um interesse crescente pela história do currículo e, além de elucida-
rem sobre a mudança simbólica do conhecimento escolar para a tradição aca-
démica, levantam questões essenciais relativamente a explicações passadas e
presentes das disciplinas escolares, numa perspectiva sociológica ou filosófica.
Um outro trabalho da mesma série debruçou-se em pormenor sobre discipli-
nas específicas: em 1985, McCulloch, Layton e Jenkins licaram o livro
e-
A HISTÓRIA SOCIAL DAS DISCIPIlNAS ESCOlARES 25

Technological Revolution? Esta obra examina a política do currículo escolar


científico e tecnológico em Inglaterra e no País de Gales desde a II Guerra
Mundial. Um trabalho posterior de Brian Woolnough (1988) aborda a história
do ensino da física nas escolas, no período de 1960 a 1985. Uma outra área de
trabalho emergente é a história da matemática escolar: o livro de Cooper,
Renegotiating Secondary School Mathematics (1985), tem como tema o desti-
no de uma série de tradições na Matemática e articula um modelo para a rede-
finição do conhecimento da disciplina escolar; entretanto, o livro de Bob
Moon, The -Neui Matbs. Curriculum Controversy (1986), incide sobre a
Matemática em Inglaterra e nos Estados Unidos da América e apresenta um tra-
balho muito interessante sobre a disseminação dos manuais escolares.
A investigação em curso na América começa, também, a focar a evolução
do currículo escolar numa perspectiva histórica. O influente livro de Herbert
Kliebard, The Struggle for the American Curriculum 1893-1958 (1986), distin-
gue uma série de tradições dominantes no currículo escolar. Este autor chega
também à conclusão intrigante de que, no final do período em questão, a dis-
ciplina escolar tradicional manteve-se uma -fortaleza inexpugnável». Mas o tra-
balho de Kliebard não nos leva ao detalhe da vida escolar. Quanto a este
aspecto, a obra de Barry Franklin, Building the American Community (1986),
fornece-nos conhecimentos preciosos. Aqui, podemos observar a negociação
vital de ideias curriculares, o terreno do trabalho de Kliebard, no quadro da > ••• J

. sua implementação como prática escolar. Além disso, um conjunto de doeu- ~ Í'- li~
mentos compilados por Tom Popkewitz (12§llibordam os aspectos históricos é:" If ~
de uma gama de disciplinas: educação ré-escolar (Bloch), (rt0:Freedman),
leitura e escrita (Monagha e Saul), iologi (Rosenthal e ByBeeJ, matemática
(Stanic), estudos sociais (Lybhel), edOCaÇãoespecial (Franklin e Sleeter), cur-
rículo socialista (Teitelbaum) e um estudo do manual escolar de Ruggs
(Kliebard e Wegner). I,J/
No Canadá, a história do currículo foi lançada como campo de estudos '(Jtf- ~ /
devido ao trabalho pioneiro de George ~ A Common Countenance I . h,}JJ
(1986), que examinou os padrões de estabilidade e de mudança curriculares CfJF'-
numa série de disciplinas ao longo dos dois últimos séculos. Esta obra esti-
mulou uma vasta gama de novos e importantes trabalhos sobre história curri-
cular. Por exemplo, o estudo muito estimulante de Gas ell sobre a história da
física escolar, que é um dos textos integrados num livro recente, International
Perspectives in Curriculum History, que procura reunir alguns dos mais signi-
ficativos contributos produzidos em diferentes países sobre a história curricu-
lar. Além dos trabalhos já mencionados de Stanic, Moon, Franklin, McCulloch,
Ball e Gaskell, estão ainda incluídos três artigos: Victorian Scbool Sdêiic de
Hodson; ~ducation de Louis Smith; English on the Norwegian Common
26 IVOR F. GOODSON

School de Gundem; e Tbe Development of Senior School Geography in West


Australia de Marsh (Goodson, 1988).
f Outros trabalhos começaram a debruçar-se sobre temas mais vastos. O
\ livro de Peter Cunningham (1988), por exemplo, analisa a mudança curricular
ocorrida nas escolas primárias da Grã-Bretanha desde 1945. O livro de P.W.
Musgrave, Wbose Knowledge (1988), é um estudo de caso da Victoria
University Examinations Board entre 1964 e 1979. Nestes últimos textos, o tra-
balho histórico permite esclarecer a mudança de conteúdo curricular para con-
teúdo examinável, principalmente no que diz respeito à compreensão do
)
modo como o estatuto e os recursos são afectados no seio da escola.
\. As orientações futuras para o estudo das disciplinas escolares e do currí-
culo apontam para uma abordagem mais ampla. A linha de base do trabalho
exposto é apenas o início de uma tarefa mais elaborada e complexa. É impor-
tante avançar no sentido de examinar a relação entre o conteúdo e a forma da
disciplina escolar, e de analisar as questões da prática e dos processos escola-
res. Por outro lado, é fundamental explorar as noções de currículo numa acep-
ção ampla, concedendo uma atenção particular ao currículo pré-escolar e
primário. À medida que a investigação for explorando a forma como a disci-
plina escolar se relaciona com os parâmetros de prática, começar-se-á a per-
ceber o modo como o mundo da educação está estruturado. Além disso, é
necessário empreender mais investigações sobre o currículo escolar numa
perspectiva comparada.
Os trabalhos actuais sobre ; história das disciplinas escolares constituem
um excelente ponto de partida para a reorganização e redefinição da investi-
gação científica sobre o currículo e o ensino.
'I. ,)''1..1-''-'\ ()

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DISCIPLINAS ESCOLARES:PADRÕES DE ESTABILIDADE

Na última década, na Europa, América do Norte e Austrália, foram reali-


zados muitos estudos sobre as disciplinas escolares. Estes estudos mostraram
que o currículo está longe de ser uma unidade construída desapaixonada-
mente e é, de facto, um terreno de grande constestação, fragmentação e
mudança. A disciplina escolar é construída social e politicamente e os actores
envolvidos empregam uma gama de recursos ideplógicos e materiais para
levarem a cabo as suas missões individuais e colectivas.
- -Por detrás desta perspectiva está uma conceptualização alternativa do pró-
prio ensino. Sob muitos aspectos, esta conceptualização está de acordo com
os pontos de vista de Meyer e Rowan, quando descrevem os sistemas educa-
tivos como ..a a ência central ue determina o essoal - tanto os cidadãos
como a~lite - ara o Estado e a economia modernos» (1983, p. 83). Nesta con-
cepção de educação, criam-se categorias estandardizadas de diplomados, atra-
vés do uso de tipos estandardizados de professores, alunos, temas e .• lÀ'j"
actividades. Estes diplomados são colocados no sistema produtivo com base \J'Y" (
na sua formação educacional (certificada). Através deste papel de certificação \ l{l-~ rL1>'
as «classificações ritualizadas de educação» (isto é, aluno, professor, tema, esc 0- t
Ia, grau, ete.) têm valor como mqe~ ..
m~r9slo da identidade sociàl•. Este
mercado exige uma moeda padrão e estável de tipificações sociais...A nature-
za da educação é, assim, definida socialmente por referência a um coniunto de
categQ~ases!andà!s.!i~~as, cuja-Ie'gitimic!~deé partilhada publicamente» (1983,
p. 84). Isto constitui uma li itação as possibilidades no campo educativo e
I

das situações que serão aceites como conformes à regra da educação. Mas, por
outro lado, ..as recompensas por atender a critérios externos constituem uma
\. I l) , "r k\h"p".1.? ,,1.M-<-().,~~iI :,.r. i.t ,.~~,'-.JIf,
Ij'n ff::"l1'ilJ l vt ~
;,~ "A.,.. i/ d~\~ ,
-.Y •
-f' , lTll 7 { ~ <'",'~ c
I
28 IVOR F. GOODSON

1 "('I' lJJ41-' ~apacidade crescente para mobilizar recursos sociais para objectivos organiza-
/cionais» 0983, p. 86). A este respeito, john Meyer faz uma distinção entre cate-
1) gorias institucionais e organizacionais.

I! «O institucional remete para uma "ideologia cultural" e é confrontado com o organi-


zacional, isto é, protegido dentro de estruturas únicas e tangíveis como as escolas e as

~(e-~) salas de aula.As categorias institucionais incluem níveis de ensino (como o primário),
tipos de escola (como a unificada), funções educacionais (como a de reitor) e tópicos
curriculares (como a leitura, a Reforma ou a Matemática). Em cada um destes casos, a
\;
forma organizacional criada e mantida pelos professores (e por outros actores) é con-
() frontada com uma categoria institucional, significativa para um público (ou públicos)
mais vasto» (Reid, 1984, p. 68).
t'
As categorias institucionais que Meyer define são a principal moeda no
mem:rdo eaucaciõna . Neste merca o, saon-ecessárias-tipificáçõ-es sõciãis íden-
-'fifiCáV'éisé'pãdróniZáveis~ para os alunos, porque estão a construir carreiras
escolares ligadas a certos objectivos profissionais e sociais; para os professo-
res, porque desejam assegurar o futuro dos seus alunos e alcançar boas car-
, reiras e estatutos profissionais para eles próprios. A missão dos espaços

(i
'--'"
rY /" disciplinares liga-se ao mercado na procura dessas retóricas que irão-assegu-
~-~ .~....-.---- ----~--
ràr ca egorias 1 en 1 lcáwL,. c-reQ[vetsparà a opinião pública. Para Rêid" -
.. ....,._---
..•.~ ~
-

"Asretóricas bem sucedidas são realidades. Embora os professores e os gestores esco-


lares tenbam de estar atentos para que as disjunções entre as práticas e as convicções
não aumentem de forma a poderem pôr em causa a credibilidade da educação, é certo
que o mais importante para o sucesso das disciplinas escolares não é a entrega de
"bens" que podem ser publicamente avaliados, mas sim o desenvolvimento e manu-
tenção de retóricas legítimas que dão apoio automático a uma actividade correcta-
mente classificada.A escolha de classificações apropriadas e a associação destas, na
opinião pública, com retóricas plausíveis de justificação podem ser vistas como a mis-
são principal daqueles que trabalham para modernizar ou defender as disciplinas do
currículo» 0984, p. 75).

I Segundo este ponto de vista, a função social do ensino fixa parâmetros,


i perspectivas e incentivos claros para os actores envolvidos na construção das
J disciplinas escolares. A nossa investigação sobre as actividades desses actores
classifica-as como: actividades individuais ou colectivas, com "carreiras» e "mis-
® )
sões» dependentes de fontes externas para a obtenção de recursos e de apoio
ideológico. O interface entre os actores disciplinares "internos» e as suas.rela-
ções exterl1<!se-riíêCiiacI()elã procura ae recursos e de apoio ideológico. A
dependência de r~cursos tem duas faces: é conhecida como uma limitação às
estratégias de acção, mas também pode ser vista como um modo de promo-
ver e facilitar versões e visões particulares das disciplinas escolares.
DISCIPllNAS ESCOLARES: PADRÕES DE ESTABIllDADE 29

A grande força de Meyer e Rowan na caracterização do ensino, e da sua


ligação a uma análise da distribuição de recursos, passa pela demonstração de
que o estudo curricular tanto pode focar aspectos de estabilidade e conserva-
ção como aspectos de conflito e mudança. Isto proporciona um antídoto para
os perigos do internalismo e do entendimento do currículo como um dado, já
anteriormente mencionados; proporciona também uma resposta ao trabalho
de Steven Luke, que, após criticar as concepções de poder -unidimensionais-
ou pluralistas que focam somente o conflito, afirma que o uso de poder mais
eficaz e insidioso "é o de prevenir que o conflito surja logo à partida».

Estudo da estabilidade curricular

Os assuntos internos e as relações externas da mudança curricular deve- ,


I '
riam ser aspectos inter-relacionados em qualquer análise de reforma educacio- 7
nal. Quando o interno e o externo estão em conflito (ou dessincronizados) a .. '
mudança tende a ser gradual ou efémera. Uma vez que a harmonização simul-
tânea é difícil, a estabilidade ou conservação curricular é comum. O que acon-
tece muitas vezes é uma divergência entre as "categorias institucionais- de
Meyer e as <mudanças organizacionais-. Se a mudança a um determinado nível
não acontece (ou é mal sucedida), então a mudança ao outro nível poderá ser
inadequada, mal sucedida ou efémera.
Por exemplo, nas escolas secundárias inglesas dos anos sessenta houve
uma mudança organizacionallargamente difundida no sentido da implantação
do "ensino unificado». Estas mudanças criaram um clima político propício à
ideia de que a participação devia ser um objectivo organizacional importante
e de que as disciplinas escolares deveriam ser redefinidas organizacionalmen-
te de modo a ter efeitos educativos sobre o maior número possível de alunos.
No entanto, esta mudança organizacional não foi acompanhada por uma
mudança geral nas categorias institucionais. O interno e o externo estavam,
assim, dessincronizados e desarmonizados. Reid resumiu os resultados da
seguinte forma:
«Na altura, parece que, apesar de terem sido sancionadas politicamente, as mudanças
que ocorreram eram mais organizacionais do que institucionais. As normas impostas '1
pelos requisitos de entrada na Universidade e pelo exame do General Certificate of
Education continuaram a fixar os parâmetros para as categorias educacionais, que se
mostraram extraordinariamente resistentes às tentativas de democratização (a elimi-
nação da fronteira aprovação/reprovação no primeiro nível do General Certificate of
Education, por exemplo, não teve qual uer impacto em termos de categorias públicas:
os alunos, os pais e a maioria dOjl rofess es continuam a falar em "passar"no primei-
ro nível).As disciplinas como aS Ciências, ue há alguns anos atrás tentavam desenvol-\
,4/1\ ~'"q,.(,Ír./ ,I/w C PJI f. Q) ~e j ! •
17"(1.· •..O ;'

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~'I/V " 1.e..~ ir~f)"y.('.


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j;)"" I
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:!PC
r(I-I
1 ver tópicos acessíveis ao maior número possível de alunos, estão novamente a aumen-
tar as exigências em termos de conteúdos e a pôr em causa estilos inovadores de ensi-
t/,p no» (1984, p. 73).
®1~ Este episódio exemplifica essencialmente uma situação em que os assun-
~e,~) '" tos internos e as relações externas não estão em harmonia ou, mais concreta-
mente, são divergentes. As mudanças organizacionais foram assim
implementadas, mas as cate orias institucionais, dependentes de gru os de
apoIo externos, mostraram-se resistentes à mudança. E muito improvável que
à mudança organizacional, sem um apoio ou acompanhamento ao nível insti-
tucional (isto é, com significado para grupos mais vastos), venha a ter efeitos
ngo prazo.
Essencialmente, aquilo que é necessário para compreender a estabilidade
e mudança curriculares são formas de análise que procuram examinar os
assuntos internos em paralelo com as relações externas, como um modo de
desenvolver pontos de vista sobre a mudança organizacional e sobre as
mudanças em categorias institucionais mais amplas. Esta análise ultrapassa a
forma um pouco internalista de grande parte das pesquisas curriculares. Trata-
-se de práticas de pesquisa que desenvolvem frequentemente analogias médi-
cas e, por isso, Miles referiu-se à «saúde organízacíonal- das escolas. No
trabalho de Hoyles (1969), a mudança curricular não «pega»devido a uma
espécie de rejeição de tecidos por parte de escolas que não têm saúde orga-
nizacional. A tónica foi posta'na constituição e funcionamento interno da esco-
la como um corpo discreto e auto-regulador.
Webster argumentou convincentemente contra esta analogia médica ao
desenvolver alguns dos pontos de vista de Robert Nisbet, que nos exortam a
concentrar a atenção em aspectos mais vastos da mudança e da conservação
culturais. Incita-nos a apreciar os mecanismos de estabilidade e persistência na
sociedade, -o simples poder do conservantismo na vida social: o poder do cos-
tume, da tradição, do hábito e da mera inércia»(Webster, 1971, pp. 204-205),
Tal como Webster observa:
l «Segundo o ponto de vista de Nisbet, enganámo-nos muitas vezes quando pensamos
. que se está a dar uma mudança social radical, porque não nos apercebemos da distin-
ção significativa... entre reajustamento ou afastamento individual numa estrutura social
l11(cujos efeitos, embora possivelmente cumulativos, nunca são suficientes para alterar a
I estrutura de uma sociedade ou instituição para postulados culturais básicos) e a mais
fundamental, embora enigmática, mudança de estrutura, tipo, padrão ou paradígma»
• (1971, pp. 204-205).

\ Por esta razão, Nisbet afirma que «são raros os momentos históricos em
) que, como consequência de uma crise, e qualquer tipo de atenção dada a essa
'llNAS ESCOLARES: PADRÕES DE ESTABIllDADE

- por parte de uma elite ou de um indivíduo, o resultado seja um modo de


;da genuinamente novo-. Geralmente, «a consequência acaba por ser uma
espécie de sobrevivência da crise e, consequentemente, um regresso ao fami-
i
liar e ao tradicional» 0971, p. 206). Penso que qualquer estudioso da mudan-
ça e inovação curriculares reconheceria este resultado. A mudança
organizacional tem de ser acompanhada por uma mudança da categoria insti-
tucional (e pelo aparecimento de novas práticas institucionalizadas), de modo
a assegurar a -mudança fundamental- de Nisbet. Mas o estabelecimento de uma
nova categoria institucional, e de práticas institucionalizadas associadas, acar-
reta as sementes de novos padrões de tradição e inércia. Em suma, a mudan-
ça fundamental exige a -invenção de (novas) tradições•.
- McKinneye Westbury estabeleceram a natureza sistémica da mudança cur-
ricular, num estudo pioneiro sobre a -estabilidade e a mudança. nas escolas
públicas de Gary (Indiana), no período entre 1940-1970.

•Os discursos intelectuais que se pensa, num dado período, terem um valor cultural ou
instrumental para os jovens, tomam-se, na escola, disciplinas que, por sua vez, provi-
denciam a organização intelectual e os veículos que os professores empregam para
ensinar sistematicamente os seus conhecimentos a milhões de alunos, durante os doze '
anos, ou mais, em que estão na escola. Os professores deixam as escolas, mas os alunos
permanecem - é a existência de um programa organizado de formas rotineiras que
possibilita o facto de um professor retomar a matéria onde o outro deixou, quer seja
no meio do ano, ou no final do ano. É a existência de~tas instituições sociais, com o seu
carácter conhecido, que toma possível os esforços comuns de um sistema escolar - for-
mação dos professores, elaboração de textos e exames, construção de equipamento e
edifícios, etc. Por outras palavras, as disciplinas e as formas de ensino que as rodeiam
são estruturas que especificam as condições e os contextos de sentido em que o ensi-
no terá lugar, e constituem os espaços e os meios de colaboração institucional das
agências educativas para o progresso do seu trabalho» (1975, pp. 8-9). I

A disciplina escolar como sistema e prática institucionalizada proporciona,


assim, uma estrutura para a acção. Mas a disciplina em si faz parte de uma
estrutura mais ampla que incorpora e define os objectivos e possibilidades '--
sociais do ensino. Porque a definição da disciplina escolar como discurso retó- )
e
rico c U1teÚdQ, fo'?maorganizaciôi1âl prãt1cã institucionalizada faz parte das
práticas de distribuição e de repro ução socia . -- -'
precis-n-;-porisso, meçar a olhar para a disciplina como um bloco num
mosaico cuidadosamente construído durante os quatrocentos anos (ou mais)
que demorou a delinear os sistemas educativos estatais. Só aí poderemos
começar a entender o papel da disciplina escolar no que diz respeito a objec-
tivos sociais mais amplos: objectivos esses que muitas vezes se relacionam
intimamente com os misteriosos -rnecanismos de estabilidade e persistência na
32 IVOR F. GOODSON

f.!i'
;::
sociedade. mencionados anteriormente. A disciplina escolar é, assim, um dos
~ ~ prismas at~avés d~~ quais pod<:!.e]Eosvislu!,!lbl],f'! .estrutura_do ensino estatal.
Parece, no entanto, um terreno particularmente valioso para a pesquisa, uma

5!
..J ~

vez que a disciplina se situa na intersecção das forças internas e externas que
Q} mencionámos: além disso, as acções do Estado em matéria educacional são
I.M muitas vezes incaracteristicamente visíveis em alturas de reorganização disci-
'W plinar (por exemplo, no caso presente do currículo nacional britânico ou no
debate actual sobre o currículo australiano).
I De certa forma, a disciplina escolar permanece como um arquétipo da
i divisão e fragmentação do conhecimento nas nossas sociedades.
~.. . \ Enclausurados dentro de cada -rnicro-disciplina, os debates mais vastos
{p,r- . sobre os objectivos sociais do ensino tendem a ser travados de forma isola-.
da e segmentada (e, sem dúvida, sedimentada) entre os diferentes níveis
internos e externos e entre os domínios públicos e privados do discurso. A
harmonização através dos níveis e domínios é uma busca ilusória: a estabili-
dade e a conservação continuam, assim, a ser o resultado mais provável da
estruturação do ensino, no qual as disciplinas constituem um ingrediente cru-
\ cial.
, Alguns investigadores afirmaram recentemente que o sistema foi construí-
do, desde os seus primórdios, para ~--....,.
assegurar a estabilidade -e para mistificar
-----_ e
.. -
dissimular as relações.-i!f poder que sustentam todas as acções curriculares.
J I Por exempIõ, referindo-se ao caso da Alemanha em particular e da Europaem

geral, Haft e Hopmann afirmaram que:

<Associedades como a nossa são sociedades de classes, organizadas de forma a pro-


porcionar uma distribuição desigual dos recursos necessários ao modo de vida de cada
um e, portanto, às suas perspectivas educativas. Uma vez que tais recursos não podem
ser aumentados sem mais nem menos, qualquer decisão sobre a sua distribuição signi-
fica tirar a um e dar a outro. Consequentemente, a luta social está tanto na agenda
nacional como na agenda internacional. Os problemas surgem sempre que os derrota-
dos recusam ceder.Assim,do ponto de vista das forças dominantes na luta pela distri-
buição, é necessário organizar a distribuição de forma a assegurar um consenso
maioritário - ou, na pior de hipóteses, de forma a que não levante resistências signifi-
cativas.
O mesmo se aplica à acção curricular estatal:a distribuição do conhecimento está asse-
gurada socialmente, desde que seja aceite como uma regra - ou, pelo menos, desde que
não seja seriamente posta em causa, por mais desigual que possa ser» (1990, p. 159).

E, além disso, que:

/ <Aacção curricular é a forma de produzir curriculos que asseguram que a estrutura do


processo social dissimula as relações de poder subjacentes. Esta dissimulação não é tão
DISCIPLINAS ESCOLARES: PADRÕES DE ESTABILIDADE 33

{fácil como parece. Não basta ficar quieto, a não ser que o pesadelo de Orwell se tome
realidade com o controlo completo da distribuição social do conhecimento. Além
disso, para ficarem quietos, todos os que contribuem para a estrutura da distribuição
existente teriam que estar de acordo - algo que é extremamente improvável numa

I
sociedade como a nossa. Por esta razão, é necessário um sistema elaborado capaz de
produzir a legitimação da distribuição desejada. Nas suas melhores condições, um sis-

@
tema desses pode por si só produzir ou organizar a legitimação de que necessita. Os
atritos que possam surgir durante o processo de legitimação não serão susceptíveis de
I afectar o equilíbrio subjacente do poder, pelo que terão de ser neutralizados noutras
I áreas (fazendo-os surgir como problemas técnicos da estrutura do conhecimento ou do
~ método de ensino, por exemplo)>>(1990, p. 160)
~I
--
Ao examinar o aparecimento do sistema educativo na Alemanha, a partir
do primeiro projecto prussiano de 1816, Haft e Hopmann observaram que a
divisão dos planos de estudo de acordo com o nível escolar e o tipo de esco-
la implicava divisões nos horários, nos regulamentos dos exames e das pro-
moções, nas instruções dos manuais escolares, ete. Na sua versão final, estas
divisões são aumentadas pelo plano de estudos global que é reduzido a um
catálogo disciplinar de objectivos e conteúdos. Haft e Hopmann declaram que:

<Paraa administração, os resultados práticos desta diferenciação da estrutura curricu-


lar servem um duplo objectivo. Em primeiro lugar, a separação dos planos de estudo
elaborados a partir de decisões sobre princípios estruturais e educacionais liberta os
autores da pressão que, de outro modo, poderia surgir do discurso curricular, onde são
focadas as estruturas básicas da distribuição do conhedmento.Assim, as propostas para
alterar essa distribuição através da reforma curricular podem sempre ser rejeítadas
com referência a outros níveis de regulamentação (tais como leis, normas de avaliação
ou horários).A exclusão de uma organização escolar fundamental e de cânones disci-
plinares tomou-se tão manifesta para os autores dos planos de estudos que as sugestões
actuais para tratar essas questões em comissões curriculares não são compreendidas.
Por outro lado, todas as tentativas para eliminar as diferenciações já iniciadas - por
exemplo, para se resolverem as questões de planificação disciplinar e estrutural por
uma só comissão - falharam, demonstrando-se assim a necessidade de uma comparti-
mentalização.
A segunda vantagem de uma diferenciação contínua reside na criação de uma estrutu-
ra clara de raciocínio para a planificação de blocos distintos de matérias disciplinares.
Assim,não há quaisquer dúvidas sobre o objectivo do ensino como um todo, mas sim
sobre questões cuidadosamente definidas, como por exemplo saber se a Óptica deve
ser ensinada no 7° ou no 9° ano de escolaridade ou decidir sobre o tipo de literatura a
I g2
trabalhar no 10°ano. Tais questões pormenorizadas devem ser analisadas por especia- .v. -
listas,e não pelo público em geral. Unir o trabalho dos planos de estudo às disciplinas
abre vias de justificação que são quase impossíveis num nível mais amplo. Quanto ao
mais,as limitações disciplinares no trabalho dos planos de estudo reflectem-se em dife-
renciações paralelas na administração escolar, na formação de professores e no traba-
lho docente, criando assim uma rede consistente de elementos referenciais onde todas
as disputas curriculares poderão ser resolvidas»0990, p. 162).
34 IVOR F. GOODSON

( A estruturação do ensino em disciplinas representa, simultaneamente, uma


\ fragmentação e uma internalização das lutas pela estatização da educação.
Fragmentação, porque os conflitos surgem de uma série de disciplinas com-
partimentalizadas; internalização, porque, actualmente, os conflitos surgem
) não só dentro da escola, mas também dentro dos limites da disciplina. Dar pri-
maziaà -disciplina escolar» na atribuição de recursos ao ensino significa, assim,

U financiar e promover uma redução particular do discurso possível sobre o ensi-


no.
, A consagração simbólica das disciplinas como a base dos currículos do
ensino secundário é, talvez, o princípio mais bem sucedido na história da
acção curricular. No entanto, como tivemos oportunidade de observar, não é
um es uema neutro burocrático_pu rSlcjonaJieduclçionalz mas sim um esgue-
ma er jto....p<lra.a.conservação e a estabilidade, permanecendo para frustrar
eficazmente quaisquer outras ii1icrâtivãs-globais~áe reforma. As inovações no
sen I o da unificação, tais como as sugeridãs por Dewey, têm poucas hipóte-
ses de serem implementadas a longo prazo. Nos termos. d~_Nisbet elas per-
manecem, inevitavelmente, num mundo estruturado disciplinarmente: ondea
ml1danç!l_f!Jndamental dos -reajustamentos ou desvios, 'individuais» é quase
imQossível. - .
\{ - As novas iniciativas de acção curricular devem ser examinadas neste nível
\ Ide acção simbólica. Um modelo de ensino disciplinar e segmentado actua para
; . silenciar ou marginalizar eficazmente modelos alternativos. Todavia, muitas
. vezes o significado simbólico da centralização disciplinar é desconhecido em
I .muitos debates sobre as novas iniciativas. No debate sobre o currículo nacio-
nal britânico tem havido um silêncio ensurdecedor quanto a este aspecto das
propostas.

Reinscrevendo o «tradicional»:
O currículo nacional britânico

Todas as novas iniciativas disciplinares são palco de um intenso debate


sobre ~Objectivos e os parâmetros do ensino. Mas, ao não questionarem a
estrutura os intervenientes no debate aceitam uma iniciativa que, como acção
si 80l' a, fará com que a estabilidade e a conservação se tornem mais subtis
e duradouras. Esta é a questão-chave: travam-se debates intermináveis sobre
I objectivos e parâmetros curriculares, mas são debates fragmentados e interna-
I lizados dentro de limites que tornam qualquer mudanÇãde fundõ'pratícamente
impossível. /1
DISCIPLINAS ESCOIARES: PADRÕES DE ESTABILIDADE 35

-Uma estrutura curricular fragmentada permite que novos conceitos sejam adoptados,
pelo menos parcialmente, desde que as margens entre as disciplinas não estejam irre-
conhecíveis.A autorização para abandonar a suposta estrutura da administração disci-
plinar não é de modo algum facilmente obtida e está sempre confinada a áreas ir
disciplinares intimamente relacionadas. A "coligação" que constitui uma determinada
disciplina tem que ser enfraquecida a partir de dentro. É por isso que o esforço inglês
para desenvolver uma abordagem integrada do ensino científico só teve sucesso quan- I
do foi apoiado por uma combinação de incentivos e uma escassez significativa de pro- ~
fessores de Ciências... Estabelecer a abordagem integrada como forma regular do
ensino científico, parece bastante impossível, a não ser que surjam programas adequa-
dos, tanto a nível administrativo como a nível educativo (o que será difícil, devido à
divisão social das disciplinas).
O facto de as abordagens integradas não serem úteis em sistemas compartimentaliza-
dos não significa,porém, que tenham de existir diferentes conceitos curriculares em
cada compartimento. O oposto é verdadeiro. Os limites do sistema como um todo
reduzem o grau de mudança que um simples esforço pode conseguir. Nos sistemas
compartimentalizados não se deixou acessível nenhum nível no qual o desenvolvi-
mento curricular pudesse ser organizado como um esforço de construção social de
novas estruturas e lógicas de distribuição do conhecimento. Porque as dependências
e as ideias dominantes não podem ser desafiadas em geral.Assim,se existir um con_}
ceito curricular predominante com que o sistema como um todo possa contar, isso
tem de ser aceite como a regra do jogo em cada compartimento (isto é, as mudanças
devem respeitar o limite de variação que lhes é imposto). (Haft & Hopmann, 1990,
p. 167).

Nos últimos anos, o debate sobre o currículo escolar tem reafirmado e


reconstituído os padrões de tradição e estabilidade que estiveram obscurecidos
devido aos esforços de reforma dos finais dos anos sessenta e princípios dos
anos setenta. No horizonte apresenta-se, mais do que nunca, um reforço das
disciplinas escolares, das «aprendizagens básicas•. Tradicionalmente, o reforço
das «aprendizagens básicas" consistia em conceder uma atenção privilegiada aos
três Rs - ler, escrever e contar (reading, writing, reckoning). Nos anos oitenta, é J't:J
justo dizer que aqueles que detêm o poder curricular seguiram uma nova ver-
são dos três Rs - reabilitação, reinvenção e reconstituição. Frequentemente, a ---
C~
estratégia de reabilitação das disciplinas escolares nos anos oitenta passa pela (Ó.)
afirmação de que o bom ensino é, de facto, o bom ensino disciplinar. Isto cor- 'J;/'" I r
responde a lançar um véu sobre toda a experiência dos anos sessenta, a tentar J J
esquecer a razão por que muitas reformas curriculares foram desenvolvidas \
para encontrar antídotos para as falhas e insuficiências observadas no ensino I
disciplinar convencional. Neste sentido, a estratégia de reabilitação é funda- ,
mentalmente não histórica, mas, paradoxalmente, é também uma lembrança do)
poder dos «vestígiosdo passado" para sobreviver, reviver e reproduzir.
Em Inglaterra, a reinvenção das disciplinas «tradicionais" teve início em \(
1969 com a publicação da primeira colecção dos Black Papers (Cox & Dyson,
36 1\"0 ~_GOO

1969; Cox & Boyson, 1975). Os autores desta colecção afirmavam que o pro-
fessores tinham sido demasiado influenciados pelas teorias progressistas da
educação, tais como a integração das disciplinas e práticas de ensino basea-
\ das na pesquisa e na descoberta. Isto teve como consequência uma negli-
.( gência do ensino de conhecimentos básicos e disciplinares e conduziu a uma
) redução dos padrões de aproveitamento do aluno e a um aumento da indis-
.' ciplina na escola; através deste raciocínio, a disciplina escolar (académica)
I era posta em paralelo com a disciplina moral e social (comportamental). A
\ reabilitação da disciplina escolar garantiu o restabelecimento da disciplina
\ nestas duas perspectivas. Os Black Papers foram adaptados pelos políticos,
que os foram integrando nos seus discursos e projectos. Em 1979, por exem-
plo, na sequência de uma pesquisa realizada em várias escolas secundárias
de Inglaterra e do País de Gales, as autoridades chamaram a atenção para o -
que julgavam ser a prova de uma correspondência insuficiente entre as qua-
lificações e a experiência dos professores e o trabalho que estavam a reali-
zar. Posteriormente, numa outra pesquisa, descobriram que o ensino
( ministrado por professores que tinham estudado as disciplinas que ensina-
{ vam como disciplinas principais na sua formação inicial se encontrava mais
'directamente associado a padrões elevados de trabalho (Her Majesty's
Inspectorate, 1983).
I

Estas percepções serviram de base ao panfleto do Ministério de Educação,


.<.~ Teaching Quality, no qual se listavam os critérios a seguir na organização dos
~ cursos de formação inicial de professores. Os primeiros critérios impunham o
\; {segUinte requisito: a formação universitária e a formação profissional de todos
oP os professores qualificados deve incluir, pelo menos, dois anos dedicados a
\ ;'J yJf- estudos disciplinares ao nível do superior. Através deste requisito reconhecer-
;" V- ~>':.t -se-ia «a necessidade, por parte dos professores, de conhecimentos disciplina-
\ . res, se quissessem ter a confiança e a capacidade para entusiasmarem os
{) alunos e para responderem à sua curiosidade nos diferentes campos discipli-
11 nares- (Department of Education and Science, 1983).
Esta última frase é curiosamente circular. É óbvio que, se os alunos esco-

l&;f I
y I lhem disciplinas, então é provável que os professores necessitem de conheci-
v I mentos disciplinares. Mas isto serve para impedir um debate sobre quando
~1 deveriam escolher as disciplinas como um processo educacional. Em vez disso,
@/.{temoscomoeSCOlhaumfaitaccomPliPrático.Defacto, os alunos não têm
I outra hipótese senão aceitar « os domínios disciplinares que escolheram».A rea-
I( bilitação política das disciplinas por ditame político é apresentada como uma
escolha do aluno.
~,J.j.4 Em Teaching Quality volta-se à questão da correspondência entre as qua-
r \ty{ ~ lificações dos professores e o seu trabalho com os alunos; verificamos que «o
!i 11
~. ). ~
~v 'G
y'
" :\ ·f/.
ft- • "J . ~
1, v ~ J
~ ,~ L-
\ ...
' t-
'1Jv
, ,5', 'I [J
o
:7 )
DISCIPLINAS ESCOLARES: PADRÕES DE ESTABILIDADE 37

Governo atribui uma maior prioridade à melhoria da adaptação entre as


qualificações dos professores e as suas tarefas como uma forma de melho-
rar a qualidade da educação». Os critérios para esta adaptação baseiam-seJ

~l~t~
numa clara crença no padrão hierárquico e sequencial da aprendizagem dis-
ciplinar. ~
Todo o ensino disciplinar especializado, no decurso do ensino secundá- . ..
rio, requer professores cujo estudo da disciplina em questão se situe num nível
adequado ao ensino superior, represente uma parte substancial do período de ,
formação superior e se situe num nível elevado de competência.
6)' .~
O início da especialização disciplinar evidencia-se melhor quando é ana- --- .
lisada a questão do trabalho não disciplinar nas escolas. Muitos aspectos do
trabalho escolar ocorrem fora (ou ao lado) do trabalho disciplinar - estudos
do processo escolar mostraram como o trabalho auxiliar e terapêutica integra-
do surge, porque os alunos não têm aproveitamento nas disciplinas tradicio-
nais. Longe de aceitar a disciplina como um veículo educacional com severos
limites, se a intenção é a de educar todos os alunos, o documento publicado
por Her Majesty's Inspectorate procura reabilitar as disciplinas mesmo nos
domínios que surgem, frequentemente, da "dispersão»disciplinar:

"o ensino secundário não é totalmente disciplinar, e a formação inicial e as qualifica-


ções não podem proporcionar uma preparação adequada para todo o trabalho nas
escolas secundárias. Por exemplo, os professores envolvidos em orientação escolar ou
trabalho terapêutico ou em cursos colectivos de preparação vocacional, e aqueles que
r r-.
A, 9JVh-1
',/
~iJ}-

são responsáveis por dar resposta às "necessidades educativas especiais", necessitam de


empreender estas tarefas não só com base nas qualificações iniciais, mas também após
terem experimentado ensinar uma disciplina especializada e, preferencialmente, após
°
uma formação pós-experiência. trabalho deste tipo e o ensino interdisciplinar são
geralmente mais bem partilhados entre professores com muitas qualificações e conhe-
j
cimentos especializados e adequados» (Her Majesty's Inspectorate, 1983, ponto 3.40).

A reabilitação das disciplinas escolares tornou-se a base da opinião do


Governo sobre o currículo escolar. Em muitos aspectos, o apoio estrutural e
governamental dado às disciplinas escolares, enquanto esquema estruturante
do ensino secundário, está a atingir níveis inauditos. Hargreaves considerou
que "ao que parece, mais do que em qualquer outra altura, a disciplina esco-
lar deverá assumir uma importância primordial na preparação estrutural e na
responsabilidade curricular dos professores do ensino secundário». Mas esta
política preferencial segue em paralelo com uma importante mudança no esti-
lo da política educativa, pois, como afirma Hargreaves, essa intenção por
parte das autoridades não significa uma simples distribuição de conselhos
vagos:
38 IVOR F. GOODSON

-Maisconcretamente, num estilo de inspecção e intervenção política centralizada com


a qual nós, na Grã-Bretanha,nos estamos a familiarizar cada vez mais nos anos oitenta,
esta é apoiada por fortes e preciosas declarações que procuram basear no sucesso dis-
ciplinar os critérios de aprovação (ou não) dos cursos de formação de professores, e
realizar cinco inspecções anuais em escolas secundárias seleccionadas, com vista a
assegurar que o sucesso disciplinar está a progrida nessas escolas e se reflicta no
padrão das colocações de professores» (Hargreaves, 1984).

A questão de um crescente controlo centralizado é também levantada


numa publicação oficial recente sobre Education 8 to 12 in Combined and
Middle Schools (Department of Education and Science, 1985). Uma vez mais, a
reabilitação das disciplinas escolares é repetida numa secção sobre a necessi-
dade de «aumentar o conhecimento disciplinar dos professores». Rowland con-
siderou o documento como sendo parte de uma tentativa para trazer um grau
de controlo centralizado para a educação: o documento Education 8 to 12
pode muito bem ser interpretado pelos professores como um meio de propor
uma abordagem mais esquematizada da aprendizagem, em que a atenção se
centra ainda mais firmemente sobre a matéria disciplinar do que sobre a crian-
ça. E este autor acrescenta, algo enigmaticamente, que «todas as evidências
apontam para a necessidade de seguir na direcção oposta» (Rowland, 1987,
p. 90). As suas reservas sobre os efeitos de reabilitar disciplinas escolares são
largamente partilhadas. Um outro investigador observou que um dos efeitos da
estratégia «seráo de reforçar a cultura existente no ensino secundário e, assim,
{ impedir a inovação pedagógica e curricular na frente escolar» (Hargreaves,
1984)
As várias iniciativas e relatórios governamentais britânicos, realizados
desde 1976, têm mostrado uma tendência consistente de regresso às «aprendi-
zagens básicas», de readopção das disciplinas «tradicionais». Este projecto
governamental, que abrange tanto a administração trabalhista como a admi-
nistração conservadora, culminou no «novo»Currículo Nacional, definido num
documento intitulado National Curriculum 5-16 (o Currículo Nacional entre os
5 e os 16 anos). Este documento foi seguido, de imediato, pela Lei Educativa
de 1987, a qual define determinados elementos curriculares comuns que deve-
rão ser dados aos alunos que frequentam a escolaridade obrigatória.
Apesar de ter sido apresentado como uma iniciativa política inovadora, não
deixa de ser curioso observar uma notável continuidade histórica em relação
I aos Regulamentos de 1904. A amnésia histórica permite que a reconstrução cur-

11 ricular seja apresentada como uma revolução curricular, tal como Orwell obser-
: vou: «o que controla o passado, controla o futuro» (ver Goodson, 1989).
As semelhanças põem em dúvida a retórica de «umanova e importante ini-
ciativa»tomada pelo Governo e apontam para algumas continuidades históri-
DISCIPLINAS ESCOLARES: PADRÕES DE ESTABILIDADE 39

cas nos objectivos e prioridades sociais e políticas. Os Regulamentos de 1904


incluíam o currículo oferecido historicamente à clientela das escolas secundá-
rias pertencentes às classes médias, em oposição ao currículo que estava a ser
desenvolvido nas escolas comunais e que visava principalmente as classes tra-
balhadoras: um segmento da nação estava a ser favorecido à custa do outro.
Em meados do século XX, impulsos mais igualitários ocasionaram a criação
das escolas unificadas, nas quais crianças de todas as classes sociais estavam
reunidas sob o mesmo tecto. Isto, por sua vez, conduziu a uma série de refor-
mas curriculares, que procuraram redefinir e desafiar a hegemonia do currícu-
lo das «viasclássicas. do ensino.
Procurando pôr em causa e alterar estas reformas e intenções, a Direita
política defendeu a reabilitação das disciplinas «tradicionais•. O currículo nacio-
nal pode ser visto como uma vitória das forças e intenções que representam
estes grupos políticos. Uma determinada visão e certos grupos específicos são,
assim, reintegrados, favorecidos e legislados como sendo o «todo nacional »,
As continuidades históricas evidentes no Currículo Nacional mereceram
uma série de comentários. Por exemplo, Moon e Mortimore, ao escreverem
sobre o Currículo Nacional, fizeram a seguinte observação:

«Alegislação, e o muito criticado documento de consulta que a precedeu, apresentam


o currículo em termos bastante restritos. Assim,o currículo primário foi apresentado
como se não fosse mais do que uma preparação pré-secundária (como a pior espécie
I
de "escola preparatória"). Todos os aspectos positivos do ensino primário britânico
foram ignorados.
Por sua vez, o currículo secundário parece estar baseado no currículo de uma "via clâs-
sica" de ensino, típica dos anos sessenta. Não é nossa intenção contradizer as discipli-
I
nas incluídas, mas acreditamos que esse currículo omite muita coisa.As tecnologias de
informação, a electrónica, a estatística, a educação pessoal, social e profissional foram
omitidas. E,no entanto, alguém duvida que estas serão as áreas que irão ter importân-
cia na vida futura de muitos alunos? 0989, pp. 11-12).

Mas o conteúdo das disciplinas do currículo nacional continua a ser o


tema de incessantes debates e controvérsias. O ponto principal a reter é o de
que um currículo nacional disciplina, controla e reduz o discurso sobre os
objectivos sociais da educação. Uma resposta comum ao argumento de que
o currículo nacional representa estabilidade e controlo curriculares é a
seguinte: -Oh, nãol, você não compreende, as disciplinas estão a ser refor-
muladas e alteradas ». Mas os debates sobre os objectivos da educação são
fragmentados pelo currículo nacional e contidos e internalizados no âmbito
de cada discurso disciplinar. Quaisquer outras discussões gerais sobre os
objectivos sociais do ensino encontram-se, assim, impedidas e efectivamen-
te frustradas.
------------------------------------------------------------- -

40 IVOR F. GOODSON

As iniciativas de reforma curricular dos anos sessenta e setenta deixaram-


-se permear por debates mais alargados e, poderão mesmo dizer os optimis-
tas, reduziram a predominância do currículo disciplinar. O que é certo, no
entanto, é que os anos oitenta assistiram a uma reconstituição substancial do
currículo disciplinar sob o pretexto de uma nova iniciativa de reforma educa-
cional. Leslie Siskin, por exemplo, tem vindo a estudar os grupos disciplinares
das escolas secundárias norte-americanas. Ela afirma que:

,«MUdançasrecentes na política do sistema educacional e na demografia do corpo

t docente estão a convergir de um modo tal que poderão alterar e acentuar o papel do
grupo disciplinar.Ao sugerir novas modalidades de certificação, por exemplo, o gover-
• no federal está a privilegiar o conhecimento disciplinar sobre a formação pedagógica.
As comissões estatais de certificação estão a seguir uma conduta semelhante, ao exigi-
rem a especialização numa determinada disciplina especializada. O corpo docente uni-
versitário está a formar "alianças" com os seus "parceiros" disciplinares nas escolas
secundárias, com vista a partilhar tempo, conhecimentos e legitimidade. Os pesquisa-
dores e os reformadores estão a reformular conhecimentos pedagógicos como disci-
plinares e a alargar a categoria disciplinar especializada em graus elementares. Os
reitores, rotineiramente encarregados da supervisão e avaliação de um grupo generi-
camente categorizado como "professores", vêem-se agora (e são vistos) como não
tendo conhecimentos para dirigir os "especialistas".E os próprios professores estão a
mudar.A sua identificação com as áreas disciplinares está a ser reforçada, à medida que
adquirem as credenciais educacionais que certificam tais conhecimentos: a percenta-
gem dos professores do ensino secundário que detêm pelo menos uma especialização
"'I;à universitária na disciplina que lhes foi atribuída aumentou aproximadamente de 60%
<:\. em 1962 para 80% em 19860989, pp. 3-4).

Este acto de reconstituir e reafirmar a centralidade do conhecimento dis-


ciplinar está a ser seguido de forma sistemática nos Estados Unidos da
América:

«Surgiu uma excepção à regra geral do laissezjaire educacional: pela primeira vez
decidiu-se estabelecer critérios para o que as crianças americanas deverão saber nos
vários níveis de ensino das várias disciplinas e elaborar exames nacionais para desco-
brir se o sabem.
Faltarão pelo menos quatro anos até que esses exames atinjam as salas de aula, mas a
ideia em si já está a levantar problemas. Os exames nacionais podem conduzir a um
currículo nacional de facto> (Norris, 1990, p. 7).

Conclusão
,.
Estudos históricos da estabilidade e d~\ mudança curriculares fornecem
valiosos pontos de vista sobre os parâmetros'é os objectivos do ensino. O estu-
DISCIPliNAS ESCOIARES: PADRÕES DE ESTABIliDADE 41

do das disciplinas escolares constitui um prisma particularmente importante


para este tipo de investigação. O trabalho histórico alerta-nos, em particular,
para o modo como o debate incessante sobre o currículo é por vezes reduzi-
do a um debate sobre a questão e a centralização disciplinares. Esta redução
do discurso é naturalmente mais visível após períodos de maior abertura como
aconteceu nos anos trinta e nos anos sessenta; nestes dois períodos, categorias
ou temas curriculares mais gerais foram apoiados ou defendidos, como por
exemplo os Estudos Sociais nos anos trinta.
Ao analisar o papel da -disciplina-, especialmente da disciplina -básica- ou
-tradicional-, nos discursos e nas retóricas legitimadoras, compreendemos fre-
,'I
quentemente as forças da «estabilidade e persistência•. Além disso, é-nos facul- !
tado um ponto de partida para que possamos examinar as possibilidades I
contemporâneas de acção, desde a reprodução até à transformação. I
DISCIPliNAS ESCOLARES: PADRÕES DE MUDANÇA

Investigações históricas sobre as disciplinas escolares mostram que o cur-


rículo do ensino secundário, longe de ser uma unidade estável e construída
imparcialmente, é, de facto, um terreno extremamente contestado, fragmenta- ...
j.-
do e sempre em mudança. A disciplina escolar é construída social e olitica-
mente e os actores envolvidos empre am uma ama de recursos ideoló icos

i
e materiais à medida ue rosse uem as suas mis~ões individuais e colectivas.
A função social do ensino fixa parâmetros, perspectivas e incentivos níti-
dos para os actores envolvidos na construção das disciplinas escolares. A nossa f
investigação sobre as actividades desses actores classifica-as como sendo acti- I
vidades individuais ou colectivas com «carreiras»e <missões»dependentes de /
fontes externas para a obtenção de recursos e de apoio ideológico. '
Focar somente o conflito significa esquecer dimensões cruciais do poder,
além de que o conflito, nesta perspectiva pluralista, é essencial na medida em {}
que permite ensaios experimentais das atribuições de poder: sem isso, pensa- I
-se, o exercício do poder não chegaria a manifestar-se. Um outro problema
relaciona-se com questões de consciência, uma vez que os pluralistas «opõem- r?
se à ideia de que os interesses possam estar desarticulados (ou não possam ser
directamente observados) e, acima de tudo, à ideia de que as pessoas possam
realmente estar enganadas sobre os seus próprios interesses, ou não ter cons-
ciência deles» (Lukes, 1974, p. 14). Há muito tempo, Lynd tratou esta questão
numa introdução ao livro de Brady, Business as a System of Power, um sistema
que do seu ponto de vista é:
-Uma forma de organização da sociedade intensamente coerciva que obriga cumulati-
vamente os homens e todas as suas instituições a fazerem prevalecer a sua vontade
44 IVOR F. GOODSON

sobre a minoria - que detém e exerce o poder económico; e que esta inexorável dis-
torção das vidas humanas e das formas associativas é cada vez menos o resultado de
decisões voluntárias tomadas por homens "bons" ou "maus" e cada vez mais uma teia
ímçessoaí de coerções ditadas Qela necessidade de manter o sistema em funciona-
mento. (1943, p. xii),

Por analogia, é importante, nos nossos estudos sobre a conservação e a


mudança curriculares, orientar estas -teias impessoais» que mantêm o sistema
educativo a funcionar e que fornecem parâmetros e talvez, de facto, -coerções-
para os que estão envolvidos na construção e promoção das disciplinas esco-
lares.

Disciplinas escolares:Assuntos internos e relações externas

o modelo de mudança profissional de Bucher e Strauss (1976) sugere que


a crença numa disciplina monolítica e unificada não irá certamente ter grande
eco junto da -comunidade- de referência. A comunidade disciplinar não deve-
ria ser vista como um grupo homogéneo cujos membros comungam dos mes-
mos valores e definição de papéis, interesses e identidades. A comunidade
disciplinar deve ser vista, sim, como um -rnovimento social- incluindo uma
.\ gama variável de -missões- ou -tradições- distintas representadas por indivíduos,
v .
grupos, segmentos ou facções. ,A importância destas facções varia considera-
,
r;l' \
velmente ao longo do tempo. Tal como acontece com as profissões ou as asso-
J ciações, os grupos organizados em torno de disciplinas escolares
desenvolvem-se frequentemente nos períodos em que se intensifica o conflito
sobre currículo, recursos, recrutamento e formação. A introdução do Currículo
Nacional em 1987 (Grã-Bretanha) originou uma enorme intensificação da acti-
vidade deste tipo de grupos.
Os assuntos internos de cada comunidade disciplinar podem ser caracte-
rizados como as «relações de mudança» definidas por Ball: «lutasde poder entre
grupos, coligações e segmentos sociais na comunidade disciplinar, cada' um
com o seu próprio "sentido de missão" e com interesses, recursos e influên-
cias diferentes e rivais»/C1985,pp. 17-18). Afirmei previamente que as comuni-
dades disciplinares escõlares'poderiam ser vistas como uma «coligação»política
com diversas facções disciplinares envolvidas numa luta política pelos recur-
sos e pela influência. Mas, é necessário considerar a competição dos grupos
f. disciplinares pelos recursos e influência, como uma parte de um conjunto
muito mais vasto de influências culturais. Para começar, as próprias disciplinas
escolares são aspectos de um -movimento mundial. que moderniza os currí-
culos escolares em torno de temas disciplinares: cada disciplina tem, assim, um
~I
'/
DISCIPIlNAS ESCOLARES: PADRÕES DE MUDANÇA 45

vasto contexto cultural. Além disso, o modo como as disciplinas escolares


estão localizadas e organizadas é, por si só, consideravelmente influenciado
pela cultura política dos diferentes países e contextos. No ponto seguinte,
exemplifico um padrão de estruturação das disciplinas escolares que analisei
num trabalho sobre a história do currículo.

o contexto estrutural das disciplinas escolares: Um exemplo

Num texto anterior, analisei a promoção e definição das disciplinas do


~,
ensino secundário nos anos sessenta e setenta, em Inglaterra. Pretendia essen- , -r , i
cialmente compreender o modo como as missões dos diversoSgrupos discI-
r
'»»

E-inares_ se re acio,!avam -ccfm ~~,goes _ ~~rut~a .. Os estudos que'


empreendi acentuavam «a importancia dos aspectos da estrutura do sistema
, , '\
educacional na compreensão de acções a nível individual, colectivo e relacío- • ~~ ../ f-
nal-. Num certo sentido, preocupava-me o problema levantado por Giddens - . i
«de que forma se pode dizer que a conduta dos actores individuais reproduz "
as propriedades estruturais de colectividades mais amplas» (1986, p. 24) - e
partilhava o seu ponto de vista de que -analísar a estruturação dos sistemas
sociais significa estudar as formas pelas quais tais sistemas, assentes nas actí-
vidades dos actores em situação, que recorrem a regras e a recursos na diver-
sidade dos contextos, são produzidos e reproduzidos em acção- (1986, p. 25).
Ao estudar as disciplinas escolares, tal estruturação é evidente: as estrutu-
ras, que poderão ser consideradas do ponto de vista dos actores como sendo
as «regras do jogo», surgem num dado período da história, por razões especí-
ficas e, até serem mudadas, actuam como um legado estrutural, que limita, mas
também capacita, os actores contemporâneos (Goodson, 1988a).
De seguida, irei resumir as minhas conclusões relativamente a este estu-
do. É claro que se trata de um período anterior à definição de um Currículo
Nacional, mas, como veremos posteriormente, tem uma estranha semelhança
com este. O principal período histórico, do ponto de vista da estruturação dis-
ciplinar, decorreu entre 1904 e 1917.
Os Regulamentos de 1904 listam e dão primazia às disciplinas adequadas
para a educação nas «vias clássicas» de ensino. Trata-se, na sua maioria, de
disciplinas -académicas-, que se viram confirmadas e consolidadas através dos
exames de certificação escolar lançados em 1917. A partir desta data, as dis-
ciplinas de exame (disciplinas -académicas-) passaram a ter um tratamento de
privilégio. É importante notar, porém, que o próprio sistema de exames se
tinha desenvolvido para um determinado público escolar. A criação destes
exames, em 1858, «foi a resposta das universidades» à solicitação para que
IVOR F. GOODSON

apoiassem o desenvolvimento de "escolas para as classes médias». (A génese


dos exames e a sua subsequente centralidade na estrutura dos sistemas edu-
cacionais são um exemplo particularmente significativo da importância dos
factores históricos, que pode ser útil para os investigadores que procuram ela-
borar teorias sobre o currículo e o ensino.)
A estrutura dos recursos ligada aos exames sobreviveu eficazmente às
mudanças subsequentes do sistema educacional (apesar de agora estar sujeita
a contestação). Byrne (1974), por exemplo, declarou "que são dados mais
recursos aos alunos aptos e, assim, às disciplinas académicas-; os dois ainda
são sinónimos "porque se presumiu que necessitavam inevitavelmente de mais
pessoal, mais pessoal bem remunerado e mais dinheiro para equipamento e
livros».
Os interesses materiais dos professores - salário, promoção, condições de
trabalho - estão intimamente ligados ao destino da sua disciplina especializa-
da. Nas escolas, as disciplinas estão organizadas em departamentos, no interior
dos quais se processa a carreira do professor, e o estatuto do departamento
depende do estatuto da disciplina. A disciplina -académíca- está no topo da
hierarquia das disciplinas, porque a distribuição de recursos se faz com base
no pressuposto de que essas disciplinas são mais adequadas para os alunos
"aptos»(e vice-versa, claro).
Assim, nas escolas secundárias, os interesses materiais e pessoais dos pro-
fessores estão associados ao estatuto da "sua»disciplina. As disciplinas acadé-
micas dão ao professor uma estrutura de carreira caracterizada por melhores
perspectivas de promoção e salário do que as disciplinas menos académicas.
O conflito em torno do estatuto do conhecimento, entendido e disputado a
nível individual e colectivo, é essencialmente uma luta por recursos materiais
e perspectivas de carreira. Esta luta reflecte-se no modo como o discurso sobre
as disciplinas escolares, o debate sobre a sua forma, conteúdo e estrutura, é
construído e organizado. As disciplinas -académícas- são aquelas que atraem
os alunos -aptos-, e daqui decorre "a necessidade de uma disciplina exigente»
marcar o discurso sobre a estruturação e a organização do currículo (Goodson,
1988).
A burocracia encontra-se entre as missões -internas- dos grupos discipli-
nares e os "públicos» externos, e assume a tarefa de administrar os sistemas
educativos locais e centrais. Ball descreveu estas "estruturas de mudança», que,
no contexto inglês, devem ser cumpridas, mediadas, disputadas e negociadas
com "as instituições, organizações, processos, funções e pessoas que consti-
tuem os canais formais da política e administração educacionais» 0985, p. 18);
e acrescentou que estas estruturas se situam fora da comunidade disciplinar,
mas "podem ser influenciadas ou captadas por membros da comunidade-, ou
DISCIPLINAS ESCOIARES: PADRÕES DE MUDANÇA 47

a estrutura pode, em determinadas alturas, -colidir directamente com a consti-


tuição das disciplinas através de influência, autoridade ou legislação».
Ao analisar a posição do Estado na promoção da mudança educacional no
contexto inglês, Salter e Tapper referiram-se ao Ministério da Educação(7)como
uma "burocracia ambiciosa»:

.A burocracia educacional central constitui uma importante parte do Estado,porque é


o principal domínio onde são feitas tentativas para traduzir as pressões de base eco-
nómica para a política educacional. Como tal, actua como um foco para o exercício do
poder educacional.
[ ...]
Trata-se do espaço institucional mais adequado para iniciar e preparar as discussões
que conduzirão à formação dos objectivos educacionais, para criar as comissões que
fazem avançar o processo, para disseminar os resultados que emergem destas comis-
sões e para apresentar a resposta oficial à reacção pública. Simultaneamente, pode
exercer pressão sobre as autoridades educacionais locais, as escolas e os professores,
com vista a empurrar a experiência do ensino na direcção desejada» (Salter & Tapper,
1981, pp. 22 e 43).

Apesar da importância do Ministério da Educação, como o agente mais


importante do Estado em matéria educacional, não é certo que isto conduza a
uma administração (ou política) que esteja em harmonia com os grupos de
interesse dominantes do ponto de vista económico. Isto acontece devido à
própria natureza da burocracia (e, por maioria de .razão, de uma -burocracia
ambiciosa-). Max Weber observou que -assim que estiver completamente esta-
belecida, a burocracia estará entre as estruturas sociais que são mais difíceis de
destruir•. Ao citarem este trecho, Salter e Tapper demonstram que a perma-
nência da burocracia é reforçada: -pelas suas vantagens técnicas (precisão,
velocidade, continuidade, etc.), o culto do objectivo e experiência indispensá-
vel; pela sua acumulação e controlo de conhecimento especializado; pelo seu
uso da discrição, com vista a aumentar a superioridade dos "profissionalmen-
te informados"; e pela sua capa protectora geral da organização e funciona-
mento racionais- 0981, pp. 57-58).
Deste modo, a burocracia poderá vir a ter os seus próprios interesses e a
sua própria missão como acontece com os grupos disciplinares. Estes interes-
ses podem estar livremente ligados ao regime político e à estrutura económi-
ca do país. Uma vez mais, tal como com os grupos disciplinares, temos de
compreender os assuntos internos e as missões e agendas de facções buro-
I
(7) Nota de tradução - A análise incide sobre o Department of Education and Science, que surge traduzi-
do por Ministério da Educação. Optou-se pela facilidadeda leitura em português, mas alerta-se para
a necessidade de contextualizar(e de destrinçar) estes conceitos.
48 IVOR F. GOODSON

cráticas específicas. Por esta razão, o Ministério da Educação, como uma buro-
cracia estabelecida, tem objectivos, necessidades e ideologias que poderão
muito bem opor-se, nos termos da política educacional, às necessidades da
economia.

«O aparecimento da política é considerado como o resultado da interacção entre a


dinâmica económica e burocrática; uma interacção que poderá tardar a chegar a uma
conclusão, devido à natureza variável das pressões económicas e às ineficiências inter-
nas dos processos de acção política do Ministério da Educação» (Salter & Tapperl 1985,
pp. 22-23).

Para simplificar a questão:


«Não existe nenhuma garantia de que a dinâmica burocrática irá trabalhar harmonio-
samente com a dinâmica económica, nenhuma garantia de que é capaz de assegurar
que as políticas adequadas, relativas à organização do conhecimento, à certificação e às
atitudes e valores inculcados na escola, irão servir devidamente a ordem capitalista.
Porque, como todas as outras instituições, o Ministério da Educação tem vindo a desen-
volver a sua própria dinâmica e a sua própria inércia, o que significa que o seu exer-
cício de poder educacional se dá em certos meios políticos» (Salter & Tapper, 1985,
p.24).

/ Além das limitações internas integrantes da dinâmica burocrática, o Estado


/ também se confronta com as limitações anteriormente mencionadas, uma vez
f que já existem nas escolas práticas estruturadas e institucionalizadas. Estas
\ serão difíceis de tratar e mudar, principalmente porque as linhas de controlo

~J)
das entidades centrais funcionam através de um sistema educacional descen-
tralizado, nomeadamente através das autoridades educacionais locais. Estas
autoridades locais têm as suas próprias burocracias, com as suas próprias dinâ-
. / micas e preferências políticas. Deste modo, é verdade que, em relação ao cur-
~ ( rículo das escolas, «os concursos curriculares ganhos numa esfera podem ser
perdidos numa outra esfera, revelando a possibilidade de grandes variações
I
\

-. entre os locais quanto às suas definições dominantes de currículos» (Bates,


1989, p. 228).
O aparelho burocrático do Estado possui graus de autonomia e a capaci-
dade de satisfazer as suas próprias necessidades internas. No entanto, a dinâ-
mica burocrática toma em consideração essas necessidades relacionadas com
a base económica. Nos tempos mais recentes, tanto na Grã-Bretanha como nos
Estados Unidos da América, este aspecto não tem estado separado da cres-
cente participação de homens de negócios e representantes da «culturaempre-
sarial» em juntas consultivas, comissões, corpos dirigentes e grupos ad bac.
Mas a participação directa não é a principal explicação.
DISCIPIlNAS ESCOLARES PADRÕES DE MUDANÇA 49

Dougherty falou de uma modalidade de poder que trabalha com a dinâ-


mica burocrática, e que "funciona quando as políticas que beneficiam os gru-
pos de interesse privado são decretadas pelos funcionários governamentais,
com pouca ou nenhuma explicação prévia por parte dos grupos quanto aos
seus interesses e preferências políticas». Ele afirma que uma tal acção ocorre
por dois motivos: ou os funcionários partilham das atitudes dos grupos de inte-
resse privado (hegemonia ideológica), ou os funcionários governamentais
acreditam que os grupos de interesse privado controlam os recursos de que
necessitam com vista a realizar os seus próprios interesses burocráticos e pes-
soais (incentivos):

"o lado incitativo do poder de coação reside no facto de a esfera de acção autónoma
dos funcionários governamentais estar limitada pela sua subordinação a uma socieda-
de democrática e a uma economia capitalista. Os funcionários governamentais estão
dependentes essencialmente do acordo do povo, expresso através dos votos, para
exercerem a sua autoridade. Mas esses votos são fortemente condicionados pelo esta-
do da economia e pela provisão governamental de programas politicamente populares.
E,numa economia capitalista, o crescimento económico e as receitas fiscais para fínan-
ciar programas governamentais estão dependentes da disposição do comércio em
investir capitals (Dougherty, 1988, pp. 409-410).

Em suma, as missões burocráticas, tal como as missões disciplinares, dão


primazia à procura de recursos e, por isso, têm de estabelecer relações que se
situam no plano económico. Assim, temos de distinguir entre dominação (o
exercício directo de poder pelos grupos dominantes) e mediação (o exercício
de poder através da mediação, normalmente de grupos profissionais ou buro-
cráticos). Na secção seguinte, empregaremos esta distinção para reconceptua-
lizar a dominação tal como surge no terreno do currículo escolar.

Disciplinas escolares e processo político

o caso precedente dá-nos alguns esclarecimentos sobre o modo como a \


afectação de recursos, a distribuição financeira, a definição de estatutos e a I
construção de carreira são práticas estruturadas e práticas institucionalizadas. I
A estrutura do sistema, e a sua forma material e concreta, está associada com
a forma como os padrões específicos do currículo são construídos e recons-
truídos. Em consequência, estabelecem-se determinadas prioridades e parâ-
metros para as autoridades locais, educadores e profissionais. A economia
política do currículo, principalmente da disciplina escolar, é assim de interes- i
se vital, porque é um "centro»para a padronização que estabelece um -carác- I
/)
-~~-------- -~- _.--

50 IVOR F. GOODSON

ter»específico para o ensino (Goodson, 1988a). Relembre-se, a este propósito,


a distinção entre categorias institucionais e organizacionais, proposta por
john Meyer, que foi evocada no capítulo precedente.
Também verificámos, na análise anterior das missões disciplinares escola-
res e das missões burocráticas que, para além da procura internalística de
apoio e recursos ideológicos, se encontra o desenvolvimento de padrões de
apoio externo. A administração e definição das categorias institucionais do
ensino é frequentemente tarefa das burocracias estatais. Estas categorias insti-
tucionais proporcionam parâmetros importantes para o trabalho das missões
disciplinares escolares. Afirmámos que estas proporcionam "regras de jogo»
discerníveis para os grupos disciplinares escolares e que, ao examinarmos
deste modo as acções dos grupos disciplinares, estamos aptos a esclarecer
aspectos de estruturação curricular.
O funcionamento e definição das categorias institucionais por parte das
burocracias estatais fornecem o terreno mais importante no qual os grupos dis-
ciplinares executam o seu trabalho. Trata-se de uma situação típica do caso
inglês; noutros países, as categorias institucionais do ensino derivam parcial-
mente de grupos e indivíduos externos ao sistema educacional e são apoiados
por estes. As ideologias e retóricas dos grupos externos estão localizadas nos
processos socioculturais que classificam e apoiam categorias específicas da ini-
ciativa educacional. Deste modo, "as forças e estruturas externas surgem não
só como fontes de ideias, que respondem às potencialidades e às limitações,
mas também como portadoras de características (de conteúdo, de função e de
actividade) em relação às quais a prática escolar se deve aproximar com vista
a obter apoio e legitimação- (Reid, 1984, p. 68). Os grupos externos são, assim,
actores vitais quanto ao apoio ideológico e ao discurso contínuo dado às cate-
gorias institucionais estabelecidas. Neste sentido, há uma estreita aliança entre
a burocracia estatal, que pode definir e administrar formalmente as categorias
institucionais, e os grupos externos, que fornecem apoio ideológico e recur-
sos. As relações externas abrangem os grupos mais importantes, não como
grupos de interesse formalmente organizados (os pais, os empregadores, etc.),
mas como grupos mais amplos que abrangem estes grupos e que incluem
ainda investigadores, políticos, profissionais e outros:

«Estespúblicos que pagam e apoiam a educação, colocam o seu trabalho nas mãos de
profissionais apenas num sentido limitado e inesperado. Porque, embora pareça que os
profissionais têm poder para determinar o que é ensinado (a nível escolar, distrital e
nacional, dependendo do país em questão), a sua expectativa é limitada pelo facto de
só as formas e actividades que têm significado para os públicos externos poderem
sobreviver, a longo prazo» (Reid, 1984, p. 68).
DISCIPLINAS ESCOIARES: PADRÕES DE MUDANÇA 51

Para se conseguir o apoio constante de grupos externos é necessário defi-


nir categorias ou retóricas apropriadas e, como já tivemos oportunidade de
verificar, esta torna-se a missão principal dos grupos disciplinares. Estes têm
de desenvolver retóricas ou mitologias legítimas, que dão apoio automático às
actividades correctamente definidas.
A procura de apoio ideológico e de recursos junto das burocracias educa-
cionais e dos grupos externos cria uma estrutura contextual para a compreen-
são das missões dos grupos disciplinares. Isto não serve, porém, para afirmar
a singularidade dos interesses materiais sobre todos os outros interesses rela-
tivamente às acções dos grupos disciplinares. É certo que na procura de recur-
sos financeiros per se estes interesses podem ter primazia, mas na articulação
das missões disciplinares surgem interesses mais idealistas e morais. Por exem-
plo, -Eu gosto da minha disciplina acima de tudo» é uma afirmação de inte-
resses ideais, ou "Eu penso que a minha disciplina é o principal veículo para
a emancipação do ser humano» é uma versão moral. Estas duas afirmações ori-
ginam retóricas legítimas, mas podem ser profundamente assumidas, internali-
zadas e difundidas do mesmo modo que interesses de ordem material. De
facto, as melhores retóricas legítimas para as disciplinas fundem com êxito os
interesses materiais, idealistas e morais.
Além disso, estes «interesses»diferentes podem colidir a vários níveis. A
construção de uma retórica bem sucedida para a disciplina pode dar primazia
aos interesses materiais, mas, uma vez estabelecida com êxito, a disciplina tem
de ser negociada e concretizada numa série de níveis. A disciplina pode ser
pré-activa ao nível das directrizes, dos manuais escolares ou dos planos de
estudo, mas é negociada interactivamente em níveis subsequentes: o grupo
.'
disciplinar, a sub-cultura disciplinar, a micropolítica diária da disciplina na
escola e o habitus da disciplina, e as rotinas diárias da sala de aula por parte
I
do professor da disciplina.
No entanto, a missão do grupo disciplinar é a de promover a disciplina
conquistando os grupos legítimos com vista à obtenção de apoio ideológico e
de recursos. Para cumprir esta missão, a definição e retórica da disciplina são,
num sentido muito real, um manifesto ou slogan político, porque o funda-
mento lógico de uma versão específica da disciplina é, neste sentido, uma con-
veniência política. As disciplinas escolares bem sucedidas devem aparecer
como essências incontestáveis e monolíticas (devem surgir como destilações
por excelência de uma forma específica ou de um domínio de conhecimento
específico, adaptando um ponto de vista filosófico). A disciplina torna-se,
assim, um monólito mitificado que existe independentemente da sua realiza-
ção específica como prática estruturada ou institucionalizada.
A disciplina escolar deve assim «ter um valor de moeda no mercado de
52 IVOR F. GOODSON

I identidade social•. Este mercado exige uma moeda-padrão, estável, de tipifica-


! ções sociais. Neste sentido, as missões dos grupos disciplinares escolares são
i apenas um aspecto da aceitação das estruturas do mercado e da estruturação
dos sistemas educacionais à imagem desse mercado. A mitificação das catego-
rias disciplinares escolares garante uma estabilidade na opinião pública e uma
aceitação da disciplina «como moeda». Esta aceitação da disciplina categórica
permanece até ao momento em que é desvalorizada por contradições insus-
tentáveis noutros níveis, ou por importantes mudanças paradigmáticas, mudan-
ças organizacionais ou mudanças nas exigências dos grupos externos. Uma vez
estabeleci~o, este sistema cria forças poderosas para a estabilidade e para a
I conservaçao.
l

HISTÓRIA DE UMA DISCIPUNA ESCOLAR:


AS CIÊNCIAS

Introdução

O domínio da história curricular e o estudo do aparecimento das discipli-


nas escolares desenvolveram-se rapidamente nos ,últimos anos. Tal realidade
coloca alguns problemas a um texto que procura resumir e apresentar um tra-
balho sobre o surgimento histórico das disciplinas escolares. Para os novos
investigadores, que abordam o estudo das Ciências, não existe uma bibliogra-
fia ou um resumo adequado dentre a vasta série de trabalhos que têm sido rea-
lizados e que estão actualmente em curso.
Os primeiros estudos das disciplinas escolares, até aos anos sessenta em
geral, tinham tendência para serem essencialmente narrativos e e apresen-
tavam como objecto principal as mudanças de conteúdo. Mas, mesmo neste
período inicial, houve algumas excepções significativas. Foster Watson, no
seu estudo das origens do ensino das disciplinas modernas em Inglaterra,
manifestava a preocupação, já em 1904, de que a história destas disciplinas
fosse "conhecida em relação à história das forças sociais que as trouxeram
para o currículo educacional" (1909, p. viii), O nosso propósito é, assim, o
de seleccionar determinados estudos sobre as disciplinas escolares que
'ê \l\'ê\()Q()\()g\t'dIDen\e PrDóu'úvos e que nos conôuzam a
~t)b.\l\ SU'))~\'à'U\\~'à
novas e promissoras trajectórias no domínio emergente da história do currí-
culo.
--- ----
54 IVOR F. GOODSON

Estudos sobre o ensino das Ciências

~ Uma das áreas mais desenvolvidas no estudo das disciplinas escolares é a

~\ I ')
I educação científica. A história da disciplina pode muito bem explicar esta prós-
pera actividade de investigação: as Ciências são uma disciplina que só atingiu
um lugar de destaque no currículo do ensino secun - no após uma onga e
\ visível luta políti9.:..Na Grã-Bretanha, teve lugar em meãdos do sécuÍü XIXum
:'Jt:.r , cOrifrlto su6stancial sobre qual a forma que a educação científica deveria assu-
'.~ \ mir: esta luta, como poderemos verificar, permite compreender substancial-
~
rI.",)
r_~( ti
mente a construção social do currículo científico que iria prevalecer não só nas
~~scolas estatais inglesas, mas também no currículo de muitos outros países.
tir .('I < ~~ Todavia, tal como acontece geralmente com a história do currículo, a
\!""'~Jn!YcI maioria das primeiras histórias da educação científica adoptam um. tom narra-
'\ . 'tb . tivo não crítico e um adrão es . ente evolutiv _e_cLOnológiCQ. Seguindo
// esta forma, temos o trabalho pioneiro de D.M. Tur!l,er, The History of Science
Teaching in England (1927). De acordo com um formato ainda mais conciso
de «factos e acontecimentos-, sem qualquer tipo de análise ou história social,
temos o trabalho de G.D. ÉishoQ, Physics Teaching in England from Early
Times up to 1850 (1961). Não obstante, estes volumes fornecem dados valio-
sos que poderão ser utilizados numa reflexão mais aprofundada sobre a his-
tória da Física como disciplina escolar.
a período de estudos mais analíticos sobre as Ciências como disciplina
escolar começou de facto nos an Z sessenta uma fase de análise social mais
sistemática em geral. Alguns trabal os mteressantes debruçaram-se sobre a
relação entre a educação científica e técnica. Refira-se, por exemplo, o estudo
de Cane 0959-1960) sobre as disciplinas científicas e técnicas no currículo
inglês da viragem do século, ou o trabalho de ~~gle South Kensington to
Robbins (964), abrangendo um período de cerca de um século (entre a
Exposição de 1851 e meados do século XX). Mais tarde, Roderick eSte hens
produziram uma obra intitulada Scieruific and Technical Education in
Nineteenth Century England (972), que é uma valiosa fonte de dados, mas
que, de um certo modo, volta a uma forma menos analítica e mais narrativa.
A investigação mais estimulante e promissora dos anos sessenta recorreu
à análise do trabalho dos pioneiros da educação científica. Este trabalho sobre
a realidade anterior à existência de um paradigma dominante de «Ciências»per-
mitiu a compreensão das primeiras lutas por «aquilo que contava como ensino
das Ciências». a excelente estudo de Price 0959-1960) sobre George Combe
serviu de exemplo, mas o mais importante de todos talvez tenha sido o traba-
lho de Ball (964) sobre Richard Dawes e o ensino das coisas comuns, o qual
mostrou que as primeiras iniciativas no ensino científico nas-esco as primárias
HISTÓRIA DE UMA DISCIPliNA ESCOLAR: AS CIÊNCIAS 55

tinham procurado progressivamente cativar o interesse dos alunos para a ciên-


cia das coisas comuns, perspectiva que se perdeu em facor de uma ciência
laboratorial pura. Esta linha de reflexão foi prosseguida por vários investiga-
dores.
As origens do ensino das Ciências nas escolas primárias inglesas podem
ser encontradas em iniciativas do início do século XIX. Hodson considerava
que a primeira tentativa para incluir as Ciências no currículo das escolas pri-
márias tinha ocorrido numa escola em Cheam, fundada por Charles e Elizabeth
Mayo, cujas -lições práticas» visavam promover -hábítos de observação precisa,
descrição correcta e juízo exacto das coisas da natureza e da arte» (Mayo &
Mayo, 1849). Os manuais escolares, elaborados como auxiliares para os novos
professores que queriam adoptar as lições práticas, incluindo Lessons on
Objects (1831) e Lessons on Shells (1832), tiveram muito êxito e as lições práti-
cas estabeleceram-se rapidamente como a base da educação científica nos pri-
meiros anos de escolaridade. É notável que o objectivo principal desta
educação científica não tenha sido a compreensão científica propriamente dita,
mas sim -a compreensão religiosa e o aperfeiçoamento moral» (Hodson, 1988,
1 p. 142).
Logo após estas iniciativas verificaram-se mudanças no sentido de uma
educação científica mais secular, mudanças essas que estão intimamente rela-
cionadas com o trabalho de Richard Dawes, estudado por Ball em 1964. As ini-
ciativas de Dawes foram aprofundadas no importante estudo de David Layton,
Science for the People, um livro que ilustra todo o potencial do exame minu-
cioso das disciplinas escolares. Em 1842, Dawes fundou as National Society
Schools, tendo começado por definir planos para ensinar a ciência das coisas
comuns (Layton, 1973).
Em 1847, Dawes pôs mãos à obra no que se refere à divulgação das notí-
cias sobre as iniciativas curriculares que tinha lançado. Escreveu Hints on an
Improved ... System of National Education e Suggestive Hints Towards Improved
Secular Instruction Making it bear upon Practical Life. O êxito dos esquemas
de Dawes foi consistentemente evidenciado nos relatórios do Her Majesty's
Inspectorate a partir de 1845. Em 1848, o Committee of Council on Education
possuía um relatório pormenorizado da organização i14Q~ ciência das
coisas comuns. O relatório foi compilado pelo Rev. Henry Moseley que se tor-
nou um grande adepto do trabalho de Richard Dawes so re a êducação cien-
tífica e defendeu vigorosamente a ciência das coisas comuns. --------1---/
Para promover o ensino das Ciências, Layton chegou à conclusão que \ /lJJ\if' /
seriam necessários três recursos: -equipamento científico apropriado e pouco Óu- u
dispendioso; manuais escolares que contivessem informação científica interes-
sante; e, principalmente, professores bem formados» (1973, p. .45). Com o
56 IVOR F. GOODSON

o apoio oferecido pelo Her Majesty's Inspectorate estes recursos não tardaram
I a aparecer. Em primeiro lugar, em 1851, foi estabelecido um subsídio gover-
namental para a aquisição de equipamento escolar. Um importante fabricante
de instrumentos científicos, sediado em Londres, produziu conjuntos de equi-
pamento padrão para o ensino das Ciências, sendo dois terços do custo de
compra deste equipamento recuperado através dos subsídios governamentais.
Em segundo lugar, o fornecimento de manuais foi possível graças a um esque-
ma governamental, mas como a maioria dos livros existentes eram pouco ade-
quados, James Kaye Shuttleworth (responsável pelo Committee of Council on
Education), encomendou a redacção de manuais escolares apropriados. Em
terceiro lugar, Moseley recebeu instruções para elaborar um esquema no sen-
tido de as Escolas de Formação de Professores respondessem às novas neces-
sidades curriculares. Nesta altura, a ciência das coisas comuns parecia pronta
a estabelecer-se como a versão mais importante da educação científica no cur-
rículo escolar primário. Relativamente às três condições prévias mencionadas
acima, Hodson pensou que: «Com estas três condições reunidas, necessárias
para o desenvolvimento do esquema de Dawes, e visto as escolas que já uti-
lizam o esquema estarem a mostrar um êxito considerável, podia augurar-se
um futuro promissor a este movimento- 0988, p. 144).
Nesse momento, a ciência das coisas comuns era apoiada ao mais alto
nível e disponibilizavam-se novos recursos. Em particular, havia cada vez mais
indícios de que esta forma de ensino científico estava, de facto, a resolver
alguns dos problemas de como ensinar a disciplina a um grande número de
alunos. O público das escolas primárias estava a receber cada vez mais uma
educação científica viável, bem sucedida e cativante.
No entanto, as coisas inverteram-se muito rapidamente. Richard Dawes foi
transferido para um novo posto, em Hereford, e teve de trocar os seus inte-
resses educativos por novos interesses. Praticamente ao mesmo tempo, Henry
Moseley foi transferido para a Catedral de Bristol. Deste modo, os dois princi-
pais impulsionadores da ciência das coisas comuns foram afastados de uma só
vez.
O sucessor de Henry Moseley alterou a realidade anterior e mudou o esta-
tuto da Física de disciplina obrigatória para optativa. No final da década, dei-
xou praticamente de haver uma formação específica de professores. Em 1859,
os subsídios para o ensino das Ciências foram reduzidos e, em 1862, todos os
recursos financeiros especialmente destinados às Ciências foram retirados.
Fica aqui uma questão fundamental para os historiadores do currículo:
porque é que esta primeira iniciativa, bem sucedida, de educação científica de
massas acabou por malograr? O estudo de Layton dá-nos algumas pistas de
resposta, ao resumir o movimento para a ciência das coisas comuns:
HISTÓRIA DE UMA DISCIPIlNA ESCOLAR: AS cIÊNCIAS 57

«Aquinão havia migalhas da educação das classes altas caridosamente dispensadas aos
filhos dos pobres trabalhadores. A instrução estava ligada a uma cultura que lhes era
familiar e a oportunidades genuínas para o uso da razão e especulação ao recorrerem
a observações que pertenciam à vida diária. A compreensão e o exercício do pensa-
mento não eram prerrogativas das classes média e alta» 0973, p. 53).

E Layton acrescenta que havia nestas práticas «conhecimentos que faziam


apelo à inteligência dos filhos das classes trabalhadores, situação criticada por
alguns que achavam que estas crianças "não deviam ter um ensino que lhes
estimulasse a mente" » (1973, p. 43). De facto, no seu funcionamento, a ciên-
cia das coisas comuns tinha começado a pôr em causa a própria base da estru-
turação hegemónica do conhecimento académico tradicional. Deste modo,
Moseley escreveu o seguinte, antecipando-se a Bernstein em mais de um sécu-
lo:

«Aspalavras que são familiares aos ouvidos dos nossos filhos, e reconhecidas por eles
quando aprendem a ler, são estranhas aos filhos de um trabalhador e ininteligíveis; e os
modos de expressão mais complicados que são próprios de formas de pensamento ela-
boradas e que exercem as capacidades de raciocínio dos nossos filhos, são distintos das
ideias tal como podem ser apreendidas no dia-a-dia. (cf Iayton, 1973, p. 85).

Moseley chegou então à conclusão que a promoção da Gramática e de


certos tipos ..literários» no ensino das classes média e alta era, em parte, uma
expressão do domínio de classes e um garante provável da reprodução social.
Ao desafiar a própria modalidade de educação, a ciência das coisas comuns
estava a desafiar o meio pelo qual a ordem social era produzida, reproduzida
e legitimada. Uma iniciativa curricular que educa os pobres é um currículo que
quanto mais é bem sucedido, mais desafia a ordem social. A proclamação do
êxito da ciência das coisas comuns por Moseley e outros foi, neste sentido,
estrategicamente inepta, uma vez que despertou os medos das classes média
e alta e conduziu directamente à destruição do próprio esquema que procura-
va promover.
Inicialmente, a reacção que levou ao desmantelamento da ciência das coi-
sas comuns tinha tido origem nos jornais das classes média e alta. Na década1
de 1850, foi lançada uma campanha no Times que coincidiu com estas inicia-
tivas para transferir os principais promotores do esquema e retirar o apoio à
r
.

formação de professores e à provisão de recursos financeiros. O Times indica-


va uma estratégia tanto para frustrar a ciência das coisas comuns, como para
a substituir por uma versão de ciência mais aceitável...Primeiramente, o Times
«

defendia o fim da educação científica na escola primária para as classes bai- «

xas... Os medos expressos eram essencialmente os de que as ..classes baixas »

estavam a receber uma melhor educação do que as -classes superiores. - uma


58 IVOR F. GOODSON

perigosa inversão que iria desafiar toda a mitologia em que o governo se


baseava. Formou-se uma Comissão parlamentar da British Association for the
Advancement of Science com vista a examinar a forma de educação científica
que as classes altas poderiam agora exigir. O Presidente da Comissão, Lord
Wrottesley, expressou posteriormente as suas preocupações quando confron-
tado com os resultados da iniciativa da ciência das coisas comuns:

«Um rapaz pobre vacilou ao dar uma resposta; era aleijado e encurvado e o seu rosto
pálido emaciado reflectia claramente uma história de pobreza e as suas consequências
[...] mas, sem demora, deu uma resposta tão lúcida e inteligente à questão que lhe fora
colocada que despertou nos outros um sentimento de admiração pelos talentos do
rapaz combinado com um sentimento de vergonha de que se poderia encontrar mais
informação em algumas das nossas classes baixas, em questões de interesse geral, do -
que nas classes que estão muito acima delas no mundo devido à posição social".

E acrescentou:

"Seria um estado social pernicioso e corrupto em que os que não estão comparativa-
mente abençoados com os dons da natureza deveriam ser geralmente superiores em
feitos intelectuais àqueles que estão acima deles na posição social» (cf Hodson, 1988,
p. 167).

Wrottesley formula o problema claramente; no entanto, a solução levou


mais tempo a identificar e a negociar.
No Times, a segunda linha de argumentação residia no facto de ser neces-
sário uma ciência «pura"e -abstracta-. A concepção da ciência pura praticada
em «laboratórios"tinha surgido em 1839. Brock, no seu precioso ensaio bibli-
ográfico, observa o seguinte: ,A minha data de partida, 1839, é arbitrária. É o
ano em que o químico alemão Liebig se mudou para um laboratório amplia-
do em Giessen, o que lhe permitiu expandir o rendimento dos alunos.
Podemos encarar isto como um ponto de partida simbólico para o desenvol-
vimento da educação científica moderna" 0979, p. 68). Ao vermos como a eru-
dição de Brock é imaculada, podemos ver ~mo a história é escrita à «imagem
dos vencedores,,; como a história de uma disciplina é retrospectivJlIIlente
reconstruída ara satiSfãZef-a ve~sãõ
dos acontecimêiítõsquecelebra, a última
tendência dominante na disciplina. Brock estavã-certo ao afirmar que o iãbo-
ratório ele pesquisa" em Giessen era um modelo de «ciência laboratorial pura"
e atraía, de facto, muitos alunos ingleses em meados do século XIX.
Ao mesmo tempo que Liebig inaugurava o seu laboratório de pesquisa em
Giessen, novos desenvolvimentos estavam a caminho na América. Embora não
tenham afectado directamente a realidade britânica, há importantes estudos
das iniciativas empreendidas nesse país face a uma ciência laboratorial pura
4

HISTÓRIA DE UMA DISCIPIlNA ESCOLAR. AS CIÊNCIAS 59

que nos permitem compreender melhor o processo da sua implantação. De


facto, Yale tinha iniciado o ensino da Química, ao nível do ensino superior,
com a nomeação de Benjamin Silliman como professor de Química em 1802,
nomeação que conduziu à criação de uma "Escola de Filosofia para as altas
esferas da literatura e da ciência» (Kuslan, 1969, p. 631). A necessidade de os
cientistas adquirirem estatuto e prestígio foi, no entanto, sublinhada no dis-
curso de posse para Presidente do Rev. Theodore Dwight Woolsey, em 1846.
Ele falou das Ciências -corno estando mais fundadas na observação e na expe-
riência, do que nas verdades primárias distinguidas pela razão e, como assu-
mindo a forma dos sistemas principalmente de acordo com o princípio da

afirmou que as Ciências -não têm tendência a disciplinar as nossas


des mais importantes» (cf. Kuslan, 1969, pp. 431-432).
+'.
similaridade e não através do exercício de poderes lógicos». Em consequência,

Benjamin Silliman, para aumentar as suas próprias iniciativas de pesquisa


e construir os elementos de uma certa racionalidade científica, criou a nova
cadeira de -Química Aplicada às Artes» e abriu um laboratório privado para
pesquisa química e mineralógica, no qual se iniciou uma actividade diária de
ensino da Química experimental e analítica (cf Kuslan, 1969, p. 433). Porém,
muitos problemas de organização e estatuto persistiram: -Os seus alunos não
eram membros da Universidade, nem eram oficialmente reconhecidos». No
entanto, -por volta de 1846, o laboratório já estava em funcionamento há qua-
tro anos e o jovem Silliman tinha demonstrado, não só que podia ensinar
Química e Mineralogia, mas também que podia obter dos seus alunos L .. l uma
pesquisa importante num pequeno laboratório» (cf. Kuslan, 1969, p. 433).
No laboratório de Silliman surgiu um novo padrão de aprendizagem e
investigação que antecipou futuros estudos pós-graduados: -O programa pre-
viamente seguido no pequeno laboratório de Silliman parece ter sido seme-
lhante, em certos sentidos, aos programas actuais de pós-graduação. Assistiam
a conferências sobre Ciências e trabalhavam em problemas de pesquisa que
ele sugeria. Os seus resultados foram publicados no American journal 01
Science (cf. Kuslan, 1969, p. 447). No entanto, o problema que se levantou foi
o de estabelecer um nível de uniformidade e regularidade. Inicialmente, não
existia qualquer currículo formal e não se atribuía qualquer grau no final do
curso, o que levantava problemas complicados: -A cada aluno que chegasse
numa altura diferente, e sem uma base comum de conhecimento, deviam ser,
de algum modo, ensinadas as técnicas fundamentais. A solução óbvia era um
programa formal de aulas e um horário de laboratório marcados regularmen-
te, e foi isto que aconteceu» (cf Kuslan, 1969, p. 447).
Deste modo, em lugares diferentes desde Giessen a Yale, mas também
numa variedade de outros locais, começou a surgir em meados do século XIX
60 IVOR F. GOODSON

um novo padrão de aprendizagem e ensino científicos. O modelo de Giessen


foi certamente adaptado pelos muitos investigadores ingleses que visitavam o
seu laboratório. O trabalho de Liebig teve uma influência importante nas novas
versões de ensino científico que apareceram na Grã-Bretanha no período que
se seguiu ao desmantelamento da ciência das coisas comuns.
O ideal da escola de pesquisa que Liebig fundou em Giessen -iria atrair
grandes quantidades de jovens cientistas ingleses, tendo criado um conceito de
"ciência laboratorial pura" que deveria dominar os currículos do ensino das
Ciências, especialmente para as crianças mais aptas. (Hodson, 1988, p. 141).
Mas o ponto vital a reter é o de que inicialmente esta versão de ciência
foi definida nas universidades. As necessidades da comunidade científica uni-
versitária, nomeadamente no que diz respeito ao estatuto e aos recursos,
empurraram-nas perseverantemente na direcção sugerida no discurso de posse
de Woolsey. Assim verificou-se uma transformação tanto do modo de investi-
gação científica como do discurso através do qual essa investigação e os resul-
tados daí decorrentes eram comunicados ou não comunicados a públicos mais
vastos:
-Um requisito necessário, embora de modo algum suficiente, para este surto notável de
actividade intelectual era a introdução no pensamento científico de concepções das
quais não havia exemplos directamente observáveis.A ideia de movimento de inércia
(linear) é um exemplo clássico do século XVII.Adoutrina dos átomos, que explica - na
frase de Perrin - "as complicações do visível em termos de simplicidade invisível" é
uma ilustração de um período posterior. Com o uso de entidades ou construções teó-
ricas que não derivavam obviamente de uma visão diária do mundo, mas que eram pro-
dutos criativos da imaginação científica, os poderes explanatórios e proféticos da
ciência aumentaram progressivamente. Se em certas alturas as ideias pareceram con-
fundir o senso comum, como foi o caso da teoria heliocêntrica de Copémico, para os
principiantes, como lembrou Galileu,"a razão conseguia [...] violar de tal forma os seus
sentidos e, apesar disso, tomar-se cúmplice da sua credulidade". Esta convicção foi esti-
mulada especialmente quando, além do seu valor qualitativo, as concepções da ciência
se prestavam a uma afirmação quantitativa. A aplicação da Matemática à descrição da
natureza constituiu mais um passo vital no desenvolvimento da ciência moderna»
(Iayton, 1973, p. 168).

A consequência de aceitar o facto de que a ciência deveria, daí por dian-


te, ser essencialmente definida nas universidades foi potencialmente devasta-
dora para o ensino das Ciências numa perspectiva de educação de massas. A
entrega do controlo e a redução e abstracção do discurso colocam frequente-
mente a ciência fora do domínio e linguagem de compreensão das crianças
comuns e, de facto, das pessoas comuns.
\las a passagem do controlo para as unIversIdades e a detlnlção de ciên-
cia como -ciência laboratorial pura" que lida com um estudo abstracto e desin-
HISTÓRIA DE UMA DISCIPIlNA ESCOLAR: AS CIÊNCIAS 61

corporado, resolveram o problema colocado pelos tipos de ciência represen-


tados pela ciência das coisas comuns. Surgia agora uma ciência que estava
ligada à elite universitária, uma classe predominantemente alta, uma ciência
feita à imagem e linguagem dessa elite e perfeita para patrocinar os seus inte-
resses sociais. O discurso dessa versão de ensino científico, doravante aceite
como o único ensino científico, era o de que a disciplina ficava substancial-
mente desligada do aluno comum das classes trabalhadoras, em especial das
alunas das classes trabalhadoras. Resumindo, tinha-se atingido uma forma de
ciência que estava em harmonia com a ordem social. A partir deste momento,
a ciência conseguiu apoio estatal e uma posição importante no currículo do
ensino secundário. A promoção da ciência laboratorial pura nas escolas pôs-
-se em marcha na década de 1850 e ganhou impulso rapidamente através de
um apoio governamental vigoroso.
Edgar [enkins deu-nos alguns elementos valiosos relativos à promoção das
ciências laboratoriais, iniciativas que começaram na sua maioria em meados da
década de 1850: "Na Bristol Trade School, fundada em 1856, rapazes com doze
anos ou mais conduziam análises químicas num laboratório ligado à escola e
os alunos eram encorajados a fazer algum do equipamento necessário para o
trabalho laboratorial na disciplina de física»0979, p. 252).
A promoção activa deste modelo por parte dos governos começou verda-I
deiramente na década de 1860. O padrão geral adoptado na Grã-Bretanha foi
posto em relevo por historiadores do currículo que ,analisaram as realidades de
outros países. Kuslan levou a cabo um estudo pioneiro da posição da Química
nas escolas normais da Nova Inglaterra no século XIX, tendo descoberto que,
até à década de 1860, a instrução laboratorial praticamente não existia.
"Embora as demonstrações dos alunos em Química fossem um acontecimento
diário nas escolas normais, não se realizavam experiências laboratoriais indi-
viduais devido à falta de recursos» 0982, p. 214).
O primeiro laboratório químico de uma escola normal foi construído em
Salem em 1874, alguns anos depois de terem sido criados os primeiros labo-
ratórios do ensino secundário: na Dorchester High School (Boston) em 1870 e
na Gives High and Normal School (Boston) em 1871. O primeiro professor de
Química desta última escola era uma mulher, especificamente escolhida devi-
do às suas capacidades de instrução laboratorial.
Em 1874, a Bridgewater Normal School solicitou um laboratório seme-
lhante ao de Salem, afirmando que "os alunos não podem ser devidamente
preparados para ensinar Química sem este laboratório»(cf. Kuslan, 1982,p. 214).
Entre as outras escolas normais, Trainingham adquiriu o seu laboratório em
1874, Westfield em 1876, Providence em 1879 e New Britain em 1885..<Alguns
anos após a inauguração do trabalho individual em Química, e muito antes da
62 IVOR F. GOODSON

maioria das instituições educacionais terem laboratórios para este fim, as esco-
las normais pediam a todos os alunos que passassem muitas horas nos seus
bem equipados laboratórios de Química. (cf Kuslan, 1982, pp. 214-215).
O recente estudo de Tornkins sobre o Canadá revelou que, inicialmente,
o ensino científico da História Natural integrava "os elementos mais simples da
Botânica e da Zoologia, incluindo a Fisiologia humana ensinada através de
aulas práticas. e que a Filosofia Natural «significava essencialmente a aprendi-
zagem dos princípios básicos da Física e da Química•. Segundo a opinião de
Tornkins, na década de 1880 o ensino da Química estava "bem estabelecido-,
ainda que numa forma algo concreta e rudimentar, na maioria das províncias
do Canadá; porém, pouco se fez quanto a trabalho laboratorial no período
anterior a 1890. Croal reivindica que foi a mudança para uma ciência Iabora-,
torial e um método científico que contribuiu para a consolidação do estatuto
da disciplina. Salienta igualmente a influência crescente das universidades na
definição da disciplina. Deste modo:

"Por volta de 1890, as Ciências tinham ganho aceitação em Toronto como disciplina.As
escolas secundárias de Ontario eram agora obrigadas a ter laboratórios com vista a
adquirir um estatuto mais elevado. A ciência "pura" das disciplinas universitárias signi-
ficava, como continuaria a significar,que os aspectos aplicados recebiam pouca aten-
11
I ção no currículo> (Tomkins, 1986, p. 87).
I

O estatuto mais elevado a que Tornkins se refere era o estatuto dado às


«vias clássicas- do ensino secundário. Para o atingir as Ciências tinham de ser
ensinadas em laboratórios - o elo entre estatuto e ciência laboratorial pura foi
assim fortemente reforçado. Tornkins resumiu esta evolução no Canadá da
seguinte forma: «Adisciplina mudou gradualmente de ensino prático e estudo
da natureza, com os seus objectivos pedagógicos e utilitários, para uma ciên-
cia pura académica que, em 1900, tinha atingido um elevado estatuto- 0986,
pp.82-83).
A transição para uma ciência laboratorial seguiu em paralelo às evoluções
nas universidades, tal como foi exemplificado anteriormente. O triunfo da
ciência pura dependeu, no entanto, do facto da «ciência laboratorial- ser final-
mente transformada numa prioridade para a "pesquisa laboratorial », Ao debru-
çar-se sobre a Física, Yves Gin ras conduziu algum trabalho pioneiro neste
período sobre o desenvolvimento da ciência. Gingras afirma que «o apareci-
I mento da pesquisa em Física nas universidades canadianas foi o resultado da
lmp'ôl'ràçã'ô ne uma pTIttiDl na 'tumpa àUtafile o Ú'J't'lffi{) quane'J CIDseono m...
) Em consequência, -a nova geração de professores universitários, formados nos
laboratórios físicos ingleses e alemães, estava mais inclinada para a pesquisa
do que para o ensino- (Gingras, 1986, pp. 182-183).
HISTÓRIA DE UMA DISCIPLINA ESCOlAR: AS CIÊNCIAS 63

Trabalhos mais recentes sobre o aparecimento e desenvolvimento da


Física como disciplina escolar no período do pós-guerra aumentaram conside-
ravelmente os nossos conhecimentos sobre a história social das disciplinas
científicas. O trabalho de Brian Woolnough, Physics Teaching In Schools 1960-
-85, tem um subtítulo cuidadoso: O/ People, Policy and Power. Ao desenvolver
um perfil biográfico detalhado de alguns dos principais defensores da educa-
ção científica nas escolas inglesas, Woolnough ajudou-nos a compreender
como a mudança curricular teve origem. Particularmente valiosos são os seus
pontos de vista sobre a luta contínua entre a Física como disciplina autQ~
e os movimentos ara uma Ciência Geral (a su osta sucessora da ciência das
coisas comuns em certos aspectos importantes) (Woolnough, 1988, p. 1 .
--Woolnoug fÕrnece-nos um re ato etalfiado da luta para substituir as I
Ciências das ..vias clássicas»do ensino (Física, Química e Biologia), I'~l~ Si~~,
cia integrada que muitos julgavam ser mais adequada ao ensino unificado, tal :
como foi posto em prática a partir de 1965.
Woolnough dá-nos um comentário histórico extremamente perspicaz das
lutas entre a ciência disciplinar simples e a ciência geral: «a história reflecte a ten-
dência para favorecer a ciência geral com base em motivos educacionais quando
o clima social é calmo, mas para voltar às ciências separadas com base em moti-
vos vocacionais quando os tempos económicos se tornam difíceis»(Woolnough,
1988, p. 246). A escolha é assim entre um público cientificamente emancipado e
as necessidades de mão-de-obra de uma sociedade tecnológica. -Parece que,
enquanto uma ciência mais liberal para o povo poderá satisfazer o primeiro, a
Físicaé mantida para satisfazera procura desta última»(Woolnough, 1988, p. 246).

o aparecimento da Biologia na Grã-Bretanha


Os padrões explicitados nos pontos anteriores, particularmente a mudan-
ça para uma ciência laboratorial pura, podem ser estudados através do mais
recente aparecimento da Biologia como disciplina escolar, objecto do trabalho
publicado em School Subjects and Cumculum Chan e (983), o qual foi agora
complementado por novos e excelentes trabalhos, principalmente de Bybee
nos Estados Unidos da América. Pensamos assim que vale a pena insistir com
certa minúcia na história da Biologia e apresentar um resumo mais detalhado
do surgimento desta disciplina. Isto permitirá um exame profundo de alguns
dos padrões que podem ser descobertos ao estudar-se a história do currículo
das disciplinas cíentífícas",

(8) Os parágrafos seguintes são baseados num livro anteriormente publicado: Scbool Subjects and
Curriculum Cbange: Studies in the Social History 01 Curriculum (London, Croom Helm, 1983).
64 rvon F. GOODSON

No início do século XIX, na Grã-Bretanha, a Física e a Química eram as


principais disciplinas científicas, a Botânica e a Zoologia seguiam um pouco
atrás em popularidade e a Biologia mal existia como disciplina identificável.
Os defensores da ciência salientavam não só o valor intrínseco da sua disci-
plina como formação disciplinar, mas também o seu potencial utilitário. Para
progredirem, os ramos da ciência tinham assim de exibir estas características
duplas e, em consequência, sabemos que a Botânica e a Zoologia podiam
encontrar apoio «somente na medida em que contribuíssem para fins úteis, tal
como a exterminação de insectos nocivos para a madeira nos estaleiros»
(Layton, 1973, p. 21). O ensino destas áreas da ciência foi limitado durante
todo o século XIX mas, significativamente, enquanto a Botânica decaía como
disciplina escolar, a Biologia começava a aparecer nos currículos de algumas .
escolas (Tracey, 1962).
O desenvolvimento da Biologia nas escolas foi extremamente lento no
final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, o que pode ser atri-
buído a dois factores essenciais. Em primeiro lugar, os aspectos mais utilitários
e aplicados da Biologia permaneceram substancialmente pouco visíveis nesta
fase. Além disso, o valor da disciplina para a «formação disciplinar» continua-
va a ser limitado, especialmente devido ao facto de a ciência biológica no
século XX ser imatura: «geralmente, o material estudado não tinha qualquer
valor económico potencial e a disciplina era frequentemente considerada
como sendo mais um hobby, ou passatempo dos senhores rurais do que um
estudo científico sério» (Tracey, 1962, p. 430).
A mudança da «imagem»da Biologia foi essencialmente facilitada pelo tra-
balho dos cientistas numa série de domínios especializa dos. O seu trabalho
desenvolveu o potencial utilitário da disciplina e o seu «rigor disciplinar».
A existência prévia das ciências físicas na escola dificultou a implantação
da Biologia. O desenvolvimento da Biologia é bem ilustrado pelas práticas de
exame no final do século XIX. Inicialmente, atraía poucos candidatos, mas,
como Waring observou, em 1904 «um novo exame de Biologia estava a atrair
mais candidatos do que a Química». Esta autora observa que «à medida que
aumentavam as pressões pelo reconhecimento das escolas como instituições
para a formação científica pré-clinica (em Química, Física e Biologia) dos futu-
ros alunos de medicina, os números aumentavam-o No princípio, só era per-
mitida a formação de candidatos a um número limitado de escolas, mas em
1911 esse reconhecimento era conferido a todas as escolas públicas (Waring,
1980).
1 Existem indícios consideráveis de que a Biologia foi negligenciada na
:década que se seguiu à I Guerra Mundial. Em 1918, segundo Jenkins, «a
IBiologia nas escolas secundárias de rapazes era representada quase exclusiva-
HISTÓRIA DE UMA DISCIPIlNA ESCOIAR: AS CIÊNCIAS 65

mente pelo estudo da natureza, ensinado às classes inferiores, e pela Botânica


e Zoologia ensinadas aos poucos alunos que queriam seguir medicina»
(Jenkins, 1979, p. 119). Indícios contemporâneos revelam que a Biologia foi
-vergonhosamente negligenciada» durante a década de 1920 e um relatório da
Imperial Agricultural Research Conjerence (1927) notou -uma provisão inade-
quada para o ensino biológico» a todos os níveis e tipos de escolas (Jenkins,
1979, p. 121). Mas uma mudança rápida estava a caminho e jenkins afirma que
-foí a década de 1930 que, mais do que qualquer outra, viu a Biologia ganhar
um lugar de destaque no currículo do ensino secundário» (Jenkins, 1979,
tJ
p. 123).

o aparecimento da Biologia nos Estados Unidos da América

Bybee caracterizou a história da Biologia nas escolas a partir de uma luta


entre três -objectivos primários» ou tradições: o objectivo do conhecimento, a
transmissão de conhecimento biológico, -a Biologia para o bem da Biologia»;
o objectivo do método; e o objectivo pessoal/social, a ênfase em questões de
relevância social e pessoal para os alunos. Durante os primeiros anos da
Biologia nas escolas americanas entre 1900 e 1925, Rosenthal e Bybee consi-
deram que o debate sobre a forma que a Biologia deveria assumir girava
essencialmente em torno de objectivos de conhecimento. um dos debates que
surgiu no primeiro quarto de século da educação biológica, que coincidiu com
o primeiro quartel do século XX, foi o da Biologia como ciência da vida ou
Biologia para a vida (cf. Popkewitz, 1987).
Tal como acontecera em Inglaterra, no período anterior ao aparecimento
da Biologia, a Botânica e a Zoologia eram ensinadas como disciplinas separa-
das e, mais uma vez, haviam sido precedidas pela História natural. Além disso,
a disciplina de Fisiologia humana tinha tido um grande peso. A Botânica, a
Zoologia e a Fisiologia humana "provinham, sob a influência das universida-
des alemãs, de uma primeira forma de ciência geral conhecida como História
natural» (cf. Popkewitz, 1987, p. 124). Entre 1896 e a década de 1900 o traba-
lho de Christy revelava que 82,5% das escolas propunham a Botânica, 70% a
Fisiologia e 42,5% a Zoologia. Uns meros 10%, nessa fase, propunham a
Biologia (cf. Popkewitz, 1987).
De certo modo, o declínio da Fisiologia humana nesta altura deu uma
nova oportunidade à Biologia para se desenvolver no currículo do ensino
secundário. Os manuais de Fisiologia realçavam a Anatomia mas, progressiva-
mente, a liga antialcoólica exigia uma ênfase na higiene, especificamente nos
perigos do "álcool e do tabaco». No virar do século
IVOR F. GOODSON
66

)~ll\i:()"s~"st1\'lms~~'mt 11mlà àu1àS porano~ePi~i'olo~àentre õ '2'1le o \~'Il ano.'õ


resultado, uma repetição insuportável do mesmo material ano após ano combinado
com o método de recitação, oposto aos métodos laboratoriais utilizados nas aulas de
Botânica e Zoologia, afectou adversamente a popularidade da Fisiologia. (cf.
Popkewitz, 1987, p. 130).

Em geral, a Fisiologia humana ocupava nesta altura uma posição bastante


abaixo da Botânica e da Zoologia em termos de estatuto; isto aconteceu prin-
cipalmente porque "as escolas secundárias não eram capazes de satisfazer os
t;y:td~ê\,,-~,,~\P~ ••. 'tA".. lJ,.'1,.."..<I'1,.."..<!. "'- '0~"'''i'h'b :''D.'ll'I.:'\.'U:'\-~ '1rlhll'tll\~, t"1lpeóal-
mente no caso do equipamento e recursos laboratoriais- (cf. Popkewitz, 1987,
p. 130). Resumindo, a Fisiologia humana, ao adoptar uma pedagogia e uma
forma não científicas, baseadas na recitação e repetição e não em experiências
e equipamento, abdicou de ser lida como uma disciplina científica de elevado
estatuto. No eu igo sobre o -declínio e a queda da Fisiologia no ensino
secundário» Rosen considerava que a disciplina se tinha tornado "um candi-
dato ao esquecimento» e que isto "é particularmente significativo como um
exemplo do funcionamento das forças sociais e políticas e da influência do
ensino superior (sobre) o currículo do ensino secundário- (cf. Popkewitz, 1987,
p. 130). •
Enquanto a Fisiologia humana começava a declinar (embora nunca cain-
do completamente no esquecimento), a Biologia começava a surgir como uma
forte sucessora. Um momento decisivo no aparecimento da ova disciplina foi
a publicação do livro universitário do famoso biólogo ornas Huxle e de um
dos seus alunos, Henry Martin. Este livro, intitulado -ÇQUr8 ractical
@ Instruction in Elementary Biology, defendia a Biologia como uma ciência labo-
ratorial, onde a dissecação fazia parte do curso e onde os princípios darwinis-
tas da evolução eram promovidos o mais criteriosamente possível.
J(> r: Huxley e Martin exibiram um forte domínio da retórica promocional
/Y 11 necessária para lançar uma nova disciplina. A Biologia era concebida e pro-
~js{

~IJI
movida como uma ciência experimental rigorosa, conduzida em laboratórios e
proporcionando uma visão coerente do conhecimento. "O estudo dos corpos
vivos é efectivamente uma disciplina que está dividida em Zoologia e Botânica
somente por uma questão de conveniência- (cf. Popkewitz, 1987, p. 131).
Nesta afirmação, a ambição quase audaciosa dos autores é clara, a Biologia
não se contentaria com uma mera equivalência com as disciplinas já estabele-
.~ cidas, a Botânica e a Zoologia; a Biologia seria o novo paradigma superior,
~ uma disciplina mais moderna capaz de reunir todo um conhecimento anti-
quado e fragmentado numa só disciplina científica.
Assim, ao mesmo tempo que o livro aparecia, Henry Martin desenvolvia
no seu trabalho, na john Hopkins Uníversity, um curso geral de Biologia que
HISTÓRIA DE UMA DISCIPLINA ESCOlAR: AS CIÊNCIAS 67

procurava integrar a Zoologia, a Botânica e a Fisiologia humana. Os dois acon-


tecimentos, a publicação do livro e o lançamento da nova disciplina unificada
na John Hopkins possibilitaram a plataforma de lançamento promocional para ~
~_dlSciplillª", - ,
A disciplina progrediu muito rapidamente e espalhou-se da jobn Hopkins /1<\\ ;J.t

University para outras universidades. Pouco depois, esta Biologia começou a ~ ~ .o:. rvY
desenvolver-se em muitas escolas secundárias. Em Nova Iorque, por exemplo, . y
realizou-se um curso geral de Biologia para ser ministrado nas escolas secun- 0 ~~
dárias do Estado. 'IJ I. j.

Na primeira fase da adopção da Biologia, a falta de livros teve um efeito ' J• ~


secundário vital. Os professores que regiam o novo curso nas escolas secun- ~ /
dárias eram obrigados a utilizar livros universitários, nomeadamente o livro de )f
Huxley e Martin. Isto significava que os cursos escolares se regulavam pelo ~ ,
currículo universitário e, mais concretamente, que a versão de ciência labora-
torial experimental da disciplina foi rapidamente disseminada nas escolas
secundárias.
Rosenthal e Bybee consideraram que os primeiros cursos de Biologia do
ensino secundário "partilhavam algumas das características dos seus predeces-
sores, a Botânica, a Zoologia e a Fisiologia, na medida em que eram extrema-
mente académicos e enfatizavam o pormenor estrutural» (cf. Popkewitz, 1987, @
p. 132). A rigorosa abordagem académica e científica reflectia, como tivemos .'
oportunidade de ver, o papel histórico das universidades na modelação da
Biologia no ensino secundário: em suma, era o "preço» da promoção da
Biologia como uma disciplina preparatória, de elevado estatuto, para o ensino
superior. Alguns dos primeiros professores da disciplina preocuparam-se com
o "preço» que estava a ser pago nas escolas secundárias. Em 1909, Dawson
queixou-se, por exemplo, que:

«ABotânica e a Zoologia das nossas escolas secundárias não têm sido desde o começo
diferenciadas do trabalho universitário. Os novos métodos ou fases da Biologiaque apa·
receram na universidade surgiram rapidamente na escola secundária. [...] O equipa-
mento do laboratório da escola secundária é também baseado no que se usa na
universidade, chegando mesmo a rivalizar com ele» (cf. Popkewitz, 1987, p. 132).

No entanto, estas preocupações não impediram o progresso da disciplina,


longe disso. C.W. Finley realizou um estudo sobre a Biologia nas escolas
secundárias (e nas escolas de formação dos professores de Biologia) em 1926.
Apresenta números da percentagem de escolas secundárias que têm o curso
de Biologia. Em 1908, 26,5% tinham esse curso, em 1923 este número saltou
para 83,8%. Simultaneamente, os cursos de Botânica passaram de 81,5% em
1908, para menos de 30% em 1923; a Zoologia de 52,2% para uns meros 1,8%
68 IVOR F. GOODSON

e a Fisiologia de quase 70% para 34,3%. Manifestamente, no primeiro quartel


do século XX a Biologia tinha passado de uma posição marginal para uma
posição central, à custa das bem ancoradas disciplinas de Botânica, Zoologia
e Fisiologia humana. Em 1925, a Biologia era uma disciplina académica de ele-
vado estatuto bem estabelecida e amplamente considerada como uma ciência
experimental rigorosa.
Mas, durante este período de aceitação e consolidação, foram surgindo tra-
dições alternativas da disciplina: o «pêndulo»de Bybee começou novamente a
balançar do objectivo de conhecimento para o objectivo pessoaVsocial, da
«Biologiapara a vida».Perceptivelmente, pelo menos para comentadores como
Linville, «o objectivo no ensino da Biologia mudou da Biologia pela Biologia
para a Biologia em relação com o bem-estar humano». Por outras palavras, a
tradição utilitária e pedagógica da disciplina começou a reafirmar a sua posi-
ção contra a tradição académica dominante.
\"!"-~- Por algum tempo, a teoria psicológica predominante da «disciplinamental.
contribuiu para a tradição académica. A Biologia como ciência experimental,
pensava-se, iria promover as «capacidades. de aprendizagem. A observação e
o conhecimento adquiridos no laboratório poderiam ser -transferídos- para
outros domínios. Mas o acento na Biologia como ciência laboratorial impedia
essencialmente os objectivos práticos, utilitários e pedagógicos, conduzindo a
uma diminuição da relevância pessoal e social. Deste modo, em 1926, Finley
afirmava que os «aspectos práticos da Biologia não se aplicam tão bem ao tra-
balho laboratorial como acontecia com o trabalho anatómico, morfológico e
microscópico» (cf Popkewitz, 1987, p. 138).
As pressões para uma Biologia da vida mais prática e pessoal constituíam,
em parte, uma resposta ao padrão de desenvolvimento do ensino secundário
norte-americano. A maioria dos alunos não estavam preocupados com a pre-
paração para a universidade, o que pôs em dúvida definitivamente a profun-
da ligação com a versão de Biologia desenvolvida e difundida pelo ensino
superior. O conflito entre as tradições tornou-se assim parte de um conflito
sobre os objectivos do ensino de massas, ou visto de outra forma, de um con-
flito sobre que tipo de alunos seria favorecido e privilegiado pela versão domi-
I nante da disciplina.
I No que diz respeito ao período 1900-1925,Rosenthal e Bybee observaram
i que o ensino superior teve uma grande influência na evolução da disciplina
no ensino secundário:
I
I «Asgrandes influências no desenvolvimento da Biologia vieram das universidades e dos
\ respectivos professores através da formação de professores, do estabelecimento de
requisitos de admissão e da elaboração de manuais escolares».
\ \
HISTÓRIA DE UMA DISCIPIlNA ESCOIAR: AS CIÊNCIAS 69

Além disso, observavam-se influências indirectas provenientes deste sec-


tor:

-Os avanços científicos influenciaram o desenvolvimento da Biologia [...] directamen-


te através de avanços no próprio donúnio (evolução, genética, citologia, fisiologia, etc.)
e indirectamente através de avanços na psicologia, como é o caso da teoria da disci-
plina mental».

Segundo Bybee, as ideias da Biologia como disciplina e da teoria da evo-


lução vieram de Inglaterra, o método laboratorial veio da Alemanha e da
Inglaterra (cf Popkewitz, 1987). De modo que algumas das primeiras lutas
pela disciplina em Inglaterra, e respectivos resultados, foram directamente
importadas para os Estados Unidos da América e promovidas num novo e dife-
rente ambiente cultural e político.

o desenvolvimento da Biologia na Grã-Bretanha

O aumento dos aspectos utilitários da Biologia ajuda a explicar a súbita


.. expansão da disciplina nas décadas de 1920 e 1930. A função utilitária que
I
P tanto tinha facilitado o desenvolvimento das ciências físicas foi extremamente
influente e Tracey afirma que, no que diz respeito à Biologia, abriu caminho
à sua introdução na escola, na medida em que houve um reconhecimento
crescente por parte do governo e de outras entidades de que -a Biologia era
passível de aplicação e exploração económica em indústrias como a pesca, a
agricultura e a silvicultura, e também na medicina» 0962, p. 243). Ligada ao
desenvolvimento das utilizações aplicadas da Biologia estava uma nova pro-
moção da disciplina. A partir da década de 1920, entidades governamentais, a
British Association for the Advancement of Science, a Britisb Social Hygiene
Council e a Science Masters Association, promoveram a causa da Biologia nas
escolas.
"A Comissão, formada pelo Primeiro-Ministro, para examinar a posição das
Ciências Naturais no sistema educativo da Grã-Bretanha- iniciou o processo da
reavaliação, no período entre guerras. O relatório de 1926, Education of tbe
Adolescent, defendia o ensino da Biologia, tal como o faziam o Relatório de
Chelmsford em 1932 sobre Education and Supply of Biologists, o Consultative
Committee on Secondary Education em 1938 e, finalmente, em 1943, o relató-
rio do Committee of the Secondary Schools Examinations Council. De notar I

que o último relatório sugeria que a Física, a Química e a Biologia deveriam


ser ensinadas nas escolas «sem qualquer intenção de formação vocacional, mas
em linhas académicas ortodoxas». Durante a década de 1930, a questão do
70 IVOR F. GOODSON

ensino da Biologia foi debatida e defendida em revistas de educação e mesmo


nas colunas de correspondência do Tbe Times (Waring, 1980).
Estes marcos de aceitação oficial podem ser parcialmente atribuídos ao tra-
balho de uma série de entidades que promoveram a Biologia. O British Social
Hygiene Council desenvolveu-se a partir do Council for the Control of Venereal
Disease e adaptou o slogan «a única base segura para a higiene social é uma
base biológica». Em 1938, o British Social Hygiene Councillançou uma revista
para as escolas e os professores, inicialmente intitulada Biology, mudando para
Biology and Human Affairs após 1942. A revista tinha como objectivo «fomen-
tar o desenvolvimento do ensino biológico» (Jenkins, 1979, p. 134).
Uma razão imediata para o aumento dos alunos de Biologia na década de
1930 prende-se com o facto de «muitas escolas, particularmente as escolas de
rapazes, que tinham ensinado pouca Biologia antes de 1930, a terem introdu-
zido como disciplina de exame, e muitas escolas de raparigas terem substituí-
do o estudo da Botânica pelo da Biologia» (Tracey, 1962, p. 426).
Significativamente, a ciência geral foi introduzida ao mesmo tempo no horário
de muitas escolas. Uma vez que a disciplina era estudada pelos alunos menos
aptos, que previamente tinham estudado Física e Química, isto significava que
o Gesenvo\vi.mento Ga "Bi.o\ogiaíe\ativamente às c.iêndas l\sic.as loi ainch mais
significativo.
" A luta contínua para estabelecer a Biologia após a II Guerra Mundial
Ireflectiu-se num conjunto de artigos da School Science Review. M.P. Ramage
defendeu, em 1942, a expansão da Biologia nas escolas e, no ano seguinte,
, M.L.johnson (943) salientou as virtudes da disciplina como uma «formação
em observação». Posteriormente, Johnson (948) alargou o argumento para
salientar que se a disciplina fosse ensinada com êxito poderia servir como uma
«formação no método científico»,e F.S.Russell (946) reiterou a causa de ensi-
nar a disciplina considerando os seus desígnios e objectivos. Em 1949, o
British Social Hygiene Council realizou a primeira de uma série de conferên-
cias sobre «novas tendências no ensino da Biologia». Diversos organismos
como a Science Masters Association, a British Association e os principais sin-
dicatos de professores estavam envolvidos na organização do que posterior-
mente se tornou o joint Biology Committee (Waring, 1980).
Apesar do aumento nas admissões a exames no final da década de 1940
e durante a década de 1950, a influência global da Biologia no currículo con-
tinuava a ser mais limitada do que a influência das ciências físicas. O relatório
sobre as Ciências nas escolas secundárias, compilado no final da década de
1950, revelou que a Biologia «tem muito pouco impacto do ponto de vista da
educação geral-, acrescentando que, actualmente, «a posição ocupada pelos
estudos avançados de Biologia nas escolas, especialmente nas escolas de rapa-
HISTÓRIA DE UMA DISCIPIlNA ESCOlAR: AS CIÊNCIAS 71

zes, é infelizmente uma posição de formação vocacional e não de instrumen-


to da educação" (Ministry of Education, 1960).
O Study Group on Education and Field Biology, fundado em 1960, sentiu
que havia necessidade de «uma nova abordagem do ensino da Biologia nas
escolas. A Biologia é essencialmente apropriada como uma introdução à ciên-
cia, mas é frequentemente ensinada como uma amálgama incompletamente
fundida da Botânica e Zoologia clássicas" 0963, p. 196). A solução por eles
proposta era a de que a Biologia «fosse tratada como uma disciplina unificada
por si mesma, com influência sobre o ensino da Geologia e da Geografia,
envolvendo muito mais trabalho de campo do que era habitual» (Study Group
on Education and Field Biology, 1963, p. 197).
A análise do grupo relativamente ao problema com que se confronta a
Biologia nas escolas e a ênfase posta, uma vez mais, na necessidade de «uma
disciplina unífícada- sublinham a novidade da Biologia como uma síntese inte-
lectual. Os professores que ensinaram a nova disciplina nas décadas de 1940
e 1950 foram na sua maioria formados como especialistas em Botânica e
Zoologia.
O estabelecimento de uma ciência unitária, para além de se aguardarem
os avanços da pesquisa, foi extremamente dificultado pela resistência contínua
da Botânica e da Zoologia e pela existência de tradições separadas na Biologia.
Na Biologia escolar surgiu uma grande divisão entre a tradição médica, que
focava o papel de formação pré-médico mencionado anteriormente, e a histó-
ria natural ou tradição ecológica. «Atradição médica na Biologia, com a sua
tónica na investigação dos espécimes extintos, contrastava vivamente com a
abordagem dos naturalistas que se preocupavam em fomentar o amor pela
natureza e a atenção às actividades e interesses dos organismos vivos" (Jenkins,
1979, pp. 146-147). Embora «o trabalho de campo e os estudos ecológicos"
tivessem tendência a serem postos em causa pela corrente médica da Biologia,
«os esforços para aumentar o seu papel nos planos de estudo da Biologia per-
maneceram muito atraentes" (Jenkins, 1979, p. 148). jenkins considerou que «o
"problema médico" da Biologia não seria resolvido antes dos anos sessenta,
quando os cursos de Biologia no ensino secundário fossem novamente planea-
dos como parte de um programa mais amplo de desenvolvimento curricular e
se verificassem mudanças significativas na estrutura e conteúdo da educação
médica" 0979, p. 147). O «novo planeamento- da Biologia escolar, nomeada-
mente através dos esquemas de Nuffield, estava relacionado com as mudanças
na Biologia universitária que visavam uma ciência mais unitária, mas com um
~~""V
, 'lP

lugar para os estudos ecológicos que não pusessem em causa uma concepção l' \
científica rigorosa.
72 IVOR F. GOODSON

o trabalho de campo e a tradição ecológica na Biologia

o elemento da história natural esteve presente na Biologia desde o início;


a abordagem naturalista dependia da observação de campo e dos estudo ao ar
livre. Tal trabalho realizado no âmbito da Biologia poderia ter levado clara-
mente ao domínio da educação ambienta!. De facto, os estudos de campo e a
ecologia ficaram firmemente definidos numa concepção de Biologia como
ciência rigorosa. Ao explicar este -refrear- da tradição dos estudos de campo,
o relatório do Study Group on Education and Field Biology e o Projecto
Nuffield foram extremamente importantes: ambos os grupos viam a Biologia
como uma ciência experimental rigorosa, para a qual os estudos de campo
poderiam servir como um passaporte.
O objectivo do Study Group on Education and Field Biology era «exami-
nar o papel dos estudos de campo e a sua relação com a educação escolar e
com a formação científica em particular: os requisitos em termos de currículos
e exames, professores e formação de professores; os recursos necessários, etc.-
(1963, p. vi). O grupo de estudos tornou claro que rejeitava firmemente «o
ponto de vista de que a Biologia em geral, e os estudos de campo em parti-
cular, são menos científicos ou menos essenciais num programa de educação
do que as ciências físicas, mostrando que se todo o seu potencial educacional
puder ser atingido, os estudos de campo são um dos melhores passaportes
I para o ensino das ciências e uma das melhores pontes entre a Biologia e as
I outras ciências" 0963, p. 5).
O desafio a padrões mais tradicionais de ensino foi consistentemente pros-
seguido a tal ponto que as divisões nas disciplinas científicas foram postas em
dúvida de acordo com o modelo de «inquérito interdisciplinar-, «Osestudos de
campo foram refreados pelo facto da ciência e do ensino das Ciências terem
sido confinados em compartimentos arbitrários. Um dos principais objectivos
de uma nova abordagem deve ser o de reduzir ao mínimo essas barreiras arti-
ficiais-. Para o conseguir, foram necessários -acordos flexíveis" para -permitir
que os tópicos científicos sejam seguidos, criando assim servos em vez de mes-
tres das disciplinas envolvidas, e nunca procurando negar o todo da ciência-
(Study Group on Education and Field Biology, 1963, p. 7).
No início da década de 1960, os estudos de campo estavam a ser promo-
vidos por uma série de biólogos proeminentes. Este desenvolvimento no ensi-
no superior foi de importância crucial, porque quando se ensinavam estudos
ecológicos ou de campo a graduados ou formadores de professores, estes por
sua vez podiam ensinar um pouco da disciplina quando ocupavam posições
nas escolas. Parece ter sido este o caso na década de 1950.
. É evidente que os limites interdisci linares foram apenas um dos factores
HISTÓRIA DE UMA DISCIPIlNA ESCOlAR: AS CIÊNCIAS 73

que condicionaram o desenvolvimento dos estudos de campo. Outros factores


impediram o desenvolvimento da abordagem a todos os níveis educacionais.
Os grupos de estudo elaboraram uma lista, com alguns dos limites existentes
nas escolas, sob a forma de diversas questões:

«Será o avanço dos estudos de campo impedido pela falta de professores formados para
os conduzir? Estarão os processos de administração educacional e a inflexibilidade no
currículo escolar a obstruir as oportunidades locais para ensinar as crianças fora da sala
de aula? Estarão os professores inibidos pela falta ou inacessibilidade de recursos, e
geralmente pela simples dificuldade de tratar de estudos de campo de padrão mais ele-
vado numa base mais geral? Estará o sistema de examinação a penalizar as escolas que
revelam alguma iniciativa neste domínio em oposição àquelas que se limitam à rotina
interna? (Study Group on Education and Field Biology, 1963, p. 185).

A última questão foi alargada noutro trabalho, ao afirmar-se que é possí-


vel que um candidato que -nunca se aventurou fora de uma porta de labora-
tório e que não tem quaisquer noções de Ecologia, possa obter uma "nota
louvável" (possivelmente uma distinção'): as escolas estão perfeitamente cons-
cientes deste facto e muitas delas tiram daí o melhor partido» (Study Group on
Education and Field Biology, 1963, p. 27). O Relatório do Study Group on
Education and Field Biology, embora especifique os problemas enfrentados
pela Ecologia e pelos estudos de campo, continua a ser um documento extre-
mamente propagandista. Os estudos de campo seriam -o passaporte para a
educação científica como um todo» 0963, p. 10), porque certo que os futu-

ros cidadãos irão necessitar de uma introdução muito melhor aos princípios e
meios da ciência, de um sentido dos valores mais profundo e mais satisfatório
e de um sentimento emocional mais firme e forte de pertencerem realmente à
civilização contemporânea» 0963, p. viii).
A importância do Relatório foi sublinhada por Dowdeswell que, em 1962,
cDomedçoualI dli:igir o Proljecto bi~lógilcod de Nduffield' /D~sde AOE inlíci?, l) t0,
ow eswe sa íentou o va or e ducaciona os estu os eco OglCOS.
l co ogia 't:)
desenvolveu-se como uma nova síntese intelectual nas universidades. Algumas
das novas universidades estabeleceram departamentos de Ecologia ou -ciência
ambiental-, havendo desenvolvimentos igualmente significativos nas universi-
dades mais antigas. Sir Arthur Tansley, o primeiro presidente do Council for
the Promotion of Field Studies, promoveu a disciplina em Oxford, de acordo
com a muito enraizada tradição dessa universidade.
A definição da Ecologia como uma disciplina de base universitária, no
âmbito do paradigma científico mais tradicional e dos outros desenvolvimen- ~
tos na Biologia, "continha» as mais puras tradições ambientais e naturalistas. I

Assim, de um modo geral, os biólogos não interferiam na educação ambien-


-
74 IVOR F. GOODSON

; tal. Num ensaio sobre Biologia, Waring escreveu que, em consequência, -ã


I

! medida que o lobby ambiental ganhou impulso, o movimento dos estudos de


~ campo cresceu rapidamente, mas os biólogos dos estudos de campo e os geó-

I·grafos garantiram que os "ambientalistas" permanecessem numa posição


subordinada» (Waring, 1978, p. 20).

A Biologia como «ciência exacta»

Apesar das vastas iniciativas do grupo de estudo, do Projecto de Nuffield,


de determinados corpos docentes universitários e da Conferência de Keele,
não se avistava qualquer mudança radical no ensino da Biologia. Em 1967, ao
escrever sobre a «crise»na Biologia, Dyer afirmou que o desenvolvimento de
«tais disciplinas essencialmente unificadoras- como a Ecologia estava a ser
ignorado devido -à infeliz separação da Botânica e da Zoologia que persiste
em tantas das nossas escolas e universidades» (Dyer, 1967, p. 112). Mesmo em
1971, 33 dos 44 futuros licenciados universitários encontravam-se em departa-
mentos separados de Botânica e Zoologia (Waring, 1978).
O comentário de Dyer sobre a contínua separação da Botânica e Zoologia
e a sua argumentação implícita para uma «disciplina unificadora- apresenta
semelhanças interessantes com a tentativa, realizada na América do Norte nos
anos sessenta, para criar uma definição de Biologia escolar. A diversidade da
Biologia levou o Biological Sciénces Curriculum Study a criar três «versões»de
Biologia escolar, abrangendo os aspectos -bioquímicos-, «ecológicos»e «celula-
res» da disciplina, mas a sua relutância em expor esta aparente falta de unida-
de fez com que as versões fossem designadas por -azul-, «verde»e «amarelo».
Tal como o director explicou posteriormente:

«Identificar esta versão como "bioquímica", "ecológica" ou "celular" poderia ter impli-
cações não intencionais e desastrosas, porque algumas pessoas poderiam considerar
estas versões como sendo cursos de Ecologia, Bioquímica ou Biologia celular e não
como programas gerais de Biologia elaborados por grupos de biólogos com diferentes
formações. Assim, era necessário que estas versões fossem indicadas em termos neu-
tros» (Grobman, 1969, p. 64).

O estudo salientou também a diferença entre a Biologia e as ciências "esta-


belecidas" da Física e da Química. Realçou que a ausência de uma estrutura
unificadora evidente para a Biologia era o resultado não da sua imaturidade
mas da sua sofisticação: «a natureza da própria Biologia, como uma ciência
fundamentada nas ciências físicas, é automaticamente de um nível de comple-
xidade mais inclusivo e, por isso, a caracterização da sua estrutura, apropria-
HISTÓRIA DE UMA DISCIPI1NA ESCOLAR: AS CIÊNCIAS 75

da para os alunos do ensino secundário, poderá envolver complicações cres-


centes".
Sabendo das perigosas implicações desta reivindicação, salienta-se que
esta não deverá ser utilizada para insinuar que: a Biologia representa a última
«

complexidade da estrutura disciplinar a ser analisada pelos formadores para


apresentação nos currículos; é simplesmente necessário juntar a estas conside-
rações as implicações humanas das ciências sociais e as humanidades, para
compreender as complexidades adicionais que estão muito além das contem-
pladas pelo biólogo ao confrontar a sua ciência- (Grobman, 1969, p. 65).
Uma solução para a falta de estrutura e desunião da Biologia surgiu com
o desenvolvimento da Biologia molecular. Eis finalmente o fundamento lógico
para reivindicar a igualdade de tratamento com as ciências físicas. A Biologia
molecular proporcionou um elevado prestígio e uma teoria superior que uni-
ficaram muitos aspectos da disciplina. Além disso, como as plantas e os ani-
mais pareciam muito semelhantes a nível celular, a divisão entre Botânica e
Zoologia afigurava-se muito menos justificável. Jenkins resumiu este desen-
volvimento da seguinte forma: «o grande êxito dos estudos cristalográficos e
citoquímicos no campo da Biologia molecular, dos quais a elucidação das
estruturas de ADN é o exemplo mais conhecido, levou a pressões para refor-
mar o ensino das ciências da vida, de forma a incorporar tanto a relevante
Bioquímica como a abordagem experimental que originara tais tríunfos-.
Finalmente, os «acordos para uma maior coordenação. que em 1939 Bernal
afirmara que poderiam resultar de avanços na pesquisa, estavam à mão e
durante algum tempo a Biologia podia ser apresentada como uma ciência uni-
tária (Jenkins, 1979, p. 153).
O sucesso foi rapidamente atingido e os professores na altura notaram a
mudança: Lembro-me da ascensão da Biologia molecular ... Crick e Watson e
«

os outros ... que prepararam o caminho para o sucesso da Biologia como ciên-
cia; a partir desse momento, havia uma forte possibilidade da Biologia se tor-
nar uma "ciência exacta" ao lado da Física e da Química-". Falando do final
da década de sessenta, o Professor Dowdeswell confirmou: "O estatuto seguiu
a ascensão da Biologia molecular. As grandes descobertas de Crick e Watson
mudaram tudo-. No entanto, ao lado destes desenvolvimentos, Dowdeswell
mencionou outro tema ao fazer o seguinte comentário: "havia um sentimento
de que tudo o que não fosse quantitativo não era ciência-?". Outro biólogo
universitário explicou a tendência da seguinte forma: «A Biologia era, e ainda
é, muitas vezes, uma ciência mais descritiva do que física l...1 em consequên-

(9) Entrevista com um professor de Biologia, realizada em 15 de Março de 1977.


(10) Entrevista com um professor de Biologia, realizada em 24 de Outubro de 1977.
76 IVOR F. GOODSON

cia, os candidatos mais fracos eram enviados para esta área e, quando se faziam
abordagens quantitativas, era por mais respeito pela disciplina, por um aumen-
to do estatuto/li). Os temas gémeos da Biologia molecular e da quantificação
foram incorporados na Biologia como disciplina escolar. O primeiro tema dos
planos de estudo dos níveis avançados de ensino é agora, frequentemente, -a
célula», focando a estrutura, organização molecular e funções. De igual forma,
a quantificação é agora uma característica proeminente de muitos destes pla-
nos de estudo.
No entanto, os cursos de Biologia mantiveram elementos das fases iniciais
da história da Biologia. Tal como aconteceu com a Geografia, houve uma resis-
tência e um intervalo de tempo no que se refere à incorporação de novas ver-
sões da Biologia, mesmo no que diz respeito à versão de ciência exacta.
jenkins comenta que «tanto a abordagem de princípios como a abordagem de
tipo para elaborar planos de estudo para a Biologia deveriam sobreviver duran-
te os anos sessenta criando maiores diferenças nos planos de estudo de ensi-
no da Biologia do que em qualquer outro momento no passado» (Jenkins,
1979, p. 155). Mas ambas as versões que Jenkins mencionou caíram no para-
digma «científico»da Biologia. Para a tradição de trabalho de campo as conse-
quências eram mais evidentes: um resultado final da ascensão da Biologia
molecular e da quantificação no domínio da Biologia seria o de confirmar
finalmente a desvalorização dos aspectos humanos e ambientais da ecologia e
biologia de campo na disciplina .

•0 grande problema residia no facto das pressões dos ambientalistas terem surgido
mais ou menos ao mesmo tempo que a Biologia estava a fazer um grande esforço para
se tornar uma disciplina de ciência exacta com todo o estatuto que isso envolvia [...]
o aspecto ambienta! surgiu exactamente no meio da luta fina! da Biologia para ser aceí-
te como uma ciência exacta, sendo assim empurrado para as margens da disciplinas?",

Em meados dos anos sessenta, a Biologia, como ciência laboratorial exac-


ta, era rapidamente institucionalizada nas universidades em expansão e nas
escolas (especialmente através do Projecto Nuffield). A Biologia molecular, ao
proporcionar um elevado prestígio e uma teoria superior, confirmou final-
mente o estabelecimento da Biologia como uma verdadeira e cientificamente
rigorosa disciplina académica.
Resumamos, então, os padrões que foram distinguidos na evolução da
I
Biologia. A disciplina desenvolveu-se primeiramente como uma área integrada

(11) Entrevista com um professor de Biologia, realizada em 26 de Outubro de 1976.


(12) Entrevista com um professor de Biologia, realizada em 15 de Março de 1977.
HISTÓRIA DE UMA DISCIPliNA ESCOlAR: AS CIÊNCIAS 77

de conhecimento que transpôs determinados segmentos da Botânica e


Zoologia tradicionais. Nas primeiras fases, com algumas excepções, apenas
estas duas especializações eram ensinadas nas universidades. A Biologia
desenvolveu-se, antes de mais, em dois domínios. Em primeiro lugar, nos anos
iniciais do ensino secundário, a Biologia baseava-se nos cursos existentes de
-história natural». Deste modo, com a crescente apreciação dos usos económi-
cos da Biologia na medicina, agricultura, pesca e silvicultura, começaram a
revelar-se novas carreiras em que uma formação biológica especializada era
essencial. Assim, o segundo domínio em que a Biologia se desenvolveu foi no
sexto ano de escolaridade. Este desenvolvimento ganhou impulso durante o
século XX, mas cada vez mais a partir da década de 1930. Na década de 1950
observava-se que: -Actualmente, a posição ocupada pelos estudos biológicos
avançados nas escolas, principalmente nas escolas de rapazes, é infelizmente
uma posição de formação vocacional e não de instrumento de educação». Esta
citação confirma o baixo estatuto dos elementos utilitários na hierarquia de
estatuto das disciplinas, tal como acontece com uma controvérsia de que a
Biologia, como as outras ciências, deveria ser ensinada -sem qualquer tentati- I
va de tendência vocacional, mas em linhas académicas ortodoxas». .\
A procura tradicional de estatuto -académico- através da consolidação uni- I
versitária da disciplina foi dificultada pela hegemonia da Botânica e da I
Zoologia. Nos anos cinquenta, os professores do 6º ano, especializados em
Botânica e Zoologia, reflectiam a sua formação, ê as atitudes contemporâneas I
inerentes, nas universidades que favoreciam o ensino destas duas disciplinas
em compartimentos perfeitos. Sem implantação no ensino superior, a Biologia
estava, assim, confinada aos primeiros anos do ensino secundário e à forma-
ção vocacional. Em 1967, Dyer notou a baixa popularidade da disciplina no 6º
ano e falou da «infelizseparação da Botânica e da Zoologia que persiste em
muitas escolas secundárias e universidades».
Os elementos utilitários e pedagógicos da Biologia, que tanto retardaram
o seu progresso face a um estatuto académico elevado, foram encontrados na
Biologia humana e em certos aspectos do trabalho de campo da disciplina.
Deste modo, o desenvolvimento da Biologia dê campo está por vezes em opo-
sição às pressões para um aumento de estatuto. O estatuto, através de uma
visão da Biologia como «ciência exacta-, foi progressivamente procurado nos
anos sessenta graças à tónica posta em investigações laboratoriais e nas técni-
cas matemáticas. Em 1962, o Projecto Nuffield confirmou a importância crucial
dos laboratórios como símbolos de estatuto e canalizou a maior parte do
dinheiro e recursos da Fundação Nuffield para o seu desenvolvimento. A
ascensão da Biologia molecular, com o trabalho de Crick e Watson, confirmou
finalmente a Biologia como ciência laboratorial exacta. Em consequência, a
78 IVOR F. GOODSON

disciplina expandiu-se rapidamente nas universidades e, com a formação de


uma nova geração de licenciados em Biologia, a incorporação da disciplina
como disciplina escolar de elevado estatuto foi finalmente assegurada.
O estabelecimento da Biologia como disciplina científica foi recentemen-
te comentado por Waring:

"A palavra "Biologia"tende a evocar a imagem de um corpo de conhecimentos clara-


mente definido, construído através de tipos de actividade reconhecíveis e validado na
base de critérios conformes e, de facto, este ponto de vista pareceria ser confirmado
pela existência do Biological Council, do Institute 0/ Biology e de uma série de depar-
tamentos, cursos e exames de Biologia em todos os tipos de instituições educacionais»
(Waring, 1978, p. 49).

No entanto, o artigo de Waring revela uma preocupação perante o facto


da ciência biológica estar confrontada com uma -integração ou uma fragmen-
tação". Há indícios consideráveis de um receio contínuo de fragmentação, o
que confirma o ponto de vista de que as disciplinas escolares e as disciplinas
académicas são geralmente coligações temporárias. Deste modo, em 1975,
encontramos no journal of Biological Education um aviso de que a Biologia
podia estar «dispersa pelos quatro ventos" (cf Waring, 1978, p. 49). Um ano
depois, o Biologicqi Education Committee of the Royal Society e o Institute of
Biology expressavam alguma apreensão pela popularidade crescente da
Biologia humana. Um grupo de, trabalho organizado para examinar o proble-
ma revelou uma proliferação de cursos biológicos gerais, todos consideravel-
mente sobrepostos, mas cada um com características próprias.
Todas estas comissões exprimiram um consenso entre os biólogos profis-
sionais de que a educação biológica deve reflectir «uma ciência experimental,
rigorosa" ao lado de «uma ambivalência considerável sobre o lugar, na
Biologia, do estudo do homem, e sobre as implicações para a educação do
enfraquecimento das fronteiras entre a Biologia e as ciências sociais" CWaring,
1978, p. 149). Com esta visão pretende-se afirmar que, para progredir, a disci-
plina tem de superar as suas origens pedagógicas e utilitárias, bem como as
dificuldades originadas pela sua preocupação com questões sociais e huma-
nas. O estatuto e os recursos foram conseguidos através da sua promoção
como ciência exacta, experimental e rigorosa. O reaparecimento de pressões
para uma Biologia mais social e humana ameaçam, assim, o inseguro estabe-
lecimento da disciplina como disciplina científica que, por si só, assegura o
estatuto e recursos tão valorizados pelos membros da comunidade disciplinar
biológica.
o CONTEXTO DASINVENÇÕESCULTURAIS:
APRENDIZAGEME CURRÍCULO

A escola sempre foi um -terreno contestado-, no qual várias forças e


influências sociais pugnam para dar prioridade aos seus objectivos. Muita coisa
foi feita relativamente às implicações e resultados políticos deste embate. No
entanto, l!ma área pouco estudada rende-se com a luta pelo currículo esc9-__ "
lar. A tese central deste trabalho é a de que na análise feita ao conflito curri-
cular podemos distinguir, de uma forma internalizada, muitos dos conflitos

existe num dado momento histórico, o currículo escolar pode ser visto como
veículo e portador de prioridades sociãis. - --- - --
r
sociais e políticos travados em torno da escola. Longe de ser um produto tec- DArA~r..(P
nicamente racional, que resume imparcialmente o conhecimento tal como ele T ~

;I' -

-O ensmo, na forma particular que assume nos sistemas estatais, é uma


_ invenção relativamente recente. O aparecimento de sistemas nacionais de edu-
cação tem sido tema de uma série de estudos recentes (Ramirez & Boli, 1987).
Neste trabalho, como poderemos verificar posteriormente, podemos destrinçar
várias características comuns à medida que os sistemas de educação de mas-
sas se desenvolveram nos Estados-nação da Europa Ocidental (Boli, 1989).
A construção social e política da escola de massas provém, sobretudo, de
construções anteriores existentes no ensino superior e religioso. Por exemplo,
a partir da análise de Mir às origens da construção das -turmas- como unida-
des organizacionais, verificamos que estas foram originalmente descritas nos ~ ~
estatutos do Colégio de Montaign em França: .É no programa de Montaign de
1509 que se encontra pela primeira vez em Paris uma divisão precisa e clara
-- -----
dos alunos em turmas ... Ou seja, divisões graduadas por etapas ou níveis de
---- -----
80 IVOR F. GOODSON

Ç9-'!!!J?lexidade
crescente de acordo com a idade e conhecimentos exigidos aos
alunos» (cf. Haml ton & Gibbons, 198i\p. 7).-Mir áfirmãqliefõ(Cielãêtü,'O
-Colégiõ de Montaign que inaugurou o sistema de turmas no ensino - masa ,
~ \\.' rel~o_ vital a .re~onstruir é.o._modocomo _aorganização em turmas veio a s.t1:..
'<Y \\
associada a um currículo prescrito e ordenado por etapas ou níveis.
. Os Jesuítas foram um dos primeiros grupos religiosos a estabelecerem a
tradição de um controlo curricular extremamente centralizado nas escolas. O
Ratio Studiorum era indiscutivelmente o curso de estudos mais sistemático
jamais planeado: «estecurrículo cuidadosamente graduado, organizado em tur-
mas, prenunciou os "padrões" ou graus que posteriormente se tornaram o
príncipio básico organizador de todos os sistemas ocidentais de ensino»
(Tomkins, 1986). Os Jesuítas levaram os seus sistemas para muitos países; o
currículo incluía o Francês como língua de base, o Latim, o Grego, a
Gramática, a Retórica e a Filosofia, bem como a História, a Geografia e a
Matemática.
Quanto às origens anglo-saxónícas, o Oxford English Dictionary situa a
./ fonte mais antiga da palavra currículo em 1633, em Glasgow. Hamilton pensa
~~~~~ que Glasgow era uma área central devido à influência das ideias religiosas de
Calvino 0509-1564):

r,
~~~

[~
«À medida que os discípulos de Calvino ganhavam ascendência política e teológica na
Suíça,Escócia e Holanda dos finais do século XVI,a ideia de disciplina - "a verdadeira
, essência do Calvinismo".: começou a denotar os princípios internos e o mecanismo

/
~
,~ 1
-,J-
,J externo do governo civil e da conduta pessoal. Segundo esta perspectiva existe uma
relação homóloga entre curriculo e disciplina:o curriculo estava ara a Qrática edl!f~
ci~~! ..~.~~!l~.~Lcomoa..di.s.d~ tE.stav~p~ pratic,! SOCialcalv~a» (Hamilton &
-J
c)Y
Gibbons, 1980, p. 14).

A situação existente em Paris e em Glasgow nos séculos XVIe XVIIpode


ser resumida numa declaração bastante completa da justaposição do currículo
e padrões de controlo e organização social:

«Anoção era a de que as classes se distinguiram com o desenvolvimento de programas

i de estudo sequenciais que, por sua vez, ressoavam com diversos sentimentos renas-
centistas e reformistas de mobilidade ascendente. Nos países calvinistas (como a
Escócia),estas concepções encontraram a sua expressão, teologicamente, na doutrina
/, l/da predestinação (a convicção de que só uma minoria preordenada poderia atingir a
~ \\ salvação espiritual) e, educacionalmente, no aparecimento de um sistema educacional

~í:
(
v0:"
,9Y < nacional, mas bipartido, no qual se oferecia aos "eleitos" (isto é, predominantemente
àqueles que tinham capacidade para pagar) a possibilidade de uma formação escolar
'longa, enquanto os restantes (predominantemente os pobres rurais) se ajustavam a um
" ~ I curriculo mais conservador (centrado sobre o conhecimento religioso e a virtude
..\~ \ socíal)»(Hamilton, 1980, p. 286).
~W~· \
o CONTEXTO DAS INVENÇÕES CULTURAIS 81

,I Nesta afirmação podemos distinguir algumas das características únicas do '_~


currículo à medida que se foi desenvolvendo. Ao lado do oder de designar ~ n/
11 O que se passava nas salas de aula apareceu um novo poder: o poder de dife- r)Jl~"
renciar. Voltaremos a este assunto mais tar e pois, como teremos oportunida-
~ e demonstrar, teve um significado considerável na construção da escola
de massas.
O envolvimento, patrocínio, financiamento e controlo do Estado sobre a
escola de massas desenvolveu-se primeiramente na Europa Ocidental, sendo
este modelo posteriormente difundido um pouco por todo o mundo. «~~orém,
a maior parte dos estudos sobre educação omitem quase inteiramente as Ori-j
gens históricas dos sistemas estatais de ensino L..J ignorando desse modo o sig-
'nficadó' sociológico da bem sucedida institucionalização desta inovação social:
(Ramirez & Boli, 1987, p. 2): O envolvimento do Estado na educação cruza-se
primordialmente com a história económica da Europa Ocidental. Embora
alguns dos primeiros modelos de sistemas estatais sejam anteriores à revolu-
ção industrial, parece provável que a substituição do sistema doméstico pelo
sistema fabril tenha constituído um momento decisivo. O sistema fabril, ao
quebrar os padrões familiares existentes, abriu a socializâÇãõ ~vens à
penetração dos sistemas estatais e ensino. No enfãill'C),Ramirez e Boli real-
çam a universalidade simples da educação de massas patrocinada pelo Estado
e, deste modo, afirmam que o interesse do Estado pela educação:

«Não era somente uma resposta às necessidades de uma economia industrializada, aos
conflitos de classes ou estatutos, ou a conjunturas históricas únicas em países especí-
1
ficos, tais como a natureza da burocracia central na Prússia, as revoluções e reacções
na França, o poder do campesinato na Suécia, ou a extensão do direito de voto às clas-
ses trabalhadoras na Inglaterra» (Ramirez & Boli, 1987, p. 2).

A característica comum que unia a grande gama de iniciativas estatais para


fundar e administrar a escola de massas era, segundo eles, um ~sforço para cons-
truir ~ l~tado nacional; o poder do Estado-nação, pensava-se, seria unificado
-atrãvés da participação dos cidadãos do Estado nos projectos nacionais. Um
aspecto essencial nesta socialização para a identidade nacional era o projecto da
escola estatal de massas. A sequência seguida pelos Estados que promoviam este
projecto nacional de escola de massas era surpreendentemente semelhante.
Inicialmente, houve a defini ão de um interesse nacional, ao qual sucedeu uma I

legislação que decretava a escolaridade obrigatória. Com vista a organizar o sis-


tema e esco a e massas, foram cria os epartamentos estatais ou min~
Fedu.cação. A autoridade estatal era, então, exercida sobre todas as esco as -
tanto sobre as escolas -autónomas- já existentes, como sobre as escolas recente-
mente criadas, especificamente organizadas ou abertas pelo Estado.
82 IVOR F. GOODSON

Como tivemos oportunidade de ver, distinguia-se no período da Reforma


protestante um vínculo entre as escolas e uma concepção essencialmente
-meritocrática- da ordem social. Ao lado da industrialização da Europa e do
aburguesamento progressivo da sociedade, este padrão foi refinado e promo-
vido:

-Com o aburguesamento de uma grande parte da sociedade europeia durante o sécu-


lo XIX,o significado do ensino como um meio geral de sucesso ocupacional e mobili-
dade social tomou-se largamente institucionalizado. Deste modo, havia uma ideologia
económica e social que apoiava o ensino universal e que complementava a ideologia
política da educação estatal com vista ao progresso nacional. Através desta teoria de
progresso de 'capital humano", que facilitava as relações entre o Estado e a escola, sur-
gida entre a burguesia, as classes burguesas lutavam contra a expansão da educação no
século XIX.No entanto, o sucesso económico da burguesia ajudou de tal forma os
poderes organizacionais do Estado que foi impossível conter a tendência para uma edu-
cação pública universal. (Ramirez & Boli, 1987, pp. 13-14).

A conquista da educação pública universal, especificamente quando orga-


nizada em -escolas públicas primárias-, não marcou, no entanto, a fase final da
institucionalização de uma educação democrática justa e equitativa. Como veri-
ficámos, o currículo escolar pode ser utilizado não só para integrnr, mas ta . -
. ~ar . e enciar .Este poder foi substancialmente explorado na era da
. educação pública universal e do ensino público primário.
Num dos primeiros países a.serem industrializados, a Grã-Bretanha, a pro-
cura de uma educação pública universal desenvolveu-se consideravelmente
em meados do século XIX,tendo constituído um elemento importante nas agi-
tações populistas dos Cartistas na década de 1840. Bernstein, ao rever o conhe-
cimento escolar formal, afirmou que a~Qgia, o currículo e a avaliação
!'
I! incluem os três sistemas de mensagem através dos quais o ensino estatal or-

mal é compreendido no período contemporâneo (Bernstein, 1971). Vimos que


a relação geral entre peda~gias de -classe- e um currículo baseado na sequên-
I
~_~inha começado a surgir anteriormente-:-Na éca a de 1850,
!i a terceira vertente da trilogia de «sistemas de mensagem. de Bernstein come-
J çou a desenvolver-se com a abertura das primeiras juntas universitárias que
j

-,./ I
Preparavam os exames para as escolas. Um relatório da Universidade de

\. .
1\ ,/ Cambridge declara que «a criação destes exames foi a resposta à solicitação
~~~
%~ social para que as universidades apoiassem o desenvolvimento de escolas para
..-' ;/ .
.
a classe média•.
f' / I Em meados do século XIX,a característica do currículo mencionada ante-
~I\ C r riormente, O poder de diferenciar, era institucionalizada. A criação de exames
Y
'" -f ")~ tY ~ . no ensino secundário e a institucionalização da diferenciação curricular
J -" t'} deram-se quase na mesma altura. Por exemplo, o Relatório de Taunton classi-
\ ~ ,
--"I.""J
\V " ..•.• ..,.
o CONTEXTO DAS INVENÇÕES CULTURAIS 83

ficou O ensino secundário em três graus, dependendo do tempo passado na


escola:

«Adiferença no tempo atribuído tem alguma importância na própria natureza da edu-


cação; se um jovem não pode permanecer na escola além dos 14 anos, é inútil come-
çar a ensinar-lhe disciplinas que necessitariam de mais tempo para serem
convenientemente ensinadas; se ele puder continuar até aos 18 ou 19 anos, seria van-
tajoso adiar alguns estudos que, caso contrário, teriam começado mais cedo. (The
Taunton Report, 1868, p. 587).

o Relatório de Taunton menciona que "estas instruções correspondem ,


aproximadamente, mas não exactamente, à destrinça entre classes sociais-oEm
1868, o ensino até aos 18-19 anos destinava-se aos filhos de homens com ren-
dimentos consideráveis, de profissionais liberais e de homens de negócios
cujos lucros os colocavam no mesmo nível. Estes recebiam um currículo essen-
cialmente clássico. O segundo grau, até aos 16 anos, destinava-se aos filhos
das "classes mercantis-o O seu currículo era menos clássico quanto à orienta-
ção e tinha uma certa orientação prática. O terceiro grau, até aos 14 anos, des-
tinava-se aos filhos dos "pequenos rendeiros, dos pequenos comerciantes e
dos artesãos de certo nível-. O seu currículo baseava-se nos três Rs (ler, escre-
ver e contar), mas ministrado num nível muito bom. Estas classificações abran-
gem o ensino secundário. Entretanto, a maioria das crianças das classes . I

trabalhadoras permanecia em escolas primárias, nas quais lhes eram ensinadas c


técnicas rudimentares de leitura, escrita e aritmética. Nesta altura, o currículo
funcionava como um im\l0rtan.te idet\.titic.adQí.e1 ill.ec.~t\.\.~ill.Q
\ çi~çi\.\e\.et\.\..\.~\-i.\)
social. Este poder de designar e diferenciar estabeleceu uma posição decisiva
para o currículo na epistemologia do ensino.
A relação com noções religiosas anteriores de educação e, de facto, de
diferenciação, pode ser distinguida noutras partes do mundo. A necessidade
de -disciplinar- o sujeito inteligente impôs-se com o dogma calvinista. Surgiu a
necessidade de um intelecto disciplinado pelo senso e vontade morais de
desempenhar tarefas cristãs, não em termos de conhecimentos para uma edu-
cação intrínseca, mas antes de conhecimentos para o cumprimento de missões
morais e religiosas. Deste modo, a partir das origens calvinistas na Escócia,
foram levadas noções de disciplina como currículo para outras partes do
mundo. Tomkins afirma que o bom senso escocês "dominou o pensamento filo-
sófico no mundo de língua inglesa durante a maior parte do século XIX e
influenciou fortemente os currículos universitários americanos-, e declara que
-a sua influência foi ainda mais forte e mais duradoura no Canadá- (1986, p. 35).
O facto da ligação entre estas noções de disciplina e a diferenciação ter
sido constante desde as origens calvinistas, pode ser confirmado claramente no
84 IVOR F. GOODSON

trabalho de Egerton Ryerson, o mais influente organizador do sistema público


de educação no Canadá. Ryerson adoptou a noção de inteligência disciplina-
da, a qual, para ele, estava crucialmente ligada a dois tipos distintos de currí-
culo. O primeiro era um -requisito para os deveres básicos da vida», de nível
essencialmente preparatório, e incluía o estudo da língua inglesa e da literatu-
ra, da matemática, das ciências da natureza e «dos contornos da filosofia men-
tal e moral, rudimentos de cristianismo, geografia e história».O currículo social
foi pensado para os alunos que desejam «profissões liberais» após a universi-
dade: na maioria dos casos, clero, direito, política e negócios. Os componen-
tes principais eram os clássicos, a matemática e as ciências físicas, a ciência
moral, a retórica e as belles lettres e a teologia (cf. MCKillop,1979).
Q (} Nos Estados Unidos da América, a teoria da disciplina mental teve uma
;r' · influência considerável em meados do século XIX.Mas Kliebard pensa que, na
década de 1890, esta teoria «começou a revelar-se como uma consequência de
~
?'1-
fJ
J
ti
uma consciência crescente da transformação social- (Kliebard, 1986, p. 8). Ao
mesmo tempo, intensificou-se a luta pelo currículo americano, principalmente
lV'/ em relação aos primeiros sonhos republicanos da escola pública primária
/ (Franklin, 1986).
Em 1892, o National Education Associated nomeou a célebre «Comissão
dos Dez»para examinar a questão dos requisitos de acesso à universidade. O
presidente da Comissão era Charles W. Eliot, presidente de Harvard, um defen-
sor da disciplina mental, mas também um humanista com uma preocupação
pela reforma educacional. O Relatório da Comissão estabeleceu importantes
princípios de base para o currículo escolar e foi posteriormente visto como um
~ exemplo do 'grande domínio exercido pela universidade sobre o ensino
---secmmâno». De facto, esse domínio serviu, antes que osse tárêl~ais, para
faci ítar a iferenciação curricular:

.As disciplinas académicas que a Comissão julgava apropriadas para a educação geral
de todos os alunos, eram consideradas por muitos reformadores como sendo somente
apropriadas para o segmento da população do ensino secundário que seguiria os estu-
l
I
dos universitários. De facto, disciplinas como o Francês e a Álgebra acabaram por ser
I designadas como disciplinas de acesso à universidade, um termo praticamente desco-
nhecido no século XIX.Atémesmo as disciplinas como o Inglês se tornaram diferenci-
f
adas através de trabalhos literários-padrão prescritos para aqueles que iriam para a
universidade, enquanto que os trabalhos populares e o Inglês prático eram destinados
à maioria dos alunos. (Kliebard, 1986, pp. 15-16).

Os sonhos da escola pública primária estavam, então, sob grande tensão,


porque o núcleo comum republicano veio a ser considerado essencialmente
como um meio preparatório para uma educação universitária subsequente. As
~---------------------------------------=~~~
o CONTEXTO DAS INVENÇÕES CULTURAIS 85

universidades em expansão eram, assim, vistas como fontes de propriedade


cultural e de mobilidade ocupacional individual.
De facto, na maioria dos sistemas estatais de ensino no Ocidente, no final
do século XIX,as universidades tinham sido colocadas no vértice da aceitação.
Em países como a Grã-Bretanha isto foi formalizado como ensino de -Tipo 1»
para a preparação universitária e profissional, com outros tipos de escolas para
outros tipos de pessoas; no Canadá, Egerton Ryerson fomentou a confiança
num currículo para a preparação universitária e num currículo para a «vidadiá-
ria»e, nos Estados Unidos da América, o sonho da escola pública primária para '
j~f ,r;;
todos foi posto em causa por grupos que começaram a promover currículos
diferentes para destinos diferenlf§.,. ~
- as se a diferenciação era uma característica crescente dos currícUlOS)
escolares internos, torna-se, então, importante avaliar os pontos comuns da
escola de massas no final do século XIX. Verificámos que uma sequência do
currículo por «séries»ou «classes»tinha surgido na Idade Média e era, certa-
mente, uma característica da maior parte do ensino estatal no século XIX. Um
sistema de «séries»ou «classes»não é, porém, um sistema de sala de aula. É\
necessário apreender esta distinção. Por exemplo, as escolas públicas inglesas
no século XIX eram frequentemente organizadas em «séries»e tinham um
padrão formal de currículo, mas não existiam salas de aula como tal, nem dis-
ciplinas como tal, em suma não existia um sistema de sala de aula como tal.
Assim, as escolas públicas «não seguiam nenhum padrão comum de educação,
embora concordassem com a adopção do Latim e do Grego como compo-
nentes principais do currículo». Todas as escolas públicas «desenvolviam a sua
própria, e única, forma de organização com vocabulários idiossincráticos espe-
cíficos».Por vezes, o currículo dependia da aprendizagem de textos comuns,
mas esses textos podiam não ser «ensinados» de forma colectiva - mais con-
I!)
cretamente, os alunos estudariam os textos ao seu próprio ritmo. Além disso,
«nas escolas em que os alunos eram divididos em "séries" (um termo que se
refere originalmente aos bancos em que se sentavam), isto era feito de uma
forma improvisada para conveniência do ensino e não com a iaeia de estabe-
lêéer ~umãnfe.@!:.q,!!ã ê1e capãêiêlãcies ou uma seguénCla e aQ!'en izaPfm» I
(Rêid, 1985, p. 296). "'-../ t
No entanto, no sistema estatal de ensino posto em prática na Grã-Bretanha '~~VI

no final do século XIX, institucionalizou-se rapidamente um «sistema de sala YL ÓJ/ ~


de aula». De certo modo, podemos ver o sistema de a.d aula como uma ç.oJ.-Q
invenção estandardizada que poe em causa, essencialmente, as formas de ensi-
Im-mairidiüs·silrcráticas--e-inuividmrl1Zãâas. sistema e sala de aula ~ des ~
modo, um sistema para-que ã esCõla e mãsSãS' 2~ SêfãdITilitistraga J2.Qr .
burocracias locais e nacionais. ami ton considera que no início do século XX:
--------------------- -
86 IVOR F. GOODSON

"Aretórica da produção em série do "sistema de sala de aula" (por exemplo as lições,


as disciplinas, os horários, a padronização, a divisão em turmas) se difundiu de tal
maneira que atingiu com êxito um estatuto normativo - criando os padrões pelos quais
todas as inovações educacionais subsequentes vieram a ser julgadas» (Hamilton, 1980,
p. 282).

Na Grã-Bretanha, no. início do século XX, a economia política dominante


no ensino estatal contemplava a trilogia da pedagogia, do currículo e daava-
liação. O sistema de sala de aula inaugurou uma infinidade de horários e lições
compartimentalizad s; a manifestação curricular desta mudança sistémica foi a
disciplina escolar. Se a '--'.-
turma e o currículo entraram no discurso educacional --
quan o a educaç - foi tr;nsformada numa activida e e massas na Gra-
-BretãnIi.ã,-ô-sist'êinaêle sa a e au a e a íSêiplma esco ar surgirãm na fãSêêffi
queesSããêtividaéiedêrnassassetransfõiTIiõu'"""ii'ii'ffi'istema su SI ia o pelo
. Stãcio.E:-apesãr 'dos~uitos meios afiérnaÜvos pará cõnceptualizâr organi~ t
zar ocurrículo, a convenção da disciplina retém a sua supremacia .
• i Actualmente, tratamos essencialmente o currículo como disciplinas.
Embora este sistema fosse inaugurado na década de 1850, só foi estabele-
i cido nos termos presentes no início do século XX. A partir deste período, o

I
conflito curricular começou a ter certas semelhanças com a situação existente,
ao focar a definição e avaliação do conhecimento examinável. Deste modo,
I. certas disciplinas assumiram um papel preponderante, nomeadamente do
~ ponto de vista da carga horária e da organização dos horários escolares, sobre-
~!tudo as que faziam parte do exame final que dava acesso ao ensino superior.
L O Relatório de Norwood mencionava que:

"Uma certa uniformidade no currículo das escolas resultava da dupla necessidade de


encontrar um lugar para as muitas disciplinas que competiam pelo tempo no currícu-
lo e da necessidade de ensinar estas disciplinas de tal modo e a um nivel tal que asse-
gurasse o êxito no exame finab (The NOIWoodReport, 1943).

O carácter normativo do sistema é claro e em consequência "destas neces-


sidades" o currículo tinha-se "estabelecido num equilíbrio agitado, pelo que as
exigências dos especialistas e das disciplinas foram largamente ajustadas e
compensadas" (The Norwood Report, 1943). Assim, chegamos à conclusão qu~
a "ló ica do exame ,ªc@ou por ter uma grande influência no currículo. O cur-
rículo disciplinar académicofoi,de facto, reforçado no período que se seguiu
à Lei Educativa de 1944. Em 1951, a introdução do General Certifica te of
Education permitiu que as disciplinas fossem tratadas separadamente em dois
níveis: no primeiro nível (básico) exigia-se a aprovação em certos blocos de
disciplinas ("principais,,);no segundo nível (avançado) aumentou a especiali-
zação disciplinar, tendo-se acentuado a relação entre os exames -académícos-
t!)~'[))tJ[)p)j})Jt?· J)J»)YtJMJJJjíJs, As discinlínas acadêmicas que dominavam os
exames estavam, então, intimamente relacionadas com as definições universi-
tárias; mas, ainda mais crucialmente, estavam ligadas a padrões de distribuição
de recursos. As "disciplinas. académicas que exigiam relações estreitas com as
"disciplinas»universitárias destinavam-se aos alunos "aptos».Desde o início que I,
se pensou que estes alunos necessitavam de "mais pessoal, mais pessoal bem
pago e de mais dinheiro para equipamento e livros- (Byrne, 1974, p. 29). A
linha crucial e uniforme entre as disciplinas -académícas- e os recursos e esta-
tutos preferenciais estava assim delineada.
Mas, se este sistema era predominante em relação ao pessoal e aos recur-
sos para as disciplinas académicas nas "viasclássicas- de ensino, as implicaçõ-
es para as outras escolas (e tipos de currículo) não deveriam ser esquecidas.
Citando Taunton, o Relatório de Norwood tinha descoberto que o ensino cri-
ara grupos distintos de alunos, dos quais alguns necessitavam de ser tratados
"de uma forma apropriada». Desta vez, a base de diferenciação social e de clas-
se era a mesma, mas o fundamento lógico e o me-carlismopara a diferencia-
Çaà eram significativamente diferente nteriormente, o ar umento
centrava-se no tempo passado na escola; agora, a tónica era -posta nas dife-
i#
remes "mentaÜdãdes~cada uma reconhecendo um currículo difere~te. Em pri-"
melro lugar, "o-aluno que está interessado em
ãprender para o seu próprio
, !
bem, que consegue compreender um argumento ou seguir uma sequência de
raciocínio coerente». Tais alunos "educados pelo currículo comummente asso-
ciado às "vias clássicas»de ensino, enveredaram pela teologia, direito e medi-
cina ou exercem altas funções administrativas ou comerciais» (The Norwood
Report, 1943, p. 2). O segundo grupo, cujos interesses se situam no domínio
da ciência aplicada ou das artes aplicadas estavam destinados às escolas téc-
nicas (que nunca se desenvolviam muito). Em terceiro lugar, estavam os alu-
nos que lidam "mais facilmente com coisas concretas do que com ídeías-. O
currículo "faria um apelo directo aos interesses que iria estimular com uma
abordagem prática das questões». Haveria, neste caso, um currículo prático
para os futuros trabalhadores manuais. - .
- Assistimos" assim, ao aparecimento de um padrão definitivo de Javoreci-
mento dos alunos através do currículo; designei isto, num outro texto, como
"a tripla aliança entre disciplinas académicas, exames académicos e alunos
aptos» (Goodson, 1983). Trabalhar com padrões de distribuição de recursos
significa que um processo de -tendêncía acadêmica- difuso atormenta os sub- I
grupos que promovem as disciplinas escolares. Deste modo, disciplinas tão /

=
diversas como trabalhos em madeira e em metal, educação física, arte, estudos
técnicos, contabilidade, costura e ciências domésticas conseguiram
de estatuto ao exigirem exames e qualificações académicas mais valorizadas. I
-
88 IVOR F. GOODSON

Do mesmo modo, as escolas técnicas acabaram também por serem definitiva-


mente arrastadas pelo processo de tendência académica, introduzindo estilos
de avaliação e de valorização das disciplinas académicas.
O conflito e os acordos em torno do currículo e das disciplinas escolares
representam simultaneamente uma fragmentação e uma internalização das
lutas em torno da educação. Fragmentação, porque actualmente os conflitos
dão-se através de uma série de disciplinas compartimentalizadas; internaliza-
ção, porque estes conflitos ocorrem dentro de limites escolares e disciplinares.
Na Grã-Bretanha, a primeira metade do seculo XX assistiu à organização
de um sistema estatal de educação de massas, em que foram construídos três
tipos diferentes de escolas com base num currículo diferenciado. As continui-
dades, desde o Relatório de Taunton em 1868, são facilmente discerníveis. Nos
Estados Unidos da América, contando com origens diferentes e uma estrutura
social distinta, pode-se distinguir uma intersecção diferente da divisão do cur-
rículo e da divisão do trabalho que surge do plano original da escola pública
primária.
A «Comissão dos Dez», no seu relatório de 1893, tinha excluído especifi-
camente qualquer preparação para ocupações futuras ou «vitalícias»como fun-
Q'dmen\.o\ógico 6e organ12ação 60 curncào. À sua preocupação era
exclusivamente com a formação académica. O objectivo da Comissão era defi-
nir um currículo escolar em paralelo com uma política de admissão às univer-
sidades. Já dissemos que esta estreita relação do currículo escolar com os
universitários deixou os que se opõem à hegemonia das disciplinas académi-
~ ti" cas ~que também se opunnam irequememente à escola pública primária) com
uma vasta gama de argumentos. Apresentar a escola ública primáriª-como ..
estando estreit~nte ligada às universi ades, si nificava deixá-Ia im licita-
mente sem objectivos vocacionais além do obiectivo da re ara ão rofissio-
iiãlLla ele. sta contradiçi.o central pe itiu~ coligação de forças com
Vista a aífigir o atãcíue contra o currículo académ~9.-hegemónic e, conse-:..
quentemente, contra o currículo público e ã escola pública. Assim, em 1917, o
êiísinõ vocacional a que a maioria se destinava, acabou por ser considerado
«uma necessidade tão urgente que se impunha recorrer ao auxílio federal- .

•0 significado do sucesso do ensino vocacional não residia apenas no facto de se ter


adicionado uma nova disciplina, ou de se ter criado uma nova e importante opção cur-
ricular, mas sim no facto de militas das disciplinas já existentes, particularmente no
nível secundário, estarem impregnadas de critérios oriundos do ensino vocacional. Isto
tornou-se evidente com a popularidade crescente de cursos como a Matemática
comercial e o Inglês comercial como substitutos legítimos das formas tradicionais des-
tas disciplinas. De uma forma evidente, o currículo global para todos, excepto para os
universitários, estava a tornar-se profíssíonalízanto (Kliebard, 1986, p. 129).
o CONIEXTO DAS INVENÇÕES CULTURAIS 89

john Dewey, nesta altura, apercebeu-se imediatamente do potencial dis-


criminatório do ensino vocacional, e opôs-se às teses pró-vocacionais de um
dos maiores defensores do ensino profissionalizante, David Snedden. Dewey
resumiu o ponto de vista de Snedden como «aidentificação da educação com
a aquisição de uma técnica especializada no manejo das máquinas à custa de
uma inteligência industrial científica e de um conhecimento dos problemas e
condições sociais" 0915, p. 42). Dewey foi bastante claro sobre os efeitos de
um tal vocacionalismo e numa frase, que se repercute às origens calvinistas das
disciplinas e diferenciações curriculares, declarou que o ensino vocacional
estava prestes a tornar-se «um instrumento ao aperfeiçoar o dogma feudal da
predestinação social. 0916, p. 148). É certo que estamos muito longe da esco-
la pública da república - e estamos a seguir rapidamente numa outra direcção
de produção e reprodução sociais e culturais.
Deste modo, apenas três décadas após as recomendações da «Comissão
dos Dez-: ,A formação directa para a função ocupacional futura de um indiví-
duo tinha surgido como um elemento importante, se não o elemento predo-
minante no currículo do ensino secundário para o segmento da população
escolar cujo "destino provável" não incluía a presença nas universidades-
(Kliebard, 1986, pp. 149-150).
Neste sentido, o ensino vocacional foi «ainovação mais bem sucedida no
século XX· nos Estados Unidos da América, porque -nenhuma outra se lhe
compara no apoio que recebeu e na dimensão em que foi implementada no
currículo das escolas americanas- «Porum lado, o sucesso do ensino vocacio-
nal pode ser atribuído ao facto de que agiu como uma espécie de espelho
mágico, no qual os poderosos grupos de interesses da época podiam ver os
l
seus próprios meios de reforma reflectidos, o que foi progressivamente visto
como um currículo em desarmonia com os tempos- (Kliebard, 1986, p. 150).
É claro que esta opinião é, de certo modo, circular. Sem dúvida que os
grupos de interesses poderosos ajudaram particularmente a criar «um clima de
opinião pública-, ao qual poderiam então responder com a sua solução favo-
recida. Além disso, a solução pertencia somente a certos grupos de interesses
poderosos - as uni~tdã' es eram claramente ambivalentes em relação à
mudança. Se;ia necessária uma investigação mais aprofundada dos pontos de
vista dos sindicatos trabalhistas, dos imigrantes e dos grupos radicais. Tratava-
se de grupos com algum poder na época, que tinham as suas próprias asso-
ciações e os seus próprios meios. Simplesmente, alguns grupos influentes eram
mais poderosos do que outros e, nesta altura, seguiam os seus objectivos com
considerável vigor e sucesso.
Curiosamente, a solução americana era diferente da solução britânica e de
outros países. O ensino vocacional era raramente seguido em escolas separa-
90 IVOR F. GOODSON

das - a retórica da escola pública era provavelmente tão importante para as


ideias democráticas como o era para as intenções históricas dos fundadores da
república americana. Por esta razão, ~cordo político resultante foi o de uma_
estrutura escolar pública com o aspecto da diferenciação internalizado: ·A
esco a secun na 'ünificada-estabeleceu-se como a típica, se não a perfeita, ins-
tituição educacional americana, com uma trajectória curricular, tanto formal
como informal, considerando a função diferenciadora que os adeptos da "efi-
ciência social" consideravam tão crítica- (Kliebard, 1986, p. 151).
Esta trajectória curricular era considerada crítica, não só pelos adeptos da
"eficiência social", mas também por grupos de interesses poderosos que
Kliebard menciona, mas que se esquece de identificar. Sem dúvida que mais
estudos nesta área específica contribuiriam largamente para elucidar as poten-
cialidades das reformas curriculares de «eficiência social». Certamente que o
ponto de vista de Ross Finney sobre a ordem social relacionada com os objec-
tivos da eficiência social era claro. Segundo ele, o padrão de diferenciação cur-
ricular estava intimamente relacionado com um padrão de diferenciação social
baseado na liderança e no partidarismo, o que «nos leva novamente à noção
de uma hierarquia graduada de inteligência e capacidade de discernimento •.

•No topo de um tal sistema devem estar os peritos, que fazem avançar a pesquisa em
secções altamente especia1izadas. Por detrás deles estão os homens e as mulheres,
como os que as universidades deveriam formar, que estão familiarizados com as des-
cobertas dos peritos e são tapazes de relacionar peça com peça. Uma mudança pro-
gressiva e um reajustamento constante serão proporcionados por estes líderes do
pensamento relativamente independentes. Atrás destes estão os graduados do ensino
secundário, que estão relativamente familiarizados com o vocabulário dos seus supe-
riores, têm uma sensação de familiaridade com os vários domínios e respeito pelo
conhecimento especia1izado. Finalmente, temos as massas mais lentas, que mastigam as
frases feitas dos seus superiores, pensam que as compreendem e seguem por imitação>
(d. Apple, 1990, p. m.
Essencialmente, a história da educação americana, nesta fase, parece ser
l ! uma história de objectivos comuns corrompidos por uma diferenciação inter-
I' nalizada e por uma fragmentação disciplinar. Esta internalização do conflito
iI não é em lado algum mais evidente do que na história interna das disciplinas
" escolares. Pois, tal como aconteceu com a designa ão escola ública Jambém
a designação disciplma escolar sobreviveu - a retórica, J2elomeDOS,permane-
~~a mesma. Para a fiistónãêõnípleta temos de abrir o livro e olhar lá para
\I dentro. A história do currículo ao ensino secunClárioamencano é, assim, para:
oxal - estabilidade de categorias combinada com propriedades internas ins-
táveis. Kliebard apreende bem esta complexidade, ao rever a luta pelo
currículo americano em 1893-1958:
o CONTEXTO DAS INVENÇÕES CULTVRAIS 91
n
<Aúnica fortaleza que se mostrou virtualmente inexpugnável foi a disciplina escolar.A
disciplina como unidade básica no currículo resistiu com êxito aos esforços mais ambi-
ciosos para a substituir por áreas funcionais de vivência ou projectos surgidos do inte-
resse dos alunos ...
Mas as classificações disciplinares por si só podem ser enganadoras. Algumas das refor-
mas propostas pelos diversos grupos de interesse foram executadas no contexto glo-
bal da organização disciplinar do currículo. Naturalmente, nem todas as mudanças
podem ser vistas como sinais de progresso, mas conseguiram-se sucessos modestos na
reestruturação, integração e modernização das disciplinas que formam o currículo. As
disciplinas sobreviveram, mas numa forma alterada> CKliebard, 1986, p. 269).

Na Grã-Bretanha, os últimos vinte e cinco anos de reforma educativa pro-


porcionaram um testemunho diferente do destino dos movimentos da escola
pública. Pois a escola pública, a escola unificada, chegou tarde à Grã-Bretanha
após séculos de lutas e projectos. Em 1965, o governo trabalhista iniciou a
reorganização sistemática do sistema tripartido num sistema unificado de esco-
las unificadas para todos (desde os 10/11 anos aos 16/18 anos). A minha pró-
pria experiência como professor situa-se neste momento histórico - um
momento em que a escola pública se estabeleceu, mas foi obrigada a lutar para
obter um currículo público que, por si só, poderia atingir os seus objectivos
comuns. Desde o início das escolas unificadas que foi possível discernir a
influência do que Kliebard chamou -os grupos de interesses poderosos». Por
exemplo, a moção da Câmara dos Comuns que levou à reorganização unifica-
da era formulada da seguinte forma: '
«EstaCâmara, consciente da necessidade de elevar os padrões educacionais a todos os
níveis, e lamentando que a realização deste objectivo esteja a ser impedida pela sepa-
ração das crianças em diferentes tipos de escolas, aprova os esforços das autoridades
locais para reorganizar o ensino secundário em linbas amplas, o que preservará tudo o
que é precioso no ensino secundário para as crianças que o estão a receber e o tomam
disponível para mais crianças» (D.E.S.,1965).

Como pudemos observar, as -vias clássicas»do ensino constituíam essen-


cialmente um passaporte para as universidades e para a vida profissional. Por
esta razão, a moção da Câmara dos Comuns presta homenagem a uma tradi-
ção específica do ensino secundário britânico. A tradição para a formação da
minoria privilegiada é extraída primeiramente da classe média. Ao reforçar a
moção para a criação da escola pública nestes termos, deduziu-se que o favo-
ritismo destes grupos poderia ser apoiado na era da escola pública, talvez
agora alargada a mais crianças. É certo, porém, que o currículo de uma -vía
clássica" de ensino que prepara os alunos para as universidades e para a vida
profissional nunca poderia proporcionar um currículo público básico para
uma escola pública, a menos que todos os alunos tencionassem passar da uni-
92 IVOR F. GOODSON

versidade para a vida profissional. A ironia da moção tinha então que ser apre-
endida essencialmente como uma declaração de deferência aos poderosos gru-
pos de interesses da sociedade britânica.
Como pudemos ver, a escola pública britânica foi desde o início fundada
em princípios que favoreciam o currículo das «viasclássicas»de ensino da elite
minoritária. Isto abriu o caminho para uma diferenciação interna e uma frag-
mentação disClpinar nos asti ores aa esco a pu 1ca. m 1969, apenas qua-
tro anos apos a moçao a Câmara os Comuns, um sociólogo britânico alertou
para o facto de se estar a formar dentro da escola pública um «currículo para
a desigualdade. Shipman falou ironicamente das convergências intencionais
do desenvolvimento curricular que resultaram da introdução de novos cursos,
numa escola que ainda está claramente dividida em duas secções, uma ligada
a um sistema de exames externos, a outra menos limitada: «aprimeira está inti-
mamente ligada às universidades e está situada no âmbito das tradições aca-
démicas estabelecidas; a segunda tem uma curta história e ainda está na sua
fase formativa- 0971, pp. 101-102).
Shipman tinha a certeza que o problema não residia no carácter intrínse-
co dos dois tipos de currículo, mas sim na divisão em duas secções separadas
que "podem estar a produzir um novo meio de apoio a antigas divisões-. Duas
tradições diferentes produzem assim "duas nações» de alunos:

«Uma, firmemente assente em tradições académicas veneradas, foi adaptada ao ensino


a partir de um corpo de conhecimentos reais e definiu claramente os limites discipli-
nares, por vezes irrelevantes.A outra, experimental, procura inspiração na América mais
do que no nosso próprio passado, foca problemas contemporâneos, agrupa as discipli-
nas e rejeita os métodos formais de ensino. Uma alicerça o ensino numa estrutura de
exames externos, a outra tenta adaptar o trabalho escolar aos meios das crianças»
(Shípman, 1971, p. 104).

Mas, ao justapor à tradição académica, «a tradição pedagógica», Shipman


omitiu um terceiro elemento constante no ensino secundário britânico. Pois
não se tratava somente de «adaptar o trabalho escolar aos meios das crianças-,
na medida em que houve sempre uma tradição utilitária preocupada em pre-
parar a criança para o trabalho. Este esforço utilitário foi, como pudemos
observar, a tendência que, sob o pretexto do ensino vocacional, ajudou a aca-
bar com a noção de objectivo unificado na escola pública americana. Assim,
na Grã-Bretanha, tornou-se o centro das atenções daqueles que se preocupa-
vam com os resultados da escola unificada. Foi, de facto, um Primeiro-Ministro
Trabalhista, James Callaghan, quem, em 1976, arquitectou um «grande debate-
sobre educação. As prioridades tornaram-se claras num discurso que proferiu
em Oxford, em Outubro de 1976. Não foram propostas novas políticas, mas o
o CONTEXTO DAS INVENÇÕES CULTURAIS 93

governo tinha acabado de estabelecer que os padrões educacionais, e a rela-


ção da educação com a economia, tinham de ser considerados uma priorida-
de, tal como a reforma unificada uma solução. Deste modo, uma década após
o seu início, a reforma global da educação foi colocada ao lado da necessida-
de de a educação servir a economia.
Na década seguinte, qualquer questão de preocupação semelhante pela
reforma unificada e pela educação para a economia desapareceu rapidamen-
te. Com a eleição de Margaret Thatcher em 1979, a ideia de unificação sofreu
muitas pressões por parte de uma variedade de fontes - mas, mais uma vez, a
necessidade de mais ensino vocacional era o fundamento lógico principal para
confirmar a diferenciação interna. O governo avançou propostas no sentido de
reestruturar o currículo interno das escolas secundárias. Além disso, foi funda-
do um esquema para patrocinar escolas que eram, tradicionalmente, frequen-
tadas por crianças oriundas das classes média e alta. Nestas escolas
predominava o currículo académico tradicional, ao passo que nas escolas esta-
tais se adoptou rapidamente o ensino vocacional. A experiência britânica pare-
ce ser, em determinados sentidos, uma repetição rapidamente condensada da
história da escola pública americana. Poderosos grupos de interesses procura-
ram eliminar a possibilidade da escola pública e restabelecer e acentuar a dife-
renciação através da promoção de iniciativas vocacionais. Na Grã-Bretanha, a
história do ensino secundário pode estar a voltar agora à estaca zero com ini-
ciativas para reintroduzir as «vias clássicas» de ensino e as escolas técnicas
(agora com uma nova designação), ao lado das escolas -unífícadas-.
Significativamente, o novo Currículo Nacional, legislado para as escolas do sec-
tor público, não foi alargado às escolas privadas. Uma vez mais, tal como nos
Estados Unidos, isto está a acontecer simultaneamente com uma reconstituição
da configuração social do ensino.
A disciplina escolar cria um microcosmo onde a história das forças sociais,
que apoia os padrões curriculares e escolares, pode ser estudada e analisada.
Como vimos, este estudo coloca por vezes importantes pontos de interrogação
sobre os objectivos sociais e políticos do ensino. Por detrás da retórica da
«escola de massas» e do «ensino público» está uma variedade de objectivos
sociais e políticos específicos e diferenciados. Para captar esta complexidade
e as implicações políticas a ela inerentes, temos de abrir a caixa negra do cur-
rículo escolar. ~
SOBRE A FORMA CURRICULAR:
NOTAS RELATIVASA UMA TEORIA DO CURRÍCULO

Os sociólogos da educação interessados no currículo escolar há muito que


se deparam com um paradoxos" O currículo é reconhecida e manifestamen-
te uma construção social. Porque razão, então, é que em muitos dos nossos
estudos sobre o ensino esta construção social é tratada como um dado intem-
poral? E, em particular, porque é que os cientistas sociais, tradicionalmente
mais preocupados do que a maioria das pessoas com as lutas ideológicas e
políticas que suportam a vida social, aceitam caracterizar o currículo escolar
como um "dado»?Esta foi sempre uma omissão peculiar, mas como actual-
mente as lutas curriculares estão a assolar o ensino superior americano, talvez
seja uma boa altura para se teorizar de novo sobre este assunto.
Hoje em dia, em muitos países ocidentais, o currículo escolar está de novo
na agenda política. Nos Estados Unidos da América, esta realidade é muito
clara; na Grã-Bretanha, a especificidade do currículo está a ser literalmente
consagrada pela legislação sob a forma de um Currículo Nacional; na Austrália,
as províncias estão a estudar o currículo com vista a discernir os seus pontos
comuns, o que alguns investigadores poderiam encarar como precursor na
definição de directrizes curriculares mais "nacionais».
Nestas circunstâncias, torna-se importante rever o estado do conhecimen-
to sociológico relativamente ao currículo, na medida em que as nossas pers-
pectivas continuam a estar claramente subteorizadas. A maior parte da

"3) os meus agradecimentos a john Meyer, Phil Wexler e Andy Hargreaves pelo diálogo sempre renova-
do.
--------- -- ----

96 IVOR F. GOODSON

investigação realizada neste domínio tem sido empreendida pelos sociólogos


do conhecimento, mas a reflexão mantém-se parcial e imperfeita se estivermos
interessados em desenvolver o nosso conhecimento teórico sobre o currículo.
Tal como Apple reconheceu, uma boa parte dos estudos significativos foi leva-
da a cabo na Europa: a obra de Émile Durkheim e Karl Manheim permanece
importante, o mesmo acontecendo com a do falecido Raymond Williams e, nos
anos sessenta e setenta, com o trabalho de Pierre Bourdieu e Basil Bernstein.
Em Williams, a tónica teórica é posta, essencialmente, no conteúdo do currí-
culo, enquanto Bernstein aponta princípios subjacentes à classificação e estru-
turação do currículo, mas realçava a relação entre o conteúdo disciplinar
(Bernstein, 1971). Curiosamente, a obsessão demonstrada pelo conteúdo dis-
ciplinar continua no trabalho de Lee Shulman sobre o conhecimento-base exi-
gido para o ensino. No seu artigo de fundo sobre «a investigação nas
disciplinas de conteúdo» ficamos a saber que «a principal fonte do conheci-
mento-base é o conhecimento de conteúdo, (1987, p. 8).
O problema das relações no âmbito da questão disciplinar tem permane-
cido inexplorado e não teorizado. Neste trabalho, analisa-se a questão das rela-
ções internas do currículo - a forma do currículo: «por razões metodológicas
1 I não se admite que o conhecimento curricular seja neutro, pelo contráno, pro-

I Curam-se interesses sociais que estej'ãií'lmco j5Uratlb na propna orma aà


-lu con ecimento» App e, 1979, p. 17). O co '10 socla na ISClpina é essencial 11 :-.,
\ Para que se possa compreen er,a própria disciplina (e, conse uentemente ás
f - fetrrçõ-es-em as iscip mas. ISClpina não é uma entidade monolítica, pelo
que as análises que visam as disciplinas e as relações entre as disciplinas mis-
tificam deste modo um conflito social central e contínuo. Quanto a esta análi-
se, o conhecimento das relações internas do currículo seria um precursor
importante para o tipo de trabalho que Bernstein exemplificou quanto às rela-
ções externas e modalidades do currículo.
Uma justificação menos teórica para as análises da forma curricular é a
difusão do que Connell chamou o «currículo académico competitivo». Esta
forma de currículo fixa a agenda e o discurso para o ensino em muitos países.
Os resultados são bastante generalizáveis:

«Dizer que é hegemónico não significa que seja o único currículo nessas escolas.
Significa,sim, que este padrão tem lugar de destaque nessas escolas; domina a maior
parte das ideias das pessoas sobre o que é a verdadeira aprendizagem.A sua lógica tem
uma grande influência sobre a organização da escola e do sistema de ensino em geral;
e serve também para marginalizar ou subordinar os outros currículos existentes: acima
de tudo, o currículo académico competitivo transforma a escolha e a insensibilidade
dos corações numa realidade central da vida escolar contemporânea- (Connell, 1985,
p.87).
SOBRE A FORMA CURRJCUlAR: NOTAS RELA1lVAS A úi\.fA 7EORIA DO aRRÍCUo 91

No entanto, o domínio do currículo académico competitivo é o resultado


de uma luta contínua no âmbito das disciplinas escolares.

«Acabeça mais do que as mãos»:


Suposições prévias e ensino secundário inglês

A fim de exemplifiear uma concepção mais vasta no estudo das discipli-


nas escolares, examinarei o aparecimento de determinadas concepções de
«mentalidades»,na medida em que fornecem suposições prévias para a nossa
construção social do conhecimento escolar. Ao fazê-lo, estou a fundamentar o
trabalho de outros e não estou a seguir uma linha de desenvolvimento con-
sistente. Poderei, assim, ser justificadamente acusado de sobrevoar a história,
de examinar superficialmente determinados períodos sem o conhecimento ou
a descrição completa da complexidade do contexto. Mas o meu objectivo não
é tanto uma explicação histórica uniforme, mas sim mostrar o modo como cer-
tos antecedentes podem constituir um elemento importante na construção e
consciência contemporâneas. O objectivo é, sim, o de mostrar o modo como
podemos seguir uma perspectiva mais longa dos acontecimentos actuais e
como, ao fazê-lo, podemos criar uma reconceptualização do método de estu-
do curricular que nos permitirá relacionar actos específicos de construção social

I
/
(, ,,~
com impulsos sociais mais amplos.
A noção de «mentalidade» deve muito ao' trabalho dos historiadores da !

Escola dos Annales. Seguindo as suas ideias, cheguei à conclusão que ao estu- )
dar períodos históricos é importante introduzir conhecimentos profundos nas
opiniões mundiais detidas por grupos culturais e subculturais distintos. Neste
sentido, a mentalidade está relacionada com o micro-conceito de habitus
desenvolvido por Bourdieu e Passeron (1977) ou resistência como uma opi-
nião característica detida pelos rapazes ingleses das classes trabalhadoras no
trabalho de Paul Willis (1977).
No seu estudo sobre a reforma educativa australiana, influenciado pelos
Annales, Pitman afirmou que «numa dada civilização, existem múltiplas cultu-
ras relacionadas com a posição social, com a classe social, com a profissão,
com o sexo e com quaisquer outros critérios relevantes»:

«Asrelações dialécticas dos vários grupos com os seus mundos materiais e as relações de
uns com os outros permitem o desenvolvimento de opiniões mundiais ou mentalidades
dentro destes grupos distintos uns dos outros. Por exemplo, na divisão de trabalho e na
substituição de classes de trabalho por organizadores de trabalho e donos dos meios de
produção, os partidpantes nas trocas assimétricas interagem diferentemente com os seus
mundos materiais, pelo menos em relação à natureza do trabalho. (1986, p. 60).
98 IVOR F. GOODSON

Shapin e Barnes examinaram uma selecção de textos educacionais sobre


a pedagogia na Grã-Bretanha no período de 1770-1850.Ao analisarem a «retó-
rica»da pedagogia encontraram «uma harmonização notável com a mentalida-
de das disciplinas desses programas» (Shapin & Barnes, 1976, p. 231). Foram
atribuídas diferentes mentalidades, consoante as pessoas em questão viessem
das -classes mais altas» ou das -classes mais baixas». Foram explicitadas três
dicotomias centrais. Em primeiro lugar, a natureza sensual e concreta do pen-
samento das classes baixas contra as qualidades intelectuais, verbais e abs-
tractas do pensamento das classes altas. Em segundo lugar, a simplicidade do
pensamento das classes baixas e a complexidade e sofisticação dos seus supe-
riores.
Adam Smith em Wealtb of Nations apresentava o elo crucial entre a divi-
são do trabalho e a divisão de mentalidades (e, claro, o currículo). Em
padrões de exploração e dominação esta é a racionalização crucial a consa-
grar. Assim:

«No progresso da divisão do trabalho, o emprego da grande maioria dos que vivem do
trabalho, acaba por ser confinado a algumas operações; na maior parte das vezes a uma
ou duas. Mas os conhecimentos da maioria dos homens são necessariamente formados
pelos seus empregos comuns. O homem cuja vida é passada totalmente a desempenhar
umas quantas simples operações, cujos efeitos são também, talvez, sempre os mesmos
ou quase os mesmos, não tem oportunidade de aplicar os seus conhecimentos ou exer-
cer o seu talento [...] fica tão estúpido e ignorante, como é possível numa criatura
humana». '

Quanto à elite, Smith foi similarmente vigoroso:


«Também os empregos em que as pessoas de alguma posição social ou riqueza passam
as suas vidas, não são, como os das pessoas comuns, simples ou uniformes. São,quase
todos, extremamente complicados e isto porque elas exercitam mais a cabeça do que
as mãos» (cf Shapin & Barnes, 1976, p. 234).

A terceira dicotomia central diz respeito à resposta passiva das classes bai-
xas à experiência e conhecimento em comparação com o uso activo das clas-
ses altas. Este espectro da passividade em relação à actividade é talvez a parte
mais crucial do enigma das mentalidades quando relacionado com a evolução
do conhecimento escolar. Assim:

«Ai;ideias simples, superficiais e sensitivas das classes baixas não lhes permitiram pro-
duzir respostas mediatas à experiência, ou estabelecer ligações profundas entre dife-
rentes fragmentos de informação, no sentido de uma generalização para uso como
recursos numa vasta gama de contextos» (Shapin & Barnes, 1976, p. 234).
SOBRE A FORMA CURRlCUIAR: NOTAS RELATIVAS A UMA TEORIA DO CURRÍCULO 99

Desde estas épocas remotas que a ligação entre as classes baixas e o


conhecimento contextualizado e específico é forjada. Esta necessidade de um
conhecimento contextualizado {mediat<?9iou o diagnóstico "que justificava a
caracterização do seu processo àeãpfe:fldizagem como sendo passivo e mecâ-
nico». O conhecimento era apresentado e aceite de modo a que não fossem
estabelecidas ligações entre factos específicos e contextualizados, a que as
classes baixas não agissem sobre o conhecimento ou generalizassem a partir
de dados. Surgiu um negócio estranho: ensinava-se às classes baixas «factos» I
específicos, contextualizados, mecanicamente - a capacidade para generalizar ;1
além dos contextos não era fornecida nem encorajada. O conhecimento des-
contextualizado destinava-se, assim, a outros - para as classes baixas tornou-
-se uma forma de conhecimento totalmente inacessível. No devido tempo I
garantiu também a passividade.
Em comparação, as classes altas podiam incluir as suas percepções, intui-
ções, informações e conhecimentos em sistemas coerentes de pensamento e
inferência.

<Aofazê-lo,podiam, por um lado, alargar o seu raio de aplicabilidade e, por outro lado,
pôr em prática uma série de princípios abstractos e operações simbólicas. Podiam,
assim, ao contrário das classes baixas, fazer uso activo do conbecimento e da experiên-
cia. O que quer que fosse, servia para aumentar as possibilidades do seu pensamento.
[...] Na sociedade, como no corpo, a cabeça era reflexiva, manipulativa e controladora;
a mão era irreflexiva, mecânica, determinada por instruções, (Shapin & Barnes, 1976,
p. 235).

Shapin e Barnes pensavam assim que "à medida que se avançava para as
classes altas da sociedade, cada vez mais se deparava com modos de pensa-
mento abstractos, refinados e complexos e corpos de "conhecimento" mais
extensivos, finamente estruturados e profundos». Mas ao lado disto estava a
exigência de que o conhecimento deveria ser -correctamente distribuído»e não
;u}correctamente c assITicao» ou ensina 0« ora ae contexto»: - --- - - -

«Correctamente distribuído, poderia operar como uma exibição simbólica da posição


social, permitindo que as várias classes reconbecessem a hierarquia e os sectores que
deveriam ser respeitados. E, poderia também servir como um meio que permitisse a
comunicação entre o topo e a base da sociedade, um veículo através do qual a cabeça
poderia controlar a mão. Incorrectamente distribuído, o conhecimento poderia esti-
mular as massas a aspirar acima das suas possibilidades e dar-lhes os recursos necessá-
rios para o fazer.Embora, talvez, a sua inferioridade natural condenasse estas aspirações
ao fracasso total, a turbulência temporária seria perturbadora e inconveniente» (Shapin
& Barnes, 1976, p. 236).
100 IVOR F. GOODSON

As duas mentalidades distintas definidas para as classes altas e baixas eram


essencialmente recursos culturais empregues numa série de debates e discur-
sos.

«Sãoum tributo à capacidade e infinita criatividade do homem na construção de racio-


nalizações e na adaptação de recursos culturais às exigências de situações concretas. E
é como respostas situadas às exigências polémicas específicas e não necessariamente
como as filosofias coerentes dos indivíduos que deveremos tratar estes indivíduos»
(Shapin & Barnes, 1976, p. 237).

Ao favorecer a "cabeça mais do que as mãos", surgiram novos padrões de


diferenciação e exame no ensino secundário inglês em meados do século XIX.
Na década de 1850, o ensino secundário desenvolvia elos com as universida-
des; tratava-se de uma resposta estrutural aos privilégios das classes altas e ao
seu conhecimento abstracto. É evidente que as universidades estavam a favor
de "mentes superiores" e desenvolviam currículos para "formar a mente".
Estavam inequivocamente a favor da "cabeça mais do que as mãos-. "formar a
mente" era o seu domínio exclusivo. Os elos com a ordem social eram então
claros e eram por vezes explicitamente declarados. No final do século XIX, a
lógica de acesso à universidade impôs uma hierarquia de classes sociais, à qual
os currículos se encontravam associados, estabelecendo uma determinada
estrutura do sistema educativo. No topo, as escolas serviam para "formar a
mente" e desenvolviam ligações, estreitas às universidades, pondo em prática
um currículo clássico. À medida que se descia nos níveis de ensino, o currí-
culo tornava-se progressivamente mais rudimentar, mecanicamente ensinado e
com uma "orientação" prática.
Nas décadas que se seguiram, verificaram-se certamente desafios a este
"acordo político" em níveis curriculares que correspondiam bem às classes da
sociedade. Notável foi a luta pela inclusão das Ciências. O perigo social das
Ciências, particularmente das Ciências aplicadas, residia, em parte, no facto de
o ensino poder ser relacionado com a experiência cultural das classes baixas.
Era um conhecimento que podia ser contextualizado - não abstracto, não clás-
sico, não requintadamente descontextualizado, mas precisamente o contrário,
algo que podia garantir a relevância e o interesse para as classes baixas. As
massas dispunham, assim, de um possível meio educacional. No período a que
Shapin e Barnes aludiram, no início do século XIX, as opiniões sobre a ciên-
cia eram claras. Em 1825, o Country Gentleman considerava que:
«Sese vão ensinar as Ciências às classes trabalhadoras, então o que é que se vai ensinar
às classes médias e altas, para mantermos o equilíbrio devido? A resposta é suficiente-
mente óbvia. Não há nada que lhes possa ser ensinado para que possam manter a sua
superioridade» (cf Shapin & Barnes, 1976, p. 239).
SOBRE A FORMA CURRJCUIAR: NOTAS RELATTVAS A UMA TEORIA DO CURRÍCULO 101

Mannheim, no seu trabalho mais recente, considerava a ciência como


sendo um «conhecimento desinteressado», mas a ciência como conhecimento
escolar era uma questão completamente diferente, muito mais um caso de
«conhecimento interessado».
Os problemas levantados pelo Country Gentleman aumentaram no perío-
do que se seguiu a 1825, porque algumas experiências bem sucedidas estavam
a caminho de ensinar as Ciências às classes trabalhadoras nas escolas primárias.
Já examinámos os esforços do Rev. Richard Dawes que, em 1842, começou a
ensinar a ciência como estando aplicada à «compreensão das coisas comuns».
Resumindo, ele ensinava uma ciência contextualizada, mas com vista a desen-
volver a compreensão académica dos seus alunos das classes baixas. O conhe-
cimento científico era assim contextualizado no âmbito da cultura e da
experiência dos filhos das pessoas comuns, mas ensinado de uma forma que
poderia abrir a porta à compreensão e ao exercício do pensamento. Isto era o
ensino como educação, e mais ainda, para os pobres trabalhadores. Mas o cur-
rículo estava limitado às escolas primárias com uma clientela que vinha pre-
dominantemente das classes trabalhadoras. Existem indícios claros, nos
relatórios governamentais da época, de que a ciência das coisas comuns per-
mitia um êxito prático considerável nas salas de aula. Estaríamos errados, no
entanto, se disséssemos que o problema estava resolvido e que a ciência das
coisas comuns criava a base para a definição da ciência escolar. Longe disso.
Outras definições de ciência escolar eram defendidas por interesses podero-
sos.
Na década de 1860, as Ciências foram retiradas do currículo do ensino pri-
mário. Quando reapareceram, uns vinte anos mais tarde, a perspectiva da
ciência das coisas comuns tinha sido abandonada. Uma versão atenuada da
ciência laboratorial pura tinha-se tornado aceite como a visão correcta da ciên-
cia, uma visão que persistiu, largamente incontestada, até aos nossos dias. As
Ciências, como disciplina escolar, foram redefinidas para se tornarem seme-
lhantes na forma ao resto do currículo do ensino secundário - puro, abstrac-
to, um corpo de conhecimentos consagrado nos planos de estudo e manuais
escolares (cf. Goodson, 1988a).
O padrão de -mentalídades- diferentes e currículos diferentes apontado
por Shapin e Barnes no início do século XIX teve, assim, uma durabilidade
considerável. É claro que as continuidades identificadas devem estar comple-
tamente relacionadas com a complexidade de cada período histórico.
As aparentes continuidades são, no entanto, suficientemente claras para
garantir mais estudos históricos substanciais. Por exemplo, quase um século
mais tarde a noção de diferentes mentalidades e diferentes currículos e, de
facto, de diferentes escolas para servir estas mentalidades foi sistematicamen-
-
102 IVOR F. GOODSON

te defendida no Relatório de Norwood em 1943. A Lei Educativa de 1944 (Grã-


-Bretanha) pode ser vista, num certo sentido, como a institucionalização de
uma ordem social e política para o ensino fundada numa hierarquia de men-
talidades.
A Lei de 1944 criou um padrão organizacional que estava em estreita har-
monia com as configurações sociais que se inseriam na tradição estabelecida
pelo Relatório de Taunton. No entanto, em 1945, foi eleito um governo socia-
lista trabalhista, que começou a pôr em causa este tipo de organização do ensi-
no, socialmente estratificado. Na Grã-Bretanha, a luta pela escola pública foi
travada tardiamente - um sintoma da estrutura entrincheirada de classes do
país. Assim, a escola unificada só foi «conquistada»em 1965. A circular de 1965
tentara «eliminar a divisão no ensino secundário» (D.E.S., 1965, p. 1). Mas uma
leitura atenta da circular implica que a preocupação fundamental da época, tal-
vez compreensivelmente, era a eliminação da divisão sob a forma de diferen-
tes tipos de escolas e edifícios.
De facto, havia claros indícios de que, longe de esperar uma nova síntese
dos currículos, a questão essencial em 1965 era a de defender e alargar a edu-
cação ministrada nas «viasclássicas»,previamente confinada sobretudo às clas-
ses profissionais e médias.O que não estava claro (e não foi dito) era se a
lógica de fornecer um ensino unificado na escola pública seria seguida tam-
bém por um currículo público.
Porém, se parecia que a escola unificada tinha sido conquistada, uma aná-
lise histórica mais sistemática dos padrões curriculares internos conta-nos uma
outra história. De um certo modo, a mudança para a escola pública represen-
ta somente uma mudança no eixo geométrico da diferenciação. Assim, na
Figura 1, a diferenciação a partir de 1944 é vertical, baseando-se em sectores
escolares separados.

Figura 1
Ensino Tripartido
Sistema Educativo após a Lei Educativa de 1944

<Viasclássicas- Escolas Técnicas Escolas Secundárias


Modernas
Académica (percurso para Conhecimento técnico Conhecimento prático/manua
as universidades)

o ensino secundário unificado agrupou todos estes tipos separados de


educação «sob o mesmo tecto-. O recrutamento de classes para os três tipos de
SOBREA FORMA CURRICUIAR:NOTAS REIATIVASA UMA TEORIADO CURRÍCULO 103

escolas era assim desafiado pelo facto de cada criança ter a mesma oportuni-
dade -igual- de frequentar a mesma escola unificada (não obstante o facto de
os -fílhos de pais ricos- continuarem a ir para escolas privadas). Mas os resul-
tados desta reforma apresentaram-se menos substanciais quando foram esta-
belecidos padrões internos. Porque dentro da escola unificada o velho sistema
tripartido foi restabelecido com um padrão de diferenciação horizontal.

Figura 2
As .VIlIS. da Escola Unificada

Disciplinas Académicas
Disciplinas Técnicas
Disciplinas Práticas/Manuais

Em muitos casos as duas últimas categorias uniram-se eficazmente: a dis-


tinção crucial era entre as disciplinas académicas e não-académicas. Os alunos
eram categorizados claramente segundo estes parâmetros como alunos -aca-
démicos- e -não-académicos •. Os estudos profundos da reforma do ensino, do
tripartido ao unificado, dão uma oportunidade aos investigadores da história
curricular para repensarem a reforma curricular. A reforma' cria assim uma
-matríz de possibilidade. no momento em que se verifica o conflito sobre a
ocasião adequada para redefinir ou simplesmente renegociar a diferenciação:

Figura 3 - Forma Curricu1ar


C Classes
DesconteJualizado p Médias
Abstracto/ Académico I e Altas
Corpo de Conhecimento a Ser Transmitido T
A
Estabilidade Reforma L
!
A D
C
,
C B
Estabilidade
U Classes
L
T
Trabalha-
Reforma
U doras
Prático, Contextualizado R
Pedagógico A
Relacionado com o Processo Activo L

A Currículo de elite.
A+B Currículo de -casta-, Hierárquico, estratificado.
A +- C Reforma de cima para baixo.
B +- D Reforma de baixo para cima.
104 IVOR F. GOODSON

Nesta matriz podem distinguir-se uma série de possíveis combinações cur-


riculares. Por exemplo, a opção A representaria uma situação que, de facto,
prevaleceu durante muito tempo na Grã-Bretanha, em que só a elite recebia
um ensino de natureza académica. Combinando a A com a B temos um ensi- I

no académico recontextualizado para as classes altas e uma formação prática


contextualizada para as classes baixas. Este é, de facto, um -currículo de clas-
ses» hierárquico e estratificado.
As tentativas de reforma podem ser de cima para baixo (A para G) ou de
baixo para cima (B para D). No modelo de cima para baixo o ensino acadé-
mico descontextualizado é refinado e torna-se acessível a uma maior audiên-
cia (muitas das reformas curriculares dos anos sessenta eram deste tipo). No
modelo de baixo para cima o conhecimento contextualizado é utilizado como
um veículo para um ensino teórico mais geral (como era o caso da ciência das
coisas comuns).

Conclusão

A matriz das formas curriculares ilustra uma gama de padrões potenciais


para a programação, desenvolvimento e reforma curriculares. Mas por detrás
da aparente flexibilidade estão padrões estabelecidos de financiamento e de
afectação de recursos. Na Grã-Bretanha estes padrões foram na sua maior parte
estabelecidos no período de 1904 a 1917. O seu estabelecimento e permanên-
cia no século XX constituem um bom exemplo histórico dos processos sociais
e políticos que sustentam as disciplinas escolares.
O padrão de financiamento e de afectação de recursos que surgiu no peno-
'.1
do de 1904-1917 mostrou-se duradouro e só muito recentemente foi sujeito a
uma contestação substancial. Em consequência, começou a surgir um proces-
so comum de promoção e desenvolvimento da disciplina escolar em resposta
às -regras do jogo» definidas, deste modo, para aqueles que lutam pelas finan-
ças, pelos recursos e pelo estatuto (cf. Goodson, 1983, 1988a).
Neste trabalho apontou-se para o aparecimento de um padrão polarizado
de mentalidades na Grã-Bretanha, no período de 1770 a 1850. Porque as men-
talidades das "classes altas»eram consideradas intelectuais, abstractas e activas,
porque as das "classes baixas» eram consideradas sensuais, concretas e passi-
vas. Com o tempo, estas mentalidades polarizadas foram integradas nas estru-
turas profundas do currículo - foram, melhor dizendo, internalizadas. Deste
modo, o processo de "produção» de mentalidades foi alargado: porque as pró-
prias disciplinas escolares se tornaram, por sua vez, em criadoras de subjecti-
vidades. Um círculo auto-confirmador foi desenhado em torno dos diferentes
SOBREA FORMA CURRJCULAR:NOTAS RELA7lVASA UMA TEORIADO CURRÍCULO 105

grupos sociais. Dada a ressonância com os padrões do capital cultural este


viria a mostrar-se um acordo consistente.
Na altura em que estas constelações de mentalidades, currículo e capital
cultural se começaram a reunir, surgiu um sistema de ensino estatal. Assim,
com o tempo, estes padrões foram institucionalizados - inicialmente, num sis-
tema de escolas separadas para mentalidades distintas e currículos distintos.
Posteriormente, à medida que o ensino público era "desenvolvido»(ou "reco-
nhecido», dependendo da sua localização), o padrão de mentalidades distintas
e currículos distintos permaneceu como um mecanismo de diferenciação den-
tro do qual era ostensivamente unificado e comum. É como se a -divisão de
trabalho. mental/manual fosse institucionalizada numa -divisão do currículo-. É
certo que, no que diz respeito à política corrente associada com o novo
Currículo Nacional de 1987, os padrões de tradicionalismo emergentes demar-
cados do novo vocacionalismo parecem dispostos a continuar e a reforçar esta
divisão (Bates, 1989).
No período histórico aqui considerado, a estruturação deliberada de um
ensino estatal, no qual foi escolhida a -cabeça mais do que as mãos»,pode ser
claramente distinguida. A forma académica do currículo foi deliberada e siste-
maticamente apoiada pela estrutura dos recursos e meios financeiros. Deste
modo, um padrão que favorecia determinados grupos sociais foi substituído
por um processo aparentemente neutro que privilegiava determinadas formas
curriculares. Mas embora o nome tenha mudado, o jogo ainda era o mesmo.
Não é para admirar que grupos sociais idênticos continuassem a beneficiar, e
que outros grupos sociais, tal como acontecia anteriormente, estivessem em
inferioridade. Mas a internalização da diferenciação encobriu eficazmente este
processo social de promoção e privilégio.
Assim, a ênfase dada aos conflitos no âmbito do currículo responde a esta
internalização da diferenciação social. Resumindo, para que possamos com-
preender totalmente o processo que é o ensino, temos de examinar o currícu-
lo por dentro. Parte do complexo enigma que é a educação será compreendida
ao apreendermos o processo interno da estabilidade e mudança curriculares.
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