Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Orgs.
Isauro Beltrán Nuñez
Betania Leite Ramalho
© Editora Meridional, 2004
ISBN: 85-205-0392-6
CDD: 370
371.39
CDU: 37.01
372.85
Apresentação ............................................................................................... 9
PARTE I
A flexibilidade do pensamento,
pensamento crítico e criatividade.
Generalização e transferência de aprendizagem ....................................... 186
Tereza Cristina Leandro de Faria,
Anadja Marilda Gomes Braz
e Isauro Beltrán Nuñez
9
lógica, se discute hoje a importância que ganha a formação dos professores(as)
para atender às novas exigências das propostas curriculares que levam os/as docen-
tes, necessariamente, a novas formas de trabalho e de agir. Portanto, faz sentido
procurarmos identificar as novas necessidades formativas desses docentes.
Nessa perspectiva uma pesquisa, intitulada: Estudos das Necessidades
Formativas de Professores(as): o Caso do Novo Ensino Médio, foi desenvol-
vida no âmbito do grupo de Pesquisa Formação e Profissionalização docente
da UFRN, nos anos 2001/2003, financiada pelo CNPq. Os resultados, de forma
geral, evidenciam que há fragilidades conceituais/didático-pedagógicas a serem
superadas na base formativa dos/as docentes de maneira que possibilitem, a
estes(as), um novo olhar para o ensino das Ciências Naturais e de Matemática,
assim como a compreensão das teorizações que fundamentam a aprendizagem
dessa área de conhecimento nos PCNEM. Reconhecemos que isso implica na
construção, pelos/as professores(as), não só de novos saberes e competências,
como também de um novo referencial sobre o profissionalismo.
Nesse sentido, a busca de novos saberes não está dissociada dos contextos
do exercício da profissão. Este alerta é necessário, uma vez que o ensino/apren-
dizagem não pode ser reduzido a problemas de natureza didático-psicológica.
Não obstante, as teorizações da didática do Ensino das Ciências e da Matemá-
tica podem ser um elemento que contribua com os professores na compreensão da
aprendizagem de seus alunos e conseqüentemente na escolha de referências teó-
ricas para organizar as situações de aprendizagem dos alunos.
As referências teóricas possibilitam construir o planejamento de ensino
como hipóteses de trabalho, uma vez que a sala de aula é um dos espaços de
construção de saberes dos professores(as). Refletir de forma crítica, sistematizar,
socializar os resultados da aprendizagem dos alunos sob os diferentes fatores
dos contextos escolares possibilita mecanismos de validação desses saberes na
busca da inovação educativa. A presente pesquisa esteve fortemente influen-
ciada por este princípio.
Este livro pretende estimular o debate dos professores (as) do Ensino Mé-
dio, na área de conhecimentos das Ciências Naturais e de Matemática na busca
de “mudanças” significativas da prática docente no ensino da Física, da Química,
da Biologia e da Matemática. Assumimos a intencionalidade de apresentar uma
obra perceptível de aperfeiçoamento na qual se discutem idéias por vezes polê-
micas, superadoras e superadas (de outras e por outras idéias) expressas nas re-
flexões dos autores, dos diferentes artigos.
Os autores dos capítulos que compõem esta obra são professores-pesqui-
sadores e alunos do Programa de Pós-Graduação, vinculados à Base/Linha de
Pesquisa Formação e Profissionalizarão Docente do Programa de Pós-Graduação
em Educação da UFRN. Esse grupo tem participado, de forma comprometida, na
busca de alternativas para melhorar a educação científica dos alunos do Ensino
Básico, na perspectiva de contribuir com idéias que norteiem os professores(as) a
10
pensar na sua formação. Com esses autores compartilhamos momentos de refle-
xão, de discussão e muito trabalho conjunto foi desenvolvido para se chegar na
sistematização dos textos aqui presentes.
Por razões metodológicas, a obra se organiza em duas partes: na primeira
parte, “Fundamentos psicológicos e didáticos da aprendizagem” tem-se como
intencionalidade subsidiar com referências da psicologia da aprendizagem os textos
da segunda parte. Na segunda parte : “Pensando a formação de competências e a
aprendizagem no Novo Ensino Médio”, se discutem algumas estratégias que po-
dem contribuir com uma aprendizagem que desenvolva capacidades cognitivas
e afetivas necessárias ao exercício da cidadania, e à formação de habilidades/
competências no Ensino Médio, nas disciplinas de Matemática, Física, Química
e Biologia.
As discussões da Parte I procuram fornecer uma visão didática e de ten-
dências para o ensino dessas disciplinas, sendo apresentados, para tanto, 6
textos.
No primeiro texto, “O ensino tradicional e o condicionamento operante”, é
feita uma reflexão sobre o ensino das Ciências Naturais baseado na tradição
pedagógica que assume como base o condicionamento operante da psicologia. O
texto não pretende caracterizar uma forma de “ensino tradicional”, da qual muitos
procuram afastar-se, por vezes sem reconhecer de forma crítica as possibilidades
e limitações dos mecanismos transmissivos da informação.
O segundo texto, “A aprendizagem significativa e o ensino de Ciências Na-
turais”, discute idéias de P. D. Ausubel sobre a aprendizagem significativa como
estratégia superadora do ensino memorístico. Diferencia tipologias de conceitos,
procura esclarecer diferenças entre conteúdo significativo e aprendizagem signi-
ficativa, idéias por vezes tomadas como semelhantes.
O terceiro texto, “A aprendizagem na perspectiva de Jean Piaget”, discute
os conflitos cognitivos, suas possibilidades e limitações em relação ao ensino de
ciências, revelando as contribuições da teoria da Equilibração para explicar a
aprendizagem.
O quarto texto, “O enfoque sócio-histórico-cultural”, fornece o marco dos
trabalhos de L.S. Vigotsky, A. N. Leontiev e P. Ya Galperin sobre a aprendiza-
gem como tipo específico de atividade que acontece em contextos sócio-históri-
cos mediados pelos outros e por ferramentas culturais. Mostra de forma sintética
a discussão sobre: o caráter social da aprendizagem, a formação de conceitos cien-
tíficos, a internalização da atividade externa em interna, assim como indicadores
qualitativos que caracterizam as habilidades como tipo de atividade.
No quinto texto, “A aprendizagem como processamento da informação”,
é apresenta como uma alternativa para se compreender os processos mentais
que operam a aprendizagem e com a intencionalidade de abrir a “caixa preta”
da psicologia condutista. O processamento da informação enquanto enfoque
psicológico da aprendizagem é objeto de reflexões nesse artigo que traz uma
11
distinção entre conhecimento e informação, discutindo como o aluno aprende en-
quanto sujeito que processa informação, os tipos de memórias e os mecanismos
da “armazenagem da informação”. Essa dimensão procura nos situar na pro-
blemática de como favorecer uma aprendizagem duradoura e não esporádica.
Para concluir a Parte I do livro se faz uma breve apresentação da polis-
semia da categoria “construtivismo” tomando-se por base diferentes tipos de
construtivismo no ensino das Ciências Naturais e da Matemática. Em resumo, a
Parte I do livro nos chama a atenção para pensar que não devemos assumir uma
única possibilidade de se pensar como o aluno aprende. Os artigos dessa parte
do livro, procuram mostrar que o professor deve ter domínio dessas referências
como subsídios para suas escolhas na hora de ensinar e refletir em relação aos
processos da aprendizagem dos alunos.
A Parte II do livro focaliza sua atenção para discutir algumas estratégias
que podem contribuir com a formação de capacidades, habilidades, competên-
cias, etc. na área de conhecimento do Ensino Médio CNMT.
No primeiro texto, intitulado “Os saberes e a formação de competências
no Ensino Médio”, discute-se a questão do conteúdo escolar, como este se confi-
gura a partir de outros saberes. O lugar do conhecimento científico no conteúdo
escolar é o foco de atenção desse capítulo, um tema que requer reflexões de dife-
rentes naturezas: epistemológica, sociológica, psicológica, histórica, na procura
de pensar melhor como deslocar a atenção da escola de hoje (responsabilizada
em transmitir um grande volume de informações) para uma escola que eduque e
desenvolva estratégias de aprendizagem, de convívio social com um conteúdo
significativo voltado para a educação.
O segundo texto, “A noção de competência nos projetos pedagógicos do
Ensino Médio: reflexões na busca de sentidos”, abre um espaço à polêmica dos
sentidos que se atribuem a noção competência, assim como a necessidade de se
refletir sobre o que pode significar formar competência no Ensino Médio e sobre
as possibilidades e limitações dessa noção como estruturadora do Currículo.
O terceiro texto, “O uso de situações-problemas no ensino de Ciências”,
percorre reflexões teóricas sobre as categorias: situação-problema, problema, a
tarefa-problema e o problemático. Essas categorias se vinculam a “métodos” para
o trabalho com situações-problema no ensino. No ensino das Ciências Naturais e
da Matemática o uso de problemas se constitui numa estratégia que pode contri-
buir com a criatividade, assim como com atitudes positivas para a aprendizagem.
Esse assunto se analisa desde um, dentre outros, enfoques do trabalho com pro-
blema para ensinar.
O quarto texto, intitulado “Metacognição: aprender a aprender?”, parte do
pressuposto de que um dos objetivos da Escola Básica é desenvolver nos alunos
capacidades de aprender a aprender. A formação dessas capacidades são anali-
sadas desde a ótica da metacognição no ensino de Ciências Naturais.
Na linha de pensamento em relação à formação de capacidades cogni-
12
tivas/afetivas como elemento da educação no Ensino Básico, o quinto capítulo
“A flexibilidade do pensamento. Pensamento crítico e criatividade. Generali-
zação e transferência da aprendizagem” discute estratégias para contribuir com
a criatividade, a flexibilidade do pensamento, a generalização e a transferência
da aprendizagem, para pensar nessas capacidades como necessárias à educação
escolar. Esse artigo nos ajuda a sair de uma visão instrumental da noção de com-
petências como organizadora do currículo uma vez que volta nosso olhar para
pensar sobre o que se fala quando se fala, de formar competências nesse nível
escolar.
O sexto texto, “Pensando a aprendizagem significativa: dos mapas concei-
tuais às redes conceituais”, constitui uma reflexão sobre as possibilidades do uso
dos mapas conceituais como estratégia da aprendizagem significativa. Apresen-
tam-se as limitações dessa estratégia discutida nas perspectivas de aprendizagem
como processamento da informação que reconhece as redes de conhecimentos
como formas de se organizar a informação na memória.
No sétimo texto, “Dos modelos de mudança conceitual à aprendizagem
como pesquisa orientada”, ao se discutir as bases dos modelos de mudança
conceitual e suas limitações, se analisam as propostas da aprendizagem como
pesquisa orientada, a qual supõe não só uma mudança conceitual como também
procedimental a atitudinal para favorecer a aprendizagem. Essas reflexões apon-
tam para dificuldades de se construir o conhecimento científico escolar. Orien-
tações construtivistas sobre o ensino das Ciências propuseram os modelos de
mudança conceitual baseados em conflitos cognitivos como formas dos alunos
substituírem os conceitos do cotidiano, as idéias prévias, pelo conhecimento
científico.
No oitavo texto, se discute a “Aprendizagem por modelos: utilizando
modelos e analogias”, é desenvolvida uma reflexão sobre essas ferramentas
metodológicas para o ensino das Ciências Naturais. O uso de modelos e analogias
se revela hoje como um campo de pesquisa da Didática das Ciências Naturais,
uma vez que reconhece o caráter de modelo-representação do conhecimento.
Embora hoje se tenha escrito muito sobre o ensino usando projetos, o nono
capítulo intitulado “Ensino por projetos: uma alternativa para a construção de
competências no aluno” se insere no sistema de estratégias didáticas do livro,
segundo as orientações curriculares dos PCNEM.
A história das Ciências e da Matemática e os estudos sobre as epistemolo-
gias do conhecimento científico se apresentam como importantes ferramentas do
conhecimento pedagógico-didático do conteúdo dos professores de Ciências Na-
turais e da Matemática. No texto “A história da Ciência e da Matemática na for-
mação de professores” se relata uma experiência de trabalhar a história da ciência
para o ensino, focalizando a atenção para os processos de “construção do conhe-
cimento” na formação de professores.
Os diferentes textos das duas partes do livro sinalizam para a necessidade
13
de se dispor de um leque de referências teóricas, ao se pensar e refletir de forma
crítica a prática, na busca de novas práticas inovadoras no caminho da educação
científica dos alunos do Ensino Médio. O livro prioriza algumas dessas referências
teóricas, algumas inconclusas, outras conflitantes. A finalidade do livro é promover
a reflexão e discussão conjunta de professores na área das Ciências Naturais e da
Matemática como uma estratégia para contribuir com a profissionalização do
trabalho docente.
14
Parte I
Fundamentos psicológicos
e didáticos da aprendizagem
15
16
O ENSINO TRADICIONAL
E O CONDICIONAMENTO OPERANTE
Introdução
17
educador. Quanto mais vá “enchendo” os recipientes com seus
“depósitos” tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem do-
cilmente “encher” tanto melhores educandos serão.
Porlán Ariza, Rivero Garcia e Martin Del Pozo (1998) afirmam que uma
aprendizagem desse tipo parte de um conjunto de crenças generalizadas que en-
tendem o fato de aprender como um ato de apropriação cognitiva, mediante o qual
o sujeito que aprende toma do exterior (seja de outra pessoa, de um texto escrito ou
da própria realidade) determinados significados. Supõe que a comunicação de
significados é um processo neutro e objetivo, em que as mensagens não são altera-
das no processo que vai do emissor ao receptor. Essa aprendizagem supõe também
que cada conceito, processo ou dado que é conveniente ensinar e aprender é único,
ou seja, só tem um significado correto. Quem aprende algo, aprende porque não
possui ditos significados ou os que tem são incorretos. Essas idéias sobre a apren-
dizagem têm sido representadas pela metáfora da mente em branco.
No “ensino tradicional”, tanto a exposição quanto a análise das informações
são realizadas pelo professor, observado-se os seguintes passos:
18
• preparação do aluno (definição do trabalho, recordação
da aula anterior, despertamento do interesse);
19
1. Os fundamentos psicológicos do ensino
tradicional: o condicionamento operante
Watson (1924, apud Río, 1996), com base nos princípios da reflexologia
russa de Pavlov, foi o fundador do movimento condutista ou behaviorista na
Psicologia, a qual definiu como a ciência do comportamento e este como sendo a
resposta do organismo a um estímulo presente no meio ambiente. O estímulo
constitui toda modificação do ambiente percebida pelo indivíduo e resposta à
modificação que ocorre no organismo como conseqüência do estímulo.
Para a Psicologia de Watson, o importante é a relação entre estímulos e
respostas, ou seja, fatos exteriores que possam ser empiricamente observados, e
não o que ocorre no interior do organismo, pois o que não pode ser visto e mensurado
não interessa aos psicólogos behavioristas (princípio da aprendizagem como caixa
preta). Ressaltamos, entretanto, que Watson não negou a existência de processos
mentais internos, ele apenas não os estudou por acreditar que esses estudos eram
de responsabilidade da Fisiologia.
O condutismo ou behaviorismo preocupa-se, portanto, em prever a res-
posta quando conhece o estímulo e identificar o estímulo quando conhece a res-
posta. De acordo com Fontana e Cruz (1997, p.25), “o estudo do comportamento
deve possibilitar o conhecimento das relações estímulo-resposta, das quais ele é
o resultado”.
A aprendizagem, tema fundamental para os behavioristas, é entendida como
um processo que, em suas unidades mais primárias ou básicas, ocorre quando o
indivíduo, em virtude de determinadas experiências que incluem necessariamente
inter-relações com o contexto, produz respostas novas ou modifica as já existen-
tes. A aprendizagem está sintetizada em Estímulo-Resposta-Reforço, como mos-
tramos abaixo:
20
Estímulo Resposta
Reforço
21
São dois os tipos de aprendizagem para Skinner: por condicionamento
clássico e por condicionamento operante.
A aprendizagem por condicionamento clássico abrange as reações inatas do
organismo ao meio e não uma ação do organismo sobre o meio. Envolve um tipo
de comportamento determinado, que é sempre provocado por um estímulo também
determinado, como mostra o exemplo a seguir:
E R
Sopro nos olhos Piscar de olhos
Assim, se toda vez que houver sopro nos olhos soar uma campainha, pode
acontecer de o indivíduo piscar os olhos ao ouvir a campainha, mesmo na ausência
do sopro. Diz-se, então, que o indivíduo aprendeu a piscar ao ouvir a campainha.
Conclui-se, pois, que à medida que o sopro é associado a um determinado som,
esse som passa a ser um estímulo que também provocará uma resposta do orga-
nismo. Nesse caso, o som é chamado pelos comportamentalistas de estímulo con-
dicionado, porque ele, por si só, não provoca nenhuma reação, mas o faz quando
associado a outro estímulo.
Como nem todos os comportamentos aprendidos podem ser explicados por
meio do condicionamento clássico, foi necessária a formulação de novas explica-
ções para a formação dos comportamentos mais complexos. Isso foi o que fez
Skinner com a sua teoria do condicionamento operante, segundo a qual os indiví-
duos aprendem por meio das conseqüências de suas ações (Coutinho, 1995).
A aprendizagem por condicionamento operante acontece quando compor-
tamentos emitidos pelo organismo são seguidos por algum tipo de conseqüência.
Caso a conseqüência seja agradável, o comportamento tende a se repetir; se a con-
seqüência for desagradável, o comportamento possui menos probabilidade de se
repetir. Cabe ressaltar que, para Skinner, a grande maioria dos comportamentos
é aprendida por condicionamento operante. Como não é possível interferir na pri-
meira emissão de uma resposta operante, utiliza-se a manipulação da conseqüência
para modificar a probabilidade de sua ocorrência no futuro. Qualquer estímulo
pode ser considerado um reforçador, desde que contribua para a ocorrência do
comportamento desejado. A Figura 3 abaixo ilustra o condicionamento operante
ou instrumental de Skinner em animais.
22
Figura 3 – Caixa de Skinner
Fonte: Ross ([1995?], p.79)
23
· formulação de objetivos terminais, em termos operativos;
· análise e avaliação da situação inicial dos alunos, considerando os conhe-
cimentos prévios e relativos aos objetivos formulados;
· seqüência da matéria e análise das tarefas;
· avaliação do programa, dos processos de ensino e avaliação final dos alunos,
em termos de comparação com os objetivos propostos.
Desde as primeiras formulações teóricas sobre o condicionamento operan-
te e a Análise Experimental do Comportamento, a influência do condutismo ou
behaviorismo se fez sentir na prática pedagógica. Em se tratando do ensino de
Ciências, pode-se dizer que não fugiu à regra devido, tanto à formação recebida
por seus professores quanto à própria cultura da escola. A Figura 4 ilustra a orga-
nização típica de uma sala de aula tradicional de base condutista.
24
O professor explica Ciências aos alunos, que copiam e repetem. Para Pozo
e Crespo (1998), as classes magistrais baseiam-se em exposições do professor
diante de uma escuta mais ou menos interessada, que tenta tomar nota do que ele
diz e acompanhar os exercícios e demonstrações que servem para ilustrar e apoiar
as explicações. Portanto, toda dinâmica da aula é dirigida e controlada pelo pro-
fessor, que vai levando, passo a passo, o aluno em sua aprendizagem. De acordo
com Giordan e De Vecchi (1996, p.218), “apóia-se esse modo de fazer na idéia
comum de que para o professor ensinar um fato ou um princípio significa enun-
ciá-lo, e o aluno ser capaz de repeti-lo é conhecê-lo”.
O critério para organizar os conteúdos permanece o “conhecimento disci-
plinar”, entendido como o corpo de conhecimento aceito pela comunidade cientí-
fica. O calor, a energia ou a ionização ensina-se não pelo valor formativo para os
alunos mas porque são conteúdos essenciais da ciência, sem os quais esta não tem
sentido. Assim, quanto mais científico ou acadêmico, melhor o currículo. Além do
mais, os conhecimentos são apresentados como saberes acabados, estabelecidos,
proporcionando aos alunos uma cisão estática e absoluta do saber cientifico. Vale
salientar, em se tratando de teorias já superadas, essas não são ensinadas ou então
são apresentadas como saberes abandonados, que não são científicos, portanto,
não se faz necessário aprender. O conhecimento científico apresenta-se como pro-
duto e se desconhecem os processos de sua produção.
No ensino tradicional de Ciências, o trabalho experimental e as demonstra-
ções práticas têm como objetivo motivarem os alunos para os conhecimentos a
serem transmitidos pelo professor ou comprovar esses conhecimentos, no sentido
de mostrar na prática os conhecimentos teóricos.
25
Nesse tipo de ensino, a avaliação conduz o aluno a devolver ao professor o
conhecimento que dele recebeu da forma mais precisa possível, isto é, mais repro-
dutiva possível. Também são utilizados na avaliação exercícios repetitivos para
comprovar o grau que o aluno domina de uma rotina ou de um sistema de resolução
previamente explicado pelo professor. É uma avaliação seletiva e somativa que
trata de determinar quais alunos superam o grau mínimo exigido, o que tem a ver
com o grau em que são capazes de reproduzir o conhecimento científico tal como
o receberam. A seguir, uma representação do ensino tradicional que Giordan e
De Vecchi (1996, p.217) apresentam:
26
É importante mencionar que, segundo Porlán Ariza, Rivero Garcia e Martin
Del Pozo (1998), o enfoque tradicional representa uma concepção acientífica dos
processos de ensino-aprendizagem, segundo a qual, no melhor dos casos, basta
que o professor tenha uma boa preparação nos conteúdos das disciplinas e certas
qualidades humanas relativas à atividade de ensinar, para que o sistema funcione.
Quando o sistema fracassa, esse fracasso se deve ao professor, que não reúne os
requisitos mencionados, ou então os alunos são deficientes ou têm suas capaci-
dades intelectuais reduzidas. Nesse enfoque didático, o eixo fundamental sobre
o qual gravita a organização e o desenvolvimento das tarefas de classe é o eixo
temático dos conteúdos, daí a denominação, que às vezes recebe, de pedagogia
por conteúdos.
Conclusões
Referências
27
GOULART, I.B. Psicologia da educação: fundamentos teóricos e aplicações à prática
pedagógica. Petrópolis-RJ: Vozes, 1987.
PORLÁN ARIZA, R.; RIVERO GARCIA, A.; MARTIN DEL POZO, R. Conocimiento
Profesional y Epistemología de los Profesores II: estudios empíricos y conclusiones.
Enseñanza de las ciencias, Barcelona, v.16, n.2, p.271-288, 1998.
POZO, J. I. Teorias cognitivas da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
POZO, J. I.; CRESPO, M. A. G. Aprender y enseñar ciencia: del conocimiento cotidiano
al conocimiento científico. Madrid: Ediciones Morata, 1998.
ROSS, O. H. Calidad educativa y enfoques constructivistas. Peru: San Marcos,
[1995?].
RÍO, M. J. Comportamento e aprendizagem: teorias e aplicações escolares. In: COLL,
C. et al. Psicologia da Educação. Porto Alegre: Artmed, 1996, v.2, p.25-44. (Desen-
volvimento Psicológico e Educação).
TALIZINA, N. Psicología de la Enseñanza. Moscú: Progreso, 1988.
28
A APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA
E O ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS
Introdução
1
Os conceitos são elementos importantes do pensamento lógico. Podem ser considerados
como uma categoria que representa uma classe de objetos, como expressão da generalização do
pensamento. Nos conceitos, expressam-se a experiência social e os conhecimentos sistematizados
pela cultura, como forma de reflexão do mundo.
29
David Ausubel, em sua Psychology of Megningful Verbal Learning e no
Educacional Psychology: a cognitive view apresentou uma coerente teoria cogni-
tiva da aprendizagem humana, especialmente em instituições escolares. Essa teoria,
uma década mais tarde, foi parcialmente modificada (Novak e Hanesian, 1983).
1. Aprendizagem significativa
30
estrutura cognitiva
pressupõe uma
aprendizagem significativa
aprendizagem por
aprendizagem por
recepção
descoberta
espontânea
relacionada com o
memorística significativa
conhecimento
por meio de um contínuo anterior
transforma-se em mediante
a construção de
transforma-se em novos
significados
relações relações
não-arbitrárias substantivas
31
A assimilação na aprendizagem significativa decorre de rela-
ções estabelecidas intencionalmente entre o material novo
Aprendizagem potencialmente significativo e as idéias já existentes na estru-
significativa tura cognitiva do(a) aluno(a). Essas idéias são os conheci-
mentos prévios utilizados como conceitos inclusores da nova
informação num processo de interação e ampliação desses
conceitos.
32
Fórmula da lei da gravitação universal F é a força diretamente proporcional
a cada uma das massas, G é uma
constante universal, M é a massa do
Mxm primeiro corpo, m é a massa do
F=Gx
segundo corpo e d é a distância entre
d2
os centros dos dois corpos.
33
significados socialmente construídos por um determinado grupo.
Quando se fala de conceitos é preciso saber qual o tipo referido, se são
aqueles com estrutura de classe logicamente definida, ou os que representam
um protótipo dos membros de uma classe. Essa segunda categoria apresenta as
características familiares da classe.
O primeiro tipo de conceito reflete o conjunto de propriedades necessá-
rias e suficientes, que permitem generalizar uma classe de objetos, pela fór-
mula apresentada [C = f (x,y,z...)]: “C” representa o conceito que é função “ f ”
do conjunto de propriedades necessárias e suficientes (x , y e z ). Um exemplo
desse tipo de conceito é o conceito de triângulos, figuras geométricas planas
fechadas, de três lados e três ângulos. Equivalendo a dizer que os triângulos são
polígonos de três lados e três ângulos, como no Quadro 3.
34
Exemplo 1 Protótipo Exemplo 2
2
Estrutura de classe ou conteúdo é a estrutura do conceito definida por um conjunto de proprie-
dades necessárias e suficientes.
3
A extensão do conceito é a totalidade de objetos que pertencem ao dito conceito (a mesma
classe).
35
parte de um plano didático de orientação ao(à) aluno(a) para atribuir significado
ao novo conhecimento. No entanto, se o trabalho funda-se no modelo sem classe
definida por um conjunto de propriedades necessárias e suficientes, a lógica da
orientação da aprendizagem conceitual, dá-se pelo maior número de caracterís-
ticas semelhantes para estabelecer relações entre o protótipo apresentado e os
exemplares do conceito (Pozo, 1998).
Seguindo uma lógica ou outra, o diagnóstico do que sabe o(a) aluno(a)
(nesse caso, o domínio do conceito inclusor, a partir do qual se atribui novo sentido
à nova informação) é a base para criar situações de aprendizagem, de modo que
possibilitem uma determinada elaboração do conhecimento, mediante relações
substanciais entre o novo e o conhecimento prévio de quem aprende. O processo
de interação, em que o material novo encontra significado mediante um conceito
já assimilado (tipo de conceito definido por classe), ou mediante a estrutura corre-
lacional, que permite estabelecer maior nível de semelhança objetiva (tipo de con-
ceito definido por semelhança familiar) pode ser susceptível às novas construções.
4
Proposição é entendida por nós como uma sentença formada por conceitos e palavras de en-
laces, que ajudam a estabelecer relações entre os conceitos.
5
Unidade semântica é uma unidade de sentido, formada pela proposição.
36
1) O conhecimento Encontrar na estrutura cognitiva possibilidade de inclusão
novo deve ser para estabelecer uma relação lógica ou substancial (aspecto
potencialmente relevante da estrutura cognitiva como: imagem, conceito
significativo. ou proposição) com as idéias prévias já existentes na mente
daquele que aprende (Antória, 1994).
37
Existe na mente de Inclui-se a nova
quem aprende a idéia propriedade da
geral da classe mamíferos ordem (come carne
(animais vertebrados de outros animais).
que possuem
glândulas mamárias e
sangue quente).
incluem
felídeos canídeos
raposas
das espécies
Incluem-se as novas
propriedades relativas à
espécie (cada espécie
apresenta propriedades que a
distinguem uma da outra).
vermelha comum orelhuda
38
a elaboração de um novo conceito mais particular e derivado do primeiro, permitindo
estabelecer as relações hierárquicas entre os conceitos de maior e menor inclusão.
Na reconciliação integradora, quando dois ou mais conceitos relacionam
os seus significados de uma forma significativa, tem lugar a reconciliação integra-
dora. Esse mecanismo dá-se por níveis de integração, reconciliadora, visto que no
processo de aprendizagem nem sempre é possível seguir a linearidade (dos conceitos
inclusores aos conceitos inclusivos); é preciso estabelecer relações entre os conceitos
específicos assimilados pelos alunos e ir integrando novas informações que permitem
a ampliação e evolução desses conceitos em níveis de formulação mais geral. Apren-
der mediante esse mecanismo significa que durante o processo se encontra problema
ou dissonância entre a nova informação e o conceito inclusor, mas é percebido pelo
aprendiz que os conceitos que aparentemente estão em contradição, e não têm ne-
nhuma ligação, estão na realidade ligados. A aprendizagem do novo conceito (mais
geral) produz-se pela integração das características (propriedades) dos conceitos
mais particulares em um movimento ascendente.
Nesse sentido, a apresentação do material ao aluno deve ser feita de maneira
que haja exploração de relações entre as idéias, destacando semelhanças e diferenças
entre os conceitos relacionados, para integração em uma nova reformulação con-
ceitual. Como no exemplo do Esquema 3 , o conceito de mamífero é assimilado a
partir do conceito de raposa “comum”, ou “vermelha”, ou “orelhuda”.
mamíferos .
herbívoros carnívoros
felídeos canídeos
raposas
39
No mecanismo de reconciliação integradora, tem-se como ponto de partida
os conceitos particulares (que o aluno conhece), tais como raposa vermelha. Assim,
estabelecem-se novas relações entre aquilo que se conhecia de maneira particular
e algo mais geral, pelo mecanismo ascendente.
Os dois mecanismos discutidos são necessários à aprendizagem significa-
tiva dos(as) alunos(as). O aprendiz integra e diferencia conceitos nos processos de
atribuir novos significados aos conceitos que se aprende.
Na aprendizagem por assimilação significativa, é importante que o(a)
aluno(a) assimile o significado não como um pacote de informação a ser guardado
na memória e utilizado quando necessário, mas de forma significativa, de modo
que o incorpore em sua estrutura cognitiva de caráter relacional, pressupondo
uma atitude mais criativa. Nesse tipo de assimilação, é necessário que o aprendiz
esteja interessado e disposto, mas isso não é suficiente; é preciso ter na sua estru-
tura significados prévios ou seja, os conceitos inclusores que permitem construir
novos significados com sucesso.
2. Considerações finais
40
nem sempre os conceitos inclusores possibilitam aprendizagem significativa, é
importante outra reflexão sobre os níveis de formulações conceituais dos alunos,
os quais nem sempre estão coerentes com os conteúdos ministrados no contexto
escolar; muitas vezes, essa inconsistência ocorre devido ao nível de entendimento
e compreensão daqueles que chegam em níveis escolares mais avançados, sem a
construção do conhecimento necessário, a operacionalização de novos significados
vinculados ao nível de exigência do ensino médio ou de outro nível escolar.
Apesar das reflexões dos pesquisadores da Didática das Ciências quanto
aos aspectos que limitam a aprendizagem significativa, reconhece-se a teoria de
Ausubel (1989) como uma contribuição para a aprendizagem construtivista, visto
que o aprendizado ocorre com base em uma atividade ativa dos significados.
Na tentativa de superação da superficialidade e construção de uma apren-
dizagem significativa, teóricos da Didática das Ciências fazem algumas suges-
tões, como: a) relacionar sempre a nova informação com os conhecimentos pré-
vios do(as) alunos(as); b) favorecer as reconciliações integradoras e as diferen-
ciações progressivas; utilizar recursos como os mapas conceituais, entre outros;
utilizar provas de evolução, que exigem estratégias da aprendizagem significativa,
como aplicação de conhecimentos; e c) utilizar leis e princípios científicos mais
do que como simples reprodução memorística.
Referências
ANTORIA, A. et al. Mapas Conceituais: uma técnica para aprender. Portugal: Edições
Asa, 1994.
AUSUBEL D. P. Psicología Cognitiva: un punto de vista cognitivo. México: Ediciones
Asas., 1989.
AUSUBEL, D. P.; NOVAK, J. D.; HANESIAN, M. Psicología educativa: un punto de
vista cognitivo. México: Trillas, 1983.
CAMPANARIO, J. M.; “Preguntas y respuestas en la enseñanza de las ciencias”. Tarbiya:
Revista de Investigación e Innovación Educativa, 1990. Disponível em <htt:/www2.
uah.es/jmc/74.html>. Acesso em: 11 maio 2004.
___________. “Preguntas y respuestas en la enseñanza de las ciencias”. Tarbiya: Revista
de Investigación e Innovación Educativa, 1993. Disponível em <htt:/www2.uah.es/jmc/
74.html>. Acesso em: 11 maio 2004.
CAMPANARIO, J. M.; OTERO, J. C. “Preguntas y respuestas en la enseñanza de las
Ciencias”. Tarbiya: Revista de Investigación e Innovación Educativa, 1990. Disponível
em <htt:/www2.uah.es/jmc/74.html>. Acesso em: 11 maio 2004.
CAMPANARIO, J. M.; CUERVA, A.; OTERO, J. C. “Preguntas y respuestas en la
enseñanza de las Ciencias”. Tarbiya: Revista de Investigación e Innovación Educativa,
1997. Disponível em <http:/www2.uah.es/jmc/74.html>. Acesso em: 11 maio 2004.
DUTRA, G. “Tartaruga mordedora (chelydra Serpetina)”. Disponível em <htt://www.
Animalworld.com.br >. Acesso em: 20 maio 2004.
GALAGOVSKY, L. R. Redes Conceptuales: bases teóricas e implicaciones para el
proceso de la enseñanza y aprendizaje de las Ciencias. Enseñanza de las ciencias.
41
Barcelona: V. 11, n. 3, p.301-307, 1993.
_________. La distancia entre aprender palabras e aprender conceptos. El tramando de
palabras – conceptos (EPC) como un nuevo instrumento para la investigación. Ciencias.
Enseñanza de las ciencias. Barcelona: v. 20, n. 1. 29-45, 2002.
GASPAR, Albert. Gravitação. Física mecânica. São Paulo: Editora Ática, 2002, V. 1. p.
260-274.
GUÉTMANOVA, A. Conceito. Lógica. Moscovo: Progresso, 1989, p.31-109.
MACHADO, Nilson José. Epistemologia e Didática: as concepções de conhecimento
e inteligência e a prática docente. São Paulo: Cortez, 2000.
MARTINEZ-MUT, Bernardo e GABRIELA, Pedro. A construção humana através da
aprendizagem significativa, David Ausubel. In: MINGUET, Pilar Aznar: (org.) A cons-
trução do conhecimento na educação. Porto Alegre: ARTMED, 1998, p.129-173.
NOVAK, J. D. Ayudar los alumnos a aprender como aprender. La opinión de un profesor-
investigador. Enseñanza de las Ciencias. Barcelona: v. 9, n.3, p.215-227, 1991.
NOVAK, J. D.; GOWIN. Aprendiendo a aprender. Barcelona: Martinez Roca, 1998.
NUÑEZ, Isauro Beltrán e PACHECO GONZALEZ, Otomara. La Formación de
conceptos científicos: una perspectiva desde la teoría de la actividad. Natal: EDUFRN,
1997.
PAULINO, Wilson Roberto. Biotecnologia do DNA: a engenharia genética. Biologia
Atual – Citologia, Histologia. São Paulo: Editora Ática, 2002, p.209 –216.
PELIGRINI, Marcio. Gravitação e movimento dos astros. Minimanual compacto de
física: Teoria e prática. São Paulo: Rideel, 1999, p.131-136.
POZO, J.I. Formação de conceitos naturais. Teorias Cognitivas da Aprendizagem.
Porto Alegre: ARTMED, 1998, p.63-222.
PETROVSKI, Rafael B. e IRBER JR, Luiz C. “Soluções”. Disponível em: <http:/
www.setrem.com.br/ti/trabalhos/quimica/index.htm >. 2001. Acesso em 20 jun. 2004.
ROMERO, Silvia Bravo; CASTAÑO, Gonzalo Vidal. “El Mapa Conceptual como
estrategia de enseñanza y aprendizaje en la resolución de problemas”. <http://:www.
Org/articulos/usodemapas.asp >. Acesso em 6 abr. 2004.
SHUELL, T. J. (1990) “Preguntas y respuestas en la enseñanza de las ciencias”. Tarbiya:
Revista de Investigación e Innovación Educativa. Disponível em <http:/www2.uah.es/
jmc/74.html>. Acesso em: 11 maio 2004.
STORER, TRACY Irwing. Classe mammalia - mamíferos. Zoologia Geral. São Paulo:
Editora Nacional, 1976.
VYGOTSKY, Lev S. A Formação Social da Mente. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,
1991(a).
___________. Pensamento e Linguagem. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991(b).
ZAMORA, José M. Chaves. La Red Conceptual: Estrategia Cognitiva del Aprendizaje.
Revista Especializada en Educación: Escuela Viva. Lima, n. 13, p.1-4, fev. 2000.
42
A APRENDIZAGEM NA PERSPECTIVA DE JEAN PIAGET
Introdução
43
Maturação
Equilibração Transmissão
das estruturas social
cognitivas
Experiências
44
Assimilação Acomodação
Figura 3 – O conflito cognitivo é um estado psicológico que contradiz as idéias que o aluno tem
sobre o objeto ou fenômeno
45
1977, p.16). Dito de outra forma, é o processo por meio do qual o sujeito interpreta
a informação que vem do meio, em função de conhecimentos anteriores disponí-
veis na estrutura cognitiva.
“A acomodação é a necessidade em que a assimilação se encontra de
considerar as particularidades próprias dos elementos a assimilar” (Piaget, 1977,
p.17). Para considerar as particularidades dos elementos, a estrutura cognitiva se
modifica, dando origem à acomodação. Conforme Pozo (1998, p.180), “a acomo-
dação pressupõe não somente uma modificação dos esquemas prévios em função
da informação assimilada, mas também uma nova assimilação, ou reinterpretação
dos dados ou conhecimentos anteriores em função dos novos esquemas construí-
dos”. Portanto, a acomodação é um processo reflexivo, integrador, que muda a es-
trutura cognitiva anterior para que funcione em relação a um novo equilíbrio. Os
dois processos constituem a adaptação do indivíduo que atua e reage para compensar
as perturbações geradas em seu equilíbrio interno pela estimulação do ambiente;
logo, “a adaptação intelectual, como qualquer adaptação, é o equilíbrio progressivo
entre o mecanismo assimilador e a acomodação complementar” (Azenha, 1994,
apud Fontana,1997, p.46).
A equilibração consiste em um processo auto-regulado, uma propriedade
intrínseca e constitutiva da vida mental, que garante o equilíbrio (adaptação) em
relação ao meio. É o mecanismo que o indivíduo ativa para restabelecer um novo
estado de equilíbrio, face às situações desestabilizadoras de conflito cognitivo,
portanto, é o motor do desenvolvimento, como mostra a Figura 4.
Equilíbrio Equilíbrio
Desequilibração cognitivo 2
cognitivo 1
contradição
Contradição
Solução do
conflito cognitivo
46
Quando uma nova informação entra em conflito com as idéias do aluno
(na sua estrutura cognitiva 1) produz-se o desequilíbrio dessa estrutura cognitiva.
Os processos de assimilação e acomodação durante a solução do conflito podem
levar à construção de uma nova estrutura e, conseqüentemente, a um novo equilí-
brio. Esse processo de construir novas estruturas cognitivas e novas representa-
ções sobre o objeto de estudo é um “processo construtivista”.
A partir da tomada de consciência e da solução dos conflitos, os sistemas
se reequilibram dando origem a estruturas cognitivas que envolvem novas repre-
sentações sobre o objeto de estudo. A superação dos conflitos tem lugar pela ativi-
dade de processos tais como: a abstração reflexionante, as generalizações, a to-
mada de consciência e a tematização, a necessidade operacional, etc. É impor-
tante destacar que a teoria piagetiana enfoca a neutralização de perturbações
dos estados de equilíbrio do sistema de conhecimento.
A abstração reflexionante pode ser assim explicada: no processo de re-
equilibração das estruturas cognitivas, podem ser produzidas novas possibilidades
(de ação ou expressão), que, exploradas, levam à construção de correspondências
e/ou padrões, como conseqüência da tendência auto-organizadora dos indivíduos.
A reflexão subseqüente sobre a correspondência pode levar a mudanças estrutu-
rais das estruturas cognitivas originais ou, como explica Fosnot (1998, p.33-34),
levar a “uma acomodação que transforma a estrutura cognitiva original e explica
por que o padrão ocorre, capacitando deste modo a sua generalização para além
da experiência específica na qual se insere inicialmente”.
O desenvolvimento do conhecimento é a construção de estruturas intelec-
tuais ordenadas que regulam as trocas do sujeito com o meio. Esse processo obedece
ao princípio de equilibração majorante. A nova estrutura cognitiva possibilita um
maior intercâmbio entre sujeito e meio e novas aprendizagens.
O desenvolvimento cognitivo constitui um processo de construção de estru-
turas lógicas em ordem ascendente de complexidade. As estruturas lógicas (ou
estruturas cognitivas) são recursos da inteligência para lidar com a realidade e
compreendê-la. No decorrer de sua obra, Piaget elaborou vários modelos do fun-
cionamento desse processo de equilibração; no último, sustenta que o equilíbrio
entre assimilação e acomodação rompe-se em três níveis de complexidade crescente,
explanados em Pozo (1998).
No primeiro nível, os esquemas que o sujeito possui devem estar em equilí-
brio com os esquemas que assimila. Assim, quando a conduta de um objeto – por
exemplo, um objeto pesado que flutua – não se ajusta às predições do sujeito, pro-
duz-se um desequilíbrio entre seus esquemas de conhecimento, uma vez que é o
peso absoluto o que determina a flutuação dos corpos e os fatos que assimila.
No segundo nível, deve existir um equilíbrio entre os diversos esquemas
do sujeito, que se devem assimilar e acomodar reciprocamente; caso contrário,
produz-se um conflito cognitivo ou desequilíbrio entre os dois esquemas. Assim
acontece, por exemplo, com os sujeitos que pensam que a força da gravidade é a
47
mesma para todos os corpos; no entanto, os objetos mais pesados caem mais
rapidamente.
Por último, o nível superior de equilíbrio consiste na integração hierárquica
de esquemas previamente diferenciados. Assim, por exemplo, quando o sujeito
adquire o conceito de força, deve relacioná-lo a outros conceitos que já possui
(massa, movimento, energia), integrando-o em uma nova estrutura de conceitos.
Nesse caso, a acomodação de um esquema produz mudanças no restante dos
esquemas assimiladores. Se isso não ocorresse, produzir-se-iam contínuos dese-
quilíbrios ou conflitos entre esses esquemas.
Nos três casos, os desequilíbrios deixaram evidente a insuficiência dos
esquemas assimiladores, o que faz ser necessário acomodar esses esquemas com
vistas à recuperação do equilíbrio rompido.
Os alunos podem ter diferentes comportamentos face a uma situação de
conflito cognitivo. De acordo com Piaget (1977), as respostas aos desequilíbrios ou
perturbações podem ser: não-adaptativas, que acontecem quando o indivíduo não
toma consciência do conflito existente, isto é, não leva a perturbação a um estágio
de contradição e, assim sendo, não faz nada para modificar seus esquemas; e adap-
tativas, quando o indivíduo toma consciência do conflito e tenta resolvê-lo. As res-
postas adaptativas podem ser de três tipos, conforme mostramos na Figura 5.
INTEGRAÇÃO
A perturbação é
Nova integrada ao
informação sistema de
conhecimentos amplificação; não-
como uma variação reestruturação
48
Uma das implicações dos princípios piagetianos de grande importância
para o ensino de Ciências consiste no fato de que ensinar significa provocar o
desequilíbrio no organismo (mente) do sujeito aprendente para que ele, procuran-
do o reequilíbrio (equilibração majorante), se reestruture cognitivamente e apren-
da. O mecanismo de aprender do indivíduo é sua capacidade de reestruturar-se
mentalmente buscando um novo equilíbrio (novos esquemas de assimilação para
adaptar-se à nova situação). Portanto, o ensino deve ativar esse mecanismo.
Conclusões
Referências
49
1997.
FOSNOT, C. T. Construtivismo: teoria, perspectiva e prática pedagógica. Porto Alegre:
Artmed, 1998.
GIORDAN, A.; DE VECCHI, G. As origens do saber: das concepções do aprendente
aos conceitos científicos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
GÓMEZ, R. M.; SANMARTÍ, P. N. “La didáctica da las Ciencias: una necesidad”.
Educación Química, [S. l.], v. 7, n. 3, p.156-168, 1996.
PIAGET, J. O desenvolvimento do pensamento: equilibração das estruturas cognitivas.
Lisboa: Dom Quixote, 1977.
POZO, J. I.; CRESPO, M. A. G. Aprender y enseñar Ciencia: del conocimiento cotidiano
al conocimiento científico. Madrid: Ediciones Morata, 1998.
POZO, J. I. Teorias cognitivas da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
RÍO, M. J. Comportamento e aprendizagem: teorias e aplicações escolares. In: COLL,
C. et al. Psicologia e educação. Porto Alegre: Artmed, 1996, v. 2, p.25-44.
TALÍZINA, N. Psicología de la Enseñanza. Moscú: Progreso, 1988.
50
O ENFOQUE SÓCIO-HISTÓRICO-CULTURAL
DA APRENDIZAGEM: OS APORTES DE L. S. VYGOTSKY,
A. N. LEONTIEV E P. YA GALPERIN
Introdução
51
Figura 1 – Para Vygotsky (Pacheco, 1991), a aprendizagem é uma atividade social
52
em processo de maturação, considerada não em termos biológicos, mas sim como
modos de atividades internalizadas. A noção de zona de desenvolvimento proxi-
mal permite propor uma nova fórmula para a aprendizagem. Considerando que
“o bom aprendizado” é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento, cabe
aos professores esforçarem-se em ajudar os alunos a expressarem o que por si
sós não sabem fazer, mas podem, em interação com o outro, aproximar-se do
desenvolvimento potencial. O esquema seguinte representa a estrutura da zona
de desenvolvimento proximal.
Nível de Nível de
desenvolvimento real desenvolvimento
(NDR) potencial (NDP)
Zona de
desenvolvimento
proximal (ZDP)
O indivíduo O indivíduo
pode agir precisa da
sozinho ajuda do
outro
53
todo conceito, como formação psicológica é fruto da atividade. Cabe
organizar e cabe estruturar no aluno uma atividade adequada ao con-
ceito e que o situe em relação correspondente com a realidade. Não
surge a atividade conceitual na criança porque ela domine o conceito,
mas, pelo contrário, domina o conceito porque aprende a atuar concei-
tualmente, porque, se cabe expressar-se assim, sua prática mesma deve
ser conceitual.
54
3. A aprendizagem como um tipo de atividade
Orientação Execução
(B.O.A.)
Ajuste Regulação
Ciclo 1
Esquema 2 – Momentos do ciclo cognitivo de aprendizagem e seu desenvolvimento dialético
55
aprendizagem, assim como a compreensão dos erros e sua natureza e, quando é
preciso, a reconstrução da própria orientação. No ensino tradicional, a atividade
do aluno prioriza a execução, sem uma boa compreensão da parte orientadora.
A orientação da ação
(B.O.A) possibilita o
autocontrole, a regulação, o
aprender a aprender
56
interações que estabelece com “os outros”. Assim, não só o conteúdo a assimilar
é objeto da atividade como também o é o próprio aluno. O aluno tem um papel
dual na atividade de aprendizagem: é o sujeito e objeto da atividade. Os objetos
da atividade podem ser de diferente natureza. Pode ser um objeto específico na-
tural, uma instituição social ou o próprio aluno, quando a atividade se orienta a
transformar características da sua personalidade.
· Os motivos para realizar a ação: os motivos como componentes da ati-
vidade têm que existir no sujeito, pois se não existirem motivos e necessidades, não
haverá ação. Para os psicólogos, a motivação tem sua origem numa necessidade.
Como explica o próprio Vygotsky (1998a, p.121),
se ignorarmos as necessidades da criança e os incentivos que são efica-
zes para colocá-la em ação, nunca seremos capazes de compreender
seus avanços de um estágio evolutivo para o próximo, pois cada avanço
está conectado com uma mudança acentuada nas motivações, tendências
e incentivos.
57
· Um sistema de operações: corresponde aos procedimentos, métodos,
técnicas e estratégias para realizar a ação e com eles alcançar a transformação do
objeto em produto; são os procedimentos como sistema que o aluno deve executar
para a atividade de aprendizagem. Essas operações são um sistema de microações
que dão à ação o caráter de processo contínuo. Leontiev (1983) concebe as opera-
ções como métodos por meio dos quais se executa a ação. A ação se realiza via
operações; não obstante, ação e operação têm identidades próprias. Distinguem-se
em relação ao objetivo a atingir. As operações dependem das condições nas quais
o objetivo da ação se expressa, enquanto que a ação é determinada pelo objetivo.
Uma mesma ação pode ser executada por diferentes operações e, por sua vez, uma
mesma operação pode responder a diferentes ações. Conseqüentemente, a ação
tem certa independência relativa.
Quando uma pessoa assimila a experiência das gerações anteriores, assimila
não somente os objetos do mundo exterior (conceitos) como também a parte ope-
rativa que se encontra por trás desses conhecimentos e objetos (procedimentos).
· A Base Orientadora da Atividade (B.O.A.): constitui para o sujeito a
imagem da ação que ele irá realizar, a imagem do produto final ligada aos pro-
cedimentos assim como ao sistema de condições exigidas para a ação. Na B.O.A.,
expressa-se o modelo teórico da atividade de aprendizagem como um sistema de
operação que regula e dirige a aprendizagem. O aluno, antes de fazer, deve ter
clara a compreensão do que vai fazer, com possibilidades de argumentar as ações
que conformam a atividade que vai desenvolver. Ao construir o referido modelo
teórico, pelo qual poderá desenvolver a atividade, o aluno precisa conscientizar-se
da estrutura da atividade.
Na Base Orientadora da Ação, inclui-se o sistema de condições no qual se
apóia o indivíduo para cumprir uma atividade. O aluno pode construir o sistema
de conhecimentos e estabelecer os modelos das ações a executar visando à realiza-
ção da atividade, assim como a ordem de realização dos componentes da ação:
orientação, execução e controle. Diferentemente do behaviorismo, para o qual se
privilegia a parte executiva da atividade, na perspectiva sócio-histórico-cultural, a
orientação que o sujeito constrói para a atividade determina, dentre outros fatores,
a qualidade da aprendizagem.
Na teoria de assimilação por etapas, de Galperin (1988), foram estudados
oito possíveis tipos de Bases Orientadoras da Ação, levando-se em conta três
parâmetros fundamentais: o grau de plenitude, o grau de generalidade e o grau de
independência. As Bases Orientadoras mais estudadas têm sido as conhecidas co-
mo B.O.A. I, B.O.A. II e B.O.A. III.
O primeiro tipo, B.O.A. I, caracteriza-se por uma composição incompleta
da orientação. As orientações estão representadas de forma particular. O processo
de assimilação, segundo esse tipo de orientação, caracteriza-se por ser lento e por
apresentar um grande número de erros na solução das tarefas. A transferência dos
conhecimentos é limitada.
58
No segundo tipo de orientação, B.O.A. II, característica do ensino tradi-
cional, dá-se aos alunos, de forma elaborada, toda a condição necessária para o
cumprimento correto da ação, porém essas condições são particulares, só servem
para a orientação de um caso determinado. A formação da ação, segundo essa
orientação, avança rapidamente e com poucos erros, porém a esfera de transferên-
cia é limitada. Para cada tipo de exercício ou tarefa, o aluno precisa construir uma
orientação.
O terceiro tipo, ou B.O.A. III, tem uma composição completa e generalizada,
aplicável a um conjunto de fenômenos e tarefas de uma determinada classe. Nela
está contida a essência da atividade, porque se trata de uma orientação teórica. A
B.O.A., como modelo teórico da atividade (habilidade), expressa os nexos entre o
singular, o particular e o geral da atividade na qual entra o conceito em formação,
propiciando o trabalho com estratégias metodológicas que distinguem o fenômeno
da essência, o acesso do abstrato ao concreto e vice-versa, como via de formação
do pensamento teórico. O aluno constrói a B.O.A. de forma independente com
ajuda de métodos gerais sob a orientação do professor. A atividade, segundo esse
tipo de orientação, forma-se rapidamente com poucos erros e se caracteriza por
sua estabilidade, alto nível de generalização e, portanto, por uma maior transferên-
cia. É uma orientação completa, que dá possibilidade de orientação não só na
solução de tarefas concretas como também em todo um conjunto de tarefas de uma
mesma classe.
Na vida cotidiana, as pessoas antes de fazer algo procuram compreender
como se faz, construindo assim o modelo teórico (B. O. A.) da atividade, quando
a aprendizagem é por compreensão. A escola geralmente presta pouca atenção a
esse momento de orientação, de investigação, necessário para uma aprendizagem
por compreensão, prestando maior atenção à própria execução da atividade, por
vezes não compreensível, levando a uma aprendizagem reprodutiva.
· Os meios para realizar uma atividade: os sujeitos usam os instrumentos
adequados nos quais se apóiam na atividade de aprendizagem. Os meios como
elementos encontram-se entre o objeto e o sujeito da atividade. Existem meios
materiais (objetos e instrumentos) e meios de natureza informativa ou simbólica.
Os instrumentos que os alunos utilizam para desenvolver suas atividades de
aprendizagem pertencem ao grupo de tecnologias, no sentido amplo desta última
categoria. Os recursos lingüísticos e objetos materiais são recursos necessários
para o sucesso da atividade. Por isso há necessidade de compreender que função
e quais são as potencialidades e limitações de cada tecnologia e recurso, no
planejamento e execução da atividade.
· As condições: representam o conjunto de situações em que o sujeito reali-
za a atividade. Refere-se às condições ambientais (espaço, iluminação, ventilação,
etc.) e ao clima psicológico no qual se desenvolve a atividade. O agir com sucesso
depende do contexto de realização da atividade. Para a Psicologia Educacional, é
conhecida a influência das condições e do contexto na atividade de aprendizagem.
59
As decisões práticas e teóricas têm sentido em relação ao contexto no qual se
desenvolve a atividade de aprendizagem. O conhecimento e a análise, pelo sujeito
da atividade, desses elementos são essenciais para a compreensão e o desenvol-
vimento do processo de formação de habilidades.
· O produto: é o resultado obtido com as transformações ocorridas com o
objeto (matéria prima da atividade) por meio dos procedimentos (ações) os quais
podem coincidir com o objetivo da atividade. Representa as transformações na
personalidade do aluno, resultado de sua atividade de aprendizagem, dos conteú-
dos assimilados, das novas formas de agir de modo competente, das atitudes, dos
valores formados, relacionados com as intencionalidades educativas. A atividade
humana (material ou mental) está cristalizada no seu produto.
O esquema seguinte apresenta os componentes estruturais da atividade de
aprendizagem anteriormente explicitada, sob a perspectiva dessa atividade.
Objetivo
Produto Motivo
Atividade de
Condições Sujeito
aprendizagem
Meios /
Objeto
Recursos
Base
Orientadora da
Ação
60
· as características do objeto, como parte da realidade que é necessária se
aprender e transformar na aprendizagem;
· os procedimentos, técnicas, estratégias de aprendizagem e de estudo
necessários para a atividade;
· os meios disponíveis (materiais, cognitivos e afetivos) para a atividade;
· os resultados esperados (objetivos e propósitos) e os resultados atingidos;
· a situação ou contexto espaço-temporal no qual tem lugar a aprendizagem;
· os resultados e efeitos da atividade.
1
A qualidade de generalização se discute com mais detalhes no capítulo sobre a transferência da
aprendizagem.
61
científico implica a manipulação consciente de relações entre objetos. Esse grau
de consciência pode ser relacionado com a metacognição.2 Na aprendizagem, o
conhecimento que o aluno e o grupo têm dos recursos e possibilidades, de suas for-
ças, desejos, motivos, limitações, etc., para participar de forma ativa na sociedade,
e de sua formação como personalidade histórica e social, pode ser compreendido
quando se conscientizam os elementos estruturais e funcionais da atividade. Essa
conscientização possibilita aos sujeitos regular os processos de aprendizagem e de
formação, de forma crítica;
· grau de independência: como uma ação nova não pode ser formada sem
algum tipo de ajuda, o grau de independência diz respeito à passagem progressiva
da ação com ajuda para uma ação sem ajuda;
· solidez: diz respeito à possibilidade de uma sólida aprendizagem. Quanto
mais completa seja a passagem da forma material ou materializada para a forma
mental do grau de consciência, maior será a possibilidade de solidez da ação,
mesmo se tendo passado algum tempo de sua formação.
O esquema a seguir mostra as principais características da atividade,
de acordo com a teoria de Galperin, conforme foi discutido anteriormente.
Forma em
que se realiza
a ação
Grau de
Solidez generalização
Características
da atividade
Grau de Grau de
independência detalhamento
Grau de
consciência
2
A partir da perspectiva da aprendizagem como processamento de informação, a metacognição
ou consciência da aprendizagem pode ser interpretada nos pressupostos da escola sócio-histórico-
cultural.
62
6. A aprendizagem como processo de internalização
da atividade externa em interna
3
Ao contrário de Piaget, Vygotsky (essencialmente no enfoque sócio-histórico-cultural) não fala
de assimilação, mas sim de apropriação, portanto quando usamos a palavra assimilação no texto
não é com o mesmo significado piagetiano, mas como apropriação da cultura (aprendizagem nos
termos vygotskyanos).
63
conseguinte, criar nos alunos uma disposição positiva para o estudo é condição
necessária no processo de assimilação.
Na segunda, a etapa de estabelecimento do esquema da Base Orienta-
dora da Ação (B.O.A.), o aluno constrói a orientação para a atividade.
Galperin (1959, p.27) assinala que
64
ação teórica, baseada em palavras e conceitos verbais. É o momento em que o
aluno pode reconstruir a compreensão dos conceitos e procedimentos em diferentes
domínios, articulando os pensamentos enquanto resolve um problema ou quando
atua como crítico ou monitor na atividade de grupo. É também uma etapa que deve
ser realizada de forma detalhada, porém sem apoio externo, como, por exemplo,
cartões de estudo.
A etapa mental, a última no caminho da transformação por etapas da ação
externa em interna (imagens, representações mentais, etc.), é o momento em que a
ação começa a reduzir-se e pode automatizar-se muito rapidamente, tornando-se
inacessível à auto-observação. Agora se trata de ato do pensamento, no qual o pro-
cesso está oculto e só se revela o seu produto. Por sua origem, a ação interna está
relacionada com a ação externa, e é o seu reflexo. Substituindo as coisas reais,
agora o objeto da ação, assim como sua composição operacional, têm caráter ideal,
caráter de imagem. A ação pode ser trasladada totalmente para o plano mental, ou
somente em sua parte de orientação. Nesse segundo caso, a parte executiva da
ação permanece no plano material e pode converter-se num hábito motor.
O processo de assimilação da nova atividade realiza-se segundo a figura
a seguir.
65
Figura 4 – Trabalho em grupos pequenos
Conclusões
66
entre desenvolvimento e aprendizagem por meio do conceito de “zona de de-
senvolvimento potencial (proximal)” e isso tenha proporcionado um outro olhar
para essa questão, torna-se difícil utilizar esse conceito de forma específica em
um contexto educativo. A medição do desenvolvimento real é possível, entretanto
a determinação do desenvolvimento potencial está sujeita a uma certa circulari-
dade. Caso o professor utilize mediadores externamente proporcionados, pode-
se fixar o nível potencial, mas, se não é assim, isso se deve ao fato de que o aluno
carece de potencialidades nesse aspecto ou de que os mediadores utilizados não
são adequados? Como saber quais são os mais adequados? Ainda que válida,
sua aplicação efetiva é limitada pela ausência de medições independentes do
desenvolvimento potencial (Pozo, 1998).
Outra limitação da teoria de Vygotsky diz respeito às relações entre os di-
versos tipos de aprendizagem. Embora sejam postuladas interações entre eles, ele
não especificou qual a natureza dessas interações. Quando as aprendizagens
por associação e por reestruturação se complementam, apóiam-se mutuamente?
E quando atuam em direções opostas? Ele afirmou que os conceitos espontâneos
facilitam o trabalho descendente (do científico para o espontâneo), mas não parece
que seja sempre assim. Quando são facilitadores e quando funcionam como
obstáculos? Tendo em vista que os conceitos científicos só podem ser adquiri-
dos por meio da instrução formal, que técnicas de instrução devem ser utiliza-
das? (Pozo,1998).
Entretanto, para Moreira (1999), apenas a maneira como ele teoriza acerca
da premissa de que o desenvolvimento cognitivo não pode ser entendido sem re-
ferência ao contexto social, histórico e cultural em que ocorre, já é motivo suficiente
para justificar o estudo e utilização, como referência, dessa teoria pelos professores,
principalmente levando-se em conta que os trabalhos de Leontiev e Galperin ten-
tam superar algumas dessas limitações (Nuñez; Pacheco, 1997).
Referências
67
MOREIRA, M. A.Teorias de aprendizagem. São Paulo: EPU, 1999.
NUÑEZ, I. B.; PACHECO, O. G. La formación de conceptos científicos: una perspec-
tiva desde la teoría de la actividad. Natal: EDUFRN, 1997.
PACHECO, O. G. “El enfoque histórico-cultural como fundamento de una concepción
pedagógica”. In CANFUX, V. et al Tendencias pedagógicas contemporáneas. La Habana:
Ediciones ENPES, 1991, p.92-113.
__________. El saber aprender. La Habana: CEPES UH Editora, 1993.
POZO, J. I. Teorias cognitivas da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
POZO, J. I.; CRESPO, M. A. G. Aprender y enseñar ciencia: del conocimiento cotidiano
ao conocimiento científico. Madrid: Morata, 1998.
TALÍZINA, N. F. Conferencias sobre los fundamentos de la enseñanza en la educación
superior. La Habana: Universidad da la Habana, 1985.
__________. Psicología de la Enseñanza. Moucú: Editorial Progreso, 1988.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1998a.
__________. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1998b.
68
A APRENDIZAGEM COMO PROCESSAMENTO
DE INFORMAÇÃO
Introdução
69
Estímulo Organismo Resposta
70
MEMÓRIA MULTIARMAZÉM
NÍVEL
Informação
SUBMICROSÓ
PICO
Diferentes níveis de
Processamento de Informação
71
e tem uma duração de meio segundo, aproximadamente, sendo responsável por
uma primeira impressão da informação;
· a memória a curto prazo (M.C.P.) – oferece breves armazenamentos da
informação selecionada, apresentando uma capacidade limitada, de sete elemen-
tos (mais ou menos dois) e uma duração que varia entre vinte e trinta segundos;
· a memória a longo prazo (M.L.P.) – organiza e conserva disponível a
informação durante períodos mais longos. Caracteriza-se por não possuir limi-
tes, nem em sua duração, nem em sua capacidade. Supõe-se que contém toda
a informação que se é capaz de armazenar ao longo da vida.
Os conhecimentos organizados e hierarquizados oportunizam mais espaço
em cada tipo de memória, em que a utilização de quadros, esquemas e redes de
conhecimentos entrelaçados podem facilitar o dimensionamento do conteúdo, para
uma unidade de memória de curto prazo. Um outro meio eficaz é a automatização
do conteúdo, uma operação que faz com que os conhecimentos passem rapidamente
da memória de curto prazo (M.C.P.) para a memória de longo prazo (M.L.P.).
Levando-se em consideração que os conhecimentos não ocupam todo o espaço da
memória a curto prazo (M.C.P.), essas unidades estão disponíveis para outras
tarefas, principalmente aquelas que, no plano cognitivo, representam a repesca-
gem dos conhecimentos na memória de longo prazo (Gauthier, 2003).
Na Memória de Curto Prazo (M.C.P.) acontece a codificação lingüística
da informação, que é preservada nela por um curto período. Já na Memória de
Longo Prazo (M.L.P.), a codificação é semântica e está configurada em vários
subsistemas (Figura 02), que se apresentam a seguir:
· memória episódica – é um tipo de memória autobiográfica, caracterizada
por armazenar os fatos do passado de um indivíduo;
· memória semântica – é a memória na qual se conceitualiza a linguagem
como representação do verbal;
· memória declarativa – é a memória em que se reconhece ou se repre-
senta externamente pela palavra;
· memória procedimental – manifesta-se de forma externa, pela ação;
· memória explicita – é um tipo de memória declarativa, que inclui o fator
consciente e explicativo;
· memória implícita – é a memória que se diferencia da memória pro-
cedimental, pela ação consciente.
72
Memória explícita
Memória Memória
semântica episódica
Memória Memória
declarativa procedimental
Memória implícita
O aluno não precisa recordar as informações uma a uma (de forma iso-
lada), mas formando blocos e grupos de informações, à medida que obtém as
informações o que lhe permite armazenar muito mais, sem custo para as limita-
ções do sistema de memória. Salienta-se que o armazenamento não se realiza de
forma isolada e arbitrária, mas por assimilação significativa das novas informa-
ções aos próprios sistemas de categorias e significados previamente construídos
e armazenados na memória.
Como se organiza a informação na memória do longo prazo (M.L.P.)
tem sido um desafio para a Psicologia Cognitiva. Mc Lelland e Rumelhart (apud
Campanario, 2004), têm proposto que a informação na memória de longo prazo
se armazena como uma estrutura hierárquica de categorias, ou como uma cole-
73
ção de protótipos representativos das categorias junto com exemplares mais ou
menos diferenciados.1 Outros autores têm proposto os “esquemas” como forma
de organização da informação na memória de longo prazo (Campanario, 2004).
Em relação aos estudos sobre a aprendizagem das ciências naturais, Posada
(1997) diferencia a memória semântica em memória semântica experiencial e
memória semântica academicista. Para o autor, na memória semântica academi-
cista, armazenam-se os conhecimentos, produto da aprendizagem memorística,
não substantivos. Estes são os conhecimentos que o aluno reproduz sem com-
preensão e que geralmente se ativam na memória quando a pergunta é direta e
explícita, ou seja, quando o estímulo se relaciona com elementos diretos da me-
mória. Exemplo: Quando perguntamos aos alunos como se desloca o equilí-
brio químico na reação
1
A implicação do conceito (informação) como representativo (protótipo) de uma família se discute
no capítulo sobre aprendizagem significativa.
74
F
I Guardar Por vezes, muito
Interpretar
L Acomodar relacionada.
T Comparar Recuperar Por vezes,
R fragmentada.
Guardar
O
Preparar
Eventos P
Observações E
Memória de Longo
Instruções R
C Prazo
E
P
T
Memória de
U
A
Trabalho
L
Circuito de retroalimentação do
filtro perceptual
75
f) uma informação que satura ou sobrepassa a capacidade da M.T. do su-
jeito não poderá ser processada.
Para os autores, esse modelo tem sido utilizado para explicar processos de
aprendizagens nas ciências, em especial a construção de representações, que se
vincula a três níveis (Esquema 04), que formam um triângulo: o nível macroscópico,
o nível submicroscópico e o nível simbólico.
· O nível macroscópico corresponde-se com as representações mentais
construídas a partir das experiências sensoriais diretas.
· O nível submicroscópico relaciona-se com as representações abstratas,
com os modelos que se tem na mente o “expert” na área disciplinar. Exemplo: o
modelo de partículas das substâncias.
· O nível simbólico expressa os conceitos por fórmulas, equações químicas,
físicas, matemáticas, gráficas, etc.
NÍVEL MACROSCÓPICO
Uma reação química pode ser explicada em cada um dos três níveis. No
nível macroscópico, como descrição da situação empírica, é utilizado o conhe-
cimento declarativo, podendo-se explicá-la, também, pelo modelo de partículas.
No nível simbólico, representa-se a reação química por equações e palavras.
Segundo Galagovsky et al. (2003), os professores, ao explicarem em cada nível,
devem considerar as demandas que a memória de trabalho (M.T.) dos alunos pode
suportar, a fim de facilitar o processamento da informação. Existe uma tendência
dos alunos para explicar esse fenômeno químico no plano macroscópico, pois não
dispõem dos recursos simbólicos, no plano mental, para a compreensão das reações
químicas.
Diversos modelos têm sido propostos para demonstrar como os indivíduos
processam informações, desde a perspectiva da psicologia cognitiva. Um dos
modelos de processamento da informação foi desenvolvido por Atkinson e Shriffin
76
(1968), (Esquema 02), em que se propõe que a informação é processada e arma-
zenada em três etapas: memória sensorial, memória de curto prazo e memória de
longo prazo.
Memória de Longo
Prazo
Memória Processamento
Estímulo Sensorial inicial
Elaboração
Ativação
e codificação
resposta
Memória de
ao estímulo
informação Curto Prazo
Informação
E
I s
n q Repetição
f u
o
r
e Esquecimento
m c
a i
ç m
ã e
n INFORMAÇÃO QUE PERMANECE
t NA M.C.P .
o
77
A teoria dos esquemas como processamento
da informação
78
Os autores fazem vários tipos de classificação de esquemas. Assim, por
exemplo, pode-se falar de:
· esquemas visuais;
· esquemas situacionais;
· esquemas sociais;
· esquemas de sucesso;
· esquema de solução de problemas, etc.
Na aprendizagem como processamento de informação, o aluno apresenta
um papel ativo e consciente na validez de seus conceitos e dos processos, para
dar significado à informação, dependente dos conteúdos informativos.
O processo de aprendizagem
79
A aprendizagem é um processo gradual que envolve, de forma simultânea, o
acréscimo, a reestruturação e o ajuste, mas a importância de cada um varia segun-
do as especificidades temporais da informação. No início da aprendizagem de uma
área de conteúdos conceituais, predomina o acréscimo. O acúmulo de conhecimen-
tos poderá levar à reestruturação dos esquemas para uma terceira etapa, que por
acréscimo dos esquemas gerados, levará ao seu ajuste progressivo.
Existem três formas de evolução ou mudança nos esquemas, de acordo
com Norman e Rumelhart (1975, p.137).
a) Melhorando a precisão. Uma forma de aprendizagem por ajuste consiste
em precisar os valores que podem tomar as partes variáveis do esquema. Mediante
a especificação dos conceitos, que se associam às variáveis com melhor exatidão,
as aplicações dos esquemas são cada vez mais precisas.
b) Generalizando a aplicação. Uma segunda forma de aprendizagem por
ajuste consiste em substituir uma variável do esquema, com valores fixos ou cons-
tantes, por outra com valores opcionais. Isso faz com que o esquema amplie sua
categoria de aplicação a situações e conceitos semelhantes aos quais representa.
c) Especializando a aplicação. Outra forma de aprendizagem por ajuste
consiste em restringir o nível de aplicação dos esquemas, ou limitando os valores
que podem tomar algumas de suas variáveis, ou substituindo variáveis com valores
opcionais, por outras com valores fixos ou constantes.
As estratégias de aprendizagem dos alunos estão relacionadas ao sucesso no
processamento da informação. Essas estratégias constituem processos de tomada
de decisão, nos quais os alunos selecionam e recuperam os conhecimentos neces-
sários para cumprimento de uma tarefa e objetivos específicos. As estratégias de
aprendizagem são explicadas pelos principais processos cognitivos do processa-
mento da informação: aquisição, codificação e recuperação, em relação às seqüên-
cias integradas de procedimentos mentais que facilitam esses processos cognitivos.
80
gética da conduta humana, ou seja: as emoções, os sentimentos, os desejos, etc.
De acordo com Piaget e Inhelder (2002), esse aspecto está presente e implícito em
toda ação, constituindo esta última o cerne de todo o desenvolvimento humano, e o
ponto central de sua teoria. Não se pode entender a aprendizagem escolar igno-
rando parcela importante do comportamento do aluno no grupo social da aula.
3ª) A exigência metodológica derivada da metáfora do computador e da
pretensão de comparação experimental das hipóteses restringe o modelo à análise
de um tipo de comportamento aparentemente racional.
4ª) Suas propostas têm uma orientação puramente cognitiva, ignorando a
dimensão executiva e comportamental do desenvolvimento humano.
Gómez e Sanmarti (1996, p.162) apontam as seguintes críticas às teorias
do processamento da informação:
· não apresentam uma visão global do pensamento humano;
· a analogia do sujeito com um computador limita os pressupostos do
modelo. Os problemas que o sujeito resolve são diferentes dos problemas que o
computador resolve. A mente humana procura informação e elabora respostas que
levam em conta suas metas; assim, pode aprender estratégias de aprender. O
computador é um receptor passivo que processa informações codificadas, responde
de forma simbólica e precisa da modificação do programa para mudar de estratégia;
· não explica como o processamento da informação no sujeito se afeta
pelos fatores afetivos, que têm um papel importante na aprendizagem humana;
· o paradigma do processamento da informação absolutiza o conheci-
mento humano como produto da percepção, da recepção, do armazenamento
(memória) e de recuperação da informação. Dessa forma, não valoriza o caráter
subjetivo da aprendizagem humana. É um enfoque no qual o ensino e a apren-
dizagem estão fundamentalmente no acúmulo de informações.
Não obstante as limitações do modelo de processamento de informação,
não há dúvidas quanto à sua importância como uma referência para se entender a
aprendizagem e a conduta inteligente do homem e, naturalmente, para a elabora-
ção de teorias e práticas didáticas. A informação codificada é armazenada e a utili-
zação da informação só é eficaz quando o seu acesso for pertinente no momento
oportuno. O processo de recuperação apropriado da informação é essencial na
aprendizagem; no entanto, a recuperação da informação depende do modo como a
informação foi armazenada na memória. Conseqüentemente, os processos de arma-
zenamento e recuperação da informação caminham lado a lado (Soares, 1997), e
são objeto de ativação nos processos de aprendizagem.
Conclusões
81
mas que a mente produz e que caracterizam o conhecimento científico e o conhe-
cimento do cotidiano. Essas duas formas de conhecimento têm estrutura e orga-
nização diferente e apresentam como resultado o fato de os alunos, por vezes,
demonstrarem dificuldades para ativar esquemas apropriados face a situações no-
vas. Os processos de atuação dos esquemas depende, dentre outros fatores, da
concordância entre um esquema prévio e a nova informação. (Campanario, 2004).
Quando essa relação resulta difícil de estabelecer, a aprendizagem não é signi-
ficativa.
Os estudos da psicologia cognitiva, baseados no processamento da infor-
mação, têm apontado para quatro atitudes que diferenciam a execução experta,
competente, num domínio dado. Essas quatro categorias são:
· conhecimentos básicos em domínios específicos, bem organizados e acesso
flexível, relativo a fatos, conceitos, princípios, regras, etc., que constituem os con-
teúdos básicos da matéria;
· estratégias heurísticas para a análise de problemas que possam incremen-
tar a probabilidade de encontrar as soluções corretas, pois induzem a enfoques
sistêmicos para a solução;
· metacognição;
· componentes afetivos, como crenças, atitudes e emoções relacionadas com
a matéria, objeto da aprendizagem.
Dessas categorias que norteiam a aprendizagem dos sujeitos competentes
(experts), podem-se deduzir algumas estratégias de ensino que facilitam a apren-
dizagem, tais como:
· uso de mapas e redes conceituais;
· solução de problemas contextualizados;
· metacognição;
· motivação pela aprendizagem;
· uso de projetor para o trabalho em grupo, etc.
Face às críticas ao processamento da informação, os paradigmas constru-
tivistas assumem o pensamento como resultado de uma atividade entre os sujeitos
e o contexto, ou seja, um processo social, culturalmente situado e contextualizado.
Diferentemente do processamento de informação, para o qual a aprendizagem é
uma construção ativa e individual do aluno, nas perspectivas construtivistas, esses
processos resultam da transformação do conhecimento como construção e não
como aquisição.
Referências
82
in research and theory. (La psicología del aprendizaje: avances en la investigación y en
la teoria)”. Vol. 02. New York: Academic Press, 1968.
CAMPANARIO, Juan M. “La enseñanza de las ciências en preguntas y respuestas”.
Disponível em: http://www.uah.es/otrosweb/jmc acesso em: 04 ago 2004.
ESCORIZA, Nieto José. Conocimento psicológico y conceptualización de las dificultades
de aprendizaje. Barcelona: Ediciones Universitad de Barcelona, 1998.
GALAGOVSKY, Lidia, R; RODRIGUEZ, Maria Alejancha; STAMATI, Nora e
MORALES, Laura F. “Representaciones mentales, lenguajes y códigos en la enseñanza
de ciencias naturales. Un ejemplo para el aprendizaje del concepto de reacción química
a partir del concepto de mezcla”. Enseñanza de las Ciencias, 2003, 21(1), p.107-121.
GAUTHIER, C. et al. Rediscutindo as práticas pedagógicas: como ensinar melhor.
Fortaleza: Brasil Tropical, 2003.
GÓMEZ MOLINÉ, M. R.;SANMARTI, P. N. “La didáctica de las ciencias: una
necesidad”. Educación química. México: v. 7, n. 3, p.156-168, 1996.
LUFFIEGO, Garcia Máximo. “Reconstruyendo el constructivismo: hacia um modelo
evolucionista del aprendizaje de conceptos”. Enseñaza de las Ciencias. Barcelona:
v.19, n.3, p.377–392, 2001.
NORMAN, D.A.; RUMELHART, D.E. Explorations in cognition. San Francisco: CA,
1975.
PÉREZ GÓMEZ, A. I. “Os processos de ensino-aprendizagem: análise das principais
teorias da aprendizagem”. In: SACRISTÁN J. G.; PÉREZ GÓMEZ, A. I. Compreender
e transformar o ensino. Porto Alegre: Artmed, 1998.
PIAGET, J.; INHELDER, B. A psicologia da criança. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2002.
POSADA, I. M. de. “Papel de las memórias semantica y episódica en el aprendizaje
de las ciencias”. Enseñaza de las Ciencias. Número extra. V Congreso Barcelona.
p.463-464, 1997.
POZO, J. I. Teorias cognitivas da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
SIERRA, B.; CARRETERO, M. Aprendizagem, memória e processamento da
informação: a psicologia cognitiva da instrução. In: COLL, C. et al. Desenvolvimento
Psicológico e educação: psicologia da educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996,
p.122-137.
SOARES, B. A. Modelos cognitivos da aprendizagem. In: Gonzáles, Maria Eunice Quilici
et al. (org). Encontro com as ciencias cognitivas. Marília: Faculdade de Filosofia e
Ciências, 1997, p.47-62.
83
O CONSTRUTIVISMO NO ENSINO DE
CIÊNCIAS DA NATUREZA E DA MATEMÁTICA
Introdução
84
a situar o surgimento do construtivismo como um paradigma que orienta o en-
sino-aprendizagem; em seguida, discutiremos questões importantes acerca do
construtivismo, auxiliando a compreensão sobre o seu sentido no ensino das
Ciências e da Matemática, o que nos ajudará a entender a aprendizagem dos alu-
nos. No tópico seguinte, apresentaremos uma breve discussão relacionada ao
construtivismo e à matemática e, finalmente, apontaremos algumas estratégias
de ensino que podem subsidiar o processo de construção do conhecimento cien-
tífico por parte dos alunos.
Figura 01 – O ensino memorístico e livresco procura ser substituído por uma metodologia ativa
Essa tendência de propor uma metodologia ativa, segundo Gil (1993), mar-
ca a década de 1960-1970, no contexto anglo-saxão, conhecida como ensino por
descoberta, que se centrava na realização de atividades em que os alunos traba-
lhavam de modo autônomo.
Na tentativa de superar a metodologia predominante no ensino-aprendizagem
85
de Ciências até então marcado pela transmissão-recepção de informações, a
aprendizagem por descoberta, ao contrário do que se esperava, passa a ser alvo de
muitas críticas por vários pesquisadores, em virtude de limitações apresentadas
ao ensino de Ciências, entre as quais podemos destacar a visão distorcida sobre a
ciência e trabalho dos cientistas que eram transmitidos aos alunos.
Hodson (1992), por exemplo, destaca que as limitações em relação a esse
tipo de aprendizagem vão além do campo epistemológico. Esse autor ressalta que
os alunos não irão por si só descobrir conceitos científicos, pois eles estão envol-
vidos na aprendizagem de um dado aspecto do conhecimento científico (fatos esta-
belecidos), o que caracterizaria, portanto, a redescoberta, em que é importante a
mediação do professor.
As críticas ao ensino por descoberta conduziram a um novo olhar para o
ensino por transmissão. Em tal perspectiva, sobressaem-se os trabalhos de Ausubel
(1978) e Novak (1979 apud Gil, 1993), que apontam como positiva a metodolo-
gia caracterizada pela transmissão-recepção de informações, desde que as novas
informações estejam relacionadas significativamente com os conhecimentos
preexistentes na estrutura cognitiva do sujeito.
Nessa perspectiva, Gil (1993) considera que os trabalhos de Ausubel têm
uma importante contribuição, tanto em relação a uma fundamentação teórica que
questiona a visão reducionista do ensino por descoberta (pois não há garantia de
que os conceitos a serem descobertos serão significativos para o sujeito) quanto
na apresentação de um modelo coerente baseado na transmissão-recepção.
Por outro lado, as questões discutidas por Ausubel (1978) receberam im-
portantes críticas, pois se observou que os alunos apresentavam erros conceituais
em conteúdos de ciências, remetendo à necessidade de se repensar o processo de
ensino-aprendizagem baseado na transmissão-recepção de informações.
Inicialmente, as investigações eram centradas em evidenciar a extensão e
natureza dos erros conceituais, bem como na necessidade de desenvolver estraté-
gias que superassem os resultados decorrentes desses erros. Posteriormente, as
pesquisas buscaram explicar a existência de idéias prévias sobre os temas científicos
antes de os estudantes estarem inseridos na instituição escolar (Gil, 1993).
Na década de 1970, inicia-se uma série de pesquisas em relação às concepções
alternativas dos estudantes ou idéias prévias, norteadas por questões que carac-
terizam essas idéias, as quais destacamos no Esquema 01.
86
Apresentam
uma certa
coerência interna
São persistentes
e dificilmente são São comuns a
modificadaas durante o IDÉIAS aluno de
ensino-aprendizagem PRÉVIAS diversos meios
tradicional e idades
Têm semelhança,
algumas vezes, com as
concepções aceitas em períodos
da História das Ciências
87
Para que essa mudança ocorra, os autores destacam postulados importantes, tais
como:
- deve-se produzir uma insatisfação com os conceitos já existentes;
- deve haver, por parte do estudante, uma compreensão sobre a nova
concepção;
- deve-se oportunizar momentos para que os novos conceitos sejam utilizados.
Para Carretero e Limón (1996 apud Gil et al., 1999), atualmente, algumas
interpretações simplistas das idéias construtivistas têm destacado que propostas
baseadas na aplicação da seqüência: partir dos conhecimentos prévios dos alunos;
proporcionar conflitos cognitivos e mudar as idéias iniciais resolveriam muitos
dos problemas educativos. É importante, porém, ressaltar que essas estratégias,
que, na atualidade, aparecem como fórmulas simplistas, não foram apresentadas
por seus autores de uma forma tão esquemática (Posner et al., 1982; Pozo, 2002).
Apesar de apresentar avanços em relação ao ensino baseado na transmissão-
recepção de informações, algumas críticas são feitas em relação à mudança con-
ceitual. Os estudos de Gil (1993), por exemplo, têm mostrado que algumas idéias
prévias são resistentes a mudanças e em outros casos concepções que foram tidas
como superadas, reaparecem.
Gil (1993) ressalta que se olharmos historicamente a construção do conhe-
cimento na ciência, a mudança conceitual não ocorreu de modo fácil e, assim, é
óbvio que essa mudança não acontecerá de maneira fácil com os estudantes. É
necessário propor situações em que eles possam construir hipóteses, planejar,
realizar e analisar os resultados dos experimentos; portanto, a mudança conceitual
deve estar associada a uma mudança metodológica que supere a forma de pensar
do senso comum, de modo a aproximar-se de uma metodologia científica e não
simplesmente da modificação de idéias.
A perspectiva de investigação dirigida é uma proposição mais atual do para-
digma construtivista, concebendo a aprendizagem como tratamento de situações
problemáticas abertas que sejam interessantes para os alunos. As situações de
conflito cognitivo não são geradas por um questionamento externo às idéias dos
estudantes, nem pela ratificação da insuficiência do próprio pensamento com as
implicações afetivas, mas por um trabalho de aprofundamento no qual as idéias
tomadas como hipóteses são substituídas por outras, tão pessoais como as ante-
riores. Não se trata de eliminar os conflitos cognitivos, mas de evitar que adqui-
ram um caráter de confrontação entre as idéias dos estudantes (tidas como erradas)
e os conhecimentos científicos (externos ao aluno e corretos).
Hodson (1992) considera que os alunos desenvolvem melhor a sua compreen-
são conceitual e aprendem mais sobre a natureza da ciência quando participam de
investigações científicas, com oportunidades suficientes para a investigação.
Esse modelo, para Gil et al. (1999), permite tanto a reconstrução dos conhe-
cimentos científicos, que normalmente são transmitidos já elaborados, quanto afasta
a idéia de que as proposições construtivistas são simples receitas.
88
Essa breve retrospectiva, na qual foi apresentado o movimento das idéias
alternativas, o modelo de mudança conceitual e o modelo de investigação dirigida,
auxilia a nossa compreensão em relação à aprendizagem dos nossos alunos de
maneira diferenciada daquela proposta no ensino tradicional, baseada na trans-
missão-recepção de informações, uma vez que os alunos constroem ativamente os
seus conhecimentos sob determinadas condições.
Nesse sentido, Rodrigo e Cubero (2000) apresentam princípios básicos
das diferentes concepções construtivistas, que se podem assim resumir:
- o sujeito interpreta suas experiências com base em seus próprios conhe-
cimentos e é o protagonista ativo de sua aprendizagem;
- a construção do conhecimento na sala de aula é um processo social e
compartilhado;
- o contexto influencia a construção do conhecimento e as capacidades dos
alunos, porque é nele que se dá sentido à experiência e se relacionam os signifi-
cados que se geram nele.
Arroyo (2004) diz que o construtivismo não conta em si com um objeto de
estudo, mas com premissas, como já destacamos, das obras de Piaget, Vigotsky,
Ausubel e dos precursores das ciências cognitivas que contribuem com o sistema
educativo com duas questões centrais:
- oferece pistas importantes para compreender os processos humanos de
criação, produção, reprodução de conhecimentos;
- abre a possibilidade, com base na questão anterior, de desenvolver novos
enfoques, aplicações didáticas e concepções curriculares em qualquer âmbito da
educação escolarizada, assim como uma série de inovações dirigidas às práticas
educativas.
2. Construtivismo ou construtivismos:
em busca de um sentido
89
Nos sentidos psicológico e educativo, existem diferentes expressões, tais
como o construtivismo piagetiano, o construtivismo cognitivo (baseado na teoria
dos esquemas e no processamento de informação); o construtivismo sociocogni-
tivo; o enfoque sociocultural; a aprendizagem significativa e a teoria da constru-
ção do conhecimento em domínios específicos.
Galiazzi (2000, p.151) aponta uma multiplicidade de significados, citando
quinze acepções construtivistas diferentes, destacando que
[... ] existem vários construtivismos. E em todos os campos teóricos
entendo-os como um modo de pensar sobre como ocorre o conhecimen-
to no indivíduo, no grupo, na pesquisa, na sala de aula. Em todos os
domínios é uma referência, não um modelo. É um ponto de partida não
de chegada. [...] cada professor constrói o seu modelo construtivista de
ser professor e este modelo não é estático, pode ser testado, reformu-
lado, construído e reconstruído.
Perspectiva
Coletiva
CONSTRUTIVISMO
Perspectiva Perspectiva
Individual Coletiva e
Individual
90
coletiva. Assim, a aprendizagem não ocorre apenas no social, ainda que se atri-
bua uma importância significativa à linguagem e à cultura.
Buscando questões que subsidiem a compreensão da orientação construti-
vista, apresentamos as considerações de Driver e Oldham (1986), ao destacarem
quatro características em relação ao processo de aprendizagem apoiando-se em
uma posição construtivista:
– os estudantes têm suas idéias explicativas sobre os fenômenos físicos e
químicos, mesmo antes de chegarem à escola;
– a mudança conceitual produzir-se-á em uma situação na qual as idéias
não conseguem explicar o fenômeno. A nova teoria será formada por reestrutu-
ração da teoria prévia e deve superá-la quando estabelecer novas e melhores rela-
ções entre as idéias;
– a aprendizagem ativa de significados supõe uma seqüência de situações
de equilíbrio e desequilíbrio ou de conflito cognitivo, embora seja importante des-
tacar que nem todos os conflitos cognitivos conduzem a uma re-estruturação da
teoria inicial;
– o aluno deve ser protagonista de sua própria aprendizagem e isso deve
manifestar-se necessariamente em sua tomada de consciência e na existência de
um conflito cognitivo. Embora esta seja uma condição necessária, não é sufi-
ciente, porque falta determinar quais são os processos que intervêm na solução
do conflito para que este gere compreensão.
Contribuindo ainda nessa direção, Sanmarti (1995 apud Moliné; Puig,
1996) aponta dois princípios básicos em relação ao pensamento construtivista, que
são apresentados na Figura 02.
O aluno constrói formas próprias de ver e
A aprendizagem é mais uma conse- explicar o mundo, o que é diferente de se pen-
qüência de um processo mental do sar por meio de sua atividade. O aluno redes-
que de um acúmulo de informações cobre os conceitos e teorias próprias da ciência
91
As considerações feitas anteriormente ressaltam a importância de que nas
aulas de ciências: 1) haja a participação ativa dos alunos nas atividades propostas
pelo professor; 2) o professor conheça as idéias que os alunos trazem para a escola,
de modo a subsidiar a organização de atividades que auxiliem à aprendizagem dos
alunos e 3) haja a relevância do diálogo para o avanço da aprendizagem.
92
1 – FASE DE
EXPLORAÇÃO
4 – FASE DE 2 – FASE DE
APLICAÇÃO E INTRODUÇÃO DE
AVALIAÇÃO NOVOS PONTOS DE
VISTA
3 – FASE DE
ESTRUTURAÇÃO E
DE FORMALIZAÇÃO
93
É importante conceber essas considerações como orientações que po-
dem auxiliar a construção do conhecimento por parte dos alunos e não como um
algoritmo, uma receita.
94
definido, está na cabeça das pessoas e o sujeito pensante não tem alternativa se não
construir o que já conhece com base na sua própria experiência. Aquilo que faze-
mos da experiência constitui o único mundo onde vivemos de maneira consciente.
O Construtivismo Radical é uma perspectiva teórica sobre o modo de co-
nhecer com muitas potencialidades. Uma delas é que assume uma posição céptica
em epistemologia que incorpora uma visão falibilista da Matemática. Os céticos
sustentavam que o que chegamos a conhecer passa por nosso sistema sensorial, e
nosso sistema conceitual nos brinda com um quadro ou imagem, mas, quando
queremos saber se este quadro ou imagem é correto, se é uma imagem verdadeira
de um mundo externo, ficamos completamente confusos, já que, cada vez que
contemplamos o mundo externo, o que vemos é visto de novo através do nosso
sistema sensorial e nosso sistema conceitual.
Assim, não temos maneira de chegar ao mundo externo senão por meio de
nossas experiências dele. Para os céticos, não havia nenhum problema em que a
ciência criasse modelos racionais, mas sempre seriam modelos de nosso mundo de
experiência e não do mundo real. Para a visão falibilista, a matemática é uma
atividade humana, imperfeita e sujeita a erros, que cresce através de críticas e
correções em um constante refinamento.
????
95
Absolutista Falibilista
Visões Filosóficas
sobre a Matemática
96
O processo de criação de uma prova matemática é social, na medida em
que os vários passos da demonstração vão sendo criticados pela comunidade
(professores, alunos e colegas). É nessa perspectiva que a orientação do Constru-
tivismo Radical tem influenciado fortemente essa visão falibilista da Matemática.
Em Ernest (1991b, 1996a), o autor sugere as possíveis relações entre as
concepções filosóficas e as posturas pedagógicas, sendo que a oposição entre as
visões absolutista e falibilista é apresentada como a contraposição respectiva entre
o ensino de Matemática como produto e como processo.
Na abordagem absolutista, o ensino é centrado no conteúdo; o professor en-
fatiza a beleza das demonstrações, exige a prova de todos os resultados, justifica
o uso de determinados algoritmos, enfim, transmite um conhecimento estável, e
hierarquicamente estruturado, em que cada conteúdo depende dos anteriores.
Por outro lado, o ensino baseado na visão falibilista pode ser centrado na
resolução de problemas; o professor não impõe a solução. Ela é buscada, em con-
junto, pelo grupo de alunos que testam hipóteses e as refutam. E o conhecimento
desenvolve-se a partir das correções, buscando um refinamento. Evidentemente,
esta última postura pedagógica tem seus fundamentos no construtivismo, como
teoria do conhecimento e da aprendizagem.
Os princípios básicos do Construtivismo Radical, segundo Glasersfeld
(1991) estão apresentados no Esquema 05 abaixo.
Princípios do
Construtivismo
Radical
97
cionais de conhecimento, verdade e objetividade que requerem uma ressignifi-
cação radical da concepção de realidade. Assim,
[...] ao invés de um domínio inacessível além da percepção e da cog-
nição, a realidade torna-se agora o mundo da experiência no qual nós
vivemos. Este mundo não é uma estrutura independente imutável, mas
o resultado de diferenças que geram um ambiente físico e social ao
qual, por outro lado, nos adaptamos da melhor forma que podemos
(Glasersfeld, 1991, p.33).
V+F-2=A
98
A atividade consiste em apresentar poliedros convexos para os alunos e
solicitar que contem as faces, vértices e arestas dos poliedros, organizando os
resultados obtidos numa tabela. Nessa oportunidade, poderão ser feitas algumas
perguntas do tipo: o que é uma aresta? E vértice? E face? Qual o número mínimo
de faces que formam um poliedro? Por quê?
Após a tabela estar preenchida, peça aos alunos que a observem e regis-
trem todas as relações entre faces, vértices e arestas que encontrarem. Pergunte a
eles se seria possível, conhecendo-se os números de faces e vértices do poliedro,
encontrar o número de arestas. A mesma situação-problema pode ser encaminhada
com relação aos poliedros não-convexos. A idéia é que os alunos reconstruam, por
meio da sua própria atividade a Relação de Euler e analisem a sua validade para
poliedros convexos e não convexos. Um dos objetivos do professor neste caso é
que os alunos cheguem à seguinte conclusão: todo poliedro convexo é euleriano,
mas que nem todo poliedro euleriano é convexo. E ainda: a Relação de Euler não
vale para todos os poliedros não convexos.
Os argumentos teóricos favoráveis a essa abordagem pressupõem que o
bom desempenho dos professores durante suas atividades educativas deve condu-
zir os estudantes a uma construção mais dinâmica e construtiva da Matemática
ensinada na sala de aula. É imprescindível então estabelecermos uma proposta de
abordagem para o ensino da Matemática que integre, no processo do raciocínio do
aluno, aspectos interativos contidos no conhecimento cotidiano, escolar e científico.
Como estratégia de ensino e aprendizagem, a Resolução de Problemas tem,
de certa forma, seus fundamentos no Construtivismo Radical. Nessa estratégia, há
uma tendência em se privilegiar os problemas abertos em detrimento de simples
exercícios, como vimos em capítulos anteriores, porque essa alternativa tem mais
potencial para um trabalho numa perspectiva construtivista, uma vez que possibilita
ao aluno momentos para desenvolver sua criatividade, a atitude de investigação, a
construção do pensamento autônomo e para lidar com verdadeiros problemas.
O encaminhamento metodológico perpassa, assim, aspectos teóricos rela-
cionados ao processo de raciocínio matemático e à atividade matemática produ-
tiva. Esse raciocínio e essa atividade configuram o modo representacional do racio-
cínio matemático sob a forma simbólica e mental as quais, interligadas entre si,
geram abstração matemática. Além disso, cremos que tal movimento processual se
concretiza por meio da realização de atividades matemáticas organizadas a par-
tir de três componentes: intuitivo, algorítmico e formal (Mendes, 1997). Essas
são, para nós, as características que devem nortear uma proposta de ensino de
Matemática que fomente no estudante a prática da investigação como meio de
construção do seu conhecimento.
Ao se adotar com seriedade a orientação construtivista radical, devem-se
operar mudanças importantes no pensamento e nas atitudes. Não é ofensivo falar
de conhecimento, matemática e outros assuntos como se tais assuntos tivessem
status ontológico, objetivo. Admitindo-se os princípios do Construtivismo Radical,
99
não o considerar como uma representação ou descrição de uma realidade abso-
luta, mas como um possível modelo de conhecimento em seres vivos cognitivos,
que são capazes, em virtude de sua própria experiência, de construir um mundo
mais ou menos digno de confiança.
5. Considerações finais
Referências
100
BACHELARD, G. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicaná-
lise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
CARRETERO, M. Construtivismo e educação. Porto Alegre: Artmed, 1997.
DOCKWEILLER. C.J. Children’s attainment of mathematical concepts: a model under
development. Texas: A&M Unversity, 1996, 9p. (Impresso).
DRIVER, R.; OLDHAM, V. A constructivist approach to curriculum development in
science. Studies in Science Education, Leeds, v. 13, p.105-122, 1986.
ERNEST, P. The impact of beliefs on teaching of mathematics. In: ERNEST, P. (Ed.)
Mathematics teaching: the state of the art. 2. ed. London: Falmer, 1991a, p.249-254.
________. The philosophy of mathematics education. London: Falmer, 1991b.
________. Varieties of constructivism: their metaphors, epistemologies and pedagogical
implications. In: FOX, R. (Ed.). Perspectives on constructivism. Media and Ressources
Centre. University of Exeter, School of Education, 1996a, p.56-61.
GALIAZZI, M. C. Algumas faces do construtivismo, algumas críticas. In: MORAES,
R. (Org.) Construtivismo e ensino de ciências. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000, p.
131-158.
GIL, P. D. Algumas tendências innovadoras espontáneas: aportes e limitaciones. In:
GIL, P. D. e GUZMÁN, M. O. Enseñanza de las ciencias y la matemática: tendências
e inovaciones. Revista Iberoamericana de Educación, Madrid, 1993. Disponível em:
< http: www.campus.oei.org >. Acesso em: 2 abr. 2003.
________. et al. Puede hablarse de consenso constructivista en la educación científica?
Enseñanza de las ciencias, Barcelona, v. 17, n. 3, p.503-512, 1999.
GLASERSFELD, E.V. Constructivism in Education. En: LEWEY, A. The International
Encyclopedia of Curriculum. Oxford: Pergamon Press, 1991, p.162-163.
________. Construtivismo Radical: uma forma de conhecer e aprender. Lisboa: Instituto
Piaget, 1995.
HODSON, D. In search of a meaningful relationship: in exploration of some issues
relating of integration in science and science education. International Journal of Science
Education, Hampshire, v. 14, n. 95, p.541-566, 1992.
KRASILCHICK, M. O professor e o currículo das ciências. São Paulo: EPU/EDUSP,
1987.
MENDES, I.A. Ensino de trigonometria através das histórias. 1997. 165 f. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Natal: Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, 1997.
MOLINÉ, M. R. G.; PUIG, N. S. La didáctica de las ciencias: una necesidad. Educación
química. México, v. 7, n. 3, p.156-168, 1996.
PIAGET, J. O desenvolvimento do pensamento: equilibração das estruturas cognitivas.
Lisboa: Dom Quixote, 1997.
POSNER et al. Accommodation of a scientific conception: toward a theory of a conceptual
change. Science Education, Pensylvania, v. 2, n. 66, p.211-227, 1982.
POZO, J. J. Teorias cognitivas da aprendizagem. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2002.
RODRIGO, M. J.; CUBERO, R. Construtivismo y enseñanza de las ciencias. In
PERALES, J. P.; CANÃL, P. L. Didáctica de las ciencias experimentales: teoría y práctica
de la enseñanza de las ciencias. Madrid: Marfil Alcoy, 2000, p.85-108.
VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. Martins Fontes: São Paulo, 1998.
101
PARTE II
Introdução
105
Diante dessa situação, convém estabelecer, em relação aos propósitos da
educação em ciências da natureza, o de instigar uma reflexão sobre o lugar do
conhecimento científico e a sua relação com os outros tipos de saberes. Nesse
sentido, o ensino de Ciências deverá promover a articulação entre o conheci-
mento escolar e os vários tipos de saberes do aluno, para que sejam superadas as
dicotomias, por vezes estabelecidas nos livros, entre o conhecimento geral e o
específico, entre o conhecimento científico e o do senso comum, entre a ciência
e a técnica, e para que se ultrapasse a visão deturpada de que tecnologia é exclu-
sivamente aplicação da ciência, de forma que a escola incorpore tanto as culturas
técnica e geral quanto as experiências do aluno na sua formação plena.
Sabemos que alcançar esse nível de compreensão no processo de ensino
em ciências da natureza demanda tempo e que isso só ocorrerá por meio da efe-
tivação de atividades caracterizadas pela interdisciplinaridade,1 pela contextua-
lização 2 e pelo uso de estratégias de resolução de problemas.3 Além disso,
faz-se necessária a sistematização do conteúdo, dentro de uma nova visão de
currículo escolar incutida numa nova cultura escolar.
Dentro da perspectiva de currículo, Weissmann (1998) destaca duas visões
de conteúdo curricular:
· a visão tradicional – em que os conteúdos escolares limitam-se exclusi-
vamente ao corpus conceitual das disciplinas que compõem o currículo, ou seja,
há dicotomia entre o conteúdo escolar e as outras tipologias do conhecimento que
compõem o elenco de saberes do aluno;
· a visão atual – na qual os conteúdos escolares não se limitam ao aspecto
conceitual, pois agregam os procedimentos, ou seja, as “habilidades, rotinas ou
mecanismos empregados pelo aluno para tratar do conteúdo” (Weissmann (1998,
p.33). Para a autora, trata-se de “um aprender fatos, conceitos, coisas das pes-
soas, da natureza, dos objetos” (idem, p.33). Em relação aos procedimentos, a
1
Ao caráter interdisplinaridade iremos considerar como sendo as diferentes relações que guar-
dam as disciplinas e conteúdos afins, favorecendo a integração de conceitos na construção do
conhecimento.
2
A contextualização dos conteúdos consiste nas relações de continuidade passíveis de serem
constituídas entre o conteúdo curricular e os conhecimentos detidos pelo aluno, decorrentes de
sua atuação em sociedade e de suas experiências pessoais.
3
Os problemas de ensino constituem-se em formas alternativas de levar o aluno a raciocinar
acerca de uma determinada situação, envolvendo os seguintes passos: 1. observação de uma
situação cotidiana e identificação de um problema; 2. processamento mental e dialética entre os
conhecimentos adquiridos na escola e os conhecimentos prévios; 3. busca de soluções práticas
e 4. resolução do problema. O uso de problemas envolve os esquemas mentais e a (re)significa-
ção de saberes na busca de solução de problemas da vida prática (saber fazer). Convém salientar
que os problemas diferem dos exercícios encontrados nos livros didáticos que, algumas vezes,
equivocadamente são chamados de problemas, devido à sua estrutura e meios de processamento
das análises e respostas.
106
autora esclarece que trata-se de “um aprender a atuar de uma determinada ma-
neira, de um saber fazer” (ibidem, p.34). Para essa abordagem de conteúdo, não
estão envolvidos somente os fatos, conceitos, generalizações e teorias, mas um
elenco de procedimentos, atitudes e de valores. Nessa perspectiva, valorizam-se
as diferentes formas de saberes e o conhecimento científico passa a ser uma,
dentre outras referências, para se explicar/compreender a natureza.
Fanfani (2002, p.03) enfatiza a importância da participação da escola na
formação do aluno para a vida, inserindo dentre as prioridades da educação esco-
lar não apenas a de “ensinar boas maneiras, mas a de formar homens de ação,
capazes de pensar corretamente para poder atuar na sociedade”, o que constitui
a base do saber contextualizado.4
Schimidt & Garcia (2002) destacam, quanto à relevância dada ao con-
teúdo que é trabalhado na escola, como um dos elementos mais importantes do
cotidiano do aluno. Apple (1997, p.05) corrobora esse pensamento, quando afirma
que, em relação à sua função, as escolas “não apenas preparam o conhecimento;
elas também preparam as pessoas”; nesse caso, o preparar o conhecimento sig-
nificaria conferir-lhe características próprias que o tornarão diferente quando
comparado às outras tipologias de conhecimentos do aluno. Tratando dessa
questão Santos (1994) chama a atenção para um aspecto importante em relação
a algumas tipologias do conhecimento – como o saber social, o conhecimento
do senso comum e o conhecimento popular – que há pouco tempo pareciam
desvalorizadas ou relegadas a um segundo plano, por isso não eram consideradas
como integrantes do currículo escolar, devendo ser atualmente elementos cons-
tituintes do conhecimento escolar.
A idéia de que a ciência produzida pelos cientistas é a ciência que deverá
ser aprendida e ensinada na escola passa a ceder o seu espaço para idéias mais
pedagógicas sobre o conteúdo de ciências a ser ensinado na escola. Pozo (1987)
afirma que não existe um isomorfismo completo entre a “ciência dos cientistas”
e a “ciência escolar”. A incorporação do conhecimento científico (produzido
pelas ciências) aos conteúdos escolares geralmente acontece de forma espontânea,
à mercê de escritores de livros didáticos e das políticas curriculares que expres-
sam ideologias dominantes. Esse processo não tem considerado quais conhecimentos
das ciências são necessários para a formação cidadã dos alunos; nem considerou
a complexidade de tornar esses conhecimentos não só ensináveis mas também
“compreensíveis” para os alunos.
Autores como Schwab (1973), Chevallard e Joshua (1982) têm chamado a
atenção para as diferenças e as especificidades do conhecimento científico e do
conhecimento escolar, a partir dos contextos de produção de cada um desses tipos
4
O saber contextualizado relaciona-se às relações existentes entre o conteúdo escolar, em sua
visão atual, e as relações com o cotidiano.
107
de conhecimento, e para as implicações de se modificar o primeiro para se estru-
turar o segundo. Essa problemática, na opinião de Cajas (2001, p.244), leva a dois
pontos importantes:
· o planejamento do conhecimento científico como saber escolar deve ser
realizado;
· o impacto social causado pelo conhecimento científico na vida cotidiana
dos alunos.
Dessa forma, durante a seleção dos conhecimentos científicos, como parte
do saber escolar, deve-se prestar atenção aos dois pontos anteriores, na busca de
funcionalidade educativa (como sistema explicativo para a reflexão crítica e a
compreensão da realidade) dos conhecimentos científicos relacionados com outros
saberes. Chevallard (1992) introduziu a idéia de “antropologia dos saberes”, a
qual se inclui na didática dos saberes, em que se procura superar a “restrição” da
epistemologia tradicional, preocupada com os processos de produção de saberes.
Portanto, para que o saber/conhecimento possa ser utilizado, ensinado e aprendido,
precisa-se de uma visão epistemológica mais ampla, que estude esses processos no
contexto da aprendizagem escolar.
Em relação à influência dos saberes do aluno ao estudar uma disciplina es-
colar, Apple (1997, p.02) destaca a importância dos seus saberes e conhecimen-
tos prévios, fazendo uma analogia entre a participação dos alunos que chegam à
escola com os “cavalos de Tróia – que atravessam os muros da escola levando
consigo suas linguagens, interesses e desinteresses, temores, sonhos e aspira-
ções”. Essa comparação é pertinente no sentido de mostrar que o aluno chega à
escola trazendo consigo um elenco de saberes, crenças, valores, etc., produtos de
sua vivência pessoal, que ao longo da vida escolar irão dialogar com os conteú-
dos curriculares, para se construir novos saberes. É necessário considerar esses
saberes na produção/construção dos novos saberes.
Nesse contexto, os novos saberes passarão a ser construídos a partir da
relação dialética entre esses saberes prévios e os que compõem o conhecimento
curricular, portanto objeto da educação escolar, com aqueles conhecimentos que
o professor entende como objeto necessário à aprendizagem. O conteúdo escolar,
nesse âmbito, constitui-se num importante fator que congrega as diferentes tipo-
logias de saberes do aluno com os saberes escolares. Pertencente à categoria dos
conhecimentos normatizados, esse conhecimento escolar constitui-se numa for-
ma de ver os conhecimentos de forma sistematizada, considerando que o conhe-
cimento construído a partir das idéias advindas do senso comum constitui um
conhecimento baseado no que Gil Pérez e Carrascosa (1985) denominaram de
metodologia da superficialidade.
A construção do conhecimento se dá a partir das relações entre os conheci-
mentos prévios do aluno e os conhecimentos sistematizados pelo currículo escolar;
nesse ponto, a contextualização dos conteúdos deve levar à aprendizagem sig-
108
nificativa5 pelo aluno. Nesse processo, também devemos considerar que os co-
nhecimentos prévios, que são o ponto de partida na construção do conhecimento,
por vezes se constituem em obstáculo epistemológico. No Esquema 01, procura-
mos dar uma visão geral da estrutura de saberes/conhecimentos do conteúdo escolar
e de suas relações.
CONTEÚDO
ESCOLAR
SABERES DO ALUNO SABERES ESCOLARES
APRENDIZAGEM CONHECIMENTO
PELA RELAÇÕES DIALÉTICAS
SITEMATIZADO
METODOLOGIA DA NO CONTEXTO
SUPERFICIALIDADE ESCOLAR
CONTEXTUALIZAÇÃO
DO CONHECIMENTO SABER
CONSTRUÍDO
Esquema 01 – Representação dos componentes do conteúdo escolar e das suas relações com as
formas de saber do aluno e do saber escolar na construção do conhecimento
5
Aprendizagem significativa é considerada como o nível de compreensão dos conteúdos pelo
aluno, de forma conceitual, procedimental e atitudinal.
109
explicar a posição que defendemos neste livro, discutiremos, a seguir, algumas
posições epistemológicas e suas implicações didáticas.
Galogovsky e Muñoz (2002), a partir da aprendizagem como processa-
mento da informação, distinguem conhecimento de informação, ao descrever a
Estrutura Cognitiva (EC) de um sujeito como uma configuração do tipo reticular,
composta por novos conceitos e por relações entre conceitos. Esses autores cha-
mam de conhecimento o conteúdo da EC e de informação todo tipo de conheci-
mento que é externo ao sujeito. Nesse sentido, a aprendizagem supõe a transfor-
mação da informação (externa ao sujeito) em conhecimento (interno ao sujeito).
No Esquema 02, está representado o processo de transformação da informação em
conhecimento, concebido de acordo com essa forma de entender o processo.
Incorporação à
INFORMAÇÃO
110
formador, que instrumentaliza, de forma teórica, a prática, e não é resultado das
ações mobilizadoras do sujeito”. O saber é pessoal e o conhecimento é social ou
socializável, na medida em que pode ser, ou é, sistematizado. O saber é mais li-
gado à ação, enquanto o conhecimento é mais ligado à reflexão e à linguagem – “o
saber tem mais a ver com as percepções e movimentos, enquanto o conhecimento
tem mais a ver com as palavras”.
O saber significa uma ação transformadora do conhecimento para si e pro-
duto da aprendizagem em interação comunicativa com os outros, nos contextos
específicos da aprendizagem. O conhecimento constitui-se numa entidade autônoma,
substantiva e independente do contexto da aprendizagem, pois é produto da atividade
de outros sujeitos – por exemplo, os conhecimentos debatidos pela comunidade
científica numa determinada área disciplinar. O conhecimento pode ser “trans-
mitido” ao sujeito que o transforma em saber, haja vista que o saber é subjetivo e
dependente das relações que o sujeito estabelece com o conhecimento, no contexto
social, cuja condição individual não faz o sujeito independente do grupo e do
contexto no qual se dá sentido ao saber. O contexto no qual ocorre a construção do
saber impõe limitações ao seu potencial epistemológico. No Quadro 01, fazemos
uma comparação entre conhecimento e saber, de acordo com as suas principais
características, segundo Grossi (1990).
CONHECIMENTO SABER
111
A nosso ver, entretanto, o saber é sistematizado e transformador, uma vez
que a aprendizagem escolar deverá possibilitar aos alunos assimilar, apropriar-se
e construir saberes, como atividade individual na interação com os outros. O saber
escolar construído pelos alunos leva consigo o conhecimento científico, os saberes
cotidianos e o do senso comum, assim como outras formas de saberes, que, refor-
mulados, propiciam novos recursos cognitivos e afetivos, assim como um “saber
escolar” para a ação.
No processo de construção de saberes, o aluno, como sujeito da aprendi-
zagem, não só transforma o objeto da aprendizagem como também ele próprio se
transforma, em termos dialéticos. As ciências naturais produzem conhecimentos
específicos que, na escola, sob processos pedagógicos, são assimilados pelos alunos
na forma de saberes, pois quando o aluno aprende, constrói saberes a partir dos
conhecimentos disponíveis nos livros, nos documentos, etc.
O conhecimento científico, juntamente com outros saberes, é mobilizado
pelo aluno no processo da aprendizagem, que consiste num processo complexo e
que implica mobilizar outros recursos cognitivos e afetivos necessários à constru-
ção do saber. O saber pode estar, e de fato está, num processo de reconstrução,
quando necessário e em determinados momentos, face às situações-problema.
Nesse processo de reconstrução, o sujeito não só mobiliza saberes no sentido de
“usar” o saber, como também faz a “transferência de aprendizagem”, conforme
ilustrado no Esquema 03.
MOBILIZAÇÃO DE
CONHECIMENTOS E
DE OUTROS RECURSOS
Conhecimento Saberes
científico
aplicação e transferência
de saberes
Recursos Processo de
cognitivos e construção de
afetivos saberes
Novo saber
produzido
112
A representação que se vê no esquema 03, tem objetivos meramente didáti-
cos, pois sabemos que a construção de saberes é um processo complexo no qual
estão inseridos vários tipos de saberes e de conhecimentos interligados em rede. Os
processos mentais envolvidos na utilização dos recursos cognitivos do sujeito são
dimensionados para a compreensão de situações relacionadas ao conhecimento
científico ou outros tipos de conhecimentos, estando interligados aos componen-
tes afetivos do aluno e dentro de um contexto no qual se dá a construção de novos
saberes.
É importante assinalar que a discussão anterior constitui um modelo expli-
cativo do que pensamos ser necessário ao processo de construção de saberes
escolares, tomando como referência o conhecimento científico escolarizado. Ex-
plicar esse processo constitui-se em um desafio para os professores e para a didá-
tica, uma vez que os argumentos que procuram para revelar como os alunos usam
o conhecimento científico escolarizado no cotidiano são limitados. Não existe
um quadro teórico e metodológico por meio do qual se possa discutir, na Didática
das Ciências e da Matemática, esse processo, central durante a formação de
competências. Os objetivos do Ensino Médio vão além da promoção da apren-
dizagem dos conteúdos curriculares e da construção dos saberes, pois buscam a
mobilização das diversas categorias de saberes na construção das competências,
explicitados por um saber fazer competente. O papel dos conteúdos escolares passa
a ter outra conotação e outras implicações para o professor, em se tratando da
capacidade de transformação assumida, de um objeto de saber (que deve ser
ensinado) em um objeto de ensino, conceituado por Chevallard (1995) como
transposição didática.
A construção de um saber fazer competente processa-se no sentido de dar
uma nova conotação aos saberes advindos da vida pessoal, social e escolar do
aluno, tendo o currículo escolar a importante função de redimensionar esses sabe-
res, a partir da sistematização dos conhecimentos. Cabe à educação em ciências,
promovida pelo Ensino Médio, oportunizar, de forma sistemática, a construção e a
aplicação dos saberes para a sua apropriação pelos alunos. Nesse sentido, a dife-
rença entre saber e conhecimento consiste basicamente no aspecto da sistematização
destes e da sua apropriação pelo aluno.
No Esquema 04, estão representadas diferentes tipologias de saberes e de
conhecimentos, que são aprendidos na escola e nas diferentes relações sociais
estabelecidas pelo aluno. A partir das interlocuções entre esses fatores, na forma
de um processo que se dá no nível do pensamento, ocorre uma transposição,
promovendo os processos relacionados à construção do saber do aluno.
113
Saberes
do aluno
Conteúdo
Curricular
Conhecimento
escolar
Diante desses fatos, torna-se possível afirmar que o saber não pode ser visto
de forma isolada ou como algo que se aprende exclusivamente na escola, mas
como uma (re)leitura de conhecimentos, que irá ocorrer em diferentes momentos
da vida do aluno, conforme o contexto, os interesses pessoais, afetivos, sociais, as
crenças e os anseios, etc. Assim, é possível entender o saber como uma categoria
que incorpora conhecimentos sistematizados.
O saber cotidiano (do aluno) e o saber curricular, aqui descritos, serão vistos
como ferramentas na construção de competências pelo aluno, durante todo o
percurso da educação básica, que culmina com o término do Ensino Médio, tendo
continuidade na construção de suas diferentes atividades profissionais e em suas
diferentes relações sociais. Daremos destaque às tipologias de conhecimento cien-
tífico e curricular e ao saber cotidiano e às suas subcategorias: o conhecimento do
senso comum e o conhecimento popular.
a) o conhecimento científico – classificado por Martínez (2003) como aquele
que depende de um corpo de conhecimentos validados pela Ciência, de acordo com
os procedimentos científicos – reconhecidos pelas comunidades científicas. É um
conhecimento histórico e socialmente construído, formado por um corpo conceitual
e procedimental específico das diferentes áreas disciplinares. Constitui modelos
teóricos para explicar a realidade e não só para agir no cotidiano. O conhecimento
científico é baseado numa racionalidade (ou racionalidades – uma lógica discussiva/
argumentativa) e nas experiências dos pesquisadores, constituindo-se num conhe-
cimento explicativo, crítico e teórico-prático.
Esse conhecimento é reconhecido como válido pela comunidade científica,
constituído por um corpo de conceitos, métodos e teorias que podem chegar ao
aluno por meio de sua participação na comunidade escolar; nesse ponto, dependendo
do interesse do aluno e da interpretação dada, é passível de alterações, moldando-
114
se ao seu nível de compreensão. O conhecimento científico constrói-se por meto-
dologias que têm como características, segundo Furió e Escobedo (1994, p.114):
· aceitam da natureza hipotética do conhecimento declarativo (caráter
duvidoso ou óbvio);
· primam os conhecimentos procedimental e explicativo do tipo hipotético-
dedutivo (parte-se do corpo teórico vigente);
· usam aproximações qualitativas, mas também procuram objetivar essas
aproximações por meio de observações quantitativas;
· valem-se do pensamento convergente, mas prima o divergente para falsear
o conhecimento declarativo, como busca global da coerência;
· estruturam conhecimentos procedimentais seguros (diversas estratégias);
· usam raciocínios pluricausais, mais complexos.
b) o saber curricular – é o objeto do saber a ser ensinado; consiste naquilo
que será ensinado nos diferentes níveis educacionais, como parte integrante do
currículo (objeto de ensino/currículo) ou que é vivenciado pelo aluno, por meio
das diferentes formas de ler e interpretar a ciência e seus produtos, com base no
subjetivismo e objetivismo do aluno (Martínez, 2003). Uma prioridade na hora
de pensar os diferentes saberes do conteúdo escolar e suas relações com o coti-
diano é tentar aproximar as metas da educação científica às metas da atividade
cotidiana, uma vez que esse conhecimento encontra-se disponibilizado nos livros
didáticos e em documentos oficiais. Quando essas metas diferem, reduz-se a possi-
bilidade de ativação do conhecimento científico fora da sala de aula.
c) o saber cotidiano – é considerado por Martínez (2003) como um tipo de
saber freqüente e adquirido de forma espontânea e informal, sendo resultante da
integração entre o meio natural e o social do qual o aluno participa. O ambiente
cultural no qual vivem os alunos assume um papel fundamental nas idéias que eles
têm, as quais podem constituir-se em crenças populares, compartilhadas pelo grupo
cultural. Esse saber caracteriza-se como uma estruturação, de forma lógica, prag-
mática, adaptativa e útil no âmbito cotidiano.
É importante destacar que o saber cotidiano, construído pelo aluno, apre-
senta um componente individual de caráter procedimental e implícito, em que o
cognitivo e o afetivo estão fortemente ligados. Sob esse ponto de vista, torna-se
possível considerar esse tipo de saber como um conhecimento pessoal, embora
construído no grupo social, que possibilita ao aluno resolver problemas do coti-
diano, porém com potencial explicativo limitado.
O saber cotidiano é gerado na interação com as experiências da vida diária,
inclusive nas relações com os outros sujeitos. Esse saber representa um nível de
sistematização baseado em critérios, modos de raciocínio, propósitos e valores
que são suficientes para responder às exigências do cotidiano; é um saber idiossin-
crático (pessoal). Constitui-se num saber múltiplo, formado por diferentes saberes,
que são utilizados na vida cotidiana, ou seja, é um saber prático e acrítico (baseado
115
na experiência) e não explicativo, em termos de teorias sistematizadas e validadas
pela comunidade científica. O saber cotidiano é vinculado aos contextos particulares
e apresenta características mais orientadas para a eficácia das tarefas que para a
conceitualização. É, no contexto da atualidade de aprendizagem, no qual se esta-
belece uma rede de relações, que se dá significado às ações.
Fanfani (2002, p.02) considera-o como sendo o “âmbito dos atos vivos,
tratando-se de uma realidade compartilhada por homens que têm em comum não
apenas objetivos mas também os meios para a sua concretização. Nesse caso, a
escola participa conjuntamente com o indivíduo na reformulação desse conheci-
mento quando lhe acrescenta dados científicos ou informações sobre a ciência
produzida pelos cientistas.
d) O conhecimento do senso comum – Lopes (1999, p.149), defende o pon-
to de vista de que o senso comum “possui um caráter transclassista”, o que faz
com que as idéias preconcebidas tendam a manter-se resistentes, mesmo diante da
possibilidade de modificações que possam levar a um entendimento e/ou intro-
dução dos conhecimentos advindos por ingresso na vida escolar (conhecimento
científico/curricular). Incluem-se também as diferentes concepções de mundo,
sistemas filosóficos, crenças, conhecimentos correspondentes a uma época histó-
rica e cultural de um contexto. Fanfani (2002, p.04) considera essa forma de conhe-
cimento como uma “espécie de cumplicidade ontológica entre as coisas da vida
cotidiana e as categorias de percepção dos sujeitos que dela compartilham”.
Furió e Escobedo (1994) atribuem ao saber do senso comum uma episte-
mologia caracterizada por:
· aceitação acrítica do conhecimento declarativo assumido por todos como
veracidade;
· priorização do conhecimento procedimental e explicativo do tipo empi-
rista-indutivista (generalização a partir de casos concretos);
· preferência pelo uso de raciocínios qualitativos para estabelecer conclusões
gerais;
· favorecimento do pensamento convergente ao validar o conhecimento
declarativo (busca pontual de coerência);
· expressão de um conhecimento procedimental pouco rigoroso (uma única
estratégia);
· utilização fundamental de raciocínios do tipo causal e linear.
e) Saberes populares – são considerados por Lopes (1999, p.150) como
“fruto da produção de significados das camadas populares da sociedade”,
caracterizadas, pela autora, como “as classes dominantes sob o ponto de vista
econômico e cultural”. Para a autora a luta cotidiana pela sobrevivência como um
conjunto de práticas formadoras de diferentes saberes, caracterizando-se como
“um saber produzido pelas práticas sociais”. Diante disso, caracteriza o saber
popular como um saber cotidiano, do ponto de vista desse extrato social, porém
116
não-cotidiano em relação às outras camadas sociais, o que serve para diferenciá-lo
em relação ao conhecimento do senso-comum.
Para Wellington (1989), os conhecimentos, sob o ponto de vista filosófico,
podem ser classificados como:
· conhecimentos declarativos (descritivo ou factual) – aquele pelo qual
podemos expressar a nossa opinião sobre um determinado evento;
· conhecimento processual (procedimental) – aquele que se relaciona às
habilidades ou destrezas que constituem domínios de ação, expressadas por meio
do “saber fazer”. Para explicitar esse tipo de conhecimento, o aluno demonstra
como se deve fazer determinada atividade, fazendo-a;
· conhecimento explicativo – classificado como aquele que leva ao domí-
nio de teorias, como construções dinâmicas, ou seja, para os autores, esse tipo de
conhecimento teria a capacidade de dar significado e aprofundamento aos tipos de
conhecimento descritos anteriormente.
Para nós, o saber é considerado como o conhecimento processual e o co-
nhecimento explicativo, quando mobilizados na solução de tarefas. Segundo Paris,
Hipson e Wixson (1983), existe um outro tipo, o conhecimento condicional ou
contextual, relacionado ao conhecimento de quando e onde utilizar uma estratégia
específica. Para os autores citados, dentro de seus estudos sobre metacognição, o
conhecimento declarativo refere-se à autoconsciência do que sabem os sujeitos e
das outras categorias a utilizar. No Esquema 05, procuramos explicitar uma das
possibilidades de relação existente entre os saberes e o conhecimento no contexto
escolar.
Mediação
contexto
escolar
Declarativas
(re)significação
Saberes Processual ou
Conhecimentos
do aluno procedimental
do aluno/escolar
Saber
Explicativo fazer
117
científico e outros tipos de saberes como ferramentas para a solução de tarefas e
não os conhecimentos e saberes como fins da aprendizagem. Assim, os saberes
passam a fazer parte de atividades cotidianas. Uma questão central na organiza-
ção da aprendizagem será definir quais tipos de atividades/competências são ne-
cessárias na educação básica. Laver e Wenger (1991) mostraram como os sujeitos
que têm um bom desempenho na atividade de compra em um supermercado tive-
ram um mau desempenho na resolução de problemas desse tipo, em simulações
em sala de aula. Acrescentam ainda que os resultados foram ainda piores quando
os problemas eram do tipo exercício.
A escola “tradicional” tomou como pressuposto, nas ciências naturais, o
ensino dos conhecimentos científicos como forma de substituição do saber coti-
diano e do senso comum. Esse pressuposto é um equívoco epistemológico e ideo-
lógico, pois existem problemas do cotidiano que não são resolvidos ou explicados
pelo conhecimento científico e para os quais o saber cotidiano e o conhecimento
do senso comum são importantes. No ensino de ciências naturais, a educação
científica deve trabalhar com os alunos diferentes formas de conhecimentos e de
saberes, reconhecendo suas potencialidades e limitações, sob a ótica de uma
“múltipla racionalidade”, que visa a aperfeiçoar o saber cotidiano e o do senso
comum nas suas interações com o conhecimento científico.
As interpelações entre esses conhecimentos e saberes resultam da influên-
cia das análises pessoais, aqui favorecidas pelo diálogo entre os conhecimentos
prévios e os adquiridos na escola, que tornará possível ao aluno tirar suas pró-
prias conclusões acerca dos fatos analisados. Isso irá possibilitar-lhe atingir níveis
diferenciados de mobilização e de (re)significação de saberes – aqui entendido
segundo o que Gauthier (1996) considerou como “um produto da racionalidade
instrumental e da racionalidade interativa (comunicativa), vinculada a um saber
fazer argumentado, explicativo”. O mobilizar saberes estaria relacionado ao
dar um caráter subjetivo aos conhecimentos com os quais o indivíduo irá depa-
rar-se ao longo de sua vida (escolar, social e pessoal), para utilizá-lo num agir
competente.
118
SABERES ESCOLARES
AS FERRAMENTAS NA CONSTRUÇÃO RESOLUÇÃO DO PROBLEMA
DAS COMPETÊNCIAS
IDENTIFICAÇÃO
DE UMA
SITUAÇÃO-
PROBLEMA
ANÁLISE
E
DE UMA CONSTRUÇÃO
SABERES CONTEXTUALIZAÇÃO
SITUAÇÃO DO PROBLEMA
DO CONTEÚDO
COTIDIANA
-ESCOLARES ESCOLAR
-DO ALUNO
COMPETÊNCIA
119
cesso complexo, que implica ações diversas entre os diferentes níveis do conheci-
mento, dos saberes, dos esquemas de ação, dos elementos afetivos, dos elementos
motores, do contexto, etc. No Esquema 7, estão destacadas as relações existentes
entre os saberes na construção das competências.
RELAÇÕES ENTRE
CONHECIMENTOS,
SABERES, ESQUEMAS
DE AÇÃO,
ELEMENTOS
AFETIVOS, MOTORES FORMAÇÃO DE
E DO CONTEXTO COMPETÊNCIAS
DIALÉTICA ENTRE
ATITUDES E
PROCEDIMENTOS
120
mentos incluídos no saber escolar, como forma metodológica de caracterizar os
saberes/conhecimentos, pois na mente do aluno esses saberes não se apresentam
separados, mas como um todo complexo. Nesse aspecto, o termo competência tem
sido muitas vezes confundido com o significado de habilidade, que constitui uma
categoria diferente.
As competências têm sido relacionadas a uma questão mais abrangente
e com um maior teor intelectual, quando comparadas à habilidade. Uma forma
de tentar esclarecer a diferença entre os dois processos poderia surgir a partir da
análise da situação a seguir:
O conhecimento transmitido ao aluno sobre meio-ambiente e saúde irá possi-
bilitar-lhe identificar, a partir de um enunciado em que estejam colocados os nomes
de diversas doenças humanas, se estas são provocadas por bactéria ou por vírus
(constituindo-se numa habilidade – a memorística) em contexto artificial.
Como haveria dificuldade de discernir sobre o agente etiológico da parasitose,
o seu ciclo de vida no(s) hospedeiro(s), as formas de controle e transmissão, se-
riam necessários estudos mais aprofundados e possivelmente de uma vivência
com a situação em questão, obtida em conseqüência de conhecimentos mais
elaborados, na forma de recursos cognitivos/afetivos em ação (competência).
Portanto, a competência estaria referindo-se ao domínio prático e com sucesso de
tarefas em um contexto real. Poderíamos, então, levantar um questionamento
em relação à formação promovida pela escola, quando entendemos que as com-
petências requeridas na vida cotidiana não são desprezíveis, pois boa parte dos
adultos, mesmo entre aqueles que concluíram a escolaridade básica, permanecem
despreparados diante das ciências e das tecnologias. Em relação a isso, Perrenoud
(2002, p.06) complementa: “Dessa forma, sem limitar o papel da escola a
aprendizagens tão triviais, pode-se perguntar: de que adianta escolarizar um
indivíduo durante 10 a 15 anos de sua vida se ele continua despreparado diante de
um contrato de seguro ou de uma bula farmacêutica”?
Diante dessas questões, é possível entender que a mobilização dos saberes
manifesta-se em situações complexas, que obrigam a estabelecer o problema antes
de resolvê-lo, a determinar os conhecimentos e saberes pertinentes a uma dada
situação, a reorganizá-los e extrapolar ou preencher as lacunas. Sob esse ponto
de vista, existe uma grande distância entre o aluno saber o conceito de cadeia
epidemiológica e compreender como se processa o surgimento de uma pandemia,
ou até mesmo de compreender de que forma funcionam as barreiras de bloqueio
epidemiológico. Nesse caso, a competência de resolver problemas relativos às
barreiras de bloqueio epidemiológico implica a mobilização/transferência de
diferentes saberes e conhecimentos, constituindo-se em objetivo do ensino. Dessa
forma, a escola deve pensar quais saberes são potencialmente educativos para
incorporá-los às estratégias que o aluno(a) utiliza no cotidiano a fim de contribuir
com a sua cidadania e a sua formação para o mundo do trabalho. As reflexões
necessárias a essa prática educativa têm como ponto de partida determinadas
121
questões como: de qual forma o conhecimento científico se faz necessário e con-
tribui para a educação do aluno? A resposta a essa pergunta é um problema a se
trabalhar quando procuramos compreender o papel dos saberes escolares.
Os exercícios escolares clássicos permitem a consolidação da noção de ca-
deia epidemiológica, com identificação dos ciclos de evolução das doenças, dos
vetores e dos agentes etiológicos; no entanto, dificilmente trabalham situações-
problema envolvendo os efeitos decorrentes da expansão e/ou ressurgência das
doenças em função da exploração humana aos ambientes naturais, em que se julga
a relação vetor-parasita-hospedeiro como equilibrada. A exemplo disso, poderíamos
trabalhar as questões relativas às mudanças de hábitos do homem do século XXI,
em que observamos uma verdadeira invasão humana às reservas florestais, quer
seja com objetivos meramente extrativistas ou em função da busca de uma reinte-
gração com a natureza, como é o caso do ecoturismo ou da prática de esportes ra-
dicais (rapel, espeliologia, canoagem, camping, etc.), e relacionar esse aspecto à
recrudescência de determinadas doenças, que haviam sido controladas e com essa
prática voltaram a nos atormentar, como é o caso da febre amarela silvestre.
A partir desse ponto, o aluno irá identificar aspectos importantes da epide-
miologia das doenças, em função da interferência humana nos ambientes naturais,
passará a entender-se como parte integrante da cadeia epidemiológica de algumas
das parasitoses que acometem a espécie humana e partirá em busca da solução dos
problemas decorrentes dessa interferência humana, cuja ação será possibilitada a
partir das suas reflexões e contribuirá para desenvolver o seu agir competente.
Conclusões
122
2. é necessário que ele entenda o que é, e como se processa o conhecimento
científico;
3. é importante que ele saiba distinguir a Ciência de seus produtos;
4. é fundamental que consiga utilizar a tecnologia disponível na sociedade,
por meio da alfabetização tecnológica, que deverá ser disponibilizada no ambiente
escolar;
5. é necessário que os conhecimentos construídos pelo aluno, ao longo do
convívio escolar e social, sirvam para promover o saber fazer, um dos pilares da
educação por competências;
6. é desejável e necessário conhecer e trabalhar os diferentes tipos de saberes
e de conhecimentos que devem formar o conteúdo em ciências, na escola, para dar
a cada um seu valor epistemológico no todo complexo.
Portanto, o acúmulo de saberes descontextualizados e não sistematizados
não servem, realmente, senão àqueles que tiverem o privilégio de aprofundá-los
durante anos de estudos, ou numa formação profissional, contextualizando os
conhecimentos e se exercitando para utilizá-los na resolução de problemas e na to-
mada de decisões. Eis aí o sentido dos saberes e dos conhecimentos na construção
das competências, como ferramenta da cidadania.
Referências
123
Brasília: ano 9. n.48. p.45-51. out/dez. 1990.
HENRIQUES, V.M. “Campo educacional: identidade científica e interdisciplinaridade”.
Revista Brasileira de Pedagogia. Brasília: v.74, n.5,1993.
KRASILCHIK, Myriam. “Caminhos do ensino de Ciências no Brasil”. Revista em Aberto.
Brasília: n.55, 1992.
MARTÍNEZ, Marín Nicolás. Conocimientos que interaccionan en la enseñanza de las
ciencias. Enseñanza de las Ciencias. Barcelona: vol. 21, n.1, marzo de 2003.
PERELLI, Maria Aparecida de Souza. O saber de referência dos livros didáticos de
ciências. VII Encontro Nacional de Ensino de Química. Anais. Mato Grosso: Editora
UFMG, 1996.
PÉREZ GÓMEZ, A.I. Os processos de ensino-aprendizagem: análise das principais
teorias da aprendizagem. In: SACRISTÁN J. G.; PÉREZ GÓMEZ, A.I. Compreender e
transformar o ensino. Porto Alegre: Artmed, 1998.
PERRENOUD, Phillip. Construir competências desde a escola. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1999.
PIAGET, Jean. Psicología y pedagogía. Barcelona: Ariel,1980.
POZO, Juan Ignácio. Aprendizaje de la ciencia y pensamiento causal. Madrid: Visor, 1987.
RAMALHO, Betania L.; NUÑEZ, Isauro B. Competências como fio condutor da formação
profissional: o desafio possível. In: OLIVEIRA, V.Q.S.F. (org). O sentido das competências
no projeto político-pedagógico. Coleção pedagógica, v.3, Natal/EDUFRN, 2002.
___________. Desfazendo a linha do carretel – competência: uma reflexão epistemológica
sobre seu sentido. In: OLIVEIRA, V.Q.S.F. (org). O sentido das competências no projeto
político-pedagógico. Coleção pedagógica, v.3, Natal/EDUFRN, 2000.
RAMALHO, Betania L.; NUÑEZ, Isauro B.; GAUTHIER, Clermont. Formar o professor
profissionalizar o ensino: perspectivas e desafios. Porto Alegre: Editora Sulina, 2003.
RAMOS, Marise Nogueira. “Interdisciplinaridade: desafios de ensino e aprendizagem”.
Revista do Ensino Médio. Disponível em: www.mec.gov.br/semtec/ensmed/ftp/revista
acesso em 23 set 2003.
SANTOS, Elzanir. As práticas curriculares construídas na base dos saberes de experiência.
Formação de Professores (I), XIII Encontro de Pesquisa Educacional do Nordeste. Vol.7,
Natal: EDUFRN, 1998.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora; GARCIA, Tânia Maria F. Braga. “Sala de aula: instância
de definição do conhecimento?” Disponível em <http//:www.anped.org.br> acesso em
19 out 2002.
SCHNETZLER, R. P. “Construção do conhecimento e Ensino de Ciências”. Revista em
Aberto. Brasília: n.55,1992.
VASCONCELLOS, Celso S. “Planejamento: plano de ensino-aprendizagem e projeto
educativo”. Cad. Ped. da Liberdade. V.1. São Paulo:1995.
WEISSMANN, Hilda. Didática das ciências naturais – contribuições e reflexões. Porto
Alegre: Artmed, 1998.
WELLINGTON, J. Skills and processes in science education. Londres: Routledge, 1989.
ZABALA, Antoni. Enfoque globalizador e pensamento complexo – uma proposta para
o currículo escolar. Porto Alegre: Artmed, 2002.
124
A NOÇÃO DE COMPETÊNCIA NOS PROJETOS PEDAGÓGICOS
DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES NA BUSCA DE SENTIDOS
Introdução
125
Para isso, organizamos o texto em quatro pontos. O primeiro situa brevemente o
atual contexto das discussões acerca da categoria competência, trazendo o referen-
cial teórico de diversos autores que discutem o sentido dessa categoria. O segun-
do ponto insere os novos sentidos atribuídos ao termo competência. Em seguida,
são apresentados elementos-chave que caracterizam as competências segundo o
referencial teórico defendido por nós. No quarto ponto, tecemos nossas conside-
rações finais, retomando algumas questões importantes já apresentadas no texto
e enfatizando a importância dos professores(as) no debate que tenha por finali-
dade a busca da compreensão do sentido da categoria competência.
Falar de competências tem sido uma constante nas discussões dos proces-
sos de construção de projetos curriculares e na práxis educativa. Não obstante, o
sentido do termo competência tem variado e se configura segundo os diferentes
contextos sócioeconômicos, perspectivas teóricas, etc. Maués, Wondje e Gauthier
(2002, p.1), em relação ao termo competência, explicam que
[...] enquanto fenômeno na moda, manobra capitalista ou estratégia
pedagógica pertinente, todos os qualificativos e os juízos mais diversos
lhe são associados, de modo que vem se tornando cada vez mais difícil
não somente conhecer a natureza e os fundamentos desse enfoque,
mas também compreender porque há interpretações tão diferentes a
seu respeito.
126
Nacionais (PCN) e Propostas Curriculares dos contextos específicos pode re-
presentar uma escolha mecanicista e acrítica dos projetos educativos.
Preparar para
o mundo do
trabalho
Formar um
cidadão crítico
e reflexivo
127
Figura 02 – Para Hirata (1994), há uma forte
influência empresarial no conceito de competências
128
relações estáveis e eficazes dentre as pessoas. Competência é algo mais
que uma habilidade; é o domínio de processos e métodos para aprender
na prática, da experiência e da intersubjetividade.
129
competência à uma capacidade, ao colocá-la na base da habilidade. Nós opta-
mos por uma definição próxima à tradição francesa (embora não estabeleçamos
compromissos epistemológicos com essa escola), que considera a competência
na sua ação, na dinâmica e não só como uma potencialidade.
Carbó (2000) discute a competência em termos da “metacompetência”, como
meio de construir e reconstruir as competências. A “metacompetência” refere-se
à consciência que tem o indivíduo dos mecanismos que lhe possibilitam desen-
volver suas competências. É o aprender a aprender, em relação à formação de
competências. Na Figura 03, destacamos as estratégias que podem contribuir ao
desenvolvimento das metacompetências, segundo esta autora.
Tomada de
consciência
dos hábitos
Saber Justificar
analisar por razões
Metacompetências teóricas
Refletir
na ação
130
cias manifestadas não são meras ações em si e nem tampouco, só conhecimentos
e saberes. Elas utilizam, integram, mobilizam tais conhecimentos e saberes, com
sucesso, no desenvolvimento das ações. As competências constituem qualidades
do sujeito que lhe permitem desenvolver determinadas atividades socialmente
úteis, com sucesso, ao longo do seu desenvolvimento. Nessa direção, Perrenoud
(2000, p.13) esclarece que “competente é aquele que julga, avalia e pondera; acha
a solução e decide, depois de examinar e discutir determinada situação, de forma
conveniente e adequada”.
Na dinâmica das novas formas organizativas da produção, das políticas
para a educação, no século XXI, o conceito de competência emerge como uma
noção básica na procura de unir operativamente teoria e prática, quando se assu-
me que toda teoria tem implicações práticas e toda habilidade prática tem uma
teoria (implícita ou não) que a sustenta. Essas novas exigências levam a olhar o
termo competência, num sentido mais compreensivo do que meramente técnico.
131
Figura 04 – Utilização de barreiras para evitar o espalhamento do petróleo no rio
Fonte: http://ambicenter.com.br/petrobras02.htm
132
ma 1: saberes, recursos afetivos, repertório de condutas, esquemas da ação e
orientação teórica da ação (base orientadora da ação: B.O.A) nas suas interações
com o contexto. Perrenoud (2000) distingue esquema de ação de saberes, repre-
sentações, teorias pessoais e coletivas (percepção, avaliação e decisão), sendo o
primeiro um elemento fundamental para atualizar os saberes a serem integrados
em novas competências a partir da, por e para a prática, como contexto da reflexão
do agir. Nessa relação, nós incluímos a orientação que o sujeito constrói em termos
de representação ou modelo teórico da ação (Esquema 1).
SABERES CONDUTAS
de diferentes
Recursos
naturezas
afetivos
COMPETÊNCIA
ESQUEMAS DE AÇÃO
133
etc.). O agir competente constitui uma atividade reflexiva e crítica, que caracte-
riza o agir do indivíduo numa esfera dada de sua atividade, sem respostas auto-
máticas ou de rotina.
Delors (2000) considera que uma pessoa é competente quando é capaz de
“saber, saber fazer, e saber ser” (Figura 05).
Competências
Saber ser
Figura 05 – Competências no referencial de Delors (2000)
134
Uma competência não se aprende e desenvolve por simples imitação ou
reprodução. Ela precisa, dentro de diversos recursos que mobiliza, de ações teó-
ricas como orientação. A atividade (ou ação) teórica permite fazer previsão dos
resultados da atividade, de avaliar as condições, os recursos, para a eleição do
fazer mais adequado. Um jogador de xadrez, só depois de avaliações mentais da
situação das possíveis variantes, é que toma uma decisão, a qual é susceptível de
justificação. Nas ações práticas, da mais simples às mais complexas, o papel da
orientação teórica (B.O.A. preliminar) é de grande importância. Muitos dos fra-
cassos dos alunos na solução de tarefas práticas encontram explicações na falta
de uma boa orientação teórica para a execução da atividade e na reconstrução
dessa orientação quando necessária (Nuñez e Pacheco, 1997).
Queremos reafirmar, portanto, que a formação de competências nos alunos,
como categoria norteadora dos processos educativos, não exclui outros tipos de
recursos que são necessários para a atividade humana. As habilidades e os há-
bitos são recursos das competências. A memorização por vezes é necessária: tudo
depende do sistema de situações selecionadas para contribuir com a educação,
orientado pelos objetivos do projeto curricular, como hipóteses de trabalho.
Novas Propostas Curriculares fazem uso da categoria competência para
orientar a educação, sob um eixo articulador teoria-prática que possibilite a apli-
cação e compreensão dos diferentes saberes nos contextos reais, questão que pre-
para para a vida na vida. A formação de competências implica a contextualização
do saber, a utilização de situações-problema reais e diálogo permanente com o
objeto de estudo. Infelizmente, observamos que durante a educação básica, apesar
de os alunos estudarem diferentes conteúdos nem sempre podem dar sentidos a
esses conteúdos no cotidiano. Muitas vezes, por exemplo, não reconhecem as
propriedades químicas nos diversos materiais presentes no cotidiano, como, por
exemplo, os produtos de limpeza, dificultando a tomada de decisões em situações
do cotidiano em que sejam necessários conhecimentos e habilidades relacionadas
a estes materiais (Figura 06).
135
Essa dificuldade está relacionada à própria compreensão da escola sobre
para que servem e como os alunos usam os conhecimentos científicos e outros sa-
beres escolares, nos contextos do seu dia-a-dia, como condição de cidadania.
Existem diferentes reflexões teóricas sobre as relações entre objetivo e
competência. São as competências os objetivos? Ou são os objetivos as compe-
tências? Um objetivo é a intencionalidade da atividade e faz parte de toda ativi-
dade humana. Conseqüentemente, definir objetivos não é “tradicional”, é uma
condição necessária à atividade humana, como capacidade de antecipar-nos aos
resultados desejados. Outra questão é como definir os objetivos escolares. A Pe-
dagogia por objetivos foi alvo de diferentes críticas a ponto de alguns educadores
pensarem que definir objetivos não é uma condição necessária ao planejamento
docente.
Os objetivos educacionais estão relacionados com as competências das
disciplinas e dos projetos pedagógicos; nesse sentido, as competências são objeti-
vos da escola, objetivos de uma maior complexidade. As competências expressam
as capacidades “em ação” de um “saber fazer”, com determinados indicadores
qualitativos (características das competências), e não se opõem aos objetivos;
complementam-se em relações dialéticas.
Na nossa compreensão, os objetivos gerais podem ser formulados em termos
de competências, que têm um caráter transversal e exigem mais tempo e maiores
investimentos cognitivos e afetivos na sua formação. Os objetivos particulares são
tipos de atividades que os alunos devem aprender; nessa aprendizagem, constroem-
se recursos necessários às competências com as quais se relacionam.
1
Essas características foram apresentadas pelo citado autor e discutidas pelos professores Betania
Leite Ramalho e Isauro Beltrán Nuñez, no seminário “Formação e profissionalização Docente,
que saberes, que competências,” evento realizado em setembro de 2000, no Programa de Pós-
Graduação em Educação da UFRN.
136
Contexto
real
Agir com Simples ao
estabilidade complexo
Imediato e
eficiente Conjunto de
recursos
Ato bem
sucedido Competências Caráter
coletivo
Potencialidade
da ação Mobilizar no
contexto da
ação
Prática
intencional
137
As habilidades constituem procedimentos estruturados da atividade que
leva a resolver situações (geralmente de rotina, sobre-aprendidas). As habilida-
des se afirmam e desenvolvem nos marcos dos limites de um grupo de tarefas
de um mesmo tipo, para as quais esse procedimento é adequado e conhecido.
Por vezes, podem não estar associadas a justificações teóricas, ou seja, as ações
teóricas nas quais se sustentam são limitadas. A habilidade pode ser formada
num contexto artificial, como a sala de aula, o laboratório docente, quando a situa-
ção, não opera em situação real.
No nosso referencial, as competências não são habilidades ou destrezas
mecânicas como manifestações do condutismo operante baseado numa visão em-
pírico-positivista, mas uma ação contextualizada, em que o conjunto de pressões
reais está presente.
A competência manifesta-se em contextos específicos de sua formação;
não obstante, para seu desenvolvimento, deve ultrapassar as condições impostas
pelo contexto e, conseqüentemente, ser atualizada, ampliada e consolidada. Essa
situação relaciona-se com a contextualização/descontextualização da aprendiza-
gem e a criatividade em situações reais. A competência é uma opção epistemo-
lógica que une a teoria e a prática.
A noção de competência vincula-se a uma atividade transformadora, ou
seja, não é só prática, mas práxis humana, no sentido filosófico. Por outro lado,
não se reduz apenas a comportamentos observáveis.
138
atitudes), que ele utiliza dentro do seu contexto de ação. Uma competência é,
dessa forma, multidimensional. Os recursos não se constituem na competência,
mas aumentam a possibilidade desta, pois constituem as ferramentas necessárias
para o agir competente. A formação de competências na escola deve assumir a
preocupação de fazer com que o aluno seja capaz de utilizar de forma consciente,
quando necessário, sua aprendizagem escolar no seu dia-a-dia, como questão de
seu desenvolvimento integral.
O agir competente supõe desenvolver determinados tipos específicos de
atividade; logo, a competência estará ligada ao produto e à estrutura da atividade.
O conhecimento da estrutura da atividade (Leontiev, 1985) pode contribuir com a
compreensão das características e com a estrutura do agir competente. A compe-
tência não se reduz só à execução, ao comportamento observável, ela é necessária
na compreensão da situação contextual dos problemas, para se formar uma
representação sobre o problema; é, na verdade, sua solução.
139
3.6. A competência exige não somente o saber mobilizar
mas também o saber de seu savoir-faire (saber fazer)
A competência não é ação que podemos definir como uma atuação, mas um
potencial de intervenção que pode se manifestar no contexto real. Ela permite deli-
mitar e resolver problemas próprios a um campo de ação. Alguns autores falam de
competências como famílias de situações-problema ou famílias de competências.
140
3.10. O agir competente (atuação) é um ato bem sucedido
Não somente o ato é bem sucedido como também resulta de uma compe-
tência suficientemente dominada para permitir uma execução rápida e com certa
economia de meios. Nesse sentido, o tempo é uma variável no agir competente que
não descarta a criatividade.
Uma competência não pode ser uma ação em que o sucesso aconteça devido
a uma casualidade a um “golpe de sorte”. Ela implica que o ator a manifeste de
maneira repetitiva nas diversas situações do seu agir no contexto real.
A competência não se reduz ao saber fazer eficiente formado num período
curto. A competência, como objetivo, define-se para um período educativo pro-
longado, como um ano, um nível de escolaridade. Sob a nossa perspectiva de
competência, não é possível formar competências numa unidade didática, no
contexto de uma disciplina.
As características das competências que discutimos são suscetíveis à crí-
141
tica, à revisão e à ressignificação, caminho que aproxima melhor a categoria
aos sentidos dos projetos curriculares nos contextos específicos.
142
As teorizações que emergem dos meios acadêmicos e das políticas educacionais
são referências a serem ressignificadas para os contextos específicos. Tornar prontas
essas teorizações seria anular “o estado da arte sobre a questão” e excluir desse
debate os professores(as) e outros atores sociais-chave na educação. Assim, devemos
deslocar os inventários de competências para a discussão dos sentidos do termo
competência, pois as ambigüidades na sua compreensão conceitual são obstácu-
los para trabalhar nessa perspectiva.
É importante ainda ratificar questões relevantes, já enfatizadas no decorrer
desse texto, acerca da categoria competência:
– a categoria “competência” ressurge como categoria norteadora nas atuais
reformas educacionais, com novos sentidos, visto que estas procuram um saber
fazer, uma teoria e prática.
– as ambigüidades do termo competência são obstáculos que dificultam a
sua aplicação. Faz-se necessário discutir os vários sentidos desse termo e assumir
uma posição teórica;
– a organização do processo formativo em termos de competência tem
implicações que mudam a lógica dos processos tradicionais;
– as disciplinas incluídas nos projetos curriculares concebidas na perspec-
tiva da competência tributam à formação de competências, fazem parte de um
projeto complexo e sistêmico e rompem com a cultura do isolamento para a cultura
da colaboração.
A formação de competências como finalidade do Projeto Educativo não exclui
os saberes e nem a sua legitimação no contexto escolar. Os saberes, procedimentos,
valores, atitudes, assim como outras qualidades da personalidade do aluno são
recursos e objetivos da aprendizagem e da educação e não necessariamente todos
devem ter uma saída direta às competências do Projeto (no sentido pragmático e
utilitarista desses recursos), quando se pensa na flexibilidade do currículo escolar.
O componente atitudinal das competências, por envolver processos cognitivos
de construção, afetivos, comportamentais, que se desenvolvem no indivíduo como
capacidade complexa em ação, implica que um projeto curricular baseado em
competências só poderá propor como metas as competências de caráter geral, e
não um número extenso de competências, uma vez que a formação de competências
leva tempo e não é um processo a curto prazo.
A organização de um currículo por competências para a Educação Básica
deve considerar que esse nível de escolaridade não responde só às exigências de
uma educação profissional e do mundo do trabalho, visto que os saberes, atitudes,
habilidades, competências para esse nível, não são particulares, mas extensíveis a
toda população; são gerais e orientadas a compreender e lidar com problemas da
vida, problemas do desenvolvimento humano, nos quais se incluem problemáticas
do mundo do trabalho e de outras esferas da atividade humana. Conseqüentemente,
trata-se de competências básicas, gerais a serem definidas nos contextos específicos.
143
Referências
144
O USO DE SITUAÇÕES-PROBLEMA NO ENSINO DE CIÊNCIAS
Introdução
145
pensamento criativo. Majmutov e Martinez (1984, apud Nuñez e Franco, 2002),
têm utilizado, no enfoque por problemas, uma perspectiva que se fundamenta no
materialismo dialético e histórico e valoriza o caráter ativo da aprendizagem
organizada em unidades didáticas, nas quais aparecem, como proposta de trabalho,
as atividades de solução de problemas que estão atreladas à formação de conceitos,
procedimentos, atitudes e à utilização da linguagem científica no contexto da sala
de aula.
A situação-
problema
Categorias do
A ensino por O problema
problemática problemas
As tarefas-
problema
146
1.1. As categorias de ensino por problema
a) A situação-problema
147
– não pode ser tão fácil que não provoque dificuldades, nem tão difícil que
fique fora do alcance cognitivo dos alunos. Usando termos piagetianos, deve-se
levar em conta o umbral de problematicidade dos alunos, seu nível, assim como
seus esquemas conceituais, de maneira que o problema se situe na “Zona de
Desenvolvimento Proximal” (Vygotsky , 1982, apud Nuñez e Pacheco, 1997);
– deve projetar-se com caráter perspectivo para dirigir a atividade cognitiva
na busca da solução do problema;
– deve ser dinâmica, refletindo as relações causais múltiplas entre os
processos objetos de estudo.
A situação-problema pode-se organizar a partir dos elementos discutidos,
como se apresenta no Esquema 02.
Situação–problema
Desconhecimento da resposta
ou procedimento
Possibilidade de resolver
a contradição
148
· O aspecto motivacional é dado pelo grau de novidade do desconhecido e
orienta a necessidade do estudante para sair dos limites do conhecido, ou seja, do
já assimilado.
A situação-problema pode gerar, no estudante, uma perturbação que pode
levar, nos termos do que Piaget (1977) considerou como uma equilibração majorante,
a um estado de equilíbrio maior em relação ao anterior, por meio de um processo
de construção de conhecimento. Embora o diálogo com a teoria piagetiana, o seu
uso não significa um compromisso epistemológico com os trabalhos desse autor.
A equilibração pode ser um processo que é acionado quando o sistema cognitivo
de um indivíduo reconhece uma perturbação gerada por uma insuficiência de ele-
mentos para resolver uma situação nova (que caracteriza uma lacuna), ou pelo
fato de o indivíduo prever algo em relação a determinado evento, cujo objetivo está
em conflito com o fato ou com o resultado de um evento (que caracteriza um con-
flito). As perspectivas teóricas de Majmutov (1984) e Martinez (1986) possibilitam
incorporar alguns elementos dos “conflitos cognitivos piagetianos”.
Para Piaget (1977), as perturbações que produzem o desequilíbrio são de
dois tipos:
– as perturbações conflitivas: contradizem as expectativas e implicam
correções possíveis apenas a partir da análise da contradição;
– as perturbações lacunares: ocorrem quando em uma nova situação faltam
objetos ou condições que são necessários para resolver o problema. Dessa forma,
as perturbações lacunares se relacionam com esquemas de assimilação já ativados
e sua regulação implica reforço não correção.
Em relação aos conflitos, Villani e Orquiza de Carvalho (1995) propõem
uma classificação que inclui três tipos de conflitos:
1. conflitos externos: referem-se àqueles conflitos caracterizados pela
divergência entre os modos de ver do estudante e os elementos externos a ele. Um
exemplo é a divergência entre as idéias do estudante sobre um experimento e os
resultados deste;
2. conflitos internos: são caracterizados por uma divergência entre os
elementos cognitivos internos do estudante (suas percepções, idéias, suas exigências
epistemológicas ou cognitivas). Um exemplo é o conflito que é produzido pela
divergência entre uma convicção espontânea e um conhecimento escolar;
3. conflito misto: são conflitos de estrutura complexa que incluem várias
divergências simultâneas, referidas a elementos internos e externos.
Ao propor situações-problema, é importante destacar as considerações
de Piaget (1977), ao ressaltar que a existência de uma situação-problema, po-
tencialmente perturbadora, não leva necessariamente à superação da idéia inicial
ou à solução do conflito cognitivo. O estudante pode não reconhecer a perturbação
(contradição) como tal e a sua idéia inicial permanecerá inalterável. Diante de um
149
conflito cognitivo, o aluno pode manter uma atitude de considerar a situação como
uma exceção ao sistema explicativo (sistema epistêmico) do qual ele dispõe para
compreender e explicar os fenômenos da realidade, questão que lhe possibilita
continuar aceitando seus conhecimentos como válidos.
Tal situação é semelhante à atitude dos cientistas, assinalada por Kuhn
(1971), quando face a novos fatos que contradizem as suas teorias, não renun-
ciam de imediato a estas, mas constroem determinadas respostas ad hoc,
considerando os novos fatos como exceções a seus sistemas teóricos. Isso per-
mite certa estabilidade aos conhecimentos, pois o passo de um sistema teórico
ou epistêmico para outro leva a rupturas (como negações dialéticas) dos conheci-
mentos, fundamentos, atitudes, valores, etc. Nesse sentido, compartilhamos da
posição de Gil (1986, p.113) ao afirmar que
os alunos devem estar conscientes de que não se abandonam suas
hipóteses como conseqüência de uns poucos resultados negativos e que,
embora o papel do experimento seja essencial na ciência, as teorias só
se abandonam quando existe uma clara evidência contra a mesma e
uma outra concepção alternativa.
Essa problemática tem sido estudada nos últimos anos no campo da
Didática das Ciências, ao se reconhecer as limitações dos modelos de mudança
conceitual. Nesse sentido, Villani e Orquiza de Carvalho (1995) identificaram sete
diferentes tipos de reações que manifestam os estudantes frente a conflitos cogni-
tivos, os quais citamos a seguir:
· não ter consciência de modo algum das divergências;
· negar, deformar ou, pelo menos, minimizar os elementos divergentes;
· ignorar o problema;
· bloquear-se cognitivamente;
· reconhecer só parcialmente as divergências, considerando-as como exceção;
· reconhecer as divergências permanecendo indeciso sem fazer uma escolha;
· reconhecer a divergência e reelaborar suas idéias.
Essas considerações sinalizam que nem toda dificuldade leva a uma situa-
ção-problema. Lopes e Costa (1996) consideraram que para ocorrer uma situação
problema, deve existir um clima emocional entre o professor e os estudantes, no
contexto geral da sala de aula, de tal maneira que os estudantes se interessem e
vejam a necessidade de criar condições para solucionar a dificuldade apresentada,
identificando-se com os conflitos cognitivos que caracterizam a situação problema.
Na estruturação e planejamento das situações-problema a serem utilizadas pelos
professores, em sala de aula, devem ser consideradas as seguintes questões:
· a seleção dos exemplos correspondentes, segundo o conteúdo e o programa;
· os novos fatos ou procedimentos;
· a definição da contradição fundamental;
150
· a definição da possibilidade de explicá-la pelos alunos;
· a definição das possibilidades de busca pelos alunos.
Ao elaborar as situações-problema, devemos refletir que os obstáculos são
barreiras que podem ser colocadas aos nossos alunos para que eles consigam
transpô-las ou, ainda, dificuldades para serem enfrentadas de maneira natural.
Eles fazem parte do nosso cotidiano e são necessários para obtermos uma visão
dialética, mais crítica e reflexiva para melhor resolvermos problemas do dia-a-dia.
Quando trabalhamos da maneira exposta anteriormente, suscitamos a curiosidade
nos alunos, que se tornam co-responsáveis pelo desenvolvimento do conteúdo e
pelas inúmeras variantes que possam ser sugeridas e relacionadas ao referido
conteúdo.
b) O problema
151
Segundo Gil et al. (1999, p.503), o problema pode ser definido de forma
genérica, como as situações previstas ou espontâneas, que produzem um certo
grau de incerteza e uma conduta tendente à busca da solução, e pode ser enunciado
a partir de um contexto problemático, com o propósito de resolver dificuldades ou
necessidades específicas do conhecimento conceitual ou procedimental e desen-
volver capacidades cognitivas e afetivas.
Entendemos o problema como a contradição que caracteriza uma situação
problema assimilada/internalizada pelo aluno. Os estudantes devem compreender
a importância de definir problemas, partindo do critério de que um problema bem
definido é essencial para a busca de suas soluções ou respostas. Os cientistas não
abordam problemas bem definidos, com precisão, inicialmente, porque é necessária
uma etapa de análise que permita delimitar o problema e encontrar objetivos claros
e definidos à busca da sua solução.
As relações entre a situação-problema e o problema se apresentam no
Esquema 03.
O Problema
A Situação-problema
152
No Esquema 03, está representada a maneira pela qual se desenvolve o
processo, por meio de uma situação-problema, para alcançar o objetivo principal
que é a definição do problema, proporcionando aos alunos a representação do
problema, que representa o procurado. Essa situação estrategicamente fica sub-
jacente às revelações das contradições dialéticas, as quais favorecem, nos alunos,
a externalização, pela assimilação da própria contradição, em busca do desco-
nhecido. De uma maneira geral, a situação-problema representa o desconhecido,
enquanto o problema representa o buscado. O problema pode ser definido como
pergunta ou tarefa, ou mesmo como uma contradição que deve estimular o
pensamento produtivo do aluno, orientando-o à busca de explicações do fenômeno
ou pode ser considerado como uma tarefa complexa, cuja solução depende da
busca para obter novos conhecimentos ou procedimentos.
De acordo com Nuñez e Franco (2002), o problema deve ter as seguintes
características:
· ser produto da internalização da contradição, que caracteriza o conflito
cognitivo;
· ser de interesse do aluno, favorecendo a sua motivação, por isso a
importância de seu vínculo com o dia-a-dia;
· ter a possibilidade de ser resolvido, utilizando uma estratégia adequada, o
que implica uma construção de novos conhecimentos ou novos procedimentos
práticos e teóricos.
Uma característica dos problemas é seu caráter relativo para os sujeitos,
que internalizam, de forma consciente, as contradições intrínsecas na sua resolução.
Cada aluno ou grupo cria uma representação sobre o problema, ou seja, percebe
de uma forma ou de outra, o problema. A representação do problema é um elemento
de significativa importância, uma vez que a forma de se trabalhar a sua solução
depende da percepção construída sobre a realidade. Muitas vezes, as dificuldades
dos alunos para trabalhar na solução dos problemas está, dentre outros fatores, na
forma de representá-los.
O trabalho na construção da representação do problema é de vital importân-
cia não só na definição de estratégias para a busca de soluções como também no
sentido de voltar atrás quando as soluções são inadequadas. Dominowski (1995)
explica como sujeitos, que procuram solução numa compreensão inadequada do
problema, erram de forma repetida. Tais sujeitos, geralmente reiniciam a solução
do problema, não pela reconstrução da representação mas desde a execução,
uma vez que atribuem o fracasso à ação e não à compreensão ou interpretação
do problema. Quando se tem uma dificuldade para resolver o problema que
expressa um distanciamento significativo entre o conhecido e o desconhecido, às
vezes é importante procurar, de forma radical, uma outra representação do
problema. Na representação do problema, expressa-se a sua estrutura qualita-
tiva/quantitativa.
153
Defendemos, neste trabalho, a utilização de problemas verdadeiros e situa-
ções abertas e não de exercícios. É importante observar que não é o fato de pro-
pormos perguntas mais abertas ou fechadas que caracteriza a proposição de um
problema verdadeiro. Devemos lembrar que, por uma simplificação, muitos pro-
fessores costumam achar que o fato de propor aos alunos perguntas abertas já
seria o suficiente para garantir a proposição de verdadeiros problemas (Campos
e Nigro, 1999). Echeverria e Pozo (1998) fazem uma diferenciação importante
entre problema e exercícios. Para eles, o problema supõe a solução de uma situa-
ção para a qual o aluno não dispõe de um caminho rápido e direto, pois deve re-
construir novos procedimentos, procurar novos sentidos para conhecimentos
conceituais, etc. Não existe solução imediata, o que implica certa criatividade
numa relação entre o conhecido e o desconhecido. Já a realização de exercícios
baseia-se no uso de habilidades ou técnicas aprendidas, como rotinas automa-
tizadas que expressam seqüências conhecidas. No exercício, não existe nada
duvidoso intrínseco à sua solução. Nesse sentido, observamos que, nas escolas,
geralmente se trabalha com exercícios, identificando estes como problemas,
quando na realidade não o são.
A solução do problema aberto conduz-nos a diversas respostas, todas elas
possíveis. Parte-se de sua própria solução e da análise da resposta mais conveniente
em cada momento. Tal orientação propõe um rompimento com a visão fechada de
uma única racionalidade na solução dos problemas, de uma resposta única,
associando o trabalho discente da tomada de decisões. Logo, os problemas reais
sempre serão aceitos pelos alunos por fazerem parte de seus conhecimentos do
senso comum, favorecendo, assim, o seu aprendizado de forma participativa em
prol da resolução do problema (Gil, 1986).
Um objetivo importante do trabalho com problemas no ensino é substituir
a prática tradicional de trabalhar com as soluções dos problemas e não com os
problemas associados aos processos de produção do conhecimento. Os alunos
devem aprender a formular os problemas, como condição necessária para a sua
solução, pois quando constroem o problema, eles têm argumentos para sua com-
preensão e para a busca e execução das estratégias na procura de soluções.
A importância da representação do problema no processo de solução implica
que nosso comportamento depende mais de nossa percepção que da própria
realidade; embora, uma influencie a outra. Outra questão de importância é a
contextualização dos problemas e o trabalho do vínculo com os contextos que lhes
dão origem (assim como as diferentes condições, contraditórias), e também os
novos problemas que se originam na solução ou trabalho com esses problemas.
A seguir, apresentaremos, no Quadro 01, o exemplo de uma atividade que
contempla uma abordagem de resolução de problemas, a partir do referencial teó-
rico discutido até o momento.
154
DISCIPLINA: Química
TEMA: Reações químicas.
NÍVEL: 1º ano do Ensino Médio
OBJETIVO: Diferenciar o conceito de ácido fraco e solúvel dos ácidos fortes
e soluções.
ATIVIDADE:1. Na primeira fase, durante o processo de formulação do conceito
de ácido fraco e solúvel, o professor utilizará uma situação-problema a ser
resolvida de forma experimental pelo aluno. A situação problema pode ser
apresentada segundo as seguintes orientações:
dispor de dois recipientes com o mesmo volume e a mesma concentração
c) As tarefas-problema
155
possíveis alternativas e posicionamentos inerentes aos problemas, os quais con-
tribuem para alcançar o objetivo desejado.
Segura (1991) considera que as tarefas são conjuntos de atividades arti-
culadas entre si, seguidas de um contexto-problema típico, com a finalidade de
resolver uma dificuldade, obter, ampliar ou aperfeiçoar relações operacionais (ou
não) entre conceitos, adquirir e aperfeiçoar capacidades cognitivas, afetivas e psi-
comotoras. No decorrer da solução do problema, o professor organiza tarefas para
que os alunos se orientem na sua resolução, procurando facilitar o seu papel de
mediador, a possibilidade de os alunos prepararem planos heurísticos, para a solu-
ção dos problemas. Para o sucesso na solução dos problemas, a estrutura das tare-
fas e as orientações que a acompanham também são importantes (Garret, 1988).
As tarefas–problema devem ser estratégias metacognitivas que possibilitem
ao aluno a busca da solução consciente do problema, contribuindo para este aprender
a aprender e conscientizar-se dos processos utilizados, dos erros e acertos e, ainda,
conseguir superar e explicar como aprendeu, e, da mesma forma, facilitar o diálogo
reflexivo/construtivo, que pode ser considerado um fundamento epistemológico no
trabalho com as tarefas-problema. A solução do problema pode se organizar como
formas cooperadas e formas independentes, que se vinculam às perguntas seguidas
de uma seqüência determinada de ações, sendo, ainda, forma de mediação do tra-
balho docente com os alunos e estando relacionada com as alternativas de solução
(métodos problêmicos). A solução do problema é uma forma estratégica para o
desenvolvimento do pensamento do aluno e as possibilidades de atuar nos diversos
contextos não só para refletir e compreender a realidade, como também transformá-
la de forma criativa. As tarefas mediam o processo de solução do problema. Esse
processo está representado no Esquema 04.
SITUAÇÃO- Representa o
PROBLEMA
PROBLEMA objeto de busca
Representa a
TAREFAS orientação na
PROBLÊMICAS busca do
desconhecido
RESPOSTAS Representa o
AO desconhecido
PROBLEMA
156
d) A problemática
157
Esse autor considera todas as ações do enfrentamento do problema, incluindo o
reconhecimento de que existe um problema. A atividade de enfrentar problemas
pode ser mais ou menos criativa dependendo do grau de utilidade e originalidade.
Isso significa propor, para os estudantes, situações-problema que impliquem solu-
ções originais e que tenham certa utilidade.
Campos e Nigro (1999) apontam como necessários aos métodos problê-
micos, utilizados para trabalhar a solução dos problemas, na sala de aula, os se-
guintes direcionamentos:
· habituar os alunos a refletir e a tomar decisões sobre o processo de reso-
lução, concedendo-lhe crescente autonomia na tomada de decisões;
· incentivar a cooperação entre os alunos na realização de tarefas, incen-
tivando também a discussão e a manifestação de diferentes pontos de vista. Assim,
o aluno irá explorar o problema para confrontar suas respostas com outras formas
alternativas de resolução;
· proporcionar aos alunos as informações de que necessitam durante o
processo de resolução. Realizar um trabalho de apoio, incentivando, nos alunos, o
hábito de se perguntarem em vez de simplesmente responderem as perguntas;
· dar tempo e espaço para que eles se dediquem intensamente à resolução
de problemas; para isso, devem-se organizar adequadamente os grupos de tra-
balho, fornecer o tempo necessário para a resolução de um problema e viabilizar
a realização de experimentos.
O método problêmico constitui uma etapa do processo de atividade cria-
dora. Esse método desenvolve-se como uma seqüência que possibilita o trânsito
de estágios de trabalho em grupo à independência cognitiva na apropriação de
procedimentos e capacidades para a busca de soluções dos problemas, como
estratégia de construção do conhecimento e educação científica dos alunos. Exis-
tem diversos métodos problêmicos que podem ser utilizados no processo docente.
No desenvolvimento desses métodos, enfatiza-se a dinâmica de inter-relação das
categorias do ensino por problemas.
Como alternativas para a solução de problemas, Martinez (1986) assinala
quatro métodos problêmicos, conforme Esquema 05.
158
Exposição
problêmica
Método Métodos
investigativo problêmicos Busca
parcial
Conversa
heurística
Esquema 06 – Seqüência alternativa dos métodos problêmicos no contexto do sistema geral dos
métodos de ensino
159
Os métodos problêmicos são um subsistema de um sistema de métodos gerais
e diversificados a serem utilizados no ensino de Ciências. Os métodos por problemas
que discutiremos resultam ineficazes quando são isolados do sistema de métodos e
procedimentos que devem ser estruturados no programa das disciplinas de ciências,
a partir das múltiplas referências do professor, de forma global e coesa, segundo
as complexas variáveis que intervêm no processo de ensino/aprendizagem.
Esses métodos constituem uma expressão do que Gil (1993) tem chamado
de “aprendizagem como pesquisa orientada”, em que os alunos, em situações
de cooperação, resolvem problemas utilizando metodologias próximas à ciência.
Em grupos, abordam situações problemáticas de interesse, interagindo com os
outros colegas, com os professores e os textos (como representantes de comuni-
dade científica) e o professor como “o pesquisador experiente” do grupo.
160
mostra as contradições internas que surgem durante a sua solução, pensa em voz
alta, faz suposições, analisa-as, impugna as possíveis objeções, mostra a veraci-
dade com o auxílio de experimento, demonstrando-o ou falando do realizado pelos
cientistas, etc. Em outras palavras, o professor mostra aos alunos a própria via do
pensamento científico, fazendo com que estes sigam a evolução da dialética do
pensamento na direção da verdade, fazendo-os, poderíamos dizer, co-partícipes da
busca científica.
Para explicar a essência da exposição problêmica dos conhecimentos
científicos, utilizaremos um exemplo, tomado de uma conferência pública de
Timiriazev (1982, apud Martinez,1986), sobre a vida das plantas.
Comecemos nosso panorama dos fenô- Por que a raiz e o caule crescem
menos de desenvolvimento da planta em direções opostas, uma em di-
desde o momento em que a raiz brota reção à terra e o outro em direção
da semente germinante, em que uma à luz ?
parte do embrião se oculta na terra co-
mo se fugisse da luz, enquanto outra
parte se dirige para essa direção, como
se buscasse encontrar-se com a luz.
161
Na exposição informativa ter-se-ia dado imediatamente uma explicação
preparada para esse fato, e aos ouvintes restaria entendê-la e lembrá-la. Porém,
Timiriazev (1982, apud Martinez, 1986), sugere ao professor atuar de outra ma-
neira: não apenas transmitindo a verdade alcançada pela ciência mas como esta
chegou a ela:
– Esta questão não custou barato aos cientistas.
– É muito provável que na busca das causas desse fenômeno, as suspeitas
dos cientistas tenham recaído sobre a luz e a umidade do solo.
– É possível observar que os caules se direcionam no sentido da luz e que as
raízes fogem desta e que, por conseguinte, a luz deve colocar-se como a fonte
exterior que condiciona a direção do crescimento.
Com essas palavras, expõe-se uma das hipóteses elementares que tratou
de solucionar o problema anteriormente levantado. Todavia, essa hipótese tem
resultado inconsistente e o autor refere que ela não tem podido ser compro-
vada pela experiência, referindo-se às experiências que têm impugnado a
hipótese.
162
Ao analisar os experimentos que têm impugnado essas suposições, o professor
certamente levará os ouvintes a uma nova hipótese: teremos que buscar a solução
do problema na força de atração da terra. Porém teremos que mostrar também essa
nova suposição: poderemos demonstrá-lo por via estritamente experimental.
Poderemos fazer com que essa força atue em períodos curtos de tempo
em sentido contrário e que, dessa maneira, equilibremos reciprocamente e eli-
minemos a sua ação, em períodos mais prolongados. Basta, para isso, fixar as
sementes germinantes em uma roda giratória (por exemplo, uma roda acionada
por um pequeno motor eletromagnético). A prova realizada em tais condições
demonstrará que a raiz e o caule irão adotar uma posição qualquer, porém con-
servarão a posição em que foram fixados.
163
Com isso, observamos uma busca por explicações que envolvem não ape-
nas uma área específica do conhecimento mas que integrem as diferentes áreas,
algo que não busca apenas dar respostas prontas aos fenômenos mas que procura
construir explicações com base nas descobertas científicas, em vez de apenas
transmitir as informações científicas.
A exposição problêmica dos conteúdos, como método de ensino, pode
contribuir no sentido de:
– motivar os alunos para o estudo das ciências naturais;
– instituir atitudes positivas em relação às ciências;
– estudar as ciências como produção humana em um contexto social, sua
dinâmica, complexidade e não só o estudo das “verdades científicas”;
– desenvolver nos alunos o pensamento dialético, na forma de reflexão crítica;
– familiarizar os alunos com os procedimentos, estratégias de validação, os
problemas das ciências e os cientistas.
Segundo Timiriazev (1982, apud Martinez,1986), a exposição problêmica
dos conhecimentos desperta nos alunos a necessidade de solucionar o problema
cognoscitivo estabelecido, porém sem que tenham os dados para resolvê-lo
independentemente. Por esse motivo, o professor mostra a maneira de resolvê-lo
falando das provas que os cientistas têm utilizado para validá-los. A exposição
problêmica do conteúdo de estudo não só tem proporcionado a demonstração
científica e a assimilação consciente dos conhecimentos, como também tem permi-
tido aumentar o interesse e a intensificação da atividade do pensamento do aluno.
Esse é o grande valor pedagógico da exposição problêmica dos conhecimentos,
resumido na Figura 03.
Aumenta o
interesse do
aluno em
aprender
Torna a
exposição mais
segura
Ensina a pensar
científica e
dialeticamente
164
2.2. A busca parcial
165
DISCIPLINA: Química
TEMA: Funções Inorgânicas
NÍVEL: 1º ano do Ensino Médio
OBJETIVO: Entender o que é possível fazer para diminuir o hidróxido de
sódio da água de um rio contaminado.
ATIVIDADE: distribuir diferentes tarefas planejadas de forma que os
grupos consigam chegar à seguinte busca:
166
Na busca parcial, a solução do problema coloca-se como uma organização
cooperativa do trabalho. Os problemas são de natureza mais complexa e a busca
de informações e o próprio trabalho com os problemas pode levar dias. O valor
pedagógico desse método está na elevação do interesse e atenção dos estudantes.
Estimula o trabalho ativo do pensamento e como conseqüência contribui para a
assimilação consciente e fundamentada dos conhecimentos, preparando os estu-
dantes para um trabalho com maior grau de cooperação, de independência,
responsabilidade e compreensão do trabalho de solução de problemas.
Na opinião de Skatin (1982), o método da busca parcial seria uma prerro-
gativa do mestre, mas a solução seria descoberta pelos próprios alunos, que, ao
assim fazer, irão adquirir novos conhecimentos, habilidades e atitudes.
1
Heurística – é a arte de inventar ou criar. Conjunto de regras e métodos que conduzem à
descoberta, à invenção e à resolução de problemas.
2
Tese – premissa, o primeiro momento do processo dialético.
3
Antítese – oposição, por contradição, entre dois termos ou duas proposições.
4
Maiêutica – processo dialético e pedagógico socrático, em que se multiplicam as perguntas a
fim de se obter, indução dos casos particulares e concretos, um conceito geral do objeto em
questão.
167
informar aos alunos sobre os procedimentos heurísticos de solução de problemas;
mas é necessário que os alunos tenham aprendido a regular e controlar sua própria
atividade ou que o professor realize esse controle em colaboração com os alunos.
Nesse momento, ainda acontece uma mediação mais significativa do professor na
atividade do aluno.
A conversa heurística, como método de ensino, pode ser utilizada nos
seminários e em outros momentos do processo docente. No processo de discussão,
promove-se o desenvolvimento das capacidades de pensamento independente, o
que se supõe um nível. A conversação heurística contribui para o desenvolvimento
do pensamento dialético dos alunos, a reflexão crítica do objeto de estudo, o trabalho
da comunicação e a criatividade, dentre outras vantagens de seu uso na solução de
problemas. No Quadro 03, encontram-se dois exemplos de situações-problema, a
partir dos quais a conversação heurística poderá ser aplicada para obtenção da
solução.
Tema : eletricidade
Nível: 2a série do Ensino Médio
Paralelo x série: um paradoxo?
As lâmpadas incandescentes que são utilizadas para a iluminação doméstica
classificam-se por sua potência: 40 W, 75 W, 100 W, etc. A experiência
cotidiana nos permite decidir que as lâmpadas incandescentes de maior
potência emitem maior luminosidade que as de menor potência. Verifique-
mos essa afirmação:
168
1) observe a iluminação de uma lâmpada incandescente de 40 W que está
conectada a uma fonte de 120 V. Observe agora uma lâmpada incan-
descente de 75 W conectada a mesma fonte.
2) Se as lâmpadas incandescentes anteriores se conectassem em paralelo à
mesma voltagem, como seria a iluminação relativa entre elas? Argumente
a sua resposta.
Agora conecte as lâmpadas incandescentes de 40 W e 75 W em paralelo,
na fonte de 120 V. Observe a luminosidade e compare com a sua predição.
3) Agora suponha que as mesmas lâmpadas se conectassem em série, na
fonte de 120 V. como seria a iluminação relativa entre elas? Argumente a
sua resposta.
Agora conecte as lâmpadas incandescentes de 40 W e 75 W em série, na
fonte de 120 V. Observe a luminosidade e compare com a sua predição.
Discuta em grupo acerca da explicação de seus resultados.
169
3. Considerações finais a respeito
da solução de problemas
Referências
170
Barcelona, v.11, n.2, p.197-212, 1993.
GIL, P. Daniel et al. ¿Tiene sentido seguir distinguiendo entre aprendisaje de conceptos,
resolución de problemas de lápiz y papel y realización de prácticas de laboratorio?
Enseñanza de las Ciencias. Barcelona, v.17, n. 2, p.311-320. 1999.
KUHN, Th.S. La estructura de las revoluciones científicas. México: Fondo de Cultura
Económica, 1971.
LOPES, B; COSTA, N. Modelo de enseñanza-aprendizaje centrado en la resolución de
problemas: fundamentación, presentación e implicaciones educativas. Enseñanza de las
Ciencias. Barcelona, v. 14, n. 1, p.45-61, 1996.
MAJMUTOV, M. I. La Enseñanza Problemica. La Habana:Pueblo y Educación. 1984.
MARTINEZ, Llantada M.; Categorias y Métodos de la Enseñanza Problemica. La
Habana: Editora de La Universidad de La Habana.1986. (Editorial Pueblo y Educación).
NUÑEZ, I. B.; PACHECO, O. G. La formación de conceptos científicos: una perspectiva
desde la Teoria de la Actividad. Natal: EDUFRN, 1997.
NUÑEZ I. B.; FRANCO S. S.; O ensino por problemas e trabalho experimental dos
estudantes – reflexões teórico-metodológicas. São Paulo: Química Nova. v.25, n. 68,
p.1197-1203, 2002.
PIAGET, J. O desenvolvimento do Pensamento. Lisboa: Don Quixote, 1977.
RAMALHO, B. L.; NUÑEZ, I. B. e GAUTHIER, C.; Formar o Professor Profissionalizar
o Ensino – Perspetivas e Desafios. Porto Alegre: Sulina, 2003.
SEGURA, D. Una premisa para el cambio conceptual: el cambio metodológico. Enseñanza
de las Ciencias, Barcelona, v. 9,n. 2 , p.175-180, 1991.
SKATIN, M.N. Perfeccionamiento del proceso de la enseñanza. 3 ed. La Habana: Pueblo
y Educación, 1982.
VILLANI, A.; ORQUIZA de CARVALHO, L. Conflitos Cognitivos, Experimientos
Qualitativos y Actividades Didácticas. Enseñanza de las Ciencias. Barcelona, v. 13,
n.3, p.274-294. 1985.
VYGOTSKY, L.S. Pensamiento y lenguaje. La Habana: Pueblo y Educación,1982.
171
METACOGNIÇÃO: APRENDER A APRENDER?
Introdução
172
1. Metacognição: conceitos e dimensões
Pozo (2002) destaca que uma das características que diferenciam a mente
de outros sistemas de conhecimento é que esta pode refletir sobre si mesma, podendo
tomar consciência de seus estados e, inclusive, às vezes, de seus processos. A
partir dessa característica tão singular da mente humana, têm sido desenvolvidos
estudos relacionados à capacidade do homem de refletir sobre o seu próprio conteúdo
cognitivo.
Inicialmente, é relevante compreender o que representa o termo cognição.
Para González (1996), este é um termo geral, que se usa para agrupar os proces-
sos que envolvem a aquisição, aplicação, criação, armazenagem, transformação,
criação, avaliação e utilização da informação.
Macias, Soliveres e Maturano (1998) distinguem cognição de metacogni-
ção. Para os autores, cognição diz respeito ao conhecer, à ação, ao efeito de conhe-
cer. O prefixo meta tem um significado recursivo que faz menção a uma reflexão
sobre o conhecimento que tem o sujeito de sua própria cognição.
Apesar dos estudos que têm se preocupado com os processos metacogni-
tivos estarem em destaque na atualidade, Figueira (2003) revela que os pressupostos
da metacognição já estavam presentes em trabalhos que datam do início do século
XX. É o caso das discussões presentes em Dewey (apud Figueira, 2003), no seu
sistema de indução de leitura refletida em que reconhecia já as atividades de
conhecimento e controle (regulação) do próprio sistema cognitivo, apontando como
auxiliar a monitorização ativa e a avaliação crítica. Os trabalhos de Vigotsky e
Piaget abordavam também a questão do controle/regulação das ações e pensamento
e sua evolução.
Siraj-Baltchford e Petayeva (2004) assinalam que o conceito de metacognição
aparece, inicialmente, dentro do contexto da teoria do processamento da informação
com o objetivo de construir um modelo de controle do processo cognitivo.
Segundo González (1996), podem-se destacar três momentos nas pesquisas
que abordam a categoria metacognição. Inicialmente, observam-se os trabalhos de
Tulving e Madigan (1969 apud González, 1996), que apresentaram uma crítica ao
estado em que se encontravam as investigações em torno da memória humana,
ressaltando que nós temos conhecimento e crenças de nossos próprios processos
de memória, chegando à conclusão de que existe uma relação significativa entre o
funcionamento da memória e o conhecimento que se tenha dos processos desta.
O momento posterior é influenciado pelos trabalhos de Flavell (1971 apud
González, 1996), que realizou pesquisas que buscavam estudar a metamemória de
crianças, ou seja, uma reflexão destas acerca de sua própria memória.
No período seguinte, os estudos estão relacionados com a gênese das di-
mensões da metacognição relativas às limitações que as pessoas apresentam para
generalizar ou transferir o que aprenderam para outras situações. Essa perspec-
tiva relaciona-se com o ensino explícito do método de auto-regulação, que per-
173
mitiu aos sujeitos experimentais, o monitoramento e a supervisão dos próprios
recursos cognitivos que possuíam. Chega-se, nesse momento, à compreensão da
meta-cognição concebida como o controle que o sujeito tem de sua própria cogni-
ção (Figura 01).
González (1996) lembra que esses trabalhos atrelados aos de Flavell sub-
sidiaram a confirmação de que o ser humano é capaz de se submeter a estudos e
análise dos processos que ele mesmo usa para conhecer, aprender e resolver
problemas, ou seja, o sujeito pode ter conhecimento de seus próprios processos
cognitivos, bem como controlar e regular o uso desses processos.
174
metacognoscitiva é inerente ao ser humano e está relacionada a quatro dimensões
que destacamos no Esquema 01.
Conhecer o
que conhece
Refletir e Elaborar
avaliar a Capacidade estratégias
produtividade metacognoscitiva para processar
de seu próprio informações
funcionamento
intelectual
Ter consciência de
seus próprios
pensamentos na
resolução do
problema
175
Flavell (1979, 1981 apud Figueira, 2003) apresenta um modelo de moni-
torização cognitiva em que a regulação ocorre pela ação e interação de quatro
categorias:
- o conhecimento cognitivo – que corresponde ao conhecimento que temos
e nos permite interagir com as novas situações;
- as experiências cognitivas – que estão relacionadas com tudo que acontece
antes, durante e depois da atividade cognitiva, contemplando tanto questões
cognitivas quanto afetivas;
- os objetivos ou tarefas – que estão relacionados com os objetivos implí-
citos ou explícitos que fomentam ou mantêm a atividade cognitiva do sujeito.
Estes têm um papel importante, na medida em que orientam a ação a ser reali-
zada pelo sujeito;
- as ações ou estratégias – que se referem às cognições ou outros compor-
tamentos, relacionados ao progresso ou à avaliação dos processos cognitivos.
Para Brown (1979 apud Figueira, 2003), a metacognição implica autocons-
ciência, ou seja, saber que se sabe; saber o que se sabe e saber, igualmente, o que
não se sabe. Esse autor defende que o pensamento metacognitivo é possuidor de
três atributos: o conhecimento que o sujeito teria dos seus processos cognitivos, a
tomada de consciência desses processos e a regulação que o sujeito teria dos seus
próprios processos mentais.
Figueira (2003) esclarece que na perspectiva de autores como Bouchard-
Bouffard et al. (1993), Flavell (1981) e Lefebvre-Pinard e Pinard (1985), a auto-
regulação envolveria quatro grandes dimensões: o processamento, a regulação, a
motivação e as experiências metacognitivas (Esquema 02).
Processamento
Motivação
176
A dimensão relativa ao processamento (Esquema 02) estaria relacionada
às estratégias cognitivas que o sujeito utiliza para processar o material de aprendi-
zagem, de modo a alcançar os objetivos desta. Já a regulação incluiria estratégias
metacognitivas, utilizadas para organizar, regular e coordenar, de modo a ter con-
trole na própria aprendizagem. As experiências cognitivas, por sua vez, ocorre-
riam durante a atividade metacognitiva, proporcionando um feedback interno,
consciente, relacionado com o progresso, passado ou futuro, para alcançar o obje-
tivo desejado. Finalmente, a motivação estaria relacionada com o esforço realizado
pelo sujeito na tarefa, como a relação pessoal ao objetivo específico à realização
da atividade e como a atitude mental face às possíveis dificuldades.
Kuhl (1987 apud Campanario et al., 1998) ratifica a importância da moti-
vação nos processos metacognitivos, visto que devido a um fracasso na aprendi-
zagem, a atenção dos sujeitos pode concentrar-se em aspectos parciais da tarefa
que podem não ser relevantes para o êxito desta. Isso depende, em parte, do conhe-
cimento que o sujeito tem sobre a efetividade de diferentes formas de atuação para
conseguir o objetivo. Para esse autor, o desconhecimento dos sujeitos seria uma das
principais causas da desmotivação. A atribuição inadequada das causas de êxito
ou fracasso a deficiências próprias, mais que a ineficiência de determinadas técni-
cas de trabalho e de estudo, pode conduzir a patologias e a distúrbios atitudinais.
Campanario (2003) considera que para o controle da compreensão, ao se
trabalhar com textos em ciências, podem-se distinguir duas etapas bem diferen-
ciadas: a avaliação em que o sujeito comprova o estado atual da própria aprendi-
zagem, em que descobre os problemas, e a regulação, em que o sujeito buscaria
estratégias a fim de solucionar as lacunas para a resolução do problema. Entre
essas duas fases, haveria uma intermediária, denominada de planejamento, em
que são selecionadas as estratégias e os recursos cognitivos necessários para se
conseguir as metas de compreensão de acordo com o propósito da leitura.
O referido autor destaca ainda que o controle da compreensão consiste no
sujeito ter conhecimento do seu entendimento ou não de uma determinada questão.
Essa estratégia, que pode parecer básica, nem sempre é desenvolvida de maneira
adequada, quer dizer, é possível que os alunos não tenham consciência de que não
entendem.
Outra estratégia cognitiva muito importante é a formulação de perguntas
por parte dos alunos, consistindo em uma das possíveis estratégias de auto-regulação
cognitiva que os sujeitos podem desenvolver, quando são conscientes de que têm
algum problema de compreensão (Campanario et al., 1998).
177
coerente das informações, predição, formulação de hipóteses e inferências, interpreta-
ção de dados, elaboração de modelos e obtenção de conclusões. De acordo com Baker
(1991 apud Campanario, 2003), há um paralelismo entre algumas dessas destrezas e
certas estratégias metacognitivas que são utilizadas na aprendizagem em Ciências.
Por outro lado, as diferenças entre as estratégias cognitivas inerentes ao
pensamento cotidiano e científico são questões que devem ser levadas em consi-
deração, pois, como é referido por Otero e Campanario (1990), as pautas de pen-
samento e raciocínio cotidianos em contextos científicos representam uma das
estratégias inadequadas que os alunos podem utilizar em tarefas de aprendizagem
em Ciências. Reif e Larkin (1991) explicam também que as cadeias de raciocínio
cotidiano são curtas e contêm várias premissas aceitáveis; já as cadeias de pen-
samento científico são maiores e as premissas estão mais definidas. O caráter im-
plícito de pensamento cotidiano também se contrasta com o caráter explícito do
conhecimento científico (Campanario et al., 1998).
A metacognição influencia significativamente a resolução de problemas e
esta representa uma fonte de muitas dificuldades para alunos no ensino de Ciências.
O estudo de Swanson (1990 apud Campanario et al., 1998) revelou que possi-
velmente o alto nível metacognitivo pode compensar deficiências nas habilidades
acadêmicas na resolução de problemas.
De acordo com Garcia e La Casa (1990 apud González, 1996), a meta-
cognição, na resolução de problemas, expressa-se na capacidade que tem o sujeito
que resolve o problema em observar os processos de pensamento próprios que ele
utiliza na realização da tarefa e de refletir sobre eles.
As formulações mais atuais do modelo de mudança conceitual propõem o
seu caráter metacognitivo, pois a reflexão sobre o próprio conhecimento e controle
dos processos cognitivos por parte do aluno são um componente necessário para a
mudança conceitual (Campanario et al., 1998).
Podemos destacar ainda a importância das estratégias metacognitivas em
relação às concepções epistemológicas dos alunos, pois essas concepções fazem
parte do conhecimento metacognitivo, visto que estariam relacionadas às idéias
que os alunos mantêm acerca da natureza da ciência, do conhecimento científico e
sobre a própria aprendizagem da ciência, implicando conhecimento sobre as próprias
idéias, sobre o próprio conhecimento. E essas concepções epistemológicas são fun-
damentais para a orientação e a atuação dos alunos em tarefas de aprendizagem
(Campanario et al., 1998).
White (1999) explica o projeto PEEL (Project for Erhascing Effective
Learning), orientado ao aumento de uma aprendizagem compreensiva. Nesse
projeto, assume-se a “meta aprendizagem” como “metacognição”, sendo um com-
ponente que favorece a autonomia dos alunos, e sua responsabilidade com a apren-
dizagem. Os resultados das pesquisas relatam um grupo de condutas de aprendi-
zagem, que podem contribuir com a “ metacognição”. O autor resume em 25 algumas
dessas condutas, que apresentamos a seguir (Quadro 01).
178
1. Avisa ao professor quando não compreende.
Pede ajuda
2. Pergunta ao professor o porquê dos erros.
179
16. Faz perguntas inquisitivas no geral.
Faz relações
com crenças
17. Oferece exemplos pessoais relevantes
no geral. e experiências
180
- explicação, por parte do professor, do processo subjacente aos conteúdos
e ao desenvolvimento de procedimentos mais dirigidos à correção, analisando e
avaliando mais o processo de aprendizagem do que os seus produtos.
Campanario (2000) destaca a importância de o professor propor estraté-
gias que auxiliem o processo metacognitivo em seus alunos e cita algumas estraté-
gias que podem ser adotadas, como:
- partir de questões que normalmente não são questionadas no cotidiano e
apontar questões que mereçam reflexões;
- aplicar o conhecimento científico ao cotidiano;
- utilizar a história da ciência com uma dimensão cognitiva, auxiliando
a conscientização dos alunos de que muitas vezes suas idéias são semelhantes a
teorias e pontos de vista baseados na história da ciência (Pozo, 1987 apud Cam-
panario, 2000);
- fomentar as atividades de auto-avaliação por parte dos alunos, por exemplo,
solicitar que eles auto-avaliem o seu grau de confiança nas respostas que propor-
cionam às perguntas, utilizando uma escala determinada ou que auto-avaliem suas
expectativas e possibilidades de êxito antes de começar um exame.
A partir das considerações feitas acima, pode-se pensar em alguns tipos de
tarefas que podem ser propostas aos alunos, de modo a auxiliar no desenvolvimento
de estratégias metacognitivas (Campanario, 2000), como, por exemplo:
- as atividades do tipo predizer-observar-explicar, que ajudam o aluno a
compreender que muitas vezes a ciência é contra-intuitiva e que a aprendizagem
requer um certo esforço de abstração. Esse tipo de atividade ajuda os alunos a
tomarem consciência de que o conhecimento científico pode ser utilizado para
entender situações e problemas cotidianos. Tais atividades podem ser complemen-
tadas com pequenas experiências que podem ser desenvolvidas em casa e discutidas
em classe;
- a construção e discussão de mapas conceituais que ajudam os alunos a se
conscientizarem de seus processos de aprendizagem e a avaliar as relações entre os
conceitos;
- a resolução de problemas com pequenas investigações, uma vez que isso
auxilia os alunos a adquirirem uma idéia mais adequada da atuação cognitiva na
área das ciências;
- a elaboração de um diário que poderia ser utilizado nas realizações das
atividades, ao longo da disciplina, constituindo uma base documental que subsidiaria
a auto-avaliação por parte de seus alunos, seus avanços nas disciplinas e suas
concepções sobre a aprendizagem;
- o emprego de um autoquestionário (Quadro 02), que pode fomentar o uso
de determinadas estratégias de estudo, de aprendizagem ou de compreensão, ou
incidir e organizar o desenvolvimento de estratégias adequadas de controle da própria
compreensão;
181
Quais são as idéias principais do texto?
1. Foram encontradas inconsistências aparentes entre diferentes partes do
texto?
2. Posso repetir o conteúdo do texto com minhas próprias palavras?
3. Existem diferenças entre as minhas idéias iniciais sobre o conteúdo do
texto e o que é afirmado nele?
4. Que problemas de compreensão foram encontrados?
5. Posso relacionar o conteúdo do texto com outras lições e/ou unidades
estudadas anteriormente?
6. As informações ou resultados alcançados são “razoáveis” ?
7. Coloca-se explicitamente algum problema conceitual no texto ou é uma
mera exposição de informações?
8. São discutidos os limites da aplicabilidade dos conceitos, equações,
princípios e/ou teorias que se apresentam?
9. São discutidas, no texto, outras alternativas possíveis à apresentada?
Quadro 02 – Exemplo de um autoquestionário, que pode ser utilizado para contrastar o que foi
aprendido em uma tarefa de estudo independente a partir de livros-texto
Fonte: Campanario, (2000)
182
implica a necessidade de que os alunos concentrem-se no conteúdo e representem
mentalmente a situação com um maior grau de detalhe.
Um exemplo de atividade metacognitiva, proposta para a análise e regulação
dos processos cognitivos que os alunos utilizam na compreensão de textos de física,
é proposta por Macias, Solinares e Maturano (1998), com base no seguinte
questionário:
183
Conclusões
Referências
184
1999, Guadalupe. Anais. Guadalupe: Universidad de Extremadura
POZO, J. I. Aprendizes e mestres: a nova cultura da aprendizagem. Porto Alegre:
Artmed, 2002.
REIF, F.; LARKIN, J. H. Cognition in scientific and everyday domains: comparison and
learning implications. Journal of Research in Science Teaching, Arizona, v. 28, p. 733-
760, 1991.
SIRAJ-BLATCHFORD, J.; PETAYEVA, D. Metacognición: a literature review.
Disponível em: < http://www.ioe.ac.uk/cdl/CHAT/chatmeta1.htm>. Acesso em: 28 mar.
2004.
WHITE, R.T. Project PEEL, Melbowsre: Monash University, 1999.
185
A FLEXIBILIDADE DO PENSAMENTO, PENSAMENTO CRÍTICO
E CRIATIVIDADE. GENERALIZAÇÃO E TRANSFERÊNCIA
DE APRENDIZAGEM
Introdução
186
suas estratégias cognitivas e, assim, a possibilidade de procurar muitas e varia-
das alternativas de solução para os problemas que lhe estão sendo postos pela
sociedade do século XXI.
Para Perez (2003), a flexibilidade do pensamento é a capacidade de mudar
modos de pensar, geralmente evitando caminhos e procedimentos usuais, quando
se precisa de sugestões originais. Segundo Bernard (1997, apud Lescaille, 2002),
é a capacidade para mudar planos e táticas, a partir do momento em que os anti-
gos não dão bons resultados, como também a habilidade para modificar métodos
e procedimentos de ação, em decorrência das particularidades da “situação-pro-
blema”. Lescaille (2002) define essa flexibilidade como a mudança nos métodos
de ação na situação, que, por sua vez, depende da habilidade do indivíduo para
distinguir as propriedades e relações fundamentais, dos meios da atividade mental
e da situação em que estes se encontram. Assim sendo, como elemento do pen-
samento, caracteriza-se pela possibilidade de reorganizar as ações iniciais e as
conclusões delas derivadas, quando elas deixam de responder às condições variá-
veis e aos objetivos da atividade, na construção de novas estratégias. Manifesta-se
externamente na originalidade da análise qualitativa das situações-problema, na
possibilidade de revalorizar e ultrapassar as limitações de experiências passadas
face às novas situações (Kalmykova, 1986).
A flexibilidade do pensamento possibilita o que Dewey (1957, p.43) con-
siderava como a “mentalidade aberta”, ou seja:
A ausência de preconceitos, de parcialidades e de qualquer outro tipo
de hábito que limite a mente e a impeça de considerar novos proble-
mas e de assumir novas idéias [...] e que integra um desejo ativo de
escutar mais do que um lado, de acolher os fatos independente da sua
fonte, de prestar atenção sem melindres a todas as alternativas, de
reconhecer a possibilidade de erro, a examinar as razões do que se
passa [...], a investigar evidências conflituosas, a procurar várias
respostas para uma mesma pergunta, a refletir sobre a forma de
melhorar o que já existe, etc.
187
de esclarecimento, como sinal de atenção que sugere alerta faz parte
integrante do fenômeno vital. Não haveria criatividade sem a curio-
sidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante
do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos.
Flexibilidade do pensamento
Estimular a
curiosidade
Estimular a Estimular a
resolução de mudança
contradições
188
solução de contradições, mostraram que em condições determinadas, quando a
situação-problema resulta ser compreensível, eles podem analisar as contradições
e procurar alternativas de solução antes não utilizadas, demonstrando a flexibili-
dade do pensamento.
189
Os bons pensadores críticos também podem ser descritos em termos de como
eles enfocam temas específicos, perguntas ou problemas. São deles as seguintes
características:
· claridade, para expressar as dúvidas ou preocupações;
· disposição, para trabalhar com a complexidade;
· preocupação, para buscar informação relevante;
· raciocínio, para selecionar e aplicar critérios;
· cuidado, para enfocar a atenção no que importa no momento;
· persistência frente às dificuldades em que se encontram;
· precisão no grau permitido pelas circunstâncias.
Mas, torna-se importante mencionar que existe uma relação dialética entre
a estabilidade do pensamento que orienta a solução de determinado tipo de tarefa,
as habilidades e os hábitos e a flexibilidade do pensamento que procura o novo.
Vale salientar que flexibilidade e pensamento crítico são qualidades de indi-
víduos criativos e que a criatividade está muito relacionada com o que é novo,
original e surpreendente. Perez (2003) apresenta a definição de criatividade de
Murray como processo de realização cujos resultados são desconhecidos, sendo
dita realização valiosa e nova. Também evidencia que na perspectiva de Torre
é a capacidade e atitude para gerar idéias novas e comunicá-las. Observa-se que
ambas apresentam um elemento em comum que se denomina “novidade”.
Os produtos criativos são diferentes dos considerados “raros” por sua
qualidade. Segundo Kneller (1978, p. 19):
O pensamento criador é inovador, exploratório, aventuroso. Impaciente
ante a convenção, é atraído pelo desconhecido e indeterminado. O risco
e a incerteza estimulam-no. O pensamento não criador (o termo não é
desairoso) é cauteloso, metódico, conservador. Absorve o novo no já
conhecido e prefere dilatar as categorias existentes a inventar novas.
190
Cria-se, quando se descobre1 exprime uma idéia, um artefato ou uma for-
ma de comportamento que seja nova para o sujeito. Nova para o sujeito, porque
a descoberta, por uma pessoa, daquilo que foi revelado por outra pode ser con-
siderada uma realização criadora. Um dos grandes momentos da pintura ocidental,
por exemplo, é marcado pela descoberta da terceira dimensão por Gioto. Um
estudante que atualmente descubra a terceira dimensão não deixa de ser criador,
porque alguém já a revelou antes dele (Kneller, 1978).
Para Kneller (1978), o pensamento criativo pode ser desenvolvido pela escola
quando (Esquema 01):
· se estimulam os alunos a terem idéias originais (originalidade) por meio de
exercícios, tais como: pedir que escrevam uma descrição da escola ou da vizinhança,
sabendo que obterão os melhores resultados se mencionarem coisas que ninguém
tenha observado ou só poucos tenham feito;
· se estimula o exame de novas idéias quanto ao mérito, em vez de descartá-
las como simples fantasias (apreciação do novo). Vale salientar que a inclinação
para levar em consideração idéias não convencionais constituiu uma das forças
diretrizes do progresso científico;
· se encoraja a expressão espontânea (inventividade), esquecendo o critério
de relevância e valorizando a diversidade que pode ser encontrada. Um aluno do
ensino médio pode elaborar um plano de sobrevivência no deserto, tendo em mãos
apenas um catálogo de encomendas pelo correio, ou pensar em quantas coisas
pode fazer com as partes de um carro velho;
· se estimula a aprender pela própria iniciativa (autodireção);
· se estimula o aluno a prezar suas próprias sensações, tendo em vista elevar
o nível da percepção sensorial dele (percepção sensorial);
· se tem na escola a criatividade enquanto objetivo educacional;
· se estimula a sensibilidade aos problemas, a capacidade para intrigar-se
com o que os outros aceitam como verdades inquestionáveis (curiosidade e pesquisa).
O ensino criativo aguça a curiosidade do aluno por aquilo que, nos seus estudos, se
relaciona com o seu contexto. O aluno deve sempre ser questionado nos seguintes
termos: que aconteceria se ...? Como seria se ...? Como o afetaria a mudança de
algumas condições essenciais de sua vida?
Para o mesmo autor, no ensino médio, os principais obstáculos ao desenvol-
vimento da criatividade são o excessivo destaque dado à aquisição do conhecimento
acumulado em vez do uso “original” deste, e o programa minuciosamente organizado
sem valorização do que favoreça a construção do conhecimento pelo próprio aluno.
1
Convém fazer algumas distinções entre os termos descobrir, criar e inventar. Descobrir significa
encontrar algo que existe, mas estava oculto, ignorado. Inventar significa produzir algo novo, que
não existia. Criar é similar a inventar, mas geralmente inventar é usado quando os produtos são
objetos ou artefatos. Exemplo: podemos descobrir uma estrela, a roda foi inventada e uma grande
idéia pode ser criada.
191
Originalidade Apreciação do
novo
Criatividade Inventividade
Pensamento
Criativo
Percepção Curiosidade e
sensorial Autodireção pesquisa
Segundo Perez (2003), o termo criatividade pode ser usado em dois senti-
dos: como um processo que conduz à realização de produtos originais ou então
como a capacidade para produzir muitas idéias diferentes e reestruturadas. Assim
sendo, ser considerado criativo pode implicar a capacidade para produzir mui-
tas idéias (fluidez), mudá-las quando não funcionam (flexibilidade), organizá-
las, elaborá-las e enriquecê-las quando se requer estabelecer graus de criatividade
(elaboração).
Betancourt e Sariol (2001) chamam a atenção para o fato de que o avanço
da ciência e da técnica não é apenas resultado do pensamento lógico, mas, simul-
taneamente, da utilização do pensamento criativo, como via de obtenção de novas
idéias, que se afastam dos esquemas racionalmente estabelecidos.
Diante do que foi explanado, pode-se concluir que, na formação de compe-
tências nos alunos, a flexibilidade do pensamento (condição necessária à trans-
ferência da aprendizagem) e a criatividade entram como capacidades necessárias
que oportunizam mobilizar os recursos cognitivos adequados à solução de uma
determinada situação e, principalmente, permitem modificar planos e/ou procedi-
mentos de ação, tendo em vista alcançar resultados novos e/ou mais produtivos,
levando em consideração as particularidades que o problema apresenta. E essas
são habilidades, isto é, um saber fazer indispensável aos indivíduos competentes.
A seguir (Quadro 01), uma atividade de ensino em que se evidencia a
necessidade da mudança de procedimento de ação em decorrência de fatos novos
na realização da experiência.
192
Disciplina: Ciências
Metodologia:
- preparação de dois terrários: o terrário 1 (semente de feijão) contendo
areia, barro e adubo químico à base de: Nitrogênio(N), Fósforo (P) e Potássio
(K); e o terrário 2 (semente de milho) com areia, barro e adubo orgânico
(humo de minhoca);
· plantio de sementes em terrários separados (um com feijão e outro com
milho);
· observação diária do desenvolvimento dos embriões (germinação);
· anotação dos fatos observados para a elaboração do relatório.O aluno
vai ter que construir categorias de análise para o tipo de solo; tipo de
leguminosas (sementes) e para o padrão de desenvolvimento dos embriões
do milho e do feijão.
Análise do solo: granulação do solo, umidade relativa e concentração de
substâncias orgânicas e inorgânicas.
Análise da semente: classificação da espécie de planta e tempo médio
para a germinação das sementes, tendo por base o desenvolvimento observado
no ambiente natural.
Análise do desenvolvimento dos embriões: em relação ao tempo de
desenvolvimento dos órgãos (raiz, caule e folhas) e tamanho em centímetros
das plântulas em função do tempo.
O aluno, sabendo que há a necessidade de solo rico em N, P, K para que
o desenvolvimento seja satisfatório, irá, primeiramente, partir de uma análise
química do solo para acrescentar os elementos necessários de forma
balanceada, tendo em vista a suplementação deste.
Em um dos terrários, o aluno irá verificar que há a necessidade de
suplementar o solo com N, P, K, enquanto que, no outro, irão surgir minhocas
que produzem húmus, componente orgânico rico em nitrogênio, o que
ocasionará uma modificação na situação. Diante disso, o aluno deverá montar
uma nova estratégia de análise do solo e definir um procedimento de análise
para dar prosseguimento a cada um dos experimentos.
193
2. Generalização da aprendizagem
T1 T2 T3 T4 T5 T6
Conhecido
Limites de aplicação do procedimento.
Desconhecido
Fora dos limites de aplicação.
Situação nova.
194
O tema de oxidação-redução pode ser estruturado a partir dos seguintes
conteúdos:
a) processos de equilíbrio em solução aquosa;
b) processos de transferência de elétrons;
c) processos que podem ser explicados utilizando o conceito de potencial de
eletrodo (E o).
Os processos citados têm como invariante os elementos anteriores, que se
expressam nos casos específicos das reações redox (T1), pilhas (T2) e eletrólise
(T3). Os três tipos de tarefas (T1, T2 e T3) são variantes ou tarefas que podem
ser explicadas segundo os princípios e procedimentos comuns. Um procedimento
comum para explicar as tarefas dos temas T1, T2 e T3 estão num contexto de
aplicação, pelo qual o procedimento comum constitui uma “invariante do conteúdo”,
como representado no quadro a seguir, na Figura 02.
Processo de
corrosão
Limitesdodeprocedimento
aplicação do procedimento Situação nova
Limites de aplicação de interpretação de processos
de interpretação de processos dedo
de oxidação-redução baseado no potencial oxidação-redução
eletrodo (Conhecido)
Desconhecido
baseado no potencial do eletrodo (Conhecido)
Uma tarefa nova pode ser a interpretação do processo de corrosão (T4), que
está fora dos limites de aplicação do conteúdo, e para a qual o procedimento comum
não pode ser utilizado em sua totalidade. É necessário um novo procedimento por
se tratar de processos de não equilíbrio para interpretar e resolver a nova tarefa. O
processo de construção de um novo procedimento e de novos conceitos, tomando
como referência o conhecido, constitui uma transferência da aprendizagem.
As tarefas que entram nos limites da generalização (T1, T2, T3, T4 e T5)
constituem tarefas “classes” ou “tipos de problemas”. Quando se fala de uma
“classe,” ou mesmo de “tipos de problemas”, refere-se a um conjunto de problemas
que tem uma estrutura comum, possibilitando serem resolvidos por um mesmo
195
programa de tratamento (invariante do procedimento). Os tipos de problemas e
uma mesma classe não devem ser excessivamente amplos para serem correlacio-
nados com uma invariante do procedimento, nem muito limitados que impliquem
um programa de tratamento restringido, limitado à situação inicial. São problemas
(tarefas) que têm um mesmo modelo de solução, como construção da essência do
procedimento.
3. Transferência da aprendizagem
Uma situação nova é um tipo de tarefa que está fora dos limites de generaliza-
ção e, conseqüentemente, sua solução implica uma transferência ou descontextuali-
zação do conhecimento ou da aprendizagem, ou seja, a construção de novos concei-
tos ou procedimentos tomando como base os conteúdos conhecidos. Significa certa
atividade criativa do aluno. É o caso da tarefa representada por T6 no esquema 02.
Merieu (1998) prefere utilizar o termo “descontextualização” ao de “trans-
ferência”. Para o autor, a descontextualização é uma operação na qual o aluno utiliza
seus recursos cognitivos e afetivos em um contexto diferente daquele que permitiu
a aprendizagem. É essa a primeira fase da identificação de um saber que deve ser
ressignificado na generalização, por isso a explicitação dos contextos de produção
do saber faz-se necessária como condição para conhecer os limites de aplicação do
conteúdo.
Santos (1963) define a transferência da aprendizagem pelo processo de trans-
portar para uma nova situação o conhecimento e a habilidade adquiridos noutra. É
a aplicação de conhecimentos, métodos, idéias, valores e atitudes (aprendidos num
setor) a outro setor ou outras situações de vida.
Presseau (apud Gauthier et al., 2003) diz que a transferência é o processo
de particularização, pelo qual conhecimentos ou competências adquiridos em um
196
contexto são reutilizados em um novo contexto, seja para efetuar novas apren-
dizagens ou para realizar uma tarefa inédita.
Perrenoud (1999) conceitua a transferência como o mecanismo que per-
mite a um sujeito utilizar, em um novo contexto, conhecimentos adquiridos
anteriormente.
O mecanismo da transferência
implica uma mobilização de co-
nhecimentos e procedimentos
para serem reutilizados em um
novo contexto.
Para Santos (1963), são vários os fatores que exercem influência sobre a
transferência da aprendizagem, dentre eles os mais importantes são: a inteligência,
a memória, a atenção, a atitude mental, as diferenças individuais e o método de
ensino.
Entretanto, para Gauthier et al. (2003), dentro de uma ótica de intervenção
a favor das aprendizagens, o mecanismo-base da transferência é a memória, ou
seja, a unidade central de tratamento da informação. Assim, por ocasião de conclusão
de uma tarefa, uma codificação das informações na memória é essencial, tendo em
vista a transformação da informação em conhecimentos; em seguida, uma vez
codificados os conhecimentos, eles são armazenados na memória; este armazena-
mento, por sua vez, deve ser praticado de forma organizada, pois, do contrário, é
sem utilidade.
Os conhecimentos codificados, armazenados e organizados são os que serão
lembrados e ativados, quando do cumprimento de uma nova tarefa ou aprendizado.
A apropriação da tarefa pelo aluno deve vir, em seguida, acompanhada da com-
preensão propriamente dita e da tarefa a ser efetuada. O mecanismo da compreensão
aciona a repescagem na memória dos conhecimentos construídos na realização da
tarefa-fonte. Levando-se em conta que a tarefa-alvo não é idêntica à tarefa-fonte,
necessita-se de uma adaptação, a qual aciona os mecanismos de generalização e
discriminação.
Segundo Nuñez e Pacheco (1997, p. 49),
197
para que aconteça uma transferência é necessário que o aluno generalize
e que perceba que os conhecimentos e habilidades são aplicáveis e
apropriados a outras situações, portanto, deve compreender como os
conhecimentos e habilidades são aplicáveis. A transferência se facilita
através de um ensino que leve a grandes generalizações que tenham
valor de transferência.
198
principalmente, na pouca possibilidade que o aluno tem de reutilizar os conheci-
mentos e procedimentos construídos, de forma relativamente autônoma, em novas
situações. Para esses autores, um dos motivos dessa dificuldade é a diferença
existente entre o contexto de produção do conhecimento e os novos contextos;
assim, quanto maior for essa diferença, maior será a dificuldade apresentada.
Entretanto, acrescentam que os alunos que demonstram fazer transferência com
sucesso parecem reconhecer as semelhanças e estabelecem as diferenças entre os
vários contextos.
Conclusões
Referências
199
<http://members.fortunecity.es/robertexto/archivo/pensamento.htm>. Acesso em: 08 julho
2003.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1999.
GAUTHIER, C. et al. Rediscutindo as práticas pedagógicas: como ensinar melhor.
Fortaleza: Brasil Tropical, 2003.
KALMIKOVA, Z. I. La capacidad de aprendizaje y los princípios de estructuración
de los métodos para su diagnóstico. In. LIAUDIS, V. Ya. Antología de la Psicología y
de las Edades. La Habana: Pueblo y Educación, 1986.
KANITZ, S. Estimulando a curiosidade. Revista Veja, São Paulo, outubro, 2003.
KNELLER, G. F. Arte e ciência da criatividade. São Paulo: IBRASA, 1978.
LESCAILLE, J. L. Valores pedagógicos del ajedrez y su influencia en la flexibilidad
del pensamiento infantil. Disponível em: <http://members.fortunecity.es/robertexto/
archivo/pensamento.htm>. Acesso em: 04 setembro 2002.
MERIEU, P. Aprender...sim, mas como? Porto Alegre: Artmed, 1998.
NUÑEZ, I. B. ; PACHECO, G. O. La Formación de Conceptos Científicos: Una
Perspectiva desde la Teoria de la Actividad. Natal: EDUFRN, 1997.
PARES, S. G.; LIPSON, M. Y. e WIXSON, K. K. Becoming a Strategia Reader. London:
Contemporary Educacional Psychology, n. 08, p. 293-316, 1983.
PEREZ, A. T. Creatividad: una aproximación general. Disponível em: <http://
teleline.terra.es/personal/asstib/mes/creativ.htm>. Acesso em: 08 março 2003.
PERRENOUD, P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artes
Médicas Sul, 1999.
PERRENOUD, P. 10 Novas Competências para Ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000.
PIAJET, J. Criatividade. In: VASCONCELLOS, M. S. Criatividade: psicologia, edu-
cação e conhecimento do novo. São Paulo: Moderna, 2001.
SANTOS, T. M. Noções de Psicologia da Aprendizagem. São Paulo: Editora Nacional,
1963.
TALÍZINA, N. F. La Formación de la Actividad Cognitiva de los Escolares. La Habana:
CEPES, 1987.
200
PENSANDO A APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA:
DOS MAPAS CONCEITUAIS ÀS REDES CONCEITUAIS
Introdução
201
ajudar no processo de aprendizagem. Transforma-se em um instrumento no
momento em que seu uso é feito para orientar a construção do significado de
materiais de aprendizagem por meio das elaborações conceituais e das suas relações.
Apresenta-se como um recurso esquemático, quando possibilita a organização
hierárquica de um conjunto de conceitos incluídos em uma estrutura de proposições,
com tendência a proporcionar uma negociação de significados (Novak; Gowin,
1988; Antoria, 1994).
Gonzalez (1992) compara os mapas conceituais com os mapas de estradas.
Os conceitos representam as cidades e as proposições as estradas que ligam as
cidades. Nem todas as cidades apresentam a mesma intensidade de população
semelhante aos conceitos do mapa, mas o poder explicativo ou de generalidade é
idêntico.
O mapa conceitual caracteriza-se pela sua representação gráfica e lógica da
organização hierárquica dos conceitos ou idéia (Antoria, 1994; Ross, 2000;
Galagovysky, 2002). Os seus elementos básicos são:
Hierarquização – a organização dos conceitos segue a ordem de hierarquia
de conceito de maior abrangência (em termos de sua extensão, inclusor) e conceitos
subordinados de menos abrangência. Um exemplo de mapa conceitual que orga-
niza alguns conceitos referentes ao tema “Ambiente” apresenta-se no Esquema 1
a seguir.
AMBIENTE AMBIENTE
NATURAL CONSTRUÍDO
constituído por
202
preferivelmente com figuras geométricas que aumentem o contraste de fundo,
Conforme o exemplo do Esquema 2, a seguir.
requer
a absorção de a captação de
GÁS ENERGIA
SAIS MINERAIS ÁGUA CARBÔNICO LUMONOSA
retirado do obtida do
solo ar sol
compondo a
seiva bruta
transportada fotossíntese
até as folhas
produz libera
através do
seiva
xilema elaborada oxigênio
que é o
distribuída por toda
planta
conduto
mais interno
através do
floema
que é o
conduto mais
externo
203
Esses elementos são considerados como importantes no trabalho de
aprendizagem dos(as) alunos(as), por vincularem as suas idéias com as novas
informações e possibilitarem o estabelecimento de relações de inclusão.
Os componentes estruturais do mapa conceitual são os conceitos, as pro-
posições e as palavras de enlace. O significado de cada componente explica-se no
Quadro 1, abaixo.
204
Essa alternativa não é generalizável a qualquer prática pedagógica; vincula-
se diretamente a circunstâncias possíveis de serem aplicadas, como em situações
funcionais e significativas. O critério de aplicabilidade é determinado pelas con-
dições do ensino-aprendizagem: conhecimento do professor e opção pela apren-
dizagem significativa, pelo contexto de aplicação e pelas metas que se preten-
dem alcançar na educação (objetivos, possibilidades e o potencial significativo
do conteúdo1).
Esse instrumento da aprendizagem significativa constitui-se em estratégia,
instrumento ou recurso, utilizado na prática pedagógica em determinadas situações,
como:
– mapear o que os alunos já sabem antes de iniciar os conteúdos, para ativar
os conhecimentos prévios;
– organizar estratégia de estudo, para trilhar o caminho da aprendizagem de
uma disciplina específica e trabalhar com o livro texto, extraindo significados;
– resumir de forma esquemática o aprendizado, organizando-o e ordenando-
o em uma série, de maneira hierárquica;
– escolher recurso de pesquisa escolar para organizar de maneira hierárquica
os diversos componentes das matérias escolares;
– realizar avaliação como instrumento da aprendizagem, com a finalidade
de o aluno alcançar um aprendizado de curto ou longo prazo.
O uso do mapa conceitual deve facilitar o aprendizado do aluno de forma
significativa, de modo que se constitua em um instrumento que possa ajudá-lo a
fazer anotações; resolver problemas; planejar as suas atividades de estudo; preparar-
se para a realização de avaliações e compreensão dos temas abordados nas unidades
didáticas de forma significativa (Antoria, 1994; Ross, 2000).
Por outro lado, facilita o trabalho do(a) professor(a) na organização da sua
atividade de ensino, no sentido de ajudar o aluno a perceber a relação entre os
conceitos em ordem sistemática; estabelecer uma relação com seus alunos,
considerando as suas possibilidades de construção de significados e de ampliação
dos conceitos; compreender e ajudar os alunos a reelaborarem as suas idéias;
diagnosticar e controlar a aprendizagem por meio da identificação de conceitos
compreendidos de forma equivocada; ou das lacunas evidenciadas; ou mesmo do
alcance dos objetivos propostos na unidade didática.
O mapa conceitual não deve ser confundido com uma fórmula ou com uma
técnica mecânica para ensinar conteúdos conceituais, mas compreendido como
1
O potencial significativo do conteúdo determina-se pela possibilidade de se estabelecer relações
explícitas entre os conceitos do tema.
205
uma possibilidade de desenvolver a capacidade de selecionar os conceitos essen-
ciais e estabelecer relações entre eles, pois, na medida em que se vai construin-
do o mapa, simultaneamente constroem-se novos significados, propiciando o
aprofundamento do conhecimento no contexto de sala de aula, facilitando a
aprendizagem por compreensão.
A construção do mapa contribui para as representações de relações sig-
nificativas entre os conceitos e suas devidas extensões, permitindo ao(à) aluno(a)
desenvolver a habilidade de problematizar e argumentar as suas buscas e suas
conclusões.
Considerar essa estratégia como ponto de partida do ensino aprendizagem
de uma unidade pressupõe o desenvolvimento de habilidades de identificação e
classificação e o reconhecimento de conceitos e palavras de enlace (Ross, 2000).
No entanto, para se construir um mapa conceitual, segundo Ross, (2000); e Antória
(1994), é necessário:
– selecionar os conceitos-chave do conteúdo do texto, ou do tema, ou da
disciplina, ou da unidade;
– selecionar os conceitos por ordem de inclusão. Pelo mecanismo da pro-
gressão diferenciada, escolhem-se os conceitos de maior inclusão e se vai agre-
gando os de menor inclusão, pelas suas propriedades necessárias e suficientes
que permitem aumentar o conteúdo e diminuir a extensão. Pelo mecanismo da
conciliação integradora, os novos conceitos assimilados significativamente vão
se integrando a outros mais gerais e se estabelecendo novas relações entre os
conceitos integrados na estrutura cognitiva;
– estabelecer as relações entre os conceitos por meio das linhas ou setas;
– explicitar as relações entre os conceitos para construir unidades semânticas
por meio das linhas que são indicadas por uma ou mais palavras de enlace;
– atribuir significados aos conceitos e às conexões entre os conceitos;
– constituir as proposições simples por dois conceitos unidos por palavras
de enlace;
– estabelecer as relações horizontais e verticais.
Com essa orientação acima, pode-se ensinar como construir um mapa
conceitual a partir de um conceito e de suas relações. Como no exemplo do Es-
quema 3, de Solução como Sistema Disperso (SD).
206
SISTEMA DISPERSO
(SD)
Pode ser
(SD) (SD)
HOMOGÊNEO HETEROGÊNEO
do tipo do tipo
exemplos exemplos
207
Juntando o amido com a água obtém- Juntando o sal com a água obtém-
se uma mistura heterogênea. se uma mistura homogênea.
208
MEMBRANA
PLASMÁTICA
separa os
apresenta
intracelulares extracelulares
Inclusão proteíca
aminoácido PO4 02
em relação ácidos
K+ graxos
representado por
Líquido
Transporte Transporte K+ Na+ Cl - intersticial
ativo passivo
Esquema 4 – Mapa conceitual da membrana plasmática como barreira entre fluídos intra/
extracelular
209
Outra maneira de se construir um mapa pode ser por meio de um pará-
grafo, ou de capítulo de livro, ou de um texto para organizar as informações. Um
exemplo de seleção dos conceitos em um texto apresenta-se no Quadro 3, em que
a partir do texto selecionado, o(a) professor(a) ensina a elaborar o mapa por etapas,
conforme segue:
a) seleção do texto (neste caso, Biotecnologia do DNA: a engenharia
genética):
O DNA recombinante
No início da década de 1970, o geneticista norte-americano Paul
Berg desenvolveu um método relativamente barato, rápido e capaz de
obter DNA em grande quantidade para pesquisas, o que lhe valeu o
Prêmio Nobel de Química em 1980. Nesse processo, Berg utilizou
enzimas de restrição, moléculas existentes em vários organismos,
principalmente em bactérias, e que atuam como “tesouras biológicas”,
capazes de cortar a hélice dupla do DNA em pontos específicos e com
grande precisão. Nas bactérias, as enzimas de restrição atuam como
moléculas de defesa, que cortam moléculas de DNA “estranhas” ao
organismo, como, por exemplo, o DNA de um vírus invasor.
210
leitura do texto de modo que permita a seleção dos conceitos, observando o se-
guinte procedimento:
– selecionar os conceitos mais importantes do texto;
– identificar e destacar os conceitos-chave (os mais relevantes); criar as
palavras de enlace e diferenciá-las dos exemplos. Nessa etapa, ensina-se a destacar
os conceitos mais relevantes na compreensão do texto, as palavras de enlace e os
exemplos.
A partir desses procedimentos ensina-se a construir um quadro de referência,
organizando os conceitos-chave, as palavras de enlace e os exemplos. A seleção e
a identificação inicial exemplificada no Quadro 4, pode possibilitar a construção
do mapa conceitual, seguindo os próximos procedimentos e as próximas etapas.
211
Primeiro passo da construção
BIOTECNOLOGIA
compreende o
ESTUDO
das dos
TÉCNICAS PROCESSOS
BIOLÓGICOS
212
BIOTECNOLOGIA
compreende o
ESTUDO
das dos
de interesse de diferentes
Engenharia
humano Genética organismos
como
que utiliza
como exemplo
hormônios proteínas
enzimas de restrição
moléculas de moléculas de
defesas
DNA estranhas
cortando o
213
d) a elaboração inicial do mapa conceitual
214
A rede conceitual é constituída por múltiplos pontos ou “nós” (conceitos),
articulados por fios (linhas) que se entrelaçam e estabelecem feixes de conexões,
dando continuidade entre os “nós” fornecidos pelas ligações. Desse modo, todos
os elementos da rede estão conectados. Os enlaces são responsáveis pela compo-
sição de múltiplos significados, que podem expressar-se com maior explicitação
e menor ambigüidade.
As conexões expressam-se por meio de palavras-chave que indicam as
relações, as ligações, as construções, as transformações, as evoluções e o desen-
volvimento. Na rede conceitual existe um esforço intelectual tanto do(a) pro-
fessor(a) como do(a) aluno(a) para expressar o tema em um gráfico tridi-
mensional.
Para explicar a rede conceitual, Galagovysky (1993) recorre ao modelo
cognitivo de Chomsky (1972, 1973, apud Galagovysky 1993), o qual supõe que
os humanos herdam uma capacidade de linguagem semelhante, proveniente de
uma gramática universal. Esse princípio básico sobrepõe-se às diferentes formas
de gramáticas particulares e reais utilizadas em diferentes idiomas. A linguagem
específica tem a possibilidade de gerar as estruturas profundas e sua represen-
tação lingüística expressa-se por meio de uma oração, ou seja, o que ele chama
de oração nuclear, a forma em que a idéia ou significado é mantido na memória.
Essa oração nuclear (representação lingüística das estruturas profundas) apresenta-
se de forma mais abstrata e precisa do que a forma em que se fala e se pensa no
cotidiano.
Os fundamentos da análise semântica de Chomsky (1972, 1973, apud
Galagovysky 1993), que Galagovysky (1993) utiliza para explicar a rede concei-
tual consistem na estrutura profunda como um elemento que permite as trans-
formações mentais conscientes a partir da informação recebida. Nessa pers-
pectiva, os conceitos não se definem segundo as regras da lógica formal, ou seja,
pelo conjunto de propriedades necessárias e suficientes. O conceito é compre-
endido como uma abstração lógica com base em atributos comuns, com seme-
lhanças familiares.
A rede conceitual é concebida na aprendizagem como processamento de
informação. É uma organização do conhecimento para ensinar a estabelecer
relações significativas por intermédio da representação das conexões entre o
objeto de estudo e os elementos vinculados a ele, que, de uma forma ou de outra,
estão ligados entre si.
O recurso rede é o modo de compreender e construir o significado das palavras
ou dos conceitos vinculado ao campo lingüístico (campo semântico) e psicológico
(campo conceitual) de cada pessoa que aprende. Considera-se a rede conceitual
como estratégia de estabelecer vínculos entre as estruturas internas do sujeito e as
informações recebidas do ambiente, resultando em uma interação entre as estruturas
profundas e as superficiais da linguagem para construir as relações entre os conceitos
e transformá-las em conhecimento.
215
A rede conceitual, semelhante aos modelos neurais, tem como fonte de
compreensão a estrutura cognitiva. Nesses modelos, o funcionamento do cérebro
representa conexões neurais que a partir de esquemas não lineares processam
informações (Machado, 2000).
A memória nas conexões neurais é indispensável e necessária. O modelo
semântico semelhante aos modelos neurais inclui dois tipos de memória de curto e
longo prazo, que são consideradas como categorias dinâmicas, interpretadas como
atividade mental. A memória de curto prazo é codificada como pauta neural, e
funciona por meio de conexões realizadas pela sinapse,2 mantendo-se as lembranças
no cérebro por pouco tempo. A memória de longo prazo tem como base circuitos
de reflexões, os quais permitem armazenar o modelo neural, organização do
conhecimento em cadeia, possibilitando complexos circuitos tridimensionais de
orações nucleares relacionadas para desencadear a codificação de significados e
aprendizagem. Na rede conceitual os elementos funcionais e estruturais apresentam-
se conforme o Esquema 7, a seguir.
2
Sinapse é o ponto de contato entre dois neurônios, é a transmissão da informação de um neurônio
a outro neurônio receptor de estímulos ambientais, gerando uma reação em cadeia.
216
Derivam-se em Gramática universal docente
aluno
linguagens
específicas
Sua riqueza
Fundamenta-se
origina
orações nucleares
sobre as estruturas
estrutura de cada
Deveria construir-se na
semântica
relações
um recorte
entre
representação
conceitos
217
permite operar criativamente com ESTRUTURA COGNITIVA formado por
lembranças
modelos
memória de
circuitos de neurais
longo prazo
estratégias devida a reflexão
estimulação de
memória devida a
classifica-se organização
guarda sináptica pautas neurais
unidade biológica que se
neurônio
memória de supraorganiza em
utiliza
curto prazo
aprendizagem
são circuitos sinapses que se estimulam ao evocar
218
b) ajudar os docentes a definir critérios de seleção dos conteúdos, visuali-
zando os conceitos periféricos e centrais;
c) ajudar os alunos a encontrarem os conceitos fundamentais e as relações
relevantes em cada tema de aprendizagem;
d) ajudar os alunos a relacionar os temas estudados;
e) possibilitar aos alunos que procedam às análises metacognitivas das redes
trabalhadas em sala de aula, favorecendo a revisão do tema em estudo, identifi-
cando os conceitos mais relevantes e suas novas conexões;
f) propiciar a construção de novos conhecimentos.
219
sis-tema de conceitos abstratos e os enlaces lógico-verbais, evocando as orações
super-ficiais relacionadas com uma rede de imagens mentais e de problematização
do tema, de modo que se estabeleçam relações com as orações nucleares.
Na construção dos significados dos conceitos, evidencia-se a relação entre
aquele que ensina e aquele que aprende. A Rede Conceitual impõe ao(à) profes-
sor(a) a análise e a reorganização da sua própria estrutura conceitual; e orienta
o(a) aluno(a) a centrar sua atividade em uma análise semântica, num processo de
comunicação para identificar significados essenciais (Galagovysky, 1993; Zamora,
2000), compreender o conteúdo e estabelecer as múltiplas relações entre os con-
ceitos, no sentido de afastar-se da linearidade apresentada na organização do
conteúdo escolar.
Na elaboração da rede conceitual, o(a) professor(a), juntamente com os(as)
alunos(as), vai construindo as relações entre os conceitos, que podem ser de
muitas formas sem determinação a priori de conceitos mais importantes. Pode
seguir caminhos não-lineares e não-hierárquicos. Assim, a rede pode ser um tipo
de teia, composta por palavras ou imagens num processo de constante negocia-
ção e transformação, mediante a capacidade de estabelecer conexões entre o que
aparentemente se encontra desconexo. Com essa estratégia, coloca-se a finalida-
de da construção da metacognição, mediante a utilização do instrumento ícone-
verbal, na busca de reconstrução de significado dos(as) alunos(as), que podem
construir a rede com base em:
a) um, ou dois temas, ou a representação de dois objetos;
b) conexões com outras redes;
c) idéias em conexões com outras idéias.
Nessa perspectiva, espera-se que o ensino escolar se baseie no uso de uma
linguagem científica. É necessário que a rede conceitual possibilite uma apren-
dizagem significativa, visto que se postula nessa perspectiva que os alunos assi-
milem aqueles conceitos e relações conceituais apresentadas nas orações nuclea-
res analisadas profundamente.
Para exemplificar a construção de uma rede conceitual, escolheu-se o con-
ceito de biodiversidade para expressar as relações com outros conceitos que o
constituam, quais sejam os seres vivos, sua organização e suas relações com o
ambiente. Conforme o exemplo, os conceitos mais relacionados são os seres
vivos e o ambiente; esses, no entanto, são os mais importantes para captar o sig-
nificado de conceitos de maior relevância. Na rede, todos os conceitos estão
diretamente ou indiretamente ligados, como no exemplo do Esquema 8.
220
habitat representado por
precisam de um biológico
social
221
como
obtidas em diferentes tendo como base a organização
tipos de
celular molecular
Outros
o ecossistemas
Regiões
r
b
Biodiversas
pode ser representada pelo
alimentação
pluricelular unicelular vírus
de
reprodução como as observadas entre
r
Relações
podendo ser
222
Conclusões
223
Referências
ANTÓRIA, A. et al. Mapas Conceituais. Uma técnica para aprender. Portugal: Edições
Asas, 1994.
AUSUBEL D. P. Pisicologia Cognitiva: un punto de vista cognitivo. México: Ediciones
Asas, 1989.
GALAGOVSKY, L. R. Redes Conceptuales: bases teóricas e implicaciones para el
proceso de enseñanza y aprendizaje de las Ciencias. Enseñanza de las Ciencias.
Barcelona: V. 11, n. 3, p.3001-307. 1993.
GALAGOVSKY, L. R. La distancia entre aprender palabras y aprender conceptos. El
tramando de palabras – conceptos (EPC) como un nuevo instrumento para la inves-
tigación. Ciencias. Enseñanza de las Ciencias, Barcelona: v. 20, n. 1. 29-45. 2002.
GASPAR, Albert. Gravitação. Física mecânica. São Paulo: Ática, 2002, v. 1. p.260-274.
GILLES, D.; Felix G. apud GALLO, S. (1997) Conhecimento, transversalidade e educa-
ção para além da interdisciplinaridade. Piracicaba: Unesp, 1997, v. 10, n. 21.p.28.
GONZALEZ, Garcia, F.M. Los mapas conceptuales de J. D. Novak como instrumentos
para la investigación en Didáctica de las Ciencias Experimentales. Enseñanza de las
Ciencias. Barcelona: v.10, n. 2. p.148-158. 1992.
GUÉTMANOVA, Alexandra. Conceito. Lógica. Moscovo: Progresso, 1989. p.31-109.
MACHADO, Nilson José. Epistemologia e Didática: as concepções de conhecimento e
inteligência e a prática docente. São Paulo: Cortez, 2000.
MARTINEZ-MUT, Bernardo e GABRIELA, Pedro. A construção humana através da
Aprendizagem significativa, David Ausubel. In: MINGUET, Pilar Aznar: (org.) A
construção do conhecimento na educação. Porto Alegre: Artmed, 1998. p.129-173.
MORAES, M. C. O paradigma educacional emergente. Campinas: Papirus, 1997.
MOREIRA, M. A. Mapas Conceptuales en la Enseñanza de la Física. Contactos.
Portugal: v. 3, n. 2, p.38-57. 1988.
NOVAK, J. D. Ayudar los alumnos a aprender como aprender. La opinión de un profesor-
investigador. Enseñanza de las Ciencias, Barcelona: v. 9, n.3, p.215-227, 1991.
NOVAK, J. D.; GOWIN. Aprendendo a aprender. Barcelona: Martinez Roca, 1998.
NUÑEZ, I. B.; PACHECO, G. O. La Formación de Conceptos Científicos: Una
Perspectiva desde la Teoria de la Actividad. Natal: EDUFRN, 1997.
PAULINO, Wilson Roberto. Biotecnologia do DNA: a engenharia genética. Biologia
Atual. Citologia, histologia. São Paulo: Editora Ática, 2002. p.209-226.
PELIGRINI, Marcio. Gravitação e movimento dos astros. Minimanual compacto de
física: teoria e prática. São Paulo: Rideel, 1999. p.131-136.
PETROVSKI, Rafael B. e IRBER JR, Luiz C. Soluções. Disponível em: <http:/
www.setrem.com.br/ti/trabalhos/quimica/index.htm >. 2001. Acesso em 20 jun. 2004.
ROMERO, Silvia Bravo; CASTAÑO, Gonzalo Vidal. El Mapa Conceptual como
estrategia de enseñanza y aprendizaje en la resolución de problemas. <http://:www.
Org/articulos/usodemapas.asp >Acesso em 6 de abril de 2004.
ROSS, Oscar Huruanga. Como elaborar Mapas Conceptuales en el aula. Revista
224
Especializada en Educación, Escuela Viva. Lima: n. 13, fev. 2000.
VYGOTSKY, Lev. S. A Formação Social da Mente. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,
1991.
__________. Pensamento e Linguagem. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
ZAMORA, José M. Chaves. La Rede Conceptual: Estrategia cognitiva del Aprendizaje.
Lima: Revista Especializada en Educación. Escuela viva. n. 13, p 1-2. fev. 2000.
225
DOS MODELOS DE MUDANÇA CONCEITUAL
À APRENDIZAGEM COMO PESQUISA ORIENTADA
Introdução
226
Segundo Marín Martinez (1999a), a expressão mudança conceitual deve,
provavelmente, ser uma das mais usadas no ensino de Ciências Naturais, sendo
adotada desde uma estratégia de ensino particular até um contexto teórico válido
para fundamentar uma investigação.
Como estratégia de ensino, tinha por objetivo, inicialmente, substituir1 as
representações, teorias, idéias ou concepções iniciais – que os alunos possuem
acerca de um determinado fenômeno científico ou objeto em estudo – pelo conhe-
cimento científico formal. Em geral, essas idéias costumam ser diferentes dos con-
ceitos científicos que se pretende ensinar (Pozo; Crespo, 1998). Esse modelo adota
como enfoque uma posição construtivista frente à natureza do conhecimento e
sua aquisição, assumindo que o aluno elabora e constrói seu próprio conhecimento,
tomando consciência de suas limitações, procurando superá-las, ou seja, espera-se
que o aluno modifique suas representações iniciais sobre o fenômeno em estudo
por outras mais próximas ao conhecimento científico.
Para tanto, as idéias prévias dos alunos possuem um importante papel nes-
se modelo, já que o ensino de Ciências visa a favorecer a substituição destas pelas
científicas como novo marco de referências para interpretar/compreender a reali-
dade, levando a construir novas representações. Acreditava-se que, se a apren-
dizagem acontecesse a partir das idéias prévias dos alunos, com atividades inte-
ressantes, levaria ao aprendizado com uma construção significativa que implicava
as mudanças das idéias prévias, as quais, geralmente, se apresentavam como
obstáculos epistemológicos.2
Essas idéias prévias ou concepções alternativas,3 por sua vez, têm sua origem,
em geral, na atividade cotidiana das pessoas, surgem na interação espontânea com
o meio e servem, principalmente, para explicar o comportamento desse meio.
1
O termo “substituir” foi empregado nas primeiras versões do modelo, sendo criticado
posteriormente. As críticas serão apresentadas no decorrer deste texto.
2
O termo “obstáculo epistemológico” é usado por Gaston Bachelard.
3
Serão adotados como sinônimos os termos conhecimentos prévios, idéias prévias, concepções
alternativas, teorias implícitas e concepções espontâneas, embora possam ter significados
diferentes desde outras perspectivas teóricas.
227
riorizado de um modo direto em que inequivocamente os investigadores chegam a
aprender. Outro aspecto discutido pelo autor é a possibilidade de coexistência de
idéias prévias diferentes sobre um mesmo tópico. Nessa perspectiva, as idéias
competem entre si diante de uma determinada situação, seja como conseqüência
das características de cada aluno ou das relações entre o aluno e os conteúdos e/ou
o próprio contexto. Um terceiro aspecto é a existência de um certo nível de siste-
maticidade ou homogeneidade nas idéias prévias. Nesse sentido, o autor sinaliza
que estudos têm evidenciado que a capacidade dos alunos da educação básica para
generalizar é bastante limitada, mas, ainda assim, se observa um certo grau de
homogeneidade nas idéias que surgem em distintos contextos e tarefas.
Essa breve síntese desses aspectos leva a inferir que, conseqüentemente,
a natureza das idéias provoca influências e algumas são muito resistentes à mudança,
persistindo mesmo a uma longa instrução científica4 (Pozo; Crespo, 1998), como,
por exemplo, idéias sobre a origem do universo segundo uma visão metafísica –
como ao acaso ou pela criação de entidades sobrenaturais – rechaçam as teorias
científicas sobre sua origem.
Para Pozo e Crespo (1998), as idéias prévias dos alunos podem ser distin-
guidas quanto à sua origem em três grupos. Como existe uma interação entre cada
grupo, esses não se constroem de forma isolada, embora possam ser discutidos
“metodologicamente” em separado. Considerando a origem das idéias, estas po-
dem ser consideradas como idéias de origem sensorial, cultural e educativa.
– Origem sensorial (concepções empíricas) – são formadas nas experiências
individuais dos alunos, nas atividades do cotidiano, fundamentalmente baseadas no
uso de regras de inferências causais, por meio de processos sensoriais e perceptivos.
São as idéias mais gerais compartilhadas pelos alunos em diferentes contextos.
Exemplo:
– Os alunos explicam que corpos de massas diferentes ao serem largados,
ao mesmo tempo, em direção ao solo, possuem tempos de queda diferentes, segundo
sua experiência sensorial.
A bola maior é
mais pesada
e cai primeiro.
Figura adaptada
de Nigro e Campos (1999)
4
Esta constitui uma das críticas ao modelo de mudança conceitual
228
– Origem cultural (concepções sociais ou representações sociais) – a
origem dessas idéias está, fundamentalmente, na cultura dos contextos sociais,
em que se encontram diferentes idéias compartilhadas pelos grupos sociais. São
tipos de representações sociais influenciadas pelos diversos meios de transmis-
são cultural, como a mídia, as crenças populares, etc.
Exemplo:
– As crenças populares relativas à ingestão de determinadas combinações
de alimentos.
Será que devo
beber o leite e
depois chupar
manga?
229
Esses pontos devem ser levados em conta ao se analisar como são apren-
didos e como devem ser ensinados os conceitos científicos por meio da mudan-
ça conceitual. Assim, como afirma Pozo (2002), para mudar nos alunos suas
idéias e promover a reestruturação ou construção de um conhecimento científico
ou disciplinar num certo domínio (novas representações), é necessário envolver
o aluno num processo de explicitação das idéias, passando por diversas fases,
dentre elas o conflito cognitivo, até alcançar a mudança conceitual. Esta, por
sua vez, não acontece com facilidade e as novas idéias podem coexistir com as
idéias anteriores. Como esse processo não é espontâneo, cabe, portanto, ao pro-
fessor intervir explicitamente. Para tanto, facilitar para os alunos a mudança dos
conceitos espontâneos por científicos – a fim de construir novas representações
– supõe ser necessária uma série de estratégias ou condições.
Os modelos de mudança conceitual, de modo geral, têm como objetivo
confrontar as idéias prévias dos alunos com uma situação conflitante na qual esses
conhecimentos tornam-se frágeis, ou inconsistentes ou contraditórios para explicar
a referida situação. Em síntese, segundo esse modelo, para facilitar a mudança
conceitual, o aluno deveria ser colocado diante de uma diversidade de situações
nas quais ele poderia perceber uma incoerência, um contra-senso entre seu próprio
sistema explicativo e as coisas que aconteciam de fato (conflitos cognitivos).
Admitia-se que o conflito cognitivo – elemento esse fundamental para que ocor-
resse a mudança conceitual – criaria uma situação de desequilíbrio para o aluno
(Nigro; Campos, 1999). Entendia-se que o aluno, mediante a situação de conflito,
fosse esta empírica (uma situação da realidade) ou teórica (confrontação de teorias
ou explicações distintas em relação a um mesmo fato), era induzido a abandonar
suas idéias por outras mais explicativas.
Quer dizer, o aluno, após vivenciar tal situação de conflito, poderá des-
considerar ou até abandonar os conhecimentos prévios por uma teoria mais
explicativa, considerando que ele verificaria a insuficiência e a incoerência de seus
sistemas explicativos e com a ajuda do professor, criaria um modelo explicativo
que se adequasse aos fatos observados ou à nova situação. Entretanto, nem todos
os alunos reagem da mesma forma face ao conflito cognitivo, não abandonando
com facilidade essas idéias, por serem, geralmente, resistentes às mudanças.
230
NUSSBAUM E DRIVER COSGROVE E POZO
NOVICK OSBORNE
Invenção ou Apresentação de
introdução de teorias científicas
novos conceitos. alternativas.
Quadro 1 – Distintos modelos de mudança conceitual e seus autores (Pozo, 2002, p. 223)
231
Não obstante, apesar dos diferentes modelos, é reconhecida a existência
de condições invariantes, necessárias para facilitar a mudança conceitual consti-
tuída por idéias básicas que estão no núcleo central dessas discussões. Estas, segun-
do Torregrosa, Domenéch e Carbonell (2003) podem ser sintetizadas como: fase
de explicitação e esclarecimento das idéias prévias dos alunos; fase de conflito
mediante a proposição de atividades concretas de diversos tipos; introdução de
novas idéias capazes de esclarecer o conflito cognitivo e fase de aplicação das
novas idéias em diferentes contextos.
MUDANÇA CONCEITUAL
Outro ponto é o “como fazer” para que as idéias prévias dos alunos se-
jam o ponto de partida para o processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido,
Hewson e Breth (1995) apresentam recomendações gerais para facilitar a mu-
dança conceitual.
232
1. As idéias dos alunos sobre um determinado assunto em estudo devem
ser explicitadas para que estes sejam conscientes, tanto das suas idéias como das
idéias dos demais colegas. Os alunos podem explicitá-las e esclarecê-las, por
exemplo, por meio de um debate. Segundo esses autores, a diferença desse para
os modelos tradicionais de ensino é que as opiniões dos alunos devem ser consi-
deradas no mesmo nível que as do professor, de modo que todos possam se dar
conta de que as idéias possuem autoridade pelo seu poder explicativo ou argu-
mentativo e não pela fonte de onde elas procedem.
2. O status das idéias deve ser discutido e negociado, como conseqüência da
primeira condição, uma vez que as idéias foram explicitadas. Quer dizer, os alunos
devem decidir coletivamente sobre o status de suas próprias opiniões e das opiniões
dos demais com relação ao assunto em estudo. Nessa eleição, devem considerar as
diversas idéias, seus critérios epistemológicos 5 sobre o conhecimento científico e
qual delas constitui uma explicação aceitável para o fenômeno em estudo.
3. A justificativa das idéias deve ser um componente explícito nas atividades
de ensino. Conseguir que os alunos considerem as novas idéias como plausíveis e
úteis depende do fato de elas se mostrarem como verdadeiras e compatíveis com
outras idéias anteriores; não entrarem em contradição com as idéias metafísicas
dos alunos; aparecerem como gerais, consistentes e coincidentes com o conhecimento
científico que os alunos possuem acerca do fenômeno em estudo.
Como esclarece Campanario (2002), o debate na sala de aula deve considerar
a metacognição, pois ela desempenha um papel central na mudança conceitual.
Quando os alunos discutem, explicitam suas idéias, decidem sobre sua utilidade,
sua plausibilidade e sua consistência estão explicitando seus próprios critérios de
compreensão. A aceitação ou não das novas idéias depende dos padrões metacog-
nitivos dos alunos, relacionados com as perguntas a seguir:
– A nova idéia satisfaz as limitações da anterior?
– O aluno é capaz de detectar limitações na capacidade explicativa de suas
próprias idéias?
– Como comparar o poder explicativo das idéias prévias com as novas idéias?
Tais interrogações respondem à necessidade de levar em conta problemas
como as dificuldades dos alunos para detectar discrepâncias ou inconsistências em
um raciocínio científico.
No Quadro 2, a seguir, é apresentado um exemplo de atividade em Química,
segundo o modelo por mudança conceitual.
5
Entende-se por critérios epistemológicos a forma como os alunos explicam o processo de
construção do conhecimento científico.
233
Tema: Forças intermoleculares Nível: 1a série do Ensino Médio
234
1.5. Limitações do modelo de mudança conceitual
235
destacadas, entre elas os compromissos epistemológicos, os fatores afetivos e
metacognitivos. Uma das justificativas para tal posição é que o conhecimento
científico, geralmente, expressa-se numa linguagem específica – metalinguagem –
diferente das representações que circulam no cotidiano, com as quais os alunos
operam na realidade.
Pozo e Crespo (1998) afirmam que existe um conhecimento escolar que só
circula dentro da escola e o conhecimento intuitivo possui uma lógica cognitiva,
uma epistemologia espontânea, que é efetiva para o desenvolvimento social das
pessoas e que, de um modo inconsciente, é amplamente compartilhada e aceita, o
que a faz arraigada e de difícil substituição. São sistemas que explicam sua reali-
dade (do aluno). Assim, algumas dessas idéias representam verdadeiros obstáculos
epistemológicos, os quais não são abandonados com facilidade pelos alunos durante
a aprendizagem escolar.
Tem-se discutido a partir da Didática das Ciências Naturais que um dos
problemas para se trabalhar os modelos de mudança conceitual é a dificuldade de
se diagnosticar e caracterizar a origem das idéias prévias dos alunos e as dificul-
dades de se trabalhar com estas. Uma interpretação inadequada da “mudança
conceitual” tem levado à idéia errônea de que “descobrir o que pensa o aluno é
uma tarefa fácil”.
Em consonância com esses pontos de vista, as experiências e as analogias
com a história das teorias científicas têm mostrado que certas idéias alternativas
são resistentes à mudança. Quer dizer, mesmo depois de ter seguido a seqüência de
etapas sugeridas para a mudança conceitual de um determinado assunto, após
algum tempo, observa-se que as idéias iniciais dos alunos retornam ou, em outras
palavras, pode-se afirmar que não são modificadas. Questões como essas cons-
tituem limitações ao modelo de mudança conceitual (Torregrosa, Domenéch,
Carbonell, 2003).
Com relação aos fatores afetivos, as pesquisas têm comprovado (Dreyfus;
Junwirth; Eliovitch, 1990) que as condições de conflito são mais bem recebidas
por alunos mais “brilhantes” e que os alunos com mais dificuldades podem
desenvolver atitudes negativas para essas atividades. Assim, é possível que o uso
constante de situações conflitantes venha a gerar um rechaço ou inibição por parte
dos alunos. Como esclarecem Torregrosa, Domenéch e Carbonell (2003), tal utili-
zação consiste num “jogo o qual os alunos sempre perdem”, pois lhes é solicitado
conhecer suas crenças sobre um determinado tema para então organizar uma
“verdadeira campanha contra elas”.
Outros autores argumentam que o modelo de mudança conceitual foi
facilmente aceito (Campanario, 2002), devido ao pressuposto de serem consideradas
as idéias prévias dos alunos. Outra crítica apontada é que, em todo o processo,
supõe-se que há uma atividade racional do aluno parecida com a do cientista. Além
disso, as pesquisas mostram que os alunos têm diferentes sistemas de representa-
ções, dentre elas suas idéias prévias.
236
2. Aprendizagem como pesquisa orientada
237
Em tais situações, os alunos trabalhariam em um contexto que tenha a
ver com eles mesmos, com as pessoas e com os grupos sociais próximos, com
os produtos tecnológicos, com os seres vivos, com as relações CTS (Ciência-
Tecnologia-Sociedade) e, em geral, com seus interesses e necessidades.
Entretanto, o modelo contrapõe-se à idéia de reduzir a aprendizagem de um
método científico ou no conjunto de regras predeterminadas que são aplicadas
mecanicamente (Gil, 1983), mas também numa mudança atitudinal. Nesse sentido,
os defensores desse modelo ressaltam a necessidade de questionar a ciência que
se “deve ensinar” e a que “é possível ensinar”. Como afirma Gil (1994), é necessá-
rio diminuir a quantidade de conteúdos conceituais dos currículos e prestar mais
atenção aos aspectos metodológicos, ao estudo da natureza e aos processos de
construção do conhecimento e à relação Ciência-Tecnologia-Sociedade.
238
2.3. Orientações na organização de atividades de investigação
Gil et al. (1991) fazem uma discussão mais detalhada da seqüência de traba-
lho que proporciona as condições para a aprendizagem como pesquisa orientada
à resolução de situações problemáticas, tecendo algumas considerações:
– É necessário partir de situações-problemas que são de interesse dos alu-
nos e lhes proporcionar uma concepção inicial para a tarefa, na qual eles poderão
formular suas hipóteses iniciais explicativas.
– Os alunos trabalham em grupos,6 estudam qualitativamente as situações-
6
Os alunos, ao trabalharem em grupo, com um caráter de cooperação, realizam tarefas em comum
que dependem do trabalho pessoal e do restante do grupo. Outro aspecto positivo é que as atividades
em grupo proporcionam condições para desenvolver atitudes e comportamentos sociáveis entre
os alunos.
239
problemas e, com ajuda da bibliografia, procuram delimitar o problema e explicitar
suas idéias. Nesse sentido, chama-se a atenção para a necessidade do trabalho em
grupo. Há uma certa heterogeneidade dentro dele, e assim possibilita condições para
o conflito cognitivo e as controvérsias conceituais que, segundo Coll et al. (2000),
constitui o primeiro passo para a construção do conhecimento. A organização dos
alunos para desenvolver tarefas seria, pois, uma ajuda inestimável na aprendizagem.
– Os problemas são trabalhados segundo uma orientação “científica”, emitindo
hipóteses, explicitação das idéias prévias, elaboração de estratégias possíveis para a
solução da situação-problema, análise e comparação dos resultados obtidos por outros
grupos de alunos. Essa é uma oportunidade para promover o conflito cognitivo entre
as diferentes idéias dos alunos, o que os leva a uma nova forma de definir o problema,
a novas hipóteses, novos procedimentos, etc. A idéia de um “método científico” como
conjunto de regras fixas e seqüenciais cede à idéia de “etapas na pesquisa científica”
relacionadas entre si como uma rede complexa, na qual uma etapa pode levar a
várias outras opções, como se apresenta no Esquema 3 a seguir.
Situação-problema
Definição do problema
Novo conhecimento
240
– Os novos conhecimentos, adquiridos após as etapas do modelo de apren-
dizagem por meio de pesquisa orientada, podem ser confrontados com novas situa-
ções com o intuito de aprofundá-los e consolidá-los. Esse pode ser um momento ade-
quado para explicitar as relações entre a ciência, a tecnologia e a sociedade (CTS).
Nessa perspectiva teórica, a aprendizagem não se explica pela simples recep-
ção de conhecimentos ou por sua descoberta pelos alunos. Trabalhar segundo esse
enfoque supõe considerar que ela é uma entre outras estratégias de aprendizagens,
dentro de um sistema de estratégias de ensino coerentes, como a solução de problemas
de lápis e papel, atividades de síntese, mapas conceituais, etc.
A seguir, no Quadro 3, será apresentado um exemplo de atividade em
Química, por meio de aprendizagem como pesquisa orientada.
241
2.4. Limitações do modelo de aprendizagem
como pesquisa orientada
Como em todos os modelos de ensino, esse também não está isento de li-
mitações ou problemas (Campanario; Moya, 1999), existem algumas dificuldades
que é preciso levar em consideração.
Uma das limitações vem relacionada com a capacidade investigativa dos
alunos, o que remete à metáfora do aluno como um “cientista iniciante”. Essa
posição tem sido questionada por diversos autores, que chamam a atenção para o
fato de durante a realização das atividades os alunos seguirem roteiros preestabe-
lecidos ausentando a possibilidade de utilizarem suas próprias linhas de raciocí-
nio. Segundo esses argumentos, Campanario (2002) alerta que não se pretende
que os alunos façam ciência como os cientistas.
Outros autores preferem utilizar o termo indagação, para referir-se a esse
tipo de atividade investigativa com menor nível de complexidade (Díaz; Jimenez,
1999). Mas, o resultado de tais indagações, o professor já conhece antecipadamente,
o que o obriga, em geral, a propor situações muito simplificadas, exigindo-lhe que
antecipe muitas das dificuldades conceituais e procedimentais que, sem dúvida,
surgirão durante o desenvolvimento das atividades.
Nessa perspectiva, Marín Martinez (1999a) assinala que, por mais que se
perceba a mudança metodológica como uma proposta que complementa e que,
inclusive, supera o modelo de mudança conceitual, não pode ser eficaz se o pro-
fessor não possui certas informações sobre as capacidades e limitações cognitivas
dos alunos e sobre os procedimentos científicos que se deseja no ensino.
Outro aspecto é que o desenvolvimento de atividades de investigação dirigida
ou como pesquisa orientada, requer bastante tempo, o que leva a buscar um equilíbrio
entre as necessidades de aprofundamento ao tema com uma visão coerente. Esse fato
tem como conseqüência o sacrifício de parte dos conteúdos (Campanario, 2002).
Outra limitação relaciona-se com as atitudes dos alunos, pois é possível que
eles não estejam dispostos a mudar suas posturas, isto é, muitas vezes podem
achar mais cômodo simplesmente receberem as explicações do que ter que propô-
las. Outro ponto também a ser considerado é o fato de que as situações-problemas
propostas podem não ser interessantes para serem investigadas, quer dizer, não
basta ser interessante, é necessário que haja uma motivação para investigar.
Diante do que foi exposto é relevante explicitar alguns pontos dos modelos
apresentados. Com relação ao modelo de mudança conceitual cabe ressaltar que
esse é oportuno para alguns conceitos e não para outros, quer dizer, somente para
aqueles em que é possível trabalhar as “contradições”. Essa mudança não está
orientada a eliminar o pensamento do senso comum e a linguagem expressa no
242
cotidiano, quando esses são úteis nos contextos de interpretação do mundo, já que
os conhecimentos científicos nem sempre explicam todos os fenômenos da reali-
dade. Os professores devem compreender as possibilidades e limitações dos dife-
rentes tipos de saberes na educação dos alunos. É necessário, portanto, um reper-
tório de técnicas, metodologias e recursos para organizar as atividades de apren-
dizagem no modelo de mudança conceitual (Pozo; Crespo, 1998).
A aprendizagem como pesquisa orientada dá um novo sentido à idéia de
mudança conceitual, pois não se trata de um questionamento externo de idéias
pessoais, por meio de situações conflitantes, nem a reiterada aceitação das insu-
ficiências do próprio pensamento, mas de um trabalho individual e coletivo de
explicitação, aprofundamento, contraste e mudança das próprias idéias, promovendo
a construção ou reestruturação do conhecimento (Campanario, 2002).
Esse modelo resgata alguns traços do modelo por descoberta, mas com outra
concepção que considera a investigação científica como um processo de constru-
ção social apoiada em recursos teóricos e metodológicos diversos, e não como a
aplicação de um único método. Fundamenta-se na pesquisa como procedimento
para resolver situações-problema, utilizando diversos métodos, procurando tam-
bém estimular a mudança de atitudes, na qual a mudança de conceito é mais um
dos resultados possíveis de ser alcançado (Gil, 1994). Parte do pressuposto da se-
paração que faz o ensino entre a aprendizagem e os modos de construção do conhe-
cimento científico. Baseia-se na metáfora do aluno como um “cientista iniciante”,
que se integra a um grupo (os alunos) para resolver situações-problemas de seu
interesse, com a ajuda de outros mais experientes (professor como orientador).
Entre os pesquisadores em Didática das Ciências, existe a sensação de que,
para que as estratégias de aprendizagem por mudança conceitual e/ou como pes-
quisa orientada tenham algum efeito importante, é necessário que estas não sejam
“aplicadas” como um conjunto de técnicas isoladas, senão como um enfoque
coerente. Para tanto, seriam necessárias, antes de tudo, uma orientação comum em
várias disciplinas e uma certa persistência temporal em cada uma delas. Ambos os
modelos proporcionam a integração de diversas aprendizagens. Por outro lado,
ainda que as estratégias dêem resultado em casos concretos, reconhece-se que não
é possível trabalhar esses modelos em grande escala sem o apoio de materiais
curriculares adequados e uma preparação do professor.
Referências
243
DÍAZ, J.; JIMÉNEZ, M. P. Aprender ciencias, hacer ciencias: resolver problemas en
clase. Alambique, Barcelona, v.20, p.9-16, 1999.
DREYFUS, A.; JUNGWIRTH, E.; ELIOVITCH, R. Applying the “cognitive conflict”
strategy for conceptual change – some implications, difficulties and problems. Science
Education, Canada, v. 74, n. 5, p.555-569, 1990.
GIL, D. Tres paradigmas básicos en la enseñanza de las ciencias. Enseñanza de las
Ciencias, Barcelona, v.1, n. 1, p.26-33, 1983.
________. Contribución de la historia y de la filosofía de las ciencias al desarrollo de un
modelo de enseñanza/aprendizaje como investigación. Enseñanza de las Ciencias,
Barcelona, v. 11, n. 2, p. 197-212, 1993.
________. Relaciones entre conocimiento escolar y conocimiento científico. Investigación
en la Escuela, Sevilla, v. 23, p.17-32, 1994.
GIL, D.; CARRASCOSA, J. Science learning as a conceptual and methodological change.
European Journal of Science Education. London, v. 7, n. 3, p.231-236, 1985.
GIL, D.; CARRASCOSA, J.; FURIÓ, C.; MARTÍNEZ-TORREGROSA, J. La enseñanza
de las ciencias en la educación secundaria. Barcelona: ICE, 1991.
HEWSON, P. W.; BRETH, M. E. Enseñanza para un cambio conceptual: ejemplos de
fuerza y movimiento. Enseñanza de las Ciencias, Barcelona, v. 13, n. 1, p. 25-35, 1995.
HEWSON, P.W.; THORLEY, N.R. The conditions of conceptual change in the classroom.
International Journal of Science Education, U. K., v. 11, p.541-553, 1989.
MARÍN MARTÍNEZ, N. Delimitando el campo de aplicación del cambio conceptual.
Enseñanza de las Ciencias, Barcelona, v. 17, n. 1, p.80-92, 1999a.
________. Del cambio conceptual a la adquisición de conocimientos: algunas reflexiones
sobre las concepciones alternativas y el cambio conceptual. Enseñanza de las Ciencias,
Barcelona, v. 17, n. 1, p.109-114, 1999b.
MENESES, J. A. Un modelo didáctico con enfoque constructivista para la enseñanza de
la Física en el nivel Universitario. Revista Interuniversitaria de Formación del
Profesorado, Saragoza, v.14, p.93-106, 1992.
NIGRO, R. G; CAMPOS, M. C. C. Didática das Ciências: o ensino-aprendizagem
como investigação. São Paulo: FTD, 1999.
OLIVA MARTÍNEZ, J. Algunas reflexiones sobre las concepciones alternativas y el
cambio conceptual. Enseñanza de las Ciencias, Barcelona, v. 17, n. 1, p.93-107, 1999a.
________. Ideas para la discusión sobre las concepciones de cambio conceptual.
Enseñanza de las Ciencias, Barcelona, v. 17, n. 1, p.115-117, 1999b.
POSNER, G. J. et al. Accommodation of a scientific conception: Toward a theory of
conceptual change. Science Education, Canadá, v. 66, n.2, p. 211-227, 1982.
POZO, J. I. Más allá del cambio conceptual: el aprendizaje de la Ciencia como cambio
representacional. Enseñanza de las Ciencias, Barcelona, v. 17, n. 3, p.513-520. 1999.
________. Aprendizes e mestres. Porto Alegre: Artmed, 2002.
POZO, J.I.; CRESPO, M.A. Aprender y enseñar ciencias. Madrid: Morata, 1998.
TERREGROSA, J.M.; DOMENÉCH, J.L.; CARBONELL, R. V. Del derribo de ideas al
levantamiento de puentes: la epistemología de la ciencia como criterio organizador de la
enseñanza en las ciencias física y química. Qurriculum, Tenerife, n. 6, 1993. Disponível
em: <http://www.quadernsdigitals.net/>. Acesso em: 15 nov 2003.
244
APRENDIZAGEM POR MODELOS: UTILIZANDO
MODELOS E ANALOGIAS
Introdução
245
de Ciências, por meio da compreensão e fundamentação de uma categoria tão
significativa para o trabalho docente e para a aprendizagem dos conceitos, pro-
cedimentos e atitudes relacionados a esta disciplina e que podem subsidiar a
resolução de problemas no cenário escolar e cotidiano.
Pozo e Crespo (1998) Os modelos são um processo representacional que faz uso
de imagens, analogias e metáforas, para auxiliar o sujeito
(aluno ou cientista) a visualizar e compreender o referente,
que pode se apresentar como de difícil compreensão, com-
plexo e abstrato, e/ou em alguma escala perceptivelmente
inacessível.
246
A partir das questões citadas anteriormente, podemos considerar os modelos
como uma representação da realidade, que permite, no campo científico, descobrir
e estudar novas relações e características do objeto de estudo, sendo representações
provisórias e limitadas, em virtude da complexidade dos fenômenos que buscam
representar.
Ainda nessa direção, destacamos, como importante ao ensino de Ciências, a
tipologia discutida por Justi e Gilbert (2000) em relação aos modelos. Para esses
autores, um modelo pode ser entendido como a representação de um objeto, um
processo, um evento, um sistema ou uma idéia, e se origina de uma atividade
mental. A forma como essa atividade mental consegue ser expressa, seja pela fala,
ações, ou qualquer outra maneira simbólica, é chamada de modelo expresso. Quan-
do esse modelo passa a ser consenso dentro de um determinado grupo social, ele
passa a ser chamado de modelo consensual, o qual ao ser aceito por uma comunidade
científica é conhecido por modelo científico. O modelo histórico seria um modelo
científico produzido em um contexto específico, mas que foi suplantado e colocado
à margem da ciência. E, finalmente, o modelo de ensino ou didático, que teria por
finalidade auxiliar os alunos a compreenderem os modelos consensuais ou histó-
ricos e que, na maioria das vezes, é expresso na forma de objetos, gráficos, esque-
mas, etc.
No caso do átomo, ao longo da história, diferentes cientistas, como Dalton,
Thomson, Rutherford, Bohr, entre outros, elaboraram, inicialmente, os modelos
mentais acerca da estrutura atômica que posteriormente foram expressos à comu-
nidade científica e aceitos por ela durante um determinado tempo, constituindo,
assim, um modelo consensual.
Para a compreensão desses modelos consensuais, no ensino de Ciências,
utilizamos modelos didáticos elaborados por professores e alunos, quer por meio
de modelos tridimensionais quer por meio de analogias, como é o caso do modelo
de Thomson (Figura 01), comparado ao “pudim de passas”, ou o modelo de Bohr,
comparado ao “sistema solar”.
247
2. Pressupostos da aprendizagem por modelos
248
3. A utilização dos modelos no ensino-aprendizagem de Ciências
249
– a substituição de um modelo por outro, vale destacar, não quer dizer que
o primeiro foi abandonado. Podem-se utilizar os modelos propostos inicialmente
quando isso facilitar a manipulação formal e quando constituir aproximações
sensíveis e legítimas a um problema científico.
Castro (1992) destaca que, devido à existência de modelos alternativos para
se explicar um dado fenômeno, é necessário que se estabeleçam alguns critérios
para que possamos avaliar aquele mais adequado para representar o referente,
entre os modelos que possam existir. Nessa direção, aponta algumas questões
que devem nortear a identificação do mais apropriado para explicar um dado
referente (Esquema 01).
Deve ser de fácil
visualização e
compreensão
conceitual.
250
3.2. Estratégias metodológicas subsidiando
a aprendizagem por modelos
251
Nesse sentido, Izquierdo, Sanmarti e Espinet (1999) reconhecem a neces-
sidade de que além da teoria e experimentação na compreensão dos conceitos cien-
tíficos sejam construídos modelos. No Esquema 02, por exemplo, utilizam-se
estratégias que envolvem tanto a teoria e experimentação quanto a construção de
modelos explicativos por parte dos alunos e modelos didáticos (pau-bola) apre-
sentados pelo professor.
De maneira diferente ao ensino baseado em aulas expositivas, marcadas
pela falta de participação dos alunos frente à aquisição dos conhecimentos, a
aprendizagem por modelos pode ser uma importante ferramenta para auxiliar a
mobilização de saberes em diferentes situações, uma vez que aplica estratégias
que contemplam uma perspectiva construtivista, por meio de um enfoque misto
que abarca a resolução de problemas, as demonstrações experimentais, os trabalhos
em pequenos grupos e, especialmente, as discussões em grandes grupos.(Pozo;
Crespo, 1998).
As reações químicas
Disciplina: Química
Tema: Reações químicas
Nível: 1º ano do ensino médio
Objetivo: Compreender que em uma reação química há um rearranjo dos átomos
nas moléculas dos reagentes, de modo a formar os produtos e que, portanto, há
conservação da massa do sistema.
252
Atividades
253
argumentos às questões discutidas pelos alunos, os modelos iniciais,
provavelmente, serão reestruturados.
No caso da reação de queima da lã de aço, poderá ainda não haver
compreensão, pois os alunos além de esperar que a massa dos produtos diminua,
por se tratar de uma reação de queima, não levam em consideração que o
oxigênio é um dos reagentes.
O professor pode, então, realizar um experimento de queima da lã de
aço, utilizando uma balança improvisada, construída com um arame preso a
um suporte por um fio de nylon, utilizando pratinhos de plástico como os
pratos da balança (Figura 02), de modo a testar as hipóteses dos alunos em
relação à conservação da massa nessa reação, reestruturando, dessa forma, os
modelos alternativos.
254
4. As analogias no ensino-aprendizagem de Ciências
255
Duit (1991) destaca que o modelo é uma abstração de semelhanças entre
dois conceitos ou fenômenos, refletindo os aspectos que o objeto a ser representado
e o análogo (representação) mantêm em comum. Para esse autor, as analogias
seriam a comparação de estruturas entre dois domínios diferentes.
Podemos observar, a partir das considerações desses autores, que as ana-
logias estariam relacionadas à comparação das similaridades entre dois domínios
diferentes, constituindo um importante mecanismo para que os alunos transfiram
informações de um campo conhecido para outro desconhecido.
Uma outra diferenciação importante é feita por Oliva et al. (2001b) entre as
analogias e as metáforas. Esses autores esclarecem que enquanto nas analogias
são expressos explicitamente todos os elementos de uma comparação, como, por
exemplo, “o elétron é para o núcleo do átomo o que um planeta é para o sol; nas
metáforas, chega-se a estabelecer uma identificação, ainda que só no sentido fi-
gurado – os elétrons são os planetas do átomo” (Oliva et al., 2001b, p.4).
As analogias e metáforas são apontadas por diversos autores como
importantes subsídios à aprendizagem em ciências. Ferraz e Terrazzan (2002, p.46),
por exemplo, apontam que
[...] as analogias e metáforas são um componente central do processo
de conhecimento humano. O raciocínio por analogia é parte integrante
de nossa cognição e, nessa perspectiva, as analogias são ferramentas
do pensamento.
256
– auxiliam na reestruturação do marco conceitual dos alunos;
– facilitam a compreensão e visualização de conceitos abstratos;
– despertam o interesse por um tema novo;
– estimulam o professor a levar em conta os conhecimentos prévios dos
alunos;
– subsidiam a construção de habilidades relacionadas à argumentação,
raciocínio e atitudes como criatividade e criticidade.
257
criam, aplicam e modificam suas próprias analogias, em oposição à mera aplicação
de analogias específicas proporcionadas do exterior, há uma contribuição para a
auto-regulação das explicações destes acerca dos fenômenos científicos e, em geral,
se avança na compreensão conceitual desses fenômenos, embora seja imprescin-
dível o papel do professor como mediador durante todo esse processo.
É importante o acompanhamento do professor, no sentido de observar se os
alunos reconhecem as semelhanças e diferenças entre análogo e objeto, bem como
a compreensão que os alunos têm do análogo como representação do objeto e não
o objeto em si, servindo como guia e não como uma forma de tolher a imaginação,
criatividade e espírito crítico dos alunos.
O trabalho de Clement (2000) aponta um esquema geral para a aprendizagem
por meio de analogias, discutindo duas perspectivas: a) o processo de ancoragem
ou conexão com as idéias dos alunos, como base do processo de construção e b) a
mudança conceitual que se quer gerar nas concepções alternativas, em relação ao
objeto, caso elas existam. A seguir, apresentamos, de modo esquemático, essas
perspectivas (Quadro 03).
- A criação da analogia que inclui - Gerar uma nova idéia que entre
tanto a delimitação do objeto e em conflito com a já existente. O
do análogo quanto o estabeleci- aluno deve estar consciente de que
mento das relações entre ambos. possui duas noções: a inicial e a
- Uma etapa dirigida à aplicação apresentada.
da analogia para obter conclu- - Interpretação para que o aluno
sões que permitam compreender compreenda as contradições das
melhor o análogo e, assim, fazer duas idéias, aprendendo a analisar
as predições. as possibilidades e limitações de
- Uma fase orientada ao estabe- cada uma, de modo a perceber as
lecimento de diferenças entre vantagens da nova idéia com re-
objeto e análogo e as limitações lação à anterior pelo maior poder
da analogia. explicativo e preditivo que possui.
Com base nas questões discutidas por Sepel e Loreto (2003), exempli-
ficaremos, por meio de um plano de aula, as orientações trazidas no Quadro 03,
utilizando um conteúdo de biologia relacionado à permeabilidade seletiva da
membrana plasmática, discutida no 1º ano do ensino médio na referida disci-
plina (Quadro 04).
258
Esse tema costuma trazer algumas dificuldades no ensino de Biologia, pois
os alunos não compreendem a permeabilidade seletiva da membrana plasmática,
isto é, a capacidade desta em controlar o que entra e sai da célula.
Inicialmente, é importante destacar que, na estrutura da membrana,
encontramos os lipídios, que têm como uma de suas principais funções impedir as
substâncias hidrossolúveis de atravessarem a membrana e as proteínas que são
responsáveis pela passagem da maior parte das substâncias hidrossolúveis pela
membrana.
Os principais lipídios presentes na membrana plasmática apresentam porções
de suas moléculas com afinidades diferenciadas, em relação à água, ou seja, uma
parte é hidrofílica (tem afinidade pela água) e outra é hidrofóbica (não tem afinidade
pela água) e por isso são chamados de anfipáticos.
Dessa forma, em meio aquoso, a membrana apresenta uma estrutura em que
os lipídios formam uma camada dupla e contínua, no meio da qual se encaixam as
moléculas de proteínas. A bicamada de lipídios é fluida e as de proteínas mudam de
posição continuamente, como se fossem peças de um mosaico e, assim, foi sugerido
o Modelo do Mosaico Fluido (Figura 03).
proteínas
lipídeos
Parte
hidrofílica
Parte
hidrofóbica
259
porém, que de modo diferente aos lipídios presentes na membrana plasmática, os
sabões em meio aquoso tendem a formar micelas (sem interior aquoso – Figura 04)
e não bicamadas. Além disso, a parte hidrofílica é interna, no caso da membrana
plasmática.
260
Disciplina: Biologia
Atividades
261
O desenvolvimento do pensamento analógico, contemplando as questões
discutidas anteriormente, representa um importante recurso para a construção de
competências, pois auxilia os alunos, frente a uma situação complexa nova, a
buscarem semelhanças e até mesmo diferenças com aquelas já vivenciadas,
subsidiando a resolução dos problemas que sejam colocados.
Uma das limitações desse enfoque didático, segundo Pozo e Crespo (1998),
é que haja uma relativização dos modelos por parte dos alunos, quer dizer, eles
podem compreender que todos os modelos são igualmente válidos, inclusive os
seus, o que pode esvaziar o sentido da própria educação científica.
Nesse sentido, destacamos a importância da discussão acerca da construção
de modelos e dos critérios para eleger um modelo em detrimento de outro para
explicação de um dado referente.
É relevante que, em vez da independência entre as teorias e modelos, seja
adotada uma integração hierárquica destes, para evitar o já referido relativismo
(POZO; CRESPO, 1998). Para isso é importante discutir a interdependência
conceitual no conhecimento científico, subsidiando o entendimento de que modelos
mais complexos podem integrar os mais simples.
Como em outros tipos de enfoques, pode haver a priorização dos conteú-
dos conceituais em detrimento dos procedimentais e atitudinais, embora o uso
e contrastação de diversos modelos conceituais favoreça atitudes, como rigor,
criticidade e procedimentos como argumentação, contrastação empírica, o que
auxilia o desenvolvimento de competências no ensino de Ciências.
Em relação às analogias, Galagovsky e Adúriz-Bravo (2001) e Oliva et al.
(2003) apontam algumas questões que podem dificultar o seu trabalho no ensino-
aprendizagem em Ciências:
– muitas vezes o análogo torna-se mais difícil que o conceito alvo, des-
motivando o aluno a utilizar a analogia. Por exemplo, para a compreensão do
sistema circulatório, fazer a analogia com um circuito elétrico pode trazer limi-
tações se os alunos não tiverem um entendimento do último;
– algumas vezes, as analogias apresentam-se como algo “pronto e acaba-
do”, limitando-se a um processo de mera transmissão e recepção passiva por parte
dos alunos, não se avaliando o processo de construção destas. No caso, por exem-
plo, da analogia do movimento das moléculas de um gás com o movimento das
bolhas de bilhar, podem ser discutidos os aspectos semelhantes, como o movimento
das bolhas de bilhar em linha reta, nas laterais e a colisão das bolas entre si; por
outro lado, deve ser salientado que, após um certo tempo, as bolas de bilhar cessam
seu movimento enquanto que as moléculas de gás não;
– a aprendizagem da analogia é concebida como um fim em si mesmo e
não como um subsídio na construção de modelos, não se apresentando as fragili-
262
dades e limitações desta, o que pode levar os alunos a confundir referente e análogo.
No estudo do equilíbrio químico, normalmente, a analogia é feita com um equilí-
brio de forças, sem que seja discutido que no caso do sistema químico temos um
equilíbrio dinâmico.
A utilização de analogias no ensino-aprendizagem de Ciências, como já
citado anteriormente, permite que se trabalhe inicialmente com os alunos no nível
do pensamento operatório concreto até desenvolver o pensamento operatório formal
hipotético-dedutivo, porém é necessária uma postura crítica ao se trabalhar com
este tipo de recurso, pois as analogias muitas vezes podem ser elaboradas a partir
do conhecimento do senso comum dos alunos e, de acordo com Bachelard (1996),
os hábitos intelectuais arraigados no conhecimento não questionado bloqueiam o
processo de construção do novo conhecimento, constituindo assim verdadeiros
obstáculos epistemológicos.
Ainda, segundo esse autor, a evolução da ciência é dificultada por esses
obstáculos; para conseguir superá-los, são necessários atos epistemológicos, quer
dizer, deve haver uma ruptura com os conhecimentos anteriores, seguida de uma
reestruturação.
As considerações feitas anteriormente remetem à necessidade de que as
analogias sejam trabalhadas, em uma fase inicial, como subsídio à construção do
conhecimento científico, mas que sejam apresentadas as diferenças e limitações
destas em relação ao referente, de modo a não ratificar conhecimentos do senso
comum que podem dificultar a construção do conhecimento científico.
A aprendizagem por modelos apresenta dificuldades e entraves quando
vivenciada no cotidiano das aulas de ciências, porém como diversos pesquisadores
da didática das ciências, reconhecemos a importância desse enfoque na construção
de conceitos, procedimentos e atitudes que podem ser mobilizados por nossos alu-
nos em situações complexas do cotidiano que exijam o conhecimento científico.
Referências
263
IZQUIERDO, M.; SANMARTÍ, N.; ESPINET, M. Fundamentación y diseño de las
prácticas escolares de ciencias experimentales. Enseñanza de las Ciencias, Barcelona,
v. 17, n. 91, p.45-49, 1999.
JUSTI, R. S.; GILBERT, J. History and philosophy of science through models: some
challengs in the case “ of atom”. International Journal Science Educational, Hampshire,
v. 22, n. 9, p. 993-1009, 2000.
MILAGRES, V. S. O.; JUSTI, R. S. Modelos de ensino de equilíbrio. Química Nova na
Escola, São Paulo, n 13, p.41-46, 2001.
MONTEIRO, I. G.; JUSTI, R. S. Analogias em livros didáticos de química brasileiros
destinados ao ensino médio. Investigação em ensino de Ciências, Porto Alegre, v. 5, n.
2, p.1-29, 2000.
MORTIMER, E. F. e MIRANDA, L. C. Transformações: concepções de estudantes sobre
as reações químicas. Química Nova na Escola, São Paulo, n. 2, p. 23-26, 1995.
OLIVA, J. Mª et al. Una propuesta didáctica basada en la investigación para el uso de
analogías en la enseñanza de las ciencias. Enseñanza de las Ciencias, Barcelona, v.19,
n. 3, p.453-470, 2001a.
OLIVA J. Mª et al. Cambiando las concepciones y creencias del profesorado de ciencias
en torno al uso de analogías. Revista Electrónica Interuniversitaria de Formación del
Profesorado, Zaragoza, v. 4., n. 1, 2001b. Disponível em: <http://www.aufop.org/publica/
reifp/01v4n1.asp> Acesso em 15 jul. 2003.
OLIVA, J. Mª . Rutinas y guiones del profesorado de ciencias ante el uso de analogías
como recurso de aula. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Ourense, v. 2,
n. 1, 2003. Disponível em: http://www.saum.uvigo.es/reec/volumenes/volumen2/
Numero1/Art2.pdf, 15 jul. 2004.
POZO, J. I. e CRESPO, M. A. G. Aprender y enseñar ciencias. Madrid: Morata, 1998.
RODRÍGUEZ, G. P.; LEÓN, I. N. Metodología de la investigación pedagógica y
psicológica. La Habana: Pueblo y Educación, 1983.
SEPEL, L. M. N.; LORETO, E. L. S. Relação entre membrana plasmática e citoesqueleto
na forma celular: um estudo com modelos. Revista Brasileira de ensino de bioquímica
e Biologia Molecular. São Paulo, 2003. Disponível em <http://www.sbbq.org.br/revista/
artigo.php?artigoid=41> Acesso em: 06 ago. 2003.
264
ENSINO POR PROJETOS: UMA ALTERNATIVA
PARA A CONSTRUÇÃO DE COMPETÊNCIAS NO ALUNO
Introdução
265
A proposta de Tema Gerador surge fundamentada na pedagogia de Paulo
Freire, tendo como fonte principal as proposições de Pedagogia do Oprimido. Os
temas geradores foram idealizados como um objeto de estudo que envolve o fazer
e o pensar, o agir e o refletir, a teoria e a prática, tendo como pressuposto o estudo
da realidade, onde emerge um conjunto de relações entre situações significativas
individuais, sociais e históricos.
Os temas geradores têm como princípios básicos:
· uma visão de totalidade e abrangência da realidade;
· a superação do conhecimento no nível do senso comum;
· a adoção do diálogo como sua essência;
· a exigência de uma postura crítica e problematizadora
por parte do educador;
· a participação e a discussão no grupo.
É nesse contexto que a discussão sobre projetos de trabalho, como estratégia
de ensino e aprendizagem, hoje, se coloca; o que significa dizer que esta é uma
discussão sobre uma determinada concepção e postura pedagógicas e não apenas
sobre uma técnica de ensino mais atrativa para os alunos.
Na busca de uma concepção de educação como um processo de vida, surgem,
já no início do século XX, com John Dewey, Kilpatrick e outros representantes da
chamada “Pedagogia Ativa”, estudos relevantes sobre projetos para o ensino, que
motivam os alunos a partir de uma tarefa prática relacionada com sua vida. No
final do referido século, esse estudo ganha força com as mudanças da conjuntura
mundial, com a globalização da economia e a informatização dos meios de
comunicação, pois essas mudanças têm trazido uma série de reflexões sobre o
papel da escola dentro desse novo modelo de sociedade.
A natureza, os fundamentos e a relevância
dos projetos de trabalho
Ao incentivar o ensino por meio de projetos de trabalho, as relações entre
conteúdos e áreas de conhecimento são efetivadas por meio de diferentes atividades
a serem desenvolvidas. Projetos de ensino são propostas pedagógicas disciplinares
ou interdisciplinares, compostas de atividades a serem executadas por alunos, sob
a orientação do professor, destinadas a criar situações de aprendizagem mais
dinâmicas e efetivas, atreladas às preocupações da vida dos alunos pelo ques-
tionamento e pela reflexão, na perspectiva da construção do conhecimento e da
formação para a cidadania e para o mundo do trabalho.
Ao desenvolver o ensino por projetos, podemos partir de temas ou proble-
mas que passam a ser objetos de estudo ou objetos de conhecimento de vários
campos disciplinares. Portanto, ao enfocar um problema, podemos não nos restrin-
gir a um campo disciplinar. Como resolver os problemas das grandes cidades, por
exemplo, se os considerarmos apenas problema de urbanistas?
266
Na visão de Garcia e Alves (2001, p.94), “se os problemas dos microcon-
textos e macrocontextos eram tão complexos, inevitável foi a busca de um diá-
logo entre as disciplinas e mais, de um rompimento das fronteiras disciplinares”.
Os Projetos de Trabalho são efetivamente uma possibilidade didático-pedagógica
de conceber e desenvolver o trabalho escolar numa ótica interdisciplinar. É im-
portante frisar que um projeto não necessariamente precisa ser interdisciplinar.
Muitos professores utilizam essa abordagem isoladamente, referente apenas à sua
disciplina e ao seu conteúdo; nem por isso deixam de ser projetos.
A esse respeito, no Brasil, os Referenciais Curriculares para o Ensino Médio
têm proposto ao conjunto dos professores a abordagem interdisciplinar no trata-
mento dos conteúdos e como eixo do currículo. Por outro lado, observa-se uma
escassez de material de pesquisa com este fim. É rico o material de pesquisa aca-
dêmica sobre a interdisciplinaridade que atende de maneira satisfatória o ensino
superior, porém, essa produção não tem se refletido de forma efetiva nos profes-
sores do ensino fundamental e médio.
A tônica do trabalho interdisciplinar é a integração das diferentes áreas do
conhecimento, um efetivo trabalho de cooperação e troca, aberto ao diálogo e ao
planejamento. As diferentes disciplinas não se apresentam fragmentadas e compar-
timentadas, sendo necessário um trabalho de coordenação que integre objetivos,
atividades e procedimentos. Nesse tipo de abordagem, há, na nossa visão, um
campo mais fértil para se desenvolver os conteúdos conceituais, procedimentais
e atitudinais.
Além disso, nos projetos interdisciplinares, abrem-se outras possibilidades
de acesso à pesquisa. O aluno, à medida que percebe as relações existentes entre as
diferentes disciplinas, motiva-se em buscar novos conhecimentos sobre um tema,
problema ou questão, uma vez que todas as disciplinas contribuem e, assim, ele
pode receber orientações e desafios para a pesquisa de vários professores.
Um projeto é uma ação intencional, um plano de trabalho, um conjunto de
tarefas, com um sentido explícito, com um compromisso definido. Busca um rumo,
uma direção, um fim determinado, a solução de um ou mais problemas identificados.
Nesse sentido, é preciso que o trabalho que se realiza na sala de aula contribua
para a construção de competências, habilidades, e atitudes nos alunos, necessárias
à sua participação na sociedade e no mundo do trabalho, de forma mais construtiva,
crítica e socialmente responsável. No espaço escolar, o ensino por projeto constitui-
se em um dos caminhos adequados para o alcance desses objetivos. Essa estratégia
é uma das possibilidades, dentro do sistema de métodos e recursos utilizado, para
facilitar a aprendizagem dos alunos.
O trabalho com projetos requer uma definição de mundo e de mudança de
postura pedagógica, pois não é apenas uma técnica de ensino mais atrativa para os
alunos, mas tem por objetivo aproximar a escola o mais possível da realidade do
aluno. Para Hernández (1998a, p.16),
[...] esse processo é o que, com nomes diferentes, preocupa, na
267
atualidade, àqueles que consideram que se deva repensar e reinventar
a escola se quisermos oferecer possibilidades de construção da pró-
pria identidade como sujeitos históricos e como cidadãos (e não só de
aprender conteúdos). Uma construção que tem presente as relações
que os indivíduos estabelecem com as diferentes experiências cultu-
rais e, em especial, com os conhecimentos que podem ter relevância
para eles e elas, numa época em mudança, como a que estamos vivendo.
Sem esquecer que a Escola, se reinventada, pode favorecer que as
pessoas sofram diferentes formas de exclusão e discriminação, encon-
trem um “lugar” a partir do qual possam escrever sua própria história.
O trabalho com projetos pode fazer a escola ir além de seus muros e criar
pontes entre os conteúdos estudados e o meio físico e social, propiciando uma
melhor compreensão da historicidade do nosso tempo e a formação de pessoas
conscientes de seu papel como construtores da história. É uma proposta de
intervenção pedagógica que dá à atividade de aprender um sentido novo, no qual
as necessidades de aprendizagem afloram na tentativa de resolver situações-
problema e de utilizar e desenvolver a criatividade, a partir da compreensão de que
268
Os projetos de trabalho têm a função de tornar a aprendizagem ativa, cria-
tiva, interessante, significativa e atrativa para o aluno. Dessa forma, um projeto
supera em muito os conhecimentos que poderiam ser adquiridos somente por
meio de aulas expositivas, pois nele os alunos buscam os conhecimentos pelas ne-
cessidades e por interesses individuais e do grupo no contexto no qual estão inseridos.
Os projetos são uma estratégia para se aprender a trabalhar em grupo, para se
cultivar ou construir valores, o respeito pelos outros, etc. Essas idéias são reforça-
das a partir da Psicologia da Criatividade que mostra a importância da aprendi-
zagem entre pares, de forma colaborativa associada à criatividade do grupo.
269
O professor, então, não é um simples transmissor de conhecimentos, é um
educador. A concepção globalizante permite ao aluno analisar os problemas, as
situações, utilizando os acontecimentos que podem ser trabalhados no seu contexto
e a partir de suas experiências.
Segundo Hernández (1998a, p. 66), “os projetos de trabalho tratam de ensi-
nar ao aluno a aprender, a encontrar o nexo, a estrutura, o problema que vincula a
informação e que permite aprender”. Além disso, é uma atividade que possibi-
lita ao aluno aprender a trabalhar em grupo e estabelecer uma relação dialógica
com o outro, pois
se é competência essencial para a escola preparar o aluno para ser
cidadão, se integrar a outros, descobrir e valorizar equipes, se organizar
em grupos também o é o exercício integral do diálogo, a aprendizagem
coerente dos debates coletivos (Antunes, 2001, p.31).
270
Aprendizagem
significativa, com base no
que os alunos já sabem
Projetos de
Trabalho
Sentido de funcionalidade
do que aprender
271
h) questiona a idéia de que se deva ensinar das partes ao todo, e que, com o
tempo, “o aluno estabeleça relações”.
Os projetos aparecem como um veículo para melhorar o ensino e como
distintivo de uma escola que opta pela atualização de seus conteúdos e pela
adequação às necessidades dos alunos e dos setores aos quais cada instituição se
vincula. O trabalho com projetos vai além da “interdisciplinaridade”; na verdade,
é um trabalho global, em que os saberes são construídos e sistematizados no pro-
cesso de solução dos problemas aos quais se vincula o projeto.
Os conteúdos que vão ser explorados dependem da natureza dos problemas
e das questões surgidas no desenvolvimento do projeto. Quanto ao tempo provável
de duração, este é variado, podendo ser de horas, dias ou meses, dependendo da
complexidade do projeto.
Na organização de um projeto, é essencial refletir sobre quem são os alunos.
Então é necessário fazer a caracterização da turma, levantando pontos, tais como
faixa etária, origem, profissão, situação de vida e aprendizagem. Outras questões
são também fundamentais: que objetivos temos propostos para eles, considerando
a realidade de suas condições de vida, necessidades atuais e perspectivas? O traba-
lho que desenvolvemos no dia-a-dia da sala de aula está contribuindo para formar
que tipo de homem, mundo e sociedade? O que estamos ensinando tem contribuído
para que os alunos compreendam o mundo em que vivem? Os conteúdos curricula-
res que trabalhamos ajudam os alunos a assumir um posicionamento frente a eles
como indivíduos e cidadãos? Esse perfil já vai indicar pontos para a escolha do
tema e dos problemas.
Ao se pensar no desenvolvimento de um projeto, a primeira questão colo-
cada diz respeito a como surge esse projeto e, principalmente, a quem propõe os
temas/problemas para este. Diante dessa questão, surgem posições diferenciadas.
Alguns profissionais defendem a posição de que o projeto deve partir, necessa-
riamente, dos alunos, pois, se não, ele seria imposto. Outros defendem a idéia de
que os referidos temas devem ser propostos pelo professor, de acordo com a sua
intenção educativa, pois, de outra forma, se cairia em uma postura espontaneísta.
O que se desconsidera, nessa polêmica, é o ponto central da Pedagogia de Projetos:
o envolvimento de todo o grupo no processo. Um tema pode surgir dos alunos, mas
isso não garante uma efetiva participação destes no desenvolvimento do projeto.
O que caracteriza o trabalho com projetos não é a origem do tema, mas o
tratamento dado a esse tema, no sentido de torná-lo uma questão do grupo como
um todo e não apenas de alguns alunos ou do professor (Araújo, 1999). Portanto,
os problemas ou temáticas podem surgir de um aluno em particular, de um grupo
de alunos, da turma, do professor ou da própria conjuntura. O que se faz necessário
garantir é que esse problema passe a ser de todos, com um envolvimento efetivo
na definição dos objetivos e das etapas para alcançá-los, na participação nas
atividades vivenciadas e no processo de avaliação.
Assim, a escolha é diferente em cada nível de escolaridade em que os alunos
272
se encontram. O professor deve pensar os seus objetivos educacionais e as
necessidades da turma, baseando-se nesses aspectos para direcionar os interesses e
as necessidades dos alunos para a montagem e desenvolvimento do projeto. A
escolha pode partir de um outro projeto que foi realizado ou de um conteúdo
trabalhado em sala.
No desenvolvimento de um projeto de trabalho, existem “fases” ou “etapas”
que devem ser cumpridas. Estas, no entanto, não devem ser rígidas e devem de-
pender do desenrolar dos trabalhos. Contudo, todo projeto, assim como todas as
atividades educativas, deve ser planejado seguindo etapas determinadas como mos-
tra o Esquema 02.
FASES DE UM PROJETO
PROBLEMATIZAÇÃO
(Questões de estudo e problemas levantados)
DESENVOLVIMENTO
(Planejamento e execução de atividades)
CONCLUSÃO
(Avaliação dos conhecimentos construídos dos
procedimentos utilizados e das respostas aos
problemas)
273
los. A necessidade e a importância da solução de problemas como conteúdo
curricular da Educação Básica é amplamente reconhecida. Assim, ao final da
Educação Básica, e, portanto do Ensino Médio, deve-se contribuir para a constru-
ção de competências nos alunos, ajudando-os a elaborarem e desenvolverem
estratégias pessoais e coletivas de identificação e de solução de problemas nas
principais áreas de conhecimento para aplicá-las em situações da vida cotidiana.
Nesse sentido, “problema” é entendido como uma situação que um indiví-
duo ou um grupo quer ou precisa resolver e para a qual não dispõe de um caminho
rápido e direto que leve à solução (Pozo, 1998). Uma situação somente pode ser
concebida como um problema na medida em que exista um reconhecimento dela
como tal, e na medida em que não dispomos de procedimentos automáticos que
nos ajudem a solucioná-la de forma imediata, sem exigir um processo de reflexão
ou uma tomada de decisões sobre a estratégia a ser seguida.
Por essa ótica, pudemos identificar diferenças entre um “problema” e um
“exercício”. A realização de exercício se baseia no uso de habilidades ou técnicas
em forma de rotinas automatizadas como conseqüência de prática contínua. Dizemos
que há um problema quando uma situação considerada nova ou diferente do que já
foi aprendido se apresenta, e requer a utilização de estratégias de resoluções. Em
geral, não é possível definir se uma determinada tarefa escolar é um exercício ou
um problema. Isso depende não somente da experiência e dos conhecimentos prévios
de quem a executa, mas também dos objetivos que estabelece enquanto a realiza.
Nesse sentido, é importante estabelecer diferenças entre problemas verdadei-
ros e falsos problemas (exercícios). O Quadro 01 abaixo apresenta de forma resumida
as diferenças básicas entre falsos problemas e problemas verdadeiros.
Problemas
Falsos Verdadeiros
274
Transformar exercícios (problemas falsos) em problemas verdadeiros é
um procedimento didático que não apresenta maiores dificuldades para o professor.
O Quadro 02 apresenta alguns exemplos.
Exercícios Problemas
Qual é o custo para trocar a cerâmica Qual é o custo para trocar a cerâmica
do piso de uma sala de aula cuja do piso de uma sala de aula?
superfície é de 56m 2, sabendo que
cada cerâmica possui 600cm2 e que
uma cerâmica custa R$ 1,20?
Dessa forma, o trabalho por projetos é uma estratégia adequada para aju-
dar os alunos a resolver problemas. Lembramos que essa estratégia aparece como
proposta pedagógica nos Referenciais Curriculares para o Ensino Médio.
O desenvolvimento é conseqüência da primeira fase: surge a necessidade de
se planejarem as estratégias mais adequadas para se procurar as respostas para as
questões propostas pelo grupo. Também nessa fase, a participação plena dos alunos
é fundamental, tanto no planejamento quanto na execução das atividades. Podem
ser planejadas e desenvolvidas pelos alunos diferentes estratégias: excursões,
entrevistas, debates, pesquisas bibliográficas, pesquisas de campo, entre outras,
sob a orientação do professor.
É a oportunidade para o desenvolvimento dos conhecimentos dos alunos
e, sobretudo, de habilidades de entrevistar pessoas; falar em público; calcular
distâncias e/ou índices; ler mapas; desenhar plantas; colecionar espécimes de
plantas e/ou pedras e/ou insetos, etc. É também a oportunidade de ampliação do
espaço de aprendizagem que pode se estender à vizinhança, às ruas, aos par-
ques, às praças, às fábricas, aos museus, enfim, à comunidade. É muito impor-
tante que o professor tenha em mente o desenvolvimento das habilidades de
observação, de registro e análise dentre outras por parte dos alunos no desen-
volvimento da execução do projeto.
A síntese ou conclusão é o fechamento do projeto e não começa exata-
mente ao final dele: vem sendo prevista e preparada desde o planejamento e o
275
desenvolvimento, com a previsão, organização e sumarização das informações
coletadas. Nesse momento, particularmente, tudo é submetido a uma síntese das
avaliações realizadas durante o processo. Avaliam-se os conhecimentos adqui-
ridos, os procedimentos utilizados, as atitudes evidenciadas. Avalia-se, sobre-
tudo, se as questões levantadas inicialmente foram resolvidas e em que nível,
uma vez que nem sempre após o desenvolvimento do projeto se chega a uma so-
lução satisfatória para o problema. Essa constatação pode levar a rever todos os
procedimentos utilizados no processo de solução do problema.
Dependendo da natureza do projeto, nessa fase, tornam-se possíveis: a
realização de exposições dos materiais coletados, a confecção de painéis, drama-
tizações, ou simples comemorações ou inaugurações festivas (inauguração de
uma biblioteca da classe, por exemplo). As questões levantadas inicialmente são
analisadas e, muitas vezes, constata-se a necessidade de ir adiante a partir do
levantamento de novos problemas. O papel do professor (mediador) é o de ofe-
recer subsídios, para que o aluno parta do que ele já sabe para chegar a novos
saberes e desenvolver outras atitudes e valores.
O professor também constrói o conhecimento com o aluno, cabendo-lhe, ainda,
orientar todas as fases do projeto, esclarecendo dúvidas, sugerindo as melhores
estratégias para o desenvolvimento das atividades, procurando a participação de
todos, na busca da construção do conhecimento para que os alunos tenham possi-
bilidades e autonomia e aprendam a aprender, pois segundo Zabala (1998, p.102),
o crescimento dos alunos implica como objetivo último serem autô-
nomos para atuar de maneira competente nos diversos contextos em
que haverão de se desenvolver. Impulsionar esta autonomia significa
tê-la presente em todas e cada uma das propostas educativas para serem
capazes de utilizar, sem ajuda, os conhecimentos adquiridos em situa-
ções diferentes daquela em que foram aprendidos.
276
crítica na realidade. Isso não é uma tarefa fácil. Mas uma educação comprometida
com as transformações sociais tem que estar sempre buscando caminhos para
transpor os obstáculos que aparecem.
Na elaboração de um projeto de trabalho, devem ser observados os aspectos
do Quadro 03.
Metodologia Como?
Explicitar o encaminhamento teórico-meto-
dológico, as fontes que serão investigadas e
os caminhos que serão percorridos no desen-
volvimento do projeto.
277
É importante evidenciar que no cronograma de execução e na metodolo-
gia do trabalho sejam previstos momentos para o registro das atividades em forma
de relatórios parciais e final. O relatório se constitui em um instrumento de apresen-
tação e sistematização dos resultados do projeto e pode conter em sua estrutura
quatro elementos básicos: apresentação, introdução, desenvolvimento e conclusão.
Na fase de execução do projeto, é importante que se considerem os aspectos
do Quadro 04.
278
O tema escolhido Trabalho e Comunidade é, obviamente, uma particula-
ridade da comunidade na qual a escola está inserida. Assim, é fundamental regis-
trar que o “trabalho” como prática social se constitui em um importante núcleo de
interesse para os alunos e para a referida comunidade.
A partir desse tema, foram levantadas e identificadas questões relacionadas
ao emprego, subemprego, salário e trabalho. Inicialmente, foram levantados alguns
questionamentos para diagnosticar aquilo que os alunos sabem e gostariam de
saber sobre o tema definido com eles em forma de problemas.
Foram feitas perguntas, tais como: por que devemos trabalhar? Qual é a
relação entre trabalho e profissão? Que deveres legais tem o trabalhador? As
respostas dos alunos, ao mesmo tempo em que foram hipóteses formuladas por
eles sobre as causas dos problemas, revelaram os saberes prévios que já possuíam
sobre o assunto. Essas questões conduziram professores e alunos para a definição
do seguinte problema: que tipo de relações podemos estabelecer entre trabalho e
salário? Esta etapa do trabalho correspondeu ao momento da problematização
que, como já mencionamos, foi o detonador do projeto.
Para justificar o estudo, foram elencadas as seguintes razões:
· para que os alunos conhecessem melhor o significado do trabalho na co-
munidade e para que pudessem refletir sobre os problemas relacionados a ele;
· para que assimilassem alguns conceitos mais completos do que seus próprios
conhecimentos prévios;
· para que investigassem e buscassem conhecimentos envolvidos no problema;
· para que pudessem apresentar possíveis soluções para o problema.
Para o projeto, foram definidos os seguintes objetivos:
· aprofundar o conhecimento da realidade que vivem quanto ao trabalho;
· oportunizar momentos para que se pense na solução de problemas desse
tipo.
Na etapa seguinte, os alunos foram divididos em equipes e receberam
informações gerais sobre o referido tema/problema e sobre como eles deveriam
organizar essa fase do projeto, sendo sua execução feita de acordo com um roteiro.
Este foi o momento no qual os alunos realizaram suas investigações e coletaram
informações sobre o tema. Para tanto, foram desenvolvidas as seguintes atividades:
· leitura em revistas e livros. Nessa atividade, os alunos tiveram a opor-
tunidade de estudar sobre a origem do salário e os diversos tipos de profissão;
· pesquisa na internet. Nessa atividade, os alunos levantaram informações
sobre a cesta básica, observando sua variação no semestre e estabelecendo uma
relação entre o valor da cesta básica em reais e o valor do salário mínimo;
· aulas expositivas dos professores das diferentes áreas do conhecimento,
com o intuito de discutir e sistematizar informações e possibilitar a construção de
novas aprendizagens sobre o tema problema;
279
· visita dos alunos ao Departamento Intersindical de Estudos Estatísticos –
DIEESE com a finalidade de coletar informações sobre a variação do salário mínimo
no semestre;
· elaboração de cartazes e álbum seriado pelos alunos para organizar e sis-
tematizar as informações;
· organização de uma peça teatral (dramatização), sob a orientação de dois
professores, que focalizou a relação trabalho-salário;
· observação das modalidades de trabalho existentes na comunidade.
A partir dos dados obtidos, os alunos fizeram comentários, discutiram entre
si e elaboraram textos sobre as modalidades de trabalho existentes na comuni-
dade, ao mesmo tempo em que compararam seu conhecimento anterior com sabe-
res construídos a partir das informações coletadas. Com relação às causas dos
problemas relacionados ao trabalho e suas conseqüências para as pessoas da co-
munidade, os alunos perceberam a relação de exploração e de injustiça na maio-
ria das relações sociais inerentes ao trabalho, posto que, em geral, o salário não
corresponde ao trabalho realizado, bem como ressaltaram a importância deste
para a vida em sociedade.
Nessa etapa do projeto (desenvolvimento), os professores de cada área
apresentaram diferentes contribuições, como mostramos no Esquema 03.
Português: produção de
textos e elaboração de
cartazes
Contribuição
das
disciplinas
Artes: elaboração de
cartazes organização e História: história do bairro
encenação de uma peça
de teatro
280
Em Português, os alunos trabalharam com produção de textos e elaboração
de cartazes. Na disciplina Matemática, foram elaborados gráficos de segmento e
de setor, para posterior interpretação das informações. Na área de História, foi
focalizada a história do bairro, observando mudanças do tipo de trabalho realizado
pelas pessoas. Em Artes, foram confeccionados cartazes, e foi encenada uma peça
de teatro. Já em Biologia, os alunos pesquisaram sobre o potencial energético
oriundo dos alimentos que compõem a cesta básica. Nesse tipo de atividade, os
professores trabalharam de forma coletiva, numa perspectiva interdisciplinar.
Na etapa final do projeto (síntese/conclusão), ocorreu uma exposição na
escola, na qual os alunos apresentaram toda sua produção, culminando com uma
palestra sobre o tema e a encenação da peça, revelando-se por essas atividades os
saberes construídos. Na avaliação do trabalho, percebemos o desempenho das
equipes na pesquisa e busca do conhecimento, observamos o aumento da auto-
estima e a integração das diferentes séries, bem como a construção do conhecimento
a partir da prática.
As etapas propostas para a organização e execução do projeto (problema-
tização, desenvolvimento, conclusão ou síntese) foram consideradas neste exem-
plo concreto. Isso significa que no espaço da sala de aula, e a partir de problemas
identificados e discutidos com os alunos, é possível fazer um trabalho com esse
tipo de abordagem, que ajuda os alunos a construírem saberes, desenvolverem
habilidades e atitudes, bem como a resolverem problemas para integrá-los como
recursos na formação de competências.
Considerações finais
281
princípios norteadores nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.
Os projetos, em determinados contextos educativos, podem ser desen-
volvidos de forma interdisciplinar. Por exemplo, um projeto que apresente como
eixo temático A Terra, ou O Consumo de Água no Planeta ou outros temas
mais gerais envolve naturalmente a Geografia e a História, e, seguramente, as
Ciências (na análise dos elementos constituintes do planeta, como o solo, o ar, a
água e a biosfera). Mas também envolve a Língua Pátria, sua síntese em uma
Língua Estrangeira, a Matemática (no estudo da esfera e nos cálculos e outras
operações que abarcam as formas geométricas presentes no planeta, bem como
o tratamento estatístico que o tema possibilita) além de diversas outras áreas
de estudo.
Entendemos que a forma mais adequada de se estudar projetos é tomá-
los como um método a mais no sistema de métodos e dos elementos sistemáticos
de uma ou de algumas disciplinas. Além disso, os projetos devem refletir o que
está posto e definido no Projeto Pedagógico da Escola, não sendo, portanto, um
conjunto de atividades isoladas na implementação do currículo escolar. Tendo
como principal finalidade a resolução de problemas pelos alunos, é um instru-
mento importante para explorar conceitos, procedimentos, atitudes e valores
por meio de atividades intra e extracurriculares.
Os defensores do emprego de projetos como complemento de um processo
de instrução sistemática destacam que essas investigações complementam os
objetivos da referida instrução.
Apesar do lugar importante que esta abordagem metodológica ocupa no
currículo escolar, é importante evidenciar que, assim como outras alternativas,
apresenta limitações. Ao se trabalhar por projetos, os alunos são estimulados e
orientados a buscarem seu próprio conhecimento, o que implica um processo de
sistematização, apropriação e aplicação, até certo ponto difuso. É importante re-
fletir, por exemplo, sobre a possibilidade que os alunos têm de estabelecer rela-
ções significativas entre os conceitos, procedimentos e atitudes que, embora se
apresentem como próximos, são na verdade diferentes, o que implica obstáculos,
por exemplo, para o processo de sistematização do conhecimento pelos alunos.
Referências
282
mais curto para o saber. Amae Educando, Belo Horizonte, set/1997.
CAMPOS, Maria, C.R.; NIGRO, Rogério, G. Didática de ciências: o ensino-aprendi-
zagem como investigação. São Paulo: FTD, 1999. (Coleção conteúdo e metodologia –
ciências.
COMO montar um projeto. Disponível em: <http://www.klickeducacao. com.br>. Acesso
em: 14.nov.2000.
FARIA, Cristina; MORAES, Roque. Febre: alunos investigam, relatam e divulgam
casos ocorridos nas famílias. Revista do Professor, Porto Alegre, v.1., n.2, p.17-20,
set/2001.
GARCIA, R.L.; ALVES, N.. Atravessando fronteiras e descobrindo (mais uma vez) a
complexidade do mundo. In: ALVES, N.; GARCIA, R.L. (Orgs.). O sentido da escola.
Rio de Janeiro: DP & A, 2001. Cap.5.
GOTAS de esperança. Disponível em: <http://www.klickeducacao.com.br>. Acesso em:
12.nov.2000.
HERNÁNDEZ, F. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho.
Porto Alegre: Artmed, 1998a.
_________.Os Projetos de Trabalho e a necessidade de transformar a escola. Presença
Pedagógica, Belo Horizonte, V. 4. n.20, p.55-58, mar./abr. 1998b.
_________. Repensar a função da escola a partir dos projetos de trabalho. Revista Pátio,
Porto Alegre, ano 2, n.6, p.26-31, ago/out. 1998c.
NOGUEIRA, Nilbo Ribeiro. Pedagogia de projetos: uma jornada interdisciplinar rumo
ao desenvolvimento das múltiplas inteligências. 3.ed. São Paulo: Érica, 2003.
PERRENOUD, Philippe. Construir as competências desde a escola. Tradução de Bruno
Charles Magne. Porto Alegre: Artmed, 1999.
POZO, J.I. (Org.). A solução de problemas: aprender a resolver, resolver para aprender.
Porto Alegre: Artmed, 1998.
VERGANI, Teresa. A surpresa do mundo: ensaios sobre cognição, cultura e educação.
Natal: Flecha do Tempo, 2003.
ZABALA, A. A Prática Educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.
283
A HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA MATEMÁTICA
NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Mário Schenberg
Introdução
Neste capítulo, pretendemos discutir certos aspectos do papel que pode ser
atribuído à história da Ciência e da Matemática na formação de professores do
Ensino Básico, em geral, e do Ensino Médio, em particular. Para tal, iniciaremos
esclarecendo a partir de quais referenciais estamos abordando a formação de
professores (uma vez que os paradigmas que a fundamentam têm sofrido alterações
nas últimas décadas) e como entendemos a inserção da história da ciência e da
matemática nessa formação.
Entre as décadas de 70 e 90 do século passado, o foco da formação docente
recaía sobre o treinamento, a reciclagem ou a atualização de professores. Nesse
processo, os docentes, do que hoje denominamos por Ensino Básico, recebiam
“receitas de como ensinar bem”, desenvolvidas por pesquisadores que elaboravam
teorias, muitas vezes, desvinculadas da prática daqueles docentes. A partir da década
de 90, intensificaram-se os projetos de formação nos quais os professores do Ensino
Básico não eram considerados meros receptores do conhecimento organizado pelos
“especialistas” das universidades, mas se tornaram parceiros/colaboradores destes
últimos, pesquisando sua própria prática a partir de sua realidade escolar e se
constituindo sujeitos de conhecimento (Ferreira, 2003; Geraldi; Fiorentini, 2001).
Podemos exemplificar essa nova tendência com a experiência desenvolvida por
Lopes, Krüger e Del-Pino do Instituto de Química da UFRGS, realizada em 1995,
em formação inicial e continuada de professores, na qual se pretendia:
284
oportunizar aos professores de Ciências e Matemática uma reflexão
sobre sua prática docente, uma reconstrução de conhecimentos e uma
discussão metodológica que os habilitem a uma reorganização curri-
cular inserida na realidade em que atuam (Lopes; Kruger; Del-Pino,
2000, p.214).
285
dos professores, uma vez que possibilita reflexões sobre:
· a orientação das escolhas e decisões metodológicas e didáticas, por meio
da análise de pressupostos epistemológicos, teleológicos e axiológicos de tais
escolhas;
· os fundamentos dos conteúdos científicos e matemáticos básicos presentes
em sua prática docente;
· a possibilidade de articular seu trabalho em ensino de ciências naturais e
de matemática com as contribuições de outras áreas do conhecimento;
· a existência da diversidade cultural no que se refere à produção do
conhecimento;
· as potencialidades e limites da produção de atividades e outros recursos
que envolvam a história da ciência e da matemática para utilização didática.
A seguir, vamos expor alguns exemplos de como a História da Ciência e da
Matemática pode colaborar nessas reflexões.
1
School Mathematics Study Group. Grupo de estudo organizado nos Estados Unidos, no final da
década de 1950, para elaborar um currículo para o ensino de matemática.
2
Physical Science Study Committee.
286
cunho pedagógico – objetivos e metodologias – com o conteúdo específico a ser
ensinado. Enquanto isso, o PSSC hierarquizava e compartimentalizava os conteúdos,
procurando enfatizar o caráter experimental da Física. Ao apresentar a ciência com
um saber acabado e claro, isentava-a de questionamentos históricos, filosóficos ou
mesmo metodológicos, o que era considerado adequado para atrair jovens para car-
reiras científicas. Mas sua aplicação também não obteve resultados satisfatórios.
Esse projeto fez parte de um contexto, cuja compreensão ajudaria a avaliar certas
tendências que permanecem nos currículos e livros atuais de Física.
287
a formação inicial pouco contribui com “referenciais” para uma
base de conhecimento da docência como profissão, e o aprender a
ensinar Química é algo que os professores, quando iniciam o exer-
cício da profissão, devem fazer a partir de suas limitadas experiên-
cias de ensino. Os cursos de formação continuam “fornecendo recei-
tas de como fazer”, sem considerar as peculiaridades da formação
continuada, desconsiderando o professor como ator do processo de
construção de saberes de sua profissão e os contextos reais da prática
profissional.
288
3. Reflexão sobre as possibilidades de articular o ensino
de Ciências Naturais e de Matemática com as outras áreas
do conhecimento
289
ou falsos conhecimentos quando inseridos no contexto escolar. O segundo leva o
ensino a desconsiderar como conhecimento válido qualquer um – tais como os das
sociedades indígenas – que seja produzido por outras sociedades que não seguem
o padrão de organização ditado pela colonização européia. Esses fatos têm difi-
cultado a aprendizagem dos alunos, pois, muitas vezes, possuem conhecimentos
advindos de sua experiência de vida, válidos em situações extra-escolares e que
são tidos como infundados ou simplesmente são desconsiderados por parte dos
professores no processo de ensino e aprendizagem. Nesses casos, a aprendiza-
gem acaba caracterizando-se apenas como uma “sobreposição” de conheci-
mentos, ou seja, o aluno responde nas avaliações o que sabe que o professor quer
como resposta, mas fora dessa situação continua utilizando e/ou acreditando apenas
em seus conhecimentos advindos da prática extra-escolar.
A história da Ciência e da Matemática, além de levar ao reconheci-
mento de que os saberes científicos compõem apenas uma parte entre aqueles
que buscam dar explicação aos fenômenos naturais e sociais, ainda demonstra
que o que consideramos atualmente como conhecimento científico muitas vezes
originou-se de questões religiosas ou mitológicas, ou esteve ligado a elas em
diferentes momentos históricos. Assim, as teorias pitagóricas dos números,
do século VI a.C. ao II d.C., estiveram intrinsecamente relacionadas a uma
interpretação mítica do universo, que pressupunha, inclusive, uma anti-Terra,
para com ela compor-se o número de dez corpos celestes, número este consi-
derado perfeito pelos pitagóricos. Suas explicações sobre o funcionamento do
universo estavam embasadas nessas pressuposições. A química é herdeira da
alquimia e de especulações sobre transmutação entre os elementos. Newton
e Kepler dedicaram boa parte de seu tempo de pesquisa ao que hoje seria con-
siderado de natureza mística ou pseudo-científica.
A partir do reconhecimento dos diferentes estatutos que possuem as dife-
rentes formas de conhecimento, o professor pode perceber a necessidade de con-
siderar, em sua prática docente, a diversidade de conhecimentos e crenças que
seus alunos trazem de sua realidade extra-escolar.
290
tal história, devido às considerações realizadas anteriormente neste texto, possui,
inequivocamente, potencialidades pedagógicas.
Os pressupostos acima apresentados acerca de formação de professores e
da utilização pedagógica da história da ciência e da matemática nortearam nossa
prática na disciplina de História da Ciência e da Matemática no Ensino ministrada
no curso de Pós Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática (UFRN),
em 2002. A seguir, relataremos esta experiência.
Tal disciplina foi ministrada em 45 créditos, ou seja, 3 horas-aula semanais.
Os alunos cursistas eram vinte professores da rede pública, alguns dos quais são
docentes do ensino médio e outros do ensino fundamental. Todos possuíam uma
vasta experiência no magistério; o menor tempo de experiência era de cinco anos.
A abordagem inicial partiu do tema gerador “Explicações históricas da
origem do Universo” do qual foi possível desenvolver os conteúdos. A história
da ciência e da matemática desempenhou o papel de urdideira na elaboração de
uma trama conceitual, a partir da qual contextualizamos, de maneira interdisci-
plinar, os conceitos da matemática, da física e da química. O curso foi estruturado
a partir das explicações mitológicas, religiosas e científicas, para aquela origem.
Assim, em Matemática, tratamos desde as teorias pitagóricas até a teoria das
catástrofes e o princípio de incerteza; em química, foram estudados desde os
conceitos de elemento e átomo entre os gregos da Antigüidade até o estudo das
partículas elementares no século XX; em física, abordou-se desde as explicações
aristotélicas para o movimento até a teoria da relatividade.
A metodologia constou de apresentação, seguida de debate de filmes, de
leitura e discussão de textos, de seminários apresentados pelos alunos e de uma
pesquisa de campo, organizada pelos professores e pelos alunos do curso, que foi
aplicada junto aos alunos destes últimos. Tal pesquisa de campo teve como
referencial a engenharia didática.
A engenharia didática é uma metodologia de pesquisa que tem a finalidade
de analisar as dificuldades dos alunos na aprendizagem de determinado conceito,
bem como de avaliar situações didáticas. A pesquisa em engenharia didática é
um processo no qual os dados empíricos são confrontados com hipóteses levanta-
das a partir da bibliografia sobre o assunto. Segundo Machado (1999, p.198), a
engenharia didática “pode ser compreendida tanto como um produto de análise a
priori, caso da metodologia de pesquisa, quanto como uma produção para o ensino”.
Em nossa disciplina, utilizamos a engenharia didática com o primeiro
significado atribuído por Machado (1999). Em sala de aula, juntamente com os
mestrandos, elaboramos as seguintes questões para serem aplicadas com seus alunos:
1) Para você, o que é o Universo?
2) O Universo teve um início?
3) Para você, de que é composto o Universo?
4) O Universo deixará de existir?
5) Faça um desenho representando como é o Universo.
291
Tal questionário foi aplicado a alunos das quintas e oitavas séries do ensino
fundamental, do primeiro ano do ensino médio e do primeiro semestre da licencia-
tura em matemática.
Apresentamos, na seqüência do texto, algumas representações dos alunos
para o Universo, obtidas em resposta à questão 5.
292
Figura 3 – Universo com características geocêntricas. Notar como o indivíduo coloca-se, apa-
rentemente, “dentro” de uma Terra esférica, com o céu sobre sua cabeça (também de um aluno
do 1 o ano do ensino médio)
293
Figura 4 – Universo mais “aberto”. O aluno (também do 1o ano do ensino médio) procura deslocar
o sistema solar do centro, e representar outras galáxias, cometas e até um buraco negro
294
A pesquisa realizada por eles, junto a seus alunos, colaborou para que
percebessem que estes últimos possuem explicações que nem sempre são aquelas
ensinadas na escola: “interessante, pois percebi que mesmo aqueles que tinham
uma concepção científica, ao tentar explicar a origem da massa densa que explodiu,
acabavam respondendo que foi Deus que fez”. Ainda sobre essa pesquisa, um
aluno observou que a partir dela compreendeu a necessidade “de integração e
ampliação do conhecimento”.
Sendo assim, o presente trabalho soma-se a outros na defesa de que, quando
abordada com finalidades pedagógicas, a história da ciência e da matemática pode
colaborar para uma formação de professores que se aproxima daquela apontada
pelas atuais tendências na área.
Finalizando, seria oportuno salientar, seguindo Peduzzi (2001, p.157), que
“é, sem dúvida, a pesquisa, em condições de sala de aula e com materiais históricos
apropriados, de boa qualidade, que vai referendar ou refutar afirmações” acerca
do papel da história da ciência na formação de professores e no ensino em geral.
Referências
295
12., 1997, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: UFMG, 1997, p.762-765.
MIGUEL, A.; BRITO, A. J. A história da matemática na formação do professor de
matemática. Caderno CEDES, Campinas, n.40, p. 47-61, 1996.
MIGUEL, A. Três estudos sobre história e educação matemática. 1993, (274 folhas).
Tese (Doutorado em Educação) – Universidade de Campinas, Campinas, 1993.
NEVES, L. S.; FARIAS, R. História da química no Brasil. Campinas: Átomo, 2004.
NEVES, L. S. N. et al. O conhecimento pedagógico do conteúdo: lei e tabela periódica.
Uma reflexão para a formação do licenciado em Química. Revista Brasileira de Pesquisa
em Educação em Ciência, Atibaia, V.1, n.2, p.85-94, maio/ago. 2001.
PEDUZZI, L. O. Q. Sobre a utilização didática da História da Ciência. In: PIETROCOLA,
M. (Org). Ensino de Física: conteúdo, metodologia e epistemologia numa concepção
integradora. Florianópolis: UFSC, 2001. Cap. 7.
SOUZA, A. C. C. Novas diretrizes para a Licenciatura em Matemática. Temas e Debates.
S Paulo. Ano VIII, n. 7, p.41-65, julho. 1995.
TARDIF, M. et al. Formação de professores e contextos sociais. Lisboa: Ed. Rés, s/d.
296
OS AUTORES
297
André Ferrer Pinto Martins
298
- Pesquisa sobre as Representações Docentes e a Formação e Profissionalização
Docente
299
Raimunda Porfírio Ribeiro
300
301
Este livro foi confeccionado especialmente
para a Editora Meridional, em Times New Roman 11/13
e impresso na Metrópole Indústria Gráfica.