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Fundamentos do Ensino-Aprendizagem

das Ciências Naturais e da Matemática:


o novo Ensino Médio
Fundamentos do Ensino-Aprendizagem
das Ciências Naturais e da Matemática:
o Novo Ensino Médio

Orgs.
Isauro Beltrán Nuñez
Betania Leite Ramalho
© Editora Meridional, 2004

Capa: FOSFOROGRÁFICO / Vitor Hugo Turuga


Projeto Gráfico e Editoração: Clotilde Sbardelotto
Editor: Luis Gomes

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Bibliotecária Responsável: Denise Mari de Andrade Souza CRB 10/960

F981 Fundamentos do Ensino-Aprendizagem das Ciências Naturais e da


Matemática: o Novo Ensino Médio / Isauro Beltrán Nuñez
e Betania Leite Ramalho (orgs.). – Porto Alegre: Sulina, 2004.
300 p.

ISBN: 85-205-0392-6

1. Educação. 2. Aprendizagem - Matemática. 3. Aprendizagem -


Ciências Naturais. 4. Ensino - Fundamentos I. Nuñez, Isauro
Beltrán. II. Ramalho, Betania Leite

CDD: 370
371.39
CDU: 37.01
372.85

Todos os direitos desta edição reservados à Editora Meridional Ltda.


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www.editorasulina.com.br
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Novembro / 2004 Impresso no Brasil / Printed in Brazil


SUMÁRIO

Apresentação ............................................................................................... 9

PARTE I

Fundamentos psicológicos e didáticos


da aprendizagem ........................................................................ 15

O ensino tradicional e o condicionamento operante ...................................... 17


Tereza Cristina Leandro de Faria
e Isauro Beltrán Nuñez

A aprendizagem significativa e o ensino de Ciências Naturais ..................... 29


Raimunda Porfírio Ribeiro
e Isauro Beltrán Nuñez

A aprendizagem na perspectiva de Jean Piaget .............................................43


Tereza Cristina Leandro de Faria
e Isauro Beltrán Nuñez

O enfoque sócio-histórico-cultural da aprendizagem:


os aportes de L. S. Vygotsky, A. N. Leontiev e P. Ya Galperin .................... 51
Isauro Beltrán Nuñez
e Tereza Cristina Leandro de Faria

A aprendizagem como processamento de informação ................................... 69


Isauro Beltrán Nuñez,
Márcia Adelino da Silva Dias
e Tereza Cristina Leandro de Faria

O Construtivismo no ensino de Ciências da Natureza e da Matemática ........ 84


Analice de Almeida Lima,
José Paulino Filho
e Isauro Beltrán Nuñez
PARTE II

Pensando a formação de competências


e a aprendizagem no Novo Ensino Médio ........................ 103

Os saberes escolares e a formação


das competências no Ensino Médio ......................................................... 105
Márcia Adelino da Silva Dias,
Isauro Beltrán Nuñez
e Betania Leite Ramalho

A noção de competência nos projetos pedagógicos


do Ensino Médio: reflexões na busca de sentidos ..................................... 125
Isauro Beltrán Nuñez
e Betania Leite Ramalho

O uso de situações-problema no ensino de Ciências ................................. 145


Isauro Beltrám Nuñez,
Marcelo Pereira Marujo,
Lidiane Estevam Lima Marujo
e Márcia Adelino da Silva Dias

Metacognição: aprender a aprender? ....................................................... 172


Betania Leite Ramalho,
Isauro Beltrán Nuñez
e Analice de Almeida Lima

A flexibilidade do pensamento,
pensamento crítico e criatividade.
Generalização e transferência de aprendizagem ....................................... 186
Tereza Cristina Leandro de Faria,
Anadja Marilda Gomes Braz
e Isauro Beltrán Nuñez

Pensando a aprendizagem significativa:


dos mapas conceituais às redes conceituais .............................................. 201
Raimunda Porfírio Ribeiro
e Isauro Beltrán Nuñez
Dos modelos de mudança conceitual à aprendizagem
como pesquisa orientada ......................................................................... 226
Márcia Gorette Lima da Silva,
Antônia Francimar da Silva
e Isauro Beltrán Nuñez

Aprendizagem por modelos: utilizando modelos e analogias ....................... 245


Analice de Almeida Lima
e Isauro Beltrán Nuñez

Ensino por projetos: uma alternativa para


a construção de competências no aluno ................................................... 265
José Paulino Filho,
Isauro Beltrán Nuñez
e Betania Leite Ramalho

A história da Ciência e da Matemática


na formação de professores ..................................................................... 284
Arlete de Jesus Brito,
Luiz Seixas das Neves
e André Ferrer Pinto Martins

Os autores .............................................................................................. 297


8
APRESENTAÇÃO

O Ensino Médio constitui a última etapa de escolarização da Educação Bá-


sica no Brasil. As condições da expansão do Ensino Fundamental, e as novas exi-
gências do mundo do trabalho têm sido, dentre outros fatores, responsáveis pela
expansão significativa da matrícula de alunos (crescimento de 84%) nos dez últi-
mos anos no Ensino Médio. Esse crescimento aponta para o ingresso de alunos
que procuram esse nível de ensino não só como via para acessar à universidade,
mas como possibilidades para uma melhor inserção no mercado de trabalho e para
construção de sua cidadania. Sendo assim, o Ensino Médio voltado para preparar
os alunos para a universidade, cede espaço à busca de uma nova identidade.
O grande contingente de alunos no Ensino Médio e sua diversidade, assim
como as Reformas Curriculares, têm influenciado os professores, pesquisadores,
alunos e a sociedade, na construção da identidade desse nível de escolaridade me-
diada pelo conhecimento, pela informação, pelas novas tecnologias de um mundo
“globalizado”. A busca de uma nova identidade do Ensino Médio se movimenta
numa rede complexa de fatores e exigências, que nos levam a formular perguntas-
problemas, tais como:
– Como educar e atender às necessidades formativas e educativas dos alu-
nos no Ensino Médio de maneira que possa contribuir na construção da sua cida-
dania, inseri-los no mundo do trabalho e prepará-los para o estudo na Educação
Superior?
– Quais são os objetivos/finalidades desse nível de educação? Que conteú-
dos são necessários face ao crescimento da informação em ordem exponencial e
ao tempo disponível?
– É possível formar competências no Ensino Médio? Quais devem ser essas
competências?
A procura de respostas para essas e outras questões, talvez mais complexas
nos obriga, necessariamente, a considerar as orientações curriculares do Ministério
de Educação para o Ensino Médio.
A LDB/96, e a Resolução CNE/98, bases das novas diretrizes curriculares
para o Ensino Médio, focalizam três eixos básicos para a sua organização curricu-
lar: a formação de competências, a interdisciplinaridade e a contextualização do
conhecimento.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) se
apoiam numa concepção construtivista da aprendizagem, mediada por um discurso
plural, uma vez que integra conceitos de diferentes perspectivas da aprendizagem e
da educação dando referências para se pensar em Projetos Pedagógicos.
A implementação de uma nova Reforma na Educação como é o caso do
Novo Ensino Médio, pressupõe uma análise das condições objetivas e subjetivas,
necessárias para se trabalhar na construção de uma nova cultura escolar. Nessa

9
lógica, se discute hoje a importância que ganha a formação dos professores(as)
para atender às novas exigências das propostas curriculares que levam os/as docen-
tes, necessariamente, a novas formas de trabalho e de agir. Portanto, faz sentido
procurarmos identificar as novas necessidades formativas desses docentes.
Nessa perspectiva uma pesquisa, intitulada: Estudos das Necessidades
Formativas de Professores(as): o Caso do Novo Ensino Médio, foi desenvol-
vida no âmbito do grupo de Pesquisa Formação e Profissionalização docente
da UFRN, nos anos 2001/2003, financiada pelo CNPq. Os resultados, de forma
geral, evidenciam que há fragilidades conceituais/didático-pedagógicas a serem
superadas na base formativa dos/as docentes de maneira que possibilitem, a
estes(as), um novo olhar para o ensino das Ciências Naturais e de Matemática,
assim como a compreensão das teorizações que fundamentam a aprendizagem
dessa área de conhecimento nos PCNEM. Reconhecemos que isso implica na
construção, pelos/as professores(as), não só de novos saberes e competências,
como também de um novo referencial sobre o profissionalismo.
Nesse sentido, a busca de novos saberes não está dissociada dos contextos
do exercício da profissão. Este alerta é necessário, uma vez que o ensino/apren-
dizagem não pode ser reduzido a problemas de natureza didático-psicológica.
Não obstante, as teorizações da didática do Ensino das Ciências e da Matemá-
tica podem ser um elemento que contribua com os professores na compreensão da
aprendizagem de seus alunos e conseqüentemente na escolha de referências teó-
ricas para organizar as situações de aprendizagem dos alunos.
As referências teóricas possibilitam construir o planejamento de ensino
como hipóteses de trabalho, uma vez que a sala de aula é um dos espaços de
construção de saberes dos professores(as). Refletir de forma crítica, sistematizar,
socializar os resultados da aprendizagem dos alunos sob os diferentes fatores
dos contextos escolares possibilita mecanismos de validação desses saberes na
busca da inovação educativa. A presente pesquisa esteve fortemente influen-
ciada por este princípio.
Este livro pretende estimular o debate dos professores (as) do Ensino Mé-
dio, na área de conhecimentos das Ciências Naturais e de Matemática na busca
de “mudanças” significativas da prática docente no ensino da Física, da Química,
da Biologia e da Matemática. Assumimos a intencionalidade de apresentar uma
obra perceptível de aperfeiçoamento na qual se discutem idéias por vezes polê-
micas, superadoras e superadas (de outras e por outras idéias) expressas nas re-
flexões dos autores, dos diferentes artigos.
Os autores dos capítulos que compõem esta obra são professores-pesqui-
sadores e alunos do Programa de Pós-Graduação, vinculados à Base/Linha de
Pesquisa Formação e Profissionalizarão Docente do Programa de Pós-Graduação
em Educação da UFRN. Esse grupo tem participado, de forma comprometida, na
busca de alternativas para melhorar a educação científica dos alunos do Ensino
Básico, na perspectiva de contribuir com idéias que norteiem os professores(as) a

10
pensar na sua formação. Com esses autores compartilhamos momentos de refle-
xão, de discussão e muito trabalho conjunto foi desenvolvido para se chegar na
sistematização dos textos aqui presentes.
Por razões metodológicas, a obra se organiza em duas partes: na primeira
parte, “Fundamentos psicológicos e didáticos da aprendizagem” tem-se como
intencionalidade subsidiar com referências da psicologia da aprendizagem os textos
da segunda parte. Na segunda parte : “Pensando a formação de competências e a
aprendizagem no Novo Ensino Médio”, se discutem algumas estratégias que po-
dem contribuir com uma aprendizagem que desenvolva capacidades cognitivas
e afetivas necessárias ao exercício da cidadania, e à formação de habilidades/
competências no Ensino Médio, nas disciplinas de Matemática, Física, Química
e Biologia.
As discussões da Parte I procuram fornecer uma visão didática e de ten-
dências para o ensino dessas disciplinas, sendo apresentados, para tanto, 6
textos.
No primeiro texto, “O ensino tradicional e o condicionamento operante”, é
feita uma reflexão sobre o ensino das Ciências Naturais baseado na tradição
pedagógica que assume como base o condicionamento operante da psicologia. O
texto não pretende caracterizar uma forma de “ensino tradicional”, da qual muitos
procuram afastar-se, por vezes sem reconhecer de forma crítica as possibilidades
e limitações dos mecanismos transmissivos da informação.
O segundo texto, “A aprendizagem significativa e o ensino de Ciências Na-
turais”, discute idéias de P. D. Ausubel sobre a aprendizagem significativa como
estratégia superadora do ensino memorístico. Diferencia tipologias de conceitos,
procura esclarecer diferenças entre conteúdo significativo e aprendizagem signi-
ficativa, idéias por vezes tomadas como semelhantes.
O terceiro texto, “A aprendizagem na perspectiva de Jean Piaget”, discute
os conflitos cognitivos, suas possibilidades e limitações em relação ao ensino de
ciências, revelando as contribuições da teoria da Equilibração para explicar a
aprendizagem.
O quarto texto, “O enfoque sócio-histórico-cultural”, fornece o marco dos
trabalhos de L.S. Vigotsky, A. N. Leontiev e P. Ya Galperin sobre a aprendiza-
gem como tipo específico de atividade que acontece em contextos sócio-históri-
cos mediados pelos outros e por ferramentas culturais. Mostra de forma sintética
a discussão sobre: o caráter social da aprendizagem, a formação de conceitos cien-
tíficos, a internalização da atividade externa em interna, assim como indicadores
qualitativos que caracterizam as habilidades como tipo de atividade.
No quinto texto, “A aprendizagem como processamento da informação”,
é apresenta como uma alternativa para se compreender os processos mentais
que operam a aprendizagem e com a intencionalidade de abrir a “caixa preta”
da psicologia condutista. O processamento da informação enquanto enfoque
psicológico da aprendizagem é objeto de reflexões nesse artigo que traz uma

11
distinção entre conhecimento e informação, discutindo como o aluno aprende en-
quanto sujeito que processa informação, os tipos de memórias e os mecanismos
da “armazenagem da informação”. Essa dimensão procura nos situar na pro-
blemática de como favorecer uma aprendizagem duradoura e não esporádica.
Para concluir a Parte I do livro se faz uma breve apresentação da polis-
semia da categoria “construtivismo” tomando-se por base diferentes tipos de
construtivismo no ensino das Ciências Naturais e da Matemática. Em resumo, a
Parte I do livro nos chama a atenção para pensar que não devemos assumir uma
única possibilidade de se pensar como o aluno aprende. Os artigos dessa parte
do livro, procuram mostrar que o professor deve ter domínio dessas referências
como subsídios para suas escolhas na hora de ensinar e refletir em relação aos
processos da aprendizagem dos alunos.
A Parte II do livro focaliza sua atenção para discutir algumas estratégias
que podem contribuir com a formação de capacidades, habilidades, competên-
cias, etc. na área de conhecimento do Ensino Médio CNMT.
No primeiro texto, intitulado “Os saberes e a formação de competências
no Ensino Médio”, discute-se a questão do conteúdo escolar, como este se confi-
gura a partir de outros saberes. O lugar do conhecimento científico no conteúdo
escolar é o foco de atenção desse capítulo, um tema que requer reflexões de dife-
rentes naturezas: epistemológica, sociológica, psicológica, histórica, na procura
de pensar melhor como deslocar a atenção da escola de hoje (responsabilizada
em transmitir um grande volume de informações) para uma escola que eduque e
desenvolva estratégias de aprendizagem, de convívio social com um conteúdo
significativo voltado para a educação.
O segundo texto, “A noção de competência nos projetos pedagógicos do
Ensino Médio: reflexões na busca de sentidos”, abre um espaço à polêmica dos
sentidos que se atribuem a noção competência, assim como a necessidade de se
refletir sobre o que pode significar formar competência no Ensino Médio e sobre
as possibilidades e limitações dessa noção como estruturadora do Currículo.
O terceiro texto, “O uso de situações-problemas no ensino de Ciências”,
percorre reflexões teóricas sobre as categorias: situação-problema, problema, a
tarefa-problema e o problemático. Essas categorias se vinculam a “métodos” para
o trabalho com situações-problema no ensino. No ensino das Ciências Naturais e
da Matemática o uso de problemas se constitui numa estratégia que pode contri-
buir com a criatividade, assim como com atitudes positivas para a aprendizagem.
Esse assunto se analisa desde um, dentre outros, enfoques do trabalho com pro-
blema para ensinar.
O quarto texto, intitulado “Metacognição: aprender a aprender?”, parte do
pressuposto de que um dos objetivos da Escola Básica é desenvolver nos alunos
capacidades de aprender a aprender. A formação dessas capacidades são anali-
sadas desde a ótica da metacognição no ensino de Ciências Naturais.
Na linha de pensamento em relação à formação de capacidades cogni-

12
tivas/afetivas como elemento da educação no Ensino Básico, o quinto capítulo
“A flexibilidade do pensamento. Pensamento crítico e criatividade. Generali-
zação e transferência da aprendizagem” discute estratégias para contribuir com
a criatividade, a flexibilidade do pensamento, a generalização e a transferência
da aprendizagem, para pensar nessas capacidades como necessárias à educação
escolar. Esse artigo nos ajuda a sair de uma visão instrumental da noção de com-
petências como organizadora do currículo uma vez que volta nosso olhar para
pensar sobre o que se fala quando se fala, de formar competências nesse nível
escolar.
O sexto texto, “Pensando a aprendizagem significativa: dos mapas concei-
tuais às redes conceituais”, constitui uma reflexão sobre as possibilidades do uso
dos mapas conceituais como estratégia da aprendizagem significativa. Apresen-
tam-se as limitações dessa estratégia discutida nas perspectivas de aprendizagem
como processamento da informação que reconhece as redes de conhecimentos
como formas de se organizar a informação na memória.
No sétimo texto, “Dos modelos de mudança conceitual à aprendizagem
como pesquisa orientada”, ao se discutir as bases dos modelos de mudança
conceitual e suas limitações, se analisam as propostas da aprendizagem como
pesquisa orientada, a qual supõe não só uma mudança conceitual como também
procedimental a atitudinal para favorecer a aprendizagem. Essas reflexões apon-
tam para dificuldades de se construir o conhecimento científico escolar. Orien-
tações construtivistas sobre o ensino das Ciências propuseram os modelos de
mudança conceitual baseados em conflitos cognitivos como formas dos alunos
substituírem os conceitos do cotidiano, as idéias prévias, pelo conhecimento
científico.
No oitavo texto, se discute a “Aprendizagem por modelos: utilizando
modelos e analogias”, é desenvolvida uma reflexão sobre essas ferramentas
metodológicas para o ensino das Ciências Naturais. O uso de modelos e analogias
se revela hoje como um campo de pesquisa da Didática das Ciências Naturais,
uma vez que reconhece o caráter de modelo-representação do conhecimento.
Embora hoje se tenha escrito muito sobre o ensino usando projetos, o nono
capítulo intitulado “Ensino por projetos: uma alternativa para a construção de
competências no aluno” se insere no sistema de estratégias didáticas do livro,
segundo as orientações curriculares dos PCNEM.
A história das Ciências e da Matemática e os estudos sobre as epistemolo-
gias do conhecimento científico se apresentam como importantes ferramentas do
conhecimento pedagógico-didático do conteúdo dos professores de Ciências Na-
turais e da Matemática. No texto “A história da Ciência e da Matemática na for-
mação de professores” se relata uma experiência de trabalhar a história da ciência
para o ensino, focalizando a atenção para os processos de “construção do conhe-
cimento” na formação de professores.
Os diferentes textos das duas partes do livro sinalizam para a necessidade

13
de se dispor de um leque de referências teóricas, ao se pensar e refletir de forma
crítica a prática, na busca de novas práticas inovadoras no caminho da educação
científica dos alunos do Ensino Médio. O livro prioriza algumas dessas referências
teóricas, algumas inconclusas, outras conflitantes. A finalidade do livro é promover
a reflexão e discussão conjunta de professores na área das Ciências Naturais e da
Matemática como uma estratégia para contribuir com a profissionalização do
trabalho docente.

Isauro Beltrãn Nuñez


Betania Leite Ramalho
Organizadores

14
Parte I

Fundamentos psicológicos
e didáticos da aprendizagem

15
16
O ENSINO TRADICIONAL
E O CONDICIONAMENTO OPERANTE

Tereza Cristina Leandro de Faria


e Isauro Beltrán Nuñez

Introdução

A pedagogia tradicional começou a gestar-se no século XVIII, com o


surgimento das escolas na Europa e na América Latina. Trata-se de uma tendência
pedagógica que não se fundamenta em teorias empiricamente validadas, mas numa
prática educativa baseada na tradição. Tal pedagogia, além de ter fornecido um
quadro referencial a todas as tendências que a ela se seguiram, ainda persiste no
tempo. Entretanto, como explicam Pozo e Crespo (1998) não é conveniente pensar
que existe uma única pedagogia tradicional. A tradição pedagógica apresenta-se
de formas diferentes. Mesmo assim podemos enumerar as características mais
marcantes desse movimento, evitando qualquer “caricatura”.
O pressuposto básico dessa pedagogia é considerar que a aquisição de co-
nhecimentos se realiza principalmente na escola, cuja tarefa é preparar intelectual
e moralmente o aluno para assumir seu papel na sociedade. O caminho em direção
ao “saber” é o mesmo para todos os alunos, havendo necessidade de que estes
apenas se esforcem. Nessa perspectiva, quem sabe (o professor) ensina a quem
não sabe (o aluno).
Os conteúdos de ensino são os conhecimentos e valores sociais acumu-
lados ao longo das gerações passadas, que devem ser repassados ao aluno como
verdades absolutas. Esses conteúdos, geralmente pouco relacionados com a expe-
riência de vida do aluno e com sua realidade social, têm um caráter seqüencial,
que se expressa nos programas curriculares, embora suas partes não apresentem
interação entre os temas, os quais, inclusive, podem aparecer de forma isolada,
sem relação entre si.
O ensino ancora-se na exposição verbal da matéria e na demonstração,
oferecendo ao aluno uma grande quantidade de informações, que devem ser
memorizadas, o que faz com que a pedagogia tradicional seja chamada enciclo-
pedista e intelectualista. É o que Freire (1985, p.66) chama de Educação Bancária
interpretada, em tom de crítica, na linha de seu discurso, tal como segue:

A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à


memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração
os transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem “enchidos” pelo

17
educador. Quanto mais vá “enchendo” os recipientes com seus
“depósitos” tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem do-
cilmente “encher” tanto melhores educandos serão.

A seguir, uma representação do que afirma Freire.

Figura 1 – No ensino tradicional, os alunos devem memorizar um grande número


de informações como se fossem recipientes a serem enchidos pelo professor

Porlán Ariza, Rivero Garcia e Martin Del Pozo (1998) afirmam que uma
aprendizagem desse tipo parte de um conjunto de crenças generalizadas que en-
tendem o fato de aprender como um ato de apropriação cognitiva, mediante o qual
o sujeito que aprende toma do exterior (seja de outra pessoa, de um texto escrito ou
da própria realidade) determinados significados. Supõe que a comunicação de
significados é um processo neutro e objetivo, em que as mensagens não são altera-
das no processo que vai do emissor ao receptor. Essa aprendizagem supõe também
que cada conceito, processo ou dado que é conveniente ensinar e aprender é único,
ou seja, só tem um significado correto. Quem aprende algo, aprende porque não
possui ditos significados ou os que tem são incorretos. Essas idéias sobre a apren-
dizagem têm sido representadas pela metáfora da mente em branco.
No “ensino tradicional”, tanto a exposição quanto a análise das informações
são realizadas pelo professor, observado-se os seguintes passos:

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• preparação do aluno (definição do trabalho, recordação
da aula anterior, despertamento do interesse);

• apresentação (realce de pontos-chave, demonstração);

• associação (combinação do conhecimento novo


com o já conhecido por comparação e abstração);

• aplicação (explicação de fatos adicionais e/ou


resolução de exercícios).

Figura 2 - Passos característicos do ensino tradicional

Conseqüentemente, esses procedimentos estimulam a aprendizagem recep-


tiva e mecânica. A retenção do material ensinado é garantida pela repetição de
exercícios sistemáticos e pela recapitulação da matéria. A generalização e a trans-
ferência da aprendizagem são limitadas e dependem do treino, sendo indispensá-
vel a memorização, a fim de que o aluno possa responder a situações similares da
mesma maneira.
O relacionamento professor-aluno é vertical, predominando a autoridade
do professor, que exige atitude receptiva dos alunos e não estimula a comunicação
entre eles no decorrer da aula. Assim sendo, a classe, como conseqüência, torna-se
intelectual e afetivamente dependente do professor.
Em virtude do pressuposto de que aprender é um processo individual, em
que os alunos progridem de forma similar (homogeneidade da aprendizagem) e em
pequenos passos, a avaliação consiste em constatar se o aluno aprendeu e atingiu
os objetivos propostos, de forma mais adequada, quando o programa chega ao
fim. A avaliação está, pois, diretamente ligada aos objetivos propostos e normal-
mente se realiza no início, meio e fim do processo de ensino-aprendizagem. Avalia-
se, no início do processo, com a intenção de se verificar o que o aluno conhece
para, a partir daí, planejar e executar as etapas seguintes; no decorrer do processo,
para, em função dos dados obtidos, planejarem-se os reforços que a aprendizagem
requer, e, no final do processo, com o propósito de verificar se a aprendizagem
realmente se efetivou.

19
1. Os fundamentos psicológicos do ensino
tradicional: o condicionamento operante

Durante o seu desenvolvimento e aprimoramento, a pedagogia tradicional


foi recebendo influências, procurando dar caráter científico ao trabalho didático
na sala de aula. Vale destacar as contribuições advindas do modelo psicológico
condutista ou behaviorista, que surge e se desenvolve nas primeiras décadas do
século XX. Para Ribes (1982, apud Río,1996, p.33),

o condutismo, diferentemente das teorias psicológicas formuladas como


um todo acabado, constitui uma filosofia da ciência psicológica e, como
toda filosofia da ciência genuína, não é mais do que a reflexão sobre o
próprio desenvolvimento teórico da disciplina. Esta filosofia concebe
o homem como um ser unitário, em contínua relação funcional com
seu meio e cujo comportamento encontra-se regido por leis naturais,
passíveis de serem abordadas a partir de uma metodologia científica.

Watson (1924, apud Río, 1996), com base nos princípios da reflexologia
russa de Pavlov, foi o fundador do movimento condutista ou behaviorista na
Psicologia, a qual definiu como a ciência do comportamento e este como sendo a
resposta do organismo a um estímulo presente no meio ambiente. O estímulo
constitui toda modificação do ambiente percebida pelo indivíduo e resposta à
modificação que ocorre no organismo como conseqüência do estímulo.
Para a Psicologia de Watson, o importante é a relação entre estímulos e
respostas, ou seja, fatos exteriores que possam ser empiricamente observados, e
não o que ocorre no interior do organismo, pois o que não pode ser visto e mensurado
não interessa aos psicólogos behavioristas (princípio da aprendizagem como caixa
preta). Ressaltamos, entretanto, que Watson não negou a existência de processos
mentais internos, ele apenas não os estudou por acreditar que esses estudos eram
de responsabilidade da Fisiologia.
O condutismo ou behaviorismo preocupa-se, portanto, em prever a res-
posta quando conhece o estímulo e identificar o estímulo quando conhece a res-
posta. De acordo com Fontana e Cruz (1997, p.25), “o estudo do comportamento
deve possibilitar o conhecimento das relações estímulo-resposta, das quais ele é
o resultado”.
A aprendizagem, tema fundamental para os behavioristas, é entendida como
um processo que, em suas unidades mais primárias ou básicas, ocorre quando o
indivíduo, em virtude de determinadas experiências que incluem necessariamente
inter-relações com o contexto, produz respostas novas ou modifica as já existen-
tes. A aprendizagem está sintetizada em Estímulo-Resposta-Reforço, como mos-
tramos abaixo:

20
Estímulo Resposta

Reforço

Esquema 1 – Representação da aprendizagem por mecanismo condutista

Os elementos desse processo são o impulso, os estímulos ambientais, a


resposta e a recompensa. O impulso corresponde a estímulos internos muito for-
tes que levam o organismo a agir; na maioria das vezes, são associados à moti-
vação. Os estímulos ambientais dirigem a resposta, que é a reação do organismo
e deve ocorrer primeiro, para posteriormente ligar-se a um estímulo. A resposta
pode ser natural (ligada ao repertório inato do organismo) ou aprendida (resul-
tante da experiência). A recompensa ou reforço, por sua vez, corresponde à con-
seqüência da resposta.
Thorndike (1913, apud Talízina,1988, p.259), um dos teóricos desse mo-
vimento, preocupou-se com o estudo da aprendizagem em situação escolar e
sintetizou o controle exercido pela conseqüência da resposta ao elaborar a Lei
do Efeito, assim concebida:
Quando o processo de estabelecimento da relação entre a situação e a
reação recíproca é acompanhado ou substituído pelo estado de satisfa-
ção, a solidez da relação aumenta; quando esta relação é acompanhada
ou substituída pelo estado de insatisfação, sua solidez diminui.

O maior expoente da teoria condutista ou behaviorista foi Burrhus Frede-


ric Skinner (1904-1980). Ele é o mais influente representante do movimento
comportamentalista, e seus seguidores constituem o mais bem organizado grupo
de psicólogos nas áreas aplicadas. Apesar de suas proposições terem sido alvo de
inúmeras críticas (estas consideradas extremamente radicais), Skinner ainda é
atualmente um dos autores mais estudados em Psicologia. Ao contrário da maioria
dos psicólogos contemporâneos seus, explicitou as implicações políticas de sua
obra, chegando inclusive a descrever uma sociedade utópica onde o controle do
comportamento fosse utilizado para promover o bem-estar dos indivíduos. A teo-
ria behaviorista aplicada resultaria em “uma tecnologia para levar as pessoas a
fazerem o que queremos que elas façam” (Goulart,1987, p.55). A idéia básica aí
subentendida seria a de que o comportamento é modelado e mantido devido às suas
conseqüências e, por isso, cabe ao psicólogo, professor ou pai propiciar os estímulos
para que o indivíduo emita ou omita o comportamento desejado ou indesejado.

21
São dois os tipos de aprendizagem para Skinner: por condicionamento
clássico e por condicionamento operante.
A aprendizagem por condicionamento clássico abrange as reações inatas do
organismo ao meio e não uma ação do organismo sobre o meio. Envolve um tipo
de comportamento determinado, que é sempre provocado por um estímulo também
determinado, como mostra o exemplo a seguir:

E R
Sopro nos olhos Piscar de olhos

Assim, se toda vez que houver sopro nos olhos soar uma campainha, pode
acontecer de o indivíduo piscar os olhos ao ouvir a campainha, mesmo na ausência
do sopro. Diz-se, então, que o indivíduo aprendeu a piscar ao ouvir a campainha.
Conclui-se, pois, que à medida que o sopro é associado a um determinado som,
esse som passa a ser um estímulo que também provocará uma resposta do orga-
nismo. Nesse caso, o som é chamado pelos comportamentalistas de estímulo con-
dicionado, porque ele, por si só, não provoca nenhuma reação, mas o faz quando
associado a outro estímulo.
Como nem todos os comportamentos aprendidos podem ser explicados por
meio do condicionamento clássico, foi necessária a formulação de novas explica-
ções para a formação dos comportamentos mais complexos. Isso foi o que fez
Skinner com a sua teoria do condicionamento operante, segundo a qual os indiví-
duos aprendem por meio das conseqüências de suas ações (Coutinho, 1995).
A aprendizagem por condicionamento operante acontece quando compor-
tamentos emitidos pelo organismo são seguidos por algum tipo de conseqüência.
Caso a conseqüência seja agradável, o comportamento tende a se repetir; se a con-
seqüência for desagradável, o comportamento possui menos probabilidade de se
repetir. Cabe ressaltar que, para Skinner, a grande maioria dos comportamentos
é aprendida por condicionamento operante. Como não é possível interferir na pri-
meira emissão de uma resposta operante, utiliza-se a manipulação da conseqüência
para modificar a probabilidade de sua ocorrência no futuro. Qualquer estímulo
pode ser considerado um reforçador, desde que contribua para a ocorrência do
comportamento desejado. A Figura 3 abaixo ilustra o condicionamento operante
ou instrumental de Skinner em animais.

22
Figura 3 – Caixa de Skinner
Fonte: Ross ([1995?], p.79)

Tendo em vista estudar a programação do reforço no condicionamento ope-


rante, Skinner utilizava em suas pesquisas com ratos uma caixa em cujo interior
havia um dispositivo que, quando acionado, liberava água ou comida. Essas caixas,
com isolamento contra ruídos e controle rigoroso de temperatura e iluminação,
conhecidas como “caixas de Skinner”, serviam para programar de modos diferentes
a liberação de reforçadores e estudar como cada programação afetava o compor-
tamento do animal: qual era a mais eficiente para levar à aprendizagem de um
comportamento novo; qual era a mais adequada para manter esse comportamento
por mais tempo; qual representava a melhor forma de extinguir um dado com-
portamento, etc.
O procedimento adotado era o seguinte: inicialmente, toda vez que o rato
se aproximava da barra de metal, o pesquisador liberava-lhe, por meio de um
dispositivo, um pouco de água. Após determinado tempo, estando o rato próximo
à barra, a água só era liberada se ele a tocasse com o focinho ou a pata. Em
seguida, reforçava-se apenas o comportamento de tocar a barra com a pata e,
depois, o de pressioná-la para baixo. Após várias sessões, verificava-se que o rato
tinha aprendido a pressionar a barra de metal para obter água. Esse procedimento
ficou conhecido como “Modelagem do comportamento”. Conseguia-se modelar
o comportamento proporcionando reforçadores após a resposta que se desejava
obter do animal (Fontana; Cruz, 1997).
As idéias do condicionamento operante constituem o suporte psicológico do
Ensino Programado e da Programação Educativa que, de acordo com Skinner,
possuem os seguintes passos (Río, 1996):

23
· formulação de objetivos terminais, em termos operativos;
· análise e avaliação da situação inicial dos alunos, considerando os conhe-
cimentos prévios e relativos aos objetivos formulados;
· seqüência da matéria e análise das tarefas;
· avaliação do programa, dos processos de ensino e avaliação final dos alunos,
em termos de comparação com os objetivos propostos.
Desde as primeiras formulações teóricas sobre o condicionamento operan-
te e a Análise Experimental do Comportamento, a influência do condutismo ou
behaviorismo se fez sentir na prática pedagógica. Em se tratando do ensino de
Ciências, pode-se dizer que não fugiu à regra devido, tanto à formação recebida
por seus professores quanto à própria cultura da escola. A Figura 4 ilustra a orga-
nização típica de uma sala de aula tradicional de base condutista.

Figura 4 – Organização da sala de aula tradicional de base condutista

2. Implicações didáticas do ensino tradicional de Ciências

O ensino de Ciências, como sucede com outras áreas, parte do princípio de


que o conhecimento científico é um saber absoluto, cópia da realidade, portanto
aprender Ciências significa adquirir esse conhecimento, reproduzindo-o da ma-
neira mais fiel possível (concepção empirista). E a via mais direta para isso é apre-
sentá-lo mediante uma exposição clara e rigorosa. Assim sendo, ainda privilegia a
transmissão de conhecimentos verbais, prevalece a lógica interna das disciplinas
sobre qualquer outro critério de organização dos conteúdos e ao aluno fica reser-
vado um papel meramente reprodutivo.

24
O professor explica Ciências aos alunos, que copiam e repetem. Para Pozo
e Crespo (1998), as classes magistrais baseiam-se em exposições do professor
diante de uma escuta mais ou menos interessada, que tenta tomar nota do que ele
diz e acompanhar os exercícios e demonstrações que servem para ilustrar e apoiar
as explicações. Portanto, toda dinâmica da aula é dirigida e controlada pelo pro-
fessor, que vai levando, passo a passo, o aluno em sua aprendizagem. De acordo
com Giordan e De Vecchi (1996, p.218), “apóia-se esse modo de fazer na idéia
comum de que para o professor ensinar um fato ou um princípio significa enun-
ciá-lo, e o aluno ser capaz de repeti-lo é conhecê-lo”.
O critério para organizar os conteúdos permanece o “conhecimento disci-
plinar”, entendido como o corpo de conhecimento aceito pela comunidade cientí-
fica. O calor, a energia ou a ionização ensina-se não pelo valor formativo para os
alunos mas porque são conteúdos essenciais da ciência, sem os quais esta não tem
sentido. Assim, quanto mais científico ou acadêmico, melhor o currículo. Além do
mais, os conhecimentos são apresentados como saberes acabados, estabelecidos,
proporcionando aos alunos uma cisão estática e absoluta do saber cientifico. Vale
salientar, em se tratando de teorias já superadas, essas não são ensinadas ou então
são apresentadas como saberes abandonados, que não são científicos, portanto,
não se faz necessário aprender. O conhecimento científico apresenta-se como pro-
duto e se desconhecem os processos de sua produção.
No ensino tradicional de Ciências, o trabalho experimental e as demonstra-
ções práticas têm como objetivo motivarem os alunos para os conhecimentos a
serem transmitidos pelo professor ou comprovar esses conhecimentos, no sentido
de mostrar na prática os conhecimentos teóricos.

Figura 5 – No ensino tradicional de Ciências, as atividades experimentais


têm como objetivo mostrar na prática os conhecimentos teóricos

25
Nesse tipo de ensino, a avaliação conduz o aluno a devolver ao professor o
conhecimento que dele recebeu da forma mais precisa possível, isto é, mais repro-
dutiva possível. Também são utilizados na avaliação exercícios repetitivos para
comprovar o grau que o aluno domina de uma rotina ou de um sistema de resolução
previamente explicado pelo professor. É uma avaliação seletiva e somativa que
trata de determinar quais alunos superam o grau mínimo exigido, o que tem a ver
com o grau em que são capazes de reproduzir o conhecimento científico tal como
o receberam. A seguir, uma representação do ensino tradicional que Giordan e
De Vecchi (1996, p.217) apresentam:

Figura 6 – Representação do ensino tradicional

26
É importante mencionar que, segundo Porlán Ariza, Rivero Garcia e Martin
Del Pozo (1998), o enfoque tradicional representa uma concepção acientífica dos
processos de ensino-aprendizagem, segundo a qual, no melhor dos casos, basta
que o professor tenha uma boa preparação nos conteúdos das disciplinas e certas
qualidades humanas relativas à atividade de ensinar, para que o sistema funcione.
Quando o sistema fracassa, esse fracasso se deve ao professor, que não reúne os
requisitos mencionados, ou então os alunos são deficientes ou têm suas capaci-
dades intelectuais reduzidas. Nesse enfoque didático, o eixo fundamental sobre
o qual gravita a organização e o desenvolvimento das tarefas de classe é o eixo
temático dos conteúdos, daí a denominação, que às vezes recebe, de pedagogia
por conteúdos.

Conclusões

A escola que ainda se baseia nesses princípios oferece resistência à mudança,


mesmo quando as limitações do ensino tradicional já são bastante conhecidas e se
vêm colocando em prática experiências pedagógicas novas, que buscam suporte
teórico/metodológico em teorias de aprendizagem bem mais adequadas à prepa-
ração do homem para enfrentar as constantes transformações culturais, sociais,
políticas e econômicas pelas quais passam as sociedades no século XXI.
O ensino tradicional de base condutista ou behaviorista não assegura um
uso dinâmico e criativo dos conhecimentos fora da aula. Com freqüência, existe
uma distância entre as metas e os motivos do professor e as metas e os motivos dos
alunos, o que faz com que estes se sintam “desconectados” e desinteressados, ao
mesmo tempo em que o professor se sente mais frustrado. É comum os professores
dizerem que os alunos não os escutam, possivelmente porque cada vez menos os
alunos entendam o que aqueles estão pretendendo. Em se tratando da motivação,
não é só um problema de falta de disposição prévia por parte dos alunos, mas
principalmente o desinteresse em compartilhar metas e motivos de aprendizagem e
instrução na aula. Entretanto, abordar esse problema requer, dentre outros requisi-
tos, adotar concepções de ensino-aprendizagem que se centrem mais nos próprios
alunos (Pozo, 1998).

Referências

COUTINHO, M.T. da C. Psicologia da educação: um estudo dos processos psicológicos


de desenvolvimento e aprendizagem humanos voltados para a educação. Ênfase na
abordagem construtivista. Belo Horizonte: Lê, 1995.
FONTANA, R.; CRUZ, M. N. de. Psicologia e trabalho pedagógico. São Paulo: Atual,
1997.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
GIORDAN, A.; DE VECCHI, G. As origens do saber: das concepções do aprendente
aos conceitos científicos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

27
GOULART, I.B. Psicologia da educação: fundamentos teóricos e aplicações à prática
pedagógica. Petrópolis-RJ: Vozes, 1987.
PORLÁN ARIZA, R.; RIVERO GARCIA, A.; MARTIN DEL POZO, R. Conocimiento
Profesional y Epistemología de los Profesores II: estudios empíricos y conclusiones.
Enseñanza de las ciencias, Barcelona, v.16, n.2, p.271-288, 1998.
POZO, J. I. Teorias cognitivas da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
POZO, J. I.; CRESPO, M. A. G. Aprender y enseñar ciencia: del conocimiento cotidiano
al conocimiento científico. Madrid: Ediciones Morata, 1998.
ROSS, O. H. Calidad educativa y enfoques constructivistas. Peru: San Marcos,
[1995?].
RÍO, M. J. Comportamento e aprendizagem: teorias e aplicações escolares. In: COLL,
C. et al. Psicologia da Educação. Porto Alegre: Artmed, 1996, v.2, p.25-44. (Desen-
volvimento Psicológico e Educação).
TALIZINA, N. Psicología de la Enseñanza. Moscú: Progreso, 1988.

28
A APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA
E O ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS

Raimunda Porfírio Ribeiro


e Isauro Beltrán Nuñez

Introdução

No ensino médio trabalha-se com uma série de conteúdos, como os de


Física, Química, Biologia, entre outros, com a preocupação de que os alunos
aprendam essas disciplinas. No entanto, nem sempre se ensina como desenvolver
uma atividade de estudo que permita a utilização de estratégias de aquisição e
apropriação dos conhecimentos científicos como um sistema de relações e seus
devidos níveis de aprofundamento. Ensinar, considerando os aspectos destaca-
dos, é necessário. Também, faz-se necessário repensar a educação nesse nível,
refletindo sobre a sua organização escolar, analisando como vem sendo trabalha-
do o conteúdo específico das diversas disciplinas e a possibilidade de utiliza-
ção de estratégias para reorientar a ação educativa e a formação de conceitos1
escolares de forma mais significativa.
A aprendizagem significativa tem como precursor David P. Ausubel, criador
de uma nova teoria da aprendizagem em resposta à aprendizagem memorística
mecânica e a aprendizagem por descobrimento. Esse tipo de aprendizagem (em
relação aos dois tipos destacados) apresenta uma contribuição relevante na com-
preensão e mudança do modo de ensinar e aprender no contexto escolar. Podemos
entender que é uma aprendizagem auto-regulada, que privilegia estratégias cogni-
tivas mediante componentes metacognitivos e motivacionais.
A metacognição relaciona-se com a gestão e evolução de níveis de conhe-
cimento, mediante o desenvolvimento de metas parciais de aprendizagem e aplica-
ção organizada das estratégias adequadas à resolução das dificuldades cognitivas
encontradas durante o processo de aquisição do conhecimento. A motivação vincula-
se diretamente aos interesses epistêmicos dos aprendizes referentes ao domínio do
conhecimento envolvido na atividade de estudo, no sentido de auto-eficácia e de
êxitos que se podem alcançar nesse tipo de trabalho, o que pode criar uma disposi-
ção para aprender.

1
Os conceitos são elementos importantes do pensamento lógico. Podem ser considerados
como uma categoria que representa uma classe de objetos, como expressão da generalização do
pensamento. Nos conceitos, expressam-se a experiência social e os conhecimentos sistematizados
pela cultura, como forma de reflexão do mundo.

29
David Ausubel, em sua Psychology of Megningful Verbal Learning e no
Educacional Psychology: a cognitive view apresentou uma coerente teoria cogni-
tiva da aprendizagem humana, especialmente em instituições escolares. Essa teoria,
uma década mais tarde, foi parcialmente modificada (Novak e Hanesian, 1983).

1. Aprendizagem significativa

A ação educativa pode ser melhorada a partir da construção de um novo


saber, saber fazer não só para aprender, mas para aprender a aprender. Nessa
perspectiva, a aprendizagem dá-se por significação. O mecanismo interno do pen-
samento vinculado à aprendizagem significativa é explicado pela teoria de assi-
milação de David P. Ausubel (1989) mediante a relação entre a estrutura cognitiva
do aprendiz e as novas informações com as quais estabelece relações não-arbitrá-
rias e substantivas. Ou seja: a construção de sentidos para a nova informação dá-
se a partir dos conhecimentos que os(as) alunos(as) já têm sobre o objeto de estudo,
como se ilustra no Esquema 1, a seguir.
A estrutura cognitiva contém as informações armazenadas pelos(as) alu-
nos(as), e apresenta uma determinada organização. Esse conteúdo informacional,
previamente assimilado, transforma-se em uma estrutura que permite a inclusão
de novos dados (a compreensão pelas relações que se estabelecem), mecanismo
necessário ao processo de aprendizagem significativa.
As informações conceituais incorporadas por uma estrutura cognitiva são
consideradas o ponto de partida da assimilação, uma vez que possibilitam intera-
ção entre o novo e o que já se conhece, isto é, o material novo integra-se àquilo
que o(a) aluno(a) já tem assimilado, resultando num processo interativo entre o
conhecimento já existente na mente e os dados novos. Essa inter-relação entre o
que já se sabe e as novas idéias transforma-se em um processo de associação de
informações e construção de sentidos para nova informação, denominada por
Ausubel (1989) de aprendizagem significativa.
A aprendizagem significativa pode ser por recepção, quando o aluno rece-
be as informações e consegue relacioná-las com suas estruturas cognitivas, criando
novos significados. Também pode ocorrer aprendizagem significativa por des-
coberta, quando o aluno por si só constrói conhecimento relacionando as novas
informações com aquelas já existentes em sua mente, como idéias prévias.
Em contrapartida, a teoria de Ausubel (1989) não nega a aprendizagem me-
cânica no contexto escolar, mas reconhece que esse tipo de aprendizagem diferen-
cia-se de sua proposta, visto que a primeira considera muito pouca ou nenhuma
informação prévia da estrutura cognitiva, de modo a estabelecer relações. Assim,
na aprendizagem mecânica, a informação é armazenada de maneira arbitrária,
não relacionada à informação anterior.

30
estrutura cognitiva

pressupõe uma

aprendizagem significativa

esclarece as relações entre

aprendizagem por
aprendizagem por
recepção
descoberta

recebe o conhecimento de forma é

espontânea

relacionada com o
memorística significativa

conhecimento
por meio de um contínuo anterior
transforma-se em mediante
a construção de
transforma-se em novos
significados

assimilados por meio de

relações relações
não-arbitrárias substantivas

Esquema 01 – Mapa conceitual: processo de modificação da estrutura cognitiva

A aprendizagem significativa, comparada à aprendizagem mecânica, demons-


tra maiores possibilidades de compreensão, visto que, em vez de assimilar conceitos
sem estabelecer relações entre eles, de forma arbitrária, tornando-se de difícil com-
preensão, encontra um ponto de inclusão na estrutura cognitiva, facilitando a ati-
vidade de assimilar e compreender o que se aprende no contexto escolar.
As principais diferenças entre os tipos de aprendizagens comparadas podem
ser conferidas no Quadro 1.

31
A assimilação na aprendizagem significativa decorre de rela-
ções estabelecidas intencionalmente entre o material novo
Aprendizagem potencialmente significativo e as idéias já existentes na estru-
significativa tura cognitiva do(a) aluno(a). Essas idéias são os conheci-
mentos prévios utilizados como conceitos inclusores da nova
informação num processo de interação e ampliação desses
conceitos.

A assimilação na aprendizagem mecânica decorre da acu-


Aprendizagem mulação de informações de forma arbitrária. O aluno recebe
por recepção o conhecimento e não relaciona com sua estrutura cognitiva.
mecânica Os conhecimentos são armazenados por meio de estímulo
resposta ou do resultado entre conduta e o reforço.

Quadro 1– Diferença entre a aprendizagem significativa e a aprendizagem por recepção mecânica

Ausubel (1989), na sua teoria de assimilação, acredita que conceitos prévios


precisam estar presentes na estrutura cognitiva para viabilizar a aprendizagem
significativa. Tais conceitos, denominados inclusores, são estruturas específicas
altamente organizadas e possuem uma hierarquia conceitual (que guarda simboli-
camente as experiências prévias dos(as) alunos(as), na qual uma nova informação
pode ser integrada. Caso isso não ocorra, se os conceitos são inteiramente novos
para quem está aprendendo, a aprendizagem memorística tem lugar nesse processo
de assimilação. Preocupado com esse tipo de aprendizagem, que geralmente ocorre
de maneira mecânica e isolada, o autor procura estabelecer um contínuo entre dois
extremos: memorização e significação. A memorização é a possibilidade da criação
de um vínculo com a nova informação, transformando-se em uma relação signi-
ficativa. Se, por exemplo, o(a) aluno(a) memoriza a fórmula da lei da gravitação
universal, sem estabelecer nenhuma relação significativa com ela, terá dificulda-
des para resolver problemas com essa equação pelo mecanismo de entendimento
e compreensão. No entanto, se for construída uma nova significação na aplicação
da fórmula, estabelecem-se relações com a nova informação.

32
Fórmula da lei da gravitação universal F é a força diretamente proporcional
a cada uma das massas, G é uma
constante universal, M é a massa do
Mxm primeiro corpo, m é a massa do
F=Gx
segundo corpo e d é a distância entre
d2
os centros dos dois corpos.

Considerações na busca de significados

Ensinar fórmulas aos(as) alunos(as) requer o estabelecimento de uma


relação significativa com elas. Quem aprendeu na escola essa fórmula,
enuncia logo a lei da gravitação universal. No entanto, é importante saber
o que significa para o aluno dizer: F é a força diretamente proporcional a
cada uma das massas? As explicações geralmente são assim formuladas:
para obter o valor da força F, deve-se multiplicar a constante G pelas duas
massas, M e m, que estão no numerador do lado direito da fórmula. E o
que significa dizer que a força é inversamente proporcional ao quadrado
da distância? Outra explicação é que a força F diminui do seguinte modo:
quando a distância d aumenta, temos de elevar a distância d ao quadrado,
no denominador, e, depois, divide-se o numerador pelo denominador.
Assim, se a distância entre dois corpos dados passar para o dobro, a
força entre eles passa a ser quatro vezes menor! E se passar para o triplo,
a força passa a ser nove vezes menor. Essas explicações dadas pelos(as)
professores(as) nem sempre são relacionadas com a estrutura cognitiva
dos alunos. Qual o significado dado pelos(as) aluno(as) ao opera-
cionalizarem com esses conceitos? Qual é o nível de entendimento e
compreensão quando resolvem tarefas ou problemas de lápis e papel?
Eles conseguem alcançar esse nível de abstração? Como?

Quadro 2 – Aprendizagem por recepção significativa


Fonte: Peligrini, 1999, p.131-136; Gaspar, 2002, p.260-274

Esse tipo de informação pode ter um significado para os(as) alunos(as), se


os(as) professores(as) criarem situações de aprendizagem que possibilitem a
operacionalização com o material novo. Isto é, à medida que as informações são
assimiladas, estabelecem-se relações significativas para reestruturar os conheci-
mentos existentes na estrutura cognitiva, isto porque o processo significativo é um
processo continuado de inclusão

1.1. Tipos de conceitos

As orientações didáticas vinculadas à aprendizagem significativa de Ausubel


(1989) referem-se à aprendizagem de conceitos. O autor também dá atenção especial
à aprendizagem verbal, visto que nas palavras encontram-se generalizados os

33
significados socialmente construídos por um determinado grupo.
Quando se fala de conceitos é preciso saber qual o tipo referido, se são
aqueles com estrutura de classe logicamente definida, ou os que representam
um protótipo dos membros de uma classe. Essa segunda categoria apresenta as
características familiares da classe.
O primeiro tipo de conceito reflete o conjunto de propriedades necessá-
rias e suficientes, que permitem generalizar uma classe de objetos, pela fór-
mula apresentada [C = f (x,y,z...)]: “C” representa o conceito que é função “ f ”
do conjunto de propriedades necessárias e suficientes (x , y e z ). Um exemplo
desse tipo de conceito é o conceito de triângulos, figuras geométricas planas
fechadas, de três lados e três ângulos. Equivalendo a dizer que os triângulos são
polígonos de três lados e três ângulos, como no Quadro 3.

Triângulos = Polígonos de três lados e três ângulos


C = f (x,y, z).

X = polígono conjunto de propriedades


Y = três lados necessárias e suficientes
Z = três ângulos

Quadro 3 – Conceito com estrutura de classe logicamente definida

O segundo tipo de conceito toma como base os aspectos comuns compar-


tilhados entre o protótipo e os exemplares analisados, ou seja, uma certa “seme-
lhança familiar”, um grau de probabilidade. No processo de aprendizagem, usa-se
o protótipo para buscar as semelhanças com outros membros da família. A
categorização é do tipo que não tem uma estrutura determinada pela lógica dos
atributos necessários e suficientes. No lugar de classes definidas, formula-se
a existência de um mecanismo de categorização de estímulos baseado em
protótipos.
Para Rosch, (1973 a; 1976, apud Pozo, 1998) os protótipos são, no ge-
ral, os casos mais claros de pertinência a uma determinada classe. São definidos
operacionalmente pelo juízo das pessoas em relação a sua inclusão nessa classe
(Pozo, 1998). O modelo é o protótipo construído pelo sujeito e a partir dele é
possível identificar a pertinência ou não de outros exemplares à classe. Os exem-
plos do Quadro 4 representam diferentes tartarugas no processo de elaboração
conceitual, possibilitando ao sujeito construir um “protótipo” que se constitui a
referência conceitual da classe.

34
Exemplo 1 Protótipo Exemplo 2

Exemplo 3 Exemplo 4 Exemplo 5

Quadro 4 – O protótipo e seus análogos na família do conceito de “tartaruga mordedora”


Fonte: Dutra (2004)

Na busca da semelhança entre os exemplares e uma tartaruga, que é assu-


mida como modelo, apresenta-se a base da formação do conceito da espécie. Nessa
perspectiva, a elaboração dá-se pela “semelhança familiar”. Dentre esses exemplos
procuram-se estabelecer relações intracategoriais entre o modelo e os exemplos,
apresentados. Aqueles que são mais representativos são considerados como bons
exemplos por apresentarem maior número de características perceptíveis. Os
maus exemplos são aqueles cujas características não são diretamente perceptíveis,
como sendo similar ao modelo. Para a identificação e classificação dos exempla-
res, faz-se a descrição do modelo, podendo ser destacadas as características físicas,
observando-se o tipo de alimentação, o movimento, entre outros atributos. Os exem-
plos que demonstram maior quantidade de características similares ao protótipo
apresentam a maior probabilidade de fazer parte do conceito.
Na análise de formação de conceitos, no texto, assumimos a perspectiva
do conceito como uma construção da lógica na ótica dialética.
Ensinar, tomando como base o fundamento de estrutura de classe,2
corresponde a levar em consideração o conteúdo e a extensão do conceito,3 como

2
Estrutura de classe ou conteúdo é a estrutura do conceito definida por um conjunto de proprie-
dades necessárias e suficientes.
3
A extensão do conceito é a totalidade de objetos que pertencem ao dito conceito (a mesma
classe).

35
parte de um plano didático de orientação ao(à) aluno(a) para atribuir significado
ao novo conhecimento. No entanto, se o trabalho funda-se no modelo sem classe
definida por um conjunto de propriedades necessárias e suficientes, a lógica da
orientação da aprendizagem conceitual, dá-se pelo maior número de caracterís-
ticas semelhantes para estabelecer relações entre o protótipo apresentado e os
exemplares do conceito (Pozo, 1998).
Seguindo uma lógica ou outra, o diagnóstico do que sabe o(a) aluno(a)
(nesse caso, o domínio do conceito inclusor, a partir do qual se atribui novo sentido
à nova informação) é a base para criar situações de aprendizagem, de modo que
possibilitem uma determinada elaboração do conhecimento, mediante relações
substanciais entre o novo e o conhecimento prévio de quem aprende. O processo
de interação, em que o material novo encontra significado mediante um conceito
já assimilado (tipo de conceito definido por classe), ou mediante a estrutura corre-
lacional, que permite estabelecer maior nível de semelhança objetiva (tipo de con-
ceito definido por semelhança familiar) pode ser susceptível às novas construções.

1.2. Tipos de aprendizagens

Aprender significativamente é estabelecer relações entre os conceitos que


o(a) aluno(a) dispõe na sua estrutura cognitiva e as novas informações; isso requer
uma atitude favorável à construção do conhecimento, vinculada à disposição
psicológica para relacionar as informações novas aos conhecimentos prévios.
Essa forma ativa e pessoal de aprender os conteúdos pressupõe três condições
básicas, representadas no Quadro 5.
Ausubel (1978 apud Antória, 1994) reflete sobre três tipos de aprendiza-
gem significativa:
– a aprendizagem de representações – refere-se basicamente a uma asso-
ciação simbólica em nível primário. Nesse sentido, vão se atribuindo significados
a símbolos, como por exemplo: valores sonoros vocais e caracteres lingüísticos;
– a aprendizagem de conceitos – esta é uma extensão da representação, mas
os alunos vão se conscientizando das propriedades necessárias e suficientes ou dos
traços comuns entre o protótipo e os exemplares do novo conceito. Esse nível é mais
abrangente e mais abstrato. Como, por exemplo, o significado que é atribuído aos
mamíferos como uma categoria conceitual, a partir de animais (conceito inclusor);
– a aprendizagem de proposições – aquela que promove a compreensão de
uma proposição,4 por meio da relação entre dois ou vários conceitos numa uni-
dade semântica.5

4
Proposição é entendida por nós como uma sentença formada por conceitos e palavras de en-
laces, que ajudam a estabelecer relações entre os conceitos.
5
Unidade semântica é uma unidade de sentido, formada pela proposição.

36
1) O conhecimento Encontrar na estrutura cognitiva possibilidade de inclusão
novo deve ser para estabelecer uma relação lógica ou substancial (aspecto
potencialmente relevante da estrutura cognitiva como: imagem, conceito
significativo. ou proposição) com as idéias prévias já existentes na mente
daquele que aprende (Antória, 1994).

2) A estrutura Os conceitos já assimilados de forma sistematizada são os in-


cognitiva prévia clusores. À medida que se vão tornando potencialmente inclu-
deve comportar sores, aumentam a capacidade cognitiva, porque incorporam
a existência de a nova informação e ampliam as idéias já existentes na men-
inclusores prévios. te (Antória, 1994; Galagovysky, 1993; Galagovysky, 2002).

3) Predisposição, O(a) aluno(a) deve apresentar uma disposição para esta-


uma atitude ativa a belecer relações e não memorizações mecânicas (Ausubel,
respeito do conteúdo 1982). Isto é, no processo de aprendizagem, com os conteú-
da aprendizagem. dos específicos das disciplinas do currículo escolar. Nesse
sentido, as idéias prévias dos alunos devem ser considera-
das como propriedades de organização imediata. A motiva-
ção e a orientação da atividade possibilita a assimilação
de novos significados.

Quadro 5 – Condições básicas para assimilação significativa

1.3. Mecanismos de aprendizagem significativa

A aprendizagem significativa, segundo a teoria de assimilação de Ausubel


(1989), toma como referência dois mecanismos básicos: a diferenciação progres-
siva e a reconciliação integradora.
A diferenciação progressiva é um tipo de mecanismo de diferenciação de
conceitos (Ausubel, 1989), que se fundamenta no princípio da relação de inclusão,
estabelecida entre o conceito mais geral (inclusor), já assimilado por quem aprende,
e os conceitos mais específicos, que progressivamente vão sendo incluídos como
extensão do conhecimento mais geral. Nesse mecanismo, os conceitos inclusores são
ampliados, o aprendizado ocorre em um movimento do geral ao particular, num
processo hierarquizado. Para exemplificar a elaboração dessa relação com o conceito
de mamíferos e outros conceitos subordinados, destaca-se o Esquema 2 a seguir.

37
Existe na mente de Inclui-se a nova
quem aprende a idéia propriedade da
geral da classe mamíferos ordem (come carne
(animais vertebrados de outros animais).
que possuem
glândulas mamárias e
sangue quente).

podem ser Incluem-se as novas


propriedades da família
(dentes caninos
pontiagudos; dentição
para regime carnívoro
herbívoros carnívoros onívoros e adaptação ao regime
onívoro).

incluem

felídeos canídeos

Incluem-se as novas propriedades do gênero


(focinho esguio, caça a sua presa e mata para
comer no próprio dia e esconde o resto para
consumir em outro momento, é considerada encontram-se as
esperta pela sua agilidade).

raposas

das espécies

Incluem-se as novas
propriedades relativas à
espécie (cada espécie
apresenta propriedades que a
distinguem uma da outra).
vermelha comum orelhuda

Esquema 2 – Relação conceitual como resultado do mecanismo de diferenciação progressiva

À medida que o conceito é assimilado na aprendizagem significativa, os


conceitos inclusores expressam-se pela diferenciação progressiva. No mecanismo de
diferenciação progressiva, as gradações progressivas de inclusividade são explicadas
pelas relações de diferenciação entre os objetos de uma mesma classe, para formação
de subclasses. As diferenciações progressivas possibilitam a organização de conceitos
subordinados, permitindo as hierarquias conceituais, (Antória, 1994). Desse modo,
as idéias gerais podem incorporar as menos gerais expressas por meio das novas
informações (novas propriedades necessárias e suficientes, que delimitem o novo
conceito). A nova propriedade vai sendo incorporada ao conceito geral, possibilitando

38
a elaboração de um novo conceito mais particular e derivado do primeiro, permitindo
estabelecer as relações hierárquicas entre os conceitos de maior e menor inclusão.
Na reconciliação integradora, quando dois ou mais conceitos relacionam
os seus significados de uma forma significativa, tem lugar a reconciliação integra-
dora. Esse mecanismo dá-se por níveis de integração, reconciliadora, visto que no
processo de aprendizagem nem sempre é possível seguir a linearidade (dos conceitos
inclusores aos conceitos inclusivos); é preciso estabelecer relações entre os conceitos
específicos assimilados pelos alunos e ir integrando novas informações que permitem
a ampliação e evolução desses conceitos em níveis de formulação mais geral. Apren-
der mediante esse mecanismo significa que durante o processo se encontra problema
ou dissonância entre a nova informação e o conceito inclusor, mas é percebido pelo
aprendiz que os conceitos que aparentemente estão em contradição, e não têm ne-
nhuma ligação, estão na realidade ligados. A aprendizagem do novo conceito (mais
geral) produz-se pela integração das características (propriedades) dos conceitos
mais particulares em um movimento ascendente.
Nesse sentido, a apresentação do material ao aluno deve ser feita de maneira
que haja exploração de relações entre as idéias, destacando semelhanças e diferenças
entre os conceitos relacionados, para integração em uma nova reformulação con-
ceitual. Como no exemplo do Esquema 3 , o conceito de mamífero é assimilado a
partir do conceito de raposa “comum”, ou “vermelha”, ou “orelhuda”.

mamíferos .

herbívoros carnívoros

felídeos canídeos

raposas

vermelha comum orelhuda

Esquema 3 – Construção de conceito pelo mecanismo de reconciliação integradora

39
No mecanismo de reconciliação integradora, tem-se como ponto de partida
os conceitos particulares (que o aluno conhece), tais como raposa vermelha. Assim,
estabelecem-se novas relações entre aquilo que se conhecia de maneira particular
e algo mais geral, pelo mecanismo ascendente.
Os dois mecanismos discutidos são necessários à aprendizagem significa-
tiva dos(as) alunos(as). O aprendiz integra e diferencia conceitos nos processos de
atribuir novos significados aos conceitos que se aprende.
Na aprendizagem por assimilação significativa, é importante que o(a)
aluno(a) assimile o significado não como um pacote de informação a ser guardado
na memória e utilizado quando necessário, mas de forma significativa, de modo
que o incorpore em sua estrutura cognitiva de caráter relacional, pressupondo
uma atitude mais criativa. Nesse tipo de assimilação, é necessário que o aprendiz
esteja interessado e disposto, mas isso não é suficiente; é preciso ter na sua estru-
tura significados prévios ou seja, os conceitos inclusores que permitem construir
novos significados com sucesso.

2. Considerações finais

A aprendizagem significativa de Ausubel (1989), vinculada às teorias cog-


nitivas, desempenha um papel predominante no desenvolvimento de estratégias
de aprendizagem do conhecimento. Esse tipo de aprendizagem limita-se a explicar
a organização do conhecimento na memória, relacionada aos esquemas concei-
tuais, com base, tanto nas semelhanças familiares como na hierarquia dos concei-
tos. Desse modo, apresenta uma limitação: centra sua atenção na aprendizagem
de conceitos (por reconciliação e diferenciação progressiva) em detrimento do con-
teúdo procedimental.
As investigações sobre as idéias prévias têm revelado que os conhecimen-
tos dos alunos(as), relacionados com os conhecimentos científicos, geralmente
apresentam-se problemáticos, nem sempre são potencialmente significativos,
como recomenda Ausubel (1989). Alguns pesquisadores, como Campanario e
Otero (1990); Campanario, Cuerva e Otero (1997) detectaram que os aprendizes
às vezes apresentam idéias errôneas, que, em vez de facilitar o processo de assi-
milação, têm interferido negativamente na aprendizagem escolar.
Outra polêmica instala-se sobre a disposição para a aprendizagem signi-
ficativa, postulada por Ausubel (1989). Os estudos de Shuell (1990) já apontavam
a pouca disposição dos alunos(as) para a aprendizagem significativa. Do mesmo
modo, o estudo das idéias prévias, realizado por Campanario (1993 b); Campanario
e Otero (1990); Campanario, Cuerva e Otero (1997) alertam para essa condição
dos conceitos inclusores. As suas pesquisas apresentam resultados com estudantes
que processam superficialmente os conteúdos científicos, a ponto de não detectar
inconsistência em textos curtos.
Nesse caso, apontado pela pesquisa, quando os pesquisadores revelam que

40
nem sempre os conceitos inclusores possibilitam aprendizagem significativa, é
importante outra reflexão sobre os níveis de formulações conceituais dos alunos,
os quais nem sempre estão coerentes com os conteúdos ministrados no contexto
escolar; muitas vezes, essa inconsistência ocorre devido ao nível de entendimento
e compreensão daqueles que chegam em níveis escolares mais avançados, sem a
construção do conhecimento necessário, a operacionalização de novos significados
vinculados ao nível de exigência do ensino médio ou de outro nível escolar.
Apesar das reflexões dos pesquisadores da Didática das Ciências quanto
aos aspectos que limitam a aprendizagem significativa, reconhece-se a teoria de
Ausubel (1989) como uma contribuição para a aprendizagem construtivista, visto
que o aprendizado ocorre com base em uma atividade ativa dos significados.
Na tentativa de superação da superficialidade e construção de uma apren-
dizagem significativa, teóricos da Didática das Ciências fazem algumas suges-
tões, como: a) relacionar sempre a nova informação com os conhecimentos pré-
vios do(as) alunos(as); b) favorecer as reconciliações integradoras e as diferen-
ciações progressivas; utilizar recursos como os mapas conceituais, entre outros;
utilizar provas de evolução, que exigem estratégias da aprendizagem significativa,
como aplicação de conhecimentos; e c) utilizar leis e princípios científicos mais
do que como simples reprodução memorística.

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42
A APRENDIZAGEM NA PERSPECTIVA DE JEAN PIAGET

Tereza Cristina Leandro de Faria


e Isauro Beltrán Nuñez

Introdução

Jean Piaget, biólogo e psicólogo, interessou-se pela filosofia e pela teoria do


conhecimento: o que é conhecimento? o que conhecemos? como evoluem nossos
conhecimentos? Nessa busca, sintetizou uma teoria interacionista e construtivista
do desenvolvimento da inteligência: os conhecimentos não são resultantes de
condições inatas ou da experiência com os objetos, mas construções sucessivas,
com constantes elaborações de novas estruturas.
Para Gomez e Sanmartí (1996), as idéias de Piaget postulam a existência de
estruturas cognitivas comuns aos membros da espécie humana e a idéia de que o
desenvolvimento se produz segundo leis naturais que possibilitam superar etapas
fixas, cada uma delas com suas estruturas cognitivas características, correspondendo
a idades determinadas: a etapa sensório-motora, a da inteligência representativa
(pré-operatória e das operações concretas) e a etapa das operações formais. Essa
classificação, para os autores, introduz determinações que não explicam aprendi-
zagens não naturais, como as da disciplina Ciências.

1. Assimilação, acomodação e equilibração:


conceitos-chave da teoria

A teoria de Piaget (1977) é dinâmica e procura explicar como se gera o


conhecimento e se constrói a inteligência, como forma de adaptação do indivíduo
ao meio em que vive. A adaptação produz-se por dois mecanismos: a assimilação
e a acomodação, mediada pela equilibração dos esquemas cognitivos. A aprendi-
zagem, nessa perspectiva, está relacionada a quatro fatores comportamentais: a
maturação, a transmissão social, a experiência e a equilibração das estruturas
cognitivas esquematizados a seguir.

43
Maturação

Equilibração Transmissão
das estruturas social
cognitivas

Experiências

Figura 1 – Fatores comportamentais relacionados à aprendizagem

Assim, a Teoria da equlilibração da escola piagetiana baseia-se em princí-


pios tais como:
· a aprendizagem é um processo de construção interna, ativa do sujeito;
· a aprendizagem é um processo de reorganização cognitiva, um processo de
auto-regulação;
· os conflitos cognitivos, bem como sua tomada de consciência, desempe-
nham um papel importante;
· a aprendizagem depende do nível de desenvolvimento e das estruturas
cognitivas;
· as relações sociais (com colegas e adultos) são importantes para o desen-
volvimento, como geradoras de contradições e conflitos cognitivos.
As estruturas são sistemas mentais cognitivos com leis de transformação
que se aplicam ao sistema como um todo, não apenas aos seus elementos. São
caracterizadas por três propriedades: totalidade, transformação (relações entre
partes, como uma se torna outra) e auto-regulação (as estruturas buscam a
automanutenção, organização e fechamento). A formação de esquemas e/ou
estruturas cognitivas é resultante dos processos de assimilação, acomodação e
equilibração, como está representado na Figura 2.

44
Assimilação Acomodação

Equilibração Esquema / Estrutura


cognitiva

Figura 2 – Representação do equilíbrio da estrutura cognitiva

Piaget (apud Pozo, 1998) distingue dois tipos de aprendizagem: no sentido


estrito, a aquisição de informação específica sobre o meio; e, no sentido amplo, o
progresso das estruturas cognitivas segundo processos de equilibração. É impor-
tante ressaltar que, para Piaget, se produz aprendizagem quando ocorre um dese-
quilíbrio ou conflito cognitivo. O conflito cognitivo é um estado psicológico que
contradiz a experiência (as estruturas cognitivas), ou seja, entra em contradição
com as idéias que o aluno tem sobre o objeto ou fenômeno. A situação de apren-
dizagem promove uma contradição quando as idéias de que o indivíduo dispõe
para explicar um fato mostram-se insuficientes para explicar um novo fato, que
aparentemente era explicável por essas mesmas idéias. As idéias, diante do novo
fato, não só são insuficientes como também são contraditórias.

Figura 3 – O conflito cognitivo é um estado psicológico que contradiz as idéias que o aluno tem
sobre o objeto ou fenômeno

O que está em equilíbrio e pode entrar em conflito são as estruturas cogni-


tivas. O conflito põe em ação os processos complementares de assimilação e aco-
modação. “A assimilação é a incorporação de um elemento exterior (objeto, acon-
tecimento, etc.) num esquema sensório-motor ou conceitual do sujeito” (Piaget,

45
1977, p.16). Dito de outra forma, é o processo por meio do qual o sujeito interpreta
a informação que vem do meio, em função de conhecimentos anteriores disponí-
veis na estrutura cognitiva.
“A acomodação é a necessidade em que a assimilação se encontra de
considerar as particularidades próprias dos elementos a assimilar” (Piaget, 1977,
p.17). Para considerar as particularidades dos elementos, a estrutura cognitiva se
modifica, dando origem à acomodação. Conforme Pozo (1998, p.180), “a acomo-
dação pressupõe não somente uma modificação dos esquemas prévios em função
da informação assimilada, mas também uma nova assimilação, ou reinterpretação
dos dados ou conhecimentos anteriores em função dos novos esquemas construí-
dos”. Portanto, a acomodação é um processo reflexivo, integrador, que muda a es-
trutura cognitiva anterior para que funcione em relação a um novo equilíbrio. Os
dois processos constituem a adaptação do indivíduo que atua e reage para compensar
as perturbações geradas em seu equilíbrio interno pela estimulação do ambiente;
logo, “a adaptação intelectual, como qualquer adaptação, é o equilíbrio progressivo
entre o mecanismo assimilador e a acomodação complementar” (Azenha, 1994,
apud Fontana,1997, p.46).
A equilibração consiste em um processo auto-regulado, uma propriedade
intrínseca e constitutiva da vida mental, que garante o equilíbrio (adaptação) em
relação ao meio. É o mecanismo que o indivíduo ativa para restabelecer um novo
estado de equilíbrio, face às situações desestabilizadoras de conflito cognitivo,
portanto, é o motor do desenvolvimento, como mostra a Figura 4.

Equilíbrio Equilíbrio
Desequilibração cognitivo 2
cognitivo 1

Esquemas Conflito Redefinição dos


prévios cognitivo esquemas prévios

contradição
Contradição

Nova informação Mediador Novos


conhecimentos

Solução do
conflito cognitivo

Figura 4 – Dinâmica da construção do conhecimento por conflito cognitivo

46
Quando uma nova informação entra em conflito com as idéias do aluno
(na sua estrutura cognitiva 1) produz-se o desequilíbrio dessa estrutura cognitiva.
Os processos de assimilação e acomodação durante a solução do conflito podem
levar à construção de uma nova estrutura e, conseqüentemente, a um novo equilí-
brio. Esse processo de construir novas estruturas cognitivas e novas representa-
ções sobre o objeto de estudo é um “processo construtivista”.
A partir da tomada de consciência e da solução dos conflitos, os sistemas
se reequilibram dando origem a estruturas cognitivas que envolvem novas repre-
sentações sobre o objeto de estudo. A superação dos conflitos tem lugar pela ativi-
dade de processos tais como: a abstração reflexionante, as generalizações, a to-
mada de consciência e a tematização, a necessidade operacional, etc. É impor-
tante destacar que a teoria piagetiana enfoca a neutralização de perturbações
dos estados de equilíbrio do sistema de conhecimento.
A abstração reflexionante pode ser assim explicada: no processo de re-
equilibração das estruturas cognitivas, podem ser produzidas novas possibilidades
(de ação ou expressão), que, exploradas, levam à construção de correspondências
e/ou padrões, como conseqüência da tendência auto-organizadora dos indivíduos.
A reflexão subseqüente sobre a correspondência pode levar a mudanças estrutu-
rais das estruturas cognitivas originais ou, como explica Fosnot (1998, p.33-34),
levar a “uma acomodação que transforma a estrutura cognitiva original e explica
por que o padrão ocorre, capacitando deste modo a sua generalização para além
da experiência específica na qual se insere inicialmente”.
O desenvolvimento do conhecimento é a construção de estruturas intelec-
tuais ordenadas que regulam as trocas do sujeito com o meio. Esse processo obedece
ao princípio de equilibração majorante. A nova estrutura cognitiva possibilita um
maior intercâmbio entre sujeito e meio e novas aprendizagens.
O desenvolvimento cognitivo constitui um processo de construção de estru-
turas lógicas em ordem ascendente de complexidade. As estruturas lógicas (ou
estruturas cognitivas) são recursos da inteligência para lidar com a realidade e
compreendê-la. No decorrer de sua obra, Piaget elaborou vários modelos do fun-
cionamento desse processo de equilibração; no último, sustenta que o equilíbrio
entre assimilação e acomodação rompe-se em três níveis de complexidade crescente,
explanados em Pozo (1998).
No primeiro nível, os esquemas que o sujeito possui devem estar em equilí-
brio com os esquemas que assimila. Assim, quando a conduta de um objeto – por
exemplo, um objeto pesado que flutua – não se ajusta às predições do sujeito, pro-
duz-se um desequilíbrio entre seus esquemas de conhecimento, uma vez que é o
peso absoluto o que determina a flutuação dos corpos e os fatos que assimila.
No segundo nível, deve existir um equilíbrio entre os diversos esquemas
do sujeito, que se devem assimilar e acomodar reciprocamente; caso contrário,
produz-se um conflito cognitivo ou desequilíbrio entre os dois esquemas. Assim
acontece, por exemplo, com os sujeitos que pensam que a força da gravidade é a

47
mesma para todos os corpos; no entanto, os objetos mais pesados caem mais
rapidamente.
Por último, o nível superior de equilíbrio consiste na integração hierárquica
de esquemas previamente diferenciados. Assim, por exemplo, quando o sujeito
adquire o conceito de força, deve relacioná-lo a outros conceitos que já possui
(massa, movimento, energia), integrando-o em uma nova estrutura de conceitos.
Nesse caso, a acomodação de um esquema produz mudanças no restante dos
esquemas assimiladores. Se isso não ocorresse, produzir-se-iam contínuos dese-
quilíbrios ou conflitos entre esses esquemas.
Nos três casos, os desequilíbrios deixaram evidente a insuficiência dos
esquemas assimiladores, o que faz ser necessário acomodar esses esquemas com
vistas à recuperação do equilíbrio rompido.
Os alunos podem ter diferentes comportamentos face a uma situação de
conflito cognitivo. De acordo com Piaget (1977), as respostas aos desequilíbrios ou
perturbações podem ser: não-adaptativas, que acontecem quando o indivíduo não
toma consciência do conflito existente, isto é, não leva a perturbação a um estágio
de contradição e, assim sendo, não faz nada para modificar seus esquemas; e adap-
tativas, quando o indivíduo toma consciência do conflito e tenta resolvê-lo. As res-
postas adaptativas podem ser de três tipos, conforme mostramos na Figura 5.

Produz NÃO ACEITAÇÃO


conflito Resposta Perturbação leve. Corrige-se
cognitivo adaptativa sem modificar o sistema. Se
(regulação da a perturbação é forte,
perturbação) ignora-se ou não é
considerada

INTEGRAÇÃO
A perturbação é
Nova integrada ao
informação sistema de
conhecimentos amplificação; não-
como uma variação reestruturação

Não produz conflito


cognitivo MODIFICAÇÃO DAS
ESTRUTURAS
Transformação do sistema:
reestruturação ACOMODAÇÃO
Qualquer modificação de um
esquema assimilador ou de
uma estrutura

Figura 5 – Respostas aos conflitos cognitivos

Vale salientar que a tomada de consciência do conflito cognitivo pode ser


empírica, tomada de consciência das propriedades do objeto (abstração empírica),
ou reflexiva, tomada de consciência das próprias ações ou dos conhecimentos apli-
cados aos objetos (abstração reflexionante).

48
Uma das implicações dos princípios piagetianos de grande importância
para o ensino de Ciências consiste no fato de que ensinar significa provocar o
desequilíbrio no organismo (mente) do sujeito aprendente para que ele, procuran-
do o reequilíbrio (equilibração majorante), se reestruture cognitivamente e apren-
da. O mecanismo de aprender do indivíduo é sua capacidade de reestruturar-se
mentalmente buscando um novo equilíbrio (novos esquemas de assimilação para
adaptar-se à nova situação). Portanto, o ensino deve ativar esse mecanismo.

Conclusões

A teoria da equilibração de Piaget possui algumas limitações que preci-


sam ser mencionadas. A primeira delas diz respeito à permanência de concepções
alternativas depois de estas terem sido submetidas, de modo sistemático, a con-
flitos cognitivos. Existem várias causas possíveis para essa relativa inércia nas
mudanças, uma das quais pode ser a interpretação equivocada, feita pelos pro-
fessores, dos pressupostos construtivistas do modelo. A outra refere-se à natureza
das próprias idéias, resistentes às mudanças. O construtivismo tem sido entendido
e praticado pelos professores, de maneira geral, como um ensino a partir das idéias
prévias dos alunos sem que seja necessário modificar as metas na organização do
currículo nem a forma de avaliar. As idéias prévias são levantadas, porém pouco
utilizadas no decorrer da aula, que continua centrada na explicação do professor e
na conseqüente avaliação do que foi transmitido. Outra limitação diz respeito ao
princípio da eliminação ou erradicação das concepções alternativas pelo conheci-
mento científico. No entanto, a eliminação do conhecimento intuitivo possivelmente
não só é difícil, mas às vezes é impossível e inconveniente em numerosos domí-
nios. O conhecimento intuitivo tem uma lógica cognitiva que se faz insubstituível;
portanto, em vez de se tentar substituí-lo, em muitos casos, será necessário inte-
grá-lo hierarquicamente nas teorias científicas.
A teoria de Piaget introduz a polêmica do paradoxo da aprendizagem: se a
aprendizagem se produz por reestruturação, deve-se supor que o que se aprende já
estava presente na estrutura cognitiva antes da aprendizagem; conseqüentemente,
não há aprendizagem.
Para Castorina (1998), o paradoxo apresenta-se com clareza quando se quer
aprender um conceito “primitivo”, que não se pode representar a partir de outro
conceito, pois é impossível formular uma hipótese a seu respeito sem o próprio
conceito permitir.

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50
O ENFOQUE SÓCIO-HISTÓRICO-CULTURAL
DA APRENDIZAGEM: OS APORTES DE L. S. VYGOTSKY,
A. N. LEONTIEV E P. YA GALPERIN

Isauro Beltrán Nuñez


e Tereza Cristina Leandro de Faria

Introdução

Embora tenha falecido há mais de 50 anos, Lev S. Vygotsky deixou um


número considerável de trabalhos que se tornam mais modernos à medida que o
tempo passa. Sua teoria ofereceu respostas a questões que pareciam insolúveis
para a Psicologia de sua época e atualmente pode proporcionar aos professores
referências para que possam pensar a “educação”. Por educação, Vygotsky enten-
dia não apenas o desenvolvimento do potencial do indivíduo, mas sobretudo a
expressão histórica e o crescimento da cultura humana a partir da qual o “homem”
emerge (Moll, 1996). Devido à sua prematura morte, antigos e fiéis colaborado-
res deram continuidade ao seu programa de pesquisa, dentre eles sobressaindo-
se Alexei N. Leontiev, que elaborou uma teoria da Atividade e Piotr Ya Galperin,
com a Teoria da Assimilação de Ações Mentais por etapas (Pacheco, 1991).
O espaço limitado do capítulo de um livro não permite uma ampla explanação
dessas idéias, portanto privilegiaremos as que podem contribuir para os professores
planejarem aulas que proporcionem ao aluno uma aprendizagem mais adequada
às demandas educativas do século XXI.

1. Aprendizagem segundo Vygotsky

A obra de Vygotsky apresenta valiosa contribuição para a educação, na


medida em que traz importantes reflexões a respeito do processo de formação das
funções psicológicas superiores e, como conseqüência, aponta diretrizes sobre a
aprendizagem, os mecanismos desse processo, a relação entre aprendizagem e
desenvolvimento, pensamento e linguagem e entre os componentes cognitivos e
afetivos.
Para Vygotsky (Pacheco, 1991), a aprendizagem é uma atividade social,
uma atividade de construção e reconstrução da cultura, mediante a qual o indiví-
duo assimila os modos sociais de atividade, e, quando na escola, os conhecimen-
tos científicos, sob condições de orientação, mediação, interação social e cultural.
Nas relações sociais, mediadas pela história, produz-se a cultura, objeto de conhe-
cimento e ponto de partida para sua construção.

51
Figura 1 – Para Vygotsky (Pacheco, 1991), a aprendizagem é uma atividade social

Vygotsky (1998a) deu expressiva atenção às relações existentes entre de-


senvolvimento e aprendizagem. Para ele, desde o nascimento da criança, desen-
volvimento e aprendizagem se relacionam, constituindo-se a aprendizagem um
aspecto necessário do processo de desenvolvimento das funções psicológicas tipi-
camente humanas. O desenvolvimento está condicionado em parte pelo processo
de maturação biológica, entretanto é a aprendizagem que suscita o despertar de
processos internos de desenvolvimento, os quais não ocorreriam, se não fosse o
contato do indivíduo com um determinado ambiente cultural – como, por exem-
plo, a escola – e sob determinadas condições. Assim, entre aprendizagem e
desenvolvimento existem relações recíprocas de natureza dialética.
A concepção de que a aprendizagem suscita o despertar de processos in-
ternos liga o desenvolvimento do indivíduo à sua relação com o ambiente so-
ciocultural em que vive e, ao mesmo tempo, à condição de um organismo que
não se desenvolve plenamente sem a ajuda de outros indivíduos de sua espécie.
A importância atribuída ao papel do outro social no desenvolvimento do indiví-
duo fica evidente no conceito de zona de desenvolvimento proximal.

2. Zona de desenvolvimento proximal

Vygotsky (1998a, p.112) define a zona de desenvolvimento proximal como


a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma
determinar através da solução independente de problemas, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da solução de pro-
blemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com com-
panheiros mais capazes.

O nível de desenvolvimento real de um indivíduo define funções mentais


que já amadureceram, que são os produtos finais do desenvolvimento. A zona de
desenvolvimento proximal define funções que ainda não amadureceram, que estão

52
em processo de maturação, considerada não em termos biológicos, mas sim como
modos de atividades internalizadas. A noção de zona de desenvolvimento proxi-
mal permite propor uma nova fórmula para a aprendizagem. Considerando que
“o bom aprendizado” é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento, cabe
aos professores esforçarem-se em ajudar os alunos a expressarem o que por si
sós não sabem fazer, mas podem, em interação com o outro, aproximar-se do
desenvolvimento potencial. O esquema seguinte representa a estrutura da zona
de desenvolvimento proximal.

Nível de Nível de
desenvolvimento real desenvolvimento
(NDR) potencial (NDP)

Zona de
desenvolvimento
proximal (ZDP)

O indivíduo O indivíduo
pode agir precisa da
sozinho ajuda do
outro

Esquema 1 – Representação da zona de desenvolvimento proximal

Vygotsky (1998b) faz uma distinção entre os conhecimentos construídos


na experiência pessoal e cotidiana dos indivíduos, que ele chama de conceitos
espontâneos, e aqueles elaborados na sala de aula por meio do ensino sistemático,
que ele chama de conceitos científicos (conceitos escolares). Apesar de diferentes,
os dois tipos de conceitos se relacionam e se influenciam mutuamente, pois são
partes de um único processo, o do desenvolvimento de formação de conceitos. O
desenvolvimento de conceitos científicos ocorre a partir de conceitos espontâneos
internalizados pelo aluno; daí a importância atribuída às idéias prévias na formação
de conceitos científicos. Vygotsky, ao diferenciar a aprendizagem natural da apren-
dizagem escolar, atribui à escola um papel fundamental na formação de conceitos.
O processo de formação de um conceito científico é longo, complexo e nunca
alcançado por meio de uma aprendizagem receptiva e memorística, mas sim por
meio de uma “atividade” produtiva, mediada e social do aluno. A atividade hu-
mana caracteriza-se por modificar, transformar o objeto (a natureza, o pensamento,
etc.), portanto vai além de uma passiva adaptação ao meio. É a atividade o motor
principal do desenvolvimento humano. De acordo com Leontiev (apud Nuñez;
Pacheco, 1997, p.38),

53
todo conceito, como formação psicológica é fruto da atividade. Cabe
organizar e cabe estruturar no aluno uma atividade adequada ao con-
ceito e que o situe em relação correspondente com a realidade. Não
surge a atividade conceitual na criança porque ela domine o conceito,
mas, pelo contrário, domina o conceito porque aprende a atuar concei-
tualmente, porque, se cabe expressar-se assim, sua prática mesma deve
ser conceitual.

A formação de novos conceitos científicos (escolarizados) leva à ressignificação


de conceitos já existentes, provocando contínua reestruturação cognitiva e o desen-
volvimento de funções psicológicas superiores. Vygotsky (1998a) chama de funções
psicológicas superiores aquelas funções tipicamente humanas, tais como a linguagem
oral, o jogo simbólico, a leitura e a escrita, a reflexão, a consciência das ações, etc.
A linguagem é o signo principal e de maior valor funcional como mediador
da cultura. Na atividade, o sujeito atua sobre a realidade para adaptar-se a ela e,
ao transformá-la, transforma a si mesmo por meio de instrumentos psicológicos
mediadores. Esse processo, chamado de mediação instrumental, realiza-se por
meio de “ferramentas” que Vygotsky (1998a) classifica como mediadores simples
(recursos materiais) e mediadores sofisticados (a linguagem). Os mediadores são
instrumentos para transformar a realidade e não só para imitá-la, sendo adquiridos
pelo indivíduo no seu meio sociocultural. A linguagem é um instrumento essencial
no processo de internalização da atividade e nos mecanismos de aprendizagem
por compreensão.
Como não é qualquer ensino que garante o desenvolvimento intelectual em
sua totalidade, também não é qualquer “atividade” que proporciona a construção
do conceito científico pelo aluno. O conceito só se forma num determinado tipo
de atividade. Vygotsky (Pacheco, 1991) não discute uma teorização sobre a “ativi-
dade” como condição necessária à formação de conceitos científicos. Leontiev
(1983), com base nas experiências das pesquisas de Vygotsky e nos princípios do
materialismo dialético e histórico, elabora uma teoria sobre a atividade humana.
Assim, a aprendizagem passa a ser compreendida como um tipo de atividade.
A aprendizagem como uma atividade é um enfoque adequado à posição
construtivista, uma vez que é na atividade que se produzem as interações do
indivíduo como objeto de conhecimento. Quando a aprendizagem implica uma
atividade caracterizada por sua expressiva novidade, e para a qual os alunos não
têm as representações necessárias para apropriar-se do objeto de estudo, o pro-
cesso de internalização da atividade externa com objetos para a atividade interna
como representação mental tem um significado vital. A interiorização da atividade
externa em interna, ou melhor, o mecanismo teórico do processo de internalização
foi desenvolvido por Galperin (1986). Para Nuñez e Pacheco (1997), somando-se
essas relevantes contribuições, a obra de Vygotsky alcança uma nova dimensão no
contexto de um enfoque teórico que constitui uma escola da Psicologia, ou seja, a
Escola Sócio-Histórico-Cultural.

54
3. A aprendizagem como um tipo de atividade

A atividade humana é o processo que medeia a relação entre o sujeito (ser


humano) e o objeto (como realidade a ser transformada) pela ação do sujeito.
Nesse processo dialético, o sujeito é também transformado, pois se formam ou
modificam qualidades do pensamento, atitudes, valores, etc.
A aprendizagem de uma habilidade como atividade pode ser pensada como
um conjunto de ciclos concatenados e, para cada ciclo, pode-se separar para sua
análise quatro momentos ou ações principais: a orientação (segundo os esquemas
de referência do indivíduo para planejar a futura ação); a realização ou execução
da atividade no plano prático (ação); a regulação da ação (durante o processo e o
controle sobre o resultado) e o momento final de correção ou ajuste. Cada um
desses ciclos, na seqüência, avança como uma espiral no processo de construção
do conhecimento. Assim, o novo ciclo está relacionado com o anterior (idéias prévias,
recursos cognitivos e afetivos, etc.), que é o ponto de partida na construção do
conhecimento. Esses momentos estão representados no esquema seguinte.

Orientação Execução
(B.O.A.)

Ajuste Regulação

Ciclo 1
Esquema 2 – Momentos do ciclo cognitivo de aprendizagem e seu desenvolvimento dialético

O momento de orientação é de vital importância para a atividade de apren-


dizagem; por ser uma orientação técnica, é crucial para a sua execução. É nessa
etapa que o indivíduo planeja como vai realizar a atividade; vale salientar que a
qualidade da execução depende desse planejamento, portanto o aluno deve refletir
de forma crítica sobre a atividade, sua estrutura, as condições, os recursos de que
dispõe e os indicadores qualitativos ou as qualidades da ação. A Base Orientadora
da ação (B.O.A) possibilita o autocontrole, a regulação, o aprender a aprender.
Durante a execução, o aluno deve regular sua ação pelo sistema de padrões
e indicadores da B.O.A., segundo critérios pessoais e sociais. A B.O.A. constitui
um modelo teórico que fundamenta a execução da atividade. O controle da execução,
segundo os indicadores qualitativos, possibilita as correções necessárias durante a

55
aprendizagem, assim como a compreensão dos erros e sua natureza e, quando é
preciso, a reconstrução da própria orientação. No ensino tradicional, a atividade
do aluno prioriza a execução, sem uma boa compreensão da parte orientadora.

A orientação da ação
(B.O.A) possibilita o
autocontrole, a regulação, o
aprender a aprender

Figura 2 – Importância da orientação da ação

4. Os componentes da atividade de aprendizagem

Para Leontiev (1983), a atividade de aprendizagem (como habilidade) pos-


sui determinados componentes:
· Um sujeito da atividade: esse sujeito refere-se àquele que realiza a ação.
No caso da atividade de aprendizagem (da atividade de estudo), é o aluno quem
realiza as ações para alcançar determinadas transformações como conseqüência
dessa atividade e para assimilar um dado conteúdo, para formar novas atitudes,
valores, formas de comportamento, etc. O sujeito da atividade não é um indivíduo
isolado, mas o conjunto das relações sociais que estabelece com os outros. Na
aprendizagem, quando se formam atitudes, valores, como conseqüências da pró-
pria atividade cognitiva do aluno com o objeto da aprendizagem, o aluno não é só
sujeito mas também objeto da atividade. Nesse sentido, sujeito e objeto constituem
um par dialético. Essa dinâmica possibilita uma compreensão complexa da estru-
tura da atividade.
· Um objeto da atividade: a característica básica de qualquer atividade é
seu caráter objetal. O objeto da atividade é para onde está dirigida a ação. Constitui
a matéria prima necessária para que o sujeito da atividade possa obter um produ-
to determinado. O objeto é o produto da transformação. No caso da atividade de
estudo, refere-se aos conteúdos e qualidades da personalidade que a escola deve
mobilizar nos alunos no processo educativo. A aprendizagem como atividade hu-
mana tem uma peculiaridade em relação a outras atividades: não só se transfor-
mam os objetos materiais inanimados, como também se modifica o aluno nas

56
interações que estabelece com “os outros”. Assim, não só o conteúdo a assimilar
é objeto da atividade como também o é o próprio aluno. O aluno tem um papel
dual na atividade de aprendizagem: é o sujeito e objeto da atividade. Os objetos
da atividade podem ser de diferente natureza. Pode ser um objeto específico na-
tural, uma instituição social ou o próprio aluno, quando a atividade se orienta a
transformar características da sua personalidade.
· Os motivos para realizar a ação: os motivos como componentes da ati-
vidade têm que existir no sujeito, pois se não existirem motivos e necessidades, não
haverá ação. Para os psicólogos, a motivação tem sua origem numa necessidade.
Como explica o próprio Vygotsky (1998a, p.121),
se ignorarmos as necessidades da criança e os incentivos que são efica-
zes para colocá-la em ação, nunca seremos capazes de compreender
seus avanços de um estágio evolutivo para o próximo, pois cada avanço
está conectado com uma mudança acentuada nas motivações, tendências
e incentivos.

Ela determina a direção do comportamento para os objetivos apropriados


à sua satisfação. Leontiev (1983) interpreta o motivo da atividade como uma
necessidade do estudante, como uma necessidade objetivada, como o objeto que
move o sujeito para a ação nas situações-problema que envolvem a aprendiza-
gem. No encontro com o objeto que a satisfaz, a necessidade pode orientar e re-
gular a atividade, uma vez que essa necessidade se objetiva, faz-se consciente.
· Um objetivo: é a representação imaginária dos resultados possíveis a se-
rem alcançados com a realização de uma ação concreta. Toda atividade humana
se realiza a partir de finalidades ou objetivos que orientam as ações humanas em
direção às suas metas. A correlação entre o objetivo da atividade e os motivos que
levam o sujeito à execução da ação permite revelar os diferentes sentidos pessoais
que a aprendizagem tem para o aluno. Talízina (1985) afirma que uma ação se
converte em atividade, quando o objetivo e o motivo coincidem, possibilitando o
desenvolvimento de habilidades e capacidades relacionadas com determinados
conhecimentos. Quando não coincidem, o ensino e a aprendizagem são ações e não
atividades. Na atividade de aprendizagem, os objetivos de aprendizagem devem
ser explicitados para o aluno ter clareza da atividade que deve realizar para aprender,
questão que contribui com a possibilidade de auto-regulação da aprendizagem.
Muitas vezes, dificuldades para aprender derivam-se do fato de o aluno não saber
“o que não sabe”, o que pode impossibilitá-lo de procurar estratégias em busca da
construção do desconhecido e, conseqüentemente, auto-regular sua aprendizagem.
Os objetivos da aprendizagem devem estar em correspondência com os objetivos
do ensino, ou seja, com as finalidades do professor e do projeto de aprendizagem,
podendo ser expressos em torno das atividades (habilidades) que deve aprender o
aluno no plano da integração conceitual, procedimental e atitudinal, uma vez que
o afetivo não se separa do cognitivo.

57
· Um sistema de operações: corresponde aos procedimentos, métodos,
técnicas e estratégias para realizar a ação e com eles alcançar a transformação do
objeto em produto; são os procedimentos como sistema que o aluno deve executar
para a atividade de aprendizagem. Essas operações são um sistema de microações
que dão à ação o caráter de processo contínuo. Leontiev (1983) concebe as opera-
ções como métodos por meio dos quais se executa a ação. A ação se realiza via
operações; não obstante, ação e operação têm identidades próprias. Distinguem-se
em relação ao objetivo a atingir. As operações dependem das condições nas quais
o objetivo da ação se expressa, enquanto que a ação é determinada pelo objetivo.
Uma mesma ação pode ser executada por diferentes operações e, por sua vez, uma
mesma operação pode responder a diferentes ações. Conseqüentemente, a ação
tem certa independência relativa.
Quando uma pessoa assimila a experiência das gerações anteriores, assimila
não somente os objetos do mundo exterior (conceitos) como também a parte ope-
rativa que se encontra por trás desses conhecimentos e objetos (procedimentos).
· A Base Orientadora da Atividade (B.O.A.): constitui para o sujeito a
imagem da ação que ele irá realizar, a imagem do produto final ligada aos pro-
cedimentos assim como ao sistema de condições exigidas para a ação. Na B.O.A.,
expressa-se o modelo teórico da atividade de aprendizagem como um sistema de
operação que regula e dirige a aprendizagem. O aluno, antes de fazer, deve ter
clara a compreensão do que vai fazer, com possibilidades de argumentar as ações
que conformam a atividade que vai desenvolver. Ao construir o referido modelo
teórico, pelo qual poderá desenvolver a atividade, o aluno precisa conscientizar-se
da estrutura da atividade.
Na Base Orientadora da Ação, inclui-se o sistema de condições no qual se
apóia o indivíduo para cumprir uma atividade. O aluno pode construir o sistema
de conhecimentos e estabelecer os modelos das ações a executar visando à realiza-
ção da atividade, assim como a ordem de realização dos componentes da ação:
orientação, execução e controle. Diferentemente do behaviorismo, para o qual se
privilegia a parte executiva da atividade, na perspectiva sócio-histórico-cultural, a
orientação que o sujeito constrói para a atividade determina, dentre outros fatores,
a qualidade da aprendizagem.
Na teoria de assimilação por etapas, de Galperin (1988), foram estudados
oito possíveis tipos de Bases Orientadoras da Ação, levando-se em conta três
parâmetros fundamentais: o grau de plenitude, o grau de generalidade e o grau de
independência. As Bases Orientadoras mais estudadas têm sido as conhecidas co-
mo B.O.A. I, B.O.A. II e B.O.A. III.
O primeiro tipo, B.O.A. I, caracteriza-se por uma composição incompleta
da orientação. As orientações estão representadas de forma particular. O processo
de assimilação, segundo esse tipo de orientação, caracteriza-se por ser lento e por
apresentar um grande número de erros na solução das tarefas. A transferência dos
conhecimentos é limitada.

58
No segundo tipo de orientação, B.O.A. II, característica do ensino tradi-
cional, dá-se aos alunos, de forma elaborada, toda a condição necessária para o
cumprimento correto da ação, porém essas condições são particulares, só servem
para a orientação de um caso determinado. A formação da ação, segundo essa
orientação, avança rapidamente e com poucos erros, porém a esfera de transferên-
cia é limitada. Para cada tipo de exercício ou tarefa, o aluno precisa construir uma
orientação.
O terceiro tipo, ou B.O.A. III, tem uma composição completa e generalizada,
aplicável a um conjunto de fenômenos e tarefas de uma determinada classe. Nela
está contida a essência da atividade, porque se trata de uma orientação teórica. A
B.O.A., como modelo teórico da atividade (habilidade), expressa os nexos entre o
singular, o particular e o geral da atividade na qual entra o conceito em formação,
propiciando o trabalho com estratégias metodológicas que distinguem o fenômeno
da essência, o acesso do abstrato ao concreto e vice-versa, como via de formação
do pensamento teórico. O aluno constrói a B.O.A. de forma independente com
ajuda de métodos gerais sob a orientação do professor. A atividade, segundo esse
tipo de orientação, forma-se rapidamente com poucos erros e se caracteriza por
sua estabilidade, alto nível de generalização e, portanto, por uma maior transferên-
cia. É uma orientação completa, que dá possibilidade de orientação não só na
solução de tarefas concretas como também em todo um conjunto de tarefas de uma
mesma classe.
Na vida cotidiana, as pessoas antes de fazer algo procuram compreender
como se faz, construindo assim o modelo teórico (B. O. A.) da atividade, quando
a aprendizagem é por compreensão. A escola geralmente presta pouca atenção a
esse momento de orientação, de investigação, necessário para uma aprendizagem
por compreensão, prestando maior atenção à própria execução da atividade, por
vezes não compreensível, levando a uma aprendizagem reprodutiva.
· Os meios para realizar uma atividade: os sujeitos usam os instrumentos
adequados nos quais se apóiam na atividade de aprendizagem. Os meios como
elementos encontram-se entre o objeto e o sujeito da atividade. Existem meios
materiais (objetos e instrumentos) e meios de natureza informativa ou simbólica.
Os instrumentos que os alunos utilizam para desenvolver suas atividades de
aprendizagem pertencem ao grupo de tecnologias, no sentido amplo desta última
categoria. Os recursos lingüísticos e objetos materiais são recursos necessários
para o sucesso da atividade. Por isso há necessidade de compreender que função
e quais são as potencialidades e limitações de cada tecnologia e recurso, no
planejamento e execução da atividade.
· As condições: representam o conjunto de situações em que o sujeito reali-
za a atividade. Refere-se às condições ambientais (espaço, iluminação, ventilação,
etc.) e ao clima psicológico no qual se desenvolve a atividade. O agir com sucesso
depende do contexto de realização da atividade. Para a Psicologia Educacional, é
conhecida a influência das condições e do contexto na atividade de aprendizagem.

59
As decisões práticas e teóricas têm sentido em relação ao contexto no qual se
desenvolve a atividade de aprendizagem. O conhecimento e a análise, pelo sujeito
da atividade, desses elementos são essenciais para a compreensão e o desenvol-
vimento do processo de formação de habilidades.
· O produto: é o resultado obtido com as transformações ocorridas com o
objeto (matéria prima da atividade) por meio dos procedimentos (ações) os quais
podem coincidir com o objetivo da atividade. Representa as transformações na
personalidade do aluno, resultado de sua atividade de aprendizagem, dos conteú-
dos assimilados, das novas formas de agir de modo competente, das atitudes, dos
valores formados, relacionados com as intencionalidades educativas. A atividade
humana (material ou mental) está cristalizada no seu produto.
O esquema seguinte apresenta os componentes estruturais da atividade de
aprendizagem anteriormente explicitada, sob a perspectiva dessa atividade.

Objetivo

Produto Motivo

Atividade de
Condições Sujeito
aprendizagem

Meios /
Objeto
Recursos

Base
Orientadora da
Ação

Esquema 3 – Componentes estruturais da atividade de aprendizagem

Pacheco (1993, p.45) diz que organizar a aprendizagem sob a perspectiva


da atividade supõe delimitar:
· o papel que tem o sujeito que aprende no processo de aprendizagem, seus
motivos, interesses, possibilidades físicas, intelectuais e volitivas, nível de desen-
volvimento de suas estratégias de aprendizagem e de suas habilidades para o estudo;

60
· as características do objeto, como parte da realidade que é necessária se
aprender e transformar na aprendizagem;
· os procedimentos, técnicas, estratégias de aprendizagem e de estudo
necessários para a atividade;
· os meios disponíveis (materiais, cognitivos e afetivos) para a atividade;
· os resultados esperados (objetivos e propósitos) e os resultados atingidos;
· a situação ou contexto espaço-temporal no qual tem lugar a aprendizagem;
· os resultados e efeitos da atividade.

5. As características qualitativas das habilidades

O processo de formação de uma atividade (como a aprendizagem escolar) é


visto como um processo de direção; por conseguinte, para avaliar a qualidade da
formação da atividade, faz-se necessário estabelecer as características qualitativas
das ações. De acordo com Nuñez e Pacheco (1997, p.46),
o grande mérito de P. Ya Galperin, como criador da teoria da assimilação
de ações mentais por etapas, foi precisamente haver delimitado o
conjunto de indicadores qualitativos a ter em conta na formação de
habilidades, os quais funcionam como parâmetros qualitativos para
elevar a qualidade das ações formadas.

Na teoria de Galperin (1988), as principais características da atividade


(ações) são:
· forma em que se realiza a ação: no plano material (com objetos materiais)
ou materializado (por meio da representação do objeto, como desenhos, esquemas,
filmes ou modelos que expressem atributos necessários e essenciais do objeto de
assimilação), no plano da linguagem verbal externa (oral ou escrita) ou no plano
mental (com representações, conceitos);
· grau de generalização: toda atividade e todos os conceitos possuem limites
de aplicação, assim sendo, o grau de generalização diz respeito à relação entre as
situações nas quais o sujeito aplica a atividade e os conceitos e as situações em que
realmente é possível essa aplicação;1
· grau de detalhamento: no processo de assimilação de novas ações, toda
ação inicial deve ser realizada da forma mais detalhada possível para que se tenha
consciência dos elementos que a integram, só depois é que se começa o processo de
redução, que culmina com a forma mental;
· grau de consciência: diz respeito à possibilidade de o sujeito fazer a ação
e saber dizer por que a fez ou está fazendo. Para Vygotsky (1998b), o pensamento

1
A qualidade de generalização se discute com mais detalhes no capítulo sobre a transferência da
aprendizagem.

61
científico implica a manipulação consciente de relações entre objetos. Esse grau
de consciência pode ser relacionado com a metacognição.2 Na aprendizagem, o
conhecimento que o aluno e o grupo têm dos recursos e possibilidades, de suas for-
ças, desejos, motivos, limitações, etc., para participar de forma ativa na sociedade,
e de sua formação como personalidade histórica e social, pode ser compreendido
quando se conscientizam os elementos estruturais e funcionais da atividade. Essa
conscientização possibilita aos sujeitos regular os processos de aprendizagem e de
formação, de forma crítica;
· grau de independência: como uma ação nova não pode ser formada sem
algum tipo de ajuda, o grau de independência diz respeito à passagem progressiva
da ação com ajuda para uma ação sem ajuda;
· solidez: diz respeito à possibilidade de uma sólida aprendizagem. Quanto
mais completa seja a passagem da forma material ou materializada para a forma
mental do grau de consciência, maior será a possibilidade de solidez da ação,
mesmo se tendo passado algum tempo de sua formação.
O esquema a seguir mostra as principais características da atividade,
de acordo com a teoria de Galperin, conforme foi discutido anteriormente.

Forma em
que se realiza
a ação

Grau de
Solidez generalização

Características
da atividade

Grau de Grau de
independência detalhamento

Grau de
consciência

Esquema 4 – Características da atividade na teoria de Galperin

2
A partir da perspectiva da aprendizagem como processamento de informação, a metacognição
ou consciência da aprendizagem pode ser interpretada nos pressupostos da escola sócio-histórico-
cultural.

62
6. A aprendizagem como processo de internalização
da atividade externa em interna

Pelo que foi apresentado até o momento sobre a aprendizagem no enfoque


sócio-histórico-cultural, percebe-se que, para aprender novos conceitos, gene-
ralizações e habilidades, o sujeito precisa realizar determinada atividade, que,
primeiramente, acontece num plano material externo e, posteriormente, como
conseqüência da internalização, num plano material interno. Vale salientar que
essa necessidade de se iniciar o processo pelo plano material ou materializado só é
essencial quando não estão formadas na mente as imagens correspondentes, os
conceitos e as operações necessárias para a nova atividade. Esse processo de
passagem de um plano a outro foi denominado por Vygotsky (1998a) de “inter-
nalização”. Entretanto, em suas pesquisas, não são encontradas explicações a
respeito de como se realiza essa passagem. De acordo com Nuñez e Pacheco
(1997, p.54), isso foi explicado por Galperin, que
elaborou um dos estudos mais detalhados das etapas de formação da
atividade interna a partir da externa, o papel de cada um dos momentos
funcionais da atividade – orientação, execução e controle – das trans-
formações que sofre a ação neste processo de abreviação, generalização
e automatização, como resultado do qual adquire um caráter especifi-
camente psíquico.

A teoria de Galperin (1988) explica a gênese da nova atividade interna,


quando os recursos cognitivos são insuficientes, ou seja, revela o mecanismo de
formação de esquemas, habilidades, estruturas cognitivas a partir do plano externo,
na interação com os objetos culturais. Diferentemente da teoria da equilibração
de Piaget, a aprendizagem de uma nova habilidade não resulta unicamente de
transformações de estruturas cognitivas preexistentes.
De acordo com Galperin (1986), o processo de internalização da atividade
externa em interna (aprendizagem como atividade) é concebido como um ciclo
cognoscitivo em que se destacam cinco etapas.
Na primeira etapa, a motivacional, o aluno se dispõe para a aprendiza-
gem pela motivação como condição necessária. Nessa etapa, a principal tarefa
do professor é preparar os alunos para assimilarem3 novos conceitos, atitudes e
habilidades. Atualmente, existe praticamente unanimidade entre os professores
quanto ao fato de que, se o aluno não for adequadamente preparado para o estudo,
ele pode não aceitar a atividade proposta ou realizá-la de maneira formal. Por

3
Ao contrário de Piaget, Vygotsky (essencialmente no enfoque sócio-histórico-cultural) não fala
de assimilação, mas sim de apropriação, portanto quando usamos a palavra assimilação no texto
não é com o mesmo significado piagetiano, mas como apropriação da cultura (aprendizagem nos
termos vygotskyanos).

63
conseguinte, criar nos alunos uma disposição positiva para o estudo é condição
necessária no processo de assimilação.
Na segunda, a etapa de estabelecimento do esquema da Base Orienta-
dora da Ação (B.O.A.), o aluno constrói a orientação para a atividade.
Galperin (1959, p.27) assinala que

a parte orientadora é a instância diretiva e, precisamente, no funda-


mental, depende dela a qualidade de execução. Se elaborarmos um
conjunto de situações em que se deva aplicar essa ação conforme o
plano de ensino, essas situações ditarão um conjunto de exigências
para a ação que se forma e, juntamente com elas, um grupo de proprie-
dades que respondem a essas exigências e estão sujeitas à formação.

A Base Orientadora da Ação (B.O.A.) constitui o modelo da atividade e


assim sendo deve refletir todas as partes estruturais e funcionais da atividade. É o
sistema de condições em que o homem realmente se apóia ao exercer a atividade. O
aluno pode construir o sistema de conhecimentos e estabelecer os modelos das
ações a serem executadas com vistas à realização da atividade, assim como a
ordem de realização dos componentes da ação: orientação, execução e controle.
Essa etapa deve ser estabelecida num processo de elaboração do conhe-
cimento, de tal modo que o aluno possa construir, junto com o professor, o modelo
da atividade que realizará (a habilidade em formação). O aluno deve dispor de to-
dos os conhecimentos necessários sobre o objeto da ação, as condições, as ações
que compreendem a atividade a ser realizada, os meios de controle e deve conhecer,
nesta etapa, os limites de aplicação de tal atividade. Para Galperin (1959), a orien-
tação é sinônimo de compreensão pelo papel objetivo que desempenha na ação.
Vale salientar que o ensino “construtivista” responde a uma B.O.A. tipo
III, que não é uma orientação dada pronta e acabada, mas construída pelo aluno
com a orientação do professor, como necessária à atividade produtiva.
Na terceira, a etapa de formação da ação no plano material ou materia-
lizada, a forma material é aquela em que se trabalha com o próprio objeto de estudo
e a forma materializada é aquela em que se trabalha com a representação do objeto,
que deve possuir os aspectos necessários e essenciais deste. Nesse momento, o aluno
começa a realizar a ação propriamente dita no plano externo e, de forma detalhada,
vai realizando todas as operações que a constituem. É a etapa em que, trabalhando
em dupla ou sob a supervisão do professor, o aluno se relaciona com os próprios
objetos e fenômenos ou com a sua representação, realizando ações externas, pois é
na atividade que está a fonte da construção dos conhecimentos humanos.
Na quarta, a etapa de formação da ação no plano da linguagem externa,
os elementos da ação são apresentados de forma verbal (oral ou escrita). Nessa
fase, o aluno não trabalha com os objetos concretos nem com suas representações,
mas sim com os sistemas simbólicos que os representam. O aluno deve resolver a
tarefa oralmente ou utilizando a linguagem escrita. A ação se converte em uma

64
ação teórica, baseada em palavras e conceitos verbais. É o momento em que o
aluno pode reconstruir a compreensão dos conceitos e procedimentos em diferentes
domínios, articulando os pensamentos enquanto resolve um problema ou quando
atua como crítico ou monitor na atividade de grupo. É também uma etapa que deve
ser realizada de forma detalhada, porém sem apoio externo, como, por exemplo,
cartões de estudo.
A etapa mental, a última no caminho da transformação por etapas da ação
externa em interna (imagens, representações mentais, etc.), é o momento em que a
ação começa a reduzir-se e pode automatizar-se muito rapidamente, tornando-se
inacessível à auto-observação. Agora se trata de ato do pensamento, no qual o pro-
cesso está oculto e só se revela o seu produto. Por sua origem, a ação interna está
relacionada com a ação externa, e é o seu reflexo. Substituindo as coisas reais,
agora o objeto da ação, assim como sua composição operacional, têm caráter ideal,
caráter de imagem. A ação pode ser trasladada totalmente para o plano mental, ou
somente em sua parte de orientação. Nesse segundo caso, a parte executiva da
ação permanece no plano material e pode converter-se num hábito motor.
O processo de assimilação da nova atividade realiza-se segundo a figura
a seguir.

B.O.A. AÇÃO LINGUAGEM


MATERIAL EXTERNA
MOTIVACIONAL MENTAL
FORMA EXTERNA FORMA INTERNA
COMPARTILHADA INDEPENDENTE
NÃO GENERALIZADA GENERALIZADA
DETALHADA REDUZIDA

Figura 3 – Etapas do processo de assimilação da nova atividade


Fonte: Nuñez; Pacheco (1997, p.114).

A aprendizagem de uma habilidade, segundo os critérios que discutimos,


deve organizar-se de forma tal que facilite nas etapas iniciais (de orientação, material
ou materializada e da linguagem externa) o trabalho dos alunos em duplas ou em
grupos pequenos. Pacheco (1993) assinala dentre as características do grupo:
· o grupo, como grupo de aprendizagem, é sujeito de sua própria aprendi-
zagem e não só objeto do ensino;
· são produzidos no grupo três processos de influência mútua: a aprendi-
zagem de cada sujeito, o processo do grupo e o processo de ensino;
· o docente, no trabalho com o grupo de aprendizagem, precisa conhecer sua
estrutura, dinamismo mecânico de mudanças e estratégias para sua orientação e
transformação, pois assume na sua relação com o grupo a função de coordenador.

65
Figura 4 – Trabalho em grupos pequenos

Conclusões

A aprendizagem, na perspectiva sócio-histórico-cultural, é compreendida


como um processo de construção de conhecimento, de habilidades, hábitos, valores,
etc., que se produz em condições de interação social (mediada), na dependência
dos recursos cognitivos de que dispõe o aluno. A aprendizagem não é só registro
e sim interpretação da informação na dependência dos interesses, construções
cognitivo-afetivas prévias e do próprio controle desse processo pelo aluno que
aprende. Caracteriza-se por ser um tipo específico de atividade humana, interligada
a outros tipos de atividades (trabalho, estudo, etc.), que se produz em condições
socioculturais vinculadas ao desenvolvimento integral do aluno.
Diante disso, podemos concluir que, se considerarmos apenas os estudos de
Vygotsky na explicação do processo de aprendizagem, estaremos cometendo uma
injustiça com a psicologia soviética, pois a aprendizagem como processo é expli-
cada sob vários postulados teóricos de psicólogos e especialistas, dentre eles
Leontiev, Galperin e Talízina, que contribuíram para a formação da escola sovié-
tica de Psicologia da Educação. Entendendo-se dessa forma, Vygotsky pode trazer
relevantes contribuições para pensar de forma crítica as práticas tradicionais de
ensino-aprendizagem de Ciências e Matemática.
Para que a “teoria” de Vygotsky seja utilizada como referência pelos pro-
fessores, devem ser levadas em consideração algumas de suas limitações. Embora
Vygotsky (1998a) tenha o mérito de ter demonstrado a estreita relação que existe

66
entre desenvolvimento e aprendizagem por meio do conceito de “zona de de-
senvolvimento potencial (proximal)” e isso tenha proporcionado um outro olhar
para essa questão, torna-se difícil utilizar esse conceito de forma específica em
um contexto educativo. A medição do desenvolvimento real é possível, entretanto
a determinação do desenvolvimento potencial está sujeita a uma certa circulari-
dade. Caso o professor utilize mediadores externamente proporcionados, pode-
se fixar o nível potencial, mas, se não é assim, isso se deve ao fato de que o aluno
carece de potencialidades nesse aspecto ou de que os mediadores utilizados não
são adequados? Como saber quais são os mais adequados? Ainda que válida,
sua aplicação efetiva é limitada pela ausência de medições independentes do
desenvolvimento potencial (Pozo, 1998).
Outra limitação da teoria de Vygotsky diz respeito às relações entre os di-
versos tipos de aprendizagem. Embora sejam postuladas interações entre eles, ele
não especificou qual a natureza dessas interações. Quando as aprendizagens
por associação e por reestruturação se complementam, apóiam-se mutuamente?
E quando atuam em direções opostas? Ele afirmou que os conceitos espontâneos
facilitam o trabalho descendente (do científico para o espontâneo), mas não parece
que seja sempre assim. Quando são facilitadores e quando funcionam como
obstáculos? Tendo em vista que os conceitos científicos só podem ser adquiri-
dos por meio da instrução formal, que técnicas de instrução devem ser utiliza-
das? (Pozo,1998).
Entretanto, para Moreira (1999), apenas a maneira como ele teoriza acerca
da premissa de que o desenvolvimento cognitivo não pode ser entendido sem re-
ferência ao contexto social, histórico e cultural em que ocorre, já é motivo suficiente
para justificar o estudo e utilização, como referência, dessa teoria pelos professores,
principalmente levando-se em conta que os trabalhos de Leontiev e Galperin ten-
tam superar algumas dessas limitações (Nuñez; Pacheco, 1997).

Referências

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conceptos”. Informe de la Academia de Ciencias Pedagógicas de la RSFSR, Moscú,
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——–––—. “Teoría de la formación por etapas de las acciones mentales”. In ILIASOV,
I.; LIAUDIS, V. Ya. Antología de la psicología pedagógica y de las edades. La Habana:
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LEONTIEV, A. N. Actividad, conciencia, personalidad. La Habana: Pueblo y Educación,
1983.
MOLL, L. C. Vygotsky e a educação: implicações pedagógicas da psicologia sócio-
histórica. Porto Alegre; Artes Médicas, 1996.

67
MOREIRA, M. A.Teorias de aprendizagem. São Paulo: EPU, 1999.
NUÑEZ, I. B.; PACHECO, O. G. La formación de conceptos científicos: una perspec-
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PACHECO, O. G. “El enfoque histórico-cultural como fundamento de una concepción
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Ediciones ENPES, 1991, p.92-113.
__________. El saber aprender. La Habana: CEPES UH Editora, 1993.
POZO, J. I. Teorias cognitivas da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
POZO, J. I.; CRESPO, M. A. G. Aprender y enseñar ciencia: del conocimiento cotidiano
ao conocimiento científico. Madrid: Morata, 1998.
TALÍZINA, N. F. Conferencias sobre los fundamentos de la enseñanza en la educación
superior. La Habana: Universidad da la Habana, 1985.
__________. Psicología de la Enseñanza. Moucú: Editorial Progreso, 1988.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1998a.
__________. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1998b.

68
A APRENDIZAGEM COMO PROCESSAMENTO
DE INFORMAÇÃO

Isauro Beltrán Nuñez,


Márcia Adelino da Silva Dias
e Tereza Cristina Leandro de Faria

Introdução

O século XX, para a Psicologia da Aprendizagem, caracterizou-se ini-


cialmente pelo domínio do condutismo e posteriormente pela psicologia cognitiva.
O avanço desse paradigma deu-se, primeiramente, em virtude das limitações
empíricas do condutismo para explicar os processos internos da aprendizagem
e também em conseqüência do mundo científico, aberto pelas “Ciências do Artifi-
cial” (POZO, 1998). De acordo com Bruner (1983, apud POZO, 1998, p.39),
hoje parece-me claro que a “revolução cognitiva” configura uma
resposta às demandas tecnológicas da “Revolução Pós-Industrial”. O
novo movimento cognitivo adotou um enfoque de acordo com tais de-
mandas, e o ser humano passou a ser concebido como um processador
de informação.

Assim, se o condutismo surge como resposta aos métodos de intros-


pecção na psicologia, na qual não se consideravam as explicações hipotéticas
das funções mentais, o processamento da informação foi uma resposta às limi-
tações do condutismo, na busca de explicações dos processos mentais que me-
deiam entre Estímulo e Resposta; nessa perspectiva, a aprendizagem é consi-
derada como um processo de aquisição de conhecimentos. O estudo cognitivo
da aprendizagem nasce presidido pela comparação da mente humana com o
computador enquanto as teorias condutistas se baseiam fundamentalmente no
estudo da aprendizagem como comportamento pelo mecanismo de Estímulo-
Resposta (E-R).
O processamento de informação tem o organismo (O), incorporado entre o
estímulo (E) e a resposta (R), tendo por objetivo estudar a aprendizagem como
forma específica de representação (Esquema 01). O fenômeno cognitivo pode ser
descrito e explicado em termos de processos mentais e representacionais que se
situam entre o estímulo e a resposta ou conduta observável; assim, a informação é
representada e manipulada pelos processos mentais.

69
Estímulo Organismo Resposta

Sistema que processa a informação

Esquema 01 – O organismo como entidade entre o estímulo e a resposta

As teorias do processamento de informação

A psicologia cognitiva procura explicar como se processa a informação


durante a aquisição do conhecimento. Durante o processamento da informação,
podem-se distinguir três momentos:
· recepção inicial da informação (input);
· funções de processamento (processos cognitivos como associação,
pensamento, tomada de decisões, memória, solução de problema, etc.);
· saída da informação (output, ou ações de comportamento).
Segundo Pérez Gómez (1998, p.44), uma diferença entre o processamen-
to da informação em relação ao condutismo é que “o modelo de processamento de
informação considera o homem como um processador de informação, cuja atividade
fundamental é receber informação, elaborá-la e agir de acordo com ela”.
Entretanto, apesar das diferenças, os dois enfoques coincidem ao abordar a
mudança no indivíduo. No condutismo, insistia-se na mudança de comportamento,
enquanto que nos enfoques cognitivos insiste-se na mudança de conhecimento.
Nessa nova visão de aprendizagem, a comparação entre o homem e o computador
fez surgir a “concepção multiarmazém”, cuja idéia central baseia-se na existência
de uma série de fases na aquisição da informação, a qual permaneceria, durante
um certo tempo, em um “armazém” (memória), correspondente a cada fase,
possibilitando a distinção entre memória sensorial, memória a curto prazo e me-
mória a longo prazo (Figura 01). As teorias do processamento da informação geram
teorias sobre a memória, esta considerada como uma estrutura básica do sistema
que processa a informação. Não obstante, embora seja o conceito de memória um
conceito-chave nessas teorias, elas não aportam elementos teóricos sólidos para
explicar suas estruturas complexas.

70
MEMÓRIA MULTIARMAZÉM

NÍVEL
Informação
SUBMICROSÓ
PICO

Diferentes níveis de
Processamento de Informação

Figura 01 – Representação do processo de aquisição da informação segundo a


concepção multiarmazém

O homem é um ativo processador de sua experiência mediante um complexo


sistema no qual uma informação é recebida, transformada, acumulada, recuperada
e utilizada. Apesar de ter incorporado muitos dos princípios do modelo condutista
(Pozo, 1998; Pérez Gómez, 1998), o processamento de informação caracteriza-se
como uma perspectiva cognitiva, quando implica a primazia dos processos internos,
mediadores, localizados entre o estímulo (E) e a resposta (R). Da mesma forma
que o condutismo foi convertido quase que exclusivamente no estudo da aprendi-
zagem, o cognitivismo transformou-se em um estudo quase exclusivo da memória.
As teorias do processamento da informação trabalham com vários tipos de conhe-
cimentos, dentre eles:
· conhecimento declarativo;
· conhecimento procedimental;
· conhecimento explicativo;
· conhecimento do contexto.
A informação é a “matéria prima” da aprendizagem; a transmissão dessa
informação ocorre por emissores de diferentes naturezas: o professor, os colegas,
os livros, as famílias, os bancos de dados, os meios audiovisuais, a própria reali-
dade, etc. Por esses meios, a informação entra no sistema, circula, dissipa-se, é
transformada, armazenada, ativada, etc.
O tipo de conhecimento a ser mobilizado na aprendizagem está relacio-
nado com o tipo de memória na qual será armazenado. Entre outras memórias,
destacamos:
· a memória sensorial (M.S.) – recebe as informações internas e externas

71
e tem uma duração de meio segundo, aproximadamente, sendo responsável por
uma primeira impressão da informação;
· a memória a curto prazo (M.C.P.) – oferece breves armazenamentos da
informação selecionada, apresentando uma capacidade limitada, de sete elemen-
tos (mais ou menos dois) e uma duração que varia entre vinte e trinta segundos;
· a memória a longo prazo (M.L.P.) – organiza e conserva disponível a
informação durante períodos mais longos. Caracteriza-se por não possuir limi-
tes, nem em sua duração, nem em sua capacidade. Supõe-se que contém toda
a informação que se é capaz de armazenar ao longo da vida.
Os conhecimentos organizados e hierarquizados oportunizam mais espaço
em cada tipo de memória, em que a utilização de quadros, esquemas e redes de
conhecimentos entrelaçados podem facilitar o dimensionamento do conteúdo, para
uma unidade de memória de curto prazo. Um outro meio eficaz é a automatização
do conteúdo, uma operação que faz com que os conhecimentos passem rapidamente
da memória de curto prazo (M.C.P.) para a memória de longo prazo (M.L.P.).
Levando-se em consideração que os conhecimentos não ocupam todo o espaço da
memória a curto prazo (M.C.P.), essas unidades estão disponíveis para outras
tarefas, principalmente aquelas que, no plano cognitivo, representam a repesca-
gem dos conhecimentos na memória de longo prazo (Gauthier, 2003).
Na Memória de Curto Prazo (M.C.P.) acontece a codificação lingüística
da informação, que é preservada nela por um curto período. Já na Memória de
Longo Prazo (M.L.P.), a codificação é semântica e está configurada em vários
subsistemas (Figura 02), que se apresentam a seguir:
· memória episódica – é um tipo de memória autobiográfica, caracterizada
por armazenar os fatos do passado de um indivíduo;
· memória semântica – é a memória na qual se conceitualiza a linguagem
como representação do verbal;
· memória declarativa – é a memória em que se reconhece ou se repre-
senta externamente pela palavra;
· memória procedimental – manifesta-se de forma externa, pela ação;
· memória explicita – é um tipo de memória declarativa, que inclui o fator
consciente e explicativo;
· memória implícita – é a memória que se diferencia da memória pro-
cedimental, pela ação consciente.

72
Memória explícita

Memória Memória
semântica episódica

Memória Memória
declarativa procedimental

Memória implícita

Figura 01 – Subsistemas da Memória de Longo Prazo (M.L.P.)

A informação que não se retém na memória a curto prazo se perde. Como


fazer, então, para que uma boa parte do que se transmite ao aluno passe à sua
bagagem de conhecimentos ou à memória a longo prazo? De acordo com Sierra
e Carretero (1996, p.124), isso se dá
obviamente, mediante a utilização de estratégias destinadas a que tal
informação se mantenha na mente do aluno e possa relacionar-se com
a informação que já possui. Uma delas consiste em agrupar a infor-
mação, de maneira que ocupe menos espaço na memória.

O aluno não precisa recordar as informações uma a uma (de forma iso-
lada), mas formando blocos e grupos de informações, à medida que obtém as
informações o que lhe permite armazenar muito mais, sem custo para as limita-
ções do sistema de memória. Salienta-se que o armazenamento não se realiza de
forma isolada e arbitrária, mas por assimilação significativa das novas informa-
ções aos próprios sistemas de categorias e significados previamente construídos
e armazenados na memória.
Como se organiza a informação na memória do longo prazo (M.L.P.)
tem sido um desafio para a Psicologia Cognitiva. Mc Lelland e Rumelhart (apud
Campanario, 2004), têm proposto que a informação na memória de longo prazo
se armazena como uma estrutura hierárquica de categorias, ou como uma cole-

73
ção de protótipos representativos das categorias junto com exemplares mais ou
menos diferenciados.1 Outros autores têm proposto os “esquemas” como forma
de organização da informação na memória de longo prazo (Campanario, 2004).
Em relação aos estudos sobre a aprendizagem das ciências naturais, Posada
(1997) diferencia a memória semântica em memória semântica experiencial e
memória semântica academicista. Para o autor, na memória semântica academi-
cista, armazenam-se os conhecimentos, produto da aprendizagem memorística,
não substantivos. Estes são os conhecimentos que o aluno reproduz sem com-
preensão e que geralmente se ativam na memória quando a pergunta é direta e
explícita, ou seja, quando o estímulo se relaciona com elementos diretos da me-
mória. Exemplo: Quando perguntamos aos alunos como se desloca o equilí-
brio químico na reação

N2 (g) + 3H2 (g) 2NH3 (g)

pelo aumento da concentração de H2(g) no sistema fechado. Os alunos, geral-


mente de forma memorística, reproduzem elementos do Princípio de Le Chatelier
e, como resposta típica, declaram que o aumento de concentração de um reagente
desloca o equilíbrio para os produtos.
Na memória semântica experiencial, armazenam-se os conceitos incor-
porados de forma substantiva, relacionados com experiências e fatos conheci-
dos. É uma memória que pode gerar conhecimentos explicativos e procedi-
mentais. Os conceitos são produto de uma aprendizagem significativa. Quando
o aluno explica um fenômeno, como, por exemplo, a flutuação de um corpo,
baseado nos princípios físicos, essa explicação está relacionada à ativação de
conhecimentos da memória semântica experiencial. O ensino de ciências naturais,
segundo essa perspectiva, deve facilitar para que a informação seja codificada
e armazenada na Memória Semântica, como também promover o passo dos
conhecimentos da Memória Academicista para a Memória Semântica.
Para argumentar como a memória perceptiva e as aprendizagens anterio-
res condicionam a nova aprendizagem, assim como para explicar as possíveis
distâncias entre o que se ensina e o que os alunos aprendem, Johnstone (1999,
apud Galagovsky e Rodriguez, 2003) propõe utilizar o modelo de aprendiza-
gem que é mostrado no Esquema 03, a seguir:

1
A implicação do conceito (informação) como representativo (protótipo) de uma família se discute
no capítulo sobre aprendizagem significativa.

74
F
I Guardar Por vezes, muito
Interpretar
L Acomodar relacionada.
T Comparar Recuperar Por vezes,
R fragmentada.
Guardar
O
Preparar
Eventos P
Observações E
Memória de Longo
Instruções R
C Prazo
E
P
T
Memória de
U
A
Trabalho
L

Circuito de retroalimentação do
filtro perceptual

Esquema 03 – Modelo de aprendizagem de Johnstone (1999)


Fonte: Galagovsky, Rodriguez, Stamati e Morales (2003, p.108)

Segundo Galagovsky et al. (2003, p.18), o modelo de Johnstone apoia-se


nas premissas a seguir:
a) as percepções que o sujeito registra por meio dos sentidos não são objetivas,
estando filtradas e interpretadas de forma idiossincrática;
b) dar sentido a algo é relacioná-lo com o que já é conhecido ou em que se
acredita;
c) o que está armazenado na memória de longo prazo (M.L.P.) é o que
sabemos, é ela quem controla a significação que damos às novas informações
sensoriais que recebemos, ou seja, é o nosso próprio filtro;
d) a memória de trabalho (M.T.) é a parte de nossa atividade mental, através
da qual, conscientemente, prestamos atenção a uma situação dada e pensamos
sobre ela. É a memória que se fixa na percepção do que tem entrado no sistema de
informação procurando outorgar-lhe sentido;
e) a M.T. tem duas funções: uma é manter momentaneamente a informa-
ção no foco de atenção da memória de curto prazo (M.C.P.) e a outra é dar formato
a essa informação para que seja armazenada, utilizada ou descartada. Essa memó-
ria de trabalho tem capacidade limitada, e é saturada se a quantidade de informação
ultrapassar suas possibilidades ou se o processamento for complicado demais;

75
f) uma informação que satura ou sobrepassa a capacidade da M.T. do su-
jeito não poderá ser processada.
Para os autores, esse modelo tem sido utilizado para explicar processos de
aprendizagens nas ciências, em especial a construção de representações, que se
vincula a três níveis (Esquema 04), que formam um triângulo: o nível macroscópico,
o nível submicroscópico e o nível simbólico.
· O nível macroscópico corresponde-se com as representações mentais
construídas a partir das experiências sensoriais diretas.
· O nível submicroscópico relaciona-se com as representações abstratas,
com os modelos que se tem na mente o “expert” na área disciplinar. Exemplo: o
modelo de partículas das substâncias.
· O nível simbólico expressa os conceitos por fórmulas, equações químicas,
físicas, matemáticas, gráficas, etc.

NÍVEL MACROSCÓPICO

NÍVEL SIMBÓLICO NÍVEL SUBMICROSCÓPICO

Esquema 04 – Os níveis aos quais se vincula a construção de representações


nos processos de aprendizagens das ciências

Uma reação química pode ser explicada em cada um dos três níveis. No
nível macroscópico, como descrição da situação empírica, é utilizado o conhe-
cimento declarativo, podendo-se explicá-la, também, pelo modelo de partículas.
No nível simbólico, representa-se a reação química por equações e palavras.
Segundo Galagovsky et al. (2003), os professores, ao explicarem em cada nível,
devem considerar as demandas que a memória de trabalho (M.T.) dos alunos pode
suportar, a fim de facilitar o processamento da informação. Existe uma tendência
dos alunos para explicar esse fenômeno químico no plano macroscópico, pois não
dispõem dos recursos simbólicos, no plano mental, para a compreensão das reações
químicas.
Diversos modelos têm sido propostos para demonstrar como os indivíduos
processam informações, desde a perspectiva da psicologia cognitiva. Um dos
modelos de processamento da informação foi desenvolvido por Atkinson e Shriffin

76
(1968), (Esquema 02), em que se propõe que a informação é processada e arma-
zenada em três etapas: memória sensorial, memória de curto prazo e memória de
longo prazo.

Memória de Longo
Prazo

Memória Processamento
Estímulo Sensorial inicial
Elaboração
Ativação
e codificação

resposta
Memória de
ao estímulo
informação Curto Prazo

Informação
E
I s
n q Repetição
f u
o
r
e Esquecimento
m c
a i
ç m
ã e
n INFORMAÇÃO QUE PERMANECE
t NA M.C.P .
o

Esquema 02 – Modelo de processamento da informação de Atkinson e Shriffin (1968)

A aprendizagem efetiva depende das capacidades que têm os sujeitos para


dar significado às experiências, como estímulos do meio exterior. Para Escoriza
(1998), os processos cognitivos implicados na interpretação das experiências, nos
contextos específicos, incluem:
· atenção aos aspectos selecionados (atenção seletiva);
· identificação e interpretação da informação (percepção);
· organização da informação de forma tal que possa ser lembrada (memória);
· reconstrução da informação em níveis superiores e mais complexos para
sua aplicação na solução de problemas (representação do conhecimento).

77
A teoria dos esquemas como processamento
da informação

A teoria dos esquemas procura elaborar descrições para os processos


cognitivos dos sujeitos como uma das formas de superar as limitações do condu-
tismo. É uma teoria baseada no princípio da “caixa branca”, uma vez que procura
modelos explicativos que explicitem como se produz a aprendizagem na mente
dos sujeitos. Tem como princípio considerar o sujeito como um “ente que processa
a informação”, baseada na analogia do sujeito com os computadores. Dessa forma,
a aprendizagem é resultado da geração de “esquemas mentais” como conseqüên-
cia do processamento da informação no sistema cognitivo. Segundo a teoria dos
esquemas como processamento da informação, o sistema cognitivo do sujeito se
estrutura em:
· um sistema de entrada da informação;
· uma base de dados na qual se disponibilizam a informação e as regras
para trabalhar essa informação;
· a saída da informação.
De acordo com essa teoria, o conhecimento é resultado do processamento
da informação e se organiza em redes de proposições constituídas por esquemas.
Os esquemas se formam como conseqüência da interpretação que os sujeitos dão
às situações específicas e são as “teorias” dos sujeitos relativas às suas experiências.
O processo de formação de esquema obedece a leis associativas, e o desenvolvimento
cognitivo produz-se por acúmulo de novas informações. Para Luffiego (2001), o
conhecimento é toda informação gerada pelo cérebro, o que fica nele e que pode ou
não ser manifestado. O conhecimento possui um significado que contém os esquemas
(as representações e os conceitos).
Os esquemas são representações cognitivas, nos quais estão os conheci-
mentos que se tem do mundo (adquiridos pela experiência como os outros), em
diferentes situações e por nossa experiência individual. São recursos cognitivos
para interpretar a informação, possibilitando ao sujeito relacionar-se com o mundo.
O esquema possibilita a seleção das informações, ou seja, o sujeito seleciona a
informação que é consistente com seus esquemas. Nos processos de codificação e
recuperação, os esquemas possibilitam a seleção, abstração e interpretação das
informações.
Como características comuns aos esquemas, podemos relacionar as seguintes:
· são pacotes de informações genéricas e flexíveis a várias situações;
· são unidades cognitivas de alto nível de abstração, como entidades con-
ceituais complexas e sistêmicas;
· são relacionados uns com os outros, ou seja, são estruturas organizadas;
· têm caráter multifuncional;
· são estruturas do conhecimento e da ação.

78
Os autores fazem vários tipos de classificação de esquemas. Assim, por
exemplo, pode-se falar de:
· esquemas visuais;
· esquemas situacionais;
· esquemas sociais;
· esquemas de sucesso;
· esquema de solução de problemas, etc.
Na aprendizagem como processamento de informação, o aluno apresenta
um papel ativo e consciente na validez de seus conceitos e dos processos, para
dar significado à informação, dependente dos conteúdos informativos.

O processo de aprendizagem

Para o processamento de informação, a aprendizagem é o resultado das mo-


dificações provocadas nas representações da memória pela aquisição de novos
conteúdos, assim como pela ativação e aplicação do conhecimento existente (Sierra
e Carretero, 1996). Segundo a Teoria dos esquemas, a aprendizagem é um processo
contínuo de incremento do número de esquemas preexistentes e do aperfeiçoa-
mento desses esquemas. Rumelhart (1984, apud Sierra e Carretero, 1996) considera
que a aprendizagem pode acontecer por acréscimo, reestruturação e ajuste.
· Aprendizagem por acréscimo – aprende-se por acréscimo quando não é
preciso modificar os esquemas existentes para codificar os conteúdos da informa-
ção; nesse processo, não se geram novos esquemas. A codificação resultante pro-
duz um novo vestígio de memória que, posteriormente, serve de chave para
reconstruir o input original. O conhecimento assim adquirido modifica o esquema,
na medida em que o capacita a responder questões anteriormente desconhecidas;
por isso diz-se que o sistema aprendeu algo novo. Essa é a forma de aprendiza-
gem mais comum e a menos profunda, uma vez que não exige a criação de novos
esquemas ou a modificação dos já existentes.
· Aprendizagem por reestruturação – aprende-se por reestruturação
quando a aquisição de novos conteúdos exige a reorganização dos esquemas exis-
tentes ou a criação de novos. É uma aprendizagem produzida por intermédio de
dois mecanismos: por indução (quando se aplicam regras de inferência), ao detec-
tar-se que uma dada configuração do esquema acontece simultaneamente; e por
geração de padrões (quando se utilizam velhos esquemas). Nesta última, criam-se
novos esquemas de conhecimento a partir dos já existentes. Exemplificando: quando
o aluno recorre às analogias para compreender e adquirir novas informações que
levam a reestruturar o esquema anterior.
· Aprendizagem por ajuste – aprende-se por ajuste quando mudanças
são introduzidas nos valores das partes variáveis dos esquemas, para poder pro-
cessar a informação.

79
A aprendizagem é um processo gradual que envolve, de forma simultânea, o
acréscimo, a reestruturação e o ajuste, mas a importância de cada um varia segun-
do as especificidades temporais da informação. No início da aprendizagem de uma
área de conteúdos conceituais, predomina o acréscimo. O acúmulo de conhecimen-
tos poderá levar à reestruturação dos esquemas para uma terceira etapa, que por
acréscimo dos esquemas gerados, levará ao seu ajuste progressivo.
Existem três formas de evolução ou mudança nos esquemas, de acordo
com Norman e Rumelhart (1975, p.137).
a) Melhorando a precisão. Uma forma de aprendizagem por ajuste consiste
em precisar os valores que podem tomar as partes variáveis do esquema. Mediante
a especificação dos conceitos, que se associam às variáveis com melhor exatidão,
as aplicações dos esquemas são cada vez mais precisas.
b) Generalizando a aplicação. Uma segunda forma de aprendizagem por
ajuste consiste em substituir uma variável do esquema, com valores fixos ou cons-
tantes, por outra com valores opcionais. Isso faz com que o esquema amplie sua
categoria de aplicação a situações e conceitos semelhantes aos quais representa.
c) Especializando a aplicação. Outra forma de aprendizagem por ajuste
consiste em restringir o nível de aplicação dos esquemas, ou limitando os valores
que podem tomar algumas de suas variáveis, ou substituindo variáveis com valores
opcionais, por outras com valores fixos ou constantes.
As estratégias de aprendizagem dos alunos estão relacionadas ao sucesso no
processamento da informação. Essas estratégias constituem processos de tomada
de decisão, nos quais os alunos selecionam e recuperam os conhecimentos neces-
sários para cumprimento de uma tarefa e objetivos específicos. As estratégias de
aprendizagem são explicadas pelos principais processos cognitivos do processa-
mento da informação: aquisição, codificação e recuperação, em relação às seqüên-
cias integradas de procedimentos mentais que facilitam esses processos cognitivos.

Limitações das teorias do processamento


da informação

O Processamento de Informação, assim como as demais teorias explica-


tivas da aprendizagem, possui limitações que precisam ser mencionadas (Pérez
Gómez, 1998).
1ª) A debilidade do paralelismo entre a máquina e o homem, pois, por mais
que uma máquina realize um trabalho inteligente, isso não significa que o faça
igual ao ser humano. Além do mais, no computador não existe mais do que o sis-
tema computacional (um sistema algorítmico de representações simbólicas e re-
gras ou instruções de atuação), enquanto que no homem existe a consciência, o
conhecimento do que conhece e do próprio ato de conhecer.
2ª) A ausência de vida afetiva. Nesse modelo, não existe a dimensão ener-

80
gética da conduta humana, ou seja: as emoções, os sentimentos, os desejos, etc.
De acordo com Piaget e Inhelder (2002), esse aspecto está presente e implícito em
toda ação, constituindo esta última o cerne de todo o desenvolvimento humano, e o
ponto central de sua teoria. Não se pode entender a aprendizagem escolar igno-
rando parcela importante do comportamento do aluno no grupo social da aula.
3ª) A exigência metodológica derivada da metáfora do computador e da
pretensão de comparação experimental das hipóteses restringe o modelo à análise
de um tipo de comportamento aparentemente racional.
4ª) Suas propostas têm uma orientação puramente cognitiva, ignorando a
dimensão executiva e comportamental do desenvolvimento humano.
Gómez e Sanmarti (1996, p.162) apontam as seguintes críticas às teorias
do processamento da informação:
· não apresentam uma visão global do pensamento humano;
· a analogia do sujeito com um computador limita os pressupostos do
modelo. Os problemas que o sujeito resolve são diferentes dos problemas que o
computador resolve. A mente humana procura informação e elabora respostas que
levam em conta suas metas; assim, pode aprender estratégias de aprender. O
computador é um receptor passivo que processa informações codificadas, responde
de forma simbólica e precisa da modificação do programa para mudar de estratégia;
· não explica como o processamento da informação no sujeito se afeta
pelos fatores afetivos, que têm um papel importante na aprendizagem humana;
· o paradigma do processamento da informação absolutiza o conheci-
mento humano como produto da percepção, da recepção, do armazenamento
(memória) e de recuperação da informação. Dessa forma, não valoriza o caráter
subjetivo da aprendizagem humana. É um enfoque no qual o ensino e a apren-
dizagem estão fundamentalmente no acúmulo de informações.
Não obstante as limitações do modelo de processamento de informação,
não há dúvidas quanto à sua importância como uma referência para se entender a
aprendizagem e a conduta inteligente do homem e, naturalmente, para a elabora-
ção de teorias e práticas didáticas. A informação codificada é armazenada e a utili-
zação da informação só é eficaz quando o seu acesso for pertinente no momento
oportuno. O processo de recuperação apropriado da informação é essencial na
aprendizagem; no entanto, a recuperação da informação depende do modo como a
informação foi armazenada na memória. Conseqüentemente, os processos de arma-
zenamento e recuperação da informação caminham lado a lado (Soares, 1997), e
são objeto de ativação nos processos de aprendizagem.

Conclusões

A aplicação da Teoria dos Esquemas na aprendizagem dos alunos é conve-


niente como modelo, uma vez que ela procura explicar as diferenças dos esque-

81
mas que a mente produz e que caracterizam o conhecimento científico e o conhe-
cimento do cotidiano. Essas duas formas de conhecimento têm estrutura e orga-
nização diferente e apresentam como resultado o fato de os alunos, por vezes,
demonstrarem dificuldades para ativar esquemas apropriados face a situações no-
vas. Os processos de atuação dos esquemas depende, dentre outros fatores, da
concordância entre um esquema prévio e a nova informação. (Campanario, 2004).
Quando essa relação resulta difícil de estabelecer, a aprendizagem não é signi-
ficativa.
Os estudos da psicologia cognitiva, baseados no processamento da infor-
mação, têm apontado para quatro atitudes que diferenciam a execução experta,
competente, num domínio dado. Essas quatro categorias são:
· conhecimentos básicos em domínios específicos, bem organizados e acesso
flexível, relativo a fatos, conceitos, princípios, regras, etc., que constituem os con-
teúdos básicos da matéria;
· estratégias heurísticas para a análise de problemas que possam incremen-
tar a probabilidade de encontrar as soluções corretas, pois induzem a enfoques
sistêmicos para a solução;
· metacognição;
· componentes afetivos, como crenças, atitudes e emoções relacionadas com
a matéria, objeto da aprendizagem.
Dessas categorias que norteiam a aprendizagem dos sujeitos competentes
(experts), podem-se deduzir algumas estratégias de ensino que facilitam a apren-
dizagem, tais como:
· uso de mapas e redes conceituais;
· solução de problemas contextualizados;
· metacognição;
· motivação pela aprendizagem;
· uso de projetor para o trabalho em grupo, etc.
Face às críticas ao processamento da informação, os paradigmas constru-
tivistas assumem o pensamento como resultado de uma atividade entre os sujeitos
e o contexto, ou seja, um processo social, culturalmente situado e contextualizado.
Diferentemente do processamento de informação, para o qual a aprendizagem é
uma construção ativa e individual do aluno, nas perspectivas construtivistas, esses
processos resultam da transformação do conhecimento como construção e não
como aquisição.

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82
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83
O CONSTRUTIVISMO NO ENSINO DE
CIÊNCIAS DA NATUREZA E DA MATEMÁTICA

Analice de Almeida Lima,


José Paulino Filho
e Isauro Beltrán Nuñez

Introdução

Com base nos conhecimentos construídos em diferentes campos, como


o da epistemologia, psicologia da aprendizagem e história das ciências, nos
anos 80, surge no Ocidente uma perspectiva denominada construtivismo, que
propiciará um outro olhar no processo de ensino-aprendizagem, até então bas-
tante influenciado por uma perspectiva tradicional marcada pela transmissão-
recepção de informações.
O construtivismo tem como antecedente o movimento da Escola Nova,
que vai tecer críticas à pedagogia tradicional, assumindo uma concepção refor-
mista e uma atitude transformadora dos processos escolares (Arroyo, 2004).
No que se refere à epistemologia, destacamos as contribuições trazidas por
filósofos críticos ao positivismo como Kuhn, Lakatos, Toulmin, Bachelard, entre
outros. Em termos de contribuições psicológicas, devem ser ressaltados os traba-
lhos de Piaget (1997), no sentido de que a inteligência atravessa fases qualita-
tivamente distintas; de Vigotsky (1998), ao enfatizar que o conhecimento é um
produto da interação social e da cultura, concebendo o sujeito como um ser emi-
nentemente social, e de Ausubel (1978), ao evidenciar a importância das idéias
que os sujeitos trazem para a construção do conhecimento. Para os teóricos
mencionados, aprender é um processo de construção de novos significados, de
atribuir novas representações para o objeto de estudo.
O construtivismo sustenta a idéia de que o homem, tanto nos aspectos cog-
nitivos e sociais do comportamento como nos afetivos, não é um mero produto do
ambiente nem um simples resultado de suas disposições, mas sim uma construção
da interação ativa deste com o ambiente em que vive. O conhecimento, portanto,
não é uma cópia da realidade, mas uma construção humana.
Buscaremos neste capítulo apresentar algumas considerações iniciais acer-
ca do construtivismo no ensino das Ciências da Natureza e da Matemática (que
serão discutidas com mais detalhes em outros capítulos), procurando apontar
os elementos comuns às diferentes discussões sobre o construtivismo, pois, para
sermos precisos, deveríamos falar de “construtivismos”. Inicialmente, lançare-
mos um breve olhar pela história do ensino das Ciências da natureza, de modo

84
a situar o surgimento do construtivismo como um paradigma que orienta o en-
sino-aprendizagem; em seguida, discutiremos questões importantes acerca do
construtivismo, auxiliando a compreensão sobre o seu sentido no ensino das
Ciências e da Matemática, o que nos ajudará a entender a aprendizagem dos alu-
nos. No tópico seguinte, apresentaremos uma breve discussão relacionada ao
construtivismo e à matemática e, finalmente, apontaremos algumas estratégias
de ensino que podem subsidiar o processo de construção do conhecimento cien-
tífico por parte dos alunos.

1. Ensino de Ciências: situando o construtivismo

No Brasil e em outros países do mundo Ocidental, o ensino de Ciências,


no período de 1950 a 1960, foi bastante influenciado pelas transformações decor-
rentes da Segunda Guerra Mundial, como a industrialização, o desenvolvimento
tecnológico e científico, tendo como um importante marco o lançamento da Sputinik,
em 1957 (Krasilchick, 1987).
A partir desse período, para o ensino de ciências, que, na maioria das escolas,
era teórico, livresco, memorístico, passam a ser exigidas algumas modificações,
como a incorporação nos currículos de Física, Química e Biologia das descober-
tas nessas áreas, bem como a introdução de métodos ativos em que preponderava
o uso de laboratório.

Figura 01 – O ensino memorístico e livresco procura ser substituído por uma metodologia ativa

Essa tendência de propor uma metodologia ativa, segundo Gil (1993), mar-
ca a década de 1960-1970, no contexto anglo-saxão, conhecida como ensino por
descoberta, que se centrava na realização de atividades em que os alunos traba-
lhavam de modo autônomo.
Na tentativa de superar a metodologia predominante no ensino-aprendizagem

85
de Ciências até então marcado pela transmissão-recepção de informações, a
aprendizagem por descoberta, ao contrário do que se esperava, passa a ser alvo de
muitas críticas por vários pesquisadores, em virtude de limitações apresentadas
ao ensino de Ciências, entre as quais podemos destacar a visão distorcida sobre a
ciência e trabalho dos cientistas que eram transmitidos aos alunos.
Hodson (1992), por exemplo, destaca que as limitações em relação a esse
tipo de aprendizagem vão além do campo epistemológico. Esse autor ressalta que
os alunos não irão por si só descobrir conceitos científicos, pois eles estão envol-
vidos na aprendizagem de um dado aspecto do conhecimento científico (fatos esta-
belecidos), o que caracterizaria, portanto, a redescoberta, em que é importante a
mediação do professor.
As críticas ao ensino por descoberta conduziram a um novo olhar para o
ensino por transmissão. Em tal perspectiva, sobressaem-se os trabalhos de Ausubel
(1978) e Novak (1979 apud Gil, 1993), que apontam como positiva a metodolo-
gia caracterizada pela transmissão-recepção de informações, desde que as novas
informações estejam relacionadas significativamente com os conhecimentos
preexistentes na estrutura cognitiva do sujeito.
Nessa perspectiva, Gil (1993) considera que os trabalhos de Ausubel têm
uma importante contribuição, tanto em relação a uma fundamentação teórica que
questiona a visão reducionista do ensino por descoberta (pois não há garantia de
que os conceitos a serem descobertos serão significativos para o sujeito) quanto
na apresentação de um modelo coerente baseado na transmissão-recepção.
Por outro lado, as questões discutidas por Ausubel (1978) receberam im-
portantes críticas, pois se observou que os alunos apresentavam erros conceituais
em conteúdos de ciências, remetendo à necessidade de se repensar o processo de
ensino-aprendizagem baseado na transmissão-recepção de informações.
Inicialmente, as investigações eram centradas em evidenciar a extensão e
natureza dos erros conceituais, bem como na necessidade de desenvolver estraté-
gias que superassem os resultados decorrentes desses erros. Posteriormente, as
pesquisas buscaram explicar a existência de idéias prévias sobre os temas científicos
antes de os estudantes estarem inseridos na instituição escolar (Gil, 1993).
Na década de 1970, inicia-se uma série de pesquisas em relação às concepções
alternativas dos estudantes ou idéias prévias, norteadas por questões que carac-
terizam essas idéias, as quais destacamos no Esquema 01.

86
Apresentam
uma certa
coerência interna

São persistentes
e dificilmente são São comuns a
modificadaas durante o IDÉIAS aluno de
ensino-aprendizagem PRÉVIAS diversos meios
tradicional e idades

Têm semelhança,
algumas vezes, com as
concepções aceitas em períodos
da História das Ciências

Esquema 01– Características das idéias prévias

As idéias prévias são consideradas como provenientes das experiências


cotidianas dos alunos, tanto em relação às suas experiências físicas como às so-
ciais referentes à constituição de um conhecimento pré-científico, e/ou origi-
nadas a partir do próprio contexto educativo (Gil, 1993).
As questões citadas acima ratificam todas as fragilidades discutidas, tanto
as do ensino-aprendizagem baseado na transmissão-recepção quanto aquelas nor-
teadas pela descoberta, pois as idéias prévias, tão enraizadas nas estruturas cog-
nitivas, não são resgatadas nesses modelos de ensino e sua permanência, de acordo
com Bachelard (1996), podem constituir-se em obstáculos epistemológicos à cons-
trução do conhecimento. Esse autor esclarece que os obstáculos epistemológicos
são subjetivos, pois normalmente estão relacionados a crenças, geralmente incons-
cientes, que os sujeitos têm e que impedem de avançar em seus conhecimentos.
Esses obstáculos enraízam-se em diversas fontes, como as primeiras experiências
infantis, o processo de ensino-aprendizagem durante a educação escolar, etc.
O movimento das concepções alternativas ou idéias prévias sinaliza para a
necessidade de uma concepção diferenciada às já adotadas para o processo de
ensino-aprendizagem, de modo a subsidiar a mudança das concepções prévias dos
estudantes pelo conhecimento científico.
Uma das propostas é a de Posner et al. (1982), conhecida como mudança
conceitual, que se fundamenta no paralelismo existente entre o desenvolvimento
conceitual de um indivíduo e a evolução histórica dos conhecimentos científicos.

87
Para que essa mudança ocorra, os autores destacam postulados importantes, tais
como:
- deve-se produzir uma insatisfação com os conceitos já existentes;
- deve haver, por parte do estudante, uma compreensão sobre a nova
concepção;
- deve-se oportunizar momentos para que os novos conceitos sejam utilizados.
Para Carretero e Limón (1996 apud Gil et al., 1999), atualmente, algumas
interpretações simplistas das idéias construtivistas têm destacado que propostas
baseadas na aplicação da seqüência: partir dos conhecimentos prévios dos alunos;
proporcionar conflitos cognitivos e mudar as idéias iniciais resolveriam muitos
dos problemas educativos. É importante, porém, ressaltar que essas estratégias,
que, na atualidade, aparecem como fórmulas simplistas, não foram apresentadas
por seus autores de uma forma tão esquemática (Posner et al., 1982; Pozo, 2002).
Apesar de apresentar avanços em relação ao ensino baseado na transmissão-
recepção de informações, algumas críticas são feitas em relação à mudança con-
ceitual. Os estudos de Gil (1993), por exemplo, têm mostrado que algumas idéias
prévias são resistentes a mudanças e em outros casos concepções que foram tidas
como superadas, reaparecem.
Gil (1993) ressalta que se olharmos historicamente a construção do conhe-
cimento na ciência, a mudança conceitual não ocorreu de modo fácil e, assim, é
óbvio que essa mudança não acontecerá de maneira fácil com os estudantes. É
necessário propor situações em que eles possam construir hipóteses, planejar,
realizar e analisar os resultados dos experimentos; portanto, a mudança conceitual
deve estar associada a uma mudança metodológica que supere a forma de pensar
do senso comum, de modo a aproximar-se de uma metodologia científica e não
simplesmente da modificação de idéias.
A perspectiva de investigação dirigida é uma proposição mais atual do para-
digma construtivista, concebendo a aprendizagem como tratamento de situações
problemáticas abertas que sejam interessantes para os alunos. As situações de
conflito cognitivo não são geradas por um questionamento externo às idéias dos
estudantes, nem pela ratificação da insuficiência do próprio pensamento com as
implicações afetivas, mas por um trabalho de aprofundamento no qual as idéias
tomadas como hipóteses são substituídas por outras, tão pessoais como as ante-
riores. Não se trata de eliminar os conflitos cognitivos, mas de evitar que adqui-
ram um caráter de confrontação entre as idéias dos estudantes (tidas como erradas)
e os conhecimentos científicos (externos ao aluno e corretos).
Hodson (1992) considera que os alunos desenvolvem melhor a sua compreen-
são conceitual e aprendem mais sobre a natureza da ciência quando participam de
investigações científicas, com oportunidades suficientes para a investigação.
Esse modelo, para Gil et al. (1999), permite tanto a reconstrução dos conhe-
cimentos científicos, que normalmente são transmitidos já elaborados, quanto afasta
a idéia de que as proposições construtivistas são simples receitas.

88
Essa breve retrospectiva, na qual foi apresentado o movimento das idéias
alternativas, o modelo de mudança conceitual e o modelo de investigação dirigida,
auxilia a nossa compreensão em relação à aprendizagem dos nossos alunos de
maneira diferenciada daquela proposta no ensino tradicional, baseada na trans-
missão-recepção de informações, uma vez que os alunos constroem ativamente os
seus conhecimentos sob determinadas condições.
Nesse sentido, Rodrigo e Cubero (2000) apresentam princípios básicos
das diferentes concepções construtivistas, que se podem assim resumir:
- o sujeito interpreta suas experiências com base em seus próprios conhe-
cimentos e é o protagonista ativo de sua aprendizagem;
- a construção do conhecimento na sala de aula é um processo social e
compartilhado;
- o contexto influencia a construção do conhecimento e as capacidades dos
alunos, porque é nele que se dá sentido à experiência e se relacionam os signifi-
cados que se geram nele.
Arroyo (2004) diz que o construtivismo não conta em si com um objeto de
estudo, mas com premissas, como já destacamos, das obras de Piaget, Vigotsky,
Ausubel e dos precursores das ciências cognitivas que contribuem com o sistema
educativo com duas questões centrais:
- oferece pistas importantes para compreender os processos humanos de
criação, produção, reprodução de conhecimentos;
- abre a possibilidade, com base na questão anterior, de desenvolver novos
enfoques, aplicações didáticas e concepções curriculares em qualquer âmbito da
educação escolarizada, assim como uma série de inovações dirigidas às práticas
educativas.

2. Construtivismo ou construtivismos:
em busca de um sentido

Atualmente, na literatura referente ao ensino de ciências, encontramos


publicações que discutem os sentidos que o termo construtivismo tem assumido
na área educacional. Entre outros podemos destacar, Rodrigo e Cubero (2000),
Galiazzi (2000), Carretero (1997) e Gil et al. (1999).
Rodrigo e Cubero (2000) identificam três níveis de análise para os postula-
dos dos “diversos construtivismos”: o epistemológico, o psicológico e o educativo.
Esses autores destacam, inicialmente, que o construtivismo é uma perspec-
tiva epistemológica que procura explicar a natureza do conhecimento, como este é
gerado e como muda. O conhecimento é resultado da interação entre o sujeito e a
realidade, interação esta que é necessária à construção das representações e
expectativas dos sujeitos. Assim, o sujeito é quem constrói o conhecimento de
forma ativa.

89
Nos sentidos psicológico e educativo, existem diferentes expressões, tais
como o construtivismo piagetiano, o construtivismo cognitivo (baseado na teoria
dos esquemas e no processamento de informação); o construtivismo sociocogni-
tivo; o enfoque sociocultural; a aprendizagem significativa e a teoria da constru-
ção do conhecimento em domínios específicos.
Galiazzi (2000, p.151) aponta uma multiplicidade de significados, citando
quinze acepções construtivistas diferentes, destacando que
[... ] existem vários construtivismos. E em todos os campos teóricos
entendo-os como um modo de pensar sobre como ocorre o conhecimen-
to no indivíduo, no grupo, na pesquisa, na sala de aula. Em todos os
domínios é uma referência, não um modelo. É um ponto de partida não
de chegada. [...] cada professor constrói o seu modelo construtivista de
ser professor e este modelo não é estático, pode ser testado, reformu-
lado, construído e reconstruído.

A multiplicidade de perspectivas construtivistas também é assinalada por


Carretero (1997), ao ressaltar três tendências que apresentamos no Esquema 02.

Perspectiva
Coletiva

CONSTRUTIVISMO

Perspectiva Perspectiva
Individual Coletiva e
Individual

Esquema 02 – Diferentes perspectivas construtivistas encontradas


na literatura (Carretero, 1997)

Carretero (1997) destaca que a perspectiva individual (Esquema 02) é


influenciada pela visão de Piaget, Ausubel e da Psicologia Cognitiva, ao se basear
na idéia de um indivíduo que aprende à margem de seu contexto social. A perspec-
tiva coletiva é sustentada por pesquisadores que adotam uma posição vigotskyana
radical que, na atualidade, conduziu a posições como a “cognição situada” (em um
contexto social), que enfatiza o social. A terceira perspectiva integra as dimen-
sões coletiva e individual, sendo influenciada por construtivistas que podem ser
considerados “a meio caminho” entre as postulações piagetianas, cognitivas e
vigotskyanas.
Neste texto, enfatizamos a relevância da terceira perspectiva, por conce-
ber a aprendizagem como um processo que depende das dimensões individual e

90
coletiva. Assim, a aprendizagem não ocorre apenas no social, ainda que se atri-
bua uma importância significativa à linguagem e à cultura.
Buscando questões que subsidiem a compreensão da orientação construti-
vista, apresentamos as considerações de Driver e Oldham (1986), ao destacarem
quatro características em relação ao processo de aprendizagem apoiando-se em
uma posição construtivista:
– os estudantes têm suas idéias explicativas sobre os fenômenos físicos e
químicos, mesmo antes de chegarem à escola;
– a mudança conceitual produzir-se-á em uma situação na qual as idéias
não conseguem explicar o fenômeno. A nova teoria será formada por reestrutu-
ração da teoria prévia e deve superá-la quando estabelecer novas e melhores rela-
ções entre as idéias;
– a aprendizagem ativa de significados supõe uma seqüência de situações
de equilíbrio e desequilíbrio ou de conflito cognitivo, embora seja importante des-
tacar que nem todos os conflitos cognitivos conduzem a uma re-estruturação da
teoria inicial;
– o aluno deve ser protagonista de sua própria aprendizagem e isso deve
manifestar-se necessariamente em sua tomada de consciência e na existência de
um conflito cognitivo. Embora esta seja uma condição necessária, não é sufi-
ciente, porque falta determinar quais são os processos que intervêm na solução
do conflito para que este gere compreensão.
Contribuindo ainda nessa direção, Sanmarti (1995 apud Moliné; Puig,
1996) aponta dois princípios básicos em relação ao pensamento construtivista, que
são apresentados na Figura 02.
O aluno constrói formas próprias de ver e
A aprendizagem é mais uma conse- explicar o mundo, o que é diferente de se pen-
qüência de um processo mental do sar por meio de sua atividade. O aluno redes-
que de um acúmulo de informações cobre os conceitos e teorias próprias da ciência

Figura 02 – Princípios básicos em relação ao pensamento


construtivista Sanmarti (1995 apud Moliné; Puig, 1996)

91
As considerações feitas anteriormente ressaltam a importância de que nas
aulas de ciências: 1) haja a participação ativa dos alunos nas atividades propostas
pelo professor; 2) o professor conheça as idéias que os alunos trazem para a escola,
de modo a subsidiar a organização de atividades que auxiliem à aprendizagem dos
alunos e 3) haja a relevância do diálogo para o avanço da aprendizagem.

3. Construtivismo no ensino de Ciências: uma reflexão


sobre as estratégias de ensino

Para Moliné e Puig (1996), o professor, durante as aulas de ciências, deve


organizar atividades relevantes para a aprendizagem dos alunos e acompanhar o
trabalho destes nas diferentes fases da seqüência planejada. Considerando essa
visão, é importante que o professor possa propor estratégias que subsidiem a
construção do conhecimento por parte dos seus alunos nessas aulas. Em Driver e
Oldham (1986), encontramos contribuições nesse sentido, quando sinalizam algumas
questões importantes que devem ser consideradas no ensino-aprendizagem em
ciências:
– encontrar as idéias anteriores dos alunos e determinar as relações neces-
sárias entre o que se vai ensinar e o que alunos já sabem, visto que os nossos
alunos não são tábulas rasas;
– encontrar os pontos de vista alternativos dos alunos, apresentando outras
considerações, de tal forma que fiquem estimulados a reconsiderarem ou modifi-
carem tais pontos de vista e possam encontrar sentido para estabelecer relações;
– encontrar os significados e conceitos gerados pelos alunos, já que a partir
de seus conhecimentos, de suas atitudes, habilidades e experiências pode-se subsi-
diá-los a gerar novas significações e conceitos que sejam de utilidade pessoal.
Sanmartí (1993 apud Moliné; Puig, 1996) apresenta fases para organização
de atividades, de acordo com uma orientação construtivista, que podem nortear a
organização das atividades nas aulas de ciências, conforme o Esquema 03.

92
1 – FASE DE
EXPLORAÇÃO

4 – FASE DE 2 – FASE DE
APLICAÇÃO E INTRODUÇÃO DE
AVALIAÇÃO NOVOS PONTOS DE
VISTA

3 – FASE DE
ESTRUTURAÇÃO E
DE FORMALIZAÇÃO

Esquema 03 – Fases para organização de atividades


Fonte: (Sanmarti, 1993 apud Moliné; Puig, 1996)

Na fase de exploração, é importante que o professor conheça o que os alu-


nos compreendem sobre o tema a ser estudado, a linguagem que utilizam, os racio-
cínios que aplicam, etc. As perguntas contextualizadas e abertas podem ser boas
atividades de exploração, sempre que sejam acompanhadas de discussões em
pequenos grupos e finalmente na totalidade do grupo.
A fase posterior tem por objetivo provocar a evolução do pensamento do
aluno, mediante as confrontações, o uso de analogias e a introdução de novos pon-
tos de vista por parte do docente e dos alunos, subsidiando os alunos a integrarem
conceitos e procedimentos que se aproximam dos utilizados na ciência.
A fase de estruturação e formalização objetiva encontrar uma imagem men-
tal ou uma estratégia operativa ou matemática, que podem ser figuras geométri-
cas, características comuns de uma série, proporcionalidades, etc. Para facilitar
a estruturação e formalização do conhecimento, existem instrumentos muito úteis,
como os mapas conceituais e, em geral, qualquer instrumento de resumo ou síntese
construído pelo aluno, visto que se pretende que este reconheça o que sabe e o que
não sabe.
A última fase relaciona-se com o fato de que, ao acontecer uma aprendi-
zagem significativa, o aluno pode aplicar seus conceitos reestruturados a novas
situações, bem como compará-los com o conceito inicial, a fim de reconhecer seu
progresso e avaliar as vantagens da nova posição.

93
É importante conceber essas considerações como orientações que po-
dem auxiliar a construção do conhecimento por parte dos alunos e não como um
algoritmo, uma receita.

4. O construtivismo, a matemática e o seu ensino

A educação matemática está atualmente estabelecida em todo o mundo


como importante área de estudo e pesquisa, com um grande número de produção
que se tem voltado para a problemática do ensino e aprendizagem da Matemá-
tica e para o próprio edifício da Matemática como ciência. Nessa perspectiva, a
educação matemática tem se constituído num campo disciplinar, situado no lugar
de confluência de outras áreas do conhecimento, dentre as quais podemos citar a
Filosofia, a História, a Sociologia, a Psicologia, a Educação, a Matemática, etc.
Nas três últimas décadas, uma perspectiva teórica que surgiu nessa área
foi o Construtivismo. O Construtivismo tornou-se um termo amplo que abrange
uma multiplicidade de teorias e concepções de conhecimentos, de aprendiza-
gem, criando uma zona densa de significados. Podemos afirmar, então, que é um
termo polissêmico. Em virtude da necessidade de uma análise crítica mais cuida-
dosa e elaborada a respeito das várias concepções, sob a égide construtivista, os
currículos educacionais estruturados sob suas orientações a respeito da realidade,
conhecimento e valor podem apresentar dissonâncias internas.
Olhando-se o Construtivismo sob a ótica da Filosofia e de uma perspectiva
interna, seus procedimentos divergem quando são colocadas questões sobre a
realidade à qual o conhecimento se refere. Questões do tipo: a linguagem repre-
senta a realidade? Representa a construção do conhecimento ou o conhecimento
em construção? O social é o real? Como conhecer o social? A realidade é cons-
truída? As respostas a essas questões são divergentes, dependendo da perspectiva
teórica ou concepção que se assume sobre o Construtivismo.
Em meio à ampla diversidade de concepções consideradas como constru-
tivistas, voltaremos nosso foco, inicialmente, para o Construtivismo Radical e sua
versão para o ensino da matemática, uma vez que é uma das tendências constru-
tivistas de maior influência num meio acadêmico educativo. Reservaremos uma
atenção particular às posições e aos trabalhos de Ernst Von Glasersfeld, como re-
presentante largamente reconhecido, tanto pela sua produção teórica como pelas
influências que esta tem no ensino da Matemática.
O Construtivismo Radical é uma abordagem não convencional dos proble-
mas do conhecimento e do ato de conhecer. É uma posição teórica que implica a
reconstrução radical dos conceitos de conhecimento, verdade, comunicação e
entendimento, sendo abertamente instrumentalista. Substitui a noção de verdade
(como representação verdadeira de uma realidade independente) pela noção de
viabilidade dentro do mundo experiencial dos sujeitos (Glasersfeld, 1995). O autor
parte da posição de que o conhecimento, independentemente da forma como for

94
definido, está na cabeça das pessoas e o sujeito pensante não tem alternativa se não
construir o que já conhece com base na sua própria experiência. Aquilo que faze-
mos da experiência constitui o único mundo onde vivemos de maneira consciente.
O Construtivismo Radical é uma perspectiva teórica sobre o modo de co-
nhecer com muitas potencialidades. Uma delas é que assume uma posição céptica
em epistemologia que incorpora uma visão falibilista da Matemática. Os céticos
sustentavam que o que chegamos a conhecer passa por nosso sistema sensorial, e
nosso sistema conceitual nos brinda com um quadro ou imagem, mas, quando
queremos saber se este quadro ou imagem é correto, se é uma imagem verdadeira
de um mundo externo, ficamos completamente confusos, já que, cada vez que
contemplamos o mundo externo, o que vemos é visto de novo através do nosso
sistema sensorial e nosso sistema conceitual.
Assim, não temos maneira de chegar ao mundo externo senão por meio de
nossas experiências dele. Para os céticos, não havia nenhum problema em que a
ciência criasse modelos racionais, mas sempre seriam modelos de nosso mundo de
experiência e não do mundo real. Para a visão falibilista, a matemática é uma
atividade humana, imperfeita e sujeita a erros, que cresce através de críticas e
correções em um constante refinamento.

????

FIigura 03 – O conhecimento matemático é passível de erros e sujeito à refutação

Desde a Grécia Antiga, a Matemática tem se desenvolvido lado a lado com


a Filosofia, sendo fonte de inúmeras questões debatidas pelos filósofos. A Filosofia
da Matemática, portanto, é um ramo da Filosofia que reflete sobre a Matemática e
lança perguntas tais como: qual é a natureza do conhecimento matemático? E qual
é a natureza da verdade na Matemática? Em que se fundamenta?
As várias respostas a essas e outras questões dão origem às diversas visões
filosóficas sobre a Matemática. O Esquema 04 a seguir mostra, segundo Ernest
(1991a) como essas visões podem ser agrupadas.

95
Absolutista Falibilista

Visões Filosóficas
sobre a Matemática

Esquema 04 – Visões filosóficas da Matemática segundo Ernest (1991)

Segundo a visão absolutista, “o conhecimento matemático é feito de ver-


dades absolutas e representa o domínio único do conhecimento incontestável”
(Ernest, 1991a, p.7). A visão falibilista, por outro lado, considera o conhecimento
matemático falível, isto é, não estático, muda, é corrigível e está em contínua
expansão, como qualquer outro tipo de conhecimento humano.
Entre as concepções absolutistas, que vêem a Matemática como o domínio
do conhecimento incontestável, Ernest (1991a) aponta o platonismo, o logicismo,
o intuicionismo e o formalismo.

Figura 04 – Nas concepções absolutistas, a Matemática


apresenta a verdade sobre o mundo de forma irrefutável

Na perspectiva falibilista – sustentada pelas idéias de Lakatos e, mais


recentemente, por Davis, Hersh e Tymockzo –, a Matemática é uma atividade
humana imperfeita e sujeita a erros, que cresce através das críticas e correções
feitas pela comunidade matemática. Nessa concepção filosófica, provar um teo-
rema é um processo contínuo que inicia com uma conjetura e parte para uma
prova provisória, que será refutada por contra-exemplos. Assim, a conjetura ini-
cial vai sendo refinada.

96
O processo de criação de uma prova matemática é social, na medida em
que os vários passos da demonstração vão sendo criticados pela comunidade
(professores, alunos e colegas). É nessa perspectiva que a orientação do Constru-
tivismo Radical tem influenciado fortemente essa visão falibilista da Matemática.
Em Ernest (1991b, 1996a), o autor sugere as possíveis relações entre as
concepções filosóficas e as posturas pedagógicas, sendo que a oposição entre as
visões absolutista e falibilista é apresentada como a contraposição respectiva entre
o ensino de Matemática como produto e como processo.
Na abordagem absolutista, o ensino é centrado no conteúdo; o professor en-
fatiza a beleza das demonstrações, exige a prova de todos os resultados, justifica
o uso de determinados algoritmos, enfim, transmite um conhecimento estável, e
hierarquicamente estruturado, em que cada conteúdo depende dos anteriores.
Por outro lado, o ensino baseado na visão falibilista pode ser centrado na
resolução de problemas; o professor não impõe a solução. Ela é buscada, em con-
junto, pelo grupo de alunos que testam hipóteses e as refutam. E o conhecimento
desenvolve-se a partir das correções, buscando um refinamento. Evidentemente,
esta última postura pedagógica tem seus fundamentos no construtivismo, como
teoria do conhecimento e da aprendizagem.
Os princípios básicos do Construtivismo Radical, segundo Glasersfeld
(1991) estão apresentados no Esquema 05 abaixo.

O conhecimento não é O conhecimento


recebido passivamente seja é construído
por meio dos sentidos seja por ativamente pelo
meio da comunicação. sujeito cognoscente.

Princípios do
Construtivismo
Radical

A função da cognição é A cognição serve à organização


adaptativa, no sentido biológico do mundo da experiência do
do termo, tendendo para a sujeito, não à descoberta de uma
adaptação ou viabilidade. realidade ontológica objetiva.

Esquema 05 – Princípios que fundamentam o Construtivismo Radical (Glasersfeld, 1991)

Esses princípios básicos do Construtivismo Radical emergem de forma


muito evidente quando se estudam de forma cuidadosa os escritos de Piaget. Estes
não podem ser adotados casualmente. Eles são incompatíveis com as noções tradi-

97
cionais de conhecimento, verdade e objetividade que requerem uma ressignifi-
cação radical da concepção de realidade. Assim,
[...] ao invés de um domínio inacessível além da percepção e da cog-
nição, a realidade torna-se agora o mundo da experiência no qual nós
vivemos. Este mundo não é uma estrutura independente imutável, mas
o resultado de diferenças que geram um ambiente físico e social ao
qual, por outro lado, nos adaptamos da melhor forma que podemos
(Glasersfeld, 1991, p.33).

Dessa forma, não podemos adotar os princípios construtivistas como uma


verdade absoluta, mas como uma hipótese de trabalho que pode ou não se tornar
viável. O construtivismo é radical, porque rompe com as convenções e desenvol-
ve uma teoria do conhecimento na qual este não se refere a uma realidade ontoló-
gica, objetiva, mas exclusivamente ao ordenamento e à organização de mundo
construído por nossas experiências, como defende Glasersfeld (1991).
Embora os postulados, princípios e orientações do construtivismo radical
não tenham uma repercussão clara na prática pedagógica, existem algumas ten-
tativas de fundamentar os modelos didáticos a partir dessa perspectiva construti-
vista. Concebemos, pedagogicamente, atividade construtivista de ensino como o
encaminhamento didático dado ao processo construtivo de geração do conheci-
mento matemático, que provoca a criatividade e o espírito desafiador do aluno
para construir suas idéias sobre o que pretende aprender.
É importante mencionarmos que essas atividades construtivistas, segundo
o modelo proposto por Dockweiller (1996), devem-se constituir em um processo
construtivo, contínuo do conhecimento, considerando os três modos de represen-
tar os conceitos matemáticos: físico-visual, oral e simbólico. Dessa maneira, as
representações dos conceitos matemáticos podem ser alcançadas, inicialmente,
nas atividades de desenvolvimento, seguidas de atividades de conexão e finalizando
com as de abstração.
As atividades de desenvolvimento são aquelas que permitem ao estudante
experimentar um conceito matemático e se familiarizar com as condições formais
de descrição desse conceito. As atividades de conexão dão seqüência à aprendiza-
gem do conceito matemático, desde que conectem as compreensões conceituais
representadas física e oralmente, buscando conduzir o estudante ao processo de
representação simbólica. As atividades de abstração exploram mais profundamente
a representação simbólica de um conceito matemático, tendo em vista explorar a
capacidade do aluno em comunicar amplamente as suas idéias matemáticas.
Para ilustrar o modelo proposto por Dockweiller (1996), uma atividade inte-
ressante no ensino médio seria a exploração da Relação de Euler na sala de aula:

V+F-2=A
98
A atividade consiste em apresentar poliedros convexos para os alunos e
solicitar que contem as faces, vértices e arestas dos poliedros, organizando os
resultados obtidos numa tabela. Nessa oportunidade, poderão ser feitas algumas
perguntas do tipo: o que é uma aresta? E vértice? E face? Qual o número mínimo
de faces que formam um poliedro? Por quê?
Após a tabela estar preenchida, peça aos alunos que a observem e regis-
trem todas as relações entre faces, vértices e arestas que encontrarem. Pergunte a
eles se seria possível, conhecendo-se os números de faces e vértices do poliedro,
encontrar o número de arestas. A mesma situação-problema pode ser encaminhada
com relação aos poliedros não-convexos. A idéia é que os alunos reconstruam, por
meio da sua própria atividade a Relação de Euler e analisem a sua validade para
poliedros convexos e não convexos. Um dos objetivos do professor neste caso é
que os alunos cheguem à seguinte conclusão: todo poliedro convexo é euleriano,
mas que nem todo poliedro euleriano é convexo. E ainda: a Relação de Euler não
vale para todos os poliedros não convexos.
Os argumentos teóricos favoráveis a essa abordagem pressupõem que o
bom desempenho dos professores durante suas atividades educativas deve condu-
zir os estudantes a uma construção mais dinâmica e construtiva da Matemática
ensinada na sala de aula. É imprescindível então estabelecermos uma proposta de
abordagem para o ensino da Matemática que integre, no processo do raciocínio do
aluno, aspectos interativos contidos no conhecimento cotidiano, escolar e científico.
Como estratégia de ensino e aprendizagem, a Resolução de Problemas tem,
de certa forma, seus fundamentos no Construtivismo Radical. Nessa estratégia, há
uma tendência em se privilegiar os problemas abertos em detrimento de simples
exercícios, como vimos em capítulos anteriores, porque essa alternativa tem mais
potencial para um trabalho numa perspectiva construtivista, uma vez que possibilita
ao aluno momentos para desenvolver sua criatividade, a atitude de investigação, a
construção do pensamento autônomo e para lidar com verdadeiros problemas.
O encaminhamento metodológico perpassa, assim, aspectos teóricos rela-
cionados ao processo de raciocínio matemático e à atividade matemática produ-
tiva. Esse raciocínio e essa atividade configuram o modo representacional do racio-
cínio matemático sob a forma simbólica e mental as quais, interligadas entre si,
geram abstração matemática. Além disso, cremos que tal movimento processual se
concretiza por meio da realização de atividades matemáticas organizadas a par-
tir de três componentes: intuitivo, algorítmico e formal (Mendes, 1997). Essas
são, para nós, as características que devem nortear uma proposta de ensino de
Matemática que fomente no estudante a prática da investigação como meio de
construção do seu conhecimento.
Ao se adotar com seriedade a orientação construtivista radical, devem-se
operar mudanças importantes no pensamento e nas atitudes. Não é ofensivo falar
de conhecimento, matemática e outros assuntos como se tais assuntos tivessem
status ontológico, objetivo. Admitindo-se os princípios do Construtivismo Radical,

99
não o considerar como uma representação ou descrição de uma realidade abso-
luta, mas como um possível modelo de conhecimento em seres vivos cognitivos,
que são capazes, em virtude de sua própria experiência, de construir um mundo
mais ou menos digno de confiança.

5. Considerações finais

Não tivemos a intenção neste texto de apresentar idéias acabadas do que


representa o construtivismo para o ensino de Ciências e da Matemática na atuali-
dade, mas de trazer uma série de reflexões, nossas e de outros teóricos, de modo a
buscar uma aproximação do que de fato representa essa categoria que permeia o
campo epistemológico, psicológico e educacional.
Com relação ao modo de conhecer, Glasersfeld (1991, p.18) indica que “o
que quer que entendamos sobre o conhecimento, não pode mais ser a imagem ou a
representação de um universo independente daquele vivido”. Sua afirmação nos
faz refletir acerca da incerteza ou da verdade absoluta revestida do conhecimento
matemático ensinado nas escolas. Isso significa proporcionarmos aos estudantes
várias possibilidades de reflexão sobre suas ações durante as atividades de cons-
trução do conhecimento matemático escolar.
Nesse sentido, os estudantes devem basear-se nas suas experiências ante-
riores, isto é, na base cognitiva em que se apóiam para conceber as noções mate-
máticas propostas pelos professores. Sob esse ponto de vista, então, ‘fazer mate-
mática’ é conjecturar, inventar e entender idéias sobre objetos matemáticos, testar,
debater, revisar ou substituir essas idéias.
Procuramos discutir que, em decorrência das críticas ao “ensino tradicional”
e ao “ensino por descoberta”, o construtivismo assume dois princípios básicos:
a) o pensamento é ativo na construção do conhecimento, conseqüentemente
a aprendizagem é produto da atividade mental do sujeito e não dos acúmulos de
informações e procedimentos;
b) os conceitos são mais uma construção que uma descoberta.
É importante ainda ressaltar que as diferentes concepções construtivistas
às vezes levam a ambigüidades, quando se fala no singular “construtivismo” e se
extrapola princípios das diferentes posições psicológicas à prática educativa sob
a ótica de uma mistura de idéias que resulta numa referência eclética e pouco
consistente (Rodrigo; Cubero, 2000).

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101
PARTE II

Pensando a formação de competências


e a aprendizagem no Novo Ensino Médio
104
OS SABERES ESCOLARES E A FORMAÇÃO
DAS COMPETÊNCIAS NO ENSINO MÉDIO

Márcia Adelino da Silva Dias,


Isauro Beltrán Nuñez
e Betania Leite Ramalho

Introdução

Neste capítulo, propomos uma reflexão acerca de saberes que constituem


o conteúdo escolar, como recursos para o agir competente. Com esse intuito,
realizamos uma discussão em relação aos significados do saber e das diferentes
formas de mobilizar e contextualizar os saberes, a fim de mostrar que o saber
escolar é um processo em construção e não simplesmente um produto na constru-
ção das competências pelo educando. Além disso, procuramos fazer uma distinção
entre conhecer e saber, destacando diferentes tipos de conhecimentos e de saberes,
necessários à aprendizagem escolar.
Para atingir esse objetivo, partimos da problemática atual da educação em
ciências da natureza, área na qual se busca não apenas a aprendizagem de conceitos,
mas a articulação destes com procedimentos e atitudes de modo que o aluno possa
adquirir o saber fazer e o saber ser durante a sistematização dos conhecimentos no
contexto sociocultural.

1. O papel dos conteúdos escolares segundo


a nova visão de Educação em Ciências da Natureza

Estamos vivenciando um período de reformas na educação básica, como


resultado desse quadro, o Ensino Médio deve configurar-se como um momento em
que as necessidades, as curiosidades, os interesses e os saberes do aluno deverão
confrontar-se com os saberes sistematizados, resultantes do currículo escolar, no
intuito de contribuir para uma educação cidadã.
O processo educativo, hoje, reconhece a importância de uma maior ativi-
dade do sujeito, deixando de ter como base educacional a transmissão mecânica
e pouco significativa de conhecimentos curriculares, buscando atingir o desenvol-
vimento pleno das potencialidades do aluno. Nessa atmosfera de mudanças, surgem
importantes questões de debate em torno da nova função da escola e do espaço
ocupado pelos saberes escolares na formação do aluno, bem como reflexões sobre
o processo de construção dos saberes e sobre o papel dos conteúdos escolares na
formação integral do aluno.

105
Diante dessa situação, convém estabelecer, em relação aos propósitos da
educação em ciências da natureza, o de instigar uma reflexão sobre o lugar do
conhecimento científico e a sua relação com os outros tipos de saberes. Nesse
sentido, o ensino de Ciências deverá promover a articulação entre o conheci-
mento escolar e os vários tipos de saberes do aluno, para que sejam superadas as
dicotomias, por vezes estabelecidas nos livros, entre o conhecimento geral e o
específico, entre o conhecimento científico e o do senso comum, entre a ciência
e a técnica, e para que se ultrapasse a visão deturpada de que tecnologia é exclu-
sivamente aplicação da ciência, de forma que a escola incorpore tanto as culturas
técnica e geral quanto as experiências do aluno na sua formação plena.
Sabemos que alcançar esse nível de compreensão no processo de ensino
em ciências da natureza demanda tempo e que isso só ocorrerá por meio da efe-
tivação de atividades caracterizadas pela interdisciplinaridade,1 pela contextua-
lização 2 e pelo uso de estratégias de resolução de problemas.3 Além disso,
faz-se necessária a sistematização do conteúdo, dentro de uma nova visão de
currículo escolar incutida numa nova cultura escolar.
Dentro da perspectiva de currículo, Weissmann (1998) destaca duas visões
de conteúdo curricular:
· a visão tradicional – em que os conteúdos escolares limitam-se exclusi-
vamente ao corpus conceitual das disciplinas que compõem o currículo, ou seja,
há dicotomia entre o conteúdo escolar e as outras tipologias do conhecimento que
compõem o elenco de saberes do aluno;
· a visão atual – na qual os conteúdos escolares não se limitam ao aspecto
conceitual, pois agregam os procedimentos, ou seja, as “habilidades, rotinas ou
mecanismos empregados pelo aluno para tratar do conteúdo” (Weissmann (1998,
p.33). Para a autora, trata-se de “um aprender fatos, conceitos, coisas das pes-
soas, da natureza, dos objetos” (idem, p.33). Em relação aos procedimentos, a

1
Ao caráter interdisplinaridade iremos considerar como sendo as diferentes relações que guar-
dam as disciplinas e conteúdos afins, favorecendo a integração de conceitos na construção do
conhecimento.
2
A contextualização dos conteúdos consiste nas relações de continuidade passíveis de serem
constituídas entre o conteúdo curricular e os conhecimentos detidos pelo aluno, decorrentes de
sua atuação em sociedade e de suas experiências pessoais.
3
Os problemas de ensino constituem-se em formas alternativas de levar o aluno a raciocinar
acerca de uma determinada situação, envolvendo os seguintes passos: 1. observação de uma
situação cotidiana e identificação de um problema; 2. processamento mental e dialética entre os
conhecimentos adquiridos na escola e os conhecimentos prévios; 3. busca de soluções práticas
e 4. resolução do problema. O uso de problemas envolve os esquemas mentais e a (re)significa-
ção de saberes na busca de solução de problemas da vida prática (saber fazer). Convém salientar
que os problemas diferem dos exercícios encontrados nos livros didáticos que, algumas vezes,
equivocadamente são chamados de problemas, devido à sua estrutura e meios de processamento
das análises e respostas.

106
autora esclarece que trata-se de “um aprender a atuar de uma determinada ma-
neira, de um saber fazer” (ibidem, p.34). Para essa abordagem de conteúdo, não
estão envolvidos somente os fatos, conceitos, generalizações e teorias, mas um
elenco de procedimentos, atitudes e de valores. Nessa perspectiva, valorizam-se
as diferentes formas de saberes e o conhecimento científico passa a ser uma,
dentre outras referências, para se explicar/compreender a natureza.
Fanfani (2002, p.03) enfatiza a importância da participação da escola na
formação do aluno para a vida, inserindo dentre as prioridades da educação esco-
lar não apenas a de “ensinar boas maneiras, mas a de formar homens de ação,
capazes de pensar corretamente para poder atuar na sociedade”, o que constitui
a base do saber contextualizado.4
Schimidt & Garcia (2002) destacam, quanto à relevância dada ao con-
teúdo que é trabalhado na escola, como um dos elementos mais importantes do
cotidiano do aluno. Apple (1997, p.05) corrobora esse pensamento, quando afirma
que, em relação à sua função, as escolas “não apenas preparam o conhecimento;
elas também preparam as pessoas”; nesse caso, o preparar o conhecimento sig-
nificaria conferir-lhe características próprias que o tornarão diferente quando
comparado às outras tipologias de conhecimentos do aluno. Tratando dessa
questão Santos (1994) chama a atenção para um aspecto importante em relação
a algumas tipologias do conhecimento – como o saber social, o conhecimento
do senso comum e o conhecimento popular – que há pouco tempo pareciam
desvalorizadas ou relegadas a um segundo plano, por isso não eram consideradas
como integrantes do currículo escolar, devendo ser atualmente elementos cons-
tituintes do conhecimento escolar.
A idéia de que a ciência produzida pelos cientistas é a ciência que deverá
ser aprendida e ensinada na escola passa a ceder o seu espaço para idéias mais
pedagógicas sobre o conteúdo de ciências a ser ensinado na escola. Pozo (1987)
afirma que não existe um isomorfismo completo entre a “ciência dos cientistas”
e a “ciência escolar”. A incorporação do conhecimento científico (produzido
pelas ciências) aos conteúdos escolares geralmente acontece de forma espontânea,
à mercê de escritores de livros didáticos e das políticas curriculares que expres-
sam ideologias dominantes. Esse processo não tem considerado quais conhecimentos
das ciências são necessários para a formação cidadã dos alunos; nem considerou
a complexidade de tornar esses conhecimentos não só ensináveis mas também
“compreensíveis” para os alunos.
Autores como Schwab (1973), Chevallard e Joshua (1982) têm chamado a
atenção para as diferenças e as especificidades do conhecimento científico e do
conhecimento escolar, a partir dos contextos de produção de cada um desses tipos

4
O saber contextualizado relaciona-se às relações existentes entre o conteúdo escolar, em sua
visão atual, e as relações com o cotidiano.

107
de conhecimento, e para as implicações de se modificar o primeiro para se estru-
turar o segundo. Essa problemática, na opinião de Cajas (2001, p.244), leva a dois
pontos importantes:
· o planejamento do conhecimento científico como saber escolar deve ser
realizado;
· o impacto social causado pelo conhecimento científico na vida cotidiana
dos alunos.
Dessa forma, durante a seleção dos conhecimentos científicos, como parte
do saber escolar, deve-se prestar atenção aos dois pontos anteriores, na busca de
funcionalidade educativa (como sistema explicativo para a reflexão crítica e a
compreensão da realidade) dos conhecimentos científicos relacionados com outros
saberes. Chevallard (1992) introduziu a idéia de “antropologia dos saberes”, a
qual se inclui na didática dos saberes, em que se procura superar a “restrição” da
epistemologia tradicional, preocupada com os processos de produção de saberes.
Portanto, para que o saber/conhecimento possa ser utilizado, ensinado e aprendido,
precisa-se de uma visão epistemológica mais ampla, que estude esses processos no
contexto da aprendizagem escolar.
Em relação à influência dos saberes do aluno ao estudar uma disciplina es-
colar, Apple (1997, p.02) destaca a importância dos seus saberes e conhecimen-
tos prévios, fazendo uma analogia entre a participação dos alunos que chegam à
escola com os “cavalos de Tróia – que atravessam os muros da escola levando
consigo suas linguagens, interesses e desinteresses, temores, sonhos e aspira-
ções”. Essa comparação é pertinente no sentido de mostrar que o aluno chega à
escola trazendo consigo um elenco de saberes, crenças, valores, etc., produtos de
sua vivência pessoal, que ao longo da vida escolar irão dialogar com os conteú-
dos curriculares, para se construir novos saberes. É necessário considerar esses
saberes na produção/construção dos novos saberes.
Nesse contexto, os novos saberes passarão a ser construídos a partir da
relação dialética entre esses saberes prévios e os que compõem o conhecimento
curricular, portanto objeto da educação escolar, com aqueles conhecimentos que
o professor entende como objeto necessário à aprendizagem. O conteúdo escolar,
nesse âmbito, constitui-se num importante fator que congrega as diferentes tipo-
logias de saberes do aluno com os saberes escolares. Pertencente à categoria dos
conhecimentos normatizados, esse conhecimento escolar constitui-se numa for-
ma de ver os conhecimentos de forma sistematizada, considerando que o conhe-
cimento construído a partir das idéias advindas do senso comum constitui um
conhecimento baseado no que Gil Pérez e Carrascosa (1985) denominaram de
metodologia da superficialidade.
A construção do conhecimento se dá a partir das relações entre os conheci-
mentos prévios do aluno e os conhecimentos sistematizados pelo currículo escolar;
nesse ponto, a contextualização dos conteúdos deve levar à aprendizagem sig-

108
nificativa5 pelo aluno. Nesse processo, também devemos considerar que os co-
nhecimentos prévios, que são o ponto de partida na construção do conhecimento,
por vezes se constituem em obstáculo epistemológico. No Esquema 01, procura-
mos dar uma visão geral da estrutura de saberes/conhecimentos do conteúdo escolar
e de suas relações.

CONTEÚDO
ESCOLAR
SABERES DO ALUNO SABERES ESCOLARES

CONHECIMENTO SABER CONHECIMENTO CONHECIMENTO


DO SENSO COMUM POPULAR CIENTÍFICO ESCOLAR

APRENDIZAGEM CONHECIMENTO
PELA RELAÇÕES DIALÉTICAS
SITEMATIZADO
METODOLOGIA DA NO CONTEXTO
SUPERFICIALIDADE ESCOLAR

CONTEXTUALIZAÇÃO
DO CONHECIMENTO SABER
CONSTRUÍDO

Esquema 01 – Representação dos componentes do conteúdo escolar e das suas relações com as
formas de saber do aluno e do saber escolar na construção do conhecimento

2. Conhecimentos e saberes: reflexões


epistemológicas e didáticas

Existem várias posições epistemológicas em relação aos termos conheci-


mento e saber. Os autores, por vezes, estabelecem diferenças entre os termos saber
e conhecer, enquanto outras vezes estes são considerados como sinônimos. Para

5
Aprendizagem significativa é considerada como o nível de compreensão dos conteúdos pelo
aluno, de forma conceitual, procedimental e atitudinal.

109
explicar a posição que defendemos neste livro, discutiremos, a seguir, algumas
posições epistemológicas e suas implicações didáticas.
Galogovsky e Muñoz (2002), a partir da aprendizagem como processa-
mento da informação, distinguem conhecimento de informação, ao descrever a
Estrutura Cognitiva (EC) de um sujeito como uma configuração do tipo reticular,
composta por novos conceitos e por relações entre conceitos. Esses autores cha-
mam de conhecimento o conteúdo da EC e de informação todo tipo de conheci-
mento que é externo ao sujeito. Nesse sentido, a aprendizagem supõe a transfor-
mação da informação (externa ao sujeito) em conhecimento (interno ao sujeito).
No Esquema 02, está representado o processo de transformação da informação em
conhecimento, concebido de acordo com essa forma de entender o processo.

Incorporação à

INFORMAÇÃO

Esquema 02 – Representação do processo de transformação da informação em conhecimento

Grossi (1990, p.46), ao analisar os produtos da aprendizagem como ativi-


dade sistematizada e transformadora, diferencia saberes de conhecimento. Para
a autora, “saber é um produto da aprendizagem não sistematizada, porém trans-
formadora, que mobiliza energias do sujeito, para levá-lo a novas formas de vida.
O conhecimento é um produto da aprendizagem sistematizada, mas não trans-

110
formador, que instrumentaliza, de forma teórica, a prática, e não é resultado das
ações mobilizadoras do sujeito”. O saber é pessoal e o conhecimento é social ou
socializável, na medida em que pode ser, ou é, sistematizado. O saber é mais li-
gado à ação, enquanto o conhecimento é mais ligado à reflexão e à linguagem – “o
saber tem mais a ver com as percepções e movimentos, enquanto o conhecimento
tem mais a ver com as palavras”.
O saber significa uma ação transformadora do conhecimento para si e pro-
duto da aprendizagem em interação comunicativa com os outros, nos contextos
específicos da aprendizagem. O conhecimento constitui-se numa entidade autônoma,
substantiva e independente do contexto da aprendizagem, pois é produto da atividade
de outros sujeitos – por exemplo, os conhecimentos debatidos pela comunidade
científica numa determinada área disciplinar. O conhecimento pode ser “trans-
mitido” ao sujeito que o transforma em saber, haja vista que o saber é subjetivo e
dependente das relações que o sujeito estabelece com o conhecimento, no contexto
social, cuja condição individual não faz o sujeito independente do grupo e do
contexto no qual se dá sentido ao saber. O contexto no qual ocorre a construção do
saber impõe limitações ao seu potencial epistemológico. No Quadro 01, fazemos
uma comparação entre conhecimento e saber, de acordo com as suas principais
características, segundo Grossi (1990).

CONHECIMENTO SABER

· É um produto da aprendizagem · É um produto da aprendizagem


sistematizada, mas não é transfor- não sistematizada que transforma o
mador. sujeito, levando-o a novas formas de
· Instrumentaliza, de forma teórica, vida.
a prática e não é resultado das ações · Significa uma ação transformadora
mobilizadoras do sujeito. Pode ser do conhecimento para si e produto da
“transmitido” ao sujeito que o trans- aprendizagem em interação comuni-
forma em saber. cativa com os outros, nos contextos
· É social ou socializável, sendo mais específicos da aprendizagem.
ligado à reflexão e à linguagem; tem · É pessoal e mais ligado à ação; tem
mais a ver com as palavras. mais a ver com as percepções e mo-
· Constitui-se numa entidade autô- vimentos.
noma, substantiva e independente · É subjetivo, depende das relações
do contexto da aprendizagem, pois que o sujeito estabelece com o conhe-
é produto da atividade de outros cimento, no contexto social e da sua
sujeitos. condição individual.

Quadro 01 – Diferenças entre conhecimento e saber, dentro de uma visão epistemológica

111
A nosso ver, entretanto, o saber é sistematizado e transformador, uma vez
que a aprendizagem escolar deverá possibilitar aos alunos assimilar, apropriar-se
e construir saberes, como atividade individual na interação com os outros. O saber
escolar construído pelos alunos leva consigo o conhecimento científico, os saberes
cotidianos e o do senso comum, assim como outras formas de saberes, que, refor-
mulados, propiciam novos recursos cognitivos e afetivos, assim como um “saber
escolar” para a ação.
No processo de construção de saberes, o aluno, como sujeito da aprendi-
zagem, não só transforma o objeto da aprendizagem como também ele próprio se
transforma, em termos dialéticos. As ciências naturais produzem conhecimentos
específicos que, na escola, sob processos pedagógicos, são assimilados pelos alunos
na forma de saberes, pois quando o aluno aprende, constrói saberes a partir dos
conhecimentos disponíveis nos livros, nos documentos, etc.
O conhecimento científico, juntamente com outros saberes, é mobilizado
pelo aluno no processo da aprendizagem, que consiste num processo complexo e
que implica mobilizar outros recursos cognitivos e afetivos necessários à constru-
ção do saber. O saber pode estar, e de fato está, num processo de reconstrução,
quando necessário e em determinados momentos, face às situações-problema.
Nesse processo de reconstrução, o sujeito não só mobiliza saberes no sentido de
“usar” o saber, como também faz a “transferência de aprendizagem”, conforme
ilustrado no Esquema 03.

CONTEXTO DA PRODUÇÃO DOS SABERES ESCOLARES

MOBILIZAÇÃO DE
CONHECIMENTOS E
DE OUTROS RECURSOS
Conhecimento Saberes
científico

aplicação e transferência
de saberes

Recursos Processo de
cognitivos e construção de
afetivos saberes

Novo saber
produzido

Esquema 03 – Representação esquemática do processo de produção do saber escolar

112
A representação que se vê no esquema 03, tem objetivos meramente didáti-
cos, pois sabemos que a construção de saberes é um processo complexo no qual
estão inseridos vários tipos de saberes e de conhecimentos interligados em rede. Os
processos mentais envolvidos na utilização dos recursos cognitivos do sujeito são
dimensionados para a compreensão de situações relacionadas ao conhecimento
científico ou outros tipos de conhecimentos, estando interligados aos componen-
tes afetivos do aluno e dentro de um contexto no qual se dá a construção de novos
saberes.
É importante assinalar que a discussão anterior constitui um modelo expli-
cativo do que pensamos ser necessário ao processo de construção de saberes
escolares, tomando como referência o conhecimento científico escolarizado. Ex-
plicar esse processo constitui-se em um desafio para os professores e para a didá-
tica, uma vez que os argumentos que procuram para revelar como os alunos usam
o conhecimento científico escolarizado no cotidiano são limitados. Não existe
um quadro teórico e metodológico por meio do qual se possa discutir, na Didática
das Ciências e da Matemática, esse processo, central durante a formação de
competências. Os objetivos do Ensino Médio vão além da promoção da apren-
dizagem dos conteúdos curriculares e da construção dos saberes, pois buscam a
mobilização das diversas categorias de saberes na construção das competências,
explicitados por um saber fazer competente. O papel dos conteúdos escolares passa
a ter outra conotação e outras implicações para o professor, em se tratando da
capacidade de transformação assumida, de um objeto de saber (que deve ser
ensinado) em um objeto de ensino, conceituado por Chevallard (1995) como
transposição didática.
A construção de um saber fazer competente processa-se no sentido de dar
uma nova conotação aos saberes advindos da vida pessoal, social e escolar do
aluno, tendo o currículo escolar a importante função de redimensionar esses sabe-
res, a partir da sistematização dos conhecimentos. Cabe à educação em ciências,
promovida pelo Ensino Médio, oportunizar, de forma sistemática, a construção e a
aplicação dos saberes para a sua apropriação pelos alunos. Nesse sentido, a dife-
rença entre saber e conhecimento consiste basicamente no aspecto da sistematização
destes e da sua apropriação pelo aluno.
No Esquema 04, estão representadas diferentes tipologias de saberes e de
conhecimentos, que são aprendidos na escola e nas diferentes relações sociais
estabelecidas pelo aluno. A partir das interlocuções entre esses fatores, na forma
de um processo que se dá no nível do pensamento, ocorre uma transposição,
promovendo os processos relacionados à construção do saber do aluno.

113
Saberes
do aluno

Conteúdo
Curricular
Conhecimento
escolar

Esquema 04 – Representação das relações existentes entre os saberes do aluno e o


conhecimento escolar na construção do saber escolar do aluno

Diante desses fatos, torna-se possível afirmar que o saber não pode ser visto
de forma isolada ou como algo que se aprende exclusivamente na escola, mas
como uma (re)leitura de conhecimentos, que irá ocorrer em diferentes momentos
da vida do aluno, conforme o contexto, os interesses pessoais, afetivos, sociais, as
crenças e os anseios, etc. Assim, é possível entender o saber como uma categoria
que incorpora conhecimentos sistematizados.

3. Tipologias de conhecimentos e saberes – a questão


da mobilização dos saberes

O saber cotidiano (do aluno) e o saber curricular, aqui descritos, serão vistos
como ferramentas na construção de competências pelo aluno, durante todo o
percurso da educação básica, que culmina com o término do Ensino Médio, tendo
continuidade na construção de suas diferentes atividades profissionais e em suas
diferentes relações sociais. Daremos destaque às tipologias de conhecimento cien-
tífico e curricular e ao saber cotidiano e às suas subcategorias: o conhecimento do
senso comum e o conhecimento popular.
a) o conhecimento científico – classificado por Martínez (2003) como aquele
que depende de um corpo de conhecimentos validados pela Ciência, de acordo com
os procedimentos científicos – reconhecidos pelas comunidades científicas. É um
conhecimento histórico e socialmente construído, formado por um corpo conceitual
e procedimental específico das diferentes áreas disciplinares. Constitui modelos
teóricos para explicar a realidade e não só para agir no cotidiano. O conhecimento
científico é baseado numa racionalidade (ou racionalidades – uma lógica discussiva/
argumentativa) e nas experiências dos pesquisadores, constituindo-se num conhe-
cimento explicativo, crítico e teórico-prático.
Esse conhecimento é reconhecido como válido pela comunidade científica,
constituído por um corpo de conceitos, métodos e teorias que podem chegar ao
aluno por meio de sua participação na comunidade escolar; nesse ponto, dependendo
do interesse do aluno e da interpretação dada, é passível de alterações, moldando-

114
se ao seu nível de compreensão. O conhecimento científico constrói-se por meto-
dologias que têm como características, segundo Furió e Escobedo (1994, p.114):
· aceitam da natureza hipotética do conhecimento declarativo (caráter
duvidoso ou óbvio);
· primam os conhecimentos procedimental e explicativo do tipo hipotético-
dedutivo (parte-se do corpo teórico vigente);
· usam aproximações qualitativas, mas também procuram objetivar essas
aproximações por meio de observações quantitativas;
· valem-se do pensamento convergente, mas prima o divergente para falsear
o conhecimento declarativo, como busca global da coerência;
· estruturam conhecimentos procedimentais seguros (diversas estratégias);
· usam raciocínios pluricausais, mais complexos.
b) o saber curricular – é o objeto do saber a ser ensinado; consiste naquilo
que será ensinado nos diferentes níveis educacionais, como parte integrante do
currículo (objeto de ensino/currículo) ou que é vivenciado pelo aluno, por meio
das diferentes formas de ler e interpretar a ciência e seus produtos, com base no
subjetivismo e objetivismo do aluno (Martínez, 2003). Uma prioridade na hora
de pensar os diferentes saberes do conteúdo escolar e suas relações com o coti-
diano é tentar aproximar as metas da educação científica às metas da atividade
cotidiana, uma vez que esse conhecimento encontra-se disponibilizado nos livros
didáticos e em documentos oficiais. Quando essas metas diferem, reduz-se a possi-
bilidade de ativação do conhecimento científico fora da sala de aula.
c) o saber cotidiano – é considerado por Martínez (2003) como um tipo de
saber freqüente e adquirido de forma espontânea e informal, sendo resultante da
integração entre o meio natural e o social do qual o aluno participa. O ambiente
cultural no qual vivem os alunos assume um papel fundamental nas idéias que eles
têm, as quais podem constituir-se em crenças populares, compartilhadas pelo grupo
cultural. Esse saber caracteriza-se como uma estruturação, de forma lógica, prag-
mática, adaptativa e útil no âmbito cotidiano.
É importante destacar que o saber cotidiano, construído pelo aluno, apre-
senta um componente individual de caráter procedimental e implícito, em que o
cognitivo e o afetivo estão fortemente ligados. Sob esse ponto de vista, torna-se
possível considerar esse tipo de saber como um conhecimento pessoal, embora
construído no grupo social, que possibilita ao aluno resolver problemas do coti-
diano, porém com potencial explicativo limitado.
O saber cotidiano é gerado na interação com as experiências da vida diária,
inclusive nas relações com os outros sujeitos. Esse saber representa um nível de
sistematização baseado em critérios, modos de raciocínio, propósitos e valores
que são suficientes para responder às exigências do cotidiano; é um saber idiossin-
crático (pessoal). Constitui-se num saber múltiplo, formado por diferentes saberes,
que são utilizados na vida cotidiana, ou seja, é um saber prático e acrítico (baseado

115
na experiência) e não explicativo, em termos de teorias sistematizadas e validadas
pela comunidade científica. O saber cotidiano é vinculado aos contextos particulares
e apresenta características mais orientadas para a eficácia das tarefas que para a
conceitualização. É, no contexto da atualidade de aprendizagem, no qual se esta-
belece uma rede de relações, que se dá significado às ações.
Fanfani (2002, p.02) considera-o como sendo o “âmbito dos atos vivos,
tratando-se de uma realidade compartilhada por homens que têm em comum não
apenas objetivos mas também os meios para a sua concretização. Nesse caso, a
escola participa conjuntamente com o indivíduo na reformulação desse conheci-
mento quando lhe acrescenta dados científicos ou informações sobre a ciência
produzida pelos cientistas.
d) O conhecimento do senso comum – Lopes (1999, p.149), defende o pon-
to de vista de que o senso comum “possui um caráter transclassista”, o que faz
com que as idéias preconcebidas tendam a manter-se resistentes, mesmo diante da
possibilidade de modificações que possam levar a um entendimento e/ou intro-
dução dos conhecimentos advindos por ingresso na vida escolar (conhecimento
científico/curricular). Incluem-se também as diferentes concepções de mundo,
sistemas filosóficos, crenças, conhecimentos correspondentes a uma época histó-
rica e cultural de um contexto. Fanfani (2002, p.04) considera essa forma de conhe-
cimento como uma “espécie de cumplicidade ontológica entre as coisas da vida
cotidiana e as categorias de percepção dos sujeitos que dela compartilham”.
Furió e Escobedo (1994) atribuem ao saber do senso comum uma episte-
mologia caracterizada por:
· aceitação acrítica do conhecimento declarativo assumido por todos como
veracidade;
· priorização do conhecimento procedimental e explicativo do tipo empi-
rista-indutivista (generalização a partir de casos concretos);
· preferência pelo uso de raciocínios qualitativos para estabelecer conclusões
gerais;
· favorecimento do pensamento convergente ao validar o conhecimento
declarativo (busca pontual de coerência);
· expressão de um conhecimento procedimental pouco rigoroso (uma única
estratégia);
· utilização fundamental de raciocínios do tipo causal e linear.
e) Saberes populares – são considerados por Lopes (1999, p.150) como
“fruto da produção de significados das camadas populares da sociedade”,
caracterizadas, pela autora, como “as classes dominantes sob o ponto de vista
econômico e cultural”. Para a autora a luta cotidiana pela sobrevivência como um
conjunto de práticas formadoras de diferentes saberes, caracterizando-se como
“um saber produzido pelas práticas sociais”. Diante disso, caracteriza o saber
popular como um saber cotidiano, do ponto de vista desse extrato social, porém

116
não-cotidiano em relação às outras camadas sociais, o que serve para diferenciá-lo
em relação ao conhecimento do senso-comum.
Para Wellington (1989), os conhecimentos, sob o ponto de vista filosófico,
podem ser classificados como:
· conhecimentos declarativos (descritivo ou factual) – aquele pelo qual
podemos expressar a nossa opinião sobre um determinado evento;
· conhecimento processual (procedimental) – aquele que se relaciona às
habilidades ou destrezas que constituem domínios de ação, expressadas por meio
do “saber fazer”. Para explicitar esse tipo de conhecimento, o aluno demonstra
como se deve fazer determinada atividade, fazendo-a;
· conhecimento explicativo – classificado como aquele que leva ao domí-
nio de teorias, como construções dinâmicas, ou seja, para os autores, esse tipo de
conhecimento teria a capacidade de dar significado e aprofundamento aos tipos de
conhecimento descritos anteriormente.
Para nós, o saber é considerado como o conhecimento processual e o co-
nhecimento explicativo, quando mobilizados na solução de tarefas. Segundo Paris,
Hipson e Wixson (1983), existe um outro tipo, o conhecimento condicional ou
contextual, relacionado ao conhecimento de quando e onde utilizar uma estratégia
específica. Para os autores citados, dentro de seus estudos sobre metacognição, o
conhecimento declarativo refere-se à autoconsciência do que sabem os sujeitos e
das outras categorias a utilizar. No Esquema 05, procuramos explicitar uma das
possibilidades de relação existente entre os saberes e o conhecimento no contexto
escolar.
Mediação
contexto
escolar

Declarativas
(re)significação

Saberes Processual ou
Conhecimentos
do aluno procedimental
do aluno/escolar

Saber
Explicativo fazer

Esquema 05 – Representação do mecanismo de re(significação) dos saberes visando à construção


do saber fazer competente

A teoria da atividade (Pérez Gómez, 1998, p.43), ao conceber a aprendiza-


gem como uma atividade contextualizada, possibilita compreender o conhecimento

117
científico e outros tipos de saberes como ferramentas para a solução de tarefas e
não os conhecimentos e saberes como fins da aprendizagem. Assim, os saberes
passam a fazer parte de atividades cotidianas. Uma questão central na organiza-
ção da aprendizagem será definir quais tipos de atividades/competências são ne-
cessárias na educação básica. Laver e Wenger (1991) mostraram como os sujeitos
que têm um bom desempenho na atividade de compra em um supermercado tive-
ram um mau desempenho na resolução de problemas desse tipo, em simulações
em sala de aula. Acrescentam ainda que os resultados foram ainda piores quando
os problemas eram do tipo exercício.
A escola “tradicional” tomou como pressuposto, nas ciências naturais, o
ensino dos conhecimentos científicos como forma de substituição do saber coti-
diano e do senso comum. Esse pressuposto é um equívoco epistemológico e ideo-
lógico, pois existem problemas do cotidiano que não são resolvidos ou explicados
pelo conhecimento científico e para os quais o saber cotidiano e o conhecimento
do senso comum são importantes. No ensino de ciências naturais, a educação
científica deve trabalhar com os alunos diferentes formas de conhecimentos e de
saberes, reconhecendo suas potencialidades e limitações, sob a ótica de uma
“múltipla racionalidade”, que visa a aperfeiçoar o saber cotidiano e o do senso
comum nas suas interações com o conhecimento científico.
As interpelações entre esses conhecimentos e saberes resultam da influên-
cia das análises pessoais, aqui favorecidas pelo diálogo entre os conhecimentos
prévios e os adquiridos na escola, que tornará possível ao aluno tirar suas pró-
prias conclusões acerca dos fatos analisados. Isso irá possibilitar-lhe atingir níveis
diferenciados de mobilização e de (re)significação de saberes – aqui entendido
segundo o que Gauthier (1996) considerou como “um produto da racionalidade
instrumental e da racionalidade interativa (comunicativa), vinculada a um saber
fazer argumentado, explicativo”. O mobilizar saberes estaria relacionado ao
dar um caráter subjetivo aos conhecimentos com os quais o indivíduo irá depa-
rar-se ao longo de sua vida (escolar, social e pessoal), para utilizá-lo num agir
competente.

4. A integração dos saberes na construção


das competências

Le Boterf (1997) considera as competências como um saber mobilizar, que


consiste em realizar operações cognitivas complexas orientadas à obtenção de
determinado resultado, que o próprio autor caracteriza como “um saber prático
contextualizado nas situações de resolução de problemas”. Ao mobilizar saberes,
o aluno realiza operações mentais envolvendo as situações vivenciadas na es-
cola, que englobam os conteúdos curriculares e os aplica na vida prática, nos
mais diversificados ambientes e situações, para a resolução de problemas. Para
um melhor entendimento desse processo, observe o Esquema 06.

118
SABERES ESCOLARES
AS FERRAMENTAS NA CONSTRUÇÃO RESOLUÇÃO DO PROBLEMA

DAS COMPETÊNCIAS

IDENTIFICAÇÃO
DE UMA
SITUAÇÃO-
PROBLEMA
ANÁLISE
E
DE UMA CONSTRUÇÃO
SABERES CONTEXTUALIZAÇÃO
SITUAÇÃO DO PROBLEMA
DO CONTEÚDO
COTIDIANA
-ESCOLARES ESCOLAR
-DO ALUNO

COMPETÊNCIA

Esquema 06 – Representação de processos envolvidos na mobilização dos saberes escolares e do


aluno na construção das competências

Ramalho, Nuñez e Gauthier, (2004), analisam algumas características para


o que consideraram como “o novo sentido atribuído ao conceito de competência”.
Partindo dessa análise, destacam que as competências estão relacionadas com o
“saber mobilizar” recursos manifestos num tempo prolongado e em situações con-
cretas, portanto se foge do sentido técnico das competências.
Ramalho, Nuñez e Gauthier (2003) apontaram novas características ao que
chamaram de novo sentido da categoria competência. Para esses autores, entre outras
características, a competência define-se por:
a) ser mostrada em um contexto real;
b) situar-se numa variação de estado que vai do simples ao complexo;
c) basear-se num conjunto de recursos;
d) não se reduzir aos recursos do indivíduo;
e) ser uma prática intencional (um saber agir);
f) ser um projeto, uma finalidade;
g) ser uma potencialidade de ação;
h) ser um ato bem sucedido (um agir competente – atuação);
i) ser um ato imediato e eficiente;
j) ser uma capacidade de agir com estabilidade.
Esses autores complementam que a formação de competências é um pro-

119
cesso complexo, que implica ações diversas entre os diferentes níveis do conheci-
mento, dos saberes, dos esquemas de ação, dos elementos afetivos, dos elementos
motores, do contexto, etc. No Esquema 7, estão destacadas as relações existentes
entre os saberes na construção das competências.

RELAÇÕES ENTRE
CONHECIMENTOS,
SABERES, ESQUEMAS
DE AÇÃO,
ELEMENTOS
AFETIVOS, MOTORES FORMAÇÃO DE
E DO CONTEXTO COMPETÊNCIAS

DIALÉTICA ENTRE
ATITUDES E
PROCEDIMENTOS

Esquema 07 – Representação dos processos envolvidos na integração entre os diversos elementos


envolvidos na construção das competências

Sobre o ensino, visando à formação das competências, Perrenoud (2002)


alerta para uma questão relevante, em relação às polêmicas criadas em torno dessa
perspectiva de formação. Isso decorre do fato de alguns pesquisadores argumen-
tarem que a competência surge como um modelo que se opõe aos saberes, tendo-
se ainda como pano de fundo a visão de que a missão da escola era primeiramente
instruir, ou seja, transmitir conhecimentos e construir saberes. Para Perrenoud
(2002, p.04), a implantação do ensino por competências “incidiria de forma con-
trária à educação baseada na construção de saberes”, considerando-se, nesse sen-
tido, que “a oposição entre saberes e competências tem fundamento, sendo ao
mesmo tempo injustificada”, pelos seguintes aspectos:
· tem fundamento, porque não se pode desenvolver competências na escola
sem limitar o tempo destinado à pura assimilação de saberes, nem sem questionar
sua organização em disciplinas fechadas;
· é injustificada, porque a maioria das competências mobiliza certos saberes,
ou seja, desenvolver competências não implica virar as costas aos saberes, ao
contrário.
O significado de competência tem como princípio a mobilização dos sabe-
res do aluno, dentre outros recursos (dentre os quais o conhecimento do senso
comum e os saberes tácitos), além das demais tipologias de saberes e conheci-

120
mentos incluídos no saber escolar, como forma metodológica de caracterizar os
saberes/conhecimentos, pois na mente do aluno esses saberes não se apresentam
separados, mas como um todo complexo. Nesse aspecto, o termo competência tem
sido muitas vezes confundido com o significado de habilidade, que constitui uma
categoria diferente.
As competências têm sido relacionadas a uma questão mais abrangente
e com um maior teor intelectual, quando comparadas à habilidade. Uma forma
de tentar esclarecer a diferença entre os dois processos poderia surgir a partir da
análise da situação a seguir:
O conhecimento transmitido ao aluno sobre meio-ambiente e saúde irá possi-
bilitar-lhe identificar, a partir de um enunciado em que estejam colocados os nomes
de diversas doenças humanas, se estas são provocadas por bactéria ou por vírus
(constituindo-se numa habilidade – a memorística) em contexto artificial.
Como haveria dificuldade de discernir sobre o agente etiológico da parasitose,
o seu ciclo de vida no(s) hospedeiro(s), as formas de controle e transmissão, se-
riam necessários estudos mais aprofundados e possivelmente de uma vivência
com a situação em questão, obtida em conseqüência de conhecimentos mais
elaborados, na forma de recursos cognitivos/afetivos em ação (competência).
Portanto, a competência estaria referindo-se ao domínio prático e com sucesso de
tarefas em um contexto real. Poderíamos, então, levantar um questionamento
em relação à formação promovida pela escola, quando entendemos que as com-
petências requeridas na vida cotidiana não são desprezíveis, pois boa parte dos
adultos, mesmo entre aqueles que concluíram a escolaridade básica, permanecem
despreparados diante das ciências e das tecnologias. Em relação a isso, Perrenoud
(2002, p.06) complementa: “Dessa forma, sem limitar o papel da escola a
aprendizagens tão triviais, pode-se perguntar: de que adianta escolarizar um
indivíduo durante 10 a 15 anos de sua vida se ele continua despreparado diante de
um contrato de seguro ou de uma bula farmacêutica”?
Diante dessas questões, é possível entender que a mobilização dos saberes
manifesta-se em situações complexas, que obrigam a estabelecer o problema antes
de resolvê-lo, a determinar os conhecimentos e saberes pertinentes a uma dada
situação, a reorganizá-los e extrapolar ou preencher as lacunas. Sob esse ponto
de vista, existe uma grande distância entre o aluno saber o conceito de cadeia
epidemiológica e compreender como se processa o surgimento de uma pandemia,
ou até mesmo de compreender de que forma funcionam as barreiras de bloqueio
epidemiológico. Nesse caso, a competência de resolver problemas relativos às
barreiras de bloqueio epidemiológico implica a mobilização/transferência de
diferentes saberes e conhecimentos, constituindo-se em objetivo do ensino. Dessa
forma, a escola deve pensar quais saberes são potencialmente educativos para
incorporá-los às estratégias que o aluno(a) utiliza no cotidiano a fim de contribuir
com a sua cidadania e a sua formação para o mundo do trabalho. As reflexões
necessárias a essa prática educativa têm como ponto de partida determinadas

121
questões como: de qual forma o conhecimento científico se faz necessário e con-
tribui para a educação do aluno? A resposta a essa pergunta é um problema a se
trabalhar quando procuramos compreender o papel dos saberes escolares.
Os exercícios escolares clássicos permitem a consolidação da noção de ca-
deia epidemiológica, com identificação dos ciclos de evolução das doenças, dos
vetores e dos agentes etiológicos; no entanto, dificilmente trabalham situações-
problema envolvendo os efeitos decorrentes da expansão e/ou ressurgência das
doenças em função da exploração humana aos ambientes naturais, em que se julga
a relação vetor-parasita-hospedeiro como equilibrada. A exemplo disso, poderíamos
trabalhar as questões relativas às mudanças de hábitos do homem do século XXI,
em que observamos uma verdadeira invasão humana às reservas florestais, quer
seja com objetivos meramente extrativistas ou em função da busca de uma reinte-
gração com a natureza, como é o caso do ecoturismo ou da prática de esportes ra-
dicais (rapel, espeliologia, canoagem, camping, etc.), e relacionar esse aspecto à
recrudescência de determinadas doenças, que haviam sido controladas e com essa
prática voltaram a nos atormentar, como é o caso da febre amarela silvestre.
A partir desse ponto, o aluno irá identificar aspectos importantes da epide-
miologia das doenças, em função da interferência humana nos ambientes naturais,
passará a entender-se como parte integrante da cadeia epidemiológica de algumas
das parasitoses que acometem a espécie humana e partirá em busca da solução dos
problemas decorrentes dessa interferência humana, cuja ação será possibilitada a
partir das suas reflexões e contribuirá para desenvolver o seu agir competente.

Conclusões

Se acreditamos que a formação de competências escolares não é um pro-


cesso espontâneo e que depende, em parte, da sistematização e do “uso” do saber
durante o curso de escolaridade básica, resta decidir quais patamares desse saber
a escola deveria desenvolver prioritariamente. Ninguém pretende que todo saber
deva ser aprendido na escola, pois uma boa parte dos saberes humanos é adquirida
por outras vias; com as competências também não ocorre de forma diferente. Para
que a situação seja compreendida, torna-se necessário e indispensável explorar as
relações entre competências e currículos escolares. Uma boa parte dos saberes dis-
ciplinares ensinados na escola em contextos de ação serão, sem dúvida, no final
das contas, mobilizados por competências, que servirão de base a aprofundamen-
tos determinados no âmbito da vida social dos alunos.
O entendimento do Novo Ensino Médio, com a delimitação dos objetos e
objetivos da educação em ciências, parece constituir-se na chave do esclarecimento
de questões neurálgicas acerca das novas visões educativas, que têm como base
formativa as seguintes proposições:
1. é imprescindível que o aluno tenha uma visão conjunta e integrada das
ciências;

122
2. é necessário que ele entenda o que é, e como se processa o conhecimento
científico;
3. é importante que ele saiba distinguir a Ciência de seus produtos;
4. é fundamental que consiga utilizar a tecnologia disponível na sociedade,
por meio da alfabetização tecnológica, que deverá ser disponibilizada no ambiente
escolar;
5. é necessário que os conhecimentos construídos pelo aluno, ao longo do
convívio escolar e social, sirvam para promover o saber fazer, um dos pilares da
educação por competências;
6. é desejável e necessário conhecer e trabalhar os diferentes tipos de saberes
e de conhecimentos que devem formar o conteúdo em ciências, na escola, para dar
a cada um seu valor epistemológico no todo complexo.
Portanto, o acúmulo de saberes descontextualizados e não sistematizados
não servem, realmente, senão àqueles que tiverem o privilégio de aprofundá-los
durante anos de estudos, ou numa formação profissional, contextualizando os
conhecimentos e se exercitando para utilizá-los na resolução de problemas e na to-
mada de decisões. Eis aí o sentido dos saberes e dos conhecimentos na construção
das competências, como ferramenta da cidadania.

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124
A NOÇÃO DE COMPETÊNCIA NOS PROJETOS PEDAGÓGICOS
DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES NA BUSCA DE SENTIDOS

Isauro Beltrán Nuñez


e Betania Leite Ramalho

Introdução

Vivemos, na atualidade, uma grande movimentação marcada por profun-


das mudanças nas expectativas e demandas educacionais. O avanço e o uso das
tecnologias da informação e das comunicações estão repercutindo fortemente nas
formas de convivência social, na organização do trabalho e no exercício da
cidadania.
Os novos rumos da economia confrontam o Brasil com os problemas de
competitividade para os quais a existência de recursos humanos qualificados e o
acesso aos conhecimentos são condições indispensáveis. Assim, quanto mais a
sociedade brasileira consolida as instituições político-democráticas, fortalece os
direitos da cidadania e participa da economia mundializada, mais se amplia o
reconhecimento da importância da educação na chamada sociedade do conhecimen-
to e maiores se apresentam os desafios para as instituições educacionais do país.
A rapidez das transformações científicas e tecnológicas vem exigindo novas
aprendizagens, gerando desafios a serem enfrentados pelas escolas, que têm de
considerar o ritmo das novas mudanças educativas.
Nesse contexto, queremos reafirmar que não restam dúvidas de que estamos
vivendo uma etapa em que a tônica recai na necessidade de superação de antigas
referências que iluminaram os processos educativos, confrontando uma tradição
educativa que reclama por mudanças na maneira de pensar, de fazer, de ser e de
conviver com os desafios do mundo em constante transformação e tecnologica-
mente avançado. Como explicam Ropé e Tanguy (1997, p.17), baseados em opi-
niões de historiadores, as “grandes etapas da civilização se caracterizam pela pro-
liferação de termos novos e pela atribuição de novos sentidos a termos antigos”.
As reformas educativas na América Latina propõem, como ponto de partida para
a reformulação dos currículos, o desafio de construir competências no Ensino
Médio. Não obstante, como explica Braslavsky (2004, p.15), “não existe consenso
suficiente, nem experiência na definição do conceito de competência ou em sua
tradução operativa”. Conseqüentemente, parece importante rever permanente-
mente a noção de competência.
O objetivo deste texto é propor uma reflexão sobre o sentido e a repercussão
que pode ter a categoria competência no contexto do Novo Ensino Médio no Brasil.

125
Para isso, organizamos o texto em quatro pontos. O primeiro situa brevemente o
atual contexto das discussões acerca da categoria competência, trazendo o referen-
cial teórico de diversos autores que discutem o sentido dessa categoria. O segun-
do ponto insere os novos sentidos atribuídos ao termo competência. Em seguida,
são apresentados elementos-chave que caracterizam as competências segundo o
referencial teórico defendido por nós. No quarto ponto, tecemos nossas conside-
rações finais, retomando algumas questões importantes já apresentadas no texto
e enfatizando a importância dos professores(as) no debate que tenha por finali-
dade a busca da compreensão do sentido da categoria competência.

1. De que competência falamos?

Falar de competências tem sido uma constante nas discussões dos proces-
sos de construção de projetos curriculares e na práxis educativa. Não obstante, o
sentido do termo competência tem variado e se configura segundo os diferentes
contextos sócioeconômicos, perspectivas teóricas, etc. Maués, Wondje e Gauthier
(2002, p.1), em relação ao termo competência, explicam que
[...] enquanto fenômeno na moda, manobra capitalista ou estratégia
pedagógica pertinente, todos os qualificativos e os juízos mais diversos
lhe são associados, de modo que vem se tornando cada vez mais difícil
não somente conhecer a natureza e os fundamentos desse enfoque,
mas também compreender porque há interpretações tão diferentes a
seu respeito.

O conceito “competência” discute-se a partir de diferentes perspectivas


teóricas (econômica, profissional, pedagógica, etc.), na sua relação com o próprio
desenvolvimento histórico dos sentidos atribuídos, e suas implicações formativas,
no geral. Embora essa categoria não seja nova nos projetos curriculares, ela volta
hoje com diferentes conotações teóricas, epistemológicas e até ideológicas. A forte
associação da “competência” ao mundo do trabalho leva-nos a refletir sobre quais
são seus sentidos na educação básica, uma vez que a educação nesse nível de
escolaridade não está voltada só para o mundo do trabalho.
Na nossa opinião, organizar um currículo em termos de competências
significa educar os alunos para um saber fazer reflexivo e crítico, no contexto de
seu grupo social, questão que coloca a educação a serviço das necessidades reais
dos alunos para sua vida cidadã e sua preparação para o mundo do trabalho (Fi-
gura 01). A formação de competências orienta a educação para a comunidade e
suas necessidades imediatas e perspectivas. Esse trabalho de expressiva comple-
xidade exige uma postura profissional dos professores(as) na busca/construção
das referências que assumirão na proposta curricular, uma vez que os próprios
documentos oficiais das políticas e reformas educacionais são pautas para o tra-
balho; conseqüentemente, qualquer isomorfismo entre os Parâmetros Curriculares

126
Nacionais (PCN) e Propostas Curriculares dos contextos específicos pode re-
presentar uma escolha mecanicista e acrítica dos projetos educativos.

Preparar para
o mundo do
trabalho

Relação Currículo voltado Buscar as


com o contexto à construção de necessidades
social competências dos alunos

Formar um
cidadão crítico
e reflexivo

Figura 01 – Currículo voltado à construção de competências

A noção de competência aqui tratada (no sentido atual) constitui-se num


eixo orientador da formação para a cidadania, sendo, portanto, um conceito estru-
turante dos projetos curriculares. Os processos de reforma dos sistemas de ensino
e os modelos pedagógicos, na maioria dos países do mundo desenvolvido e em vias
de desenvolvimento, estão centrados nessa categoria, o que justifica a discussão
das perspectivas teóricas que o termo assume na voz de diferentes autores. A se-
guir, buscaremos apresentar algumas definições e comentários acerca da categoria
competência.
O conceito competência, de acordo com Hirata (1994), é marcado política e
ideologicamente por sua origem empresarial, o que explica o fato de muitos modelos
de formação de profissionais terem sido orientados para a formação de competên-
cias. Essa marca está presente nos documentos oficiais da formação profissional,
da educação básica e até nos discursos dos educadores, quando falam de compe-
tências. Essa consideração ratifica a necessidade de uma reflexão crítica na trans-
ferência do termo competência para outros contextos.

127
Figura 02 – Para Hirata (1994), há uma forte
influência empresarial no conceito de competências

Para Hirata (1994), as competências são compreendidas de diferentes formas:


como saberes (na educação); como qualificação (no campo do trabalho); como
habilidades, etc. Não obstante, as competências vinculadas às funções da produção
e da educação devem passar por processos de reconceitualização, visto que o mundo
produtivo hoje tem incorporado o “conhecimento” como uma força de choque que
exige um enfoque mais cognitivo/humanista das competências em relação às
condições físico-materiais do trabalho.
Jamati (apud Ropé e Tanguy, 1997, p.104), explicita sua compreensão de
competência por meio da caracterização de um indivíduo competente. Para a auto-
ra, competente “[...] é aquele que domina suficientemente a área na qual intervém
para identificar todos os aspectos de sua situação nessa área e para revelar
eventualmente as disfunções dessa situação.” Ainda nessa direção, a autora
esclarece:
Mas, para ser “competente”, deve também, munido desses conheci-
mentos, poder decidir a maneira de intervir a fim de obter tal resultado
com eficácia e economia de meios. Para intervir, deve apelar para
técnicas definidas, cuja extensão de aplicação ele conhece. Na maior
parte das vezes, não as criou, mas tem a possibilidade de modificar um
elemento e combinar vários esquemas preexistentes, ajustando o uso
ao caso tratado.

Parada (2004, p.1) também tece considerações acerca do termo competên-


cia. Para ele, a competência corresponde a
[...] adquirir uma capacidade. Se opõe à qualificação. Orientada à perí-
cia material, ao saber fazer. A competência combina perícia com com-
portamento social [...] As competências supõem cultivar qualidades
humanas para adquirir, por exemplo, capacidade de estabelecer e manter

128
relações estáveis e eficazes dentre as pessoas. Competência é algo mais
que uma habilidade; é o domínio de processos e métodos para aprender
na prática, da experiência e da intersubjetividade.

No modelo técnico-positivista da educação profissional, a competência tem


sido considerada como a capacidade de aplicar os conhecimentos da ciência e da
tecnologia aos problemas instrumentais da prática. As competências são, por vezes,
compreendidas como habilidades no contexto do agir profissional, com resultados
orientados pela eficácia. Essa orientação separa as pesquisas dos novos conheci-
mentos da prática em que é aplicada, não existindo lugar para a pesquisa e a cons-
trução de saberes validados pelo grupo na prática dos profissionais. Na esfera do
trabalho, competência geralmente se identifica com a qualificação. No setor de
produção, o termo competência tem se associado à pedagogia das competências,
de perspectivas funcionalistas, condutistas e construtivistas. Essa perspectiva, na
sua essência ideológica, é individualista, imediatista, tributária ao mercado de
trabalho, que exige eficácia e eficiência dos sistemas educativos.
Para Meirieu (1998, p.184), a competência é um “saber identificado colo-
cando em jogo uma ou mais capacidades em um campo nocional ou disciplinar
determinado”. Já para Graham (apud Fernandez, 1996, p.173), a competência é a
atitude para desenvolver as atividades de uma profissão, tendo como elementos
as capacidades para transferir destrezas e conhecimentos a novas
situações na sua área ocupacional. Abarca a organização e planeja-
mento do trabalho, a inovação e a capacidade para abordar atividades
não rotineiras. Inclui as qualidades de eficácia pessoal que são ne-
cessárias no posto de trabalho para relacionar-se com os colegas, os
executivos e os clientes.

À luz das transformações da sociedade, hoje, não só pelas mudanças na


forma de organização dos sistemas produtivos contemporâneos, como também
pela própria Revolução Tecnológica e as novas formas de organização social, o
conceito de competência vai sendo reformulado, tanto em seu sentido quanto
em seu significado.
Coulon (1995, p.180) refere-se à competência como “um conjunto de co-
nhecimentos práticos socialmente estabelecidos que são utilizados no momento
oportuno para mostrar que os possuímos”.
Para Berger (2002, p.2),
competências constituem os esquemas mentais, ou seja, as ações e
operações mentais de caráter cognitivo, sócio-afetivo ou psicomotor
que mobilizadas e associadas a saberes teóricos ou experimentais ge-
ram habilidades, ou seja, um saber fazer.

O conceito apontado por Berger (2002), que perpassa a concepção dos


documentos oficiais dos PCN para o Ensino Médio, a nosso juízo, reduz a

129
competência à uma capacidade, ao colocá-la na base da habilidade. Nós opta-
mos por uma definição próxima à tradição francesa (embora não estabeleçamos
compromissos epistemológicos com essa escola), que considera a competência
na sua ação, na dinâmica e não só como uma potencialidade.
Carbó (2000) discute a competência em termos da “metacompetência”, como
meio de construir e reconstruir as competências. A “metacompetência” refere-se
à consciência que tem o indivíduo dos mecanismos que lhe possibilitam desen-
volver suas competências. É o aprender a aprender, em relação à formação de
competências. Na Figura 03, destacamos as estratégias que podem contribuir ao
desenvolvimento das metacompetências, segundo esta autora.

Tomada de
consciência
dos hábitos

Saber Justificar
analisar por razões
Metacompetências teóricas

Refletir
na ação

Figura 03 – Estratégias que contribuem no desenvolvimento de metacompetências

P. Perrenoud é um dos autores que mais tem influenciado os conhecimen-


tos dos docentes brasileiros do Ensino Básico em relação a suas discussões sobre
o que é competência. Esse autor define competência “como sendo uma capaci-
dade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em
conhecimentos, mas sem limitar-se a eles” (Perrenoud, 1999, p.7). Afirma, por
outro lado, que, para enfrentar uma situação da melhor maneira possível, se deve,
via de regra, pôr em ação e em sinergia vários recursos cognitivos complemen-
tares, entre os quais estão os saberes e os conhecimentos. Portanto, as competên-

130
cias manifestadas não são meras ações em si e nem tampouco, só conhecimentos
e saberes. Elas utilizam, integram, mobilizam tais conhecimentos e saberes, com
sucesso, no desenvolvimento das ações. As competências constituem qualidades
do sujeito que lhe permitem desenvolver determinadas atividades socialmente
úteis, com sucesso, ao longo do seu desenvolvimento. Nessa direção, Perrenoud
(2000, p.13) esclarece que “competente é aquele que julga, avalia e pondera; acha
a solução e decide, depois de examinar e discutir determinada situação, de forma
conveniente e adequada”.
Na dinâmica das novas formas organizativas da produção, das políticas
para a educação, no século XXI, o conceito de competência emerge como uma
noção básica na procura de unir operativamente teoria e prática, quando se assu-
me que toda teoria tem implicações práticas e toda habilidade prática tem uma
teoria (implícita ou não) que a sustenta. Essas novas exigências levam a olhar o
termo competência, num sentido mais compreensivo do que meramente técnico.

2. Situando a noção de competência: novos sentidos

Em virtude da diversidade de enfoques teóricos sobre a categoria compe-


tência, faz-se necessário que qualquer projeto curricular orientado à formação
de competências gerais deva explicitar sua posição teórica sobre a categoria e,
conseqüentemente, estabelecer os compromissos epistemológicos, os quais se
relacionam com as problemáticas sociais, políticas, culturais, econômicas, etc.
Uma competência pode ser considerada como uma qualidade da personali-
dade do indivíduo, sendo mais abrangente que uma capacidade. A competência é
mais global em relação à capacidade. A capacidade de agir eficazmente é enten-
dida como uma atividade intelectual estável e reprodutível num dado campo da
vida. A capacidade só se manifesta num fazer, ela não existe em “estado puro”.
Uma pessoa competente numa área mobiliza diferentes recursos, necessá-
rios à solução da situação-problema, num contexto dado. Por isso, a escola não
desenvolve competência quando se orienta só à formação de determinadas ca-
pacidades, como habilidades ou hábitos, num contexto artificial (contexto não
“real”). Os hábitos, as habilidades, como componentes das competências, devem
ser recursos a serem mobilizados na solução de situações novas, reais, a fim de
contribuir para a formação de competências parciais, que formarão redes comple-
xas, características de novas competências mais gerais.
No ensino de Química, no nível médio, por exemplo, é estudado o conteúdo
separação de misturas, de maneira desarticulada às situações reais presentes no
nosso cotidiano, como os desastres ecológicos provenientes do derramamento de
petróleo nos mares ou nos rios e o processo de tratamento da água (Figura 02),
entre outras situações, o que dificulta a construção de competências que subsidiem
a tomada de decisão quando o aluno vier enfrentar as situações complexas no seu
cotidiano.

131
Figura 04 – Utilização de barreiras para evitar o espalhamento do petróleo no rio
Fonte: http://ambicenter.com.br/petrobras02.htm

Perrenoud (2000, p.15) faz algumas considerações que auxiliam no enten-


dimento das competências:
– as competências, em si mesmas, não são saberes, savoir-faire, ou atitudes;
as competências mobilizam, integram e orquestram tais recursos;
– a mobilização de saberes só é pertinente em uma dada situação, sendo
cada situação singular, mesmo que se possa tratá-la em analogia com outras já
encontradas;
– o exercício de competências passa por operações mentais complexas,
subentendidas por esquemas de pensamentos, que permitem determinar (mais
ou menos consciente e rapidamente) e realizar (de modo mais ou menos eficaz)
uma ação relativamente adaptada à situação;
– as competências constroem-se em formação, mas também ao sabor da
navegação diária, de uma situação de trabalho à outra.
Segundo o citado autor, descrever uma competência equivale, assim, na
maioria dos casos, a considerar três elementos complementares:
– os tipos de competências de situações as quais se estabelecem num
certo domínio;
– os recursos que mobilizam: os conhecimentos teóricos ou metodológi-
cos, as atitudes, o savoir-faire, e as competências mais específicas, os esquemas
motores, os esquemas de percepção, de avaliação, de antecipação e de decisão;
– a natureza dos esquemas de pensamento que permitem a solicitação, a
mobilização e a orquestração dos novos recursos pertinentes em situação complexa
e em tempo real (Perrenoud, 2000).
Para nós, a competência articula cinco elementos básicos, segundo o esque-

132
ma 1: saberes, recursos afetivos, repertório de condutas, esquemas da ação e
orientação teórica da ação (base orientadora da ação: B.O.A) nas suas interações
com o contexto. Perrenoud (2000) distingue esquema de ação de saberes, repre-
sentações, teorias pessoais e coletivas (percepção, avaliação e decisão), sendo o
primeiro um elemento fundamental para atualizar os saberes a serem integrados
em novas competências a partir da, por e para a prática, como contexto da reflexão
do agir. Nessa relação, nós incluímos a orientação que o sujeito constrói em termos
de representação ou modelo teórico da ação (Esquema 1).

SABERES CONDUTAS
de diferentes
Recursos
naturezas
afetivos

COMPETÊNCIA
ESQUEMAS DE AÇÃO

MODELO TEÓRICO DA AÇÃO

Esquema 1 – Elementos da competência e suas relações

O esquema de ação (Piaget, 1974) não é um hábito simples e rígido. Ele


constitui uma estrutura “invariante” de uma ação, que possibilita executar deter-
minadas atividades de um dado tipo. Ele é um padrão organizado, sistematizado,
inconsciente e prático que leva a um dado comportamento.
O modelo teórico da ação é o que P. Ya Galperin chama de Base Orienta-
dora da Ação (B.O.A.). A Base Orientadora da Ação é um modelo mental que o
sujeito constrói, para representar a ação (atividade) que vai executar, conscien-
tizando-se dos recursos a mobilizar, dos procedimentos sob a influência dos fato-
res do contexto e das reflexões afetivas/comunicativas que estabelece. Essa situa-
ção possibilita trazer ao nível da consciência, os esquemas de ação (hábitos como
recurso automatizado) e os outros recursos a serem mobilizados.
O agir competente mobiliza os esquemas de ação, mas os reconstrói, na
medida em que não são suficientes para a solução das novas tarefas, questão que
significa criatividade. A competência, como capacidade complexa manifestada
na prática, representa uma estrutura dinâmica organizada do pensamento, que per-
mite analisar, avaliar e compreender o contexto no qual o indivíduo age. É a decisão
de utilizar/modificar/acatar os recursos disponíveis para resolver determinados
problemas, mobilizando os diferentes recursos disponíveis (cognitivos, afetivos,

133
etc.). O agir competente constitui uma atividade reflexiva e crítica, que caracte-
riza o agir do indivíduo numa esfera dada de sua atividade, sem respostas auto-
máticas ou de rotina.
Delors (2000) considera que uma pessoa é competente quando é capaz de
“saber, saber fazer, e saber ser” (Figura 05).

Saber Saber fazer

Competências

Saber ser
Figura 05 – Competências no referencial de Delors (2000)

De acordo com a perspectiva defendida por Delors (2000), no agir com-


petente, é preciso mobilizar:
– o saber teórico e específico, no nível geral (experiências de vida);
– o saber fazer, aplicando um conjunto de processos e estratégias que
possibilitem uma resposta adequada. Deve mobilizar outras competências
transversais e gerais, tais como: pensamento analógico, análises e deduções em
função das situações, relações entre saberes, competências cognitivas: lógico-
dedutivas, etc.;
– o saber ser, inserindo-se nos estilos que são próprios de seu grupo social,
gerando atitudes, sentimentos, valores, estilos pessoais que lhe possibilitam,
globalmente, desenvolver, com eficácia, uma atividade considerada geralmente
como complexa. O indivíduo competente está inserido no conjunto das relações
que estabelece no contexto e com o seu grupo de trabalho, de estudo e de convi-
vência diária.
A formação de competências é um processo complexo, que implica relações
diversas entre os diferentes níveis dos recursos necessários para a ação. Dentre
esses recursos devem ser reconhecidas as relações dialéticas entre o grau de domí-
nio do conteúdo; as características do conhecimento e as situações que exigem
formas específicas de trabalho e atividade com esse conhecimento. A formação de
competências é um processo de longo prazo, um processo educativo prolongado,
que mobiliza diferentes recursos cognitivos e afetivos.

134
Uma competência não se aprende e desenvolve por simples imitação ou
reprodução. Ela precisa, dentro de diversos recursos que mobiliza, de ações teó-
ricas como orientação. A atividade (ou ação) teórica permite fazer previsão dos
resultados da atividade, de avaliar as condições, os recursos, para a eleição do
fazer mais adequado. Um jogador de xadrez, só depois de avaliações mentais da
situação das possíveis variantes, é que toma uma decisão, a qual é susceptível de
justificação. Nas ações práticas, da mais simples às mais complexas, o papel da
orientação teórica (B.O.A. preliminar) é de grande importância. Muitos dos fra-
cassos dos alunos na solução de tarefas práticas encontram explicações na falta
de uma boa orientação teórica para a execução da atividade e na reconstrução
dessa orientação quando necessária (Nuñez e Pacheco, 1997).
Queremos reafirmar, portanto, que a formação de competências nos alunos,
como categoria norteadora dos processos educativos, não exclui outros tipos de
recursos que são necessários para a atividade humana. As habilidades e os há-
bitos são recursos das competências. A memorização por vezes é necessária: tudo
depende do sistema de situações selecionadas para contribuir com a educação,
orientado pelos objetivos do projeto curricular, como hipóteses de trabalho.
Novas Propostas Curriculares fazem uso da categoria competência para
orientar a educação, sob um eixo articulador teoria-prática que possibilite a apli-
cação e compreensão dos diferentes saberes nos contextos reais, questão que pre-
para para a vida na vida. A formação de competências implica a contextualização
do saber, a utilização de situações-problema reais e diálogo permanente com o
objeto de estudo. Infelizmente, observamos que durante a educação básica, apesar
de os alunos estudarem diferentes conteúdos nem sempre podem dar sentidos a
esses conteúdos no cotidiano. Muitas vezes, por exemplo, não reconhecem as
propriedades químicas nos diversos materiais presentes no cotidiano, como, por
exemplo, os produtos de limpeza, dificultando a tomada de decisões em situações
do cotidiano em que sejam necessários conhecimentos e habilidades relacionadas
a estes materiais (Figura 06).

Figura 06 – Produtos químicos utilizados no cotidiano


Fonte: Pão de Açúcar, material de limpeza. > (2004)

135
Essa dificuldade está relacionada à própria compreensão da escola sobre
para que servem e como os alunos usam os conhecimentos científicos e outros sa-
beres escolares, nos contextos do seu dia-a-dia, como condição de cidadania.
Existem diferentes reflexões teóricas sobre as relações entre objetivo e
competência. São as competências os objetivos? Ou são os objetivos as compe-
tências? Um objetivo é a intencionalidade da atividade e faz parte de toda ativi-
dade humana. Conseqüentemente, definir objetivos não é “tradicional”, é uma
condição necessária à atividade humana, como capacidade de antecipar-nos aos
resultados desejados. Outra questão é como definir os objetivos escolares. A Pe-
dagogia por objetivos foi alvo de diferentes críticas a ponto de alguns educadores
pensarem que definir objetivos não é uma condição necessária ao planejamento
docente.
Os objetivos educacionais estão relacionados com as competências das
disciplinas e dos projetos pedagógicos; nesse sentido, as competências são objeti-
vos da escola, objetivos de uma maior complexidade. As competências expressam
as capacidades “em ação” de um “saber fazer”, com determinados indicadores
qualitativos (características das competências), e não se opõem aos objetivos;
complementam-se em relações dialéticas.
Na nossa compreensão, os objetivos gerais podem ser formulados em termos
de competências, que têm um caráter transversal e exigem mais tempo e maiores
investimentos cognitivos e afetivos na sua formação. Os objetivos particulares são
tipos de atividades que os alunos devem aprender; nessa aprendizagem, constroem-
se recursos necessários às competências com as quais se relacionam.

3. Caracterizando competência: elementos-chave

A polissemia do termo competência e a natureza de seus diferentes senti-


dos levam-nos à opção de discutir características da “competência” da qual fala-
mos sem fechar nossa compreensão na definição de um conceito. As teorizações
sobre as características das competências podem ser contribuições interessantes
na busca de posições epistemológicas dessa categoria para se pensar as propostas
curriculares.
Gauthier (2000)1 caracteriza as competências a partir dos seguintes
elementos (Figura 07), que discutiremos a seguir.

1
Essas características foram apresentadas pelo citado autor e discutidas pelos professores Betania
Leite Ramalho e Isauro Beltrán Nuñez, no seminário “Formação e profissionalização Docente,
que saberes, que competências,” evento realizado em setembro de 2000, no Programa de Pós-
Graduação em Educação da UFRN.

136
Contexto
real
Agir com Simples ao
estabilidade complexo

Imediato e
eficiente Conjunto de
recursos

Ato bem
sucedido Competências Caráter
coletivo

Potencialidade
da ação Mobilizar no
contexto da
ação

Projeto Saber mobilizar


e Saber fazer

Prática
intencional

Figura 07 – Elementos que caracterizam as competências (Gauthier, 2000)

3.1. A competência é mostrada em um contexto real

Toda ação ou pensamento situa-se em um contexto. Todavia, é possível


qualificar o contexto, uma vez que ele se aproxima mais ou menos da situação real
e utiliza esse critério para discriminar as competências e as habilidades. Estabe-
lecer diferenças dentre competência e habilidade possibilita evitar qualquer tipo de
circularidade nas relações entre essas categorias. Uma habilidade é uma formação
psicológica que estrutura a parte executora de uma atividade de forma consciente,
não automatizada. As ações de uma habilidade constituem um sistema de opera-
ções caracterizado por sua sistematicidade, como invariante operacional. As habi-
lidades são savoir-faire que podem realizar-se numa situação em que estão pre-
sentes, não somente um certo número de variáveis como também de simulações em
laboratórios.

137
As habilidades constituem procedimentos estruturados da atividade que
leva a resolver situações (geralmente de rotina, sobre-aprendidas). As habilida-
des se afirmam e desenvolvem nos marcos dos limites de um grupo de tarefas
de um mesmo tipo, para as quais esse procedimento é adequado e conhecido.
Por vezes, podem não estar associadas a justificações teóricas, ou seja, as ações
teóricas nas quais se sustentam são limitadas. A habilidade pode ser formada
num contexto artificial, como a sala de aula, o laboratório docente, quando a situa-
ção, não opera em situação real.
No nosso referencial, as competências não são habilidades ou destrezas
mecânicas como manifestações do condutismo operante baseado numa visão em-
pírico-positivista, mas uma ação contextualizada, em que o conjunto de pressões
reais está presente.
A competência manifesta-se em contextos específicos de sua formação;
não obstante, para seu desenvolvimento, deve ultrapassar as condições impostas
pelo contexto e, conseqüentemente, ser atualizada, ampliada e consolidada. Essa
situação relaciona-se com a contextualização/descontextualização da aprendiza-
gem e a criatividade em situações reais. A competência é uma opção epistemo-
lógica que une a teoria e a prática.
A noção de competência vincula-se a uma atividade transformadora, ou
seja, não é só prática, mas práxis humana, no sentido filosófico. Por outro lado,
não se reduz apenas a comportamentos observáveis.

3.2. A competência situa-se numa variação de estado


que vai do simples ao complexo

Tanto a competência quanto a habilidade podem ser simples ou comple-


xas; o que as diferencia é o contexto em que são formadas. As competências são
construídas em um contexto real, enquanto as habilidades podem ser construídas
em um contexto artificial. Competências de maiores exigências cognitivas/afeti-
vas formam-se gradualmente como conseqüência da interação entre outras com-
petências (consideradas de diferentes complexidades). É importante sinalizar que
a complexidade de uma competência é relativa e varia de aluno para aluno, de
professor para professor, etc.

3.3. A competência baseia-se em um conjunto de recursos.


O ator competente faz uso de recursos e os mobiliza
no contexto da ação

Esses recursos podem ser saberes de diferentes naturezas (da experiência,


tácitos, conhecimentos científicos, de senso-comum, etc.), os quais se combinam e
recombinam para constituir um saber (atribuem-se novos significados) de maior
complexidade, construído no ato do agir competente (conhecimentos, savoir-faire,

138
atitudes), que ele utiliza dentro do seu contexto de ação. Uma competência é,
dessa forma, multidimensional. Os recursos não se constituem na competência,
mas aumentam a possibilidade desta, pois constituem as ferramentas necessárias
para o agir competente. A formação de competências na escola deve assumir a
preocupação de fazer com que o aluno seja capaz de utilizar de forma consciente,
quando necessário, sua aprendizagem escolar no seu dia-a-dia, como questão de
seu desenvolvimento integral.
O agir competente supõe desenvolver determinados tipos específicos de
atividade; logo, a competência estará ligada ao produto e à estrutura da atividade.
O conhecimento da estrutura da atividade (Leontiev, 1985) pode contribuir com a
compreensão das características e com a estrutura do agir competente. A compe-
tência não se reduz só à execução, ao comportamento observável, ela é necessária
na compreensão da situação contextual dos problemas, para se formar uma
representação sobre o problema; é, na verdade, sua solução.

3.4. A competência não se reduz aos recursos do indivíduo

O trabalho e a atividade dos indivíduos revestem-se de um caráter coletivo.


A atuação do indivíduo dependerá de sua capacidade de comunicar-se e interagir
com os outros. Os recursos sobre os quais se baseia o indivíduo não são apenas
pessoais, eles implicam também outras ferramentas que se encontram ao seu redor
(colegas, recursos pessoais, bancos de dados, literatura especializada, etc.). É na
interação com os outros que a competência do indivíduo se forma, se desenvolve
e toma sentidos.

3.5. A competência é a ordem do saber mobilizar


no contexto da ação

A competência não se reduz aos recursos. Uma competência não é um saber,


um savoir-faire, nem uma atitude, mas ela se manifesta quando um ator utiliza
esses recursos para agir em contexto com sucesso.
A competência permite a integração, a orquestração, a combinação, a trans-
ferência e a transformação desses recursos. A competência não é aplicação, mas
construção. O indivíduo competente deve construir o problema a partir de situa-
ções-problema em questão. Essa construção do problema envolve a representa-
ção que o aluno cria da situação, delimitando o conhecido do desconhecido para
definir estratégias de solução da situação-problema. Nesse sentido, a Base Orien-
tadora da Ação (B.O.A.) tem um papel essencial no agir competente.
De outra parte, a pessoa hábil sabe mobilizar, mas a pessoa competente
sabe mobilizar no tempo e no espaço real (complexidade, urgência, instabilidade/
estabilidade da situação) e não somente no tempo e espaço simulados ou con-
trolados.

139
3.6. A competência exige não somente o saber mobilizar
mas também o saber de seu savoir-faire (saber fazer)

Sendo que um savoir-faire pode muito bem existir na ausência de saberes


em que se baseia, uma competência exige necessariamente o saber da ação, ou
seja, a consciência da B.O.A. O esportista pode ser considerado hábil, mas isso
não quer dizer que deva ser considerado como competente. Tal como o saber não
garante o savoir-faire, o savoir-faire não significa a expressão de uma competência.
A competência não é privada, o aluno é guiado por um sistema de significações
socialmente compartilhado com seus pares. A competência exige consciência dos
recursos que são mobilizados na ação e a possibilidade de teorizar a ação, ou seja,
argumentar as escolhas, as ações, ter consciência do que leva ao processo e aos
resultados. Essa característica está ligada a processos metacognitivos.

3.7. A competência como saber agir é uma prática intencional

A competência pode ser mais que um conjunto de movimentos objetiva-


mente constatável. Ela é também a ação sobre o mundo, definida pela sua utili-
dade social ou técnica; em uma palavra, ela tem uma função prática (Rey, 1996).
Assim, a competência liga-se aos objetivos da atividade. Ela visa atender aos
objetivos estimados e desejados. O aluno atribui sentido à situação vivenciada por
ele e seleciona os elementos necessários dentro do repertório de recursos. Saber
agir com pertinência é saber interpretar e julgar. O agir competente, como atividade,
tem seus objetivos como representação hipotética do produto final da atividade.

3.8. A competência é também um projeto, uma finalidade

As competências inscrevem-se sobre uma série de estados que passam do


simples ao complexo, sempre em desenvolvimento (ou seja, por diferentes níveis
de complexidade). O ser competente é uma formação em desenvolvimento. No
âmbito da complexidade maior, não existe, por assim dizer, um fim ao fim proje-
tado. Por exemplo, uma pessoa jamais deterá de forma definitiva e total a com-
petência de ser crítico, ou de ser reflexivo num estágio final de desenvolvimento;
sempre qualquer competência é susceptível de reatualização.

3.9. Uma competência é uma potencialidade de ação

A competência não é ação que podemos definir como uma atuação, mas um
potencial de intervenção que pode se manifestar no contexto real. Ela permite deli-
mitar e resolver problemas próprios a um campo de ação. Alguns autores falam de
competências como famílias de situações-problema ou famílias de competências.

140
3.10. O agir competente (atuação) é um ato bem sucedido

O ator competente age eficientemente, quer dizer, em conformidade com os


modelos desejados. A eficácia real do ator competente, para conseguir atingir os
fins, não deve, necessariamente, ser comparada à do expert. Competência não
significa excelência absoluta. Existem diferentes níveis de desenvolvimento da
competência, ou seja, do agir face a situações-problema, como ato bem sucedido.
O sucesso no agir competente não pode ser resultado só de mobilizar recursos
predeterminados e já disponíveis. O sucesso depende também da criatividade dos
sujeitos para dar novas respostas, com originalidade, novidade. Conseqüentemente,
o agir competente não é uma ação baseada só em recursos para a atividade
reprodutiva, mas criativa.
A separação da competência da criatividade, da originalidade, da sensi-
bilidade confere à primeira um caráter técnico e separa o sujeito competente do
sujeito criativo, característico de um neo-racionalismo, que distingue quem cria
os procedimentos, as referências, de quem os utiliza com sucesso (os sujeitos
competitivos). Desse modo, devemos procurar um sentido para a categoria com-
petência que não a reduza à racionalidade técnica, mas ao desenvolvimento inte-
gral da personalidade do sujeito. No ensino médio, referimos-nos ao estudante,
que no limiar do sucesso não deve ser considerado como um cidadão experiente
(tarimbado), mas como um sujeito com um nível de experiência esperado ao
final do ensino básico.

3.11. O agir competente é imediato e eficiente

Não somente o ato é bem sucedido como também resulta de uma compe-
tência suficientemente dominada para permitir uma execução rápida e com certa
economia de meios. Nesse sentido, o tempo é uma variável no agir competente que
não descarta a criatividade.

3.12. Uma competência é uma capacidade de agir


com estabilidade

Uma competência não pode ser uma ação em que o sucesso aconteça devido
a uma casualidade a um “golpe de sorte”. Ela implica que o ator a manifeste de
maneira repetitiva nas diversas situações do seu agir no contexto real.
A competência não se reduz ao saber fazer eficiente formado num período
curto. A competência, como objetivo, define-se para um período educativo pro-
longado, como um ano, um nível de escolaridade. Sob a nossa perspectiva de
competência, não é possível formar competências numa unidade didática, no
contexto de uma disciplina.
As características das competências que discutimos são suscetíveis à crí-

141
tica, à revisão e à ressignificação, caminho que aproxima melhor a categoria
aos sentidos dos projetos curriculares nos contextos específicos.

4. Situando a competência entre nós: notas conclusivas

A competência não é rotina, não é mero hábito. Ela caracteriza o agir de


alguém com poder, autonomia, criatividade, que, atuando em situações complexas,
tem uma resposta satisfatória para a situação. Os hábitos (rotinas) e saberes estão
na estrutura das competências, mas não são elas em si. É lógico que cada sujeito
desenvolve suas rotinas, que lhe possibilitam obter determinadas respostas a
situações que não podem ser consideradas como situações-problema, pois, neste
caso, o indivíduo dispõe dos mecanismos de solução.
A sala de aula e o laboratório não são mais o único locus da educação
escolar. A prática e o contexto da vida cotidiana passam a ser os locus da educa-
ção escolar a serem privilegiados. É certo que isso não significa renunciar aos
espaços institucionais. Pelo exposto, esperamos ter deixado claro que diversos são
os recursos que estão na base da formação de competências, que podem ser
trabalhados nesses espaços, mas eles são insuficientes e limitados na educação
que se discute.
O núcleo psicológico das competências não consiste em procedimentos
assimilados, automatizados, para a solução de tarefas de rotina, mas em processos
psíquicos e sociais por meio dos quais esses procedimentos e seu funcionamento
são regulados, para mobilizar os recursos disponíveis na construção de novas
respostas em situações novas, que implicam a reconstrução dos procedimentos,
dos conhecimentos, dos sistemas de auto-regulação, etc. Os processos psíquicos
complexos que estão no núcleo das competências são esquemas de ação, como
manifestação do pensamento teórico, suscetíveis de atualização contínua. São pre-
cisamente as atualizações desses procedimentos em contextos que levam a novos
saberes e novas competências, como indicativo das próprias competências.
É importante ressaltar, contudo, que a contextualização não se limita a essa
análise psicológica. O contexto proporciona elementos que possibilitam análises
psicológicas, sociais, antropológicas e de outras naturezas, que estão no agir
competente como manifestação da atividade humana.
O currículo baseado na formação de competências tem implicações para
as formas de ensino-aprendizagem. Por se tratar de oportunizar projetos práticos
significativos de aprendizagem, de contribuir à formação cidadã do aluno, uma
nova cultura escolar se faz necessária. A organização da escola tradicional deve
ceder a novas formas de se organizar o tempo e o espaço na escola na sua intera-
ção com a sociedade.
O debate sobre os sentidos a serem atribuídos às competências básicas no
Ensino Médio não está fechado; esse debate vai tomando força em meio aos
professores(as) do Ensino Médio, atores/construtores das Propostas Curriculares.

142
As teorizações que emergem dos meios acadêmicos e das políticas educacionais
são referências a serem ressignificadas para os contextos específicos. Tornar prontas
essas teorizações seria anular “o estado da arte sobre a questão” e excluir desse
debate os professores(as) e outros atores sociais-chave na educação. Assim, devemos
deslocar os inventários de competências para a discussão dos sentidos do termo
competência, pois as ambigüidades na sua compreensão conceitual são obstácu-
los para trabalhar nessa perspectiva.
É importante ainda ratificar questões relevantes, já enfatizadas no decorrer
desse texto, acerca da categoria competência:
– a categoria “competência” ressurge como categoria norteadora nas atuais
reformas educacionais, com novos sentidos, visto que estas procuram um saber
fazer, uma teoria e prática.
– as ambigüidades do termo competência são obstáculos que dificultam a
sua aplicação. Faz-se necessário discutir os vários sentidos desse termo e assumir
uma posição teórica;
– a organização do processo formativo em termos de competência tem
implicações que mudam a lógica dos processos tradicionais;
– as disciplinas incluídas nos projetos curriculares concebidas na perspec-
tiva da competência tributam à formação de competências, fazem parte de um
projeto complexo e sistêmico e rompem com a cultura do isolamento para a cultura
da colaboração.
A formação de competências como finalidade do Projeto Educativo não exclui
os saberes e nem a sua legitimação no contexto escolar. Os saberes, procedimentos,
valores, atitudes, assim como outras qualidades da personalidade do aluno são
recursos e objetivos da aprendizagem e da educação e não necessariamente todos
devem ter uma saída direta às competências do Projeto (no sentido pragmático e
utilitarista desses recursos), quando se pensa na flexibilidade do currículo escolar.
O componente atitudinal das competências, por envolver processos cognitivos
de construção, afetivos, comportamentais, que se desenvolvem no indivíduo como
capacidade complexa em ação, implica que um projeto curricular baseado em
competências só poderá propor como metas as competências de caráter geral, e
não um número extenso de competências, uma vez que a formação de competências
leva tempo e não é um processo a curto prazo.
A organização de um currículo por competências para a Educação Básica
deve considerar que esse nível de escolaridade não responde só às exigências de
uma educação profissional e do mundo do trabalho, visto que os saberes, atitudes,
habilidades, competências para esse nível, não são particulares, mas extensíveis a
toda população; são gerais e orientadas a compreender e lidar com problemas da
vida, problemas do desenvolvimento humano, nos quais se incluem problemáticas
do mundo do trabalho e de outras esferas da atividade humana. Conseqüentemente,
trata-se de competências básicas, gerais a serem definidas nos contextos específicos.

143
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144
O USO DE SITUAÇÕES-PROBLEMA NO ENSINO DE CIÊNCIAS

Isauro Beltrán Nuñez,


Marcelo Pereira Marujo,
Lidiane Estevam Lima Marujo
e Márcia Adelino da Silva Dias

Introdução

No campo educacional, uma das propostas que tem subsidiado o ensino-


aprendizagem em ciências tem sido a resolução de problemas, pelo fato de se
constituir um recurso que auxilia a construção de conceitos, procedimentos e atitudes
relacionados a essa disciplina. É importante destacar como condição básica para
utilizar os problemas, com êxito, no ensino de Ciências, o exercício da criatividade,
capacidade de fundamental importância para a resolução de problemas e que implica
idéias novas e originais (Garret, 1988).
Para Bachelard (1996), o trabalho com problemas é uma questão importante
a fim de se poder avançar no conhecimento. Nessa perspectiva, Gil (1993) pontua
que, além da estreita relação psicológica existente entre a resolução de problemas
e a criatividade, existe uma relação epistemológica entre a investigação e a produ-
ção de conhecimento científico, de acordo com o qual a própria ciência pode ser
considerada um processo criativo de resolução de problemas, mediante a busca de
soluções novas, em termos de planejamento e comprovação de hipóteses.
Segundo Gil (1993), os novos enfoques epistemológicos relacionados à
resolução de problemas são adotados de forma a considerar a construção do co-
nhecimento como tentativa orientada a um objetivo, dotada de um caráter hipotético,
para interpretar o mundo e colaborar no processo de compreensão dos métodos
científicos, como forma de aprender ciências e reconstruir os conhecimentos, par-
tindo das próprias idéias do indivíduo, ampliando-as e modificando-as, segundo o
caso e o contexto.
Diversos são os autores que têm contribuído para o trabalho com problemas
no ensino de Ciências, como, por exemplo, Majmutov (1984), Martinez (1986) e
Pozo (1998). No presente capítulo, discutiremos as contribuições de Majmutov
(1984) e de Martinez (1986) para o trabalho com problemas no ensino de Ciências.
Em seus artigos sobre o ensino por problemas, Martinez (1986) destaca a impor-
tância da utilização da metodologia científica no ensino das ciências. Assinala o
quanto o método científico reflete o mais alto nível de assimilação, o que permite
ao educando relacionar-se com métodos da ciência em etapas gerais da construção
do conhecimento, de modo a obter uma contribuição para o desenvolvimento do

145
pensamento criativo. Majmutov e Martinez (1984, apud Nuñez e Franco, 2002),
têm utilizado, no enfoque por problemas, uma perspectiva que se fundamenta no
materialismo dialético e histórico e valoriza o caráter ativo da aprendizagem
organizada em unidades didáticas, nas quais aparecem, como proposta de trabalho,
as atividades de solução de problemas que estão atreladas à formação de conceitos,
procedimentos, atitudes e à utilização da linguagem científica no contexto da sala
de aula.

1. O método de ensino por problemas

Na perspectiva que discutiremos, o ensino por problemas fundamenta-se no


caráter contraditório do conhecimento com o objetivo de que o estudante, como
sujeito de aprendizagem, assimile os conteúdos e, pelo método dialético do
pensamento, consiga refletir e resolver as contradições das situações problemáticas.
O ensino utilizando problemas, baseado nas propostas desenvolvidas por Majmutov
(1984) e Martinez (1986), inclui quatro categorias: as tarefas-problema, a situação-
problema, o uso de problemas de ensino e a problemática (representados no Es-
quema 01), que, articuladas de forma dialética, possibilitam nortear o ensino nessa
perspectiva, a qual discutiremos a seguir.

A situação-
problema

Categorias do
A ensino por O problema
problemática problemas

As tarefas-
problema

Esquema 01 – Categorias do ensino por problemas

146
1.1. As categorias de ensino por problema

a) A situação-problema

A situação-problema pode ser considerada como um estado psíquico de


dificuldade intelectual, quando o aluno enfrenta uma tarefa que não pode explicar
nem resolver com os meios de que dispõe, embora esses meios possibilitem a
compreensão da situação problema e o trabalho para a sua solução. Essa situação
caracteriza-se pela contradição que se expressa na relação dialética entre o conhe-
cido e o não conhecido, funcionando como fonte do desenvolvimento cognitivo.
É importante que essa situação se baseie em uma problemática de interesse para o
aluno, no sentido de que possibilite organizar o problema, como estado psicológico.
A situação-problema pode levar a um conflito cognitivo (Piaget, 1977).

Figura 1 – A situação-problema funciona como fonte do desenvolvimento cognitivo

Nessa perspectiva, explica-se a importância de se criar condições para o


surgimento das situações-problema, como um reflexo das relações contraditórias
do conteúdo como fonte do desenvolvimento da atividade cognitiva do aluno,
contribuindo para o pensamento dialético, além da compreensão dos diferentes
níveis da essência dos fenômenos estudados, das suas regularidades, desenvol-
vimento e contradições explicitadas. Para Nuñez e Franco (2002), a organização
de situações problêmicas pelo professor deve levar em consideração os seguintes
requisitos:

147
– não pode ser tão fácil que não provoque dificuldades, nem tão difícil que
fique fora do alcance cognitivo dos alunos. Usando termos piagetianos, deve-se
levar em conta o umbral de problematicidade dos alunos, seu nível, assim como
seus esquemas conceituais, de maneira que o problema se situe na “Zona de
Desenvolvimento Proximal” (Vygotsky , 1982, apud Nuñez e Pacheco, 1997);
– deve projetar-se com caráter perspectivo para dirigir a atividade cognitiva
na busca da solução do problema;
– deve ser dinâmica, refletindo as relações causais múltiplas entre os
processos objetos de estudo.
A situação-problema pode-se organizar a partir dos elementos discutidos,
como se apresenta no Esquema 02.

Situação–problema

Necessidade cognitiva Conduz à atividade


intelectual

Desconhecimento da resposta
ou procedimento

Possibilidade de resolver
a contradição

Esquema 02 – Organização da situação-problema

Como características da situação-problema, consideramos a necessidade de


representar algo novo na atividade intelectual do estudante e a possibilidade de
motivar a atividade deste na tarefa de busca e construção do conhecimento. A
situação-problema deve ter como traço essencial a validez, dada pelo fato da
necessidade que o estudante sente de iniciar a busca pelo objetivo até a fase final
da atividade de solucionar o problema.
Seus aspectos básicos são: o conceitual e o motivacional.
· No aspecto conceitual, deve estar refletida a contradição entre o conhecido
e o não conhecido, que funciona como fonte de desenvolvimento da atividade
cognoscitiva.

148
· O aspecto motivacional é dado pelo grau de novidade do desconhecido e
orienta a necessidade do estudante para sair dos limites do conhecido, ou seja, do
já assimilado.
A situação-problema pode gerar, no estudante, uma perturbação que pode
levar, nos termos do que Piaget (1977) considerou como uma equilibração majorante,
a um estado de equilíbrio maior em relação ao anterior, por meio de um processo
de construção de conhecimento. Embora o diálogo com a teoria piagetiana, o seu
uso não significa um compromisso epistemológico com os trabalhos desse autor.
A equilibração pode ser um processo que é acionado quando o sistema cognitivo
de um indivíduo reconhece uma perturbação gerada por uma insuficiência de ele-
mentos para resolver uma situação nova (que caracteriza uma lacuna), ou pelo
fato de o indivíduo prever algo em relação a determinado evento, cujo objetivo está
em conflito com o fato ou com o resultado de um evento (que caracteriza um con-
flito). As perspectivas teóricas de Majmutov (1984) e Martinez (1986) possibilitam
incorporar alguns elementos dos “conflitos cognitivos piagetianos”.
Para Piaget (1977), as perturbações que produzem o desequilíbrio são de
dois tipos:
– as perturbações conflitivas: contradizem as expectativas e implicam
correções possíveis apenas a partir da análise da contradição;
– as perturbações lacunares: ocorrem quando em uma nova situação faltam
objetos ou condições que são necessários para resolver o problema. Dessa forma,
as perturbações lacunares se relacionam com esquemas de assimilação já ativados
e sua regulação implica reforço não correção.
Em relação aos conflitos, Villani e Orquiza de Carvalho (1995) propõem
uma classificação que inclui três tipos de conflitos:
1. conflitos externos: referem-se àqueles conflitos caracterizados pela
divergência entre os modos de ver do estudante e os elementos externos a ele. Um
exemplo é a divergência entre as idéias do estudante sobre um experimento e os
resultados deste;
2. conflitos internos: são caracterizados por uma divergência entre os
elementos cognitivos internos do estudante (suas percepções, idéias, suas exigências
epistemológicas ou cognitivas). Um exemplo é o conflito que é produzido pela
divergência entre uma convicção espontânea e um conhecimento escolar;
3. conflito misto: são conflitos de estrutura complexa que incluem várias
divergências simultâneas, referidas a elementos internos e externos.
Ao propor situações-problema, é importante destacar as considerações
de Piaget (1977), ao ressaltar que a existência de uma situação-problema, po-
tencialmente perturbadora, não leva necessariamente à superação da idéia inicial
ou à solução do conflito cognitivo. O estudante pode não reconhecer a perturbação
(contradição) como tal e a sua idéia inicial permanecerá inalterável. Diante de um

149
conflito cognitivo, o aluno pode manter uma atitude de considerar a situação como
uma exceção ao sistema explicativo (sistema epistêmico) do qual ele dispõe para
compreender e explicar os fenômenos da realidade, questão que lhe possibilita
continuar aceitando seus conhecimentos como válidos.
Tal situação é semelhante à atitude dos cientistas, assinalada por Kuhn
(1971), quando face a novos fatos que contradizem as suas teorias, não renun-
ciam de imediato a estas, mas constroem determinadas respostas ad hoc,
considerando os novos fatos como exceções a seus sistemas teóricos. Isso per-
mite certa estabilidade aos conhecimentos, pois o passo de um sistema teórico
ou epistêmico para outro leva a rupturas (como negações dialéticas) dos conheci-
mentos, fundamentos, atitudes, valores, etc. Nesse sentido, compartilhamos da
posição de Gil (1986, p.113) ao afirmar que
os alunos devem estar conscientes de que não se abandonam suas
hipóteses como conseqüência de uns poucos resultados negativos e que,
embora o papel do experimento seja essencial na ciência, as teorias só
se abandonam quando existe uma clara evidência contra a mesma e
uma outra concepção alternativa.
Essa problemática tem sido estudada nos últimos anos no campo da
Didática das Ciências, ao se reconhecer as limitações dos modelos de mudança
conceitual. Nesse sentido, Villani e Orquiza de Carvalho (1995) identificaram sete
diferentes tipos de reações que manifestam os estudantes frente a conflitos cogni-
tivos, os quais citamos a seguir:
· não ter consciência de modo algum das divergências;
· negar, deformar ou, pelo menos, minimizar os elementos divergentes;
· ignorar o problema;
· bloquear-se cognitivamente;
· reconhecer só parcialmente as divergências, considerando-as como exceção;
· reconhecer as divergências permanecendo indeciso sem fazer uma escolha;
· reconhecer a divergência e reelaborar suas idéias.
Essas considerações sinalizam que nem toda dificuldade leva a uma situa-
ção-problema. Lopes e Costa (1996) consideraram que para ocorrer uma situação
problema, deve existir um clima emocional entre o professor e os estudantes, no
contexto geral da sala de aula, de tal maneira que os estudantes se interessem e
vejam a necessidade de criar condições para solucionar a dificuldade apresentada,
identificando-se com os conflitos cognitivos que caracterizam a situação problema.
Na estruturação e planejamento das situações-problema a serem utilizadas pelos
professores, em sala de aula, devem ser consideradas as seguintes questões:
· a seleção dos exemplos correspondentes, segundo o conteúdo e o programa;
· os novos fatos ou procedimentos;
· a definição da contradição fundamental;

150
· a definição da possibilidade de explicá-la pelos alunos;
· a definição das possibilidades de busca pelos alunos.
Ao elaborar as situações-problema, devemos refletir que os obstáculos são
barreiras que podem ser colocadas aos nossos alunos para que eles consigam
transpô-las ou, ainda, dificuldades para serem enfrentadas de maneira natural.
Eles fazem parte do nosso cotidiano e são necessários para obtermos uma visão
dialética, mais crítica e reflexiva para melhor resolvermos problemas do dia-a-dia.
Quando trabalhamos da maneira exposta anteriormente, suscitamos a curiosidade
nos alunos, que se tornam co-responsáveis pelo desenvolvimento do conteúdo e
pelas inúmeras variantes que possam ser sugeridas e relacionadas ao referido
conteúdo.

b) O problema

Problema é uma palavra de caráter polissêmico, tendo como noções mais


comuns, na linguagem cotidiana, uma dificuldade, uma questão por resolver, um
obstáculo, um conflito, um dano, a causa de uma situação não desejada, etc. Nessas
noções, implícita ou explicitamente, o termo problema se associa a algo difícil,
cuja resposta é desconhecida. Na visão de Echeverria e Pozo (1998), a definição
de um problema institui-se na fase inicial de sua resolução, pois todo problema
apresenta uma pergunta; por conseguinte, reconheceremos a pergunta e nos
conscientizaremos de que realmente há um problema. Esse autor contextualiza
que um problema pode ser uma situação em que um indivíduo (ou um grupo de
indivíduos) deseja ou necessita resolver não dispondo de uma solução imediata.
Campos e Nigro (1999, p.72) consideram que um problema verdadeiro é
aquele que propicia “uma situação ou um conflito para o qual não temos uma
resposta imediata, nem uma técnica de solução”. Garret (1988, p.228) diz que um
problema “é uma situação com a qual nos enfrentamos, e que se situa fora daquilo
que entendemos no momento em que nos deparamos com a dita situação, mas
próximo do limite de nossas estruturas cognitivas”.
Para Majmutov (1984), o problema de ensino é um elo intermediário entre
as categorias filosóficas e as didáticas, ou seja, serve como meio de transformação
do método dialético de solução das contradições em métodos didáticos que resolvem
as contradições surgidas no processo de assimilação de novos conhecimentos.
Bachellard (1996) considera que, ao se definir um problema, pode-se promover
um avanço no conhecimento. O problema, na perspectiva de Martinez (1986),
institui-se numa situação-problema assimilada pelos alunos, em cuja contradição,
que caracteriza a situação problema, podem convertê-la em problema próprio,
fato que surge na atividade cognoscitiva. A situação-problema encontra sua forma
de expressão no problema, subordinado a um objetivo formulado, mas sem solução
aparente.

151
Segundo Gil et al. (1999, p.503), o problema pode ser definido de forma
genérica, como as situações previstas ou espontâneas, que produzem um certo
grau de incerteza e uma conduta tendente à busca da solução, e pode ser enunciado
a partir de um contexto problemático, com o propósito de resolver dificuldades ou
necessidades específicas do conhecimento conceitual ou procedimental e desen-
volver capacidades cognitivas e afetivas.
Entendemos o problema como a contradição que caracteriza uma situação
problema assimilada/internalizada pelo aluno. Os estudantes devem compreender
a importância de definir problemas, partindo do critério de que um problema bem
definido é essencial para a busca de suas soluções ou respostas. Os cientistas não
abordam problemas bem definidos, com precisão, inicialmente, porque é necessária
uma etapa de análise que permita delimitar o problema e encontrar objetivos claros
e definidos à busca da sua solução.
As relações entre a situação-problema e o problema se apresentam no
Esquema 03.

O Problema
A Situação-problema

Revela a contradição Expressa a assimilação da própria


dialética contradição para organizar a busca

Representa o desconhecido Representa o procurado

Esquema 03 – Relação entre a situação-problema e o problema

152
No Esquema 03, está representada a maneira pela qual se desenvolve o
processo, por meio de uma situação-problema, para alcançar o objetivo principal
que é a definição do problema, proporcionando aos alunos a representação do
problema, que representa o procurado. Essa situação estrategicamente fica sub-
jacente às revelações das contradições dialéticas, as quais favorecem, nos alunos,
a externalização, pela assimilação da própria contradição, em busca do desco-
nhecido. De uma maneira geral, a situação-problema representa o desconhecido,
enquanto o problema representa o buscado. O problema pode ser definido como
pergunta ou tarefa, ou mesmo como uma contradição que deve estimular o
pensamento produtivo do aluno, orientando-o à busca de explicações do fenômeno
ou pode ser considerado como uma tarefa complexa, cuja solução depende da
busca para obter novos conhecimentos ou procedimentos.
De acordo com Nuñez e Franco (2002), o problema deve ter as seguintes
características:
· ser produto da internalização da contradição, que caracteriza o conflito
cognitivo;
· ser de interesse do aluno, favorecendo a sua motivação, por isso a
importância de seu vínculo com o dia-a-dia;
· ter a possibilidade de ser resolvido, utilizando uma estratégia adequada, o
que implica uma construção de novos conhecimentos ou novos procedimentos
práticos e teóricos.
Uma característica dos problemas é seu caráter relativo para os sujeitos,
que internalizam, de forma consciente, as contradições intrínsecas na sua resolução.
Cada aluno ou grupo cria uma representação sobre o problema, ou seja, percebe
de uma forma ou de outra, o problema. A representação do problema é um elemento
de significativa importância, uma vez que a forma de se trabalhar a sua solução
depende da percepção construída sobre a realidade. Muitas vezes, as dificuldades
dos alunos para trabalhar na solução dos problemas está, dentre outros fatores, na
forma de representá-los.
O trabalho na construção da representação do problema é de vital importân-
cia não só na definição de estratégias para a busca de soluções como também no
sentido de voltar atrás quando as soluções são inadequadas. Dominowski (1995)
explica como sujeitos, que procuram solução numa compreensão inadequada do
problema, erram de forma repetida. Tais sujeitos, geralmente reiniciam a solução
do problema, não pela reconstrução da representação mas desde a execução,
uma vez que atribuem o fracasso à ação e não à compreensão ou interpretação
do problema. Quando se tem uma dificuldade para resolver o problema que
expressa um distanciamento significativo entre o conhecido e o desconhecido, às
vezes é importante procurar, de forma radical, uma outra representação do
problema. Na representação do problema, expressa-se a sua estrutura qualita-
tiva/quantitativa.

153
Defendemos, neste trabalho, a utilização de problemas verdadeiros e situa-
ções abertas e não de exercícios. É importante observar que não é o fato de pro-
pormos perguntas mais abertas ou fechadas que caracteriza a proposição de um
problema verdadeiro. Devemos lembrar que, por uma simplificação, muitos pro-
fessores costumam achar que o fato de propor aos alunos perguntas abertas já
seria o suficiente para garantir a proposição de verdadeiros problemas (Campos
e Nigro, 1999). Echeverria e Pozo (1998) fazem uma diferenciação importante
entre problema e exercícios. Para eles, o problema supõe a solução de uma situa-
ção para a qual o aluno não dispõe de um caminho rápido e direto, pois deve re-
construir novos procedimentos, procurar novos sentidos para conhecimentos
conceituais, etc. Não existe solução imediata, o que implica certa criatividade
numa relação entre o conhecido e o desconhecido. Já a realização de exercícios
baseia-se no uso de habilidades ou técnicas aprendidas, como rotinas automa-
tizadas que expressam seqüências conhecidas. No exercício, não existe nada
duvidoso intrínseco à sua solução. Nesse sentido, observamos que, nas escolas,
geralmente se trabalha com exercícios, identificando estes como problemas,
quando na realidade não o são.
A solução do problema aberto conduz-nos a diversas respostas, todas elas
possíveis. Parte-se de sua própria solução e da análise da resposta mais conveniente
em cada momento. Tal orientação propõe um rompimento com a visão fechada de
uma única racionalidade na solução dos problemas, de uma resposta única,
associando o trabalho discente da tomada de decisões. Logo, os problemas reais
sempre serão aceitos pelos alunos por fazerem parte de seus conhecimentos do
senso comum, favorecendo, assim, o seu aprendizado de forma participativa em
prol da resolução do problema (Gil, 1986).
Um objetivo importante do trabalho com problemas no ensino é substituir
a prática tradicional de trabalhar com as soluções dos problemas e não com os
problemas associados aos processos de produção do conhecimento. Os alunos
devem aprender a formular os problemas, como condição necessária para a sua
solução, pois quando constroem o problema, eles têm argumentos para sua com-
preensão e para a busca e execução das estratégias na procura de soluções.
A importância da representação do problema no processo de solução implica
que nosso comportamento depende mais de nossa percepção que da própria
realidade; embora, uma influencie a outra. Outra questão de importância é a
contextualização dos problemas e o trabalho do vínculo com os contextos que lhes
dão origem (assim como as diferentes condições, contraditórias), e também os
novos problemas que se originam na solução ou trabalho com esses problemas.
A seguir, apresentaremos, no Quadro 01, o exemplo de uma atividade que
contempla uma abordagem de resolução de problemas, a partir do referencial teó-
rico discutido até o momento.

154
DISCIPLINA: Química
TEMA: Reações químicas.
NÍVEL: 1º ano do Ensino Médio
OBJETIVO: Diferenciar o conceito de ácido fraco e solúvel dos ácidos fortes
e soluções.
ATIVIDADE:1. Na primeira fase, durante o processo de formulação do conceito
de ácido fraco e solúvel, o professor utilizará uma situação-problema a ser
resolvida de forma experimental pelo aluno. A situação problema pode ser
apresentada segundo as seguintes orientações:
 dispor de dois recipientes com o mesmo volume e a mesma concentração

dos ácidos clorídrico e acético.


 adicionar a mesma quantidade de gotas do indicador alaranjado de metila

a soluções dos ácidos anteriores e observar as colorações de cada um.

roxo cor laranja


ácido clorídrico ácido acético
com indicador alaranjado de metila com indicador alaranjado de metila

Por que as soluções tomam diferentes colorações se estamos tratando de


soluções de ácidos de igual concentração inicial?
Ao utilizarem alternativas de solução de problemas, os estudantes poderão
assimilar as diferenças que existem entre os ácidos fortes e ácidos fracos, não
de forma pronta como resultado da transmissão verbal pelo professor, mas
como resultado da observação, do questionamento, de procedimentos orientados
a resolver os conflitos cognitivos.

Quadro 01 – Exemplo de problema resultante de uma situação-problema

c) As tarefas-problema

As tarefas-problema são as atividades que se organizam para propiciar


aos alunos maior participação e dinâmica na busca do desconhecido, a partir do
conhecido, representando um eixo de mediação entre o problema e a busca de sua
solução. Essas tarefas caracterizam-se por promover nos alunos novas perguntas,
novos exemplos, novas dúvidas, novos questionamentos, polemizando sobre as

155
possíveis alternativas e posicionamentos inerentes aos problemas, os quais con-
tribuem para alcançar o objetivo desejado.
Segura (1991) considera que as tarefas são conjuntos de atividades arti-
culadas entre si, seguidas de um contexto-problema típico, com a finalidade de
resolver uma dificuldade, obter, ampliar ou aperfeiçoar relações operacionais (ou
não) entre conceitos, adquirir e aperfeiçoar capacidades cognitivas, afetivas e psi-
comotoras. No decorrer da solução do problema, o professor organiza tarefas para
que os alunos se orientem na sua resolução, procurando facilitar o seu papel de
mediador, a possibilidade de os alunos prepararem planos heurísticos, para a solu-
ção dos problemas. Para o sucesso na solução dos problemas, a estrutura das tare-
fas e as orientações que a acompanham também são importantes (Garret, 1988).
As tarefas–problema devem ser estratégias metacognitivas que possibilitem
ao aluno a busca da solução consciente do problema, contribuindo para este aprender
a aprender e conscientizar-se dos processos utilizados, dos erros e acertos e, ainda,
conseguir superar e explicar como aprendeu, e, da mesma forma, facilitar o diálogo
reflexivo/construtivo, que pode ser considerado um fundamento epistemológico no
trabalho com as tarefas-problema. A solução do problema pode se organizar como
formas cooperadas e formas independentes, que se vinculam às perguntas seguidas
de uma seqüência determinada de ações, sendo, ainda, forma de mediação do tra-
balho docente com os alunos e estando relacionada com as alternativas de solução
(métodos problêmicos). A solução do problema é uma forma estratégica para o
desenvolvimento do pensamento do aluno e as possibilidades de atuar nos diversos
contextos não só para refletir e compreender a realidade, como também transformá-
la de forma criativa. As tarefas mediam o processo de solução do problema. Esse
processo está representado no Esquema 04.

SITUAÇÃO- Representa o
PROBLEMA
PROBLEMA objeto de busca

Representa a
TAREFAS orientação na
PROBLÊMICAS busca do
desconhecido

RESPOSTAS Representa o
AO desconhecido
PROBLEMA

Esquema 04 – Relação de mediação da tarefa-problema com o processo de solução do problema

156
d) A problemática

Para Martinez (1986), o nível de desenvolvimento de habilidades no alu-


nado determina as condições em que a problemática aparece, comportando uma
característica do conhecimento. Entretanto, para Majmutov (1984) e Martinez
(1986), a problemática representa o grau de complexidade das perguntas, das
tarefas-problema e o nível de habilidades que os alunos adquirem para analisar e
resolver os problemas de maneira independente. A problemática pode ser conside-
rada uma categoria do ensino por problemas, estando presente em todo o processo,
desde a situação-problema até a proposição de uma solução. Seria o interesse ou a
busca discente para afastar-se do conflito, de forma produtiva, estando motivada
pela curiosidade. A problemática não é apenas a dificuldade, mas o mais alto nível
psicológico, que direciona o cognitivo e o afetivo da personalidade do aluno para
a sua formação, já que pode ser mobilizado como problema da realidade, relacio-
nado aos interesses do alunado.

2. Os métodos problêmicos de ensino

Os métodos problêmicos são meios para estimular a atividade cognitiva


dos estudantes, contribuindo com o desenvolvimento do pensamento dialético e
criador, com a flexibilidade do pensamento e com outras capacidades cognitivas
e afetivas. O processo de soluções de problemas é complexo e precisa do trânsito
do estágio de trabalho colaborativo ao estágio de independência cognitiva. Esse
processo pode-se fundamentar em diversos procedimentos, estratégias e méto-
dos que considerem algumas particularidades dessa atividade cognitivo-afetiva.
Os métodos problêmicos constituem um subsistema dos métodos gerais de ensino,
sendo necessário esclarecer que utilizamos o conceito de método como equivalente
à alternativa de solução do problema, e não na sua concepção tradicional de método
como seqüência de etapas fechadas, numa visão algorítmica.
No ensino de Ciências, podem ser utilizados diferentes estratégias e métodos,
dentre os quais estão os métodos de trabalho com problemas. A escolha de um ou
de outro método dependerá de um conjunto de fatores relativos aos alunos, às con-
dições, aos objetivos e aos conteúdos de ensino, etc. A competência do professor
está na capacidade de decidir, como hipótese de trabalho, o método de maior poten-
cialidade educativa em cada situação. Existem diversos métodos problêmicos que
podem ser utilizados no ensino. Em todos os casos, a seleção depende dos conteúdos
da ciência, do tema, da tarefa a realizar, assim como das habilidades dos estudan-
tes. No desenvolvimento desses métodos, põe-se em manifesto a dinâmica das
categorias objetivo-conteúdo e a solução do problema implica uma busca organi-
zada, a ser realizada utilizando métodos problêmicos que permitirão ao estudante
a integração de novos conhecimentos, procedimentos e atitudes.
Para Garret (1988), solucionar problemas é parte do processo de pensar.

157
Esse autor considera todas as ações do enfrentamento do problema, incluindo o
reconhecimento de que existe um problema. A atividade de enfrentar problemas
pode ser mais ou menos criativa dependendo do grau de utilidade e originalidade.
Isso significa propor, para os estudantes, situações-problema que impliquem solu-
ções originais e que tenham certa utilidade.
Campos e Nigro (1999) apontam como necessários aos métodos problê-
micos, utilizados para trabalhar a solução dos problemas, na sala de aula, os se-
guintes direcionamentos:
· habituar os alunos a refletir e a tomar decisões sobre o processo de reso-
lução, concedendo-lhe crescente autonomia na tomada de decisões;
· incentivar a cooperação entre os alunos na realização de tarefas, incen-
tivando também a discussão e a manifestação de diferentes pontos de vista. Assim,
o aluno irá explorar o problema para confrontar suas respostas com outras formas
alternativas de resolução;
· proporcionar aos alunos as informações de que necessitam durante o
processo de resolução. Realizar um trabalho de apoio, incentivando, nos alunos, o
hábito de se perguntarem em vez de simplesmente responderem as perguntas;
· dar tempo e espaço para que eles se dediquem intensamente à resolução
de problemas; para isso, devem-se organizar adequadamente os grupos de tra-
balho, fornecer o tempo necessário para a resolução de um problema e viabilizar
a realização de experimentos.
O método problêmico constitui uma etapa do processo de atividade cria-
dora. Esse método desenvolve-se como uma seqüência que possibilita o trânsito
de estágios de trabalho em grupo à independência cognitiva na apropriação de
procedimentos e capacidades para a busca de soluções dos problemas, como
estratégia de construção do conhecimento e educação científica dos alunos. Exis-
tem diversos métodos problêmicos que podem ser utilizados no processo docente.
No desenvolvimento desses métodos, enfatiza-se a dinâmica de inter-relação das
categorias do ensino por problemas.
Como alternativas para a solução de problemas, Martinez (1986) assinala
quatro métodos problêmicos, conforme Esquema 05.

158
Exposição
problêmica

Método Métodos
investigativo problêmicos Busca
parcial

Conversa
heurística

Esquema 05 – Tipologias dos métodos problêmicos

A organização dos distintos métodos em relação à atividade de solução das


situações-problemas constitui passos para uma expressiva complexidade, permi-
tindo uma etapa de familiarização, isso se considerarmos a questão da falta de
hábito dos alunos com os trabalhos de solução de problemas e as metodologias de
investigação nas ciências naturais, que se apresentam como obstáculos didáticos,
além dos trabalhos de maior independência dentro de um grupo de colegas de
atividade de pesquisas. A aplicação dessas alternativas de solução das situações-
problema deve se organizar gradativamente, segundo o Esquema 06.

Esquema 06 – Seqüência alternativa dos métodos problêmicos no contexto do sistema geral dos
métodos de ensino

159
Os métodos problêmicos são um subsistema de um sistema de métodos gerais
e diversificados a serem utilizados no ensino de Ciências. Os métodos por problemas
que discutiremos resultam ineficazes quando são isolados do sistema de métodos e
procedimentos que devem ser estruturados no programa das disciplinas de ciências,
a partir das múltiplas referências do professor, de forma global e coesa, segundo
as complexas variáveis que intervêm no processo de ensino/aprendizagem.
Esses métodos constituem uma expressão do que Gil (1993) tem chamado
de “aprendizagem como pesquisa orientada”, em que os alunos, em situações
de cooperação, resolvem problemas utilizando metodologias próximas à ciência.
Em grupos, abordam situações problemáticas de interesse, interagindo com os
outros colegas, com os professores e os textos (como representantes de comuni-
dade científica) e o professor como “o pesquisador experiente” do grupo.

2.1. A exposição problêmica

A exposição problêmica é um método baseado na exposição significativa


dos conhecimentos, para a solução de situações-problema. Para Martinez (1986),
na exposição problêmica, o professor não se limita a comunicar as conclusões da
ciência, mas busca explicação mediante o estabelecimento de situações-problema
e das formas pelas quais os cientistas trabalharam na solução dessas situações. O
ensino, nessa perspectiva, propicia aos estudantes assimilar métodos da atividade
criadora e conhecer não somente o produto mas a via para formular e resolver os
problemas. Assim, podem adquirir alguns recursos para o trabalho nas aulas de
ciências, posto que o professor não só lhes oferece a solução do problema, mas
cria condições para que se descubra a lógica do movimento do pensamento na
busca e indicação das fontes do surgimento das contradições, argumentando cada
passo na resolução do problema.
A exposição sistemática dos conhecimentos que o professor faz, no sentido
de explicar os fenômenos sociais e os da natureza, além da ampla utilização dos
diferentes meios auxiliares, tem sido um importante passo para passar do primeiro
tipo de processo docente (dogmático) ao segundo (explicativo). Apesar de garan-
tir a assimilação consciente de uma determinada quantidade de conhecimentos, a
exposição informativa não ativa devidamente o funcionamento do pensamento dos
alunos, proporcionando principalmente a atividade cognoscitiva reprodutora, pois
ao receber as verdades científicas, de forma preparada, o aluno deve entendê-las,
aprendê-las e reproduzi-las.
Conjuntamente com a comunicação informativa das verdades científicas
preparadas e sua explicação, nos últimos tempos, tem-se começado a empregar,
cada vez mais, a exposição problêmica dos conhecimentos, cuja essência está ba-
seada no fato de que o professor não somente transmite as conclusões finais da
ciência, mas demonstra a embriologia da verdade. É reproduzir, em certa medida,
a forma em que se descobriram. Uma vez estabelecido o problema, o professor

160
mostra as contradições internas que surgem durante a sua solução, pensa em voz
alta, faz suposições, analisa-as, impugna as possíveis objeções, mostra a veraci-
dade com o auxílio de experimento, demonstrando-o ou falando do realizado pelos
cientistas, etc. Em outras palavras, o professor mostra aos alunos a própria via do
pensamento científico, fazendo com que estes sigam a evolução da dialética do
pensamento na direção da verdade, fazendo-os, poderíamos dizer, co-partícipes da
busca científica.
Para explicar a essência da exposição problêmica dos conhecimentos
científicos, utilizaremos um exemplo, tomado de uma conferência pública de
Timiriazev (1982, apud Martinez,1986), sobre a vida das plantas.

FATO OBSERVADO PERGUNTA INICIAL

Comecemos nosso panorama dos fenô- Por que a raiz e o caule crescem
menos de desenvolvimento da planta em direções opostas, uma em di-
desde o momento em que a raiz brota reção à terra e o outro em direção
da semente germinante, em que uma à luz ?
parte do embrião se oculta na terra co-
mo se fugisse da luz, enquanto outra
parte se dirige para essa direção, como
se buscasse encontrar-se com a luz.

Essa questão instiga o pensamento dos ouvintes do problema. Realmente,


não se compreende por que é que dois órgãos de uma mesma planta crescem em
direções opostas, conforme observado na Figura 02.

Figura 02 – Representação esquemática da influência da luz no crescimento do caule


e da raiz das plantas

161
Na exposição informativa ter-se-ia dado imediatamente uma explicação
preparada para esse fato, e aos ouvintes restaria entendê-la e lembrá-la. Porém,
Timiriazev (1982, apud Martinez, 1986), sugere ao professor atuar de outra ma-
neira: não apenas transmitindo a verdade alcançada pela ciência mas como esta
chegou a ela:
– Esta questão não custou barato aos cientistas.
– É muito provável que na busca das causas desse fenômeno, as suspeitas
dos cientistas tenham recaído sobre a luz e a umidade do solo.
– É possível observar que os caules se direcionam no sentido da luz e que as
raízes fogem desta e que, por conseguinte, a luz deve colocar-se como a fonte
exterior que condiciona a direção do crescimento.
Com essas palavras, expõe-se uma das hipóteses elementares que tratou
de solucionar o problema anteriormente levantado. Todavia, essa hipótese tem
resultado inconsistente e o autor refere que ela não tem podido ser compro-
vada pela experiência, referindo-se às experiências que têm impugnado a
hipótese.

Na completa escuridão, a direção de crescimento das partes


da planta será a mesma, no entanto, se as sementes forem plantadas
em um vaso colocado sobre uma janela, de maneira que receba a luz
por baixo, as raízes atravessarão a camada de terra e sairão pela
parte inferior do vaso – o seu crescimento seria em direção à luz; e
os caules crescerão para cima – portanto, afastando-se da luz.

A suposição levantada de que a direção da raiz se deva à umidade do solo


foi eliminada por um experimento que consistiu em colocar as sementes germi-
nantes rodeadas por terra úmida e envolvidas em uma esponja úmida, cujo grau de
umidade em todas as partes será o mesmo. Por outro lado, a direção de crescimento
da raiz e do caule também será a mesma, ou seja, na vertical.

A raiz e o caule não apresentam nenhuma posição fixa de


crescimento, nem com relação à luz, nem com relação à umidade.
Sua posição é fixa somente em relação ao horizonte: as raízes
crescem sempre para baixo e os caules sempre para cima. Essa
constância da direção de crescimento demonstra que a força que
provoca esse fenômeno deve ser a gravidade, ou seja, a atração de
nosso planeta.

162
Ao analisar os experimentos que têm impugnado essas suposições, o professor
certamente levará os ouvintes a uma nova hipótese: teremos que buscar a solução
do problema na força de atração da terra. Porém teremos que mostrar também essa
nova suposição: poderemos demonstrá-lo por via estritamente experimental.

FATO OBSERVADO PERGUNTAS

Se a direção de crescimento das Como fazer essa tarefa ?


partes da planta depende da força
de gravidade, ao eliminar essa Como separar qualquer corpo que
força, inativaremos o fenômeno; ao se encontra na superfície terrestre
substituir essa força por outra que do efeito da gravitação da terra?
atue em outra direção, trocaremos Como fazer para que as plantas não
portanto o próprio fenômeno. tenham parte superior nem inferior?

Poderemos fazer com que essa força atue em períodos curtos de tempo
em sentido contrário e que, dessa maneira, equilibremos reciprocamente e eli-
minemos a sua ação, em períodos mais prolongados. Basta, para isso, fixar as
sementes germinantes em uma roda giratória (por exemplo, uma roda acionada
por um pequeno motor eletromagnético). A prova realizada em tais condições
demonstrará que a raiz e o caule irão adotar uma posição qualquer, porém con-
servarão a posição em que foram fixados.

Logo surgirá um novo problema:

FATO OBSERVADO PERGUNTA INICIAL

Se dizemos que a raiz dirige-se Como compreender que o caule, ao


para o centro da terra por efeito da contrário, tende a fugir do centro da
força de gravidade, isso sem dúvida terra, diante da ação dessa mesma
é compreendido. força?

De novo tem lugar a descrição do processo de solução dessa contradi-


ção, ou seja, fala-se sobre os fatos relacionados com a tensão dos tecidos: uma
mesma força, ao atuar sobre os tecidos da raiz e do caule, que têm estrutura
distinta, produzem resultados distintos e os fazem crescer em direções direta-
mente opostas.

163
Com isso, observamos uma busca por explicações que envolvem não ape-
nas uma área específica do conhecimento mas que integrem as diferentes áreas,
algo que não busca apenas dar respostas prontas aos fenômenos mas que procura
construir explicações com base nas descobertas científicas, em vez de apenas
transmitir as informações científicas.
A exposição problêmica dos conteúdos, como método de ensino, pode
contribuir no sentido de:
– motivar os alunos para o estudo das ciências naturais;
– instituir atitudes positivas em relação às ciências;
– estudar as ciências como produção humana em um contexto social, sua
dinâmica, complexidade e não só o estudo das “verdades científicas”;
– desenvolver nos alunos o pensamento dialético, na forma de reflexão crítica;
– familiarizar os alunos com os procedimentos, estratégias de validação, os
problemas das ciências e os cientistas.
Segundo Timiriazev (1982, apud Martinez,1986), a exposição problêmica
dos conhecimentos desperta nos alunos a necessidade de solucionar o problema
cognoscitivo estabelecido, porém sem que tenham os dados para resolvê-lo
independentemente. Por esse motivo, o professor mostra a maneira de resolvê-lo
falando das provas que os cientistas têm utilizado para validá-los. A exposição
problêmica do conteúdo de estudo não só tem proporcionado a demonstração
científica e a assimilação consciente dos conhecimentos, como também tem permi-
tido aumentar o interesse e a intensificação da atividade do pensamento do aluno.
Esse é o grande valor pedagógico da exposição problêmica dos conhecimentos,
resumido na Figura 03.

Aumenta o
interesse do
aluno em
aprender

Torna a
exposição mais
segura

Ensina a pensar
científica e
dialeticamente

Figura 03 – Vantagens pedagógicas da exposição problêmica dos conhecimentos

164
2.2. A busca parcial

A busca parcial é um método que contribui ao trabalho de solução do problema


por etapas, possibilita o trabalho em grupo, a comunicação, a defesa/argumentação
das idéias, os hábitos de refletir de forma crítica sobre o trabalho do outro, a integra-
ção das partes trabalhadas pelos grupos no todo que se orienta a dar uma resposta ao
problema. É um método que facilita o “trânsito” para o ensino/aprendizagem com
métodos de exigências cognitivas/afetivas de maior complexidade.
Nesse método, os estudantes têm a possibilidade de começar a resolver por
si mesmos o problema sob a orientação do professor. Ao expor o material, o profes-
sor facilita para que os estudantes se incorporem a uma parte do processo de busca
para a solução cooperada de alguns dos momentos que implicam a solução total do
problema, mediante o método investigativo, ou seja: explicar o fato, definir e testar
uma hipótese, fazer uma comprovação pela via experimental, redesenhar o expe-
rimento, reformular hipóteses e buscar critérios para validação dos resultados. É
uma etapa preliminar do trabalho do aluno com as metodologias cientificas para
sua posterior integração à solução de problemas como um todo.
A solução de problemas se realiza por etapas, dentro de um mesmo grupo de
alunos para quem as tarefas são distribuídas. Um exemplo de trabalho segundo o
método problêmico pode ser o seguinte:

o professor expõe uma situação-problema que emerge da


contaminação ambiental em um rio, como conseqüência da
ruptura de uma lagoa de tratamento de água, rica em hidró-
xido de sódio, proveniente de uma indústria de papel.

A seguinte questão pode ser levantada: como trabalhar para diminuir o


hidróxido de sódio das águas do rio? O professor se reúne com os alunos para
traçar um plano de atividade, conforme disposto no Quadro 02.

165
DISCIPLINA: Química
TEMA: Funções Inorgânicas
NÍVEL: 1º ano do Ensino Médio
OBJETIVO: Entender o que é possível fazer para diminuir o hidróxido de
sódio da água de um rio contaminado.
ATIVIDADE: distribuir diferentes tarefas planejadas de forma que os
grupos consigam chegar à seguinte busca:

1. levantamento das condições, do contexto (geográfico, a carga contami-


nante, etc.), para uma melhor análise qualitativa da situação;
2. definição do problema (estabelecimento das relações entre o conhecido e
o desconhecido e delimitação da zona de busca de respostas);
3. formulação e argumentação das hipóteses;
4. organização de experimentos (em laboratório) para testar as hipóteses em
caráter de urgência;
5. transposição dos resultados dos testes do laboratório para o contexto
real;
6. controle dos processos físicos e químicos;
7. discussão do grupo das melhores hipóteses e solução para o problema,
segundo as condições e possibilidades de se pôr em prática;
· Os grupos trabalharão na intenção de resolver as diferentes tarefas
de maneira progressiva para a integração dos resultados e para se chegar a
respostas possíveis sobre o problema. Cada grupo expõe seus resultados e
negocia com os outros a continuidade do trabalho.
· O professor contribui na solução do trabalho, atuando como coor-
denador da atividade de busca e os alunos somente se incorporarão par-
cialmente a algumas das atividades de busca dentro do projeto geral.

Quadro 02 – Planejamento de atividade para realizar a busca parcial na solução do problema

166
Na busca parcial, a solução do problema coloca-se como uma organização
cooperativa do trabalho. Os problemas são de natureza mais complexa e a busca
de informações e o próprio trabalho com os problemas pode levar dias. O valor
pedagógico desse método está na elevação do interesse e atenção dos estudantes.
Estimula o trabalho ativo do pensamento e como conseqüência contribui para a
assimilação consciente e fundamentada dos conhecimentos, preparando os estu-
dantes para um trabalho com maior grau de cooperação, de independência,
responsabilidade e compreensão do trabalho de solução de problemas.
Na opinião de Skatin (1982), o método da busca parcial seria uma prerro-
gativa do mestre, mas a solução seria descoberta pelos próprios alunos, que, ao
assim fazer, irão adquirir novos conhecimentos, habilidades e atitudes.

2.3. A conversa heurística

A heurística1 é a arte de inventar e criar idéias; o seu potencial, no que tange


à capacitação de gerar novas idéias e/ou induzir novas invenções, com certeza,
favorece o processo de solução de problema. As conversas heurísticas têm sido
utilizadas desde a antigüidade. Os sofistas, por exemplo,elaboravam um conjunto
de métodos específicos de transmissão de conhecimentos, consideravam a palavra
como um bom instrumento para influenciar os homens, e a heurística como a arte
de opor critérios mediante a relação tese2-antítese.3 Eles desenvolveram esses
métodos como uma ativa participação dos ouvintes por meio de perguntas e
exercícios.
Sócrates utilizou um método similar, quando reunia seus alunos a seu redor
e elaborava a indução dos conhecimentos. O método, denominado maiêutica,4 tinha
como objetivo encontrar a essência verdadeira mediante a demonstração ou negação
das teses por meio da dialética da discussão. Mediante o diálogo, estabelecia a
dúvida no ouvinte para que se sentisse motivado a pensar e resolver com vistas a
encontrar a solução do problema.
A conversa heurística, como método, pressupõe uma ativa participação dos
estudantes mediante perguntas e exercícios de questionamentos para a solução de
problemas. Com o emprego do diálogo, estabelece-se a dúvida para estimular os
estudantes a pensar e questionar com vistas à solução do problema. Os trabalhos
de pesquisa na solução de problemas heurísticos mostram que não é suficiente

1
Heurística – é a arte de inventar ou criar. Conjunto de regras e métodos que conduzem à
descoberta, à invenção e à resolução de problemas.
2
Tese – premissa, o primeiro momento do processo dialético.
3
Antítese – oposição, por contradição, entre dois termos ou duas proposições.
4
Maiêutica – processo dialético e pedagógico socrático, em que se multiplicam as perguntas a
fim de se obter, indução dos casos particulares e concretos, um conceito geral do objeto em
questão.

167
informar aos alunos sobre os procedimentos heurísticos de solução de problemas;
mas é necessário que os alunos tenham aprendido a regular e controlar sua própria
atividade ou que o professor realize esse controle em colaboração com os alunos.
Nesse momento, ainda acontece uma mediação mais significativa do professor na
atividade do aluno.
A conversa heurística, como método de ensino, pode ser utilizada nos
seminários e em outros momentos do processo docente. No processo de discussão,
promove-se o desenvolvimento das capacidades de pensamento independente, o
que se supõe um nível. A conversação heurística contribui para o desenvolvimento
do pensamento dialético dos alunos, a reflexão crítica do objeto de estudo, o trabalho
da comunicação e a criatividade, dentre outras vantagens de seu uso na solução de
problemas. No Quadro 03, encontram-se dois exemplos de situações-problema, a
partir dos quais a conversação heurística poderá ser aplicada para obtenção da
solução.

Tema: Misturas azeotrópicas


Nível: 1a série do Ensino Médio
Situação-problema
Tem-se uma mistura de dois líquidos
voláteis e miscíveis (H 20 e HCl), de
concentração (X H2O = 0,93 ). Quando a
mistura é aquecida no aparelho ao lado,
observa-se que a temperatura aumenta e a
mistura começa a ferver à temperatura
variável, até atingir 106,5° C, quando então
a temperatura fica constante. Como é pos-
sível que a mistura de dois líquidos voláteis
e miscíveis ferva à temperatura e à pressão
constantes?

Tema : eletricidade
Nível: 2a série do Ensino Médio
Paralelo x série: um paradoxo?
As lâmpadas incandescentes que são utilizadas para a iluminação doméstica
classificam-se por sua potência: 40 W, 75 W, 100 W, etc. A experiência
cotidiana nos permite decidir que as lâmpadas incandescentes de maior
potência emitem maior luminosidade que as de menor potência. Verifique-
mos essa afirmação:

168
1) observe a iluminação de uma lâmpada incandescente de 40 W que está
conectada a uma fonte de 120 V. Observe agora uma lâmpada incan-
descente de 75 W conectada a mesma fonte.
2) Se as lâmpadas incandescentes anteriores se conectassem em paralelo à
mesma voltagem, como seria a iluminação relativa entre elas? Argumente
a sua resposta.
Agora conecte as lâmpadas incandescentes de 40 W e 75 W em paralelo,
na fonte de 120 V. Observe a luminosidade e compare com a sua predição.
3) Agora suponha que as mesmas lâmpadas se conectassem em série, na
fonte de 120 V. como seria a iluminação relativa entre elas? Argumente a
sua resposta.
Agora conecte as lâmpadas incandescentes de 40 W e 75 W em série, na
fonte de 120 V. Observe a luminosidade e compare com a sua predição.
Discuta em grupo acerca da explicação de seus resultados.

Conclusão: a afirmação inicial “as lâmpadas incandescentes de maior


potência emitem maior luminosidade que as lâmpadas incandescentes de
menor potência” não é totalmente incorreta, nem totalmente correta. Mo-
difique essa afirmativa para que se torne aceitável e explique-a por meio dos
conhecimentos em física.

Traduzido do artigo: Paradojas demonstrativas como estrategia para generar


conflicto cognitivo em estudiantes y profesores. Figueroa, D.R.; Andrés,
M.M. y Gutiérrez, G. (1997).

Quadro 03 – Exposição de duas situações-problema solucionáveis por meio da conversação


heurística

2.4. Método investigativo

Mediante o método investigativo, o estudante terá a possibilidade de traba-


lhar os procedimentos inerentes aos processos de investigação. O trabalho na sala
de aula como pesquisa organizada constitui um método de elevadas exigências
cognitivas e afetivas para os alunos. O trânsito pelos métodos anteriores possibi-
lita ao aluno familiarizar-se com o trabalho das ciências, sua complexidade como
atividade humana e social.
Os fundamentos do método problêmico são discutidos no capítulo, deste
livro, que trata da aprendizagem como pesquisa orientada, como uma alternativa
necessária ao “modelo de mudança conceitual”.

169
3. Considerações finais a respeito
da solução de problemas

O objetivo de desenvolver a capacidade de resolver problemas não demons-


tra apenas que o aluno possa resolver determinado problema, pois a tramitação
desse processo de resolução de problemas tem efeitos sobre o conjunto de toda
a sua personalidade. O desenvolvimento dessas capacidades é responsabilidade
do professor, que não deve confundir problemas com aplicar exercícios, os quais
necessitam mais que a aplicação de uma fórmula ou esquema predeterminado e
válido para todos os casos semelhantes.
Portanto, nessa perspectiva estratégica de desenvolver o ensino por pro-
blema, o professor deve simultaneamente incentivar a participação de todos os
alunos, mantê-los atentos e provocar bastante sua curiosidade; além disso, deve
estimular o pensamento divergente, crítico e dialético, de modo a mostrar que os
conhecimentos da ciência e os métodos científicos não foram adquiridos por uma
simples leitura.
É importante assinalar que a perspectiva que discutimos é uma, dentre
diversas, para se pensar o uso de problemas como estratégia de ensino-aprendiza-
gem das ciências naturais e da matemática.

Referências

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VYGOTSKY, L.S. Pensamiento y lenguaje. La Habana: Pueblo y Educación,1982.

171
METACOGNIÇÃO: APRENDER A APRENDER?

Betania Leite Ramalho,


Isauro Beltrán Nuñez
e Analice de Almeida Lima

Introdução

Na sociedade contemporânea, os meios de comunicação, em especial a


internet, têm possibilitado um fluxo cada vez maior de informações, o que nos leva
a refletir acerca das limitações de estratégias de ensino que tenham por finalidade
apenas a transmissão de informações.
É cada vez mais importante que desenvolvamos nos nossos alunos as capa-
cidades de selecionar informações e refletir criticamente sobre o significado delas
numa demonstração de que têm autonomia para aprender a aprender.
Pérez (1999) esclarece que o conhecimento, hoje, está relacionado com o
inovar, o criar, que é o mesmo que aprender a aprender, englobando a auto-apren-
dizagem, a curiosidade, a exploração, o aprender a formular e resolver questões e
problemas, tanto de forma individual quanto em grupo; em suma, atuar de modo
reflexivo e crítico na sociedade
Nesse contexto, destacamos a relevância dos estudos relacionados com
a metacognição que, de acordo com a definição clássica de Flavell (1976 apud
Campanario, 2000), é o conhecimento que se tem dos próprios processos e pro-
dutos cognitivos ou sobre qualquer questão relacionada a eles, ou seja, a metacog-
nição está relacionada com as propriedades da informação ou os dados relevantes
para a aprendizagem.
A metacognição implica a auto-regulação da atividade de aprender, quer
dizer, a conscientização dos processos que utilizamos para conhecer os erros e os
sucessos, para aprender como aprendemos, responsabilizando-nos pela própria
aprendizagem. É importante que o aluno reflita sobre a sua aprendizagem, pois,
caso contrário, não terá nem dúvidas para serem esclarecidas (Campanario et al.,
1998).
Procuraremos ao longo deste capítulo destacar algumas considerações
acerca dos processos metacognitivos, de modo a compreender o seus significa-
dos e refletir sobre estratégias didáticas que venham a colaborar com o desenvolvi-
mento desses processos nos nossos alunos, em aulas de Ciências e de Matemática
no ensino médio.

172
1. Metacognição: conceitos e dimensões

Pozo (2002) destaca que uma das características que diferenciam a mente
de outros sistemas de conhecimento é que esta pode refletir sobre si mesma, podendo
tomar consciência de seus estados e, inclusive, às vezes, de seus processos. A
partir dessa característica tão singular da mente humana, têm sido desenvolvidos
estudos relacionados à capacidade do homem de refletir sobre o seu próprio conteúdo
cognitivo.
Inicialmente, é relevante compreender o que representa o termo cognição.
Para González (1996), este é um termo geral, que se usa para agrupar os proces-
sos que envolvem a aquisição, aplicação, criação, armazenagem, transformação,
criação, avaliação e utilização da informação.
Macias, Soliveres e Maturano (1998) distinguem cognição de metacogni-
ção. Para os autores, cognição diz respeito ao conhecer, à ação, ao efeito de conhe-
cer. O prefixo meta tem um significado recursivo que faz menção a uma reflexão
sobre o conhecimento que tem o sujeito de sua própria cognição.
Apesar dos estudos que têm se preocupado com os processos metacogni-
tivos estarem em destaque na atualidade, Figueira (2003) revela que os pressupostos
da metacognição já estavam presentes em trabalhos que datam do início do século
XX. É o caso das discussões presentes em Dewey (apud Figueira, 2003), no seu
sistema de indução de leitura refletida em que reconhecia já as atividades de
conhecimento e controle (regulação) do próprio sistema cognitivo, apontando como
auxiliar a monitorização ativa e a avaliação crítica. Os trabalhos de Vigotsky e
Piaget abordavam também a questão do controle/regulação das ações e pensamento
e sua evolução.
Siraj-Baltchford e Petayeva (2004) assinalam que o conceito de metacognição
aparece, inicialmente, dentro do contexto da teoria do processamento da informação
com o objetivo de construir um modelo de controle do processo cognitivo.
Segundo González (1996), podem-se destacar três momentos nas pesquisas
que abordam a categoria metacognição. Inicialmente, observam-se os trabalhos de
Tulving e Madigan (1969 apud González, 1996), que apresentaram uma crítica ao
estado em que se encontravam as investigações em torno da memória humana,
ressaltando que nós temos conhecimento e crenças de nossos próprios processos
de memória, chegando à conclusão de que existe uma relação significativa entre o
funcionamento da memória e o conhecimento que se tenha dos processos desta.
O momento posterior é influenciado pelos trabalhos de Flavell (1971 apud
González, 1996), que realizou pesquisas que buscavam estudar a metamemória de
crianças, ou seja, uma reflexão destas acerca de sua própria memória.
No período seguinte, os estudos estão relacionados com a gênese das di-
mensões da metacognição relativas às limitações que as pessoas apresentam para
generalizar ou transferir o que aprenderam para outras situações. Essa perspec-
tiva relaciona-se com o ensino explícito do método de auto-regulação, que per-

173
mitiu aos sujeitos experimentais, o monitoramento e a supervisão dos próprios
recursos cognitivos que possuíam. Chega-se, nesse momento, à compreensão da
meta-cognição concebida como o controle que o sujeito tem de sua própria cogni-
ção (Figura 01).
González (1996) lembra que esses trabalhos atrelados aos de Flavell sub-
sidiaram a confirmação de que o ser humano é capaz de se submeter a estudos e
análise dos processos que ele mesmo usa para conhecer, aprender e resolver
problemas, ou seja, o sujeito pode ter conhecimento de seus próprios processos
cognitivos, bem como controlar e regular o uso desses processos.

Figura 01 – A metacognição pode ser entendida como o controle da própria cognição

Diversos autores, como Chadwick (1985), García e La Casa (1990), Yussen


(1985), Otero (1992), são citados por González (1996), por contribuírem para o
aprofundamento da compreensão do conceito de metacognição. Chadwick (1985
apud González, 1996) descreve a metacognição como a consciência que uma pessoa
tem em relação aos seus processos e estados cognitivos. Para García e La Casa
(1990 apud González, 1996), a metacognição estaria relacionada ao conhecimen-
to que o sujeito teria das características e limitações de seus próprios recursos
cognitivos e com o controle e a regulação que ela pode exercer em tais recursos.
Yussen (1985 apud González, 1996) diz que a metacognição seria um conjunto de
processos que estaria relacionado com a própria cognição e, assim, por exemplo,
quando nós refletimos sobre estratégias que podem subsidiar a memorização de
algum conteúdo, este processo seria a metamemória; se nos interrogássemos da
nossa compreensão acerca de um determinado conteúdo que estudamos, pode-
ríamos chamar o processo de metacompreensão.
Campanario et al. (1998) citam que, em geral, qualquer estratégia cognitiva
que pode ser utilizada para controlar o estado dos próprios conhecimentos ou o
estado da própria compreensão tem uma dimensão metacognitiva.
Costa (1985) ratifica essas considerações afirmando que a capacidade

174
metacognoscitiva é inerente ao ser humano e está relacionada a quatro dimensões
que destacamos no Esquema 01.
Conhecer o
que conhece

Refletir e Elaborar
avaliar a Capacidade estratégias
produtividade metacognoscitiva para processar
de seu próprio informações
funcionamento
intelectual

Ter consciência de
seus próprios
pensamentos na
resolução do
problema

Esquema 01 – Capacidade metacognoscitiva (Costa, 1985)

Figueira (2003) afirma que alguns autores abordam a metacognição en-


fatizando simultaneamente tanto o conhecimento do próprio conhecimento, do
conhecimento dos próprios processos cognitivos e suas formas de operação quanto
à auto-regulação do pensamento, isto é, a capacidade de regular esses processos.
Outros autores, entretanto, destacam a independência dessas duas dimensões. Fi-
gueira (2003) defende a idéia da interdependência dessas duas dimensões; essa
posição também é defendida por nós.

1.1. A importância da auto-regulação


nos processos metacognitivos

Uma das dimensões importantes da metacognição diz respeito ao con-


trole/regulação dos processos de cognição pelo sujeito durante a realização das
atividades de aprendizagem, que pode acontecer, por exemplo, por meio do
planejamento de suas ações.
Em relação à importância da auto-regulação na aprendizagem, Campa-
nario et al. (1998) afirmam que alunos que utilizam as estratégias de aprendizagem
auto-reguladas consideram a aquisição de conhecimentos como um processo sis-
temático e controlável, sendo capazes de avaliar seu próprio progresso em relação
aos objetivos que se propõe, e acomodar sua atividade segundo os resultados de sua
auto-avaliação.

175
Flavell (1979, 1981 apud Figueira, 2003) apresenta um modelo de moni-
torização cognitiva em que a regulação ocorre pela ação e interação de quatro
categorias:
- o conhecimento cognitivo – que corresponde ao conhecimento que temos
e nos permite interagir com as novas situações;
- as experiências cognitivas – que estão relacionadas com tudo que acontece
antes, durante e depois da atividade cognitiva, contemplando tanto questões
cognitivas quanto afetivas;
- os objetivos ou tarefas – que estão relacionados com os objetivos implí-
citos ou explícitos que fomentam ou mantêm a atividade cognitiva do sujeito.
Estes têm um papel importante, na medida em que orientam a ação a ser reali-
zada pelo sujeito;
- as ações ou estratégias – que se referem às cognições ou outros compor-
tamentos, relacionados ao progresso ou à avaliação dos processos cognitivos.
Para Brown (1979 apud Figueira, 2003), a metacognição implica autocons-
ciência, ou seja, saber que se sabe; saber o que se sabe e saber, igualmente, o que
não se sabe. Esse autor defende que o pensamento metacognitivo é possuidor de
três atributos: o conhecimento que o sujeito teria dos seus processos cognitivos, a
tomada de consciência desses processos e a regulação que o sujeito teria dos seus
próprios processos mentais.
Figueira (2003) esclarece que na perspectiva de autores como Bouchard-
Bouffard et al. (1993), Flavell (1981) e Lefebvre-Pinard e Pinard (1985), a auto-
regulação envolveria quatro grandes dimensões: o processamento, a regulação, a
motivação e as experiências metacognitivas (Esquema 02).

Processamento

Experiências Dimensões da Regulação


metacognitivas auto-regulação

Motivação

Esquema 02 – Dimensões da auto-regulação

176
A dimensão relativa ao processamento (Esquema 02) estaria relacionada
às estratégias cognitivas que o sujeito utiliza para processar o material de aprendi-
zagem, de modo a alcançar os objetivos desta. Já a regulação incluiria estratégias
metacognitivas, utilizadas para organizar, regular e coordenar, de modo a ter con-
trole na própria aprendizagem. As experiências cognitivas, por sua vez, ocorre-
riam durante a atividade metacognitiva, proporcionando um feedback interno,
consciente, relacionado com o progresso, passado ou futuro, para alcançar o obje-
tivo desejado. Finalmente, a motivação estaria relacionada com o esforço realizado
pelo sujeito na tarefa, como a relação pessoal ao objetivo específico à realização
da atividade e como a atitude mental face às possíveis dificuldades.
Kuhl (1987 apud Campanario et al., 1998) ratifica a importância da moti-
vação nos processos metacognitivos, visto que devido a um fracasso na aprendi-
zagem, a atenção dos sujeitos pode concentrar-se em aspectos parciais da tarefa
que podem não ser relevantes para o êxito desta. Isso depende, em parte, do conhe-
cimento que o sujeito tem sobre a efetividade de diferentes formas de atuação para
conseguir o objetivo. Para esse autor, o desconhecimento dos sujeitos seria uma das
principais causas da desmotivação. A atribuição inadequada das causas de êxito
ou fracasso a deficiências próprias, mais que a ineficiência de determinadas técni-
cas de trabalho e de estudo, pode conduzir a patologias e a distúrbios atitudinais.
Campanario (2003) considera que para o controle da compreensão, ao se
trabalhar com textos em ciências, podem-se distinguir duas etapas bem diferen-
ciadas: a avaliação em que o sujeito comprova o estado atual da própria aprendi-
zagem, em que descobre os problemas, e a regulação, em que o sujeito buscaria
estratégias a fim de solucionar as lacunas para a resolução do problema. Entre
essas duas fases, haveria uma intermediária, denominada de planejamento, em
que são selecionadas as estratégias e os recursos cognitivos necessários para se
conseguir as metas de compreensão de acordo com o propósito da leitura.
O referido autor destaca ainda que o controle da compreensão consiste no
sujeito ter conhecimento do seu entendimento ou não de uma determinada questão.
Essa estratégia, que pode parecer básica, nem sempre é desenvolvida de maneira
adequada, quer dizer, é possível que os alunos não tenham consciência de que não
entendem.
Outra estratégia cognitiva muito importante é a formulação de perguntas
por parte dos alunos, consistindo em uma das possíveis estratégias de auto-regulação
cognitiva que os sujeitos podem desenvolver, quando são conscientes de que têm
algum problema de compreensão (Campanario et al., 1998).

2. A importância da metacognição no ensino de Ciências

No ensino de Ciências, bem como de outras disciplinas, podemos destacar


algumas destrezas básicas que devem ser desenvolvidas nos alunos, como as capa-
cidades de observação, classificação, comparação, medição, descrição, organização

177
coerente das informações, predição, formulação de hipóteses e inferências, interpreta-
ção de dados, elaboração de modelos e obtenção de conclusões. De acordo com Baker
(1991 apud Campanario, 2003), há um paralelismo entre algumas dessas destrezas e
certas estratégias metacognitivas que são utilizadas na aprendizagem em Ciências.
Por outro lado, as diferenças entre as estratégias cognitivas inerentes ao
pensamento cotidiano e científico são questões que devem ser levadas em consi-
deração, pois, como é referido por Otero e Campanario (1990), as pautas de pen-
samento e raciocínio cotidianos em contextos científicos representam uma das
estratégias inadequadas que os alunos podem utilizar em tarefas de aprendizagem
em Ciências. Reif e Larkin (1991) explicam também que as cadeias de raciocínio
cotidiano são curtas e contêm várias premissas aceitáveis; já as cadeias de pen-
samento científico são maiores e as premissas estão mais definidas. O caráter im-
plícito de pensamento cotidiano também se contrasta com o caráter explícito do
conhecimento científico (Campanario et al., 1998).
A metacognição influencia significativamente a resolução de problemas e
esta representa uma fonte de muitas dificuldades para alunos no ensino de Ciências.
O estudo de Swanson (1990 apud Campanario et al., 1998) revelou que possi-
velmente o alto nível metacognitivo pode compensar deficiências nas habilidades
acadêmicas na resolução de problemas.
De acordo com Garcia e La Casa (1990 apud González, 1996), a meta-
cognição, na resolução de problemas, expressa-se na capacidade que tem o sujeito
que resolve o problema em observar os processos de pensamento próprios que ele
utiliza na realização da tarefa e de refletir sobre eles.
As formulações mais atuais do modelo de mudança conceitual propõem o
seu caráter metacognitivo, pois a reflexão sobre o próprio conhecimento e controle
dos processos cognitivos por parte do aluno são um componente necessário para a
mudança conceitual (Campanario et al., 1998).
Podemos destacar ainda a importância das estratégias metacognitivas em
relação às concepções epistemológicas dos alunos, pois essas concepções fazem
parte do conhecimento metacognitivo, visto que estariam relacionadas às idéias
que os alunos mantêm acerca da natureza da ciência, do conhecimento científico e
sobre a própria aprendizagem da ciência, implicando conhecimento sobre as próprias
idéias, sobre o próprio conhecimento. E essas concepções epistemológicas são fun-
damentais para a orientação e a atuação dos alunos em tarefas de aprendizagem
(Campanario et al., 1998).
White (1999) explica o projeto PEEL (Project for Erhascing Effective
Learning), orientado ao aumento de uma aprendizagem compreensiva. Nesse
projeto, assume-se a “meta aprendizagem” como “metacognição”, sendo um com-
ponente que favorece a autonomia dos alunos, e sua responsabilidade com a apren-
dizagem. Os resultados das pesquisas relatam um grupo de condutas de aprendi-
zagem, que podem contribuir com a “ metacognição”. O autor resume em 25 algumas
dessas condutas, que apresentamos a seguir (Quadro 01).

178
1. Avisa ao professor quando não compreende.
Pede ajuda
2. Pergunta ao professor o porquê dos erros.

3. Diz ao professor o que não compreende.


Comprova
4. Compara o trabalho com as orientações, o avanço
corrigindo erros e omissões. pessoal
5. Quando se bloqueia, volta ao trabalho anterior
antes de perguntar ao professor.
observação
6. Comprova a compreensão pessoal
de conduta
da instrução e do material, procura mais
informações, se precisar.

7. Procura razões para as partes do trabalho.

8. Antecipa e prevê possíveis resultados. Planeja


e antecipa
9. Planeja uma estratégia geral ao início.

10. Explica propósitos e resultados.

11. Comprova o trabalho do professor para


encontrar erros, e propõe correções.

12. Procura conexões entre as idéias


e as atividades relacionadas Reflexão
a elas diretamente. no trabalho

13. Procura conexões entre idéias e atividades


não relacionadas a elas diretamente,
e entre temáticas diferentes.

14. Procura mais informações de forma


independente, aplicando idéias a turma.

15. Procura conexões entre idéias e temas


diferentes.

179
16. Faz perguntas inquisitivas no geral.
Faz relações
com crenças
17. Oferece exemplos pessoais relevantes
no geral. e experiências

18. Procura conexões específicas entre


o trabalho escolar e a vida pessoal.

19. Tenta descobrir fraquezas na sua compreensão.


Comprova a consistência de suas explicações Construção
através de diferentes referências. reconstrução
de condutas
20. Sugere novas atividades e procedimentos
alternativos.

21. Expressa desacordo.

22. Propõe idéias, novas intuições Adota


e explicações alternativas. uma
postura
23. Justifica opiniões.

24. Reage e refere-se a comentários dos outros colegas.

25. Questiona um texto ou uma resposta


que o professor considera como correta.

Quadro 01– Condutas que podem contribuir à metacognição

3. Estratégias didáticas subsidiando a metacognição

É importante que no ensino-aprendizagem de Ciências o professor propi-


cie situações que auxiliem o desenvolvimento do processo metacognitivo em seus
alunos. Nesse sentido, Figueira (2003) aponta algumas questões que servem como
subsídios às estratégias metacognitivas, como por exemplo:
- estimulação dos alunos a verbalizarem suas dificuldades e os processos
cognitivos utilizados na realização das tarefas;
- avaliação dos percursos realizados e a explicitação da razão das dificul-
dades ou sucessos, de modo a permitir que o aluno conheça o seu mecanismo de
aprendizagem;
- explicitação por parte do professor dos seus próprios processos mentais,
na apresentação dos conteúdos;

180
- explicação, por parte do professor, do processo subjacente aos conteúdos
e ao desenvolvimento de procedimentos mais dirigidos à correção, analisando e
avaliando mais o processo de aprendizagem do que os seus produtos.
Campanario (2000) destaca a importância de o professor propor estraté-
gias que auxiliem o processo metacognitivo em seus alunos e cita algumas estraté-
gias que podem ser adotadas, como:
- partir de questões que normalmente não são questionadas no cotidiano e
apontar questões que mereçam reflexões;
- aplicar o conhecimento científico ao cotidiano;
- utilizar a história da ciência com uma dimensão cognitiva, auxiliando
a conscientização dos alunos de que muitas vezes suas idéias são semelhantes a
teorias e pontos de vista baseados na história da ciência (Pozo, 1987 apud Cam-
panario, 2000);
- fomentar as atividades de auto-avaliação por parte dos alunos, por exemplo,
solicitar que eles auto-avaliem o seu grau de confiança nas respostas que propor-
cionam às perguntas, utilizando uma escala determinada ou que auto-avaliem suas
expectativas e possibilidades de êxito antes de começar um exame.
A partir das considerações feitas acima, pode-se pensar em alguns tipos de
tarefas que podem ser propostas aos alunos, de modo a auxiliar no desenvolvimento
de estratégias metacognitivas (Campanario, 2000), como, por exemplo:
- as atividades do tipo predizer-observar-explicar, que ajudam o aluno a
compreender que muitas vezes a ciência é contra-intuitiva e que a aprendizagem
requer um certo esforço de abstração. Esse tipo de atividade ajuda os alunos a
tomarem consciência de que o conhecimento científico pode ser utilizado para
entender situações e problemas cotidianos. Tais atividades podem ser complemen-
tadas com pequenas experiências que podem ser desenvolvidas em casa e discutidas
em classe;
- a construção e discussão de mapas conceituais que ajudam os alunos a se
conscientizarem de seus processos de aprendizagem e a avaliar as relações entre os
conceitos;
- a resolução de problemas com pequenas investigações, uma vez que isso
auxilia os alunos a adquirirem uma idéia mais adequada da atuação cognitiva na
área das ciências;
- a elaboração de um diário que poderia ser utilizado nas realizações das
atividades, ao longo da disciplina, constituindo uma base documental que subsidiaria
a auto-avaliação por parte de seus alunos, seus avanços nas disciplinas e suas
concepções sobre a aprendizagem;
- o emprego de um autoquestionário (Quadro 02), que pode fomentar o uso
de determinadas estratégias de estudo, de aprendizagem ou de compreensão, ou
incidir e organizar o desenvolvimento de estratégias adequadas de controle da própria
compreensão;

181
Quais são as idéias principais do texto?
1. Foram encontradas inconsistências aparentes entre diferentes partes do
texto?
2. Posso repetir o conteúdo do texto com minhas próprias palavras?
3. Existem diferenças entre as minhas idéias iniciais sobre o conteúdo do
texto e o que é afirmado nele?
4. Que problemas de compreensão foram encontrados?
5. Posso relacionar o conteúdo do texto com outras lições e/ou unidades
estudadas anteriormente?
6. As informações ou resultados alcançados são “razoáveis” ?
7. Coloca-se explicitamente algum problema conceitual no texto ou é uma
mera exposição de informações?
8. São discutidos os limites da aplicabilidade dos conceitos, equações,
princípios e/ou teorias que se apresentam?
9. São discutidas, no texto, outras alternativas possíveis à apresentada?

Quadro 02 – Exemplo de um autoquestionário, que pode ser utilizado para contrastar o que foi
aprendido em uma tarefa de estudo independente a partir de livros-texto
Fonte: Campanario, (2000)

- a utilização de perguntas para que os alunos contestem por escrito. Essas


perguntas podem estar relacionadas, por exemplo, com a explicação de uma
experiência realizada anteriormente, com a resolução de um problema qualitativo
ou com a análise de um processo, representando uma estratégia bastante útil em
classes numerosas. O seu uso regular possibilita que os alunos detectem suas lacunas
de compreensão, entretanto, a persistência de erros conceituais e a necessidade de
insistir em determinados aspectos não é uma questão que seja dominada;
- a formulação de perguntas por parte dos próprios alunos, constituindo
uma estratégia importante de auto-regulação cognitiva. A formulação de perguntas

182
implica a necessidade de que os alunos concentrem-se no conteúdo e representem
mentalmente a situação com um maior grau de detalhe.
Um exemplo de atividade metacognitiva, proposta para a análise e regulação
dos processos cognitivos que os alunos utilizam na compreensão de textos de física,
é proposta por Macias, Solinares e Maturano (1998), com base no seguinte
questionário:

1- Que entende quando usa o termo “ler”?


2- Que utilidade tem para você a leitura?

Selecione (marcar com um X) as opções que correspondem com seus


procedimentos:

3- Como avalia sua compreensão do que foi lido? Através de:


( ) resumir o texto
( ) expressar oralmente, sem olhar o texto escrito
( ) fazer gráficos dos conceitos
( ) outras. Quais?
___________________________________________________________
___________________________________________________________
( ) não utiliza estratégia

4- Que estratégias utiliza quando não compreende uma parte da leitura do


texto?
( ) volta a ler várias vezes
( ) procura dar sentido utilizando todo o parágrafo
( ) consulta fontes externas:
( ) dicionários
( ) outros livros de textos
( ) professor
( ) colegas
( ) formula novas perguntas
( ) define a idéia principal e as idéias secundárias
( ) faz resumos
( ) outros. Quais?
___________________________________________________________
___________________________________________________________
( ) não utiliza alguma estratégia em particular.

Quadro 03 – Exemplo de uma atividade metacognitiva (Macias, Solinares e Maturano,1998)

183
Conclusões

As idéias iniciais apontadas neste capítulo ratificam a importância da meta-


cognição no ensino de ciências, destacando que esta nos subsidia na exploração de
nossas fortalezas, bem como compensa as nossas debilidades, ajudando a diminuir
nossos erros mais comuns.
Nesse sentido, Pozo (2002) esclarece que, na medida em que temos
consciência dos nossos processos psicológicos, podemos usá-los de modo mais
eficaz e flexível no planejamento de nossas estratégias de aprendizagem, quer dizer,
as seqüências de procedimentos e atividades cognitivas se integram com o propósito
de facilitar a aquisição, armazenamento e/ou utilização de informação.
Por essas razões, defendemos que a metacognição deve ser incluída como
um dos objetivos do ensino, uma vez que orienta o aprender a aprender. Não
obstante, essa idéia leva consigo uma série de interrogações para o trabalho do
professor, quanto ao lugar que ocupa essa estratégia no sistema de estratégias
das disciplinas.

Referências

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WHITE, R.T. Project PEEL, Melbowsre: Monash University, 1999.

185
A FLEXIBILIDADE DO PENSAMENTO, PENSAMENTO CRÍTICO
E CRIATIVIDADE. GENERALIZAÇÃO E TRANSFERÊNCIA
DE APRENDIZAGEM

Tereza Cristina Leandro de Faria,


Anadja Marilda Gomes Braz
e Isauro Beltrán Nuñez

Introdução

Educação ao longo de toda vida, relação teoria e prática no contexto do


currículo escolar, desenvolvimento da autonomia, elaboração e construção das
próprias interpretações, reconstrução da cultura e do conhecimento, eis alguns
desafios presentes às novas necessidades formativas, cujo fomento da competên-
cia ultrapassa a noção e se situa na educação integral para a cidadania.
O alcance dessas necessidades implica, sobretudo, uma nova forma de en-
sinar e aprender que permite desenvolver no aprendiz determinadas capacidades:
flexibilidade do pensamento, criatividade, pensamento crítico, generalizações e
transferência de aprendizagens.
Mas em que consistem essas capacidades? O que preconizam as pesquisas
sobre suas respectivas potencialidades para a formação do indivíduo? Como o
professor pode inserir em sua prática pedagógica tais capacidades formativas?
Estes são alguns aspectos abordados a seguir.

1. Flexibilidade do pensamento e pensamento crítico

A rapidez das transformações científicas e tecnológicas, o avanço das


comunicações e o acúmulo de informações que a sociedade do conhecimento
proporciona repercutiram nas escolas de diferentes maneiras, dentre elas na
exigência de proporcionar ao aluno novas formas de aprender e lidar com o
conhecimento, pois quanto mais complexas, abstratas, mediatizadas por tecnolo-
gias forem as ações, mais conhecimentos aprofundados, avançados, organizados
e confiáveis elas exigem, ao mesmo tempo que também exigem as competências
apropriadas para mobilizá-los em tempo hábil.
Nesse contexto, emerge a necessidade de se trabalhar o desenvolvimento
das competências do aluno desde a escola e, como parte integrante delas, a “fle-
xibilidade do pensamento”, ou seja, a capacidade de mudar as estratégias de
trabalho face às novas situações ou informações. Essa qualidade do pensa-
mento proporciona ao indivíduo a plasticidade necessária para reorganizar

186
suas estratégias cognitivas e, assim, a possibilidade de procurar muitas e varia-
das alternativas de solução para os problemas que lhe estão sendo postos pela
sociedade do século XXI.
Para Perez (2003), a flexibilidade do pensamento é a capacidade de mudar
modos de pensar, geralmente evitando caminhos e procedimentos usuais, quando
se precisa de sugestões originais. Segundo Bernard (1997, apud Lescaille, 2002),
é a capacidade para mudar planos e táticas, a partir do momento em que os anti-
gos não dão bons resultados, como também a habilidade para modificar métodos
e procedimentos de ação, em decorrência das particularidades da “situação-pro-
blema”. Lescaille (2002) define essa flexibilidade como a mudança nos métodos
de ação na situação, que, por sua vez, depende da habilidade do indivíduo para
distinguir as propriedades e relações fundamentais, dos meios da atividade mental
e da situação em que estes se encontram. Assim sendo, como elemento do pen-
samento, caracteriza-se pela possibilidade de reorganizar as ações iniciais e as
conclusões delas derivadas, quando elas deixam de responder às condições variá-
veis e aos objetivos da atividade, na construção de novas estratégias. Manifesta-se
externamente na originalidade da análise qualitativa das situações-problema, na
possibilidade de revalorizar e ultrapassar as limitações de experiências passadas
face às novas situações (Kalmykova, 1986).
A flexibilidade do pensamento possibilita o que Dewey (1957, p.43) con-
siderava como a “mentalidade aberta”, ou seja:
A ausência de preconceitos, de parcialidades e de qualquer outro tipo
de hábito que limite a mente e a impeça de considerar novos proble-
mas e de assumir novas idéias [...] e que integra um desejo ativo de
escutar mais do que um lado, de acolher os fatos independente da sua
fonte, de prestar atenção sem melindres a todas as alternativas, de
reconhecer a possibilidade de erro, a examinar as razões do que se
passa [...], a investigar evidências conflituosas, a procurar várias
respostas para uma mesma pergunta, a refletir sobre a forma de
melhorar o que já existe, etc.

A flexibilidade do pensamento, igual a qualquer outra particularidade


psíquica, forma-se e desenvolve-se no processo de comunicação e da atividade em
interação com os outros indivíduos. Assim, pode ser desenvolvida na escola sob
situações de aprendizagem que orientem a necessidade de mudar-se de opinião,
de procedimentos e de referencial teórico, de forma consciente. Como estratégia de
intervenção, cabe ao professor estimular ao máximo nos alunos a curiosidade, o
risco, a mudança, as transformações e a solução de contradições, favorecendo o
seu desenvolvimento (Figura 01). Da curiosidade, vale destacar o que diz Freire
(1999, p.35):
A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao des-
velamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura

187
de esclarecimento, como sinal de atenção que sugere alerta faz parte
integrante do fenômeno vital. Não haveria criatividade sem a curio-
sidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante
do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos.

Flexibilidade do pensamento

Estimular a
curiosidade

Estimular a Estimular a
resolução de mudança
contradições

Estimular as Estimular o risco


transformações

Figura 01 – Intervenções que podem subsidiar a flexibilidade de pensamento

Kanitz (2003), tecendo comentários sobre a permanência de Richard Feynman


no Brasil – um dos poucos ganhadores do Prêmio Nobel que o Brasil pôde conhecer
de perto “, acrescenta que
o método de ensino eficaz, segundo Feynman, deveria formar indi-
víduos curiosos. O objetivo final de uma aula teria de ser formar futuros
pesquisadores, e não decoradores da matéria. O que mais o espantou é
que nosso ensino de física e química é muito superior ao americano,
algo que todo brasileiro já sabe. Mesmo assim, notou Feynman, o Brasil
produz menos físicos e químicos que os Estados Unidos. A hipótese
que ele levanta é o método de ensino. Damos muita teoria e informação,
mas ensinamos pouco como usar as informações aprendidas. Por sua
vez, os americanos sabem e aprendem muito menos teoria, mas devotam
mais tempo aprendendo como usar a informação apresentada, sob todos
os ângulos.

As investigações de Zaparozhetz e de Lukova (2001, apud Lescaille, 2002),


dedicadas ao problema da sensibilidade de indivíduos, em idade escolar, para a

188
solução de contradições, mostraram que em condições determinadas, quando a
situação-problema resulta ser compreensível, eles podem analisar as contradições
e procurar alternativas de solução antes não utilizadas, demonstrando a flexibili-
dade do pensamento.

1.1. A flexibilidade do pensamento, pensamento crítico


e criatividade

É importante mencionar que o pensamento flexível é uma característica


do pensador crítico, daquele que na sua vida cotidiana inclui a curiosidade em
relação a uma ampla gama de temas; a preocupação de chegar a estar e a manter-
se bem informado; o aproveitamento das oportunidades para usar o pensamento
crítico; a confiança nos processos de investigação argumentada; a autoconfiança
nas próprias habilidades para raciocinar; a abertura mental a respeito de visões
divergentes do mundo; a compreensão das opiniões de outras pessoas; a hones-
tidade para enfrentar os próprios prejuízos, as inclinações, esteriótipos ou tendên-
cias egocêntricas; a prudência para suspender, formular e alterar juízos e o desejo
de reconsiderar e revisar as posturas em que a reflexão honesta sugere que se
garanta uma mudança.
Um indivíduo disposto ao pensamento crítico provavelmente estaria de acordo
com as seguintes afirmações (Facione, 2003):
· é importante eu tratar de descobrir o que a gente realmente quer dizer com
o que disse;
· sempre me destaco em trabalhos nos quais se espera que eu pense as coisas
por mim mesmo;
· evito tomar decisões até ter repassado minhas opiniões;
· mais do que me confiar na informação de outro, prefiro ler o material eu
mesmo;
· embora um problema termine sendo mais difícil do que eu esperava, seguirei
trabalhando nele;
· é mais importante tomar decisões inteligentes do que ganhar as discussões.
Entretanto, um indivíduo pouco disposto ao pensamento crítico talvez não
concorde com as afirmações mencionadas acima, mas estaria vulnerável a concor-
dar com:
· prefiro os trabalhos em que o professor diz exatamente o que se tem de
fazer e como fazê-lo;
· não importa a complexidade de um problema, podem apostar que tem uma
solução simples;
· não perco tempo buscando coisas;
· não gosto quando os professores comentam os problemas no lugar de dar
as respostas.

189
Os bons pensadores críticos também podem ser descritos em termos de como
eles enfocam temas específicos, perguntas ou problemas. São deles as seguintes
características:
· claridade, para expressar as dúvidas ou preocupações;
· disposição, para trabalhar com a complexidade;
· preocupação, para buscar informação relevante;
· raciocínio, para selecionar e aplicar critérios;
· cuidado, para enfocar a atenção no que importa no momento;
· persistência frente às dificuldades em que se encontram;
· precisão no grau permitido pelas circunstâncias.
Mas, torna-se importante mencionar que existe uma relação dialética entre
a estabilidade do pensamento que orienta a solução de determinado tipo de tarefa,
as habilidades e os hábitos e a flexibilidade do pensamento que procura o novo.
Vale salientar que flexibilidade e pensamento crítico são qualidades de indi-
víduos criativos e que a criatividade está muito relacionada com o que é novo,
original e surpreendente. Perez (2003) apresenta a definição de criatividade de
Murray como processo de realização cujos resultados são desconhecidos, sendo
dita realização valiosa e nova. Também evidencia que na perspectiva de Torre
é a capacidade e atitude para gerar idéias novas e comunicá-las. Observa-se que
ambas apresentam um elemento em comum que se denomina “novidade”.
Os produtos criativos são diferentes dos considerados “raros” por sua
qualidade. Segundo Kneller (1978, p. 19):
O pensamento criador é inovador, exploratório, aventuroso. Impaciente
ante a convenção, é atraído pelo desconhecido e indeterminado. O risco
e a incerteza estimulam-no. O pensamento não criador (o termo não é
desairoso) é cauteloso, metódico, conservador. Absorve o novo no já
conhecido e prefere dilatar as categorias existentes a inventar novas.

Para Facione (2003, p. 24):


O pensamento criativo ou inovador é o tipo de pensamento que
nos guia a novas visões, a enfoques originais, a perspectivas novas,
a completas e novas formas de entender e conceber as coisas. Os
resultados de pensamentos criativos incluem algumas coisas óbvias
como a música, a poesia, a dança, a literatura dramática, as inven-
ções e as inovações técnicas. Mas também tem alguns exemplos
não tão óbvios, tais como a forma de fazer uma pergunta para que
expanda os horizontes das possíveis soluções, ou as formas de
conceber desafios de relações propostas e que guiam a um ver o
mundo de formas imaginativas diferentes.

190
Cria-se, quando se descobre1 exprime uma idéia, um artefato ou uma for-
ma de comportamento que seja nova para o sujeito. Nova para o sujeito, porque
a descoberta, por uma pessoa, daquilo que foi revelado por outra pode ser con-
siderada uma realização criadora. Um dos grandes momentos da pintura ocidental,
por exemplo, é marcado pela descoberta da terceira dimensão por Gioto. Um
estudante que atualmente descubra a terceira dimensão não deixa de ser criador,
porque alguém já a revelou antes dele (Kneller, 1978).
Para Kneller (1978), o pensamento criativo pode ser desenvolvido pela escola
quando (Esquema 01):
· se estimulam os alunos a terem idéias originais (originalidade) por meio de
exercícios, tais como: pedir que escrevam uma descrição da escola ou da vizinhança,
sabendo que obterão os melhores resultados se mencionarem coisas que ninguém
tenha observado ou só poucos tenham feito;
· se estimula o exame de novas idéias quanto ao mérito, em vez de descartá-
las como simples fantasias (apreciação do novo). Vale salientar que a inclinação
para levar em consideração idéias não convencionais constituiu uma das forças
diretrizes do progresso científico;
· se encoraja a expressão espontânea (inventividade), esquecendo o critério
de relevância e valorizando a diversidade que pode ser encontrada. Um aluno do
ensino médio pode elaborar um plano de sobrevivência no deserto, tendo em mãos
apenas um catálogo de encomendas pelo correio, ou pensar em quantas coisas
pode fazer com as partes de um carro velho;
· se estimula a aprender pela própria iniciativa (autodireção);
· se estimula o aluno a prezar suas próprias sensações, tendo em vista elevar
o nível da percepção sensorial dele (percepção sensorial);
· se tem na escola a criatividade enquanto objetivo educacional;
· se estimula a sensibilidade aos problemas, a capacidade para intrigar-se
com o que os outros aceitam como verdades inquestionáveis (curiosidade e pesquisa).
O ensino criativo aguça a curiosidade do aluno por aquilo que, nos seus estudos, se
relaciona com o seu contexto. O aluno deve sempre ser questionado nos seguintes
termos: que aconteceria se ...? Como seria se ...? Como o afetaria a mudança de
algumas condições essenciais de sua vida?
Para o mesmo autor, no ensino médio, os principais obstáculos ao desenvol-
vimento da criatividade são o excessivo destaque dado à aquisição do conhecimento
acumulado em vez do uso “original” deste, e o programa minuciosamente organizado
sem valorização do que favoreça a construção do conhecimento pelo próprio aluno.

1
Convém fazer algumas distinções entre os termos descobrir, criar e inventar. Descobrir significa
encontrar algo que existe, mas estava oculto, ignorado. Inventar significa produzir algo novo, que
não existia. Criar é similar a inventar, mas geralmente inventar é usado quando os produtos são
objetos ou artefatos. Exemplo: podemos descobrir uma estrela, a roda foi inventada e uma grande
idéia pode ser criada.

191
Originalidade Apreciação do
novo

Criatividade Inventividade
Pensamento
Criativo

Percepção Curiosidade e
sensorial Autodireção pesquisa

Esquema 01 – Questões que devem ser priorizadas para o desenvolvimento do pensamento


criativo (Kneller, 1978)

Segundo Perez (2003), o termo criatividade pode ser usado em dois senti-
dos: como um processo que conduz à realização de produtos originais ou então
como a capacidade para produzir muitas idéias diferentes e reestruturadas. Assim
sendo, ser considerado criativo pode implicar a capacidade para produzir mui-
tas idéias (fluidez), mudá-las quando não funcionam (flexibilidade), organizá-
las, elaborá-las e enriquecê-las quando se requer estabelecer graus de criatividade
(elaboração).
Betancourt e Sariol (2001) chamam a atenção para o fato de que o avanço
da ciência e da técnica não é apenas resultado do pensamento lógico, mas, simul-
taneamente, da utilização do pensamento criativo, como via de obtenção de novas
idéias, que se afastam dos esquemas racionalmente estabelecidos.
Diante do que foi explanado, pode-se concluir que, na formação de compe-
tências nos alunos, a flexibilidade do pensamento (condição necessária à trans-
ferência da aprendizagem) e a criatividade entram como capacidades necessárias
que oportunizam mobilizar os recursos cognitivos adequados à solução de uma
determinada situação e, principalmente, permitem modificar planos e/ou procedi-
mentos de ação, tendo em vista alcançar resultados novos e/ou mais produtivos,
levando em consideração as particularidades que o problema apresenta. E essas
são habilidades, isto é, um saber fazer indispensável aos indivíduos competentes.
A seguir (Quadro 01), uma atividade de ensino em que se evidencia a
necessidade da mudança de procedimento de ação em decorrência de fatos novos
na realização da experiência.

192
Disciplina: Ciências

Tema: Desenvolvimento de embriões de plantas leguminosas (milho e feijão).

Nível: 2º ano do ensino médio.

Objetivo: saber utilizar o procedimento adequado ao estudo do desen-


volvimento do embrião de plantas cultivadas em laboratório.

Metodologia:
- preparação de dois terrários: o terrário 1 (semente de feijão) contendo
areia, barro e adubo químico à base de: Nitrogênio(N), Fósforo (P) e Potássio
(K); e o terrário 2 (semente de milho) com areia, barro e adubo orgânico
(humo de minhoca);
· plantio de sementes em terrários separados (um com feijão e outro com
milho);
· observação diária do desenvolvimento dos embriões (germinação);
· anotação dos fatos observados para a elaboração do relatório.O aluno
vai ter que construir categorias de análise para o tipo de solo; tipo de
leguminosas (sementes) e para o padrão de desenvolvimento dos embriões
do milho e do feijão.
Análise do solo: granulação do solo, umidade relativa e concentração de
substâncias orgânicas e inorgânicas.
Análise da semente: classificação da espécie de planta e tempo médio
para a germinação das sementes, tendo por base o desenvolvimento observado
no ambiente natural.
Análise do desenvolvimento dos embriões: em relação ao tempo de
desenvolvimento dos órgãos (raiz, caule e folhas) e tamanho em centímetros
das plântulas em função do tempo.
O aluno, sabendo que há a necessidade de solo rico em N, P, K para que
o desenvolvimento seja satisfatório, irá, primeiramente, partir de uma análise
química do solo para acrescentar os elementos necessários de forma
balanceada, tendo em vista a suplementação deste.
Em um dos terrários, o aluno irá verificar que há a necessidade de
suplementar o solo com N, P, K, enquanto que, no outro, irão surgir minhocas
que produzem húmus, componente orgânico rico em nitrogênio, o que
ocasionará uma modificação na situação. Diante disso, o aluno deverá montar
uma nova estratégia de análise do solo e definir um procedimento de análise
para dar prosseguimento a cada um dos experimentos.

Quadro 01 – Atividade de ensino sobre o desenvolvimento de embriões em plantas leguminosas

193
2. Generalização da aprendizagem

Talízina (1987) conceitua a generalização da aprendizagem como a relação


entre as situações nas quais o indivíduo aplica o conceito ou procedimento e as
situações objetivamente possíveis de aplicação, o que supõe conhecer os limites de
aplicação do conceito ou procedimento construído, dado pelos marcos da própria
construção do conhecimento ou processo, e o contexto que limita o que foi
construído. Assim, a generalização constitui uma qualidade da atividade, como
produto da aprendizagem.
Exemplificando: um dado procedimento ou conceito pode ser utilizado
para resolver as tarefas T1, T2, T3, T4 e T5 (conhecidas como tarefas típicas).
Quando o aluno constrói um procedimento deve conhecer a sua possibilidade de
aplicação, ou seja, as situações e o contexto em que é possível a aplicação, por isso
a solução da tarefa deve iniciar-se pela análise qualitativa do enunciado.
O Esquema 02 apresentado abaixo mostra um conjunto de tarefas de uma
unidade didática e sua relação com a aplicação de um procedimento geral de solução
em que se utilizam conceitos.

T1 T2 T3 T4 T5 T6

Conhecido
Limites de aplicação do procedimento.

Desconhecido
Fora dos limites de aplicação.
Situação nova.

Esquema 02 – Generalização da aprendizagem

Na base do conhecido (procedimento e conceito), os alunos podem trans-


ferir esses recursos para uma tarefa nova, na qual muda o contexto. Diante disso,
o procedimento deve ser modificado ou os conceitos devem ser reestruturados,
pois essa nova situação está fora dos limites de generalização dos procedimentos
e conceitos em questão.
Um exemplo da situação discutida apresenta-se a seguir.

194
O tema de oxidação-redução pode ser estruturado a partir dos seguintes
conteúdos:
a) processos de equilíbrio em solução aquosa;
b) processos de transferência de elétrons;
c) processos que podem ser explicados utilizando o conceito de potencial de
eletrodo (E o).
Os processos citados têm como invariante os elementos anteriores, que se
expressam nos casos específicos das reações redox (T1), pilhas (T2) e eletrólise
(T3). Os três tipos de tarefas (T1, T2 e T3) são variantes ou tarefas que podem
ser explicadas segundo os princípios e procedimentos comuns. Um procedimento
comum para explicar as tarefas dos temas T1, T2 e T3 estão num contexto de
aplicação, pelo qual o procedimento comum constitui uma “invariante do conteúdo”,
como representado no quadro a seguir, na Figura 02.

Processo de
corrosão

Reação redox (T1) Pilha (T2) Eletrólise (T3)


T4

Limitesdodeprocedimento
aplicação do procedimento Situação nova
Limites de aplicação de interpretação de processos
de interpretação de processos dedo
de oxidação-redução baseado no potencial oxidação-redução
eletrodo (Conhecido)
Desconhecido
baseado no potencial do eletrodo (Conhecido)

Figura 02 – Generalização da aprendizagem e o tema oxidação-redução

Uma tarefa nova pode ser a interpretação do processo de corrosão (T4), que
está fora dos limites de aplicação do conteúdo, e para a qual o procedimento comum
não pode ser utilizado em sua totalidade. É necessário um novo procedimento por
se tratar de processos de não equilíbrio para interpretar e resolver a nova tarefa. O
processo de construção de um novo procedimento e de novos conceitos, tomando
como referência o conhecido, constitui uma transferência da aprendizagem.
As tarefas que entram nos limites da generalização (T1, T2, T3, T4 e T5)
constituem tarefas “classes” ou “tipos de problemas”. Quando se fala de uma
“classe,” ou mesmo de “tipos de problemas”, refere-se a um conjunto de problemas
que tem uma estrutura comum, possibilitando serem resolvidos por um mesmo

195
programa de tratamento (invariante do procedimento). Os tipos de problemas e
uma mesma classe não devem ser excessivamente amplos para serem correlacio-
nados com uma invariante do procedimento, nem muito limitados que impliquem
um programa de tratamento restringido, limitado à situação inicial. São problemas
(tarefas) que têm um mesmo modelo de solução, como construção da essência do
procedimento.

Tarefas nas quais aplica o conceito ou procedimento


GG = Grau de Generalização =
Tarefas nas quais é objetivamente aplicado

Quando o aluno aplica o conceito ou procedimento corretamente, nos ca-


sos possíveis, o valor de GG é igual a1 e a generalização é adequada. Quando GG
é maior do que 1, isso significa que o aluno aplica o conceito ou procedimentos em
situações em que não é possível. Quando é menor do que 1, significa que o aluno
deixa de aplicar o conceito ou procedimento a situações em que é possível e, portanto,
o aluno não tem assimilado todo o campo de aplicação do conteúdo (Nuñez; Pa-
checo, 1997). A generalização da aprendizagem está vinculada ao tipo de conhe-
cimento que Pares, Lipson e Wixson (1983) chamam de conhecimento condicional
ou contextual, relativo ao conhecimento de quando e em que situação utilizar uma
estratégia ou procedimento.

3. Transferência da aprendizagem

Uma situação nova é um tipo de tarefa que está fora dos limites de generaliza-
ção e, conseqüentemente, sua solução implica uma transferência ou descontextuali-
zação do conhecimento ou da aprendizagem, ou seja, a construção de novos concei-
tos ou procedimentos tomando como base os conteúdos conhecidos. Significa certa
atividade criativa do aluno. É o caso da tarefa representada por T6 no esquema 02.
Merieu (1998) prefere utilizar o termo “descontextualização” ao de “trans-
ferência”. Para o autor, a descontextualização é uma operação na qual o aluno utiliza
seus recursos cognitivos e afetivos em um contexto diferente daquele que permitiu
a aprendizagem. É essa a primeira fase da identificação de um saber que deve ser
ressignificado na generalização, por isso a explicitação dos contextos de produção
do saber faz-se necessária como condição para conhecer os limites de aplicação do
conteúdo.
Santos (1963) define a transferência da aprendizagem pelo processo de trans-
portar para uma nova situação o conhecimento e a habilidade adquiridos noutra. É
a aplicação de conhecimentos, métodos, idéias, valores e atitudes (aprendidos num
setor) a outro setor ou outras situações de vida.
Presseau (apud Gauthier et al., 2003) diz que a transferência é o processo
de particularização, pelo qual conhecimentos ou competências adquiridos em um

196
contexto são reutilizados em um novo contexto, seja para efetuar novas apren-
dizagens ou para realizar uma tarefa inédita.
Perrenoud (1999) conceitua a transferência como o mecanismo que per-
mite a um sujeito utilizar, em um novo contexto, conhecimentos adquiridos
anteriormente.

O mecanismo da transferência
implica uma mobilização de co-
nhecimentos e procedimentos
para serem reutilizados em um
novo contexto.

Figura 03 – Transferência da aprendizagem a partir das considerações de diversos autores

Para Santos (1963), são vários os fatores que exercem influência sobre a
transferência da aprendizagem, dentre eles os mais importantes são: a inteligência,
a memória, a atenção, a atitude mental, as diferenças individuais e o método de
ensino.
Entretanto, para Gauthier et al. (2003), dentro de uma ótica de intervenção
a favor das aprendizagens, o mecanismo-base da transferência é a memória, ou
seja, a unidade central de tratamento da informação. Assim, por ocasião de conclusão
de uma tarefa, uma codificação das informações na memória é essencial, tendo em
vista a transformação da informação em conhecimentos; em seguida, uma vez
codificados os conhecimentos, eles são armazenados na memória; este armazena-
mento, por sua vez, deve ser praticado de forma organizada, pois, do contrário, é
sem utilidade.
Os conhecimentos codificados, armazenados e organizados são os que serão
lembrados e ativados, quando do cumprimento de uma nova tarefa ou aprendizado.
A apropriação da tarefa pelo aluno deve vir, em seguida, acompanhada da com-
preensão propriamente dita e da tarefa a ser efetuada. O mecanismo da compreensão
aciona a repescagem na memória dos conhecimentos construídos na realização da
tarefa-fonte. Levando-se em conta que a tarefa-alvo não é idêntica à tarefa-fonte,
necessita-se de uma adaptação, a qual aciona os mecanismos de generalização e
discriminação.
Segundo Nuñez e Pacheco (1997, p. 49),

197
para que aconteça uma transferência é necessário que o aluno generalize
e que perceba que os conhecimentos e habilidades são aplicáveis e
apropriados a outras situações, portanto, deve compreender como os
conhecimentos e habilidades são aplicáveis. A transferência se facilita
através de um ensino que leve a grandes generalizações que tenham
valor de transferência.

Os estudos fundamentados na psicologia cognitiva identificam três tipos de


conhecimentos: os declarativos, teóricos, que respondem a questões o quê, os
processuais, de natureza prática, que respondem a como, e os condicionais, tam-
bém práticos, que permitem reconhecer, classificar e categorizar respondendo às
questões quando e por quê.
Quando se trabalha para que os alunos saibam transferir, cabe ao professor
fazer com que eles entendam quando e por que é necessário recorrer aos conhe-
cimentos declarativos e/ou processuais e mobilizá-los em sua ação. Na medida em
que a transferência implica mobilização de conhecimentos em um novo contexto,
faz-se necessário que estes e suas condições de utilização estejam acessíveis na
memória dos alunos. A ativação deve levar em conta os conhecimentos declarati-
vos, processuais e, sobretudo, os condicionais, pois, para Gauthier et al. (2003),
os conhecimentos condicionais são cruciais na ótica de uma intervenção eficaz.
A transferência implica que os conhecimentos estejam armazenados nas
memórias de curto e longo prazo. A utilização de quadros, esquemas e redes de
conhecimentos entrelaçados e, principalmente, da automatização dos conhecimentos,
faz com que estes passem rapidamente da memória de curto para a de longo prazo.
Também facilita a transferência a recorrência aos exemplos e aos contra-exemplos
(conflito cognitivo), pois oportunizam aos alunos a construção de regras essenciais
e satisfatórias que integram as condições de reutilização.
O aprendizado que permanecer específico para a situação em que origina-
riamente ocorreu permanece inútil. O que foi aprendido deve poder ser aplicado a
outras situações. Entretanto, um professor experiente é capaz de identificar várias
situações que mostram como alguns alunos, embora tendo memorizado longos
textos e várias fórmulas para resolução de problemas, são incapazes de aplicar os
conhecimentos aprendidos num outro contexto.
Até bem pouco tempo atrás, acreditava-se que a transferência da aprendi-
zagem ocorria de forma automática: uma vez que algo foi aprendido, a aprendiza-
gem conduziria à transferência, mas, atualmente, sabe-se que para que a transfe-
rência efetivamente ocorra, é necessário que o aluno seja capaz de ver as semelhanças
e estabelecer as relações entre os contextos de construção de conhecimentos e os
de suas possíveis aplicações.
Vale salientar que, para Echeverria e Pozo (1998), a transferência da apren-
dizagem constitui um problema difícil de superar, tanto para a teoria da aprendi-
zagem quanto para a prática didática e educacional. A dificuldade encontra-se,

198
principalmente, na pouca possibilidade que o aluno tem de reutilizar os conheci-
mentos e procedimentos construídos, de forma relativamente autônoma, em novas
situações. Para esses autores, um dos motivos dessa dificuldade é a diferença
existente entre o contexto de produção do conhecimento e os novos contextos;
assim, quanto maior for essa diferença, maior será a dificuldade apresentada.
Entretanto, acrescentam que os alunos que demonstram fazer transferência com
sucesso parecem reconhecer as semelhanças e estabelecem as diferenças entre os
vários contextos.

Conclusões

O ensino médio no Brasil está crescendo e necessita mudar. Para atender às


demandas de aprendizagem dos alunos que chegam a essa modalidade de esco-
laridade, deve-se definir um modelo de ensino que contribua para a formação de
suas competências, tornando-os aptos, sobretudo, a mobilizar os conteúdos escolares
fora da escola em situações diversas, complexas e imprevisíveis.
O ensino institucional deve contribuir para formar nos alunos as capacidades
de generalização e de transferência da aprendizagem. Essas capacidades não devem
ser terminais, mas permanentes. Os professores devem preocupar-se com esse tipo
de formação, pois é algo que se deve aprender desde a escola básica.
As capacidades de flexibilizar o pensamento e de criar o pensamento crítico,
bem como as de generalizar e transferir a aprendizagem são consideradas um
indicativo do grau de desenvolvimento, pois são indispensáveis à formação de
competências. Aceitar uma abordagem por competências desde a escola pode ser
uma via para sair da crise do sistema educacional brasileiro.
Requer-se, portanto, um outro tipo de escola, ou seja, uma escola integradora,
cuja referência seja o que está fora de seus muros, que reconheça a multiplicidade
de agentes e fontes de informação e que se aproprie destes integrando-os ao seu
fazer.
Construir um currículo por competência implica centrar-se na aprendizagem
do aluno, o que requer, além da mudança da escola, uma modificação no ofício de
professor, cujo objetivo atualmente deve ser o de fazer o aluno “aprender a aprender”.

Referências

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TALÍZINA, N. F. La Formación de la Actividad Cognitiva de los Escolares. La Habana:
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200
PENSANDO A APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA:
DOS MAPAS CONCEITUAIS ÀS REDES CONCEITUAIS

Raimunda Porfírio Ribeiro


e Isauro Beltrán Nuñez

Introdução

O ensino de Ciências Naturais, ao longo da história, vem recebendo


influências dos avanços educacionais. Nesse sentido, a aprendizagem significa-
tiva de David P. Ausubel (1989) contribuiu para a criação de novas estratégias de
aprendizagem. Entre outras, destacam-se os mapas conceituais criados por Josef
Novak, como estratégia simples e poderosa para ajudar os(as) alunos(as) a aprender
e organizar o material de aprendizagem. Por outro lado, a aprendizagem por pro-
cessamento de informação também possibilitou a criação de estratégias, como as
redes conceituais para o processamento de conhecimentos.
O conhecimento não é algo definitivo, para a Psicologia Cognitiva é o estado
de um processo sócio-histórico em movimento constante, mutável. O homem pensa
usando conceitos, mas o pensamento não se reduz aos conceitos. Eles são parte
de uma rede complexa de significados na base de estruturas cognitivas, redes
que estão numa transformação dialética caracterizada pela flexibilidade, plasti-
cidade, interatividade, adaptabilidade, cooperação, parceria, apoio mútuo e auto-
organização (Moraes, 1999).
Os mapas conceituais e as redes conceituais são estratégias cognitivas que
podem ser utilizadas no contexto de sala de aula para melhorar as condições do
ensino-aprendizagem. Desse modo, apresentamos, de forma sintética, como essas
estratégias podem ser utilizadas no ensino-aprendizagem de alunos na área de
Ciências Naturais.

1. O que é um mapa conceitual?

O mapa conceitual, como estratégia, instrumento ou recurso de aprendiza-


gem, criado por Joseph Novak, (1975, apud Antoria, 1994) apresenta como base
os princípios da aprendizagem significativa de Ausubel (1998), e pode ser uti-
lizado em qualquer área do conhecimento. Esse instrumento de aprendizagem,
expressa-se por meio de um esquema visual, possibilitando representar as rela-
ções significativas que os(as) alunos(as) realizam entre os conceitos.
O mapa conceitual é interpretado como estratégia quando é utilizado para
ensinar o(a) aluno(a) a aprender e ao(a) professor(a) a organizar o material para

201
ajudar no processo de aprendizagem. Transforma-se em um instrumento no
momento em que seu uso é feito para orientar a construção do significado de
materiais de aprendizagem por meio das elaborações conceituais e das suas relações.
Apresenta-se como um recurso esquemático, quando possibilita a organização
hierárquica de um conjunto de conceitos incluídos em uma estrutura de proposições,
com tendência a proporcionar uma negociação de significados (Novak; Gowin,
1988; Antoria, 1994).
Gonzalez (1992) compara os mapas conceituais com os mapas de estradas.
Os conceitos representam as cidades e as proposições as estradas que ligam as
cidades. Nem todas as cidades apresentam a mesma intensidade de população
semelhante aos conceitos do mapa, mas o poder explicativo ou de generalidade é
idêntico.
O mapa conceitual caracteriza-se pela sua representação gráfica e lógica da
organização hierárquica dos conceitos ou idéia (Antoria, 1994; Ross, 2000;
Galagovysky, 2002). Os seus elementos básicos são:
Hierarquização – a organização dos conceitos segue a ordem de hierarquia
de conceito de maior abrangência (em termos de sua extensão, inclusor) e conceitos
subordinados de menos abrangência. Um exemplo de mapa conceitual que orga-
niza alguns conceitos referentes ao tema “Ambiente” apresenta-se no Esquema 1
a seguir.

AMBIENTE hierarquia superior

pode ser hierarquia inferior

AMBIENTE AMBIENTE
NATURAL CONSTRUÍDO
constituído por

Seres Vivos Água Solo Ar Calor

Esquema 1 – Mapa conceitual do tema “Ambiente”

Seleção – uma síntese ou resumo contendo o mais importante ou mais


significativo da mensagem ou texto.
Impacto visual – mostra a relação entre as idéias mais importantes, de
forma concisa e elegante. Nos níveis superiores da hierarquia, as palavras devem
ser escritas com letras maiúsculas; nos níveis inferiores, com letras minúsculas,

202
preferivelmente com figuras geométricas que aumentem o contraste de fundo,
Conforme o exemplo do Esquema 2, a seguir.

NUTRIÇÃO DAS PLANTAS

requer

a absorção de a captação de

GÁS ENERGIA
SAIS MINERAIS ÁGUA CARBÔNICO LUMONOSA

retirado do obtida do

que são retirados do

solo ar sol

compondo a

seiva bruta

que é que por meio do processo de

transportada fotossíntese
até as folhas
produz libera
através do
seiva
xilema elaborada oxigênio

que é o
distribuída por toda

planta
conduto
mais interno
através do

floema

que é o
conduto mais
externo

Esquema 2 – Mapa conceitual da nutrição das plantas

203
Esses elementos são considerados como importantes no trabalho de
aprendizagem dos(as) alunos(as), por vincularem as suas idéias com as novas
informações e possibilitarem o estabelecimento de relações de inclusão.
Os componentes estruturais do mapa conceitual são os conceitos, as pro-
posições e as palavras de enlace. O significado de cada componente explica-se no
Quadro 1, abaixo.

São categorias simbólicas, generalizadas pelas


propriedades necessárias e suficientes dos objetos, que
Conceitos provocam imagens mentais e permitem a
operacionalização com objetos do mundo real e do
mundo simbólico, visto expressarem regularidades.

Constam de dois ou mais termos conceituais, unidos


por uma ou mais palavras de enlace, para formar uma
Proposições
unidade semântica (significado), afirmando ou
negando algo de um conceito.

Servem para unir os conceitos e explicitar o tipo de


Palavras
relação existente. As palavras de enlace não provocam
de enlaces
imagens mentais, diferentemente de conceitos.

Quadro 1 – Os componentes dos mapas conceituais

2. Mapa conceitual – utilização no processo


de ensino-aprendizagem

Iniciamos essa discussão com os seguintes questionamentos: para que serve


o mapa conceitual na aprendizagem? O mapa conceitual pode ser um dos recursos
para o enfrentamento da problemática relacionada com a quantidade e a qualidade
dos conteúdos das disciplinas específicas? Como devem ser utilizados no processo
de ensino-aprendizagem dos(as) alunos(as) no contexto escolar?
O mapa conceitual apresenta-se como um resumo esquemático, ou seja, um
resumo gráfico-semântico, possibilitando ao aluno a organização de informações
do conteúdo conceitual do tema, da disciplina ou da unidade. Pode ser utilizado
como uma alternativa para representar as estruturas conceituais e proposições
conceituais dos alunos, para organização do plano de ação, no sentido de ajudar
os(as) alunos(as) a aprender a aprender. (Gowin; Novak,1988).

204
Essa alternativa não é generalizável a qualquer prática pedagógica; vincula-
se diretamente a circunstâncias possíveis de serem aplicadas, como em situações
funcionais e significativas. O critério de aplicabilidade é determinado pelas con-
dições do ensino-aprendizagem: conhecimento do professor e opção pela apren-
dizagem significativa, pelo contexto de aplicação e pelas metas que se preten-
dem alcançar na educação (objetivos, possibilidades e o potencial significativo
do conteúdo1).
Esse instrumento da aprendizagem significativa constitui-se em estratégia,
instrumento ou recurso, utilizado na prática pedagógica em determinadas situações,
como:
– mapear o que os alunos já sabem antes de iniciar os conteúdos, para ativar
os conhecimentos prévios;
– organizar estratégia de estudo, para trilhar o caminho da aprendizagem de
uma disciplina específica e trabalhar com o livro texto, extraindo significados;
– resumir de forma esquemática o aprendizado, organizando-o e ordenando-
o em uma série, de maneira hierárquica;
– escolher recurso de pesquisa escolar para organizar de maneira hierárquica
os diversos componentes das matérias escolares;
– realizar avaliação como instrumento da aprendizagem, com a finalidade
de o aluno alcançar um aprendizado de curto ou longo prazo.
O uso do mapa conceitual deve facilitar o aprendizado do aluno de forma
significativa, de modo que se constitua em um instrumento que possa ajudá-lo a
fazer anotações; resolver problemas; planejar as suas atividades de estudo; preparar-
se para a realização de avaliações e compreensão dos temas abordados nas unidades
didáticas de forma significativa (Antoria, 1994; Ross, 2000).
Por outro lado, facilita o trabalho do(a) professor(a) na organização da sua
atividade de ensino, no sentido de ajudar o aluno a perceber a relação entre os
conceitos em ordem sistemática; estabelecer uma relação com seus alunos,
considerando as suas possibilidades de construção de significados e de ampliação
dos conceitos; compreender e ajudar os alunos a reelaborarem as suas idéias;
diagnosticar e controlar a aprendizagem por meio da identificação de conceitos
compreendidos de forma equivocada; ou das lacunas evidenciadas; ou mesmo do
alcance dos objetivos propostos na unidade didática.

3. Como orientar a construção de mapas conceituais?

O mapa conceitual não deve ser confundido com uma fórmula ou com uma
técnica mecânica para ensinar conteúdos conceituais, mas compreendido como

1
O potencial significativo do conteúdo determina-se pela possibilidade de se estabelecer relações
explícitas entre os conceitos do tema.

205
uma possibilidade de desenvolver a capacidade de selecionar os conceitos essen-
ciais e estabelecer relações entre eles, pois, na medida em que se vai construin-
do o mapa, simultaneamente constroem-se novos significados, propiciando o
aprofundamento do conhecimento no contexto de sala de aula, facilitando a
aprendizagem por compreensão.
A construção do mapa contribui para as representações de relações sig-
nificativas entre os conceitos e suas devidas extensões, permitindo ao(à) aluno(a)
desenvolver a habilidade de problematizar e argumentar as suas buscas e suas
conclusões.
Considerar essa estratégia como ponto de partida do ensino aprendizagem
de uma unidade pressupõe o desenvolvimento de habilidades de identificação e
classificação e o reconhecimento de conceitos e palavras de enlace (Ross, 2000).
No entanto, para se construir um mapa conceitual, segundo Ross, (2000); e Antória
(1994), é necessário:
– selecionar os conceitos-chave do conteúdo do texto, ou do tema, ou da
disciplina, ou da unidade;
– selecionar os conceitos por ordem de inclusão. Pelo mecanismo da pro-
gressão diferenciada, escolhem-se os conceitos de maior inclusão e se vai agre-
gando os de menor inclusão, pelas suas propriedades necessárias e suficientes
que permitem aumentar o conteúdo e diminuir a extensão. Pelo mecanismo da
conciliação integradora, os novos conceitos assimilados significativamente vão
se integrando a outros mais gerais e se estabelecendo novas relações entre os
conceitos integrados na estrutura cognitiva;
– estabelecer as relações entre os conceitos por meio das linhas ou setas;
– explicitar as relações entre os conceitos para construir unidades semânticas
por meio das linhas que são indicadas por uma ou mais palavras de enlace;
– atribuir significados aos conceitos e às conexões entre os conceitos;
– constituir as proposições simples por dois conceitos unidos por palavras
de enlace;
– estabelecer as relações horizontais e verticais.
Com essa orientação acima, pode-se ensinar como construir um mapa
conceitual a partir de um conceito e de suas relações. Como no exemplo do Es-
quema 3, de Solução como Sistema Disperso (SD).

206
SISTEMA DISPERSO
(SD)

Pode ser

(SD) (SD)
HOMOGÊNEO HETEROGÊNEO

do tipo do tipo

solução verdadeira colóides suspensões emulsões

exemplos exemplos

moléculas de moléculas de amido


proteínas na água na água

sal enxofre em açúcar


em água sulfeto de carbono em água

Esquema 3 – Mapa Conceitual de Solução como Sistema Disperso

À medida que os(as) alunos(as) estudam os conteúdos, os professores


orientam para fazerem as relações entre conceitos e em seguida propor a discus-
são com base nos conhecimentos científicos. A sistematização mediante o signi-
ficado de “sistema disperso” tem como ponto de partida o que sabem os alunos,
as idéias que podem relacionar com a solução denominada como sistema em que
uma substância está distribuída, ou disseminada, numa segunda substância sob
forma de pequenas partículas. A partir da experiência do Quadro 2, há possibili-
dades de buscar essa construção.

207
Juntando o amido com a água obtém- Juntando o sal com a água obtém-
se uma mistura heterogênea. se uma mistura homogênea.

Observa-se e discute-se, então, a Observa-se e discute-se, então, a


característica da heterogeneidade da característica da homogeneidade da
solução, tomando como referência a solução, tomando como referência
nova propriedade (o amido é visível a nova propriedade (o sal não é
em ultramicroscópio; sedimenta visível com uso de aparelhos; não
apenas por meio de ultracentrífuga; sedimenta; não é retido por algum
é retido somente por ultrafiltros). tipo de filtro).

A partir dessa discussão, elabora-se A partir dessa discussão, elabora-


um novo significado para solução se um novo significado de solução
coloidal, como sendo aquele sistema verdadeira, é um sistema disperso
disperso que agrega as moléculas ou homogêneo, de duas ou mais espé-
íons, macromoléculas ou macroíons cies de substâncias em solução
em solução (duas fases). (uma fase).

Quadro 2 – Exemplos e características de Sistema Disperso


Fonte: Petrovski e Irber (2004)

Os mapas também podem ser construídos a partir de conceitos estudados,


como por exemplo membrana plasmática. O conceito geral é colocado na hierar-
quia superior; nessa construção, procura-se estabelecer relações entre conceitos
mais gerais e conceitos mais específicos, como no Esquema 4.

208
MEMBRANA
PLASMÁTICA

separa os
apresenta

Bicamada lipídica Componentes


plasmáticos

com como uma barreira em

intracelulares extracelulares
Inclusão proteíca

com representa o representa o


possui volume de com
predomínio de volume de
predomínio de
Mg++
K+ Na++
permeabilidade
Cl _

aminoácido PO4 02

em relação ácidos
K+ graxos

Diferença diâmetro dos 40% de 20% de lipídios


de Diferença de canais peso peso
potencial concentração iônicos corporal corporal
elétrico

por meio de tipos

representado por

Líquido
Transporte Transporte K+ Na+ Cl - intersticial
ativo passivo

que inclui que apresenta

difusão Difusão Moléculas e


simples facilitada Plasma 4% íons

Esquema 4 – Mapa conceitual da membrana plasmática como barreira entre fluídos intra/
extracelular

209
Outra maneira de se construir um mapa pode ser por meio de um pará-
grafo, ou de capítulo de livro, ou de um texto para organizar as informações. Um
exemplo de seleção dos conceitos em um texto apresenta-se no Quadro 3, em que
a partir do texto selecionado, o(a) professor(a) ensina a elaborar o mapa por etapas,
conforme segue:
a) seleção do texto (neste caso, Biotecnologia do DNA: a engenharia
genética):

Biotecnologia do DNA: a engenharia genética

O termo biotecnologia (do grego bios, ‘vida’; techno, ‘tecnica’;


logos, ‘estudo’) compreende o estudo das técnicas e dos processos
biológicos associado com a obtenção de produtos de interesse humano.
Atualmente, a manipulação do DNA constitui um dos mais promissores
ramos da biotecnologia.
O conjunto das técnicas envolvidas com a manipulação do DNA
constitui a engenharia genética. Considerada a grande revolução científica
do final do século XX, a engenharia genética entra no século XXI acenando
com notáveis perspectivas para a melhoria da qualidade de vida dos seres
humanos e também com temas polêmicos para a reflexão de todos.

O DNA recombinante
No início da década de 1970, o geneticista norte-americano Paul
Berg desenvolveu um método relativamente barato, rápido e capaz de
obter DNA em grande quantidade para pesquisas, o que lhe valeu o
Prêmio Nobel de Química em 1980. Nesse processo, Berg utilizou
enzimas de restrição, moléculas existentes em vários organismos,
principalmente em bactérias, e que atuam como “tesouras biológicas”,
capazes de cortar a hélice dupla do DNA em pontos específicos e com
grande precisão. Nas bactérias, as enzimas de restrição atuam como
moléculas de defesa, que cortam moléculas de DNA “estranhas” ao
organismo, como, por exemplo, o DNA de um vírus invasor.

Quadro 3 – Texto selecionado como exemplo para construção de um mapa conceitual


Fonte: Paulino (2002, p.209-211)

b) seleção dos conceitos do texto:

Se a tarefa é feita pela primeira vez, ajuda-se aos(às) alunos(as) a fazer a

210
leitura do texto de modo que permita a seleção dos conceitos, observando o se-
guinte procedimento:
– selecionar os conceitos mais importantes do texto;
– identificar e destacar os conceitos-chave (os mais relevantes); criar as
palavras de enlace e diferenciá-las dos exemplos. Nessa etapa, ensina-se a destacar
os conceitos mais relevantes na compreensão do texto, as palavras de enlace e os
exemplos.
A partir desses procedimentos ensina-se a construir um quadro de referência,
organizando os conceitos-chave, as palavras de enlace e os exemplos. A seleção e
a identificação inicial exemplificada no Quadro 4, pode possibilitar a construção
do mapa conceitual, seguindo os próximos procedimentos e as próximas etapas.

Biotecnologia/ estudo /técnicas processos biológicos/


Organismo/ produtos/ organização molecular da vida
Conceitos-chave
humano/ enzimas de restrição/ tesouras biológicas/
moléculas de DNA estranhas.

Compreende o/ das/ dos/ de/ associado a obtenção de/


Palavras de enlace que constitui a/ de interesse/ como a/ que utiliza/funciona
como/ que cortam/ proporciona a compreensão/ de
diferentes/ exemplos/ que atuam como/ cortando o.

Exemplos Engenharia genética/ Bactérias/ moléculas de defesa/


DNA do vírus invasor.

Quadro 4 – Referência do texto: seleção de conceitos e palavras de enlace


Fonte: Paulino (2002)

– organizar os conceitos selecionados, estabelecendo relações entre eles;


– ordenar os conceitos em ordem decrescente de importância.
– possivelmente não haverá unanimidade na ordenação, visto os diferentes
significados atribuídos ao texto pelos alunos. Assim se faz necessário que eles
expliquem a ordem lógica da organização.
c) construção do mapa:
– solicitar aos alunos que liguem os conceitos, por meio de setas, e das
palavras de enlace, formando proposições. Em seguida a ordenação hierárquica.
Exemplo: Esquema 5.

211
Primeiro passo da construção

compreende o das dos PROCESSOS


BIOTECNOLOGIA ESTUDO TÉCNICAS BIOLÓGICOS

Segundo passo da construção

BIOTECNOLOGIA

compreende o

ESTUDO
das dos

TÉCNICAS PROCESSOS
BIOLÓGICOS

Esquema 5 – A organização dos conceitos do texto em estudo

No passo seguinte, orienta-se a continuidade da inclusão dos conceitos menos


gerais em conceitos mais gerais na construção do mapa. Desse modo, ensina-se
como organizar os conceitos no esquema visual hierarquizado, discutindo as relações
de inclusões sucessivas em inter-relações coordenadas, como na representação do
Esquema 6.

212
BIOTECNOLOGIA

compreende o

ESTUDO

das dos

TÉCNICAS PROCESSOS BIOLÓGICOS

associado à obtenção de proporciona a compreensão da

produtos como exemplo organização molecular da


vida

de interesse de diferentes
Engenharia
humano Genética organismos

como
que utiliza

como exemplo
hormônios proteínas
enzimas de restrição

que funcionam como


em bactérias
tesouras biológicas

que cortam onde atuam como

moléculas de moléculas de
defesas
DNA estranhas

cortando o

DNA do vírus invasor

Esquema 6 – Biotecnologia do DNA: engenharia genética

213
d) a elaboração inicial do mapa conceitual

A elaboração do mapa conceitual de cada grupo deve ser socializada no


contexto de sala de aula, surgindo, então, diferentes conexões, ou seja, diferentes
mapas conceituais. Desse modo, é imprescindível uma análise para a compreensão
de que as relações não são padronizadas, o que se deve respeitar são as relações de
subordinação e de coordenação, no entanto os(as) professores(as) podem ajudar
seus (suas) alunos(as) na reelaboração do mapa conceitual. Se for necessário,
devem acontecer discussões e negociações de significados. Outro destaque im-
portante: as palavras de enlace devem ser adequadas para não criar erros ou
ambigüidade, visto que elas ajudam na compreensão do mapa.
A construção do mapa não é definitiva; há possibilidade de melhora-
mentos e de reconstruções, visando a uma organização satisfatória. É impor-
tante assinalar que os(as) alunos(as) podem construir diferentes tipos de mapas
conceituais com o mesmo texto, de acordo com as relações conceituais que
estabelecem. Nesse caso, é tarefa do professor negociar, numa discussão dos
diferentes sentidos, tomando como referência o conhecimento científico para
estabelecer novas relações.
Para Moreira (1997), não existe um único modelo de mapa conceitual, assim
como não existem regras fixas que são de obrigatoriedade nessa construção. Segundo
o autor, o critério “do geral ao específico”, quando o número de conceitos é grande
e o mapa é amplo, resulta em uma dificuldade de elaboração. Nesse sentido, ele
prefere identificar os mapas conceituais como diagramas bidimensionais que
expressam a lógica da disciplina.

4. O que é uma rede conceitual?

O conceito de rede emerge do paradigma rizomático, defendido por Gilles


Deleuze e Felix Guattari [1997, apud Gallo], das novas tecnologias nas comu-
nicações e na informática com base no questionamento da visão fragmentada do
saber. Nesse paradigma, a imagem do conhecimento como rede relaciona-se com
um tipo de pensamento que conhece a multiplicidade e necessita dela como forte
unidade principal, unidade essa que não é una, pode ser múltipla, que faz, no
entanto, o papel de pivô, suportando as raízes secundárias.
A rede conceitual é uma estratégia de organização do conhecimento, que
visa à construção de significados mediante relações estabelecidas entre conceitos.
A representação mental em forma de rede conceitual é o espaço representativo
da multiplicidade de pontos ou nós e de ramificações ou caminhos, que indicam
as relações analógicas e as relações lógicas entre os conceitos distintos, para
determinar o “parentesco conceitual”, no sentido de constituir uma teia de
significados.

214
A rede conceitual é constituída por múltiplos pontos ou “nós” (conceitos),
articulados por fios (linhas) que se entrelaçam e estabelecem feixes de conexões,
dando continuidade entre os “nós” fornecidos pelas ligações. Desse modo, todos
os elementos da rede estão conectados. Os enlaces são responsáveis pela compo-
sição de múltiplos significados, que podem expressar-se com maior explicitação
e menor ambigüidade.
As conexões expressam-se por meio de palavras-chave que indicam as
relações, as ligações, as construções, as transformações, as evoluções e o desen-
volvimento. Na rede conceitual existe um esforço intelectual tanto do(a) pro-
fessor(a) como do(a) aluno(a) para expressar o tema em um gráfico tridi-
mensional.
Para explicar a rede conceitual, Galagovysky (1993) recorre ao modelo
cognitivo de Chomsky (1972, 1973, apud Galagovysky 1993), o qual supõe que
os humanos herdam uma capacidade de linguagem semelhante, proveniente de
uma gramática universal. Esse princípio básico sobrepõe-se às diferentes formas
de gramáticas particulares e reais utilizadas em diferentes idiomas. A linguagem
específica tem a possibilidade de gerar as estruturas profundas e sua represen-
tação lingüística expressa-se por meio de uma oração, ou seja, o que ele chama
de oração nuclear, a forma em que a idéia ou significado é mantido na memória.
Essa oração nuclear (representação lingüística das estruturas profundas) apresenta-
se de forma mais abstrata e precisa do que a forma em que se fala e se pensa no
cotidiano.
Os fundamentos da análise semântica de Chomsky (1972, 1973, apud
Galagovysky 1993), que Galagovysky (1993) utiliza para explicar a rede concei-
tual consistem na estrutura profunda como um elemento que permite as trans-
formações mentais conscientes a partir da informação recebida. Nessa pers-
pectiva, os conceitos não se definem segundo as regras da lógica formal, ou seja,
pelo conjunto de propriedades necessárias e suficientes. O conceito é compre-
endido como uma abstração lógica com base em atributos comuns, com seme-
lhanças familiares.
A rede conceitual é concebida na aprendizagem como processamento de
informação. É uma organização do conhecimento para ensinar a estabelecer
relações significativas por intermédio da representação das conexões entre o
objeto de estudo e os elementos vinculados a ele, que, de uma forma ou de outra,
estão ligados entre si.
O recurso rede é o modo de compreender e construir o significado das palavras
ou dos conceitos vinculado ao campo lingüístico (campo semântico) e psicológico
(campo conceitual) de cada pessoa que aprende. Considera-se a rede conceitual
como estratégia de estabelecer vínculos entre as estruturas internas do sujeito e as
informações recebidas do ambiente, resultando em uma interação entre as estruturas
profundas e as superficiais da linguagem para construir as relações entre os conceitos
e transformá-las em conhecimento.

215
A rede conceitual, semelhante aos modelos neurais, tem como fonte de
compreensão a estrutura cognitiva. Nesses modelos, o funcionamento do cérebro
representa conexões neurais que a partir de esquemas não lineares processam
informações (Machado, 2000).
A memória nas conexões neurais é indispensável e necessária. O modelo
semântico semelhante aos modelos neurais inclui dois tipos de memória de curto e
longo prazo, que são consideradas como categorias dinâmicas, interpretadas como
atividade mental. A memória de curto prazo é codificada como pauta neural, e
funciona por meio de conexões realizadas pela sinapse,2 mantendo-se as lembranças
no cérebro por pouco tempo. A memória de longo prazo tem como base circuitos
de reflexões, os quais permitem armazenar o modelo neural, organização do
conhecimento em cadeia, possibilitando complexos circuitos tridimensionais de
orações nucleares relacionadas para desencadear a codificação de significados e
aprendizagem. Na rede conceitual os elementos funcionais e estruturais apresentam-
se conforme o Esquema 7, a seguir.

2
Sinapse é o ponto de contato entre dois neurônios, é a transmissão da informação de um neurônio
a outro neurônio receptor de estímulos ambientais, gerando uma reação em cadeia.

216
Derivam-se em Gramática universal docente

aluno
linguagens
específicas

Sua riqueza

Fundamenta-se
origina
orações nucleares

sobre as estruturas
estrutura de cada
Deveria construir-se na

dá origem a sua própria


orações de constrói a estrutura semântica da conceitos
semântica REDE CONCEITUAL
superficial formada por define
codificada em
ciência
ciênci ou
Informação discip
disciplina
baseado em

semântica
relações

um recorte
entre

representação
conceitos

217
permite operar criativamente com ESTRUTURA COGNITIVA formado por

lembranças
modelos
memória de
circuitos de neurais
longo prazo
estratégias devida a reflexão
estimulação de
memória devida a
classifica-se organização
guarda sináptica pautas neurais
unidade biológica que se
neurônio
memória de supraorganiza em

utiliza
curto prazo
aprendizagem
são circuitos sinapses que se estimulam ao evocar

Esquema 7 – Representação dos componentes funcionais estruturais de rede conceitual


Fonte: Zamora, 2000
A idéia de rede discutida por Galagovsky (1993) visa a uma melhor
compreensão da complexidade das relações que se dão entre os conhecimentos
durante o processo de construção e sua própria utilização no cotidiano, na inter-
pretação das experiências. A rede ultrapassa a simples relação de conceito para
construir uma estrutura de significação. Não obstante, a rede conceitual pode
expressar significados básicos que podem ser aprendidos em cada tema.
O conhecimento em rede se contrapõe ao conhecimento como blocos fixos e
imutáveis, passando a ser entendido como uma teia na qual tudo está interligado:
os fenômenos, os modelos, os fatos e as teorias. Não há nada que seja primordial,
fundamental, primário ou secundário, por isso não existe nenhum alicerce fixo e
imutável (Moraes, 1999). Isso significa que não existe uma ciência, ou disciplina
que esteja acima e outra abaixo; que não há conceito que seja mais importante do
que outro. A complexidade da realidade vivida é necessária de ser entendida em
sua totalidade, por isso a metáfora de rede nos permite pensar a escola além do seu
contexto pedagógico.

5. A rede conceitual utilizada no processo


de ensino-aprendizagem

O uso de redes conceituais na aprendizagem é um campo de estudo recente.


A utilização da rede conceitual na atividade de ensino-aprendizagem implica
proporcionar ao aluno um aprofundamento do conteúdo das disciplinas espe-
cíficas, com ajuda do professor, que compartilha os significados. É necessário
entender que cada disciplina tem uma linguagem científica e específica e os alu-
nos devem se apropriar dos significados dessa linguagem, de modo que se trans-
forme em um instrumento de compreensão e de reestruturação do próprio pen-
samento (Zamora, 2000).
No contexto da aprendizagem, os(as) alunos(as) apropriam-se de uma série
de informações; no entanto, o conhecimento não se reduz a essa aquisição. Desse
modo, a rede conceitual pode ser utilizada para os(as) estudantes desenvolverem a
capacidade de estabelecer relações entre conceitos, processar informações, relacioná-
las, conectá-las, analisá-las, fazer novas interpretações e criar novos argumentos
mediante as novas conexões estabelecidas. A formação de conceitos não apresenta
um único caminho ao conhecimento; essa construção ocorre por diversas vias.
Galagovsky (1993), ao pensar nas implicações didáticas das redes con-
ceituais, na perspectiva do enfoque construtivista, reinterpreta o modelo semântico
análogo ao modelo neural, como uma estratégia de aprendizado de conceitos novos
em um contexto significativo, mediante a existência de informações e compreen-
sões já formadas na estrutura cognitiva. Nessa perspectiva, no processo pedagógico,
indica a rede conceitual como uma estratégia que pode ser utilizada para:
a) ajudar os docentes na construção prévia da organização e tratamento do
tema que pretende ensinar;

218
b) ajudar os docentes a definir critérios de seleção dos conteúdos, visuali-
zando os conceitos periféricos e centrais;
c) ajudar os alunos a encontrarem os conceitos fundamentais e as relações
relevantes em cada tema de aprendizagem;
d) ajudar os alunos a relacionar os temas estudados;
e) possibilitar aos alunos que procedam às análises metacognitivas das redes
trabalhadas em sala de aula, favorecendo a revisão do tema em estudo, identifi-
cando os conceitos mais relevantes e suas novas conexões;
f) propiciar a construção de novos conhecimentos.

6. Como orientar a construção de uma rede conceitual?

A construção da rede conceitual está relacionada à interpretação de um no-


vo material contextualizado no seu significado. É um processo idiossincrático,
individual, cujos significados são necessários de negociações no grupo de estudo.
Nessa atividade, os(as) alunos(as) utilizam, como ponto de partida, os modelos já
existentes em seus cérebros. Conforme Galagovysky (1993), nesse processo de
construção, podem ser seguidas algumas recomendações, como:
· os nós da rede conceitual serão ocupados por palavras que representam
conceitos essenciais do tema de estudo;
· a totalidade de uniões que relacionam os conceitos deverá exibir legendas
que incluam um verbo preciso, de maneira que gere uma oração nuclear entre os
nós. A leitura é realizada conforme o sentido da flecha. A flecha inversa gera outra
oração nuclear;
· a ordenação hierárquica de conceitos será considerada artificial em relação
à disposição gráfica vertical. O novo desenho gráfico só requer clareza para leitura,
que pode começar de qualquer ponto da rede, desde que respeite a direção da
flecha;
· os conceitos fundamentais, serão aqueles que apresentam maior número de
relações. Os conceitos não podem ser repetidos;
· os conceitos do tema não devem ser incluídos na legenda sobre as flechas.
Pensar na organização do conhecimento pelo(a) aluno(a) via atividade grá-
fica de representação é reconhecer que a atividade daqueles que se encontram
em processo de aprendizagem pode seguir os vários caminhos de elaboração de
novos conhecimentos em níveis pessoais, mediante novas estratégias que pos-
sibilitam novas construções.
A organização da rede conceitual pode iniciar com a montagem coletiva,
a partir das perguntas dirigidas aos(as) alunos(as). Nessa estratégia, as novas in-
formações podem se relacionar com suas experiências sociais, cognitivas e afe-
tivas, possibilitando a ativação do pensamento, na busca de organização da rede
em orações nucleares. Essa elaboração pode ser realizada mediante a construção
de significados, por meio de perguntas feitas pelo professor, levando em conta o

219
sis-tema de conceitos abstratos e os enlaces lógico-verbais, evocando as orações
super-ficiais relacionadas com uma rede de imagens mentais e de problematização
do tema, de modo que se estabeleçam relações com as orações nucleares.
Na construção dos significados dos conceitos, evidencia-se a relação entre
aquele que ensina e aquele que aprende. A Rede Conceitual impõe ao(à) profes-
sor(a) a análise e a reorganização da sua própria estrutura conceitual; e orienta
o(a) aluno(a) a centrar sua atividade em uma análise semântica, num processo de
comunicação para identificar significados essenciais (Galagovysky, 1993; Zamora,
2000), compreender o conteúdo e estabelecer as múltiplas relações entre os con-
ceitos, no sentido de afastar-se da linearidade apresentada na organização do
conteúdo escolar.
Na elaboração da rede conceitual, o(a) professor(a), juntamente com os(as)
alunos(as), vai construindo as relações entre os conceitos, que podem ser de
muitas formas sem determinação a priori de conceitos mais importantes. Pode
seguir caminhos não-lineares e não-hierárquicos. Assim, a rede pode ser um tipo
de teia, composta por palavras ou imagens num processo de constante negocia-
ção e transformação, mediante a capacidade de estabelecer conexões entre o que
aparentemente se encontra desconexo. Com essa estratégia, coloca-se a finalida-
de da construção da metacognição, mediante a utilização do instrumento ícone-
verbal, na busca de reconstrução de significado dos(as) alunos(as), que podem
construir a rede com base em:
a) um, ou dois temas, ou a representação de dois objetos;
b) conexões com outras redes;
c) idéias em conexões com outras idéias.
Nessa perspectiva, espera-se que o ensino escolar se baseie no uso de uma
linguagem científica. É necessário que a rede conceitual possibilite uma apren-
dizagem significativa, visto que se postula nessa perspectiva que os alunos assi-
milem aqueles conceitos e relações conceituais apresentadas nas orações nuclea-
res analisadas profundamente.
Para exemplificar a construção de uma rede conceitual, escolheu-se o con-
ceito de biodiversidade para expressar as relações com outros conceitos que o
constituam, quais sejam os seres vivos, sua organização e suas relações com o
ambiente. Conforme o exemplo, os conceitos mais relacionados são os seres
vivos e o ambiente; esses, no entanto, são os mais importantes para captar o sig-
nificado de conceitos de maior relevância. Na rede, todos os conceitos estão
diretamente ou indiretamente ligados, como no exemplo do Esquema 8.

220
habitat representado por
precisam de um biológico

seres vivos relaciona-se com o como o


a
Ambientes físico

social

presisam de constituem sua variedade forma a b


Biodiversidade vincula-se a diversos tipos de

constituídas por diversas espécies


o
Organizações estruturadas em
f
Fonte de está em
energia que abrigam
encontradas em
f
Florestas tropicais Unidades
u morfológicas e
fisiológicas

221
como
obtidas em diferentes tendo como base a organização
tipos de
celular molecular
Outros
o ecossistemas
Regiões
r
b
Biodiversas
pode ser representada pelo
alimentação
pluricelular unicelular vírus
de
reprodução como as observadas entre
r
Relações
podendo ser

assexuada produtores consumidores decompositoress


sexuada

Esquema 8 – Seres vivos e sua biodiversidade


7. Quais as diferenças entre os mapas conceituais
e as redes conceituais?
A rede conceitual diferencia-se do mapa conceitual pelos seus aspectos
semânticos e gráficos e pelos tipos de conceitos relacionados, como se mostra no
Quadro 5.
Aspectos Rede Mapa
semânticos Conceitual Conceitual

A hierarquização de con- A hierarquização não é necessária. Os


ceitos é necessária – concei- conceitos mais importantes são aqueles
tos de maior inclusão subor- que apresentam maior número de rela-
Hierarquia
dinam os de menor inclusão, ções. O maior número de enlaces confere
gráfica
viabilizando a estruturação e a importância aos conceitos e conferem
as relações para a construção a estruturação e as relações para cons-
dos significados. trução dos significados.

As relações simbolizam a in- As relações simbolizam as afinidades e


clusão de conceito de menor proximidades numa perspectiva de não
extensão naqueles de maior linearidade e não hierarquização com li-
extensão, em um processo de nhas e palavras de enlaces que ligam um
linearidade, criando-se uma conceito a outro, trilhando caminhos que
hierarquia superior e uma não encontram um centro e sim vários
inferior. pontos de conexões (nós) (Zamora, 2000).

As representações em mapa As representações em rede não se limi-


se limitam a códigos com tam a códigos como as palavras; podem
Legendas palavras, ou seja, pode ser aparecer desenhos ou símbolos como
que unem utilizada qualquer classe de construção de significados. Os nós da
palavras da gramática (ver- rede conceitual completam-se com os
os nós
bos, adjetivos e expressões conceitos importantes do tema; não há
matemáticas específicas de repetição dos nós; as linhas são acom-
cada tema) para formar as panhadas de palavras que completam
proposições entre os nós uma oração nuclear; entre nós conse-
consecutivos ligados pelas cutivos os verbos devem ser incluídos
palavras de enlaces, que re- para dá significação à oração; as orações
presentam a idéia do nível nucleares são lidas conforme a indicação
de inclusão. da flecha; não são admitidos verbos
ambíguos.

São utilizados os subs- São utilizados os substantivos, ou subs-


Nós tantivos, verbos, adjetivos tantivos unidos aos adjetivos. Não se
e expressões matemáticas pode usar fórmulas matemáticas, exceto
específica em cada tema. as unidas pela legenda.

Quadro 5 – Diferenças entre o Mapa Conceitual e a Rede Conceitual

222
Conclusões

A organização do conhecimento na aprendizagem significativa é um ele-


mento básico para a estrutura cognitiva de quem aprende. Nesta há um conjunto
de relações estabelecidas pelos nexos entre os elementos cognitivos (informações),
o que possibilita a constituição de um todo organizado, o qual ficará disponível e
acessível para no futuro estabelecer novas conexões de forma compreensiva, para
elaborar novos conhecimentos.
As pesquisas da Psicologia Cognitiva têm mostrado que quando se aprende
o conteúdo de forma significativa, ou seja, relacionando os conceitos na busca
de construção de significados, essa aprendizagem é qualitativamente superior à
aprendizagem dos conteúdos assimilados de forma fragmentada e sem nexos.
Na teoria de Ausubel (1989), o conhecimento conceitual apresenta-se como
a construção de uma hierarquia de conceitos relacionados por critérios de su-
bordinação, na qual existem conceitos inclusores (de maior status na hierarquia)
e conceitos subordinados, em relações de linearidade.
O mapa conceitual, apesar de favorecer a construção de um novo signifi-
cado relacionado com a nova informação em interação com os conceitos dos(as)
alunos(as), facilitando o aprendizado do conteúdo sistematizado pela escola, apre-
senta algumas limitações, visto que a hierarquização conceitual pode levar a uma
linearidade das informações e possibilitar a construção da representação visual
com base apenas no tipo de conceitos definido pelas propriedades necessárias
e suficientes.
Apesar de propiciar a definição do que é mais significativo, o mapa concei-
tual é uma apresentação do conteúdo de forma sintética e linear, apresentando-se
como produto pessoal, portanto no olhar do leitor pode ganhar um novo sentido.
Desse modo, os(as) professores(as) não devem construir o mapa conceitual para
seus alunos e sim viabilizar a construção por meio da atribuição de novos sig-
nificados pelos(as) alunos(as) e levá-los a desenvolver novas compreensões e
elaborarem novos significados.
No trabalho com mapa conceitual e rede conceitual, a aprendizagem cen-
tra-se nas idéias prévias dos(as) alunos(as), relacionadas aos conhecimentos
científicos, com o propósito de buscar novas estratégias que atuam como instru-
mento de organização e aquisição de novos conhecimentos de forma significativa.
As duas estratégias facilitam a aprendizagem por compreensão, uma vez que,
são formas de construção de novos significados pelos(as) alunos(as).
A rede conceitual é diferente do mapa conceitual, por se aproximar mais
de uma nova epistemologia do conhecimento, como processo complexo, não
hierarquizado, no qual podem existir várias relações entre os conceitos. Nesta
abordagem não há um único caminho de acesso ao saber.

223
Referências

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225
DOS MODELOS DE MUDANÇA CONCEITUAL
À APRENDIZAGEM COMO PESQUISA ORIENTADA

Márcia Gorette Lima da Silva,


Antônia Francimar da Silva
e Isauro Beltrán Nuñez

Introdução

Neste capítulo serão apresentados alguns aspectos relativos aos modelos


de ensino por mudança conceitual e de aprendizagem como pesquisa orientada,
tais como o significado atribuído a essas expressões, a importância das mudan-
ças das idéias prévias dos alunos, assim como sua natureza, sendo considerado
o núcleo básico nesses modelos entre outros.
No modelo por mudança conceitual, alguns autores apresentaram su-
gestões estratégicas para seu desenvolvimento; mas, apesar da diversidade de
proposições, alguns pontos são comuns, entre eles as condições para que a mu-
dança conceitual possa ocorrer. Não obstante os aspectos positivos do modelo,
torna-se válido discutir os argumentos sobre as limitações deste. Conforme advo-
gam alguns autores, para que ocorra a mudança conceitual é necessária uma
mudança metodológica e atitudinal, constituindo-se tal processo um dos pressu-
postos para o modelo de aprendizagem como pesquisa orientada. A proposta é
colocar o aluno frente a situações-problema, o que leva a refletir sobre a importância
de serem consideradas as condições e as limitações para o desenvolvimento de
atividades baseadas no referido modelo. Por fim, são apresentados exemplos de
atividades em Química, a serem aplicadas com alunos do Ensino Médio.

1. Modelo de Mudança Conceitual

1.1. O que quer dizer modelo de mudança conceitual?

Na década de 80, intensificaram-se pesquisas sobre propostas de ensino de


Ciências Naturais em decorrência da forma muito peculiar como os alunos viam
os fatos e os fenômenos da natureza, os quais, geralmente, mostravam-se distin-
tos do conhecimento científico formal (Marín Martínez, 1999a). Uma proposta de
ensino de Ciências vinha baseada no modelo de construção do conhecimento, por
meio da mudança de conceitos. Essa proposta tomou corpo no contexto das pes-
quisas relativas às representações, idéias, concepções, teorias implícitas, etc., com
as quais os alunos chegam à sala de aula.

226
Segundo Marín Martinez (1999a), a expressão mudança conceitual deve,
provavelmente, ser uma das mais usadas no ensino de Ciências Naturais, sendo
adotada desde uma estratégia de ensino particular até um contexto teórico válido
para fundamentar uma investigação.
Como estratégia de ensino, tinha por objetivo, inicialmente, substituir1 as
representações, teorias, idéias ou concepções iniciais – que os alunos possuem
acerca de um determinado fenômeno científico ou objeto em estudo – pelo conhe-
cimento científico formal. Em geral, essas idéias costumam ser diferentes dos con-
ceitos científicos que se pretende ensinar (Pozo; Crespo, 1998). Esse modelo adota
como enfoque uma posição construtivista frente à natureza do conhecimento e
sua aquisição, assumindo que o aluno elabora e constrói seu próprio conhecimento,
tomando consciência de suas limitações, procurando superá-las, ou seja, espera-se
que o aluno modifique suas representações iniciais sobre o fenômeno em estudo
por outras mais próximas ao conhecimento científico.
Para tanto, as idéias prévias dos alunos possuem um importante papel nes-
se modelo, já que o ensino de Ciências visa a favorecer a substituição destas pelas
científicas como novo marco de referências para interpretar/compreender a reali-
dade, levando a construir novas representações. Acreditava-se que, se a apren-
dizagem acontecesse a partir das idéias prévias dos alunos, com atividades inte-
ressantes, levaria ao aprendizado com uma construção significativa que implicava
as mudanças das idéias prévias, as quais, geralmente, se apresentavam como
obstáculos epistemológicos.2
Essas idéias prévias ou concepções alternativas,3 por sua vez, têm sua origem,
em geral, na atividade cotidiana das pessoas, surgem na interação espontânea com
o meio e servem, principalmente, para explicar o comportamento desse meio.

1.2. As idéias prévias dos alunos e sua natureza

As concepções espontâneas, idéias prévias, etc. possuem determinados as-


pectos em comum quanto à sua natureza e organização, à sua origem e à maneira
como são modificadas.
Nesse sentido, autores, como Oliva Martinez (1999a), discutem alguns des-
ses aspectos, a exemplo das idéias prévias como formas de raciocínio implícito.
Entretanto, nem tudo que se espera saber nas respostas dos alunos corresponde
a essas idéias prévias, isto é, nem todo o conhecimento interno chega a ser exte-

1
O termo “substituir” foi empregado nas primeiras versões do modelo, sendo criticado
posteriormente. As críticas serão apresentadas no decorrer deste texto.
2
O termo “obstáculo epistemológico” é usado por Gaston Bachelard.
3
Serão adotados como sinônimos os termos conhecimentos prévios, idéias prévias, concepções
alternativas, teorias implícitas e concepções espontâneas, embora possam ter significados
diferentes desde outras perspectivas teóricas.

227
riorizado de um modo direto em que inequivocamente os investigadores chegam a
aprender. Outro aspecto discutido pelo autor é a possibilidade de coexistência de
idéias prévias diferentes sobre um mesmo tópico. Nessa perspectiva, as idéias
competem entre si diante de uma determinada situação, seja como conseqüência
das características de cada aluno ou das relações entre o aluno e os conteúdos e/ou
o próprio contexto. Um terceiro aspecto é a existência de um certo nível de siste-
maticidade ou homogeneidade nas idéias prévias. Nesse sentido, o autor sinaliza
que estudos têm evidenciado que a capacidade dos alunos da educação básica para
generalizar é bastante limitada, mas, ainda assim, se observa um certo grau de
homogeneidade nas idéias que surgem em distintos contextos e tarefas.
Essa breve síntese desses aspectos leva a inferir que, conseqüentemente,
a natureza das idéias provoca influências e algumas são muito resistentes à mudança,
persistindo mesmo a uma longa instrução científica4 (Pozo; Crespo, 1998), como,
por exemplo, idéias sobre a origem do universo segundo uma visão metafísica –
como ao acaso ou pela criação de entidades sobrenaturais – rechaçam as teorias
científicas sobre sua origem.
Para Pozo e Crespo (1998), as idéias prévias dos alunos podem ser distin-
guidas quanto à sua origem em três grupos. Como existe uma interação entre cada
grupo, esses não se constroem de forma isolada, embora possam ser discutidos
“metodologicamente” em separado. Considerando a origem das idéias, estas po-
dem ser consideradas como idéias de origem sensorial, cultural e educativa.
– Origem sensorial (concepções empíricas) – são formadas nas experiências
individuais dos alunos, nas atividades do cotidiano, fundamentalmente baseadas no
uso de regras de inferências causais, por meio de processos sensoriais e perceptivos.
São as idéias mais gerais compartilhadas pelos alunos em diferentes contextos.
Exemplo:
– Os alunos explicam que corpos de massas diferentes ao serem largados,
ao mesmo tempo, em direção ao solo, possuem tempos de queda diferentes, segundo
sua experiência sensorial.
A bola maior é
mais pesada
e cai primeiro.

Figura adaptada
de Nigro e Campos (1999)

Figura 1 – Ilustração sobre as idéias prévias de origem sensorial

4
Esta constitui uma das críticas ao modelo de mudança conceitual

228
– Origem cultural (concepções sociais ou representações sociais) – a
origem dessas idéias está, fundamentalmente, na cultura dos contextos sociais,
em que se encontram diferentes idéias compartilhadas pelos grupos sociais. São
tipos de representações sociais influenciadas pelos diversos meios de transmis-
são cultural, como a mídia, as crenças populares, etc.
Exemplo:
– As crenças populares relativas à ingestão de determinadas combinações
de alimentos.
Será que devo
beber o leite e
depois chupar
manga?

Figura 2 – Ilustração sobre as idéias prévias de origem cultural

– Origem educativa (concepções escolares) – muitas das idéias que os alunos


trazem para a sala de aula têm sua origem nos próprios conteúdos e materiais
didáticos (erros conceituais), além dos diferentes níveis de formulação dos modelos
científicos. Essas idéias também resultam quando o aluno assimila o saber escolar
de forma analógica a outras fontes de “conhecimento científico” sobre o mundo,
confundindo o discurso científico com outras idéias.
Exemplo:
– Alguns livros reforçam a idéia da construção da Ciência por meio do
método científico, no qual seguem etapas consecutivas como levantar hipóteses
sobre um tema, realizar as experiências, testar as hipóteses e tirar conclusões.

Como foi que os cientistas


construíram seus modelos
sobre o Universo sem
experiências?

Figura 3 – Ilustração sobre as idéias prévias de origem educativa

229
Esses pontos devem ser levados em conta ao se analisar como são apren-
didos e como devem ser ensinados os conceitos científicos por meio da mudan-
ça conceitual. Assim, como afirma Pozo (2002), para mudar nos alunos suas
idéias e promover a reestruturação ou construção de um conhecimento científico
ou disciplinar num certo domínio (novas representações), é necessário envolver
o aluno num processo de explicitação das idéias, passando por diversas fases,
dentre elas o conflito cognitivo, até alcançar a mudança conceitual. Esta, por
sua vez, não acontece com facilidade e as novas idéias podem coexistir com as
idéias anteriores. Como esse processo não é espontâneo, cabe, portanto, ao pro-
fessor intervir explicitamente. Para tanto, facilitar para os alunos a mudança dos
conceitos espontâneos por científicos – a fim de construir novas representações
– supõe ser necessária uma série de estratégias ou condições.
Os modelos de mudança conceitual, de modo geral, têm como objetivo
confrontar as idéias prévias dos alunos com uma situação conflitante na qual esses
conhecimentos tornam-se frágeis, ou inconsistentes ou contraditórios para explicar
a referida situação. Em síntese, segundo esse modelo, para facilitar a mudança
conceitual, o aluno deveria ser colocado diante de uma diversidade de situações
nas quais ele poderia perceber uma incoerência, um contra-senso entre seu próprio
sistema explicativo e as coisas que aconteciam de fato (conflitos cognitivos).
Admitia-se que o conflito cognitivo – elemento esse fundamental para que ocor-
resse a mudança conceitual – criaria uma situação de desequilíbrio para o aluno
(Nigro; Campos, 1999). Entendia-se que o aluno, mediante a situação de conflito,
fosse esta empírica (uma situação da realidade) ou teórica (confrontação de teorias
ou explicações distintas em relação a um mesmo fato), era induzido a abandonar
suas idéias por outras mais explicativas.
Quer dizer, o aluno, após vivenciar tal situação de conflito, poderá des-
considerar ou até abandonar os conhecimentos prévios por uma teoria mais
explicativa, considerando que ele verificaria a insuficiência e a incoerência de seus
sistemas explicativos e com a ajuda do professor, criaria um modelo explicativo
que se adequasse aos fatos observados ou à nova situação. Entretanto, nem todos
os alunos reagem da mesma forma face ao conflito cognitivo, não abandonando
com facilidade essas idéias, por serem, geralmente, resistentes às mudanças.

1.3. Distintos modelos de mudança conceitual

Têm sido propostos diferentes modelos para a mudança conceitual, conforme


apresenta o Quadro 1 a seguir:

230
NUSSBAUM E DRIVER COSGROVE E POZO
NOVICK OSBORNE

Preliminar: Preliminar: exposição


preparação da dos objetivos da
unidade pelo unidade.
professor.

Exposição dos Identificação Foco: fixação da Consolidação das


marcos teóricos das idéias dos atenção do aluno teorias do aluno.
alternativos. alunos. sobre suas
próprias idéias.

Criação de Questionamento Desafio: pôr à Provocação


conflitos das idéias prova as idéias e tomada de
conceituais. mediante do aluno. consciência de
contra-exemplos. conflitos empíricos.

Invenção ou Apresentação de
introdução de teorias científicas
novos conceitos. alternativas.

Incentivo à Comparação entre as


acomodação teorias do aluno e as
cognitiva. teorias alternativas.

Utilização das Aplicação de Aplicação das novas


novas idéias em conceitos teorias a problemas
contextos à solução já explicados pela
proporcionados. de problemas. teoria do aluno
e a problemas
não-explicados.

Quadro 1 – Distintos modelos de mudança conceitual e seus autores (Pozo, 2002, p. 223)

231
Não obstante, apesar dos diferentes modelos, é reconhecida a existência
de condições invariantes, necessárias para facilitar a mudança conceitual consti-
tuída por idéias básicas que estão no núcleo central dessas discussões. Estas, segun-
do Torregrosa, Domenéch e Carbonell (2003) podem ser sintetizadas como: fase
de explicitação e esclarecimento das idéias prévias dos alunos; fase de conflito
mediante a proposição de atividades concretas de diversos tipos; introdução de
novas idéias capazes de esclarecer o conflito cognitivo e fase de aplicação das
novas idéias em diferentes contextos.

1.4. Condições para a mudança conceitual

A visão mais difundida do modelo de mudança conceitual é formulada por


Posner, et al. (1982), que descrevem 4 condições para que tal mudança possa
ocorrer, conforme apresenta o Esquema 1.

1. É preciso que se 2. A nova idéia deve ser


produza uma insatisfação minimamente inteligível, isto é, o
nos alunos com as idéias aluno que aprende deve entender o
existentes. modo como a nova idéia pode
estruturar experiências anteriores.

MUDANÇA CONCEITUAL

4. A nova idéia deve ser


potencialmente útil, devendo sugerir 3. A nova idéia deve ser
novas possibilidades de explorações inicialmente plausível,
e proporcionar novos pontos de vista mesmo que em
ao aluno. A nova idéia deve resolver contradição com as idéias
os problemas criados por sua iniciais dos alunos.
antecessora e explicar novos
conhecimentos e experiências.

Esquema 1 – Condições para que possa ocorrer a mudança conceitual

Outro ponto é o “como fazer” para que as idéias prévias dos alunos se-
jam o ponto de partida para o processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido,
Hewson e Breth (1995) apresentam recomendações gerais para facilitar a mu-
dança conceitual.

232
1. As idéias dos alunos sobre um determinado assunto em estudo devem
ser explicitadas para que estes sejam conscientes, tanto das suas idéias como das
idéias dos demais colegas. Os alunos podem explicitá-las e esclarecê-las, por
exemplo, por meio de um debate. Segundo esses autores, a diferença desse para
os modelos tradicionais de ensino é que as opiniões dos alunos devem ser consi-
deradas no mesmo nível que as do professor, de modo que todos possam se dar
conta de que as idéias possuem autoridade pelo seu poder explicativo ou argu-
mentativo e não pela fonte de onde elas procedem.
2. O status das idéias deve ser discutido e negociado, como conseqüência da
primeira condição, uma vez que as idéias foram explicitadas. Quer dizer, os alunos
devem decidir coletivamente sobre o status de suas próprias opiniões e das opiniões
dos demais com relação ao assunto em estudo. Nessa eleição, devem considerar as
diversas idéias, seus critérios epistemológicos 5 sobre o conhecimento científico e
qual delas constitui uma explicação aceitável para o fenômeno em estudo.
3. A justificativa das idéias deve ser um componente explícito nas atividades
de ensino. Conseguir que os alunos considerem as novas idéias como plausíveis e
úteis depende do fato de elas se mostrarem como verdadeiras e compatíveis com
outras idéias anteriores; não entrarem em contradição com as idéias metafísicas
dos alunos; aparecerem como gerais, consistentes e coincidentes com o conhecimento
científico que os alunos possuem acerca do fenômeno em estudo.
Como esclarece Campanario (2002), o debate na sala de aula deve considerar
a metacognição, pois ela desempenha um papel central na mudança conceitual.
Quando os alunos discutem, explicitam suas idéias, decidem sobre sua utilidade,
sua plausibilidade e sua consistência estão explicitando seus próprios critérios de
compreensão. A aceitação ou não das novas idéias depende dos padrões metacog-
nitivos dos alunos, relacionados com as perguntas a seguir:
– A nova idéia satisfaz as limitações da anterior?
– O aluno é capaz de detectar limitações na capacidade explicativa de suas
próprias idéias?
– Como comparar o poder explicativo das idéias prévias com as novas idéias?
Tais interrogações respondem à necessidade de levar em conta problemas
como as dificuldades dos alunos para detectar discrepâncias ou inconsistências em
um raciocínio científico.
No Quadro 2, a seguir, é apresentado um exemplo de atividade em Química,
segundo o modelo por mudança conceitual.

5
Entende-se por critérios epistemológicos a forma como os alunos explicam o processo de
construção do conhecimento científico.

233
Tema: Forças intermoleculares Nível: 1a série do Ensino Médio

Objetivo: Conhecer a influência das forças de interação entre as moléculas no volume de


uma mistura homogênea.

Atividade 1: Diagnóstico das idéias prévias

1a Etapa: Questionamentos 2a Etapa: Atividades experimentais


• Qual será o volume final da mistura
de 20ml de água com 20ml de
refrigerante?
• Qual será o volume final se mistu-
rarmos as seguintes substâncias?
Figura 1
Substâncias Quantidade • Os alunos realizarão na prática as mis-
turas da atividade anterior e anotarão os
Água e dimetil-éter Água: 20ml resultados no caderno.
e dimetil-éter: 20ml • Para determinar o volume final das mis-
Água e álcool Água: 20ml turas, deve-se levar em conta o proce-
etílico a 99,8% e álcool: 20ml dimento adequado para leitura do volume
na proveta, conforme a Figura 1.

3a etapa: Caracterização da origem das idéias prévias

• Como você chegou aos resultados antes de realizar a experiência?


• Os resultados da experiência realizada são coincidentes com sua previsão inicial?
• Faça o desenho de como você imagina que esteja a mistura das substâncias.

Atividade 2: Situação de conflito cognitivo Atividade 3: Atividade de Aplicação


• O volume final resultante da mistura de • Por que a mistura de água e álcool é
20ml de água com 20ml de dimetil-éter foi diferente das anteriores, se foram usados
40ml. Por que ao misturar em uma proveta os mesmos volumes das substâncias?
20ml de água e 20ml de álcool etílico o • Faça o desenho de como você imagina
volume é diferente de 40ml? que seja microscopicamente essa mistura.

Atividade 4: Atividade de aprofundamento Atividade 5: Avaliação


• Os alunos deverão estudar o conteúdo de forças
intermoleculares. • O que caracteriza as
• O volume total não será 40ml, como os alunos pensam diferenças dos resultados
inicialmente. das misturas?
• Os alunos concluirão que o volume da mistura de álcool
e água reduzirá em função da atração das moléculas ser
mais forte (ligação hidrogênio e forças dipolo-dipolo) do
que a mistura de dimetil-éter e água (somente forças dipolo-
dipolo).

Quadro 2 – Exemplo de atividades em Química, segundo o modelo por mudança conceitual

234
1.5. Limitações do modelo de mudança conceitual

A popularidade e a difusão do ensino por mudança conceitual teve como


conseqüência o aumento de trabalhos críticos da proposta. Estes, por sua vez,
podem ser organizados em dois grupos: um sobre o plano do ensino, avaliando os
resultados, as incoerências ou as dificuldades para alcançar os objetivos, e um
outro sobre as bases epistemológicas que fundamentam tal modelo (Marín Marti-
nez, 1999a).
Vários autores sinalizam para as limitações do modelo, como, por exemplo,
Pozo (2002), Marín Martínez (1999a) e Oliva Martínez (1999b). Eles afirmam ser
problemático denominar de mudança conceitual, já que durante o processo acontece
mais que mudança de conceitos. Sugerem que a verdadeira mudança conceitual,
ou melhor, a reestruturação deveria implicar não somente a substituição ou modi-
ficação radical dos conceitos ou idéias dos alunos sobre os fenômenos que estuda
a Ciência, mas a mudança na forma de concebê-los, quer dizer, uma mudança de
concepção mais do que conceitual. Essas mudanças de concepções são baseadas
em mudanças epistemológicas, ontológicas, procedimentais e atitudinais.
Marín Martinez (1999b) vai mais além ao afirmar que no modelo de mu-
dança conceitual a seqüência insatisfação – conflito cognitivo – exposição da nova
idéia – mudança de conceito não é tão evidente no plano da cognição do aluno.
Sustenta essa afirmação argumentando que as reações do aluno diante de um su-
posto conflito são diversas, desde ignorar, achar óbvio, etc. Em outras palavras,
um conflito proposto pelo professor nem sempre irá funcionar na mesma medida
para todos os alunos.
Outro ponto sustentado pelo autor é que muitas vezes a integração de novos
conhecimentos e habilidades na estrutura cognitiva do aluno não tem um caráter
linear como supõe o modelo por mudança conceitual. Nessa perspectiva, segundo
experimentos piagetianos, para que o aluno solucione um novo problema ou adqui-
ra novas informações, necessita realizar tentativas, constatações, retificações, entre
outros. E, por fim, o modelo não considera que o aluno, ao enfrentar um conflito,
utiliza várias formas de compensar a perturbação, o que supõe que o leva a modificar
os esquemas, por exemplo, aumentando em extensão a capacidade de assimilação
para compensar a perturbação. Em síntese, as possibilidades de reações do aluno
diante de um conflito não são consideradas no modelo de mudança conceitual.
Numa rápida análise, as formulações iniciais para esse modelo centravam-
se quase que exclusivamente nos conhecimentos, como um fim em si mesmo.
Nessa perspectiva, o enfoque fica destinado a “substituir” as idéias alternativas
dos alunos por outras mais comumente aceitas pela Ciência. Entretanto, o ensino
não deve se resumir em como “transmitir” as concepções científicas, mas em
como fazer para que os alunos vejam de forma mais útil e valiosa as idéias cientí-
ficas em relação às alternativas.
Já nas formulações posteriores (Campanario, 2002), outras variáveis são

235
destacadas, entre elas os compromissos epistemológicos, os fatores afetivos e
metacognitivos. Uma das justificativas para tal posição é que o conhecimento
científico, geralmente, expressa-se numa linguagem específica – metalinguagem –
diferente das representações que circulam no cotidiano, com as quais os alunos
operam na realidade.
Pozo e Crespo (1998) afirmam que existe um conhecimento escolar que só
circula dentro da escola e o conhecimento intuitivo possui uma lógica cognitiva,
uma epistemologia espontânea, que é efetiva para o desenvolvimento social das
pessoas e que, de um modo inconsciente, é amplamente compartilhada e aceita, o
que a faz arraigada e de difícil substituição. São sistemas que explicam sua reali-
dade (do aluno). Assim, algumas dessas idéias representam verdadeiros obstáculos
epistemológicos, os quais não são abandonados com facilidade pelos alunos durante
a aprendizagem escolar.
Tem-se discutido a partir da Didática das Ciências Naturais que um dos
problemas para se trabalhar os modelos de mudança conceitual é a dificuldade de
se diagnosticar e caracterizar a origem das idéias prévias dos alunos e as dificul-
dades de se trabalhar com estas. Uma interpretação inadequada da “mudança
conceitual” tem levado à idéia errônea de que “descobrir o que pensa o aluno é
uma tarefa fácil”.
Em consonância com esses pontos de vista, as experiências e as analogias
com a história das teorias científicas têm mostrado que certas idéias alternativas
são resistentes à mudança. Quer dizer, mesmo depois de ter seguido a seqüência de
etapas sugeridas para a mudança conceitual de um determinado assunto, após
algum tempo, observa-se que as idéias iniciais dos alunos retornam ou, em outras
palavras, pode-se afirmar que não são modificadas. Questões como essas cons-
tituem limitações ao modelo de mudança conceitual (Torregrosa, Domenéch,
Carbonell, 2003).
Com relação aos fatores afetivos, as pesquisas têm comprovado (Dreyfus;
Junwirth; Eliovitch, 1990) que as condições de conflito são mais bem recebidas
por alunos mais “brilhantes” e que os alunos com mais dificuldades podem
desenvolver atitudes negativas para essas atividades. Assim, é possível que o uso
constante de situações conflitantes venha a gerar um rechaço ou inibição por parte
dos alunos. Como esclarecem Torregrosa, Domenéch e Carbonell (2003), tal utili-
zação consiste num “jogo o qual os alunos sempre perdem”, pois lhes é solicitado
conhecer suas crenças sobre um determinado tema para então organizar uma
“verdadeira campanha contra elas”.
Outros autores argumentam que o modelo de mudança conceitual foi
facilmente aceito (Campanario, 2002), devido ao pressuposto de serem consideradas
as idéias prévias dos alunos. Outra crítica apontada é que, em todo o processo,
supõe-se que há uma atividade racional do aluno parecida com a do cientista. Além
disso, as pesquisas mostram que os alunos têm diferentes sistemas de representa-
ções, dentre elas suas idéias prévias.

236
2. Aprendizagem como pesquisa orientada

2.1. Por que aprendizagem como pesquisa orientada?

Algumas investigações didáticas (Hewson; Thorley, 1989) assinalaram que


o ensino com o objetivo de provocar uma mudança conceitual nem sempre era
alcançado, e falhava por não estimular os alunos a investigar. Segundo Gil (1983),
muitas investigações apontavam para uma maneira peculiar com a qual os alunos
costumam tratar os fatos naturais, sendo por ele chamada de “metodologia da
superficialidade”, que tem como características básicas a tendência a generalizar
acriticamente, baseado em observações; realizar observações geralmente não con-
troladas; elaborar respostas rápidas e seguras, baseadas em evidências do senso
comum; raciocinar numa seqüência causal e linear (Nigro; Campos, 1999).
Para Gil (1983), tal modo de pensar levará ao senso comum e à aprendi-
zagem de conceitos científicos tão-somente com uma mudança e superação da
“metodologia da superficialidade”. Baseada na História da Ciência, a Didática
das Ciências sinalizou para a idéia de as mudanças conceituais terem sempre
acontecido acompanhadas de mudanças metodológicas. Assim, a mudança con-
ceitual no ensino deve estar associada a mudanças procedimentais (formas de
construção do conhecimento).
Propõe-se, então, utilizar didaticamente as idéias prévias dos alunos, tendo
em conta outros aspectos, entre eles a aprendizagem como investigação ou como
pesquisa orientada (Gil, 1983; 1994). Acreditava-se que adotar uma proposta edu-
cativa mais ampla requeria outros tipos de atividades que pudessem desenvolver
nos alunos e mudar conjuntamente nos alunos conceitos, procedimentos e atitudes.
Uma metodologia que permita abordar, de maneira não forçada nem artificial, o es-
tudo de situações-problema e que tenha suficiente potencialidade integradora para
trabalhar os conteúdos de caráter científico e os procedentes do âmbito do cotidiano.
O modelo de aprendizagem por pesquisa orientada parte do seguinte
pressuposto: a mudança conceitual requer uma mudança metodológica e atitudinal
(Gil, 1993). As duas estratégias devem ser olhadas na sua relação dialética, isto é,
procura-se promover nos alunos uma mudança de conceitos, procedimentos e
atitudes (Gil; Carrascosa, 1985). A aprendizagem como pesquisa orientada baseia-
se no planejamento de situações-problema e no trabalho com ditos problemas ao
longo de distintas seqüências de atividades a serem resolvidas.
Nesse modelo, segundo Gil (1994, p.27), a mudança conceitual adquire um
caráter instrumental e deixa de ser um objetivo em si mesma. A investigação não é
proposta somente para conseguir a mudança de conceito, mas para resolver um
problema de interesse dos alunos ou em situações (situações-problema) que impli-
cam a construção de conceitos. Acredita-se que a mudança de conceito acontece ao
longo de todo o processo como um resultado a mais, daí a importância na mudança
metodológica que deve acompanhá-la.

237
Em tais situações, os alunos trabalhariam em um contexto que tenha a
ver com eles mesmos, com as pessoas e com os grupos sociais próximos, com
os produtos tecnológicos, com os seres vivos, com as relações CTS (Ciência-
Tecnologia-Sociedade) e, em geral, com seus interesses e necessidades.
Entretanto, o modelo contrapõe-se à idéia de reduzir a aprendizagem de um
método científico ou no conjunto de regras predeterminadas que são aplicadas
mecanicamente (Gil, 1983), mas também numa mudança atitudinal. Nesse sentido,
os defensores desse modelo ressaltam a necessidade de questionar a ciência que
se “deve ensinar” e a que “é possível ensinar”. Como afirma Gil (1994), é necessá-
rio diminuir a quantidade de conteúdos conceituais dos currículos e prestar mais
atenção aos aspectos metodológicos, ao estudo da natureza e aos processos de
construção do conhecimento e à relação Ciência-Tecnologia-Sociedade.

2.2. A metáfora do aluno como um “cientista iniciante”

No modelo de aprendizagem como pesquisa orientada, supõe-se que, para


facilitar a aprendizagem, é importante que o aluno se depare com situações-problema
para que possa enfrentá-las de forma não-superficial, com análises críticas, que
formule hipóteses explicativas, que possa validá-las, que crie novas formas de
testá-las, etc., de forma tal que se aproxime de formas específicas das ciências na
produção de conhecimento, considerando as diferenças dos contextos (da ciência
e da sala de aula). Em síntese, o aluno é visto como um cientista iniciante ou no-
vato que resolve situações-problema sob a orientação de um pesquisador expe-
riente (o professor) em colaboração com seus colegas do grupo.
Segundo Gil (1994, p.20), um dos maiores problemas no ensino de Ciências
é “o abismo que existe entre as situações de ensino-aprendizagem e o modo como
se constrói o conhecimento científico”.
A idéia do “cientista iniciante” é que em um tempo relativamente curto
pode-se alcançar um grau de competência relativamente elevado em um domínio
concreto (Campanario, 2002). Isso, por conseguinte, só é possível quando o
“cientista iniciante” se integra em um grupo de trabalho e começa a desenvolver
investigações em uma área determinada, abordando problemas nos quais seus
supervisores são especialistas (os professores e colegas mais experientes).
Tal proposta do aluno como “cientista iniciante” que realiza investigações
sob orientação de um “especialista” – o professor – é sugerida para alunos a partir
dos 10 anos (Nigro; Campos, 1999), existindo também muitos exemplos de
aplicação até em níveis universitários (Meneses, 1992).
A mudança metodológica sugerida pelo dito modelo apresenta alguns as-
pectos como superar evidências do senso comum; introduzir formas de pensamento
mais rigorosas; promover a imaginação de novas possibilidades, a título de hipótese;
estimular a comparação de diferentes hipóteses em situações controladas e desen-
volver atitudes favoráveis para com a Ciência.

238
2.3. Orientações na organização de atividades de investigação

Apesar da concepção da aprendizagem como um processo de investigação


não ser nova, nos últimos anos, muitas propostas coerentes com essa idéia têm
adquirido um desenvolvimento notável, especialmente segundo as posições cha-
madas construtivistas. Autores como Locke, Rousseau, Dewey e outros desenvol-
veram propostas nesse sentido (Campanario, 2002). Um dos traços mais marcantes
nas propostas atuais é o desejo integrador das diversas aprendizagens (Gil, 1993),
fundamentadas nas teorias e pontos de vista atuais, como a Filosofia, História e
Epistemologia da Ciência.
Entretanto, a aprendizagem por meio da pesquisa orientada ou investigação
supõe algumas orientações para o ensino, como mostra o Esquema 2.

Esquema 2 – Modelo de aprendizagem como pesquisa orientada

Gil et al. (1991) fazem uma discussão mais detalhada da seqüência de traba-
lho que proporciona as condições para a aprendizagem como pesquisa orientada
à resolução de situações problemáticas, tecendo algumas considerações:
– É necessário partir de situações-problemas que são de interesse dos alu-
nos e lhes proporcionar uma concepção inicial para a tarefa, na qual eles poderão
formular suas hipóteses iniciais explicativas.
– Os alunos trabalham em grupos,6 estudam qualitativamente as situações-

6
Os alunos, ao trabalharem em grupo, com um caráter de cooperação, realizam tarefas em comum
que dependem do trabalho pessoal e do restante do grupo. Outro aspecto positivo é que as atividades
em grupo proporcionam condições para desenvolver atitudes e comportamentos sociáveis entre
os alunos.

239
problemas e, com ajuda da bibliografia, procuram delimitar o problema e explicitar
suas idéias. Nesse sentido, chama-se a atenção para a necessidade do trabalho em
grupo. Há uma certa heterogeneidade dentro dele, e assim possibilita condições para
o conflito cognitivo e as controvérsias conceituais que, segundo Coll et al. (2000),
constitui o primeiro passo para a construção do conhecimento. A organização dos
alunos para desenvolver tarefas seria, pois, uma ajuda inestimável na aprendizagem.
– Os problemas são trabalhados segundo uma orientação “científica”, emitindo
hipóteses, explicitação das idéias prévias, elaboração de estratégias possíveis para a
solução da situação-problema, análise e comparação dos resultados obtidos por outros
grupos de alunos. Essa é uma oportunidade para promover o conflito cognitivo entre
as diferentes idéias dos alunos, o que os leva a uma nova forma de definir o problema,
a novas hipóteses, novos procedimentos, etc. A idéia de um “método científico” como
conjunto de regras fixas e seqüenciais cede à idéia de “etapas na pesquisa científica”
relacionadas entre si como uma rede complexa, na qual uma etapa pode levar a
várias outras opções, como se apresenta no Esquema 3 a seguir.

Situação-problema

Definição do problema

Planejamento de novas Elaboração de modelos


hipóteses e hipóteses

Elaboração de metodologias de Realizar


Elaboração de novos comprovação experimental. observações.
procedimentos Realização de experimentos. Coletar dados.

Interpretação dos resultados. Ordenar dados,


Aceitação ou rechaço de tabelas, cálculos.
hipóteses. Análise de erro.

Novo conhecimento

Esquema 3 – Representação das etapas e suas relações para abordagem


de problemas “cientificamente”

240
– Os novos conhecimentos, adquiridos após as etapas do modelo de apren-
dizagem por meio de pesquisa orientada, podem ser confrontados com novas situa-
ções com o intuito de aprofundá-los e consolidá-los. Esse pode ser um momento ade-
quado para explicitar as relações entre a ciência, a tecnologia e a sociedade (CTS).
Nessa perspectiva teórica, a aprendizagem não se explica pela simples recep-
ção de conhecimentos ou por sua descoberta pelos alunos. Trabalhar segundo esse
enfoque supõe considerar que ela é uma entre outras estratégias de aprendizagens,
dentro de um sistema de estratégias de ensino coerentes, como a solução de problemas
de lápis e papel, atividades de síntese, mapas conceituais, etc.
A seguir, no Quadro 3, será apresentado um exemplo de atividade em
Química, por meio de aprendizagem como pesquisa orientada.

Tema: Efeito do íon comum Nível: 2 a série do Ensino Médio

Objetivo: Estudar o efeito do con-comum na solubilidade de substâncias.

Etapa 1: Apresentação da situação-problema

São preparadas duas soluções saturadas de hidróxido de cálcio Ca(OH)2. A primeira


solução (A) foi preparada dissolvendo Ca(OH) 2 em água pura. A segunda solução (B)
preparou-se dissolvendo o hidróxido de cálcio numa solução de hidróxido de sódio
cuja concentração é igual a 0,025 mol/L. As soluções A e B foram filtradas e a cada
filtrado adicionou-se, gota a gota, solução de ácido oxálico, da mesma concentração,
até aparecer em cada caso precipitado de oxalato de cálcio CaC2O4 (S); observou-se que
a precipitação do oxalato de cálcio se produz no filtrado A com menor quantidade de
ácido adicionado. Por que não precipita o CaC2O4 com a mesma quantidade de ácido
oxálico, se os dois filtrados contêm íons Ca 2+ proveniente de hidróxido de cálcio
dissolvido?

Etapa 2: Atividades de trabalho com Etapa 3: Sistematização do conteúdo


a situação-problema

• Organizar o trabalho segundo o proposto


no Esquema 2.
• Os alunos podem trabalhar em pequenos • A resposta do problema, como novo
grupos e, posteriormente, socializar os conhecimento (efeito do íon-comum
trabalhos. Cada etapa deverá ser discutida nos eletrólitos fortes e pouco solúveis)
negociando as propostas, tomando decisões, deve ser sistematizada na solução de
organizando os experimentos, analisando novas tarefas.
os resultados, respondendo o problema,
formulando novas hipóteses e novos pro-
blemas, etc. O professor trabalha como
orientador/tutor.

Quadro 3 – Exemplo de atividade em Química segundo o modelo de aprendizagem


como pesquisa orientada

241
2.4. Limitações do modelo de aprendizagem
como pesquisa orientada

Como em todos os modelos de ensino, esse também não está isento de li-
mitações ou problemas (Campanario; Moya, 1999), existem algumas dificuldades
que é preciso levar em consideração.
Uma das limitações vem relacionada com a capacidade investigativa dos
alunos, o que remete à metáfora do aluno como um “cientista iniciante”. Essa
posição tem sido questionada por diversos autores, que chamam a atenção para o
fato de durante a realização das atividades os alunos seguirem roteiros preestabe-
lecidos ausentando a possibilidade de utilizarem suas próprias linhas de raciocí-
nio. Segundo esses argumentos, Campanario (2002) alerta que não se pretende
que os alunos façam ciência como os cientistas.
Outros autores preferem utilizar o termo indagação, para referir-se a esse
tipo de atividade investigativa com menor nível de complexidade (Díaz; Jimenez,
1999). Mas, o resultado de tais indagações, o professor já conhece antecipadamente,
o que o obriga, em geral, a propor situações muito simplificadas, exigindo-lhe que
antecipe muitas das dificuldades conceituais e procedimentais que, sem dúvida,
surgirão durante o desenvolvimento das atividades.
Nessa perspectiva, Marín Martinez (1999a) assinala que, por mais que se
perceba a mudança metodológica como uma proposta que complementa e que,
inclusive, supera o modelo de mudança conceitual, não pode ser eficaz se o pro-
fessor não possui certas informações sobre as capacidades e limitações cognitivas
dos alunos e sobre os procedimentos científicos que se deseja no ensino.
Outro aspecto é que o desenvolvimento de atividades de investigação dirigida
ou como pesquisa orientada, requer bastante tempo, o que leva a buscar um equilíbrio
entre as necessidades de aprofundamento ao tema com uma visão coerente. Esse fato
tem como conseqüência o sacrifício de parte dos conteúdos (Campanario, 2002).
Outra limitação relaciona-se com as atitudes dos alunos, pois é possível que
eles não estejam dispostos a mudar suas posturas, isto é, muitas vezes podem
achar mais cômodo simplesmente receberem as explicações do que ter que propô-
las. Outro ponto também a ser considerado é o fato de que as situações-problemas
propostas podem não ser interessantes para serem investigadas, quer dizer, não
basta ser interessante, é necessário que haja uma motivação para investigar.

2.5. Considerações finais

Diante do que foi exposto é relevante explicitar alguns pontos dos modelos
apresentados. Com relação ao modelo de mudança conceitual cabe ressaltar que
esse é oportuno para alguns conceitos e não para outros, quer dizer, somente para
aqueles em que é possível trabalhar as “contradições”. Essa mudança não está
orientada a eliminar o pensamento do senso comum e a linguagem expressa no

242
cotidiano, quando esses são úteis nos contextos de interpretação do mundo, já que
os conhecimentos científicos nem sempre explicam todos os fenômenos da reali-
dade. Os professores devem compreender as possibilidades e limitações dos dife-
rentes tipos de saberes na educação dos alunos. É necessário, portanto, um reper-
tório de técnicas, metodologias e recursos para organizar as atividades de apren-
dizagem no modelo de mudança conceitual (Pozo; Crespo, 1998).
A aprendizagem como pesquisa orientada dá um novo sentido à idéia de
mudança conceitual, pois não se trata de um questionamento externo de idéias
pessoais, por meio de situações conflitantes, nem a reiterada aceitação das insu-
ficiências do próprio pensamento, mas de um trabalho individual e coletivo de
explicitação, aprofundamento, contraste e mudança das próprias idéias, promovendo
a construção ou reestruturação do conhecimento (Campanario, 2002).
Esse modelo resgata alguns traços do modelo por descoberta, mas com outra
concepção que considera a investigação científica como um processo de constru-
ção social apoiada em recursos teóricos e metodológicos diversos, e não como a
aplicação de um único método. Fundamenta-se na pesquisa como procedimento
para resolver situações-problema, utilizando diversos métodos, procurando tam-
bém estimular a mudança de atitudes, na qual a mudança de conceito é mais um
dos resultados possíveis de ser alcançado (Gil, 1994). Parte do pressuposto da se-
paração que faz o ensino entre a aprendizagem e os modos de construção do conhe-
cimento científico. Baseia-se na metáfora do aluno como um “cientista iniciante”,
que se integra a um grupo (os alunos) para resolver situações-problemas de seu
interesse, com a ajuda de outros mais experientes (professor como orientador).
Entre os pesquisadores em Didática das Ciências, existe a sensação de que,
para que as estratégias de aprendizagem por mudança conceitual e/ou como pes-
quisa orientada tenham algum efeito importante, é necessário que estas não sejam
“aplicadas” como um conjunto de técnicas isoladas, senão como um enfoque
coerente. Para tanto, seriam necessárias, antes de tudo, uma orientação comum em
várias disciplinas e uma certa persistência temporal em cada uma delas. Ambos os
modelos proporcionam a integração de diversas aprendizagens. Por outro lado,
ainda que as estratégias dêem resultado em casos concretos, reconhece-se que não
é possível trabalhar esses modelos em grande escala sem o apoio de materiais
curriculares adequados e uma preparação do professor.

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244
APRENDIZAGEM POR MODELOS: UTILIZANDO
MODELOS E ANALOGIAS

Analice de Almeida Lima


e Isauro Beltrán Nuñez

Introdução

No cenário da filosofia, sociologia e educação uma das inquietações mais


pertinentes é aquela relacionada com a construção e natureza do conhecimento
científico. No âmbito da filosofia, tem-se uma ampla discussão nesse sentido,
apontando historicamente diversas formas de conceber o conhecimento científico.
De maneira similar, diversos sociólogos têm refletido acerca da construção desse
conhecimento e das influências sociais nessa construção.
Em relação à educação, em particular no ensino de Ciências, essa é uma
questão muito significativa, pois para muitos alunos e professores de diferentes
níveis de ensino esse conhecimento representa uma “verdade inquestionável”
acerca dos fenômenos do mundo natural.
Em outra direção, muitas discussões no meio educacional têm apontado
para uma concepção diferenciada do conhecimento científico. Este estaria rela-
cionado com uma tentativa de compreensão, explicação de fenômenos do mundo
natural, sendo, portanto, um conhecimento provisório e falível.
Assim, essas explicações distanciar-se-iam de verdades absolutas, mas se-
riam uma representação do mundo real. Tais representações são discutidas no
meio científico e educacional como modelos científicos.
Buscaremos nas discussões deste capítulo compreender o significado do termo
modelo na atividade científica e no ensino de Ciências, trazendo algumas considera-
ções iniciais do papel dos modelos na construção do conhecimento científico, mas
nos debruçando de maneira mais significativa na contribuição dos modelos no ensino-
aprendizagem de Ciências, ressaltando a importância de modelos e analogias na
compreensão e construção de conceitos relacionados ao ensino de Ciências.
Para nós professores, essa reflexão é essencial, pois nos questiona sobre a
própria natureza do conhecimento que trabalhamos junto aos nossos alunos, fun-
damentando nossa prática docente. Além disso, coloca-se o fato de entendermos
que a construção de modelos não é uma especificidade do conhecimento relativo
ao ensino de Ciências, mas que está relacionada à própria maneira de interagir
com situações cotidianas, buscando solução para estas.
Esperamos, com as idéias iniciais que serão apresentadas acerca da apren-
dizagem por modelos, contribuir com as reflexões relacionadas à melhoria do ensino

245
de Ciências, por meio da compreensão e fundamentação de uma categoria tão
significativa para o trabalho docente e para a aprendizagem dos conceitos, pro-
cedimentos e atitudes relacionados a esta disciplina e que podem subsidiar a
resolução de problemas no cenário escolar e cotidiano.

1. Modelos: considerações iniciais

Um olhar no desenvolvimento da ciência revela-nos a utilização constante


de representações com a finalidade de compreender e explicar fenômenos que
envolvem conceitos abstratos. Essas representações surgem com um caráter
provisório e são chamadas de modelos. A partir destes, leis e teorias podem ser
propostas, tendo como base o modelo inicialmente elaborado.
Os modelos representam a forma como o conhecimento científico é expresso
e, assim, são importantes subsídios para o desenvolvimento desse tipo de co-
nhecimento. Por meio dos modelos elaborados, os cientistas formulam questões
acerca do mundo, descrevem, interpretam fenômenos; elaboram e testam hipó-
teses; e fazem previsões. No caso da química, por exemplo, muitos conceitos
relacionados a reações químicas, equilíbrio químico, etc. são alicerçados em mo-
delos iniciais como o proposto para o átomo.
A literatura educacional aponta-nos contribuições de diferentes autores no
sentido de subsidiar a compreensão do conceito de modelos. Sem buscar uma
discussão exaustiva, apresentaremos, a seguir, as considerações de alguns autores
acerca do que representam os modelos.

Castro (1992) Os modelos representam uma imagem particularizada de


um aspecto da realidade e por definição seriam incompletos,
em relação ao sistema que pretende representar (referente
ou sistema objeto) que normalmente é um sistema complexo.

Pozo e Crespo (1998) Os modelos são um processo representacional que faz uso
de imagens, analogias e metáforas, para auxiliar o sujeito
(aluno ou cientista) a visualizar e compreender o referente,
que pode se apresentar como de difícil compreensão, com-
plexo e abstrato, e/ou em alguma escala perceptivelmente
inacessível.

Galagovsky Os modelos são considerados ferramentas de representação


e Adúriz-Bravo (2001) teórica do mundo, auxiliando a sua explicação, predição e
transformação.

Quadro 01 – Contribuições de alguns autores para a compreensão do conceito de modelos

246
A partir das questões citadas anteriormente, podemos considerar os modelos
como uma representação da realidade, que permite, no campo científico, descobrir
e estudar novas relações e características do objeto de estudo, sendo representações
provisórias e limitadas, em virtude da complexidade dos fenômenos que buscam
representar.
Ainda nessa direção, destacamos, como importante ao ensino de Ciências, a
tipologia discutida por Justi e Gilbert (2000) em relação aos modelos. Para esses
autores, um modelo pode ser entendido como a representação de um objeto, um
processo, um evento, um sistema ou uma idéia, e se origina de uma atividade
mental. A forma como essa atividade mental consegue ser expressa, seja pela fala,
ações, ou qualquer outra maneira simbólica, é chamada de modelo expresso. Quan-
do esse modelo passa a ser consenso dentro de um determinado grupo social, ele
passa a ser chamado de modelo consensual, o qual ao ser aceito por uma comunidade
científica é conhecido por modelo científico. O modelo histórico seria um modelo
científico produzido em um contexto específico, mas que foi suplantado e colocado
à margem da ciência. E, finalmente, o modelo de ensino ou didático, que teria por
finalidade auxiliar os alunos a compreenderem os modelos consensuais ou histó-
ricos e que, na maioria das vezes, é expresso na forma de objetos, gráficos, esque-
mas, etc.
No caso do átomo, ao longo da história, diferentes cientistas, como Dalton,
Thomson, Rutherford, Bohr, entre outros, elaboraram, inicialmente, os modelos
mentais acerca da estrutura atômica que posteriormente foram expressos à comu-
nidade científica e aceitos por ela durante um determinado tempo, constituindo,
assim, um modelo consensual.
Para a compreensão desses modelos consensuais, no ensino de Ciências,
utilizamos modelos didáticos elaborados por professores e alunos, quer por meio
de modelos tridimensionais quer por meio de analogias, como é o caso do modelo
de Thomson (Figura 01), comparado ao “pudim de passas”, ou o modelo de Bohr,
comparado ao “sistema solar”.

Figura 01 – Modelo de Thomson para o átomo


Fonte: Monteiro e Justi, 2000

247
2. Pressupostos da aprendizagem por modelos

Um dos enfoques didáticos discutidos por Pozo e Crespo (1998) para o


ensino de Ciências é o que propõe o ensino por explicação e contrastação de mode-
los, o qual defende que a educação científica deveria discutir modelos alternativos
na interpretação e compreensão da natureza; expor e contrastar esses modelos,
bem como subsidiar os alunos na construção de seus próprios modelos, interrogá-
los e redescrevê-los a partir dos elaborados por outros, sejam seus colegas, pro-
fessores ou os próprios cientistas (Glynn; Duit 1995; Ogborn et al., 1996 apud
Pozo; Crespo, 1998).
De acordo com essa perspectiva, na educação científica escolar, os alu-
nos não podem seguir os passos dos cientistas, pois os problemas vivenciados
pelos últimos surgiram em um contexto diferente do contexto escolar, além do
que os alunos irão dispor de elementos de reflexão e teorias já elaborados pelos
cientistas.
Pozo e Crespo (1998) esclarecem que a pertinência dessa abordagem é
relacionada com o reconhecimento do papel central dos modelos na investiga-
ção científica e nas práticas dos cientistas; além da adoção de uma perspectiva
construtivista da aprendizagem, segundo a qual a dinâmica de interações em sala
de aula envolve um entrelaçamento de modelos e, finalmente, as evidências já
acumuladas relativas ao papel dos modelos na educação em Ciências.
Essas considerações são ratificadas por Gilbert e Boulter (1995 apud
Milagres; Justi, 2001), ao afirmarem que a educação em ciências, quando foca-
liza o tema de modelos, deveria incluir tanto a aprendizagem dos modelos
propriamente ditos quanto uma reflexão sobre o papel dos modelos, e ainda a
aprendizagem dos processos de modelagem. O uso de modelos visa a promover
“caminhos intelectuais” específicos de compreensão dos fenômenos pelos estu-
dantes, de tal modo que os modelos elaborados por eles, referentes, por exemplo,
ao processo de respiração pulmonar, ou a uma reação química, aproximem-se
dos cientificamente aceitos.
O currículo, nessa perspectiva, não prioriza apenas os conteúdos concei-
tuais específicos e os modelos relacionados com tais conteúdos, mas busca o
aprofundamento e enriquecimento dos modelos elaborados pelos alunos, que de-
vem ir integrando novas informações, dando suporte para que possam aprender
as semelhanças e diferenças entre os vários modelos.
No contexto atual, em que é urgente um ensino voltado à construção de
competências, trabalhar em uma perspectiva de auxiliar os alunos a construírem
modelos acerca da compreensão do conhecimento científico constitui um subsí-
dio para que estes possam agir de modo eficaz frente a diferentes situações que
necessitem desse conhecimento.

248
3. A utilização dos modelos no ensino-aprendizagem de Ciências

3.1. Modelos consensuais: reflexões iniciais,


subsidiando o ensino de Ciências

Como já citado anteriormente, a compreensão, contrastação e construção


de modelos são as questões-chave deste enfoque didático; assim sendo, é conve-
niente uma reflexão acerca de algumas questões relacionadas, a princípio, com os
modelos consensuais (produzidos pela Ciência) que devem nortear a utilização de
modelos em aulas de Ciências no ensino médio.
Inicialmente, é importante salientar que os modelos consensuais contêm a
articulação de um grande número de hipóteses com elevado nível de abstração, em
relação a um certo campo problemático da realidade. O grau de formalização de
um modelo desse tipo traz algumas limitações para o ensino de Ciências na educação
básica, já que está fora das capacidades operatórias e da disponibilidade de conhe-
cimentos prévios dos alunos. (Galagovsky; Adúriz-Bravo, 2001).
Por essa razão, no ensino de Ciências Naturais, deve ocorrer uma recons-
trução dos modelos científicos por meio da imagem didática adequada à aula, ou
seja, devem-se utilizar estratégias para que os modelos consensuais possam ser
compreendidos pelos alunos no ensino de Ciências.
Infelizmente, o que ocorre, na maioria das vezes, é a simplificação dos
modelos científicos que têm significado para o professor, mas que não encontram
referente na estrutura cognitiva dos alunos. Em tais circunstâncias, os alunos, nor-
malmente, incorporam memoristicamente um modelo que não é completamente
científico, além de pouco significativo. Assim, o modelo como ferramenta que
estaria auxiliando a aprendizagem apresenta limitações.
Galagovsky e Adúriz-Bravo (2001), Rodríguez e León (1983) ressaltam a
importância de que algumas questões permeiem as atividades com modelos, no
ensino de Ciências, questões estas que refletem a própria natureza desses modelos,
de modo a subsidiar os alunos na construção destes:
– os modelos devem cumprir determinado nível de analogia estrutural e
funcional com a realidade, de maneira que permitam extrapolar as características
consideradas no modelo com aquelas relacionadas com o objeto ou fenômeno
estudado;
– os modelos são construções provisórias, portanto, nenhum modelo cientí-
fico possui a verdade absoluta e definitiva sobre nada;
– os modelos científicos alternativos podem não ser compatíveis entre si,
principalmente quando partem de referenciais teóricos diferentes. Em aula, isso
deve ser levado em consideração, respeitando-se os modelos apresentados pelos
alunos, como teorizações pessoais em “pé de igualdade” e, posteriormente, nas
discussões em grupo, deve ser eleito aquele que tenha uma maior capacidade de
explicação;

249
– a substituição de um modelo por outro, vale destacar, não quer dizer que
o primeiro foi abandonado. Podem-se utilizar os modelos propostos inicialmente
quando isso facilitar a manipulação formal e quando constituir aproximações
sensíveis e legítimas a um problema científico.
Castro (1992) destaca que, devido à existência de modelos alternativos para
se explicar um dado fenômeno, é necessário que se estabeleçam alguns critérios
para que possamos avaliar aquele mais adequado para representar o referente,
entre os modelos que possam existir. Nessa direção, aponta algumas questões
que devem nortear a identificação do mais apropriado para explicar um dado
referente (Esquema 01).
Deve ser de fácil
visualização e
compreensão
conceitual.

Deve permitir a introdução


de modificações, Deve ser matematizável, no
complementos e/ou sentido de poder quantificar
generalizações, sem que suas predições, interpretações
haja alteração na sua e correlações.
estrutura interna.
Modelo mais
adequado
Não deve contradizer os
princípios básicos e as leis Deve apresentar um grande
particulares da ciência. poder explicativo, ou seja,
explicar muitos fenômenos.
Deve buscar a
simplicidade, no
sentido de evitar
aspectos que
não sejam
essenciais na
elaboração do
modelo.

Esquema 01 – Critérios para a avaliação de um modelo

Esses critérios são importantes para que os alunos compreendam como


historicamente um modelo é escolhido frente a diversos modelos alternativos para
um determinado referente. Por outro lado, auxilia-os a compreender as vantagens
e limitações de cada modelo, subsidiando relacioná-los e integrá-los de modo
metacognitivo (Pozo; Crespo, 1998).
Outra consideração relevante feita por Gilbert e Boulter (1995 apud Mon-
teiro; Justi, 2000) está relacionada à importância de estabelecermos critérios para
o modelo didático. Segundo esses autores, um bom modelo didático deve apresentar
os principais aspectos do modelo consensual ao qual se refere, deve ser desenvolvido
a partir da consideração do conhecimento prévio dos alunos e das habilidades que
eles possuem de lidar com as entidades concretas e abstratas.

250
3.2. Estratégias metodológicas subsidiando
a aprendizagem por modelos

O trabalho, a partir desse enfoque didático, teria uma gama de estratégias


que poderiam ser adotadas pelo professor, mas que, de uma maneira geral, seguiria
uma seqüência lógica de atividades, conforme descrito por Pozo e Crespo (1998):
a) partir dos modelos que os alunos dispõem sobre a situação apresentada;
b) trazer problemas que despertem neles a necessidade de encontrar res-
postas;
c) os problemas devem ser modelados, explicitados, enriquecidos mediante
a multiplicação de modelos alternativos.
No Esquema 02, procuramos exemplificar essas estratégias com o conteúdo
forças intermoleculares que, na maioria das vezes, não é bem compreendido por
alunos no ensino médio de química, uma vez que estes tendem a associar fenômenos,
como, por exemplo, as mudanças de estados físicos da matéria a alterações na
estrutura atômica e não a alterações em relação às forças intermoleculares.
Nessa direção, relacionam a fusão a um aumento no tamanho do átomo e
não ao enfraquecimento das pontes de hidrogênio existentes entre as moléculas da
água. Uma outra questão interessante é o caso da mistura de água com álcool, em
que, em vez de haver aumento do volume, há uma diminuição devido à formação
de pontes de hidrogênio.

Partir dos modelos que


Reestruturação os alunos dispõem so-
dos modelos bre os tipos de ligações
entre as moléculas.

Os alunos vão propor Questionar os alunos


modelos explicativos para sobre o que aconteceria
o que foi observado, que com o volume da mis-
devem ser explicitados, tura de água e álcool.
enriquecidos mediante a Após o registro, realizar
multiplicação de modelos um experimento e pro-
alternativos. O professor por explicações para o
pode utilizar modelos do fato de o volume ter
tipo pau/bola para ajudar diminuído.
na compreensão.

Esquema 02 – Seqüências de atividades na aprendizagem por modelos

251
Nesse sentido, Izquierdo, Sanmarti e Espinet (1999) reconhecem a neces-
sidade de que além da teoria e experimentação na compreensão dos conceitos cien-
tíficos sejam construídos modelos. No Esquema 02, por exemplo, utilizam-se
estratégias que envolvem tanto a teoria e experimentação quanto a construção de
modelos explicativos por parte dos alunos e modelos didáticos (pau-bola) apre-
sentados pelo professor.
De maneira diferente ao ensino baseado em aulas expositivas, marcadas
pela falta de participação dos alunos frente à aquisição dos conhecimentos, a
aprendizagem por modelos pode ser uma importante ferramenta para auxiliar a
mobilização de saberes em diferentes situações, uma vez que aplica estratégias
que contemplam uma perspectiva construtivista, por meio de um enfoque misto
que abarca a resolução de problemas, as demonstrações experimentais, os trabalhos
em pequenos grupos e, especialmente, as discussões em grandes grupos.(Pozo;
Crespo, 1998).

3.3. Aprendizagem por modelos: o caso das reações químicas

Baseando-se nas considerações de Pozo e Crespo (1998) e Mortimer e


Miranda (1995), apresentamos, a seguir, sem ter a pretensão de estabelecer regras
de como se deve trabalhar a partir desse enfoque, um plano de aula (Quadro 02)
que contempla estratégias que contribuem para um ensino por explicação e con-
trastação de modelos.

As reações químicas

Os alunos do ensino médio, na maioria das vezes, não compreendem as


reações químicas em termos de mudanças em nível atômico-molecular e por isso
têm dificuldades em utilizar os raciocínios inerentes à Lei de Conservação da Massa
para as reações químicas. No caso das reações em que são formados gases, o
problema ainda é maior. Por exemplo: na reação de combustão de um pedaço de lã
de aço, os alunos não percebem que o gás oxigênio é um dos reagentes da reação e
apontam que a massa do sistema após a queima é menor.

Disciplina: Química
Tema: Reações químicas
Nível: 1º ano do ensino médio
Objetivo: Compreender que em uma reação química há um rearranjo dos átomos
nas moléculas dos reagentes, de modo a formar os produtos e que, portanto, há
conservação da massa do sistema.

252
Atividades

a) Ativação e avaliação dos conhecimentos prévios


Nessa etapa, serão selecionadas atividades que sejam relevantes e
motivantes para os alunos, de modo que explicitem as idéias acerca das reações
químicas.
Os alunos, em pequenos grupos (3-4 pessoas) realizarão alguns
experimentos simples em sistemas abertos, como, por exemplo, a queima de
uma lã de aço, a queima de uma vela, a formação da ferrugem, a reação do
ácido clorídrico com o um pedaço de ferro.
Como forma de explicitar as idéias dos alunos serão levantadas questões
como:
· O que você acha que aconteceu com as espécies nesse sistema?
· Por que você acha que isso aconteceu?
· A massa do sistema antes da reação é maior, igual ou menor que a
massa do sistema depois da reação?
O professor subsidiará, nesse momento, a construção dos modelos por
parte dos alunos. Inicialmente, pode-se sugerir que os alunos analisem as
características do sistema objeto (sistema que irá ser representado), de modo a
obter uma melhor definição desse para que, posteriormente, possam propor
diferentes modelos.
É importante que os alunos compreendam que o fenômeno exposto é
complexo e que devem ser definidas algumas características do sistema objeto
para ser representado pelo modelo.
Pode ser sugerida a utilização de materiais alternativos, como jujubas,
bolas de isopor, massa de modelar para que os alunos construam seus modelos
explicativos, representando as moléculas, átomos e analisando o comportamento
dessas entidades no decorrer das reações químicas.
b) Contrastação de modelos e pontos de vista
O debate será realizado, inicialmente, em pequenos grupos em que serão
explicitados os modelos acerca das reações e, em um momento posterior, haverá
um debate no grande grupo para a apresentação dos diversos modelos
alternativos.
O professor, durante o debate, registrará, no quadro-negro, os diversos
modelos alternativos, avaliando junto aos alunos suas vantagens e limitações.
Em seguida, inicia discussões, em relação ao conceito de transformação,
relacionando-o com as experiências realizadas.
c) Introdução de novos modelos
Com a discussão acerca do que representa uma transformação química,
fomentada pelo professor, em que serão apontados vários argumentos e contra-

253
argumentos às questões discutidas pelos alunos, os modelos iniciais,
provavelmente, serão reestruturados.
No caso da reação de queima da lã de aço, poderá ainda não haver
compreensão, pois os alunos além de esperar que a massa dos produtos diminua,
por se tratar de uma reação de queima, não levam em consideração que o
oxigênio é um dos reagentes.
O professor pode, então, realizar um experimento de queima da lã de
aço, utilizando uma balança improvisada, construída com um arame preso a
um suporte por um fio de nylon, utilizando pratinhos de plástico como os
pratos da balança (Figura 02), de modo a testar as hipóteses dos alunos em
relação à conservação da massa nessa reação, reestruturando, dessa forma, os
modelos alternativos.

Figura 02 – Balança improvisada


Fonte: Mortimer e Miranda (1995, p.25)

Os modelos dos alunos, em relação às reações químicas, agora enquanto


transformações, serão enriquecidos no tocante à lei de conservação da massa
em nível atômico-molecular: “os átomos presentes no sistema inicial são os
mesmos presentes no sistema final”.
d) Integração de modelos
Os alunos observarão que para todas as reações haverá um modelo geral
explicativo, em relação às transformações das espécies reagentes para produtos
em nível atômico-molecular, mas devido às peculiaridades dos tipos de reações,
existirão “submodelos” que explicarão os dados observados macroscopica-
mente, e que estão em consonância com as idéias do modelo geral.

Quadro 02 – Plano de aula para o tema Reações Químicas

254
4. As analogias no ensino-aprendizagem de Ciências

4.1. Contribuições das analogias no ensino de Ciências

Algumas pesquisas têm ressaltado que há uma certa “confusão” entre as


categorias modelos, analogias e metáforas. Apesar de discutirmos nesta seção
especificamente as analogias no ensino-aprendizagem de Ciências, apontaremos
alguns trabalhos que discutem o significado dessas categorias, explicitando, assim,
a nossa compreensão em relação às analogias.
Rodríguez e León (1983) destacam que os cientistas criam diferentes tipos
de modelos de acordo com seus objetivos e com as características dos fenômenos
estudados, apontando três tipos:
– o modelo icônico: seria uma reprodução em escala diferente do objeto
real, por exemplo, uma maquete de uma fábrica;
– o modelo teórico: este tipo de modelo teria a capacidade de representar as
características e relações fundamentais do fenômeno, proporcionar explicações e
serviria de guia para gerar hipóteses teóricas;
– modelo analógico: estaria relacionado à estrutura de relações e determi-
nadas propriedades fundamentais da realidade e não com todas as qualidades do
sistema.
Galagovsky e Adúriz-Bravo (2001) apontam a ambigüidade para o termo
modelo no ensino de Ciências, sugerindo uma tipologia em função do tipo de recursos
utilizados:
– as representações científicas – representariam imagens visuais obtidas
por alguma mediação instrumental, mais ou menos sofisticada, tais como imagens
digitalizadas, espectros de qualquer tipo, que representam informações valiosas
para o sujeito experiente, mas que dizem pouco para os iniciantes;
– as representações concretas – seriam representações visuais de certas
imagens associadas a algum modelo científico em particular, podendo ser desenhos,
projeções bidimensionais ou objetos tridimensionais. O referente desse tipo de
representação é também um conceito científico, reconstruído mediante artifícios
pictóricos, geralmente simplificadores do conceito mais complexo. São exemplos
os modelos atômicos, o modelo orbital e o esquema de uma célula;
– os análogos concretos – seriam dispositivos didáticos facilitadores da
aprendizagem de conceitos abstratos, os quais utilizam conceitos e situações que
têm um claro referente na estrutura cognitiva dos alunos. Este referente se relaciona
analogicamente com os conceitos científicos cuja aprendizagem se quer facilitar.
O autor utiliza a adjetivação de concreto para o conceito de análogo, ressaltando
que ao criar uma analogia, buscam-se conceitos de significação já conhecidos
pelos alunos.

255
Duit (1991) destaca que o modelo é uma abstração de semelhanças entre
dois conceitos ou fenômenos, refletindo os aspectos que o objeto a ser representado
e o análogo (representação) mantêm em comum. Para esse autor, as analogias
seriam a comparação de estruturas entre dois domínios diferentes.
Podemos observar, a partir das considerações desses autores, que as ana-
logias estariam relacionadas à comparação das similaridades entre dois domínios
diferentes, constituindo um importante mecanismo para que os alunos transfiram
informações de um campo conhecido para outro desconhecido.
Uma outra diferenciação importante é feita por Oliva et al. (2001b) entre as
analogias e as metáforas. Esses autores esclarecem que enquanto nas analogias
são expressos explicitamente todos os elementos de uma comparação, como, por
exemplo, “o elétron é para o núcleo do átomo o que um planeta é para o sol; nas
metáforas, chega-se a estabelecer uma identificação, ainda que só no sentido fi-
gurado – os elétrons são os planetas do átomo” (Oliva et al., 2001b, p.4).
As analogias e metáforas são apontadas por diversos autores como
importantes subsídios à aprendizagem em ciências. Ferraz e Terrazzan (2002, p.46),
por exemplo, apontam que
[...] as analogias e metáforas são um componente central do processo
de conhecimento humano. O raciocínio por analogia é parte integrante
de nossa cognição e, nessa perspectiva, as analogias são ferramentas
do pensamento.

As analogias representam um recurso bastante presente, tanto nas aulas


quanto nos livros didáticos de ciências, embora, na maioria das vezes, sejam
utilizadas com um fim em si mesmos, quando poderiam ser ferramentas que sub-
sidiassem a construção de modelos (Duit, 1991; Brown, 1994 apud Galagovsky;
Adúriz-Bravo, 2001).
No ensino de Química, encontramos analogias que são apresentadas com
freqüência, como o modelo atômico de Thomson comparado ao “pudim com passas
ou ameixas” ou o modelo atômico de Bohr, comparado ao sistema solar. No caso
da isomeria ótica, discutida em química orgânica, é comum encontrarmos a
comparação entre as simetrias de determinados objetos com a simetria de moléculas
orgânicas (Monteiro; Justi, 2000). Em biologia, uma analogia bastante comum é a
da célula comparada a uma fábrica e a da membrana plasmática com um muro que
possui portões e carregadores para o transporte de peças.
A importância das analogias no ensino é fundamentada por Galagovsky e
Adúriz-Bravo (2001), entre outros trabalhos, em Piaget e Inhelder, salientando
que os alunos podem operar, inicialmente, no pensamento operatório concreto e,
com o subsídio de estratégias didáticas apropriadas, podem desenvolver pensamento
operatório formal hipotético-dedutivo sobre esses conteúdos analógicos.
Além das considerações acima, os autores citam várias questões que
ratificam a importância do uso de analogias, tais como:

256
– auxiliam na reestruturação do marco conceitual dos alunos;
– facilitam a compreensão e visualização de conceitos abstratos;
– despertam o interesse por um tema novo;
– estimulam o professor a levar em conta os conhecimentos prévios dos
alunos;
– subsidiam a construção de habilidades relacionadas à argumentação,
raciocínio e atitudes como criatividade e criticidade.

4.2. Utilização das analogias no processo


de ensino-aprendizagem em Ciências

Embora alguns autores apontem a importância das analogias no ensino-


aprendizagem de ciências, ressaltam também preocupações relativas à forma como
esse recurso metodológico irá ser utilizado nas aulas de Ciências.
Inicialmente, destacaremos algumas considerações acerca dos critérios de
seleção das analogias durante as aulas, que servem como subsídio ao processo de
elaboração destas. Nesse sentido, Oliva et al. (2001a), baseados em trabalhos cita-
dos na literatura, apontam algumas questões que devem ser refletidas:
– o análogo deve ser mais acessível que o objeto, no sentido de que deve
fazer referência a uma situação mais cotidiana e, portanto, em que os alunos se
encontrem mais familiarizados;
– a analogia empregada deve dar conta de alguns atributos do objeto e não
se prestar para explicar o objeto como um todo, já que dessa forma ela acabaria
sendo muito complexa;
– as semelhanças entre objeto e análogo nem devem ser muito grandes nem
muito pequenas, uma vez que as semelhanças sendo grandes, os alunos podem não
se sentir motivados a fazer uso da analogia e se, pelo contrário, as semelhanças
forem pequenas, os alunos podem ter dificuldades em fazer a relação analógica;
– deve-se evitar o emprego de análogos que os alunos dispõem de concepções
alternativas e também aqueles que os alunos possam ter atitudes pouco favoráveis,
pois há o risco que as concepções alternativas e as atitudes negativas a respeito da
analogia sejam transferidas na compreensão do objeto.
Uma outra preocupação é em relação à metodologia a ser adotada. Nesse
sentido, é importante que o professor organize a unidade didática a partir de
estratégias que coloquem o aluno como sujeito ativo no processo de construção da
analogia, pois, caso contrário, este pode não percebê-la como uma informação
facilitadora de um tema e sim como mais informações para estudar, isso porque a
analogia parece-lhe complicada ou porque não compreendeu as semelhanças com
o modelo científico e até pode ter compreendido a analogia inicial, mas não o
conteúdo científico (Galagovsky; Adúriz-Bravo, 2001).
Alguns trabalhos, como os de Wong (1993), Cosgrove (1995) e Kaufman et
al. (1996), citados por Oliva et al. (2001a), têm relatado que quando os alunos

257
criam, aplicam e modificam suas próprias analogias, em oposição à mera aplicação
de analogias específicas proporcionadas do exterior, há uma contribuição para a
auto-regulação das explicações destes acerca dos fenômenos científicos e, em geral,
se avança na compreensão conceitual desses fenômenos, embora seja imprescin-
dível o papel do professor como mediador durante todo esse processo.
É importante o acompanhamento do professor, no sentido de observar se os
alunos reconhecem as semelhanças e diferenças entre análogo e objeto, bem como
a compreensão que os alunos têm do análogo como representação do objeto e não
o objeto em si, servindo como guia e não como uma forma de tolher a imaginação,
criatividade e espírito crítico dos alunos.
O trabalho de Clement (2000) aponta um esquema geral para a aprendizagem
por meio de analogias, discutindo duas perspectivas: a) o processo de ancoragem
ou conexão com as idéias dos alunos, como base do processo de construção e b) a
mudança conceitual que se quer gerar nas concepções alternativas, em relação ao
objeto, caso elas existam. A seguir, apresentamos, de modo esquemático, essas
perspectivas (Quadro 03).

a) Uso de analogias como base na b) Uso de analogias na evolução das


construção do conhecimento científico concepções alternativas

- A criação da analogia que inclui - Gerar uma nova idéia que entre
tanto a delimitação do objeto e em conflito com a já existente. O
do análogo quanto o estabeleci- aluno deve estar consciente de que
mento das relações entre ambos. possui duas noções: a inicial e a
- Uma etapa dirigida à aplicação apresentada.
da analogia para obter conclu- - Interpretação para que o aluno
sões que permitam compreender compreenda as contradições das
melhor o análogo e, assim, fazer duas idéias, aprendendo a analisar
as predições. as possibilidades e limitações de
- Uma fase orientada ao estabe- cada uma, de modo a perceber as
lecimento de diferenças entre vantagens da nova idéia com re-
objeto e análogo e as limitações lação à anterior pelo maior poder
da analogia. explicativo e preditivo que possui.

Quadro 03 – Orientações para o trabalho com as analogias

Com base nas questões discutidas por Sepel e Loreto (2003), exempli-
ficaremos, por meio de um plano de aula, as orientações trazidas no Quadro 03,
utilizando um conteúdo de biologia relacionado à permeabilidade seletiva da
membrana plasmática, discutida no 1º ano do ensino médio na referida disci-
plina (Quadro 04).

258
Esse tema costuma trazer algumas dificuldades no ensino de Biologia, pois
os alunos não compreendem a permeabilidade seletiva da membrana plasmática,
isto é, a capacidade desta em controlar o que entra e sai da célula.
Inicialmente, é importante destacar que, na estrutura da membrana,
encontramos os lipídios, que têm como uma de suas principais funções impedir as
substâncias hidrossolúveis de atravessarem a membrana e as proteínas que são
responsáveis pela passagem da maior parte das substâncias hidrossolúveis pela
membrana.
Os principais lipídios presentes na membrana plasmática apresentam porções
de suas moléculas com afinidades diferenciadas, em relação à água, ou seja, uma
parte é hidrofílica (tem afinidade pela água) e outra é hidrofóbica (não tem afinidade
pela água) e por isso são chamados de anfipáticos.
Dessa forma, em meio aquoso, a membrana apresenta uma estrutura em que
os lipídios formam uma camada dupla e contínua, no meio da qual se encaixam as
moléculas de proteínas. A bicamada de lipídios é fluida e as de proteínas mudam de
posição continuamente, como se fossem peças de um mosaico e, assim, foi sugerido
o Modelo do Mosaico Fluido (Figura 03).

proteínas

lipídeos

Parte
hidrofílica

Parte
hidrofóbica

Figura 03 – Representação da membrana plasmática conforme o modelo do Mosaico-Fluido


Fonte: Sepel e Loreto (2003)

Uma analogia pode ser feita, relacionando o caráter hidrofílico e hidrofóbico


da membrana plasmática com o comportamento dos sabões e detergentes, já que
estes são também lipídios anfipáticos, sendo utilizados em limpeza por possuírem
uma parte que se solubiliza em água e a outra em gorduras. Convém ressaltar,

259
porém, que de modo diferente aos lipídios presentes na membrana plasmática, os
sabões em meio aquoso tendem a formar micelas (sem interior aquoso – Figura 04)
e não bicamadas. Além disso, a parte hidrofílica é interna, no caso da membrana
plasmática.

Figura 04: A) representação esquemática de moléculas de gordura neutra e de sabão (deter-


gente); B) gota de gordura em solução aquosa interage com a região apolar das micelas de de-
tergente; o conjunto permanece solúvel devido à extremidade polar das moléculas do detergente
Fonte: Sepel e Loreto (2003)

260
Disciplina: Biologia

Tema: Seletividade da membrana plasmática

Nível: 1º ano do ensino médio

Objetivo: Compreender a permeabilidade seletiva da membrana plasmática,


associando as características químicas dos constituintes da membrana.

Atividades

(i) Uso de analogias como base (ii) Uso de analogias na evolu-


na construção do conhecimento ção das concepções alternativas
científico

- Iniciar a discussão sobre a - Questionar os alunos acerca de


propriedade que apresentam os que tipos de substâncias podem
sabões e detergentes em dissolver atravessar a membrana plasmá-
gordura e ao mesmo tempo ser tica. Como deveria ser a consti-
solúvel em água. tuição da membrana para permitir
- Estabelecer as relações de seme- essa passagem?
lhanças com a membrana plas- - Apresentar a analogia com o
mática, apontando o seu caráter caso dos sabões e detergentes,
anfipático. apontando o caráter anfipático e
- Discutir a constituição química as semelhanças com a membrana
da membrana, apresentando as plasmática.
substâncias responsáveis pelo - Discutir a analogia, de modo que
caráter hidrofóbico e hidrofílico os alunos tomem consciência de
em associação com a estrutura que possuem duas noções: a
dos sabões e detergentes. inicial e a apresentada.
- Apresentar algumas limitações - Subsidiar os alunos a com-
como o fato de a membrana for- preenderem as contradições das
mar bicamadas, enquanto que os duas idéias, aprendendo a analisar
sabões formam micelas. O fato de as possibilidades e limitações de
a parte hidrofílica dos lipídios cada uma, de modo a perceber as
encontrar-se na parte interna da vantagens da nova idéia com
bicamada. relação à anterior.

Quadro 04 – Plano de aula para o tema seletividade da membrana plasmática

261
O desenvolvimento do pensamento analógico, contemplando as questões
discutidas anteriormente, representa um importante recurso para a construção de
competências, pois auxilia os alunos, frente a uma situação complexa nova, a
buscarem semelhanças e até mesmo diferenças com aquelas já vivenciadas,
subsidiando a resolução dos problemas que sejam colocados.

5. Limitações da aprendizagem por modelos e analogias

Uma das limitações desse enfoque didático, segundo Pozo e Crespo (1998),
é que haja uma relativização dos modelos por parte dos alunos, quer dizer, eles
podem compreender que todos os modelos são igualmente válidos, inclusive os
seus, o que pode esvaziar o sentido da própria educação científica.
Nesse sentido, destacamos a importância da discussão acerca da construção
de modelos e dos critérios para eleger um modelo em detrimento de outro para
explicação de um dado referente.
É relevante que, em vez da independência entre as teorias e modelos, seja
adotada uma integração hierárquica destes, para evitar o já referido relativismo
(POZO; CRESPO, 1998). Para isso é importante discutir a interdependência
conceitual no conhecimento científico, subsidiando o entendimento de que modelos
mais complexos podem integrar os mais simples.
Como em outros tipos de enfoques, pode haver a priorização dos conteú-
dos conceituais em detrimento dos procedimentais e atitudinais, embora o uso
e contrastação de diversos modelos conceituais favoreça atitudes, como rigor,
criticidade e procedimentos como argumentação, contrastação empírica, o que
auxilia o desenvolvimento de competências no ensino de Ciências.
Em relação às analogias, Galagovsky e Adúriz-Bravo (2001) e Oliva et al.
(2003) apontam algumas questões que podem dificultar o seu trabalho no ensino-
aprendizagem em Ciências:
– muitas vezes o análogo torna-se mais difícil que o conceito alvo, des-
motivando o aluno a utilizar a analogia. Por exemplo, para a compreensão do
sistema circulatório, fazer a analogia com um circuito elétrico pode trazer limi-
tações se os alunos não tiverem um entendimento do último;
– algumas vezes, as analogias apresentam-se como algo “pronto e acaba-
do”, limitando-se a um processo de mera transmissão e recepção passiva por parte
dos alunos, não se avaliando o processo de construção destas. No caso, por exem-
plo, da analogia do movimento das moléculas de um gás com o movimento das
bolhas de bilhar, podem ser discutidos os aspectos semelhantes, como o movimento
das bolhas de bilhar em linha reta, nas laterais e a colisão das bolas entre si; por
outro lado, deve ser salientado que, após um certo tempo, as bolas de bilhar cessam
seu movimento enquanto que as moléculas de gás não;
– a aprendizagem da analogia é concebida como um fim em si mesmo e
não como um subsídio na construção de modelos, não se apresentando as fragili-

262
dades e limitações desta, o que pode levar os alunos a confundir referente e análogo.
No estudo do equilíbrio químico, normalmente, a analogia é feita com um equilí-
brio de forças, sem que seja discutido que no caso do sistema químico temos um
equilíbrio dinâmico.
A utilização de analogias no ensino-aprendizagem de Ciências, como já
citado anteriormente, permite que se trabalhe inicialmente com os alunos no nível
do pensamento operatório concreto até desenvolver o pensamento operatório formal
hipotético-dedutivo, porém é necessária uma postura crítica ao se trabalhar com
este tipo de recurso, pois as analogias muitas vezes podem ser elaboradas a partir
do conhecimento do senso comum dos alunos e, de acordo com Bachelard (1996),
os hábitos intelectuais arraigados no conhecimento não questionado bloqueiam o
processo de construção do novo conhecimento, constituindo assim verdadeiros
obstáculos epistemológicos.
Ainda, segundo esse autor, a evolução da ciência é dificultada por esses
obstáculos; para conseguir superá-los, são necessários atos epistemológicos, quer
dizer, deve haver uma ruptura com os conhecimentos anteriores, seguida de uma
reestruturação.
As considerações feitas anteriormente remetem à necessidade de que as
analogias sejam trabalhadas, em uma fase inicial, como subsídio à construção do
conhecimento científico, mas que sejam apresentadas as diferenças e limitações
destas em relação ao referente, de modo a não ratificar conhecimentos do senso
comum que podem dificultar a construção do conhecimento científico.
A aprendizagem por modelos apresenta dificuldades e entraves quando
vivenciada no cotidiano das aulas de ciências, porém como diversos pesquisadores
da didática das ciências, reconhecemos a importância desse enfoque na construção
de conceitos, procedimentos e atitudes que podem ser mobilizados por nossos alu-
nos em situações complexas do cotidiano que exijam o conhecimento científico.

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artigo.php?artigoid=41> Acesso em: 06 ago. 2003.

264
ENSINO POR PROJETOS: UMA ALTERNATIVA
PARA A CONSTRUÇÃO DE COMPETÊNCIAS NO ALUNO

José Paulino Filho,


Isauro Beltrán Nuñez
e Betania Leite Ramalho

Introdução

A discussão em torno da função social da escola, do significado das


experiências escolares para os que dela participam foi e continua a ser um dos
assuntos mais polêmicos entre nós educadores. Nesse sentido, tem-se observado,
ao longo do tempo, uma variedade de propostas pedagógicas com fundamentos
epistemológicos e filosóficos diferenciados, com o intuito de dar sentido à prática
educativa escolar.
A cada proposta que surge, percebe-se a euforia dos professores, adotando-
a e defendendo-a como se fosse a solução para os problemas da educação. Isso
ocorreu com relação aos centros de interesse, temas geradores, projetos de trabalho,
resolução de problemas, entre outros.
A proposta de Centro de Interesse idealizada por Ovídio Decroly considera,
como ponto de partida, o conhecimento dos fatos que se relacionam mais de perto
com a vida dos alunos abrangendo temas tais, como o aluno e seu meio e o aluno
e suas necessidades. Nessa perspectiva, o aluno é convidado a observar o mundo
ao redor para descobrir os seus focos de interesse, identificando o que já sabe e o
que precisa saber. Atualmente, o centro de interesse é focalizado de forma diferente,
partindo de temas centrais propostos pelos professores e escolhidos diretamente
pelas crianças.
Segundo Hernandez (1998a, p.64), de um modo geral, os centros de interesse
se apóiam num duplo ponto de partida:
[...] por um lado, destaca o princípio da aprendizagem por descoberta,
que estabelece que a atitude para a aprendizagem por parte dos alunos
é mais positiva quando parte daquilo que lhes interessa, e aprendem
da experiência do que descobrem por si mesmos. E, por outro lado, um
princípio da Escola Ativa, que se refere ao exercício da educação como
prática democrática, que outorga às assembléias de classe a decisão
sobre o que se deve aprender.

Assim, a escolha do tema está vinculada à realidade dos alunos, surgindo


na família, na escola e nas relações socioculturais.

265
A proposta de Tema Gerador surge fundamentada na pedagogia de Paulo
Freire, tendo como fonte principal as proposições de Pedagogia do Oprimido. Os
temas geradores foram idealizados como um objeto de estudo que envolve o fazer
e o pensar, o agir e o refletir, a teoria e a prática, tendo como pressuposto o estudo
da realidade, onde emerge um conjunto de relações entre situações significativas
individuais, sociais e históricos.
Os temas geradores têm como princípios básicos:
· uma visão de totalidade e abrangência da realidade;
· a superação do conhecimento no nível do senso comum;
· a adoção do diálogo como sua essência;
· a exigência de uma postura crítica e problematizadora
por parte do educador;
· a participação e a discussão no grupo.
É nesse contexto que a discussão sobre projetos de trabalho, como estratégia
de ensino e aprendizagem, hoje, se coloca; o que significa dizer que esta é uma
discussão sobre uma determinada concepção e postura pedagógicas e não apenas
sobre uma técnica de ensino mais atrativa para os alunos.
Na busca de uma concepção de educação como um processo de vida, surgem,
já no início do século XX, com John Dewey, Kilpatrick e outros representantes da
chamada “Pedagogia Ativa”, estudos relevantes sobre projetos para o ensino, que
motivam os alunos a partir de uma tarefa prática relacionada com sua vida. No
final do referido século, esse estudo ganha força com as mudanças da conjuntura
mundial, com a globalização da economia e a informatização dos meios de
comunicação, pois essas mudanças têm trazido uma série de reflexões sobre o
papel da escola dentro desse novo modelo de sociedade.
A natureza, os fundamentos e a relevância
dos projetos de trabalho
Ao incentivar o ensino por meio de projetos de trabalho, as relações entre
conteúdos e áreas de conhecimento são efetivadas por meio de diferentes atividades
a serem desenvolvidas. Projetos de ensino são propostas pedagógicas disciplinares
ou interdisciplinares, compostas de atividades a serem executadas por alunos, sob
a orientação do professor, destinadas a criar situações de aprendizagem mais
dinâmicas e efetivas, atreladas às preocupações da vida dos alunos pelo ques-
tionamento e pela reflexão, na perspectiva da construção do conhecimento e da
formação para a cidadania e para o mundo do trabalho.
Ao desenvolver o ensino por projetos, podemos partir de temas ou proble-
mas que passam a ser objetos de estudo ou objetos de conhecimento de vários
campos disciplinares. Portanto, ao enfocar um problema, podemos não nos restrin-
gir a um campo disciplinar. Como resolver os problemas das grandes cidades, por
exemplo, se os considerarmos apenas problema de urbanistas?

266
Na visão de Garcia e Alves (2001, p.94), “se os problemas dos microcon-
textos e macrocontextos eram tão complexos, inevitável foi a busca de um diá-
logo entre as disciplinas e mais, de um rompimento das fronteiras disciplinares”.
Os Projetos de Trabalho são efetivamente uma possibilidade didático-pedagógica
de conceber e desenvolver o trabalho escolar numa ótica interdisciplinar. É im-
portante frisar que um projeto não necessariamente precisa ser interdisciplinar.
Muitos professores utilizam essa abordagem isoladamente, referente apenas à sua
disciplina e ao seu conteúdo; nem por isso deixam de ser projetos.
A esse respeito, no Brasil, os Referenciais Curriculares para o Ensino Médio
têm proposto ao conjunto dos professores a abordagem interdisciplinar no trata-
mento dos conteúdos e como eixo do currículo. Por outro lado, observa-se uma
escassez de material de pesquisa com este fim. É rico o material de pesquisa aca-
dêmica sobre a interdisciplinaridade que atende de maneira satisfatória o ensino
superior, porém, essa produção não tem se refletido de forma efetiva nos profes-
sores do ensino fundamental e médio.
A tônica do trabalho interdisciplinar é a integração das diferentes áreas do
conhecimento, um efetivo trabalho de cooperação e troca, aberto ao diálogo e ao
planejamento. As diferentes disciplinas não se apresentam fragmentadas e compar-
timentadas, sendo necessário um trabalho de coordenação que integre objetivos,
atividades e procedimentos. Nesse tipo de abordagem, há, na nossa visão, um
campo mais fértil para se desenvolver os conteúdos conceituais, procedimentais
e atitudinais.
Além disso, nos projetos interdisciplinares, abrem-se outras possibilidades
de acesso à pesquisa. O aluno, à medida que percebe as relações existentes entre as
diferentes disciplinas, motiva-se em buscar novos conhecimentos sobre um tema,
problema ou questão, uma vez que todas as disciplinas contribuem e, assim, ele
pode receber orientações e desafios para a pesquisa de vários professores.
Um projeto é uma ação intencional, um plano de trabalho, um conjunto de
tarefas, com um sentido explícito, com um compromisso definido. Busca um rumo,
uma direção, um fim determinado, a solução de um ou mais problemas identificados.
Nesse sentido, é preciso que o trabalho que se realiza na sala de aula contribua
para a construção de competências, habilidades, e atitudes nos alunos, necessárias
à sua participação na sociedade e no mundo do trabalho, de forma mais construtiva,
crítica e socialmente responsável. No espaço escolar, o ensino por projeto constitui-
se em um dos caminhos adequados para o alcance desses objetivos. Essa estratégia
é uma das possibilidades, dentro do sistema de métodos e recursos utilizado, para
facilitar a aprendizagem dos alunos.
O trabalho com projetos requer uma definição de mundo e de mudança de
postura pedagógica, pois não é apenas uma técnica de ensino mais atrativa para os
alunos, mas tem por objetivo aproximar a escola o mais possível da realidade do
aluno. Para Hernández (1998a, p.16),
[...] esse processo é o que, com nomes diferentes, preocupa, na

267
atualidade, àqueles que consideram que se deva repensar e reinventar
a escola se quisermos oferecer possibilidades de construção da pró-
pria identidade como sujeitos históricos e como cidadãos (e não só de
aprender conteúdos). Uma construção que tem presente as relações
que os indivíduos estabelecem com as diferentes experiências cultu-
rais e, em especial, com os conhecimentos que podem ter relevância
para eles e elas, numa época em mudança, como a que estamos vivendo.
Sem esquecer que a Escola, se reinventada, pode favorecer que as
pessoas sofram diferentes formas de exclusão e discriminação, encon-
trem um “lugar” a partir do qual possam escrever sua própria história.

O trabalho com projetos pode fazer a escola ir além de seus muros e criar
pontes entre os conteúdos estudados e o meio físico e social, propiciando uma
melhor compreensão da historicidade do nosso tempo e a formação de pessoas
conscientes de seu papel como construtores da história. É uma proposta de
intervenção pedagógica que dá à atividade de aprender um sentido novo, no qual
as necessidades de aprendizagem afloram na tentativa de resolver situações-
problema e de utilizar e desenvolver a criatividade, a partir da compreensão de que

[...] a função da escola não é só transmitir ‘conteúdos’, mas também


facilitar a construção da subjetividade para as crianças e adolescentes
[e adultos] que se socorrem dela, de maneira que tenham estratégias e
recursos para interpretar o mundo no qual vivem e chegar a escrever
sua própria história [...] (Hernández, 1998a, p.21).

Falar em criatividade hoje é falar em irrupção da novidade, qualquer que


seja o grau – ou a abrangência – desse “parto” que inaugura a coisa recém-nascida.
A ruptura com o mundo normalizado/cotidianizado/convencionado tem sido ope-
rada pelo menos de duas formas: por meio da arte e por meio da criatividade.
Uma pessoa diz-se criativa quando é capaz de remodelar a visão do mundo
ao qual pertence. Mas o real é sempre novo, embora as imagens que lhe são atri-
buídas possam estagnar, inquestionadas. A autêntica missão humana é a de re-
inventar continuadamente esse tecido imenso em que podemos talhar/enunciar o
que quisermos. Nós e o mundo conjugamo-nos na primeira pessoa do plural: de
fato, quem ensina ao mar que ele é azul? Quem faz com que o sol conheça a
sombra?
O homem é o fazedor do mundo por ser o inventor da sua relação com o
universo que o integra. Sobre a criatividade, Vergani (2003, p.93) diz que “a pessoa
criativa é aquela que assume plenamente a sua forma particular de se “perceber”
no mundo, isto é, aquela que se apropria livre e eficazmente da singularidade ima-
ginante do seu ser: a pessoa criativa é aquela que simplesmente “é”, se deixa
“ser”. Ao abordar as atividades de ensino e aprendizagem por meio dos projetos de
trabalho, estamos contribuindo para que os alunos desenvolvam o espírito inves-
tigativo e sua criatividade.

268
Os projetos de trabalho têm a função de tornar a aprendizagem ativa, cria-
tiva, interessante, significativa e atrativa para o aluno. Dessa forma, um projeto
supera em muito os conhecimentos que poderiam ser adquiridos somente por
meio de aulas expositivas, pois nele os alunos buscam os conhecimentos pelas ne-
cessidades e por interesses individuais e do grupo no contexto no qual estão inseridos.
Os projetos são uma estratégia para se aprender a trabalhar em grupo, para se
cultivar ou construir valores, o respeito pelos outros, etc. Essas idéias são reforça-
das a partir da Psicologia da Criatividade que mostra a importância da aprendi-
zagem entre pares, de forma colaborativa associada à criatividade do grupo.

Figura 01 – Os projetos de trabalho visam à superação da escola como espaço


apenas de transmissão de informações

No trabalho com projetos, o aluno é visto numa concepção globalizante,


em que é um sujeito histórico, político, ativo-social, econômico, participante, soli-
dário e cooperativo num grupo de trabalho. Um cidadão crítico e criativo que
já está integrado na sociedade. A escola, vista nessa perspectiva, não é apenas
importante pelo que ensina, mas pelas relações sociais que oportuniza. Nesse
sentido, Antunes (2001, p.30) afirma que:
as nossas escolas e os nossos educadores necessitam explorar as rela-
ções inter-pessoais que a escola proporciona para ensinar ao aluno a
solidariedade, o respeito ao outro, para envolvê-lo em projetos comu-
nitários, para orientá-lo a trabalhar em grupos, para despertar sua sen-
sibilidade para se auto-avaliar na mesma proporção em que avalia o
desempenho de seus colegas, o trabalho de sua equipe.

269
O professor, então, não é um simples transmissor de conhecimentos, é um
educador. A concepção globalizante permite ao aluno analisar os problemas, as
situações, utilizando os acontecimentos que podem ser trabalhados no seu contexto
e a partir de suas experiências.
Segundo Hernández (1998a, p. 66), “os projetos de trabalho tratam de ensi-
nar ao aluno a aprender, a encontrar o nexo, a estrutura, o problema que vincula a
informação e que permite aprender”. Além disso, é uma atividade que possibi-
lita ao aluno aprender a trabalhar em grupo e estabelecer uma relação dialógica
com o outro, pois
se é competência essencial para a escola preparar o aluno para ser
cidadão, se integrar a outros, descobrir e valorizar equipes, se organizar
em grupos também o é o exercício integral do diálogo, a aprendizagem
coerente dos debates coletivos (Antunes, 2001, p.31).

Entendemos que o trabalho por projetos permite que o aluno desenvolva a


competência de aprender o sentido da verdadeira cooperação, desenvolvendo a
compreensão do outro, descobrindo e construindo meios e processos para se tra-
balhar e respeitar os valores do pluralismo e da compreensão mútua, nos proces-
sos de produção dos saberes.
É importante evidenciar que a estratégia de projetos contribui para uma
abordagem pedagógica contextualizada, como propõe um dos eixos norteado-
res das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, já mencionadas.
A contextualização visa a retirar o aluno da condição de espectador passivo, esta-
belecendo relação entre o que aprende na escola e a sua vida.
Tratar o conteúdo de ensino de forma contextualizada significa aproveitar
ao máximo as relações existentes entre os conteúdos e o contexto pessoal ou social
do aluno, de modo a dar significado ao que está sendo aprendido, levando-se em
conta que todo conhecimento envolve uma relação ativa entre o sujeito, o objeto do
conhecimento e o contexto de produção do conhecimento. Assim, a contextualização
ajuda a desenvolver no aluno a capacidade de relacionar o aprendizado com o
observado e a teoria com suas conseqüências e aplicações práticas.

O Trabalho por Projetos: os princípios e a organização

Para Hernández (1998a), os projetos de trabalho fundamentam-se em


bases teóricas que observam os princípios destacados no Esquema 01.

270
Aprendizagem
significativa, com base no
que os alunos já sabem

Avaliação do processo Articulação com uma


durante toda a atitude favorável para o
aprendizagem conhecimento

Projetos de
Trabalho

Memorização Previsão de uma estrutura


compreensiva das lógica e seqüencial dos
informações conteúdos, na ordem que
facilite sua aprendizagem

Sentido de funcionalidade
do que aprender

Esquema 01 – Princípios que fundamentam os projetos de trabalho (Hernández, 1998a)

O projeto parte de um eixo temático que vai desencadeando um estudo de


vários conteúdos dentro de um tema. No seu trabalho, Hernández (1998) aponta,
nesse tipo de abordagem, alguns aspectos a serem considerados:
a) não há uma seqüência única e geral para todos os projetos. Inclusive,
quando dois professores compartilham uma mesma pesquisa, o percurso pode ser
diferente;
b) o desenvolvimento de um projeto não é linear nem previsível, porém é
um processo que precisa e pode ser planejado;
c) o professor também pesquisa e aprende;
d) não pode ser repetido;
e) choca-se com a idéia de que se deve ensinar do mais fácil ao mais difícil;
f) questiona a idéia de que se deve começar pelo mais próximo (a moradia,
o bairro, as festas, etc.), da mesma maneira que já não se ensinam primeiro as
vogais, depois as consoantes, as sílabas, as palavras, a frase;
g) questiona a idéia de que se deva ir “pouco a pouco” para não criar la-
cunas nos conteúdos;

271
h) questiona a idéia de que se deva ensinar das partes ao todo, e que, com o
tempo, “o aluno estabeleça relações”.
Os projetos aparecem como um veículo para melhorar o ensino e como
distintivo de uma escola que opta pela atualização de seus conteúdos e pela
adequação às necessidades dos alunos e dos setores aos quais cada instituição se
vincula. O trabalho com projetos vai além da “interdisciplinaridade”; na verdade,
é um trabalho global, em que os saberes são construídos e sistematizados no pro-
cesso de solução dos problemas aos quais se vincula o projeto.
Os conteúdos que vão ser explorados dependem da natureza dos problemas
e das questões surgidas no desenvolvimento do projeto. Quanto ao tempo provável
de duração, este é variado, podendo ser de horas, dias ou meses, dependendo da
complexidade do projeto.
Na organização de um projeto, é essencial refletir sobre quem são os alunos.
Então é necessário fazer a caracterização da turma, levantando pontos, tais como
faixa etária, origem, profissão, situação de vida e aprendizagem. Outras questões
são também fundamentais: que objetivos temos propostos para eles, considerando
a realidade de suas condições de vida, necessidades atuais e perspectivas? O traba-
lho que desenvolvemos no dia-a-dia da sala de aula está contribuindo para formar
que tipo de homem, mundo e sociedade? O que estamos ensinando tem contribuído
para que os alunos compreendam o mundo em que vivem? Os conteúdos curricula-
res que trabalhamos ajudam os alunos a assumir um posicionamento frente a eles
como indivíduos e cidadãos? Esse perfil já vai indicar pontos para a escolha do
tema e dos problemas.
Ao se pensar no desenvolvimento de um projeto, a primeira questão colo-
cada diz respeito a como surge esse projeto e, principalmente, a quem propõe os
temas/problemas para este. Diante dessa questão, surgem posições diferenciadas.
Alguns profissionais defendem a posição de que o projeto deve partir, necessa-
riamente, dos alunos, pois, se não, ele seria imposto. Outros defendem a idéia de
que os referidos temas devem ser propostos pelo professor, de acordo com a sua
intenção educativa, pois, de outra forma, se cairia em uma postura espontaneísta.
O que se desconsidera, nessa polêmica, é o ponto central da Pedagogia de Projetos:
o envolvimento de todo o grupo no processo. Um tema pode surgir dos alunos, mas
isso não garante uma efetiva participação destes no desenvolvimento do projeto.
O que caracteriza o trabalho com projetos não é a origem do tema, mas o
tratamento dado a esse tema, no sentido de torná-lo uma questão do grupo como
um todo e não apenas de alguns alunos ou do professor (Araújo, 1999). Portanto,
os problemas ou temáticas podem surgir de um aluno em particular, de um grupo
de alunos, da turma, do professor ou da própria conjuntura. O que se faz necessário
garantir é que esse problema passe a ser de todos, com um envolvimento efetivo
na definição dos objetivos e das etapas para alcançá-los, na participação nas
atividades vivenciadas e no processo de avaliação.
Assim, a escolha é diferente em cada nível de escolaridade em que os alunos

272
se encontram. O professor deve pensar os seus objetivos educacionais e as
necessidades da turma, baseando-se nesses aspectos para direcionar os interesses e
as necessidades dos alunos para a montagem e desenvolvimento do projeto. A
escolha pode partir de um outro projeto que foi realizado ou de um conteúdo
trabalhado em sala.
No desenvolvimento de um projeto de trabalho, existem “fases” ou “etapas”
que devem ser cumpridas. Estas, no entanto, não devem ser rígidas e devem de-
pender do desenrolar dos trabalhos. Contudo, todo projeto, assim como todas as
atividades educativas, deve ser planejado seguindo etapas determinadas como mos-
tra o Esquema 02.

FASES DE UM PROJETO

PROBLEMATIZAÇÃO
(Questões de estudo e problemas levantados)

DESENVOLVIMENTO
(Planejamento e execução de atividades)

CONCLUSÃO
(Avaliação dos conhecimentos construídos dos
procedimentos utilizados e das respostas aos
problemas)

Esquema 02 – Fases no desenvolvimento de um projeto

Para Amaral [2000?], a problematização é o momento gerador, detonador


do projeto. É o momento em que surgem as questões que serão trabalhadas pelo
grupo. Essas questões deverão ser bastante significativas e, sempre que possível,
se ligarem a experiências prévias dos alunos e às suas necessidades. É bom lembrar
que um trabalho com projetos não se limita a um simples estudo de um tema: sua
característica principal é a resolução de problemas ligados ao tema. Mesmo que o
professor tenha sugerido o assunto, fazer com que os alunos sejam capazes de
problematizá-lo é importante para que eles abracem o projeto como seu.
Um dos objetivos explícitos da Educação Básica, tanto no primeiro como
no segundo grau, é contribuir para que os alunos não somente se coloquem deter-
minados problemas, mas que cheguem, também, a adquirir os meios para resolvê-

273
los. A necessidade e a importância da solução de problemas como conteúdo
curricular da Educação Básica é amplamente reconhecida. Assim, ao final da
Educação Básica, e, portanto do Ensino Médio, deve-se contribuir para a constru-
ção de competências nos alunos, ajudando-os a elaborarem e desenvolverem
estratégias pessoais e coletivas de identificação e de solução de problemas nas
principais áreas de conhecimento para aplicá-las em situações da vida cotidiana.
Nesse sentido, “problema” é entendido como uma situação que um indiví-
duo ou um grupo quer ou precisa resolver e para a qual não dispõe de um caminho
rápido e direto que leve à solução (Pozo, 1998). Uma situação somente pode ser
concebida como um problema na medida em que exista um reconhecimento dela
como tal, e na medida em que não dispomos de procedimentos automáticos que
nos ajudem a solucioná-la de forma imediata, sem exigir um processo de reflexão
ou uma tomada de decisões sobre a estratégia a ser seguida.
Por essa ótica, pudemos identificar diferenças entre um “problema” e um
“exercício”. A realização de exercício se baseia no uso de habilidades ou técnicas
em forma de rotinas automatizadas como conseqüência de prática contínua. Dizemos
que há um problema quando uma situação considerada nova ou diferente do que já
foi aprendido se apresenta, e requer a utilização de estratégias de resoluções. Em
geral, não é possível definir se uma determinada tarefa escolar é um exercício ou
um problema. Isso depende não somente da experiência e dos conhecimentos prévios
de quem a executa, mas também dos objetivos que estabelece enquanto a realiza.
Nesse sentido, é importante estabelecer diferenças entre problemas verdadei-
ros e falsos problemas (exercícios). O Quadro 01 abaixo apresenta de forma resumida
as diferenças básicas entre falsos problemas e problemas verdadeiros.

Problemas

Falsos Verdadeiros

Exemplo: “Por que, examinando as fezes Exemplo: “Você consegue imaginar


de um ser vivo, conseguimos descobrir outras maneiras para descobrir os hábitos
quais são seus hábitos alimentares?” alimentares desse misterioso ser vivo?”
Existe uma solução Existe resolução
São solucionados São “enfrentados”
São extremamente objetivos São mais subjetivos
Existe uma resposta correta Existe a melhor resposta possível
Utilizam técnicas para chegar a uma Exigem o uso de estratégias de resolução
solução
Quadro 01 – Diferenças básicas entre falsos problemas e verdadeiros problemas
Fonte: Campos; Nigro (1999)

274
Transformar exercícios (problemas falsos) em problemas verdadeiros é
um procedimento didático que não apresenta maiores dificuldades para o professor.
O Quadro 02 apresenta alguns exemplos.

Exercícios Problemas

Qual é o custo para trocar a cerâmica Qual é o custo para trocar a cerâmica
do piso de uma sala de aula cuja do piso de uma sala de aula?
superfície é de 56m 2, sabendo que
cada cerâmica possui 600cm2 e que
uma cerâmica custa R$ 1,20?

Quantos Kg de alumínio se obtém da Quantos Kg de bauxita devem ser


eletrólise de 5 toneladas de bauxita processados por eletrólise, para se
(Al 2O3), com 60% de pureza? obter alumínio necessário para trocar
a esquadria de alumínio das janelas
do edifício central da escola?

Quadro 02 – Exemplos de falsos problemas e verdadeiros problemas

Dessa forma, o trabalho por projetos é uma estratégia adequada para aju-
dar os alunos a resolver problemas. Lembramos que essa estratégia aparece como
proposta pedagógica nos Referenciais Curriculares para o Ensino Médio.
O desenvolvimento é conseqüência da primeira fase: surge a necessidade de
se planejarem as estratégias mais adequadas para se procurar as respostas para as
questões propostas pelo grupo. Também nessa fase, a participação plena dos alunos
é fundamental, tanto no planejamento quanto na execução das atividades. Podem
ser planejadas e desenvolvidas pelos alunos diferentes estratégias: excursões,
entrevistas, debates, pesquisas bibliográficas, pesquisas de campo, entre outras,
sob a orientação do professor.
É a oportunidade para o desenvolvimento dos conhecimentos dos alunos
e, sobretudo, de habilidades de entrevistar pessoas; falar em público; calcular
distâncias e/ou índices; ler mapas; desenhar plantas; colecionar espécimes de
plantas e/ou pedras e/ou insetos, etc. É também a oportunidade de ampliação do
espaço de aprendizagem que pode se estender à vizinhança, às ruas, aos par-
ques, às praças, às fábricas, aos museus, enfim, à comunidade. É muito impor-
tante que o professor tenha em mente o desenvolvimento das habilidades de
observação, de registro e análise dentre outras por parte dos alunos no desen-
volvimento da execução do projeto.
A síntese ou conclusão é o fechamento do projeto e não começa exata-
mente ao final dele: vem sendo prevista e preparada desde o planejamento e o

275
desenvolvimento, com a previsão, organização e sumarização das informações
coletadas. Nesse momento, particularmente, tudo é submetido a uma síntese das
avaliações realizadas durante o processo. Avaliam-se os conhecimentos adqui-
ridos, os procedimentos utilizados, as atitudes evidenciadas. Avalia-se, sobre-
tudo, se as questões levantadas inicialmente foram resolvidas e em que nível,
uma vez que nem sempre após o desenvolvimento do projeto se chega a uma so-
lução satisfatória para o problema. Essa constatação pode levar a rever todos os
procedimentos utilizados no processo de solução do problema.
Dependendo da natureza do projeto, nessa fase, tornam-se possíveis: a
realização de exposições dos materiais coletados, a confecção de painéis, drama-
tizações, ou simples comemorações ou inaugurações festivas (inauguração de
uma biblioteca da classe, por exemplo). As questões levantadas inicialmente são
analisadas e, muitas vezes, constata-se a necessidade de ir adiante a partir do
levantamento de novos problemas. O papel do professor (mediador) é o de ofe-
recer subsídios, para que o aluno parta do que ele já sabe para chegar a novos
saberes e desenvolver outras atitudes e valores.
O professor também constrói o conhecimento com o aluno, cabendo-lhe, ainda,
orientar todas as fases do projeto, esclarecendo dúvidas, sugerindo as melhores
estratégias para o desenvolvimento das atividades, procurando a participação de
todos, na busca da construção do conhecimento para que os alunos tenham possi-
bilidades e autonomia e aprendam a aprender, pois segundo Zabala (1998, p.102),
o crescimento dos alunos implica como objetivo último serem autô-
nomos para atuar de maneira competente nos diversos contextos em
que haverão de se desenvolver. Impulsionar esta autonomia significa
tê-la presente em todas e cada uma das propostas educativas para serem
capazes de utilizar, sem ajuda, os conhecimentos adquiridos em situa-
ções diferentes daquela em que foram aprendidos.

Trazemos de volta os argumentos de Hernández (1998a, p.91), sobre a


importância dos projetos:
[...] assim entendidos [os projetos] apontam outra maneira de repre-
sentar o conhecimento escolar baseado na aprendizagem da interpre-
tação da realidade, orientada para o estabelecimento de relações entre
a vida dos alunos e professores e o conhecimento que as disciplinas
(que nem sempre coincidem com as disciplinas escolares) e outros
saberes não disciplinares vão elaborando. Tudo isso para favorecer o
desenvolvimento de estratégias de indagação, interpretação e apresen-
tação do processo seguido ao estudar um tema ou um problema que,
por sua complexidade, favorece o melhor conhecimento dos alunos e
dos docentes de si mesmos e do mundo em que vivem.
Com isso, a cultura escolar pode passar a renovar-se e renovar o mundo,
trazendo aos alunos um conhecimento significativo, capaz de intervir de forma

276
crítica na realidade. Isso não é uma tarefa fácil. Mas uma educação comprometida
com as transformações sociais tem que estar sempre buscando caminhos para
transpor os obstáculos que aparecem.
Na elaboração de um projeto de trabalho, devem ser observados os aspectos
do Quadro 03.

Elementos do projeto O que significa?

Título do projeto O que se vai investigar?


Tema claro que expresse o objeto de estudo.

Objetivos Para quê?


Explicitar as expectativas em relação ao
desenvolvimento do projeto e onde se quer
chegar. Evidenciar as questões de estudo.

Justificativa Por quê?


Explicitar as razões que motivam a escolha
do objeto de estudo, a importância da
investigação e os problemas levantados.

Metodologia Como?
Explicitar o encaminhamento teórico-meto-
dológico, as fontes que serão investigadas e
os caminhos que serão percorridos no desen-
volvimento do projeto.

Cronograma de execução Quando?


Explicitar as ações e a previsão da época em
que serão realizadas.

Referências bibliográficas Onde pesquisar?


Levantamento bibliográfico sobre o assunto a
ser pesquisado (locais e fontes).

Quadro 03 – Elementos que compõem um projeto

277
É importante evidenciar que no cronograma de execução e na metodolo-
gia do trabalho sejam previstos momentos para o registro das atividades em forma
de relatórios parciais e final. O relatório se constitui em um instrumento de apresen-
tação e sistematização dos resultados do projeto e pode conter em sua estrutura
quatro elementos básicos: apresentação, introdução, desenvolvimento e conclusão.
Na fase de execução do projeto, é importante que se considerem os aspectos
do Quadro 04.

ASPECTOS O QUE CONSIDERAR?

Coleta das informações Pesquisas de campo e bibliográficas, livros,


revistas, internet, visitas, entrevistas, entre
outras.

Organização das informações Elaboração de tabelas e quadros, gráficos,


figuras, esquemas.

Análise das informações Relação das informações com os objetivos e


as questões de estudo do projeto. Responder
às questões e ao problema levantado.

Conclusões Resultados alcançados. Conhecimentos cons-


truídos. Potencialidades e limites das infor-
mações adquiridas. Surgimento de novos
problemas.

Quadro 04 – Elementos da execução de um projeto

Uma experiência com projetos

Apresentaremos a seguir um relato de uma experiência, na qual as etapas do


desenvolvimento de um projeto podem ser observadas a partir de um tema e problema
definido. O projeto foi desenvolvido no primeiro semestre de 2001, na Escola
Estadual Professor Francisco Ivo, localizada em Natal-RN, no bairro Dix-Sept-
Rosado, envolvendo alunos do 1º ano do ensino médio, na faixa etária de 16 a
19 anos de idade e professores das áreas de Português, História, Matemática,
Biologia e Artes.

278
O tema escolhido Trabalho e Comunidade é, obviamente, uma particula-
ridade da comunidade na qual a escola está inserida. Assim, é fundamental regis-
trar que o “trabalho” como prática social se constitui em um importante núcleo de
interesse para os alunos e para a referida comunidade.
A partir desse tema, foram levantadas e identificadas questões relacionadas
ao emprego, subemprego, salário e trabalho. Inicialmente, foram levantados alguns
questionamentos para diagnosticar aquilo que os alunos sabem e gostariam de
saber sobre o tema definido com eles em forma de problemas.
Foram feitas perguntas, tais como: por que devemos trabalhar? Qual é a
relação entre trabalho e profissão? Que deveres legais tem o trabalhador? As
respostas dos alunos, ao mesmo tempo em que foram hipóteses formuladas por
eles sobre as causas dos problemas, revelaram os saberes prévios que já possuíam
sobre o assunto. Essas questões conduziram professores e alunos para a definição
do seguinte problema: que tipo de relações podemos estabelecer entre trabalho e
salário? Esta etapa do trabalho correspondeu ao momento da problematização
que, como já mencionamos, foi o detonador do projeto.
Para justificar o estudo, foram elencadas as seguintes razões:
· para que os alunos conhecessem melhor o significado do trabalho na co-
munidade e para que pudessem refletir sobre os problemas relacionados a ele;
· para que assimilassem alguns conceitos mais completos do que seus próprios
conhecimentos prévios;
· para que investigassem e buscassem conhecimentos envolvidos no problema;
· para que pudessem apresentar possíveis soluções para o problema.
Para o projeto, foram definidos os seguintes objetivos:
· aprofundar o conhecimento da realidade que vivem quanto ao trabalho;
· oportunizar momentos para que se pense na solução de problemas desse
tipo.
Na etapa seguinte, os alunos foram divididos em equipes e receberam
informações gerais sobre o referido tema/problema e sobre como eles deveriam
organizar essa fase do projeto, sendo sua execução feita de acordo com um roteiro.
Este foi o momento no qual os alunos realizaram suas investigações e coletaram
informações sobre o tema. Para tanto, foram desenvolvidas as seguintes atividades:
· leitura em revistas e livros. Nessa atividade, os alunos tiveram a opor-
tunidade de estudar sobre a origem do salário e os diversos tipos de profissão;
· pesquisa na internet. Nessa atividade, os alunos levantaram informações
sobre a cesta básica, observando sua variação no semestre e estabelecendo uma
relação entre o valor da cesta básica em reais e o valor do salário mínimo;
· aulas expositivas dos professores das diferentes áreas do conhecimento,
com o intuito de discutir e sistematizar informações e possibilitar a construção de
novas aprendizagens sobre o tema problema;

279
· visita dos alunos ao Departamento Intersindical de Estudos Estatísticos –
DIEESE com a finalidade de coletar informações sobre a variação do salário mínimo
no semestre;
· elaboração de cartazes e álbum seriado pelos alunos para organizar e sis-
tematizar as informações;
· organização de uma peça teatral (dramatização), sob a orientação de dois
professores, que focalizou a relação trabalho-salário;
· observação das modalidades de trabalho existentes na comunidade.
A partir dos dados obtidos, os alunos fizeram comentários, discutiram entre
si e elaboraram textos sobre as modalidades de trabalho existentes na comuni-
dade, ao mesmo tempo em que compararam seu conhecimento anterior com sabe-
res construídos a partir das informações coletadas. Com relação às causas dos
problemas relacionados ao trabalho e suas conseqüências para as pessoas da co-
munidade, os alunos perceberam a relação de exploração e de injustiça na maio-
ria das relações sociais inerentes ao trabalho, posto que, em geral, o salário não
corresponde ao trabalho realizado, bem como ressaltaram a importância deste
para a vida em sociedade.
Nessa etapa do projeto (desenvolvimento), os professores de cada área
apresentaram diferentes contribuições, como mostramos no Esquema 03.

Português: produção de
textos e elaboração de
cartazes

Biologia: potencial Matemática: elaboração


energético oriundo dos de gráficos de
alimentos que compõem a interpretações das
cesta básica informações

Contribuição
das
disciplinas
Artes: elaboração de
cartazes organização e História: história do bairro
encenação de uma peça
de teatro

Esquema 03 – Contribuições das disciplinas no projeto

280
Em Português, os alunos trabalharam com produção de textos e elaboração
de cartazes. Na disciplina Matemática, foram elaborados gráficos de segmento e
de setor, para posterior interpretação das informações. Na área de História, foi
focalizada a história do bairro, observando mudanças do tipo de trabalho realizado
pelas pessoas. Em Artes, foram confeccionados cartazes, e foi encenada uma peça
de teatro. Já em Biologia, os alunos pesquisaram sobre o potencial energético
oriundo dos alimentos que compõem a cesta básica. Nesse tipo de atividade, os
professores trabalharam de forma coletiva, numa perspectiva interdisciplinar.
Na etapa final do projeto (síntese/conclusão), ocorreu uma exposição na
escola, na qual os alunos apresentaram toda sua produção, culminando com uma
palestra sobre o tema e a encenação da peça, revelando-se por essas atividades os
saberes construídos. Na avaliação do trabalho, percebemos o desempenho das
equipes na pesquisa e busca do conhecimento, observamos o aumento da auto-
estima e a integração das diferentes séries, bem como a construção do conhecimento
a partir da prática.
As etapas propostas para a organização e execução do projeto (problema-
tização, desenvolvimento, conclusão ou síntese) foram consideradas neste exem-
plo concreto. Isso significa que no espaço da sala de aula, e a partir de problemas
identificados e discutidos com os alunos, é possível fazer um trabalho com esse
tipo de abordagem, que ajuda os alunos a construírem saberes, desenvolverem
habilidades e atitudes, bem como a resolverem problemas para integrá-los como
recursos na formação de competências.

Considerações finais

Poderíamos dizer que um projeto é uma pesquisa ou uma investigação, mas


desenvolvida em profundidade sobre um tema/problema que se deseja compreender,
explicar e resolver, sendo, portanto, um objeto de estudo de interesse dos alunos.
Deve ser desenvolvida por um grupo pequeno de alunos, ou algumas vezes pela
classe inteira, como também por mais de uma classe ou ainda sob outras condições.
A essência e a relevância de um projeto é que se constitui num esforço
investigativo, deliberadamente voltado a procurar respostas para questões sobre o
tema e principalmente por problemas identificados, levantados pelos alunos,
professores, ou pelos professores e alunos juntos e, eventualmente, por funcionários
da escola, pais e pessoas da comunidade. Nesse sentido, o trabalho por projeto é
um mecanismo que propicia a interação sujeito-objeto de conhecimento, mediando
ainda os fatores motivacionais próprios e necessários para a aprendizagem.
Os objetivos de um projeto não se limitam apenas a buscar respostas corre-
tas e abrangentes, mas também em aprender de maneira significativa os tópicos
estudados, a partir de problemas definidos. Nesse sentido, esta abordagem se cons-
titui como uma possibilidade, além de outras, para ajudar os alunos a utilizar a
estratégia de Resolução de Problemas, Contextualização e Interdisciplinaridade,

281
princípios norteadores nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.
Os projetos, em determinados contextos educativos, podem ser desen-
volvidos de forma interdisciplinar. Por exemplo, um projeto que apresente como
eixo temático A Terra, ou O Consumo de Água no Planeta ou outros temas
mais gerais envolve naturalmente a Geografia e a História, e, seguramente, as
Ciências (na análise dos elementos constituintes do planeta, como o solo, o ar, a
água e a biosfera). Mas também envolve a Língua Pátria, sua síntese em uma
Língua Estrangeira, a Matemática (no estudo da esfera e nos cálculos e outras
operações que abarcam as formas geométricas presentes no planeta, bem como
o tratamento estatístico que o tema possibilita) além de diversas outras áreas
de estudo.
Entendemos que a forma mais adequada de se estudar projetos é tomá-
los como um método a mais no sistema de métodos e dos elementos sistemáticos
de uma ou de algumas disciplinas. Além disso, os projetos devem refletir o que
está posto e definido no Projeto Pedagógico da Escola, não sendo, portanto, um
conjunto de atividades isoladas na implementação do currículo escolar. Tendo
como principal finalidade a resolução de problemas pelos alunos, é um instru-
mento importante para explorar conceitos, procedimentos, atitudes e valores
por meio de atividades intra e extracurriculares.
Os defensores do emprego de projetos como complemento de um processo
de instrução sistemática destacam que essas investigações complementam os
objetivos da referida instrução.
Apesar do lugar importante que esta abordagem metodológica ocupa no
currículo escolar, é importante evidenciar que, assim como outras alternativas,
apresenta limitações. Ao se trabalhar por projetos, os alunos são estimulados e
orientados a buscarem seu próprio conhecimento, o que implica um processo de
sistematização, apropriação e aplicação, até certo ponto difuso. É importante re-
fletir, por exemplo, sobre a possibilidade que os alunos têm de estabelecer rela-
ções significativas entre os conceitos, procedimentos e atitudes que, embora se
apresentem como próximos, são na verdade diferentes, o que implica obstáculos,
por exemplo, para o processo de sistematização do conhecimento pelos alunos.

Referências

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282
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ZABALA, A. A Prática Educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.

283
A HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA MATEMÁTICA
NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Arlete de Jesus Brito,


Luiz Seixas das Neves
e André Ferrer Pinto Martins

A História da Ciência é mais fascinante que um romance policial. [...] O


estudo da História da Ciência é muito importante, sobretudo para os jovens.
Acho que os jovens deveriam ler História da Ciência porque freqüentemente
o ensino universitário é extremamente dogmático, não mostrando como ela
nasceu. Por exemplo, um estudante pode facilmente imaginar que o conceito
de massa seja simples e intuitivo, o que não corresponde à verdade histórica.

Mário Schenberg

Introdução

Neste capítulo, pretendemos discutir certos aspectos do papel que pode ser
atribuído à história da Ciência e da Matemática na formação de professores do
Ensino Básico, em geral, e do Ensino Médio, em particular. Para tal, iniciaremos
esclarecendo a partir de quais referenciais estamos abordando a formação de
professores (uma vez que os paradigmas que a fundamentam têm sofrido alterações
nas últimas décadas) e como entendemos a inserção da história da ciência e da
matemática nessa formação.
Entre as décadas de 70 e 90 do século passado, o foco da formação docente
recaía sobre o treinamento, a reciclagem ou a atualização de professores. Nesse
processo, os docentes, do que hoje denominamos por Ensino Básico, recebiam
“receitas de como ensinar bem”, desenvolvidas por pesquisadores que elaboravam
teorias, muitas vezes, desvinculadas da prática daqueles docentes. A partir da década
de 90, intensificaram-se os projetos de formação nos quais os professores do Ensino
Básico não eram considerados meros receptores do conhecimento organizado pelos
“especialistas” das universidades, mas se tornaram parceiros/colaboradores destes
últimos, pesquisando sua própria prática a partir de sua realidade escolar e se
constituindo sujeitos de conhecimento (Ferreira, 2003; Geraldi; Fiorentini, 2001).
Podemos exemplificar essa nova tendência com a experiência desenvolvida por
Lopes, Krüger e Del-Pino do Instituto de Química da UFRGS, realizada em 1995,
em formação inicial e continuada de professores, na qual se pretendia:

284
oportunizar aos professores de Ciências e Matemática uma reflexão
sobre sua prática docente, uma reconstrução de conhecimentos e uma
discussão metodológica que os habilitem a uma reorganização curri-
cular inserida na realidade em que atuam (Lopes; Kruger; Del-Pino,
2000, p.214).

É nesse contexto de uma nova compreensão do processo formativo de


professores que surgem, na área de Didática, termos e expressões como “pesquisa-
ação” ou “professor reflexivo”, que pressupõem uma (re)valorização do saber
e da prática docentes.
Desse modo, estamos entendendo que a formação de professores, tanto a
inicial quanto a continuada, necessita ser feita a partir da articulação dialética
entre teorias educacionais e a prática pedagógica efetiva (Tardif et al., s/d). Os
professores – atuantes e futuros – possuem crenças e produzem saberes sobre a
prática docente, sobre os conteúdos específicos e pedagógicos que necessitam ser
relacionados e considerados naquela formação. Em suma: nos cursos de formação,
é necessário que se busque superar o fosso existente entre formação específica,
formação pedagógica e prática docente.
A discussão nacional acerca de tal necessidade não é recente. Por exemplo,
no Primeiro Encontro Paulista de Educação Matemática, realizado em 1989, o
Grupo de Trabalho sobre Formação do Professor de Matemática ressaltou que
ocorria a separação entre tais saberes nos cursos de licenciatura da época e con-
cluiu que “o funcionamento dos cursos leva a uma excessiva separação entre a
Universidade e a Escola e à fragmentação dos conteúdos que não são reconhe-
cidos como idênticos quando tratados em disciplinas diferentes” (Souza et al.,
1995, p.43). Esta também tem sido uma preocupação constante na área de
Ensino de Física, refletindo-se num esforço de aproximação entre pesquisado-
res e docentes, renovado bianualmente nos Simpósios Nacionais de Ensino de
Física (SNEF’s), desde o início da década de 70.
A discussão internacional sobre a inserção da história da Ciência e da
Matemática em cursos de formação de professores também não é recente. Segundo
Jones (1969, p.5), em 1920, quarenta e quatro instituições de formação de pro-
fessores já ofereciam a disciplina de história da Matemática em seus cursos.
Porém, pesquisas (Miguel, 1993) demonstram que a inclusão de uma disciplina
histórica de cunho narrativo, que não objetive a construção do conhecimento
específico e do pedagógico, não colabora para que sejam superados os proble-
mas sobre formação de professores, apontados anteriormente. Assim, nossos
trabalhos como pesquisadores (Brito, 1995; Miguel; Brito, 1996; Brito; Miorim,
1999; Neves; Farias, 2004; Leodoro; Martins, 1991; Martins; Graballos Junior,
1997; Martins, 1998) e como docentes de história da Ciência e da Matemática
em cursos de graduação, extensão e de pós-graduação têm nos levado a observar
que a história pode possibilitar aquela articulação, quando utilizada com finali-
dades pedagógicas de problematização e construção dos saberes profissionais

285
dos professores, uma vez que possibilita reflexões sobre:
· a orientação das escolhas e decisões metodológicas e didáticas, por meio
da análise de pressupostos epistemológicos, teleológicos e axiológicos de tais
escolhas;
· os fundamentos dos conteúdos científicos e matemáticos básicos presentes
em sua prática docente;
· a possibilidade de articular seu trabalho em ensino de ciências naturais e
de matemática com as contribuições de outras áreas do conhecimento;
· a existência da diversidade cultural no que se refere à produção do
conhecimento;
· as potencialidades e limites da produção de atividades e outros recursos
que envolvam a história da ciência e da matemática para utilização didática.
A seguir, vamos expor alguns exemplos de como a História da Ciência e da
Matemática pode colaborar nessas reflexões.

1. Reflexão sobre as escolhas e decisões metodológicas


e didáticas, por meio da análise de pressupostos
epistemológicos, teleológicos e axiológicos de tais escolhas

As decisões e escolhas metodológicas e didáticas, tais como opções acerca


do conteúdo a ser trabalhado, determinação dos objetivos e metas a serem
alcançados no processo pedagógico, metodologias de ensino e formas de avalia-
ção estão sempre ancoradas no contexto sócio-político-econômico e cultural no
qual se inserem. Assim, por exemplo, na década de 60 do século XX, a corrida
armamentista e espacial decorrente da Guerra Fria fez com que os Estados
Unidos impusessem ao bloco ocidental uma nova educação matemática e
científica que tomou corpo nas propostas pedagógicas do SMSG1 e do PSSC.2
O primeiro desses grupos de estudo propôs a inserção do denominado Movi-
mento da Matemática Moderna nas escolas. Mal havia se passado uma década
e o fracasso de tal movimento já estava sendo apontado – veja-se, por exemplo,
a crítica ferrenha de Morris Kline (1976). Apesar disso, ainda hoje muitos
professores, por desconhecer esse contexto, “naturalizaram” o ensino de con-
ceitos e procedimentos matemáticos – como, por exemplo, o conceito de fun-
ções e os procedimentos de cálculo de probabilidades – a partir de Teoria
dos Conjuntos e não percebem as dificuldades que essa opção metodológica
traz à aprendizagem de seus alunos. O conhecimento de tais fatos históricos
poderia fazer com que o professor decidisse sobre a propriedade ou não de
tal abordagem do conteúdo matemático, levando-o a relacionar questões de

1
School Mathematics Study Group. Grupo de estudo organizado nos Estados Unidos, no final da
década de 1950, para elaborar um currículo para o ensino de matemática.
2
Physical Science Study Committee.

286
cunho pedagógico – objetivos e metodologias – com o conteúdo específico a ser
ensinado. Enquanto isso, o PSSC hierarquizava e compartimentalizava os conteúdos,
procurando enfatizar o caráter experimental da Física. Ao apresentar a ciência com
um saber acabado e claro, isentava-a de questionamentos históricos, filosóficos ou
mesmo metodológicos, o que era considerado adequado para atrair jovens para car-
reiras científicas. Mas sua aplicação também não obteve resultados satisfatórios.
Esse projeto fez parte de um contexto, cuja compreensão ajudaria a avaliar certas
tendências que permanecem nos currículos e livros atuais de Física.

2. Reflexão sobre os fundamentos dos conteúdos científicos


e matemáticos básicos presentes em sua prática docente

A maioria dos cursos de Licenciatura em Matemática tem privilegiado uma


concepção formalista dos conteúdos matemáticos. Tal enfoque, além de desvincular,
deliberadamente, tais conteúdos daqueles a serem lecionados no Ensino Médio,
ainda não fornece os subsídios para a compreensão dos fundamentos destes últimos.
Normalmente, o termo “fundamento” tem sido confundido com “elementar” – assim
como os Elementos de Geometria de Euclides foi considerado, por muito tempo,
como um estudo elementar de geometria, quando na verdade tratava-se exatamente
do contrário –, o que leva à negação do estudo de tais fundamentos e faz com que
a formação desses futuros professores atenha-se à aprendizagem de técnicas e à
memorização de teoremas em detrimento de uma compreensão significativa dos
conceitos, propriedades e procedimentos matemáticos. Como se não bastasse, não
se explicitam, para os futuros professores, as relações entre os conteúdos de dife-
rentes áreas da matemática e deles com os de outras áreas do conhecimento.
Miguel e Brito (1996, p.50) afirmam que se a história da matemática fosse
concebida como forma de problematização poderia contribuir para que o futuro
professor dessa disciplina compreendesse
[...] tópicos de crucial importância para sua ação pedagógica tais
como: a concepção da natureza dos objetos da matemática, a função
da abstração e da generalização, a noção de rigor e o papel da
axiomatização, a maneira de se entender a organização do saber, os
modos de se compreender a dimensão estética da matemática e a
valorização da dimensão ético-política da atividade matemática.

Apesar de esses autores estarem se referindo explicitamente ao papel que


pode ser desempenhado pela história na formação de professores de matemática,
podemos notar que tais contribuições podem ser estendidas à formação de
professores das áreas de ciências naturais, uma vez que, em geral, a realidade nos
cursos de Licenciatura em Química e em Física não é muito diferente. Os formadores
dos futuros professores dessas áreas geralmente não assumem que estão formando
professores. Segundo Neves et al. (2001, p.89), observa-se que

287
a formação inicial pouco contribui com “referenciais” para uma
base de conhecimento da docência como profissão, e o aprender a
ensinar Química é algo que os professores, quando iniciam o exer-
cício da profissão, devem fazer a partir de suas limitadas experiên-
cias de ensino. Os cursos de formação continuam “fornecendo recei-
tas de como fazer”, sem considerar as peculiaridades da formação
continuada, desconsiderando o professor como ator do processo de
construção de saberes de sua profissão e os contextos reais da prática
profissional.

Podemos considerar também que a história da Ciência e da Matemática


propicia uma abordagem epistemológica dos conceitos científicos e matemáticos,
possibilitando a análise de seus diferentes significados, definições e modos de
organização e de representação. Tal análise indica quais as mudanças em pro-
cedimentos matemáticos e científicos e quais as dificuldades se impuseram his-
toricamente na elaboração desses conceitos, de modo a facilitar ao professor a
compreensão de procedimentos não canônicos apresentados por seus alunos, de
concepções alternativas por eles manifestas, e de possíveis dúvidas dos es-
tudantes. Além do mais, tal história indica as vinculações, nem sempre explícitas
no ensino atual, de conceitos dentro das próprias áreas de conhecimento. Por
exemplo, a história do conceito de logaritmo explicita suas ligações com os
problemas comerciais e de navegação colocados pelo mercantilismo no século
XVII, ao mesmo tempo em que revela suas relações com as progressões aritmé-
ticas e geométricas e indica outras possibilidades de abordagem pedagógica de
tal conteúdo, que geralmente apresenta grandes dificuldades de aprendizagem
por parte dos alunos. Outro exemplo que pode ser citado refere-se ao conceito
de elemento químico. Tal conceito nasceu de especulações filosóficas na antiga
Grécia e, ao contrário do conceito de átomo, desenvolveu-se com a teologia
cristã, durante a Idade Média. A partir do século XIX, houve quase uma “fusão”
de tais conceitos, de modo a dar à química nascente um apoio materialista (con-
ceito de átomo), sem, no entanto, contradizer os dogmas cristãos (conceito de
elemento). Tal fusão tem levado a grandes dificuldades por parte dos alunos na
compreensão de tais conceitos. O conhecimento, por parte do professor, dessa
história pode ajudá-lo a perceber onde se localizam as dúvidas dos alunos
quando iniciam seus estudos sobre átomos e elementos químicos. Da mesma
forma, a construção histórica do conceito de inércia representou uma grande
ruptura com a física de Aristóteles, e demandou esforços de pensadores medie-
vais e renascentistas, como Benedetti, Galileu e Descartes. As dificuldades en-
frentadas por eles são, em parte, semelhantes àquelas com as quais o professor
se depara na sala de aula, pois a física do “senso comum” é essencialmente
uma física não-inercial. Compreender a história pode levar a um melhor enten-
dimento das concepções e dificuldades dos alunos, ajudando a promover a
superação destas.

288
3. Reflexão sobre as possibilidades de articular o ensino
de Ciências Naturais e de Matemática com as outras áreas
do conhecimento

A atual fragmentação excessiva do conhecimento científico dificulta a apren-


dizagem de conceitos matemáticos e científicos por parte dos alunos que não
conseguem perceber porque algumas teorias foram desenvolvidas nem quais as
suas possíveis aplicações.
A história da ciência e da matemática pode levar o professor a uma visão
interdisciplinar de tais conhecimentos e a instrumentalizá-lo para responder a
freqüente questão dos alunos: para que serve isto? Além do mais, tal história pode
colaborar para que o professor analise, com seus alunos, os problemas que
acarretaram o desenvolvimento de teorias científicas e matemáticas, observando
que tais problemas muitas vezes originaram-se em outros campos do saber, ou
ainda de necessidades práticas. Por exemplo, o cálculo de probabilidades nasceu,
na Idade Moderna, juntamente com as empresas de seguro. Era necessário que se
fizesse seguro das cargas transportadas pelos navios, em uma época em que a
navegação marítima configurava-se como uma grande e perigosa aventura. Porém,
para isso, se inventaram maneiras de calcular o risco de perda de tais cargas e foi
esse um dos caminhos do desenvolvimento da probabilidade.
O desenvolvimento do relógio de pêndulo e a preocupação com a marcação
do tempo, também na Idade Moderna, encontram-se vinculados aos problemas
relacionados com a expansão marítima européia. Para a determinação da longitude
no mar, era necessário comparar a hora local com a hora do ponto de partida, o
que levou a um grande investimento na elaboração de cronômetros marinhos
precisos, que suportassem as viagens. Disso resultou, tanto um aprimoramento
dos relógios mecânicos quanto novas formas de encarar o próprio tempo, com
profundos reflexos nos séculos que se seguiram. Um outro exemplo é o desen-
volvimento da Termodinâmica, cujo corpo teórico veio em grande medida, dar
respostas a necessidades eminentemente práticas, relacionadas à construção e à
melhoria do rendimento das máquinas térmicas, ao longo dos séculos XVIII e
XIX. O desenvolvimento desse ramo da Física – assim como o da eletricidade e
magnetismo – encontra-se vinculado à Revolução Industrial, que tantas transfor-
mações produziu na economia e na sociedade mundiais.

4. Análise da diversidade cultural no que se refere


à produção do conhecimento

Os conteúdos de ensino atuais, apesar das mudanças que se fazem sentir,


são marcados pelo cientificismo e pelo eurocentrismo. A primeira dessas caracte-
rísticas faz com que os conhecimentos, tanto da religião quanto de outras formas
de tradição não institucionalizadas academicamente sejam considerados errados

289
ou falsos conhecimentos quando inseridos no contexto escolar. O segundo leva o
ensino a desconsiderar como conhecimento válido qualquer um – tais como os das
sociedades indígenas – que seja produzido por outras sociedades que não seguem
o padrão de organização ditado pela colonização européia. Esses fatos têm difi-
cultado a aprendizagem dos alunos, pois, muitas vezes, possuem conhecimentos
advindos de sua experiência de vida, válidos em situações extra-escolares e que
são tidos como infundados ou simplesmente são desconsiderados por parte dos
professores no processo de ensino e aprendizagem. Nesses casos, a aprendiza-
gem acaba caracterizando-se apenas como uma “sobreposição” de conheci-
mentos, ou seja, o aluno responde nas avaliações o que sabe que o professor quer
como resposta, mas fora dessa situação continua utilizando e/ou acreditando apenas
em seus conhecimentos advindos da prática extra-escolar.
A história da Ciência e da Matemática, além de levar ao reconheci-
mento de que os saberes científicos compõem apenas uma parte entre aqueles
que buscam dar explicação aos fenômenos naturais e sociais, ainda demonstra
que o que consideramos atualmente como conhecimento científico muitas vezes
originou-se de questões religiosas ou mitológicas, ou esteve ligado a elas em
diferentes momentos históricos. Assim, as teorias pitagóricas dos números,
do século VI a.C. ao II d.C., estiveram intrinsecamente relacionadas a uma
interpretação mítica do universo, que pressupunha, inclusive, uma anti-Terra,
para com ela compor-se o número de dez corpos celestes, número este consi-
derado perfeito pelos pitagóricos. Suas explicações sobre o funcionamento do
universo estavam embasadas nessas pressuposições. A química é herdeira da
alquimia e de especulações sobre transmutação entre os elementos. Newton
e Kepler dedicaram boa parte de seu tempo de pesquisa ao que hoje seria con-
siderado de natureza mística ou pseudo-científica.
A partir do reconhecimento dos diferentes estatutos que possuem as dife-
rentes formas de conhecimento, o professor pode perceber a necessidade de con-
siderar, em sua prática docente, a diversidade de conhecimentos e crenças que
seus alunos trazem de sua realidade extra-escolar.

5. Reflexão sobre as potencialidades e limites da produção


de atividades e outros recursos que envolvam a história
da Ciência e da Matemática para utilização didática

A história da Ciência e da Matemática pode fornecer ao professor proble-


mas e indicar métodos que objetivem a construção do conhecimento pelo aluno,
como no exemplo da história dos logaritmos anteriormente citada. Porém, é
importante apontar as dificuldades da utilização pedagógica de tal história,
tais como falta de bibliografia específica, dificuldade de acesso a fontes primá-
rias, o tempo disponível para o desenvolvimento do conteúdo em sala de aula e
para a preparação de tais atividades e materiais. Mas, apesar de tais dificuldades,

290
tal história, devido às considerações realizadas anteriormente neste texto, possui,
inequivocamente, potencialidades pedagógicas.
Os pressupostos acima apresentados acerca de formação de professores e
da utilização pedagógica da história da ciência e da matemática nortearam nossa
prática na disciplina de História da Ciência e da Matemática no Ensino ministrada
no curso de Pós Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática (UFRN),
em 2002. A seguir, relataremos esta experiência.
Tal disciplina foi ministrada em 45 créditos, ou seja, 3 horas-aula semanais.
Os alunos cursistas eram vinte professores da rede pública, alguns dos quais são
docentes do ensino médio e outros do ensino fundamental. Todos possuíam uma
vasta experiência no magistério; o menor tempo de experiência era de cinco anos.
A abordagem inicial partiu do tema gerador “Explicações históricas da
origem do Universo” do qual foi possível desenvolver os conteúdos. A história
da ciência e da matemática desempenhou o papel de urdideira na elaboração de
uma trama conceitual, a partir da qual contextualizamos, de maneira interdisci-
plinar, os conceitos da matemática, da física e da química. O curso foi estruturado
a partir das explicações mitológicas, religiosas e científicas, para aquela origem.
Assim, em Matemática, tratamos desde as teorias pitagóricas até a teoria das
catástrofes e o princípio de incerteza; em química, foram estudados desde os
conceitos de elemento e átomo entre os gregos da Antigüidade até o estudo das
partículas elementares no século XX; em física, abordou-se desde as explicações
aristotélicas para o movimento até a teoria da relatividade.
A metodologia constou de apresentação, seguida de debate de filmes, de
leitura e discussão de textos, de seminários apresentados pelos alunos e de uma
pesquisa de campo, organizada pelos professores e pelos alunos do curso, que foi
aplicada junto aos alunos destes últimos. Tal pesquisa de campo teve como
referencial a engenharia didática.
A engenharia didática é uma metodologia de pesquisa que tem a finalidade
de analisar as dificuldades dos alunos na aprendizagem de determinado conceito,
bem como de avaliar situações didáticas. A pesquisa em engenharia didática é
um processo no qual os dados empíricos são confrontados com hipóteses levanta-
das a partir da bibliografia sobre o assunto. Segundo Machado (1999, p.198), a
engenharia didática “pode ser compreendida tanto como um produto de análise a
priori, caso da metodologia de pesquisa, quanto como uma produção para o ensino”.
Em nossa disciplina, utilizamos a engenharia didática com o primeiro
significado atribuído por Machado (1999). Em sala de aula, juntamente com os
mestrandos, elaboramos as seguintes questões para serem aplicadas com seus alunos:
1) Para você, o que é o Universo?
2) O Universo teve um início?
3) Para você, de que é composto o Universo?
4) O Universo deixará de existir?
5) Faça um desenho representando como é o Universo.

291
Tal questionário foi aplicado a alunos das quintas e oitavas séries do ensino
fundamental, do primeiro ano do ensino médio e do primeiro semestre da licencia-
tura em matemática.
Apresentamos, na seqüência do texto, algumas representações dos alunos
para o Universo, obtidas em resposta à questão 5.

Figuras 1 e 2 – Universos caracteristicamente heliocêntricos. Notar a presença de estrelas entre


as órbitas planetárias, e as representações (desenhos) diferentes para elas e para o Sol (ambas as
representações são de alunos do 1o ano do ensino médio)

292
Figura 3 – Universo com características geocêntricas. Notar como o indivíduo coloca-se, apa-
rentemente, “dentro” de uma Terra esférica, com o céu sobre sua cabeça (também de um aluno
do 1 o ano do ensino médio)

A pesquisa demonstrou que a maioria dos alunos do ensino médio, quando


interpelada, utilizou-se de explicações religiosas para aquelas questões. Somente
alguns alunos referiram-se ao Big-Bang. Um exemplo disso pode ser observado
pela seguinte resposta de um aluno à terceira questão: “não tem como explicar do
que é feito, pois nem tudo nós sabemos, mas creio que é a potente mão de Deus
juntamente com seu filho Jesus pode explicar e estar entendido sobre o universo”.
A partir dos dados da pesquisa, os alunos/professores perceberam a necessi-
dade de considerar os conhecimentos extra-classe de seus alunos, de modo a não
desvalorizá-los, mas para buscar maneiras de mostrar que há várias formas de
explicação para os fenômenos, dentre as quais podemos citar as religiosas e as
científicas.

293
Figura 4 – Universo mais “aberto”. O aluno (também do 1o ano do ensino médio) procura deslocar
o sistema solar do centro, e representar outras galáxias, cometas e até um buraco negro

Esta experiência corroborou nossas observações anteriores sobre as poten-


cialidades pedagógicas da história da Ciência e da Matemática expostas, con-
forme podemos analisar pelos depoimentos de professores que cursaram tal disci-
plina. Segundo eles, a disciplina teria colaborado para a elaboração de seu conhe-
cimento específico. Uma aluna afirmou que isso ocorreu “no momento em que
percebi a importância do conhecimento da história da Química para a explicação
dos modelos atuais”. Outra avaliou que “embora esta (re)elaboração esteja ocor-
rendo há algum tempo, desde quando iniciei cursos em história da matemática”.
Além disso, segundo eles, a participação no curso de História da Ciência
e da Matemática possibilitou-lhes reflexões sobre suas opções metodológicas:
“o curso colaborou de certa forma para mostrar que as aulas podem ser extre-
mamente produtivas, sem ser necessariamente trabalhadas no quadro, com reso-
lução de exercícios, seguindo o método tradicional”; “a partir de tal curso me
questionei a respeito do modo de conduzir o ensino”.
Alguns professores começaram a implementar atividades com o uso de
história da Ciência e da Matemática em suas salas de aula. Segundo uma profes-
sora, seus alunos “adoraram, pois conhecendo o passado fica mais fácil entender
o presente”.

294
A pesquisa realizada por eles, junto a seus alunos, colaborou para que
percebessem que estes últimos possuem explicações que nem sempre são aquelas
ensinadas na escola: “interessante, pois percebi que mesmo aqueles que tinham
uma concepção científica, ao tentar explicar a origem da massa densa que explodiu,
acabavam respondendo que foi Deus que fez”. Ainda sobre essa pesquisa, um
aluno observou que a partir dela compreendeu a necessidade “de integração e
ampliação do conhecimento”.
Sendo assim, o presente trabalho soma-se a outros na defesa de que, quando
abordada com finalidades pedagógicas, a história da ciência e da matemática pode
colaborar para uma formação de professores que se aproxima daquela apontada
pelas atuais tendências na área.
Finalizando, seria oportuno salientar, seguindo Peduzzi (2001, p.157), que
“é, sem dúvida, a pesquisa, em condições de sala de aula e com materiais históricos
apropriados, de boa qualidade, que vai referendar ou refutar afirmações” acerca
do papel da história da ciência na formação de professores e no ensino em geral.

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296
OS AUTORES

Isauro Beltrán Nuñez

- Professor Titular do Departamento de Educação da UFRN


- Licenciado em Química pela Universidade de Havana
- Doutor em Ciências Pedagógicas pela Universidade de Havana
- Pesquisa sobre Ensino de Ciências, Formação de Conceitos e Formação
e Profissionalização Docente

Betania Leite Ramalho

- Professora do Departamento de Educação da UFRN


- Especialista em Estatística Educacional pelo Centro Interamericano de
Enseñanza en Estadistica – Universidade de Santiago do Chile
- Mestre em Educação pela Universidade Federal da Paraíba
- Doutora em Educação pela Universidade Autônoma de Barcelona
- Presidente da Associação Nacional da Pós-Graduação em Educação (Anped)
- Coordenadora da Base de Pesquisa Formação e Profissionalização Docente
- Pesquisa sobre Formação e Profissionalização Docente

Anadja Marilda Gomes Braz

- Professora do Departamento de Educação da UERN


- Licenciada em Pedagogia pela UERN
- Especialista em Alfabetização de Jovens e Adultos pela UERN
- Mestre em Educação pela Universidade de Brasília
- Doutoranda em Educação na UFRN
- Pesquisa sobre os saberes da Psicologia Educacional e Formação
e Profissionalização Docente

Analice de Almeida Lima

- Química Industrial e Licenciada em Química pela Universidade Católica


de Pernambuco
- Mestre em Química Orgânica pela Universidade Federal de Pernambuco
- Doutoranda pela UFRN
- Professora Doutoranda do Departamento de Educação da Universidade Federal
Rural de Pernambuco, desde maio de 2000
- Pesquisa sobre o conhecimento pedagógico do conteúdo, modelos e analogias
na Formação e Profissionalização de Professores de Química

297
André Ferrer Pinto Martins

- Licenciado em Física – USP


- Mestre em Ensino de Ciências – USP
- Doutor em Ensino de Ciências e Matemática – USP
- Professor do Departamento de Educação da UFRN
- Pesquisa sobre o Ensino de Ciências e Educação

Antônia Francimar da Silva

- Licenciada em Pedagogia – UERN


- Especialista em Psicopedagogia – UFRN
- Mestre em Educação pela UFRN
- Técnica em assuntos educacionais no Centro Federal de Educação Tecnológica
(CEFET) – RN
- Professora da Rede Pública do Estado do RN
- Pesquisa sobre Representações docentes e a Formação e Profissionalização
Docente.

Arlete de Jesus Brito

- Licenciada e Bacharel em Matemática – PUC/SP


- Doutora em Educação Matemática – UNICAMP
- Professora do Departamento de Matemática e da Pós-Graduação em Educação
- Pesquisa sobre Formação de Professores e História da Matemática

José Paulino Filho

- Licenciado em Matemática - UFRN


- Especialista em Educação – Coordenação do Ensino e Apoio Pedagógico –
UFRN
- Mestre em Educação – UFRN
- Doutorando em Educação – UFRN
- Professor do Instituto de Educação Superior Presidente Kennedy
- Pesquisa sobre Educação Matemática; Didática da Matemática; Formação
e Profissionalização Docente.

Lidiane Estevam Lima Marujo

- Licenciada em Pedagogia – Faculdade Santa Dorotéia-RJ


- Mestre em Educação – UFRN

298
- Pesquisa sobre as Representações Docentes e a Formação e Profissionalização
Docente

Luiz Seixas das Neves

- Bacharel em Química – UFRN


- Mestre em Ciências – Universidade Católica de Luvain – Bélgica
- Professor do Departamento de Química – UFRN
- Pesquisa sobre História da Ciência e Educação em Química

Marcelo Pereira Marujo

- Bacharel em Administração – UFRJ


- Mestrando em Educação – UFRN
- Professor de Educação Física
- Pesquisa sobre o Pensamento Docente e sua Formação e Profissionalização
Docente

Márcia Adelino da Silva Dias

- Bacharel em Ciências Biológicas com habilitação na modalidade médica/


virologia humana – UFRN
- Especialista em Parasitologia na área de Epidemiologia das Doenças
Infecciosas Parasitárias – Helmintologia Humana – UFRN
- Especialista na área de Ensino de Ciências no Enfoque CTS – Universidade de
Oviedo-Espanha
- Mestre na área de Biotecnologia aplicada ao melhoramento genético
de plantas – UFRN
- Doutoranda em Educação – UFRN
- Professora do Ensino Médio do Colégio Imaculada Conceição; Docente
do Centro de Pesquisa, Ciência e Extensão do Rio Grande do Norte (FACEX)
- Pesquisa sobre saberes docentes do Professor de Biologia e a Formação
e Profissionalização Docente

Márcia Gorette Lima da Silva

- Licenciada em Química pela UFRN


- Bacharel em Química Industrial – UFRN
- Mestre em Engenharia Química – UFRN
- Doutora em Educação – UFRN
- Professora do Colégio Marista de Natal – RN
- Colabora na Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da UFRN

299
Raimunda Porfírio Ribeiro

- Licenciada em Serviço Social e Pedagogia na UFRN


- Especialista em Políticas Públicas – UFRN
- Mestre em Educação – UFRN
- Doutoranda em Educação – UFRN
- Professora do Núcleo de Educação Infantil da UFRN
- Pesquisa sobre a formação de conceitos, saberes docentes e a Formação
e Profissionalização Docente

Tereza Cristina Leandro de Faria

- Licenciada em Pedagogia – UFRN


- Especialista em Psicopedagogia – UFRN
- Mestre em Educação – UFRN
- Doutoranda em Educação – UFRN
- Trabalha na Secretaria Municipal de Educação
e na Escola Estadual Profª Josefa Sampaio.
- Pesquisa sobre saberes docentes
e a Formação e Profissionalização docente

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Este livro foi confeccionado especialmente
para a Editora Meridional, em Times New Roman 11/13
e impresso na Metrópole Indústria Gráfica.

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