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Práticas Docentes em

Ciências e Matemática
nos anos iniciais
Guilherme Trópia
Reginaldo Fernando Carneiro
Rita de Cássia Reis
Organizadores
Práticas Docentes em Ciências e
Matemática nos anos iniciais

Guilherme Trópia
Reginaldo Fernando Carneiro
Rita de Cássia Reis
Organizadores

Juiz de Fora – MG
2020
Copyright 2020
Todos os direitos reservados.

Revisão
Autores dos artigos

Projeto Gráfico e Editoração


Juzélia Martins

Ilustração capa
Rita de Cássia Reis e Marcela Arantes Meirelles

Práticas docentes em ciências e matemática nos anos iniciais / Guilherme Trópia,


Reginaldo Fernando Carneiro, Rita de Cassia Reis, organizadores – Juiz de Fora :
Templo, 2020.

234 p.: il., color.

ISBN: 978-65-990909-0-5

1. Ciência – Estudo e ensino. 2. Ensino de matemática. I. Trópia, Guilherme (Org,).


II. Carneiro, Reginaldo Fernando (Org.). III. Reis, Rita de Cassia (Org.).

CDU 5(07)

Templo Grafica e Editora


Rua da Glória, 92 - Loja
Morro da Glória - 36035-150
Juiz de Fora - MG
32 3217 0283
Sumário

Prefácio.......................................................................................................6

Apresentação................................................................................................9

Práticas de Formação de Professores.............................................................. 14

Espaços de formação de professores como cenário de desenvolvimento do pensamento


geométrico................................................................................................. 15
Cármen Lúcia Brancaglion Passos, Lívia de Oliveira Vasconcelos

A alfabetização científica nas aulas de ciências: uma proposta de formação continuada


para professores dos anos iniciais de Mato Grosso........................................... 31
Verondina Ferreira Santana, Ana Carolina Araújo da Silva

Narrativas de formação de uma professora que ensina matemática nos anos


iniciais....................................................................................................44
Beatriz Gonçalves de Faria, Reginaldo Fernando Carneiro

Formação continuada de professores que lecionam ciências nos anos iniciais do ensino
fundamental: superando medos e angústias numa experiência de pesquisa-ação com
brinquedos científicos.................................................................................. 59
Paulo Henrique Dias Menezes, Vanessa Cristina Mattoso

Processos educativos: composições e aprendizagens e formação docente........... 74


Leiliane Aparecida Gonçalves Paixão
Práticas docentes em ciências e matemática de professores dos anos iniciais:
aprendizagens e reflexões ............................................................................ 86
Monique Cássia de Assis

Ciências naturais e formação docente na pedagogia: reflexões na perspectiva de uma


educação democrática.................................................................................. 93
Mariana Lima Vilela

A formação de professores para a docência em ciências nos anos iniciais do ensino


fundamental............................................................................................. 108
Wallace Alves Cabral, Wilton Rabelo Pessoa, Andréia Francisco Afonso

Inventando ciências (im)possíveis?............................................................... 117


Guilherme Trópia, Pedro da Cunha Pinto Neto

Práticas de Sala de Aula............................................................................. 130

O ensino de ciências na perspectiva das professoras dos anos iniciais............... 131


Rafaela Reis Castor, Rita de Cássia Reis

Como planejar uma boa aula de ciências e matemática para crianças................ 145
João Alberto da Silva

Ensino por meio de jogos promotores da interface entre ciências da natureza e


alfabetização inicial.................................................................................... 157
Luciane Manera Magalhães, Letícia Goulart Pimentel

Que educação os anos iniciais têm a ensinar ao campo da matemática?............ 169


Deniele Pereira Batista

Narrativas sobre aprender e ensinar ciências: pausa para uma conversa!........... 184
Cristhiane Carneiro Cunha Flôr, Leonardo Alves do Valle
Prática pedagógica e formação de professores no ensino de ciências no contexto da
educação integral...................................................................................... 194
Cláudia Starling, Michelle Soares, Danilo Marques

O que o encontro com as crianças ensina às ciências?.................................... 208


Marise Basso Amaral

O ensino de ciências nos anos iniciais e o aedes aegypti: uma análise de uma sequência
didática à luz da perspectiva do letramento científico..................................... 218
Andréia Francisco Afonso, Wallace Alves Cabral

Autores.................................................................................................... 228
Prefácio

Hilda Micarello1

O convite para prefaciar esta obra me trouxe algumas memórias da minha própria
trajetória de formação como professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental e
dos meus primeiros anos de docência. Essas memórias não são fruto apenas de um
saudosismo, cujo relato certamente entediaria os leitores deste prefácio, e os desviaria
do tema de que tratam os textos aqui reunidos, mas, pelo contrário, guardam estreita
relação com a relevância da produção aqui apresentada.
Cursei o Normal de nível médio na década de 80 do século XX. Aos 17 anos
assumia, como regente, minha primeira turma da 2ª série do 1º grau, atual 3º ano do
Ensino Fundamental, lecionando todas as disciplinas da matriz curricular: Matemática,
Português (era esta a denominação do componente curricular àquela época), Estudos
Sociais (englobando História e Geografia) e Ciências. Para cada componente, um livro
didático que devia ser vencido até o final do ano. As disciplinas cursadas ao longo dos
três anos do curso Normal deveriam nos capacitar para a abordagem dos fundamentos
e da didática de todas essas disciplinas. Eu, assim como as demais normalistas
recém-formadas (sim, éramos só mulheres!), enfrentava as aulas que ministrava muito
insegura, especialmente quando se tratava das aulas de Matemática e Ciências, pois
esses componentes curriculares foram também aqueles tratados de maneira mais
superficial em minha própria experiência como estudante. Minha formação acadêmica
posterior, na Faculdade de Pedagogia, não contribuiu muito para que essa insegurança
fosse superada. À época, o curso era voltado para a formação dos especialistas em
Inspeção, Administração, Orientação Educacional e havia poucas disciplinas voltadas
aos conhecimentos próprios das áreas de conhecimento que compunham o currículo
dos anos iniciais do 1º grau. Assim, para fazer frente a minha insegurança com relação
a “o quê” e “como” ensinar, ia criando estratégias de sobrevivência em sala de aula:
1
Pós-doutora em Educação. Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora.
um tratamento mais superficial de alguns temas; ênfase, nas aulas, nos exercícios
de fixação, cujas respostas se encontravam no Livro do Professor; criação de poucas
oportunidades, nas aulas, para perguntas dos alunos, que eu julgava que deveria
sempre saber responder, dentre outros artifícios. Em Ciências, por exemplo, quando
o livro didático sugeria alguma experiência, eu mesma fazia, os alunos observavam e
as conclusões eram sempre as que o livro didático sugeria.
Pouco mais de 35 anos se passaram desde aquele ano em que assumi minha
primeira turma... O cenário da formação de professores para a docência nos anos
iniciais do Ensino Fundamental, no Brasil, se alterou. Temos Diretrizes Nacionais
para a Formação de Professores que enfatizam a importância de os docentes serem
pesquisadores de sua própria prática. A formação inicial se dá, preferencialmente,
em nível superior, embora o Curso Normal de nível médio ainda sobreviva. O curso
de Licenciatura em Pedagogia assumiu a docência na Educação Infantil e nos anos
iniciais do Ensino Fundamental como sua meta e identidade. Aqueles que, como eu,
frequentam as escolas de Educação Básica observam que, no interior das salas de
aula, muitas coisas interessantes acontecem e muitos projetos que envolvem parcerias
entre a Universidade e a escola de Educação Básica ensejam novas práticas. Políticas
de formação continuada de professores, como o Pacto Nacional pela Alfabetização
na Idade Certa (PNAIC), programas de fortalecimento da formação para a docência,
como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), além de
programas de residência docente em diferentes universidades têm contribuído para
estreitar os laços entre a Universidade e a escola de Educação Básica, fortalecendo a
formação inicial e continuada de professores e professoras e também a produção de
conhecimentos sobre o ensinar e o aprender.
O conjunto de artigos reunidos nesta obra, “Práticas docentes em Ciências e
Matemática nos anos iniciais”, apresenta aos leitores algumas dessas experiências de
ensinar e aprender Ciências e Matemática, vivenciadas por professores da escola de
Educação Básica e professores da universidade, num movimento de partilha de saberes,
de busca de novas formas de fazer Ciências e Matemática nos anos iniciais do Ensino
Fundamental e de produzir conhecimentos sobre essa experiências. Os artigos estão
divididos em duas seções: na primeira, “Práticas de formação de professores”, o foco
se coloca na reflexão sobre os processos de formação de professores para o ensino de
Ciências e Matemática, a partir de diferentes estratégias e experiências de formação;
na segunda, “Práticas de sala de aula”, são apresentadas experiências realizadas por
professores e professoras no ensino e aprendizagem de Ciências e Matemática, junto
aos estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Em seu conjunto, os textos estimulam a pensar na formação como um processo
que se dá sempre em colaboração, no qual educandos e educadores compartilham,
cada um do lugar que ocupa na relação pedagógica, saberes, dúvidas e descobertas,
sendo esse processo de partilha o cerne da relação pedagógica. Convidam também
o leitor a pensar na docência como uma permanente invenção, para além de uma
didática estática. Para contribuir com a formação de professores dos anos iniciais para
o ensino de Ciências e Matemática é preciso compreender o que fazem os docentes e
as docentes, como fazem, que critérios utilizam nas suas escolhas e, principalmente,
estabelecer um diálogo entre aquilo que fazem e sabem esses e essas docentes e
o que ainda podem aprender, para melhor qualificar suas práticas pedagógicas e a
reflexão sobre elas. O conjunto de textos reunidos nesta obra tem o intuito de avançar
nessa compreensão. Como afirma Freire:

É que o processo de aprender, em que historicamente descobrimos que era


possível ensinar como tarefa não apenas embutida no aprender, mas perfilada
em si, com relação a aprender, é um processo que pode deflagar no aprendiz
uma curiosidade crescente, que pode torna-lo mais e mais criador. (FREIRE,
2018, p. 26)

É da experiência de que fala Freire que se trata neste livro. Boa leitura!

Referência

Freire, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2018.
Apresentação

Desde 2016, a Faculdade de Educação e o Centro de Ciências da Universidade


Federal de Juiz de Fora promovem o Encontro de Práticas em Ciências e Matemática
nos anos iniciais – CIMAI, que tem como objetivo compartilhar processos de ensinar
e aprender ciências e matemática desenvolvidos por professores dos anos iniciais em
suas aulas.
Ao longo desses quatro anos de evento, procuramos promover a troca de
experiências, de exploração, de compreensão e de problematização do mundo natural
e social a partir dos conhecimentos escolares em ciências e matemática. Além disso,
queríamos que todos os participantes do evento se sentissem pertencentes a um
grupo que ainda acredita na escola, que valoriza a docência e a criança e que busca
sempre aprender com o outro.
A ideia deste livro surgiu durante a organização do IV CIMAI, realizado em
junho de 2019, pois em todas as edições pudemos contar com a participação de
pesquisadores e de professores que compartilharam suas experiências nas mesas
redondas e pensamos em convidá-los para escreverem um capítulo em que discutissem
e despertassem reflexões que colaborassem para o desenvolvimento profissional de
um coletivo, que vem se tornando público cativo do evento.
Os pesquisadores e professores, que aceitaram o convite, apresentaram reflexões
e problematizações sobre diferentes práticas docentes de formação inicial e continuada
de professores e também de práticas de sala de aula. Por isso, este livro está dividido
em duas seções: a primeira delas, intitulada “Práticas de Formação de Professores”, é
composta por nove capítulos e, a segunda seção conta com oito capítulos e tem como
título “Práticas de Sala de Aula”.
O primeiro capítulo da seção “Práticas de Formação de Professores” é de Cármen
Lúcia Brancaglion Passos e Lívia de Oliveira Vasconcelos e foi intitulado “Espaços
de formação de professores como cenário de desenvolvimento do pensamento
geométrico”. Nesse texto, as autoras discutem sobre três espaços formativos em que
teve como foco a geometria. Um deles trata-se da formação inicial de professores
no curso de Pedagogia e os outros dois referem-se à formação continuada de
professores, sendo um deles o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa e
outro um projeto de pesquisa chamado de Rede de Aprendizagem e Desenvolvimento
da Docência (ReAD).
Em seguida, temos cinco capítulos que refletem sobre a formação continuada do
professor sob diferentes aspectos.
“A Alfabetização Científica nas Aulas de Ciências: Uma proposta de Formação
Continuada para professores dos anos iniciais de Mato Grosso” de Verondina Ferreira
Santana e Ana Carolina Araújo da Silva relata o processo de formação continuada dos
professores de Ciências da Natureza que ocorreu nos municípios de Rondonópolis e
Cuiabá/MT para os professores da rede estadual de educação. Para tanto, as autoras
apresentam o projeto Sala do Educador.
Beatriz Gonçalves de Faria e Reginaldo Fernando Carneiro apresentam o capítulo
“Narrativas de formação de uma professora que ensina matemática nos anos iniciais”.
No texto, refletem sobre os processos de formação docente, o desenvolvimento
profissional do professor e a identidade docente de uma professora que ensina
matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental a partir das narrativas de formação
da primeira autora sobre seu processo formativo ao cursar uma Especialização em
Ensino de Ciências e Matemática nos anos iniciais.
O texto seguinte “Formação continuada de professores que lecionam ciências
nos anos iniciais do Ensino Fundamental: superando medos e angústias numa ex­
periência de pesquisa-ação com brinquedos científicos” é de Paulo Henrique Dias
Menezes e Vanessa Cristina Mattoso. Os autores investigaram a transposição de uma
metodologia de ensino, baseada na construção de brinquedos científicos, para aulas
de ciências dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Eles analisaram os relatos de
uma professora que participou de um projeto denominado de Brinca Ciência que tinha
como objetivo disseminar uma nova metodologia de ensino de conceitos de física
em aulas de ciências do Ensino Fundamental por meio da construção e da análise do
funcionamento de brinquedos científicos.
Leiliane Aparecida Gonçalves Paixão é a autora do texto “Processos educativos:
composições e aprendizagens e formação docente” em que reflete sobre seu processo
formativo vivenciado como estudante durante o curso de Pedagogia e nos projetos de
pesquisa e extensão em que participou, além de sua experiência de participação em
todas as edições do Encontro de Práticas em Ciências e Matemática nos anos iniciais
apresentando trabalhos e discutindo sobre ciências e matemática nos anos iniciais.
O último capítulo que problematiza sobre a formação continuada docente foi
intitulado de “Práticas docentes em ciências e matemática de professores dos anos
iniciais: aprendizagens e reflexões” de Monique Cássia de Assis. Nesse texto, Monique
apresenta aprendizagens e reflexões sobre seu processo de formação ao participar
do projeto de pesquisa e extensão “Práticas docentes em ciências e matemática de
professores dos anos iniciais em início de carreira”, em que participaram estudantes
das licenciaturas em Pedagogia, Matemática e Química, estudantes de mestrado e
doutorado, professores da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental
e professores da universidade.
Temos também três capítulos que problematizam a formação inicial de professores
dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
“Ciências naturais e formação docente na Pedagogia: reflexões na perspectiva de
uma educação democrática” é o texto de Mariana Lima Vilela que propõe um diálogo
com três abordagens de Ensino de Ciências, pensar sobre as contribuições das Ciências
Naturais no currículo escolar, como espaço de construção de projetos de Educação
Democráticos. Assim, apresenta um relato de experiências formativas do curso de
Pedagogia da Universidade Federal Fluminense buscando dialogar com essas questões.
Wallace Alves Cabral, Wilton Rabelo Pessoa e Andréia Francisco Afonso são
autores do capítulo “A formação de professores para a docência em ciências nos anos
iniciais do Ensino Fundamental” em que apresentam as discussões de docentes de
três instituições de Ensino Superior brasileiras em que têm em comum a atuação e o
interesse pela inserção do Ensino de Ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Para tal, eles discutem sobre o lugar do Ensino de Ciências nos anos iniciais, a partir
do relato de uma experiência de formação inicial de professores.
O último texto da primeira seção, intitulado “Inventando ciências (im)possíveis?”
é de Guilherme Trópia e Pedro da Cunha Pinto Neto. Discutem sobre diversos aspectos
da formação inicial de professores dos anos iniciais a partir de questionamentos a partir
da “falta” na formação do professor, como: que condições históricas possibilitam para
Guilherme Trópia, Reginaldo Fernando Carneiro, Rita de Cássia Reis (Orgs.)

que estudiosos da Educação em Ciências vejam e digam do pedagogo professor de


ciências dessa perspectiva? Que lugares ocupam os discursos da “deficiência”? Como
esse discurso circula, se sustenta e se mantém?
Na segunda seção, “Práticas de Sala de Aula”, temos oito capítulos que abordam
aspectos das ciências e da matemática em sala de aula.
Rafaela Reis Castor e Rita de Cássia Reis são autoras do texto “O ensino de
ciências na perspectiva das professoras dos anos iniciais” em que refletem sobre a
docência nos anos iniciais no que se refere ao ensino de ciências para as crianças
na visão de professoras do município de Juiz de Fora, Minas Gerais. Esse capítulo
está baseado na pesquisa desenvolvida pela primeira autora que teve como objetivo
investigar qual a concepção que professoras dos anos iniciais, com diferentes anos de
atuação docente, têm sobre o Ensino de Ciências.
O capítulo seguinte, “Como planejar uma boa aula de ciências e matemática para
crianças” é de João Alberto da Silva em que ele discute, a partir de um ques­tiona­men­to,
sobre aspectos que considera importantes para o professor planejar sua aula de ciências
e matemática. Em uma conversa com o professor dos anos iniciais, o autor abor­da
temas como o planejamento, o currículo, a avaliação, o conhecimento docente etc.
“Ensino por meio de jogos promotores da interface entre ciências da natureza
e alfabetização inicial”, de autoria de Luciane Manera Magalhães e Letícia Goulart
Pimentel, apresenta algumas possibilidades da utilização de jogos como recurso didáti­
co para auxiliar na aprendizagem das crianças. Para tanto, as autoras elaboraram jogos
voltados para a reflexão das crianças sobre o Sistema de Escrita Alfabética e também
para a identificação de características que envolvem o mundo animal como locomoção
e cobertura do corpo. Os jogos foram pensados para crianças do 1º ao 3º ano do
Ensino Fundamental e com base nas hipóteses de escrita formuladas pelas crianças.
Deniele Pereira Batista escreveu o texto “Que educação os anos iniciais têm
a ensinar ao campo da matemática?”que foi apresentado, inicialmente, na mesa de
abertura do CIMAI em 2018 e que foi aprofundado para compor este livro. Constituiu-
se a partir de um entrelaçamento de estudos que a autora realiza na área da educação
matemática e em sua prática pedagógica como professora dos anos iniciais em que
busca encontrar caminhos para fazer aprender matemática com estudantes do 4º ano
do Ensino Fundamental.
O capítulo seguinte de autoria de Cristhiane Carneiro Cunha Flôr e Leonardo

12
Práticas Docentes em Ciências e Matemática nos anos iniciais

Alves do Valle foi intitulado “Narrativas sobre aprender e ensinar ciências: pausa para
uma conversa!”. Os autores propõem um texto autoral que foi escrito a partir de suas
próprias experiências e elaborações teóricas em que refletem sobre práticas e apren­
dizados de ser professor e ensinar ciências.
“Prática pedagógica e formação de professores no ensino de ciências no
contexto da educação integral” de Cláudia Starling, Michelle Soares e Danilo Marques
teve como objetivo discutir sobre a contribuição da elaboração coletiva de uma
sequência didática por uma professora dos anos iniciais, trazendo a complexidade
que envolve ensinar Ciência para crianças. Além disso, problematizam sobre os
desafios da prática pedagógica e da formação em um contexto da Educação Integral
que permitiu a abertura da escola a um currículo mais flexível com elaboração de
oficinas.
Marise Basso Amaral escreveu o capítulo “O que o encontro com as crianças
ensina às ciências?”, em que apresenta algumas histórias, alguns relatos e algumas
observações de suas aprendizagens com pesquisadores, professores e com as
crianças. A autora propõe em tom de conversa, algumas discussões e reflexões que
fizeram parte de sua apresentação na mesa de abertura do III CIMAI.
O último capítulo dessa seção e também do livro, de Andréia Francisco Afonso
e Wallace Alves Cabral, “O ensino de ciências nos anos iniciais e o Aedes Aegypti:
uma análise de uma sequência didática à luz da perspectiva do letramento científico”,
investigou uma sequência de aula à luz da perspectiva do letramento científico, a
partir do planejamento de uma sequência produzida por uma professora em exercício
no âmbito de um curso de Especialização em Ensino de Ciências e Matemática.
Assim, esperamos que os textos presentes neste livro tragam reflexões e
problematizações sobre as práticas em ciências e matemática nos anos iniciais do
Ensino Fundamental. Que a leitura destes capítulos possibilite à leitora e ao leitor um
convite a estar conosco nas próximas edições do CIMAI e a trazer outras experiências
que nos constituam como uma comunidade que pensa e valoriza a ciência e a ma­
temática na infância.

Juiz de Fora, março de 2020.


Os organizadores

13
Práticas de
Formação de Professores
Espaços de formação de professores como cenário de
desenvolvimento do pensamento geométrico

Cármen Lúcia Brancaglion Passos


Lívia de Oliveira Vasconcelos

Este capítulo visa suscitar reflexões para que práticas formativas de desen­
volvimento do pensamento geométrico possam compor o fazer docente dos profes­
sores que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Partimos da premissa que
práticas docentes para ensino de matemática nos anos iniciais ainda têm privilegiado
os conteúdos da aritmética em detrimento dos conteúdos do campo da álgebra, da
estatística e probabilidade e da geometria.
Entendemos que esse fenômeno é reflexo da tradição escolar e também da forma­
ção inicial de professores. Em diferentes situações nos deparamos com depoimentos
de professores em formação inicial ou em processos de formação continuada – que
revelam lacunas conceituais que os inibem em propor tarefas que possibilitem a
construção do pensamento geométrico. Entendemos que é urgente criar espaços e
contextos de formação “com” professores nos quais se possa ocorrer estudo teórico
e debate metodológico que sejam promissores para o ensino de geometria.
Em Passos e Nacarato (2014) é discutido que o ensino de geometria ficou
relegado a um segundo plano por longo período com o advento do movimento da
matemática moderna. No Brasil esse quadro começou a mudar com os Parâmetros
Curriculares Nacionais (1997) fazendo com que o ensino de geometria nas escolas
fosse desenvolvido de modo mais integrado.

Há um razoável consenso no sentido de que os currículos de Matemática para o


ensino fundamental devam contemplar o estudo dos números e das operações
Cármen Lúcia Brancaglion Passos, Lívia de Oliveira Vasconcelos

(no campo da Aritmética e da Álgebra), o estudo do espaço e das formas (no


campo da Geometria) e o estudo das grandezas e das medidas (que permite
interligações entre os campos da Aritmética, da Álgebra e da Geometria).
(BRASIL, 1997)

Há mais de três décadas nos deparamos com pesquisas em defesa de que o


desenvolvimento do pensamento geométrico ocorra desde o início da escolarização.
Houve avanço com os atuais livros didáticos, que mudaram o modo de apresentar
esse conteúdo, contribuindo para que a geometria estivesse mais presente nas aulas.
Contudo, ainda assistimos certo “abandono” do ensino de geometria como denunciava
Pavanello (1993). Nossa experiência enquanto formadoras e pesquisadoras tem
revelado que, a intencionalidade de professores para ensinar geometria, principalmente
nos primeiros anos de escolarização, acaba sucumbida pela força da exigência de se
ensinar outros conteúdos de matemática. Além disso, como destacado em Passos e
Nacarato (2014, p. 1148):

Se esse abandono já é problemático no chamado ensino fundamental I (1º ao


5º ano), consideramos que ele se torna maior ainda em se tratando do ciclo de
alfabetização (1º ao 3º ano). Há uma forte tendência nesse ciclo de se colocar
a ênfase na alfabetização da língua materna, desconsiderando tratar-se de um
processo mais amplo que abrange todas as áreas do conhecimento.

Assim, compartilhamos, neste texto, três espaços de formação desenvolvidos


por integrantes do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Matemática – GEM, em
que o foco é a geometria.
Um deles refere-se ao praticado na formação inicial de professores no curso
de Pedagogia da UFSCar. Discutimos um caso de ensino focalizando a geometria
nos anos iniciais. Outro espaço formativo refere-se à política pública de formação
continuada de professores alfabetizadores da qual a UFSCar participou, ou seja,
o Pacto Nacional pela Alfabetização – PNAIC. E, por fim, apresentamos ações de
formação no âmbito da Rede de Aprendizagem e Desenvolvimento da Docência
(ReAD), um projeto de pesquisa financiado pelo CNPq, coordenado pela Profa. Dra.
Rosa Maria Moraes Anunciato, que tem como objetivo promover discussões sobre
a complexidade da docência, troca de conhecimentos e reflexões sobre a prática

16
Espaços de Formação de Professores como Cenário de Desenvolvimento do Pensamento Geométrico

pedagógica entre professoras experientes, iniciantes, licenciandas e formadoras da


universidade.
Neste artigo, fazemos uma retomada dessas experiências, com o objetivo de
identificar de que maneira esses espaços possibilitam a construção do pensamento
geométrico focado nos anos iniciais.

Geometria na formação inicial de professores

O curso de Licenciatura em Pedagogia1 da UFSCar (presencial) é um dos mais


antigos da instituição. O curso é estruturado com turmas nos turnos matutino e
noturno, tem carga horária de 3365 horas e tempo de duração de 5 anos. Na es­
trutura curricular há uma única disciplina com foco na matemática: “Matemática:
conteúdos e seu ensino”, com carga horária de 60 horas, o que representa 1,8% da
estrutura curricular do curso voltado para essa área do conhecimento. Esse é um fato
que compromete sobremaneira o processo formativo de professores que ensinam
matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental, na Educação Infantil e na
Educação de Jovens e Adultos. Esse aspecto não será debatido nesse texto, contudo
é fundamental pensar nele para compreender o processo metodológico empreendido
na disciplina para poder suprir as demandas que o conteúdo de matemática exige.
Uma prática comum nessa disciplina tem sido propor análise de casos de en­
sino para abordar determinados conteúdos de matemática. Os casos de ensino têm
adentrado a sala de aula da formação de professores, ajudando o trabalho do professor
formador/pesquisador e ao mesmo tempo dado pistas para o professor em formação
do que poderá ocorrer na futura prática docente.

Casos de ensino podem ser considerados um tipo de narrativa que expressa


experiências vivenciadas pelos professores, demonstrando a complexidade e
conflitos da prática docente. De acordo com Mizukami (2000), os casos de
ensino constituem uma importante ferramenta para a formação docente ao
1
Projeto Pedagógico do Curso em Pedagogia, aprovado em 2017: o curso visa à formação de professores
para atuarem nos anos iniciais do Ensino Fundamental, na Educação Infantil, na Educação de Jovens e
Adultos; bem como formar o Gestor Educacional com atuação em Administração, Supervisão Escolar e
em Coordenação Pedagógica. Disponível em: <http://www.prograd.ufscar.br/cursos/cursos-oferecidos-1/
pedagogia/sao-carlos>.

17
Cármen Lúcia Brancaglion Passos, Lívia de Oliveira Vasconcelos

trazerem exemplos de situações e dilemas e de como os professores podem lidar


com tais episódios. A análise, estudo e elaboração de casos de ensino podem
configurar uma importante estratégia para a atividade reflexiva na formação e
atuação dos professores, pois favorece a busca pela resolução de problemas
cotidianos, compartilhamento de experiências e ideias, articulação entre teoria
e prática. Além disso, permitem que os (as) docentes, ao lidar com situações
vivenciadas e possíveis soluções pensadas e tomadas diante de um determinado
caso, reflitam e, muitas vezes, ressignifiquem suas concepções, crenças e
práticas. (PASSOS et al., 2010, p. )

Procuramos propor aos licenciandos de Pedagogia casos de ensino em que o


tipo de escrita seja rico em descrições, que tornem visíveis e acessíveis aos leitores
os eventos, as práticas de ensino-aprendizagem, os diálogos ocorridos e também o
modo com que professores e estudantes lidaram com o caso. Por vezes, o diálogo
estabelecido entre os participantes desse cenário de aprendizagem desvelam relações
entre casos concretos e suscitam questões e constructos teóricos gerais da prática de
ensinar conteúdos específicos. Apresentamos a seguir o Caso de Ensino construído
a partir do Relato da Professora Andréia que foi objeto de nossa prática e pesquisa.

Relato professora Andréia2


Andréia é professora dos anos iniciais de uma escola pública. Seus alunos
compõem uma turma de 4º ano.
Em uma de suas aulas de matemática, Andréia propôs aos seus alunos o seguinte
problema:

Juliana faz brincos e colares para vender. Ela demora quinze minutos
para fazer um par de brincos simples e meia hora para fazer um par de
brincos sofisticados. Juliana recebeu uma encomenda para entregar no
final do mês. São 20 pares de brincos simples e 10 pares de brincos
sofisticados. Quantas horas Juliana terá que trabalhar para fazer todos
os pares de brincos encomendados?

Ao apresentar essa situação-problema, a professora fez a leitura inicial para os

2
Caso elaborado pela Professora Ms. Brenda Mengali

18
Espaços de Formação de Professores como Cenário de Desenvolvimento do Pensamento Geométrico

seus alunos. Neste momento, a aluna Sara questionou quantos minutos eram
“meia hora”.
Então, Andréia disse que faria no quadro o desenho de dois relógios, e os alunos
iriam ajudá-la a representar neles: quinze minutos (tempo para fazer um par de
brincos simples) e, meia hora (tempo para fazer um par de brincos sofisticado).
Para que a circunferência do relógio ficasse bem desenhada, a professora Andréia
pegou em seu estojo um pedaço de barbante, uma vez que não dispunha de
compasso. Ao ver a professora enrolando a caneta no barbante para prendê-la e
então começar a desenhar a circunferência, Bruno perguntou:
— Professora, o que você vai fazer? Por que está enrolando a caneta no barbante?
Neste momento, Andréia percebeu a necessidade de dar uma pausa na situação-
problema proposta e esclarecer ao Bruno e, provavelmente, aos demais, que
também deveriam estar fazendo a mesma pergunta, o porquê da caneta presa ao
barbante.
Então, a professora disse aos alunos que usaria o barbante e a caneta como
um compasso – instrumento utilizado para fazer o desenho de circunferências.
Quando a professora traçou no quadro as duas circunferências, Júlia perguntou:
— Professora, a senhora desenhou uma bola?
— Eu acho que é um círculo, professora. — falou Bruno.
Com o surgimento desses questionamentos, Andréia identificou na fala dos alu­nos
a dificuldade em diferenciar as figuras planas das espaciais. Explicou para eles que
a figura desenhada no quadro era a representação de uma circunferência e que
daria continuidade à discussão inicial, mas planejaria uma sequência de atividades
para abor­dar tais conteúdos e dis­cutir com eles as características de cada um
desses modelos geométricos: circunferência, círculo e esfera (o que os alunos
chamaram de bola); e assim, consequentemente, possibilitar a diferenciação entre
esses modelos.

A esse relato foram incorporados dois comentários e questões problematizando


o cenário apresentado com a intencionalidade de que, ao responder e argumentar, os
licenciandos nos revelassem o conhecimento geométrico que eles dispunham e que
poderiam ser acionados. O primeiro comentário indicava que os alunos da professora
Andréia não conseguiram identificar as características do círculo, da circunferência e
da esfera, nesse sentido, os licenciandos deveriam se colocar no papel da professora
e argumentar como trabalhariam esses conceitos. O segundo chamava a atenção para

19
Cármen Lúcia Brancaglion Passos, Lívia de Oliveira Vasconcelos

o fato de a professora ter desenhado os relógios com a intenção de trabalhar intervalo


de medida de tempo; mas que seria possível trabalhar outros conteúdos a partir dos
desenhos e assim, esperava-se que os licenciandos argumentassem, indicando outros
possíveis conteúdos.
Essa tarefa foi proposta para duas turmas do curso de Pedagogia e respondida
por 62 licenciandos. A análise das respostas revelou que a maioria dos alunos buscou
nos referenciais teóricos estudados durante as aulas apoio para argumentar teórica e
metodologicamente, como pode ser observado no exceto a seguir, relativo ao primeiro
questionamento:

(...) eu trabalharia os conceitos de círculo, da circunferência e da esfera a partir


de um diálogo com definições teóricas e situações do cotidiano.
A circunferência é o lugar geométrico dos pontos (do plano) equidistantes de um
dado ponto (centro). Aproveitaria o compasso para demostrar isso aos alunos,
marcando na lousa o centro da circunferência e ao traçar a circunferência,
mostraria como todos os pontos dela estão equidistantes do centro e, com
isso, aproveitaria para explicar aos estudantes o que o raio. Complementaria a
explicação levando aos estudantes objetos do cotidiano que representam uma
circunferência, tais como uma aliança ou um bambolê.
O círculo é a região limitada pela circunferência. Ilustraria isso preenchendo o
desenho da circunferência feita inicialmente na lousa, enfatizando que trata-se
de uma superfície plana.
A esfera é um sólido geométrico obtido através da rotação de um semicírculo
em torno de um eixo. (...) levaria alguns objetos do cotidiano que representam
uma esfera, como a bola (mencionada uma aluna), uma laranja etc. (...) para
diferenciar o círculo da esfera, levaria uma bola de isopor e a colocaria sobre
uma superfície plana, para que os alunos percebessem que somente um ponto
dela toca a superfície. Então, repartiria a esfera de isopor ao meio, mostrando
que a superfície vista é um círculo e toca totalmente a superfície plana sobre a
mesa. (Licencianda V)

O excerto a seguir nos dá a expectativa de que a futura prática docente dessa


licencianda possa ser promissora ao relacionar os diferentes campos da matemática:

A partir do desenho do relógio ela poderia trabalhar também a própria geometria


(círculo, circunferência) que já apareceu, por conta do formato e das características

20
Espaços de Formação de Professores como Cenário de Desenvolvimento do Pensamento Geométrico

do desenho. Poderia se aprofundar na relação de fração e hora – meia hora, que


é a metade ( ou 50%) de uma hora. O 4º ano é o período indicado para o trabalho
com números racionais, então, acredito que seria uma ótima oportunidade para
mostrar a relação do “meio” (da hora) com o total. A professora poderia também
voltar ao problema proposto e trabalhar com os alunos sobre a produção de
brincos de Juliana, por exemplo: “se Juliana começou às nove horas, como
estará o relógio depois de ficarem prontos quatro brincos simples?”. Com esse
tipo de problema, eles fariam as operações básicas, pensariam nas horas e no
relógio. (Licencianda J)

Por outro lado, verificamos lacunas conceituais e superficialidade em algumas


respostas, como expressam os excertos a seguir, indicando-nos a necessidade de
outras ações para que todos licenciandos possam ampliar seus conhecimentos para a
futura prática docente.

Iria trabalhar, inicialmente, os conceitos de figura plana e figura espacial,


mostrando-lhes outras formas geométricas além do círculo, esfera e circunferência.
Posteriormente, trabalharia com objetos palpáveis para demonstrar a diferença
entre eles. (Licenciando I)
Além de desenhar o relógio, que é uma estratégia muito boa, usaria juntamente
a adição para que eles pudessem somar os minutos e os segundos para alcançar
o resultado. E o conteúdo da geometria [seria] explicado que ela está em tudo
que fazemos (...). (Licencianda P)

Podemos concluir que a utilização de casos de ensino é uma metodologia que


traz contribuições para pensarmos a formação inicial e continuada de professores,
pois possibilitam a reflexão e aquisição de novos conhecimentos a partir da própria
prática docente, como foi possível através do caso mencionado.

Desenvolvimento do pensamento geométrico no PNAIC

O PNAIC foi uma política pública educacional que entrou em vigor no Brasil em
2012 e teve foco a formação continuada de Professores Alfabetizadores. O programa
tinha como proposta um pacto entre o Governo Federal, Distrito Federal, estados

21
Cármen Lúcia Brancaglion Passos, Lívia de Oliveira Vasconcelos

e municípios para mobilizar esforços com intuito de alfabetizar todas as crianças


brasileiras até o 3° ano do Ensino Fundamental. Enquanto programa de formação de
professores, o PNAIC defendeu a existência de um espaço de reflexão sobre a própria
prática, de problematização das questões emergentes do contexto escolar e de troca
de experiências entre os pares.
Com a proposta de abranger todo o território nacional, o programa se constituiu
como a maior política pública de formação de professores do Brasil. Diante disso,
deu-se o desafio de, por meio de um programa orientado por pressupostos e diretrizes
universais, desenvolver ações que levam em conta aspectos sociais e culturais de
cada região, de modo que o programa pudesse impactar de fato na apreensão de
novas ideias e na criação de novas atitudes pedagógicas e sociais (GATTI, 2003).
O segundo ciclo de formação do programa, desenvolvido no ano de 2014, teve
como foco as questões relacionadas à alfabetização matemática, sendo a geometria
uma das temáticas de formação. Nesse contexto, uma integrante do GEM investigou
o processo formativo de quatro professoras alfabetizadoras3, com o objetivo de
identificar marcas dessa formação em relação ao ensino e a aprendizagem da geometria
(FRANCISCHETTI, 2016).
Essa experiência revelou que o abandono da geometria na formação inicial e
continuada, além da defasagem de formação do pensamento geométrico, deixa
marcas psicológicas nos professores (PASSOS; NACARATO, 2014), que acabam se
tornando resistentes, como pode-se conferir no excerto da pesquisa de Francischetti
(2016, p. 137):

[...] quando eu peguei aquele caderno do Pacto de geometria, eu comentava


com uma colega assim “Nossa! Não cabe mais nada na minha cabeça”, “O
que eu faço?”, E eu fazia anotações e grifava. O que ficou claro é que havia
conceitos e conteúdos que eram para o meu enriquecimento profissional e não
especificamente para serem desenvolvidos com a turma do primeiro ano. (...)
(Entrevista, professora Elisabeth, 1º ano, fev. 2016).

A professora Elizabeth expressa uma postura de resistência que muitos pro­


fessores revelam ao se depararem com a densidade e complexidade dos conceitos

3
Identificadas na pesquisa com nomes fictícios.

22
Espaços de Formação de Professores como Cenário de Desenvolvimento do Pensamento Geométrico

geométricos. São manifestações que revelam ao formador a necessidade de assumir


uma postura sensível, resgatando saberes e estratégias dos participantes e identificando
estratégias para ampliação desses repertórios. Esse tipo de reflexão foi viabilizada por
meio da elaboração e socialização de relatos de experiência, orais e escritos, nos
quais as professoras revelaram suas inseguranças diante do conteúdo da geometria:

[...] o Pacto mostrou outro olhar sobre a geometria, quando eu peguei uma
criança e [perguntei] ao virar uma peça do material manipulável e ela falou para
mim que aquela peça não era mais um retângulo [devido a sua rotação]. O que é
um retângulo? E, eu vi que eu tinha feito uma coisa errada, nesses anos todos,
eu nunca tinha feito ou pensado nisso. (Entrevista, professora Joseli, 3º ano,
fev. 2016). (FRANCISCHETTI, 2016, p. 138)

A reflexão sobre a ação pedagógica é uma estratégia poderosa para a formação


continuada de professores, a qual deve ocorrer, a partir das suas experiências (MC
DIARMID, 1995, citado por REALI; TANCREDI; MIZUKAMI, 2010, p. 484). O relato
anterior nos mostra uma dúvida recorrente de professores dos anos iniciais: o simples
fato de rotacionar uma figura, altera sua classificação? Essa confusão pode ser
consequência de uma aprendizagem superficial das figuras geométricas, centrada
aspectos figurais, que se restringe à associação de nomes às imagens de figuras, sem
explorar os atributos definidores, por exemplo, do retângulo (um quadrilátero com os
pares de lados opostos respectivamente paralelos e ângulos internos de 90 graus).
Ao expressar sua inquietação, a professora Joseli propiciou um contexto favorável
para que o formador pudesse propor uma investigação matemática para investigar os
atributos do retângulo, do quadrado, do losango, do paralelogramo, estabelecendo um
quadro de comparação dessas figuras. Além disso, as professoras tiveram oportunidade
de compreender porque o ensino de geometria não pode se limitar ao reconhecimento
das figuras geométricas (NACARATO; PASSOS, 2003).
Franscischetti (2016, p. 148) mostra que esse tipo de discussão, presente nas
formações do PNAIC, desenvolvido em uma cidade do interior de São Paulo, contribuiu
para a mobilização de:

novos saberes conceituais e pedagógicos, desvelando assim, “outros olhares” para


o ensino e a aprendizagem da geometria, o que contribuiu para a transcendência

23
Cármen Lúcia Brancaglion Passos, Lívia de Oliveira Vasconcelos

de abordagens pedagógicas do campo figural para o campo conceitual e elevou


a complexidade do nível de desenvolvimento do pensamento geométrico nas
salas de aula dos anos iniciais do Ensino Fundamental I.

A formação do PNAIC realizada pela UFSCar, para algumas professoras foi


oportunidade de romper com as barreiras relacionadas ao ensino de geometria. A pro­
posta de novas estratégias de ensino desse campo da matemática, como a escrita de
livros de histórias associado geometria e literatura infantil foi bastante oportuna. Ao
elaborar um livro com as crianças, a professora Nivea4 optou por fazer uma releitura
da obra Clact... Clact... Clact... de Michele Lacocca e Liliana Lacocca:

Figura 1 – Releitura da obra Clact... Clact... Clact...


Fonte: Livro elaboração pela professora Nívea, participante do PNAIC-UFSCar

A elaboração da obra revela como a autora compreendeu os atributos definidores


de retângulos, quadrados e triângulos, à medida que a mesma admite rotações
variadas para essas figuras, compreendendo que isso não interfere na classificação
das mesmas. Oliveira e Passos (2008) explicam que para elaborar um livro com
conteúdo matemático, os professores se aproximam diferentes áreas de conhecimento,

4
Nome fictício.

24
Espaços de Formação de Professores como Cenário de Desenvolvimento do Pensamento Geométrico

constituindo um trabalho interdisciplinar, que abarca elementos culturais, atitudes e


valores, criando uma situação promissora para mudança nas práticas.
Ao acompanharmos a elaboração de livros, projetos interdisciplinares e sequências
didáticas que contemplam temáticas da Geometria, percebemos que para esses
participantes, o PNAIC contribui com o desenvolvimento de pensamento geométrico,
tornando-os mais confiantes para abordagem desse conteúdo em sala de aula.

Expressões do pensamento geométrico na ReAD

Um dos projetos desenvolvidos por membros do GEM está inserido na ReAD.


Essa rede, como mencionado tem como objetivo promover discussões sobre a
complexidade da docência e promover reflexões sobre a prática pedagógica entre
professores experientes, iniciantes, licenciandos e formadores da universidade.
Através do Portal dos Professores5, a ReAD vem se consolidando enquanto espaço de
formação na modalidade virtual.
Ao participarmos desse projeto, identificamos na ReAD a oportunidade de propor
um módulo centrado na temática da geometria dos anos iniciais, uma vez que os atores
envolvidos na rede reconhecem que “para além de conhecimentos pedagógicos, os
professores têm que possuir conhecimento sobre as matérias que ensinam. Conhecer
e controlar com fluidez a disciplina que ensinamos, é algo incontornável no ofício
docente” (GARCIA, 2009, p. 19). Com tal propósito, ofertamos o módulo denominado
“Geometria no Ensino Fundamental I”, para o qual disponibilizamos 60 vagas que
foram preenchidas em menos de 48 horas após a divulgação. A rede foi construída
com a participação de 12 estudantes do curso de Pedagogia, 18 professoras em início
de carreira e 30 professoras experientes. O módulo foi organizado e conduzido por
seis formadores da universidade, dos quais, três são professores de matemática.
A rápida adesão ao módulo de Geometria evidenciou como os próprios professores
buscam espaços e oportunidades para ampliar a base de conhecimento do conteúdo
(SHULMAN, 1986) de matemática. Para a Professora Liene6, a motivação em participar
desse tipo de formação se relaciona a sua trajetória pessoal e profissional:
5
http://www.portaldosprofessores.ufscar.br/
6
Nome fictício

25
Cármen Lúcia Brancaglion Passos, Lívia de Oliveira Vasconcelos

Liene: Olá a todos! Hoje em dia gosto muito de ensinar matemática. Mas nem
sempre foi assim. Quando criança e adolescente, sofria muito. Não entendia
nada da matéria. Em época de provas e notas, nem me iludia, tanto que repeti
de ano duas vezes. Uma tragédia! Os detalhes eu não me esqueço, mas só
para ter certeza de não reproduzi-los. Esse dilema só teve fim quando eu resolvi
me entender com a matemática, fazendo as pazes com ela. Sim, isso mesmo.
Partiu de mim a iniciativa. Eu já era adulta, já tinha alguns anos de experiência,
(tinha feito o magistério) e não me sentia bem com meu posicionamento diante
de minha “ensinagem” no campo da matemática. Não queria que meus alunos
passassem pelo que eu havia passado. Então, comecei a estudar, pesquisar e
tirar dúvidas com pessoas que sabiam matemática (muito mais do que eu!).
Precisei de coragem, tempo, cara de pau e humildade. Quando inicia o ano
letivo, geralmente fazemos uma conversa inicial com os alunos. Há três anos,
nesse dia, quando todos estão com aquela expectativa e ansiedade, pergunto
qual a matéria que eles mais gostam. A matemática fica sempre em último ou
penúltimo lugar para a maioria. Dizem que é difícil e chata. Então eu afirmo que
não é chata e proponho um desafio: digo a eles que até o final do ano, todos
estarão gostando muito de matemática...E há três anos tenho conseguido!!! Pra
maioria. Abraços. (Fórum de Socialização e Apresentação)

A narrativa de Liene evidencia que o desenvolvimento profissional dos professores


está associado ao contexto de trabalho e às demandas da prática (COURA, 2018).
Assim, pensamos em um espaço para dialogar sobre essas demandas e explorar
o pensamento geométrico a partir das experiências pedagógicas dos participantes,
tomando o cuidado de construir, gradualmente, os conceitos do campo e, ao mesmo
tempo, evitar abordagens prescritivas, como ofertas de planos de aulas para serem
replicados pelos participantes (PASSOS; NACARATO, 2018).
O ambiente virtual requer que formadores busquem recursos e estratégias
diferenciados da formação presencial, que contribuam com o desafio de despertar nos
participantes a vontade de acessar o ambiente e interagir com os demais participantes
(MIZUKAMI, 2014). Buscamos elaborar atividades instigantes, para as quais os
participantes tivessem que explorar as habilidades de criação, reflexão e argumentação,
trazendo ao grupo contribuições singulares e não informações recortadas da internet.
Elaboramos atividades matemáticas pautadas na metodologia da resolução de
problemas. Nessa proposta metodológica, o foco da atenção está nas ideias que

26
Espaços de Formação de Professores como Cenário de Desenvolvimento do Pensamento Geométrico

surgem a partir do problema lançado e não na resposta final. “Essas ideias emergentes
serão provavelmente mais integradas com as já existentes e, portanto, haverá uma
melhor compreensão” (VAN DE WALLE, 2009, p. 59).
Com o objetivo de explorar o tópico de localização e movimentação e minimizar
uma lacuna do ensino de geometria nos anos iniciais, que tem “ignorado os sentidos,
o próprio corpo e as experiências dos estudantes em relação ao espaço, reduzindo o
estudo da geometria a figuras planas” (BRASIL, 2014, p. 46), elaboramos o fórum
“Onde está Wally7?”. Nesse problema os participantes tinham como desafio encontrar
o personagem em meio ao cenário e descrever no ambiente virtual - fórum - maneiras
para localizá-lo. Configuramos o fórum para que as participantes só tivessem acesso
à resposta das colegas depois que efetuassem sua própria postagem. A professora
experiente Silvia8, explicou a localização de Wally da seguinte maneira:

Silvia: Olá, pessoal! Que difícil encontrar esse personagem! Mas eu acredito ter
encontrado. Porém, agora ficou difícil descrever sua localização, mesmo e apesar
da imagem tridimensional. Na minha concepção, o Wally está no chão entre as
imagens do Superman e de um avião que está exibindo uma faixa. Ele está próximo,
um pouco à frente e à direita da estátua de um animal com chifres. Esta estátua
está atrás de uns arbustos. Atrás do Wally há uma construção com muitas portas
e janelas. Ele está, aproximadamente, em frente e de costas para a 2ª porta (da
direita p/ a esquerda na imagem). Ao solo, ele está de frente para um homem negro
de camiseta azul e atrás dele há dois homens: um de camiseta branca e o outro de
camiseta amarela. De costas para o Wally, está um homem branco, forte, trajando
calça branca, camisa azul e blazer vermelha.  Espero que essas comandas sejam
viáveis para a localização do Wally. Foi o que pensei no momento. Estou curiosa
para ler a descrição dos colegas de curso... Rsrs. Abraços! (Fórum 3 – Onde está
Wally?, negrito nossos).

Para descrever onde está Wally, em meio a um cenário que faz uso de recursos
visuais colocados intencionalmente para dificultar o investigador, Silvia mobiliza as
noções de lateralidade e o conceito de referencial, que são ideias complementares.

7
Wally é o personagem principal de uma série de livros criada pelo ilustrador Martin Handford. Nas ilustrações
dos livros o leitor precisa encontrar, em algum lugar, o Wally, personagem central da série que está escondido.
Utilizamos uma ilustração em três dimensões para discussão com as professoras. Link da Ilustração:
<https://www.fastcompany.com/3065798/good-luck-figuring-out-wheres-waldo-in-360-degrees>.
8
Nome fictício.

27
Cármen Lúcia Brancaglion Passos, Lívia de Oliveira Vasconcelos

Para pensar em expressões como direita, esquerda, à frente e atrás, faz-se necessário
especificar a direita ou a esquerda de qual referencial.
O primeiro referencial adotado pela criança é seu próprio corpo. À medida que ela
amadurece essa ideia, consegue eleger também referenciais externos como objetos
e pessoas. No caso de Silvia, ela vai mencionando diversos referenciais que estão
demarcados em negrito no excerto, demonstrando a complexidade de ideias que estão
presente na tarefa de encontrar Wally.
Utilizando orientações da metodologia de resolução de problemas, foi possível
criar atividades, como a do Wally, que contribuíram para o desenvolvimento do
pensamento geométrico dos participantes. Por meio de fóruns e do desenvolvimento
de planos de aula, foi possível também debater a respeito do papel da linguagem e
das representações em aulas de geometria, sobre a necessidade de desenvolver um
repertório geométrico para que o aluno consiga comunicar suas ideias e elaborar e
interpretar representações.

Fechando o que sempre continua

As vivências que compartilhamos foram realizadas no sentido de provocar reflexões


para a formação inicial e continuada de professores que ensinam matemática nos
anos iniciais, pensando na importância do desenvolvimento do pensamento geométrico
para a compreensão de mundo. Reafirmamos que as práticas docentes para ensino de
matemática nos anos iniciais precisam olhar mais atentamente para a geometria, não
como um apêndice apresentado nos livros ou nos documentos curriculares. Procuramos
trazer uma abordagem para a formação inicial, outra para a formação continuada e
uma terceira que coloca em uma mesma rede, professores em formação e professores
experientes. A experiência da ReAD nos possibilitou compreender que, fazendo uso
de recursos diferenciados da formação presencial, os espaços virtuais também se
constituem como espaços favoráveis a formação inicial e continuada de professores
para o ensino de Geometria nos anos iniciais. Esses três espaços de formação “com”
professores são fontes de inspiração para nossas pesquisas e estudos e nos possibilitam
continuar acreditando em uma Educação Matemática ao alcance de todos.

28
Espaços de Formação de Professores como Cenário de Desenvolvimento do Pensamento Geométrico

Referências

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SEB, 2014.

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COURA, F. C. F. Desenvolvimento profissional de formadores de professores de


matemática que são investigadores da docência. Tese (Doutorado) – Universidade
Federal de São Carlos, São Carlos, 2018.

FRANCISCHETTI, E. A. A geometria no ciclo de alfabetização: outros olhares a partir


do PNAIC 2014. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de São Carlos, São
Carlos, 2016.

GARCIA, M. C. Desenvolvimento profissional docente: passado e futuro. Sisifo:


Revista de Ciências da Educação. Lisboa, n. 8, p. 7-22, 2009.

GATTI, B. A. Formação continuada de professores: a questão psicossocial. Caderno


de Pesquisa. [online]. n. 119, pp.191-204, 2003.

MIZUKAMI, M. G. N. Formadores de professores e educação a distância: algumas


aprendizagens. In: REALI, A. M. M. R.; MILL, D. Educação a distância e tecnologias
digitais: reflexões sobre sujeitos, saberes, contextos e processos. São Carlos:
EdUFSCar, 2014.

NACARATO, A. M.; PASSOS, C. L. B. A geometria nas séries iniciais: uma análise


sob a perspectiva da prática pedagógica e da formação de professores. São Carlos:
EdUFSCar, 2003.

OLIVEIRA, R. M. M. A. de; PASSOS, C. L. B. Promovendo o desenvolvimento


profissional na formação de professores: a produção de histórias infantis com conteúdo
matemático. Ciência & Educação, v. 14, n. 2, p. 315, 2008.

PASSOS, C. L. B. et al. Processos de formação de professores: narrativas, grupo


colaborativo e mentoria. São Carlos: EdUFSCar (Coleção UAB-UFSCar), 2010. 74 p.

PASSOS, C. L. B.; NACARATO, A. M. O ensino de geometria no ciclo de alfabetização:

29
Cármen Lúcia Brancaglion Passos, Lívia de Oliveira Vasconcelos

um olhar a partir da provinha Brasil. Revista Educ. Matem. Pesq., São Paulo, v. 16, n.
4, pp. 1147-1168, 2014.

PASSOS, C. L. B.; NACARATO, A. M. Trajetória e perspectivas para o ensino de


matemática nos anos iniciais. Estudos Avançados. vol 32, nº 94, p. 119-135, 2018.

PAVANELLO, R. M. O abandono do ensino da geometria no Brasil: causas e


conseqüências. In Zetetiké. Campinas: UNICAMP/FE/CEMPEM. 1993, ano 1, n. 1,
março, pp. 7-17.

SHULMAN, L. S. Those Who Understand: Knowledge Growth in Teaching. Educational


Researcher. v. 15, n. 2. fev. 1986, pp. 4-14.

TANCREDI, R. M. S. P.; REALI, A. M. M. R.; MIZUKAMI, M. G. N. Programa de


Mentoria para professores das séries iniciais: implementando e avaliando um contínuo
de aprendizagem docente. São Carlos, DME/PPGE/UFSCar. Relatório de pesquisa/
FAPESP, 2005.

VAN DE WALLE, J. A. Matemática no ensino fundamental: formação de professores


e aplicação em sala de aula. Tradução de Paulo Henrique Colonese. 6. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2009.

30
A alfabetização científica nas aulas de ciências: uma
proposta de formação continuada para professores
dos anos iniciais de Mato Grosso

Verondina Ferreira Santana


Ana Carolina Araújo da Silva

Introdução

Há muitos anos vem se discutindo a importância do professor refletir acerca da


sua prática docente (NÓVOA, 1992, PÉREZ-GÓMEZ, 1992). Essa reflexão na ação
pode ocorrer tanto na sua participação em projetos desenvolvidos na sua unidade
escolar, quanto por meio de sua formação continuada em exercício, sem afastamento
do ambiente de trabalho, fazendo com que ele tome “consciência” da necessidade de
rever a sua prática e de sua aprendizagem contínua (SCHÖN, 1992).
Por isso, devemos pensar em uma formação de professores que vise desenvolver
a criticidade e reflexão de sua prática, sendo capaz de entender/compreender a
necessidade de uma renovação didático-metodológico no ensino de ciências/química
(CACHAPUZ et al., 2005). Essa mudança pedagógica deve favorecer aos professores
vivências de propostas inovadoras e a reflexão crítica explícita das atividades de sala
de aula na tentativa de introduzir os professores na investigação de problemas de
ensino e aprendizagem de ciências.
Nessa perspectiva, o estado de Mato Grosso compreende que uma possibilidade de
melhorar a qualidade do ensino é a formação continuada de seus profissionais. Assim,
segundo o documento (Política de formação dos profissionais da Educação Básica de
Mato Grosso: formação em rede entrelaçando saberes, 2010, p.15) estabelece que:
Verondina Ferreira Santana, Ana Carolina Araújo da Silva

A formação continuada deve ser entendida como todo o processo formativo


que ocorre depois da formação inicial, seja esta em nível médio ou superior.
O curso superior para quem é professor normalista, é um tipo de continuidade
de formação; o mesmo se dá com aquele professor que cursa sua segunda
licenciatura, ou que busca uma nova habilitação em sua área de formação inicial.

Neste sentido, os professores devem estar em constante formação, ou seja, após


a formação inicial se faz necessário que eles invistam em sua formação continuada, a
fim de que esta possa possibilitar reflexão sobre a própria prática, pois para atender
às necessidades dos discentes na contemporaneidade é indispensável à atualização
constante do profissional em questão. Freire (1996, p. 92) preconiza que “o professor
que não leva a sério sua formação, que não estuda, que não se esforça para estar à
altura de sua tarefa não tem força moral para coordenar as atividades de sua classe.”
Assim sendo, a formação continuada deve ser pensada a partir da participação
dos profissionais da educação, não somente em cursos e palestras sem que esteja
vinculada com o Projeto Político Pedagógico da escola, mas também com estudos
contínuos e sistemáticos ofertados tanto pelas Instituições de Ensino Superior, bem
como as Secretarias de Educação, ou ainda, aquelas definidas no próprio coletivo da
unidade escolar.
Em Mato Grosso a política adotada é a de garantir a formação inicial e continuada
de seus profissionais, pois compreende que a continuidade da formação não é para
preencher a lacuna que por ventura venha existir em relação a formação inicial e nem
para atualizar cientificamente, ou, didaticamente.
Desta forma, em Mato Grosso há uma organização que é os Centros de Formação e
Atualização dos Profissionais da Educação Básica – Cefapros, a origem desses Centros
ocorreu em 1987 na escola Sagrado Coração de Jesus por meio dos professores do
curso de Magistério da rede estadual de Mato Grosso na própria escola. Inicialmente,
com os professores desta unidade escolar e quem dava subsídios nesta época era o
SINTEP-MT (Sindicato dos Profissionais da Educação de Mato Grosso), bem como os
professores da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso) e também profissionais
liberais das áreas do conhecimento.
Hoje existem quinze polos do Cefapros em pontos estratégicos do estado de Mato
Grosso. Há uma divisão dos Cefapros em pequeno, médio e grande porte, de acordo

32
A alfabetização científica nas aulas de ciências: uma proposta de formação continuada para professores
dos anos iniciais de Mato Grosso

com a quantidade de municípios e escolas que acompanham. Para atuarem neste


Centro é realizado um processo seletivo de acordo com a necessidade dos mesmos,
ao adentrar para trabalhar os profissionais fazem o acompanhamento, orientação,
assessoramento e intervenção na escola, de preferência no Sala do Educador.
O presente capítulo relata a formação continuada que ocorreu nos Cefapros
de Rondonópolis e Cuiabá, por meio de uma proposta de formação específica aos
professores dos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental e também do Ensino Médio
destes dois municípios. Nosso objetivo é relatar o processo de formação continuada
dos professores de Ciências da Natureza que ocorreu no ano de 2015 nos municípios
de Rondonópolis e Cuiabá/MT aos professores da rede estadual de educação.
Assim sendo, partimos do entendimento que a formação continuada deve
promover momentos de estudo, discussão e intervenção sobre os principais aspectos
relacionados ao conhecimento científico, ao ensino e a aprendizagem de Ciências da
Natureza com o foco nas práticas educativas, que venham subsidiar a reflexão crítica
das ações pedagógicas.

Do Projeto Sala do Professor ao Projeto Sala de Educador

O Projeto Sala de Professor surgiu em Mato Grosso no ano de 2003, como um


projeto de formação continuada que contemplava apenas os professores e acontecia
na unidade escolar. Com o passar do tempo, os funcionários começaram a participar
do Sala não fazendo mais sentido o projeto, assim sendo este projeto foi repensado
culminando com a publicação da Lei 12.014/2009, entendendo que os profissionais
da escola com habilitação também educam.
Assim, a unidade escolar compreende que a escola é um espaço de formação
e como tal deve propiciar a todos a formação continuada, desta forma em 2010 o
Projeto Sala de Professor passa a ser chamado de Sala de Educador, pois na escola
todos são educadores.
O Projeto Sala de Educador visa fortalecer a Escola como um espaço formativo
e com coletividade, tendo como objetivo refletir, inovar, pesquisar e colaborar para
superar as fragilidades e assim possa haver uma construção das aprendizagens.

33
Verondina Ferreira Santana, Ana Carolina Araújo da Silva

No entanto, esse Projeto passa a ser um compromisso da unidade escolar,


sendo que o Coordenador Pedagógico que organiza e executa o Sala de Educador,
acompanhado pelos formadores do Cefapros do polo em que a escola está próximo.
Nesta perspectiva, até 2014 as escolas tinham a autonomia para no coletivo de
todos os profissionais da educação selecionar as temáticas a serem estudas pelas
unidades escolares, haja vista que cada uma tem a sua peculiaridade.
Em 2015 houve mudanças nesta configuração, pois após análise dos resultados
das avaliações externas pela equipe da Secretaria de Educação de Mato Grosso foi
constatado um baixo índice da proficiência dos alunos nas disciplinas de em Língua
Portuguesa e Matemática. A partir da análise desses dados, a Superintendência de
Formação da Seduc/MT propõe modificações significativas para o desenvolvimento
do Projeto Sala do Educador, buscando melhorar não só a proficiência dos alunos,
mas também de todos os profissionais da educação da escola.
Foi a partir desta análise que ofertamos a formação para professores dos anos
iniciais, finais e médio nos municípios de Rondonópolis e Cuiabá com o intuito de
subsidiar a reflexão da prática e de como trabalhar conceitos com metodologias e
estratégias de ensino que pudessem contemplar cada etapa do Ensino Fundamental
e Médio, para promover um ensino que propiciasse uma aprendizagem significativa.

Uma proposta de formação continuada para os professores dos


anos iniciais

A sala do Educador propicia momentos formativos, no qual os estudos teóricos


pautam as reflexões dos professores em relação ao seu fazer docente. Desta forma, é na
formação continuada desenvolvida na escola que há troca de saberes, assim pedagogos
contribuem com professores de Ciências e vice-versa propiciando uma aprendizagem
significativa para professores que reverbera na aprendizagem dos alunos.
Esses momentos formativos são acompanhados/orientados pelos professores
formadores dos Cefapros. No início do ano é encaminhado para a escola o orientativo
para o desenvolvimento desse projeto. O projeto Sala de Educador (PSE) 2015 orientou
que todas as unidades escolares do estado deveriam elaborar os seus projetos de

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A alfabetização científica nas aulas de ciências: uma proposta de formação continuada para professores
dos anos iniciais de Mato Grosso

formação continuada sobre proficiência, bem como analisar os resultados da Prova


Brasil do quinto e nono ano, Prova ANA do terceiro ano do Ensino Fundamental, ENEM
do terceiro ano do Ensino Médio e também olhar esses resultados no site do QEDU,
pois nesta plataforma os dados da proficiência são apresentados mais esmiuçados.
A partir de então, os professores e gestores escolares estudaram as Matrizes
de Referência destas avaliações e também as competências e habilidades para cada
ano avaliado. Estes estudos foram orientados pelos formadores do Cefapros que
acompanharam o PSE nas escolas.
Neste sentido, professores adequaram suas avaliações internas para que
pudessem contemplar as competências e habilidades para cada ano, uma vez que
no ano de 2015 os alunos do quinto e nono ano do Ensino Fundamental fariam a
Prova Brasil. Vale ressaltar que os formadores orientaram e acompanharam o estudo
desses profissionais em suas respectivas escolas, assim sendo, todas as turmas foram
adequando as suas avaliações internas nos moldes da Prova Brasil, uma vez que mais
a frente esses alunos poderão fazer também essas avaliações.
Para além das disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, as outras
disciplinas buscaram estudar as Orientações Curriculares do estado de Mato Grosso,
nas áreas da Ciências da Natureza e Ciências Humanas, pois nestas áreas ainda não
há uma Matriz de Referência para Ensino Fundamental, já o Ensino Médio possui
uma Matriz de Referência do ENEM para todas as áreas, assim essas áreas também
se preocuparam em buscar melhorar a forma de avaliar para auxiliar as áreas da
Linguagem e Matemática e criar uma cultura em que todos devem se preocupar em
melhorar a qualidade do ensino.
Pode se perceber uma grande movimentação dos docentes no sentido de trabalhar
as avaliações com os alunos, bem como de dar um feedback aos discentes do que
eles mais erravam nas avaliações e trabalhar esses erros. Além disso, iniciou uma
discussão sobre planejamento coletivo para as áreas, pois perceberam a importância
desta metodologia para que pudessem discutir e trabalhar melhor as competências e
habilidades das mesmas.
O cronograma dos encontros de formação continuada é organizado coletivamente,
obedecendo à carga horária e à utilização de parte da hora atividade semanal (do
professor) para o desenvolvimento do Projeto Sala do Educador, que terá um total

35
Verondina Ferreira Santana, Ana Carolina Araújo da Silva

mínimo de 80 (oitenta) horas no ano letivo, distribuídas, preferencialmente, em 40


(quarenta) horas no primeiro semestre e 40 (quarenta) horas no segundo semestre.
Cada encontro deverá durar, pelo menos, 04 (quatro) horas de atividades; (sendo
permitido 03 horas presenciais e 01 hora de transposição didática ou aplicação prática).
Assim foi organizado pelas formadoras de Ciências da Natureza do Cefapros
de Rondonópolis e Cuiabá uma formação que pautasse uma reflexão sobre a prática
docente, bem como houvesse troca de saberes entre os participantes uma vez que os
alunos fazem avaliações externas somente de Língua Portuguesa e Matemática, mas
que trazem conceitos de Ciências que muitas vezes os professores não conseguem
fazer essa articulação em suas aulas.

A formação continuada de professores de ciências no município


de Rondonópolis

Em 2015 a partir de um diagnóstico realizado junto aos professores dos anos


iniciais ficou evidenciado que eles tinham dificuldades em trabalhar determinados
conceitos de Ciências com seus alunos, assim os Professores Formadores da área das
Ciências da Natureza do Cefapros polo de Rondonópolis elaboraram uma formação
intitulada “Repensando o papel das Ciências da Natureza nos anos iniciais e finais da
Educação Básica”.
A formação teve como objetivo promover uma discussão em relação à Alfabetização
Científica tanto para professores alfabetizadores como para professores de Ciências
dos anos finais que se inscreveram. Desta forma, os encontros foram pautados em
referenciais teóricos, bem como de práticas que pudessem ser desenvolvidas em sala
de aula e que ao final da formação deveriam trazer um relato de experiência por escrito
de como se deu a realização dessas atividades nas aulas de ciências e socializar com
o grupo.
Com o intuito de promover uma prática docente transformadora permeada de
conceitos científicos a serem internalizados pelos professores, e mesmo que o professor
alfabetizador não tenha uma especialidade em nenhuma disciplina específica e nem os
professores de Ciências tenham a habilidade de ser um professor pesquisador como

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A alfabetização científica nas aulas de ciências: uma proposta de formação continuada para professores
dos anos iniciais de Mato Grosso

afirmam alguns teóricos, torna se necessário buscar uma formação continuada que
possa auxiliá-los e assim promover um ensino, no qual os alunos desenvolvam uma
aprendizagem com qualidade.
A formação foi proposta a partir de metodologias que abrangessem a alfabetização
científica e também oficinas e socializações das práticas.
A princípio entregamos uma folha para que os participantes escrevessem quais
seriam suas maiores dificuldades em trabalhar a disciplina de Ciências, bem como
quais os conteúdos enfrentavam dificuldades para ministrar, o diagnóstico nos
mostrou que temas como meio ambiente, células, tecnologias no ensino de ciências,
sexualidade, gêneros, dentre outros eram muito complexos, carecia então de um
olhar mais amplo e específico para compreender e aprender como abordar essas
temáticas em sala de aula.
No primeiro encontro, discutimos o que é Meio Ambiente e coadunamos com
Lima e Silva (1999) quando nos trazem que é um “conjunto de fatores naturais, sociais
e culturais que envolvem um indivíduo e com os quais ele interage, influenciando e
sendo influenciado por eles”, pois mostramos a eles que este conceito vai para além
da natureza, mas que estamos imersos em vários meio ambientes, por exemplo:
ambiente familiar, ambiente externo, ambiente virtual, entre outros.
Assim, desenvolvemos nos encontros oficinas para melhor compreensão destes
conceitos que eles apresentaram dificuldades em desenvolver.
No segundo encontro, foram discutidos conceitos de célula e uma oficina para
montarem células comestíveis. Deste modo, separamos os docentes em 5 grupos
e entregamos a eles desenhos esquemáticos de célula eucariótica animal e vegetal.
Para realizar essa atividade foram disponibilizados diversos doces de variadas formas
e cores, bombons, leite condensado, leite ninho e bolo. Orientamos aos professores
que utilizassem o bolo para representar a célula e representando o citoplasma o leite
condensado e leite ninho.
Conforme fossem olhando para o desenho íamos discutido qual organela colocar
na célula e também qual era sua função deixando-os à vontade para escolher o doce,
ou bombom, que iriam utilizar para representar as organelas. Nos grupos que tinham
professores de Ciências dos anos finais e médio junto aos pedagogos observamos
que o trabalho fluiu melhor do que os que tinham apenas unidocentes. Depois de
confeccionar a célula escolhida, chegou o momento mais esperado por eles: comerem

37
Verondina Ferreira Santana, Ana Carolina Araújo da Silva

as células que fizeram e conforme degustavam teriam que dizer qual a organela,
suas funções e importância no funcionamento dos organismos vivos com o intuito de
alfabetizar cientificamente os professores com os conceitos.
Observamos que houve uma compreensão melhor sobre os conceitos de
células por meio da realização desta oficina, desta forma foi lhes proporcionado
uma aprendizagem significativa. Percebemos que o ensino desta disciplina pelos
pedagogos ainda encontra muitas dificuldades, pois só após a assimilação pelos
professores destes conceitos é que eles puderam desenvolvê-la em sala de aula com
mais segurança. Pedracini et al (2007, p. 301), enfatiza que “parece evidente que o
modo como o ensino é organizado e conduzido está sendo pouco eficaz em promover
o desenvolvimento conceitual”.
Neste sentido, se faz necessário que os professores dos anos iniciais da educação
básica de ensino compreendam esses conceitos imprescindíveis ao desenvolvimento
de seu trabalho docente, de acordo com Chassot (2014, p. 17) “somente a partir da
compreensão das ciências é que podemos instruir nossos alunos a fazer uma leitura
do mundo em que vive e assim conseguir transformar o que se faz neste mundo.”
A sexualidade e os gêneros foram muito discutidos pelo grupo, pois encontram
dificuldades em trabalhar com os alunos, logo assistimos a um vídeo de Drauzio
Varela que aborda esse assunto, e a partir das discussões puderam compreender de
que forma pode ser levada para a sala de aula essa temática tão polêmica. Uma vez
que envolve toda a parte biológica e química das funções do organismo humano.
Para os docentes dos anos finais foi gratificante a interação com os pedagogos,
pois eles têm muita facilidade em desenvolver atividades lúdicas. Conforme Kraemer
(2010, p.1-3) “as atividades lúdicas são utilizadas desde a antiguidade” e para ela
“brincando a criança e o adulto aprende a compreender o mundo em que vivem”.
Para além, foi realizada uma oficina no laboratório de informática em que
discutimos a importância de se trabalhar a ludicidade por meio da utilização das
tec­nologias. Discutimos o conceito de lúdico, como pode ser abordado no ensino
fundamental, contextualizamos objetos de aprendizagem, no qual Cunha (2004)
preconiza que os jogos

são indicados como um tipo de recurso didático educativo que podem ser
utilizados em momentos distintos, como na apresentação de um conteúdo,

38
A alfabetização científica nas aulas de ciências: uma proposta de formação continuada para professores
dos anos iniciais de Mato Grosso

ilustração de aspectos relevantes ao conteúdo, como revisão ou síntese de


conceitos importantes e avaliação de conteúdos já desenvolvidos

Logo em seguida, disponibilizamos vários links para que acessassem os objetos


e pudessem jogar e recapitular os conceitos científicos estudados, vale ressaltar
que no Banco Internacional de Objetos Educacionais – BIOE há uma infinidade de
objetos, vídeos, dentre outros materiais que podem auxiliar os docentes. Assim, os
professores pedagogos e de ciências gostaram muito, pois aprenderam a baixar os
objetos educacionais e a utiliza-los em suas aulas de forma satisfatória.

A formação continuada de professores de ciências no município


de Cuiabá

A partir do Orientativo do PSE 2015 o município de Cuiabá propôs uma formação


continuada que envolvesse atividades interventivas em sala de aula. A formação foi
intitulada como Letramento Científico: Química e Física. Essa formação teve como
carga horária 40 horas.
A formação Letramento Científico: Química e Física teve como objetivo promover
uma discussão em relação à Alfabetização Científica e Letramento Científico para
professores de Ciências (Química e Física) do Ensino Médio. Nessa formação, houve
momentos presenciais e à distância. Nos encontros presenciais as discussões pau­
taram-se em referenciais teóricos e em proposição de atividades que pudessem ser
desenvolvidas em sala de aula. Já os momentos à distância seriam as atividades que
os professores devolveriam com os seus estudantes em sala de aula. Ao final da
formação, os mesmos deveriam trazer um relato de experiência por escrito de como
aconteceram as atividades nas suas aulas de ciências e socializar com o grupo.
A formação foi proposta a partir de metodologias que abrangessem a Alfabetização
Científica, Letramento, Atividades Investigativas e sequências de aulas. Aconteceram
8 encontros presenciais com discussão das teorias dos temas apresentados e
desenvolvimento de atividades com os professores que fossem possível de reprodução
em sala de aula e/ou adequação da metodologia ou atividade com seus estudantes.

39
Verondina Ferreira Santana, Ana Carolina Araújo da Silva

Nos encontros da formação introduzimos atividades investigativas e apresentamos


a metodologia pautada da formação que seria a sequência de didática. Para Zabala
(1998), a sequência didática é “um conjunto de atividades ordenadas, estruturadas e
articuladas para a realização de certos objetivos educacionais, que têm um princípio
e um fim conhecidos tanto pelo professor como pelos alunos” (ZABALA, 1998, p.
18). As sequências didáticas podem ser consideradas como uma maneira de situar
as atividades, e não podem ser vistas apenas como um tipo de tarefa, mas como um
critério que permite identificações e caracterizações preliminares na forma de ensinar
(ZABALA, 1998).
Nessa perspectiva, apresentamos para os professores a necessidade de estruturar
os conteúdos das ciências com a escolha de um recurso didático relacionado com uma
atividade, ou seja, as estratégias didáticas utilizadas pelos professores podem auxiliar
a prática do professor. As atividades desenvolvidas com os professores na formação
foram a diferenciação entre os tipos de atividades investigativas e a proposição de um
roteiro de atividades experimentais que proporcionasse a investigação. De acordo com
Sá, et al (2009), os roteiros de investigações experimentais podem ser organizados de
acordo com três abordagens:

Investigação estruturada – Nesta abordagem, o professor propõe aos estudantes


um problema para investigar, fornece os procedimentos e os materiais, não os
informam sobre os resultados previstos, mas propõe questões para orientá-los
a conclusão. Os estudantes devem descobrir relações entre as variáveis ou
generalizar de outra maneira dos dados coletados.
Investigação semiestruturada – Nesta abordagem, o professor fornece o pro­
blema para investigar e os materiais. Os estudantes devem planejar seu próprio
procedimento para resolver o problema, além de chegar as suas próprias
conclusões.
Investigação aberta – Nesta abordagem o professor pode propor ou não o
tema a ser investigado. O estudante tem ampla autonomia para a realização da
atividade. Eles devem formular seu próprio problema para investigar, planejar
seu procedimento, sistematizar os dados coletados, fazer as interpretações e
planejar estratégias de socialização do conhecimento construído.

Também foram discutidos a Formação de Conceitos Científicos e Atividade

40
A alfabetização científica nas aulas de ciências: uma proposta de formação continuada para professores
dos anos iniciais de Mato Grosso

discursiva nas salas de aula de ciências. Nessa discussão utilizamos as teorias de


Vygotsky que é um aporte teórico para o desenvolvimento das reflexões, evidenciando
algumas premissas julgadas essenciais à compreensão das complexidades associadas
à aprendizagem conceitual em sala de aula, como o reconhecimento de que os sujeitos
modificam de forma ativa as forças ativas que os transformam. Para Vygotsky (1989)
o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores do estudante deve ser
observado de forma prospectiva, ou seja, devemos focar nossa atenção sobre os
conceitos que ainda precisam ser dominados na sua trajetória acadêmica.
O último encontro da formação envolveu a socialização de experiências relativas
ao ensino e à aprendizagem de ciências nas aulas dos professores participantes da
formação. Esse momento de socialização é importante, pois cria possibilidades por
meio de ações colaborativas entre os professores, que venham a favorecer um trabalho
concreto e real na construção de práticas pedagógicas e metodologias de ensino para
as disciplinas de ciências.

Considerações finais

A formação continuada dos professores no estado de Mato Grosso ocorre por


meio dos quinze Cefapros localizados em diversos pontos estratégicos e neste trabalho
trouxemos as atividades desenvolvidas pelos formadores da Área das Ciências da
Natureza dos Cefapros de Rondonópolis e Cuiabá.
Avaliações apontaram o quanto é importante à continuidade da formação após
a inicial, bem como interação entre professores dos anos iniciais e finais do Ensino
Fundamental, bem como do Médio. Tanto pedagogos quanto professores de Ciências
avaliaram satisfatórios, pois os encontros propiciaram a troca de saberes, no qual os
docentes de Ciências puderam auxiliar os Unidocentes na compreensão da linguagem
cientifica e assim compreenderam a importância do Letramento e Alfabetização para
melhorarem suas aulas, já os Unidocentes contribuíram muito com os de Ciências no
sentido de refletirem e melhorarem suas metodologias na explicação dos conteúdos
em sala de aula.
Desta forma, percebemos uma movimentação dos docentes em suas respectivas

41
Verondina Ferreira Santana, Ana Carolina Araújo da Silva

unidades escolares, em que houve uma aproximação dos professores dos anos iniciais,
finais e médio no momento do planejamento das aulas. Sendo assim, a formação
continuada desses docentes a partir da troca de saberes possibilitou um melhor
trabalho no momento do planejamento e execução da aula, buscando assim uma
melhor maneira de trabalhar os conceitos da disciplina de Ciências em todo o Ensino
Fundamental e Médio, consequentemente uma melhor aprendizagem dos alunos e
uma melhoria na qualidade do ensino.

Referências

CACHAPUZ, A. et al.. A necessária renovação do ensino das Ciências. São Paulo:


Cortez, 2005.

CHASSOT, A. Alfabetização Científica: Questões e desafios para a educação. Ijuí:


Editora Unijuí, 6 ed., 2014.

CUNHA, M. B. Jogos de Química: Desenvolvendo habilidades e socializando o grupo.


Eneq 028- 2004.

KRAEMER, Maria Luiza. Aprendendo com criatividade. Campinas-SP. Autores


associados, 2010.

LIMA-E-SILVA, P. P. et al. dicionário brasileiro de ciências ambientais. Rio de Janeiro:


Thex, 1999.

MATO GROSSO. Secretaria de Educação e Cultura. Decreto no 2.007/1997, que


dispõe sobre a criação de Centros de Formação e Avaliação do Professor. Cuiabá:
Seduc, 1997.

______. Secretaria de Educação e Cultura. Lei Complementar no 50/1998, que dispõe


sobre a carreira dos Profissionais da Educação Básica. Cuiabá: Seduc,1998.

______. Secretaria de Educação e Cultura. Lei no 8.405/2005, que dispõe sobre a


estrutura administrativa e pedagógica dos Centros de Formação e Atualização dos
Profissionais da Educação Básica do Estado de Mato Grosso. Cuiabá: Seduc, 2005.

42
A alfabetização científica nas aulas de ciências: uma proposta de formação continuada para professores
dos anos iniciais de Mato Grosso

______. Política de formação dos profissionais da Educação Básica de Mato Grosso:


formação em rede entrelaçando saberes. SUFP/SEDUC/MT. Cuiabá, 2010b.

_______. Secretaria de Educação e Cultura. Política de formação dos profissionais da


educação básica de Mato Grosso. Cuiabá: Seduc, 2010.

SÁ, Eliane Ferreira de.; Paula, H. F. ; MUNFORD, D.. Ensino de Ciências com caráter
investigativo II. In: Maria Emília Caixeta de Castro Lima; Carmen Maria De Caro
Martins; Danusa Munford. (Org.). Ensino de Ciências com caráter investigativo II. Belo
Horizonte, 2009

NÓVOA, António. Formação de professores e profissão docente. In: NÓVOA, A. (org).


Os professores e sua formação. Lisboa-Portugal, Dom Quixote, 1992.

PÉREZ-GÓMEZ, A. O pensamento prático do professor: a formação do professor como


profissional reflexivo. In: NÓVOA, A. (org). Os professores e sua formação. Lisboa-
Portugal, Dom Quixote, 1992.

SCHÖN, D. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, A. (org).


Os professores e sua formação. Lisboa-Portugal, Dom Quixote, 1992.

VYGOTSKY, L.S.Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1989

ZABALA, A. A Prática Educativa: Como educar. Porto Alegre, 1998.

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Narrativas de formação de uma professora que ensina
matemática nos anos iniciais

Beatriz Gonçalves de Faria


Reginaldo Fernando Carneiro

Introdução

Entendendo a formação, principalmente, como uma tomada de consciência


reflexiva e pensando no sujeito na perspectiva defendida por Freire (1996), como um
ser inacabado, pensamos em explorar o potencial das narrativas autobiográficas como
método de pesquisa e também como um interessante instrumento de autoformação,
capaz de levar o sujeito a refletir sobre sua própria história e (re)significar as experiências
vividas, conferindo-lhe o papel de um agente ativo, transformador, responsável e
coparticipante no seu processo formativo.
Nesse sentido, sendo o professor um profissional inacabado e que deve estar em
constante formação, a narrativa autobiográfica apresenta-se como uma possibilidade
para a produção de um conhecimento que permite compreender a realidade educacional,
os processos formativos e o sujeito em sua dimensão pessoal e profissional. A nar­
rativa não tem como finalidade apenas relembrar o passado, mas possibilitar uma
compreensão de si e dos sentidos atribuídos às experiências vividas, provocando uma
aprendizagem a partir do próprio percurso formativo e da transformação do sujeito e
de suas práticas.
Este trabalho tem como objetivo refletir sobre os processos de formação docente,
o desenvolvimento profissional do professor e a identidade docente de uma professora
que ensina ciências e matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Para
Narrativas de formação de uma professora que ensina matemática nos anos iniciais

tanto, a primeira autora deste texto escreveu narrativas autobiográficas e relatou suas
vivências e experiências nas disciplinas de um curso de Especialização em Ensino de
Ciências e Matemática nos anos iniciais. Neste capítulo, abordaremos e discutiremos
apenas as narrativas que trataram das disciplinas de matemática.
Inicialmente, apresento as reflexões teóricas que norteiam a escrita deste texto.
Em seguida, descrevo a abordagem metodológica adotada neste trabalho e o contexto
de produção das narrativas. Depois trago as narrativas e suas respectivas análises
e reflexões. Por fim, teço algumas considerações em que expresso as implicações
do trabalho para minha formação docente e para meu desenvolvimento pessoal e
profissional.

A formação de professores e a prática docente

Ao discutirmos sobre formação docente e identidade profissional, não po­


de­
mos deixar de citar Freire (1996) que argumenta que ensinar exige consciência
do inacabamento. É fundamental compreender que, quando conscientes desse
inacabamento, somos necessariamente implicados num movimento de busca e é na
inconclusão do ser que se percebe como tal, que se funda a educação como processo
permanente.
Gatti e Barreto (2009), ao tratar especificamente dos cursos de Pedagogia e da
análise de seus currículos, revelam que os conteúdos específicos das disciplinas a serem
ministradas em sala de aula não são objeto dos cursos de formação inicial. Destacam
ainda o desequilíbrio na relação teoria-prática, em favor do pretenso tratamento de
fundamentos e teorizações e confirmam que a escola ainda é objeto quase ausente
nas ementas, revelando uma formação de caráter mais abstrato e pouco integrado ao
contexto concreto que o profissional-professor deverá atuar.
Diante desse cenário, as autoras ainda acrescentam que a formação continuada,
com o propósito de atualização e aprofundamento dos conhecimentos, foi se
deslocando para uma concepção de formação compensatória destinadas a preencher
lacunas da formação inicial.
A formação do professor para o ensino de matemática é abordada por Albuquerque
e Gontijo (2013), em seu trabalho que trata da complexidade e das implicações

45
Beatriz Gonçalves de Faria, Reginaldo Fernando Carneiro

dessa formação para a prática docente. Também defendem a necessidade de uma


compensação para as limitações da formação inicial do professor polivalente, visto
que a carga horária dedicada aos conhecimentos específicos é muito reduzida.
Na perspectiva dos autores, a formação docente não é a única responsável pelo
saber profissional, mas ela é indispensável para a sistematização do conhecimento
e deveria trabalhar na perspectiva do desenvolvimento profissional, oportunizando
uma participação ativa dos professores na (re)construção e (re)significação de novos
saberes. O professor também se desenvolve profissionalmente ao longo de sua
trajetória e por meio de suas experiências e da formação.
Nesse contexto, desenvolvimento profissional é entendido como uma atitude
permanente de busca, como um processo em que os professores

[...] reveem, renovam e desenvolvem o seu compromisso como agentes de


mudança, com os propósitos morais do ensino e adquirem e desenvolvem
conhecimentos, competências e inteligência emocional, essenciais ao pen­
samento profissional, à planificação e à prática com as crianças, com os jovens e
com os seus colegas, ao longo de cada uma das etapas das suas vidas enquanto
docentes. (DAY apud MARCELO, 2009, p.10).

Ampliando esse conceito, Marcelo (2009) defende ainda que devemos compre­
ender o desenvolvimento profissional dos professores como uma construção do
eu profissional, que evolui ao longo de sua carreira e que sofre influências dos
mais diferentes contextos. Em outras palavras, é a construção de uma identidade
profissional, um processo evolutivo de interpretação de si e que se traduz na forma
como os professores definem-se a si mesmos e aos outros.
Assim, a identidade vai sendo construída ao longo da vida, pois “não é um dado
adquirido, não é uma propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas
e de conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e de estar na profissão”
(NÓVOA apud CAPORALE; NACARATO, 2018, p. 573).
Esse processo de formação construído permanentemente e de forma única em
cada um, perpassa pela forma que cada professor, como autor de sua própria história,
confere sentido à sua prática docente no cotidiano, a partir do seu modo de ser e
estar no mundo, com seus valores, com sua história, com seus saberes, com suas
angústias, nas suas mais diversas relações e nos mais diversos contextos.

46
Narrativas de formação de uma professora que ensina matemática nos anos iniciais

Por isso, destaco novamente a importância dos estudos autobiográficos para


a formação do professor. Por meio da própria narrativa é possível refletir sobre
as aprendizagens e as experiências construídas, levando o professor a reviver, a
analisar e a avaliar os seus saberes-fazeres e assumir o papel de protagonista do
seu processo de formação. Dessa forma, compreendendo o professor como um
profissional inacabado que deve estar em constante formação, a narrativa não tem
como objetivo apenas relembrar o passado, mas possibilitar a aprendizagem a partir
do próprio percurso formativo.

Caminhos percorridos na pesquisa

Diante da busca por uma metodologia de caráter teórico-reflexivo que compreenda


um olhar para o modo como os indivíduos atribuem sentido às experiências vividas,
a narrativa autobiográfica surgiu como uma possibilidade para trilhar um caminho
que explicite a singularidade e coloque o professor, em todas as suas dimensões, no
centro de seu processo formativo.
No âmbito da abordagem qualitativa, a pesquisa autobiográfica ou narrativa vem
conquistando seu lugar e ganhando destaque como um método científico autônomo
e reconhecido no meio acadêmico. Do ponto de vista metodológico, “trata-se de
pesquisa bibliográfica, de caráter teórico-reflexivo a partir de experiências práticas
no campo da investigação sobre formação de professores baseada em narrativas
autobiográficas” (SILVA; MAIA, 2010, p. 2).
O uso de narrativas autobibliográficas permite uma entrada no universo mais
subjetivo do sujeito, possibilitando a reflexão e a compreensão sobre os sentidos que
ele próprio atribui às experiências vividas, garantindo a legitimidade e o direito de
narrar sua própria história. A produção da narrativa emerge da busca da compreensão
de si e, por esse motivo, possui um grande potencial como instrumento de reflexão e
de transformação do sujeito e de suas práticas.
As narrativas autobiográficas permitem a produção de um conhecimento a
partir da relação entre o singular e o universal e são instrumentos que promovem
aprendizagens e compreensão da prática docente, uma vez que possibilitam conhecer
e compreender aspectos relacionados aos processos formativos e às demais práticas

47
Beatriz Gonçalves de Faria, Reginaldo Fernando Carneiro

e vivências da pessoa que narra e revela a si mesma enquanto sujeito e profissional


em seus diferentes modos de ser e estar no mundo. Tomar as narrativas como objeto
de reflexão é entender que a escrita de si, por ser uma escrita autobiográfica, promove
um momento de autorreflexão e constitui um momento singular para desenvolver a
competência interpretativa sobre si e sobre o cotidiano escolar (GASPAR; PEREIRA;
PASSEGGI, 2012).
A partir do exposto, justifica-se a abordagem metodológica utilizada neste trabalho
pelo seu potencial reflexivo, por possibilitar colocar o professor como protagonista
do seu processo de formação a partir de suas experiências, autoconhecimento e (re)
significação de sua prática pedagógica.
Para narrar sobre o meu processo de formação, principalmente, no que diz
respeito à realização da Especialização no Ensino de Ciências e Matemática nos anos
iniciais, busquei descrever os aprendizados e as experiências compartilhados durante
a realização do curso. Para isso, escrevi um total de dez narrativas, sendo uma delas
sobre meu interesse na realização da especialização e as demais sobre cada uma das
nove disciplinas cursadas.
Para me auxiliar nessa tarefa e contemplar o relato das vivências da melhor maneira
possível, apoiei-me em algumas questões orientadoras que foram fundamentais nesse
processo. As questões traziam indagações como “o que esperava da disciplina?”,
“como foi a realização da disciplina?”, “o que mais me chamou a atenção?”, “o que
não gostei?”, “quais atividades desenvolvidas foram mais significativas?”, “quais as
contribuições da disciplina para minha formação?”, “quais os impactos na minha sala
de aula?” etc., provocando inquietações e despertando lembranças que ampliaram e
enriqueceram a escrita.
Para análise dos dados, foram realizadas diferentes leituras das narrativas e
retirados excertos que foram categorizados por temáticas semelhantes. A partir das
narrativas, emergiram quatro temáticas, mas que devido ao espaço que temos, neste
texto, iremos apresentar e discutir somente a referente à matemática: “A formação a
partir das disciplinas de matemática”.

O que dizem as narrativas: algumas reflexões...

Serão apresentados abaixo alguns fragmentos das narrativas escritas a partir

48
Narrativas de formação de uma professora que ensina matemática nos anos iniciais

das aprendizagens e das experiências proporcionadas pelas disciplinas de matemática


durante a Especialização em Ensino de Ciências e Matemáticas nos anos iniciais. Tais
fragmentos, escolhidos de forma a contemplar algumas experiências serão trazidos
para o texto para que, além de revelar a experiência vivida, seja possível adentrar nas
situações e refletir sobre elas.

A formação a partir das disciplinas de matemática

Tinha muitas expectativas em relação às disciplinas de matemática, “afinal,


uma das motivações em buscar a especialização era o desejo de lecionar a disciplina
de matemática de uma forma mais significativa e prazerosa, para que os alunos
construíssem uma relação com a matéria diferente da que foi construída por mim no
meu processo de escolarização”. Nessa perspectiva, “sentia a necessidade de um
aprofundamento e de refletir sobre as concepções de ensino de matemática, pois
percebia que às vezes, mesmo sem intencionalidade, acabava reproduzindo práticas
vivenciadas por mim enquanto aluna”.
Perceber as falhas em nossas práticas e refletir sobre elas já é o primeiro passo
para que possamos pensar em proporcionar uma experiência diferenciada para os
alunos, o que era um desejo compartilhado por muitas colegas do curso. Filho e Ghedin
(2018) defendem que a formação do professor que ensina matemática pode contribuir
de forma significativa para que o profissional desenvolva sua prática proporcionando
aprendizagens que possibilitem aos estudantes dialogarem e interagirem com a
realidade no sentido de mudá-las.
As disciplinas levaram-nos para esse caminho, fazendo-nos repensar o ensino de
matemática e fornecendo elementos para que pudéssemos proporcionar aos alunos
experiências diferentes das vividas em nossas trajetórias e construir com eles uma
relação de aprendizagem mais agradável.
Na disciplina de “Tendências no Ensino de Matemática nos Anos Iniciais”

trabalhamos ao longo das aulas com os temas: resolução de problemas,


investigação matemática, material manipulável e jogos. Cada um destes temas
foi muito bem explorado pelos professores e em todas as aulas eram levados

49
Beatriz Gonçalves de Faria, Reginaldo Fernando Carneiro

materiais manipuláveis e atividades para que pudéssemos experimentar e para


que também pensássemos em estratégias para utilizar com nossos alunos. As
indicações de leitura e a disposição dos professores em nos orientar também
ajudaram muito neste processo.

Já na disciplina de “Leitura e Escrita nas Aulas de Matemática nos Anos Iniciais” o


foco era o trabalho com livros de histórias infantis nas aulas de matemática, trabalhando
a disciplina de maneira contextualizada e integrada com a língua portuguesa.

Ao longo das aulas, tivemos a oportunidade de conhecer diversos livros de


literatura e de desenvolver atividades a partir dos mesmos. E diferente do que
eu imaginava, não é necessário que o livro traga explicitamente conteúdos
matemáticos para que possam ser utilizados como estratégia para garantir
um ensino de matemática de maneira contextualizada e que faça sentido
para as crianças. A literatura possui um caráter formativo muito amplo, pois
além do seu caráter de entretenimento, que dá prazer, diverte e emociona,
a literatura também pode atender a um propósito pedagógico, pois os livros
podem oferecer aspectos bastante oportunos para que conceitos matemáticos
sejam apresentados às crianças. De forma contextualizada e lúdica, ela pode
ser disparadora de diversos conteúdos e é capaz de despertar a curiosidade do
aluno, o interesse pela compreensão das ideias apresentadas, além de contribuir
para a formação de um novo leitor.

Além disso, as histórias infantis podem tornar a aprendizagem mais interessante


e significativa para os alunos. Silva (2012) entende que a literatura infantil possui
um potencial formativo muito amplo e não deve, portanto, ser utilizada apenas em
momentos de lazer. De acordo com o autor, é necessário enxergar a sua função
pedagógica e “aproveitar a riqueza da diversidade de linguagens, dos aspectos
lúdicos, da gravura e de outros aspectos da obra literária, visando um trabalho que,
se bem organizado, direcionado e planejado, poderá propiciar atividades motivadoras
e significativas” (SILVA, 2012, p.52).

Por experiência própria, acredito que o modelo tradicional de ensino, de forma


fragmentada, desconectado do cotidiano dos alunos e dissociado das demais
disciplinas, além de impor regras e técnicas que são memorizadas e pouco

50
Narrativas de formação de uma professora que ensina matemática nos anos iniciais

tempo depois esquecidas, contribui para um distanciamento e desinteresse


dos alunos. Sobrepondo-se ao modelo tradicional, desenvolvemos na disciplina
metodologias diferenciadas, que muito inspiraram a minha prática em sala de
aula. Além de trabalharmos com livros de literatura prontos, tivemos também a
oportunidade de criá-los.

Para Filho e Ghedin (2018), muitas vezes, a maneira como os professores


ensinam matemática pauta-se em um tradicionalismo e linearidade que não permitem
aprendizagens para os alunos. Os autores ainda destacam que a formação não deve
se resumir a um amontoado de conhecimentos teóricos sem sentido prático, pelo
contrário, ela deve, na medida em que o professor exerce sua prática pedagógica,
ultrapassar a inércia e imaterialidade dos conhecimentos. Nas disciplinas cursadas
fomos rompendo com este modelo tradicional de ensino e nos apropriando de novas
possibilidades de trabalho.
De forma prazerosa, sempre com metodologias acessíveis e concretas, foram
surgindo trabalhos interessantes que foram apresentados por mim e pelas demais
colegas durante as aulas no curso.

Meu trabalho, em parceria com uma amiga, foi sobre resolução de problemas e
nosso objetivo era desenvolver uma atividade que, além de atrativa e diversificada,
permitisse a construção de conteúdos matemáticos de forma significativa,
possibilitando que a criança criasse, refletisse e utilizasse diferentes estratégias
para a solução. Para isto, desenvolvemos um trabalho a partir da literatura
através do livro “E o dente ainda doía” de Ana Terra e construímos pequenos
problemas apoiados na história do livro. O resultado nos agradou tanto que
decidimos apresentá-lo na terceira edição do Encontro de Práticas em Ciências
e Matemática nos Anos Iniciais (CIMAI).

Segundo Marquesin e Nacarato (2019), perspectivas de ensino pautadas na


resolução de problemas em práticas investigativas e nos processos de elaboração
conceitual precisam ser objeto da formação de professores, contrapondo-se aos
modelos tecnicistas de ensino.
Albuquerque e Gontijo (2013) corroboram com esse pensamento e complementam
que a formação deve oportunizar a ativa participação do docente nesse processo,

51
Beatriz Gonçalves de Faria, Reginaldo Fernando Carneiro

tornando-o capaz de, em um movimento contínuo e autônomo, construir novos


conhecimentos e também significá-los e ressignificá-los ao longo de sua trajetória
profissional e de sua prática pedagógica.
Para além da sala de aula da especialização, os resultados dos trabalhos
começaram a surgir na minha sala de aula. Os impactos e as contribuições das
disciplinas e as inspirações dos trabalhos realizados pelos colegas, começaram a
refletir na minha prática, afinal, como apontam Albuquerque e Gontijo (2013), nos
desenvolvemos profissionalmente ao longo da nossa trajetória docente por meio das
nossas experiências e da nossa formação, inicial e continuada.

Lecionei para uma turma de educação infantil no ano de 2018 e as ideias


sobre materiais manipuláveis e jogos me ajudaram muito a construir atividades
diferenciadas e atrativas. Brincamos de boliche, de amarelinha, de jogos de
tabuleiro com dados, de bingo dos números, construímos desenhos com formas
geométricas, construímos diferentes gráficos e muitas outras coisas. O retorno
dos alunos foi muito satisfatório, todos se envolviam nas atividades e de forma
divertida iam construindo seu aprendizado. Tenho certeza que as contribuições
trazidas pela disciplina terão também um impacto muito positivo nas minhas
futuras turmas.

Outra atividade interessante que poderia ser citada foi a

Elaboração de uma sequência didática com uma turma de 2º período de educação


infantil a partir do livro “Cadê o docinho que estava aqui?”, uma releitura da
parlenda ”Cadê o toucinho que estava aqui?”. Iniciei levando para a aula um
tabuleiro coberto e organizei uma roda em torno do tabuleiro. Questionei se
alguém saberia o que tinha ali dentro e após ouvir algumas respostas descobri
o tabuleiro e questionei: “Cadê o docinho que estava aqui?” Os alunos ficaram
muito empolgados e perguntei se alguém conhecia a parlenda que inspirou
a história do livro e a relembramos e questionei também o que poderia ter
acontecido com os docinhos da sala... Após a leitura, convidei os alunos para
realizarmos uma busca pelos docinhos através da realização de charadas. Cada
charada estava dentro de um envelope que eu havia escondido e espalhado
pela sala. Ao encontrar o envelope e encontrar a solução, havia indicações no
envelope de onde estaria a próxima charada. Após encontrarem e realizarem as
cinco charadas propostas (que abordavam as formas geométricas e sequências

52
Narrativas de formação de uma professora que ensina matemática nos anos iniciais

lógicas) encontramos os docinhos e os próprios alunos fizeram a divisão dos


mesmos e decidiram dar os que sobraram para a professora de educação física.
Aproveitando o momento e o envolvimento dos alunos, construímos depois um
gráfico sobre o doce preferido dos alunos.

Outra experiência que vale a pena mencionar foi

[...] a realização de atividades com os alunos a partir de uma história que havíamos
criado na disciplina da especialização. Em parceria com três amigas, desenvolvi
uma história em quadrinhos de quatro cenas que abordava o aniversário da
Magali e a ida da turma da Mônica para uma pizzaria para comemorar o dia.
Inicialmente havíamos pensado na história para trabalhar os conteúdos de fração
e possibilidades de combinação, mas, como desenvolvi a atividade com alunos
do primeiro ano do ensino fundamental, tive que fazer algumas adaptações
e trabalhei com eles sobre a divisão da pizza utilizando materiais concretos,
discutimos sobre diferentes soluções para o problema apresentado na história
(Magali ter comido todo o restante da pizza) e construímos um gráfico sobre os
sabores de pizza preferidos pelos alunos.

Filho e Ghedin (2018, p. 9) compreendem que “a formação não se faz antes da


mudança, mas sim durante o processo de formação que depende dos professores e
também da transformação das práticas pedagógicas na sala de aula”. Poder ver o
impacto da formação na transformação de minhas práticas foi muito motivador, além
do resultado na sala de aula ter sido muito interessante. A mudança no envolvimento
e na participação dos alunos foi muito significativa.

Houve momentos de agitação, mas movimentá-los, tirá-los da zona de conforto


e do que estão acostumados a realizar no dia a dia, fez com que participassem de
maneira muito mais expressiva. De forma prazerosa e não rotineira, foi possível
trabalhar conteúdos matemáticos e todos os alunos conseguiram compreender
as questões que foram naquele momento sugeridas. É uma prática que com
certeza continuarei desenvolvendo nas minhas próximas turmas.

Interessante falar sobre essa mudança no comportamento das crianças, porque


foi algo muito significativo. Toda mudança implica em sair da rotina e se tratando

53
Beatriz Gonçalves de Faria, Reginaldo Fernando Carneiro

de crianças pode gerar certa agitação, mas, como apontam Filho e Ghedin (2018),
os alunos são curiosos o suficiente para iniciar um processo investigativo e devem
compreender a matemática como uma ciência útil, que os ajude a compreender,
explicar ou organizar sua realidade. Os alunos sentem a necessidade de coisas novas,
de atividades que lhes tragam algum significado, assim o professor pode direcionar
esse tipo de atividade.
E, de fato, as crianças não estavam acostumadas a trabalhar em grupos e ao
realizar a proposta de uma dinâmica de trabalho diferente do habitual, é natural que
cause nelas uma movimentação, estranhamento e aparente desordem na turma.
Mas, o resultado foi muito positivo e além do esperado, pois as crianças ficaram
empolgadas e participaram ativamente das atividades propostas, inclusive as crianças
que possuem mais dificuldades e, normalmente, não se manifestam ou aquelas que
frequentemente demonstram desinteresse e apatia. Nossa postura enquanto professor
diante dessas e de outras situações também precisa ser repensada.
A disciplina “Educação Matemática: Concepções e Aspectos Filosóficos”
atendeu exatamente a esse propósito, pois nos tirou de nossa zona de conforto. Para
muito além de conteúdos matemáticos, a disciplina levou-nos a refletir, desconstruir
e reconstruir nossos olhares e nossas práticas.

[...] através da leitura de textos, da realização de atividades diferenciadas e da


discussão de diferentes assuntos em sala, fomos refletindo sobre os modos de
ser professor, de ser e estar no mundo e na sala de aula, sobre as múltiplas
dimensões do ensinar e aprender, sobre o inusitado, sobre multiplicidade, sobre
a sensibilidade no olhar e sutileza no agir... Aprendizados que me enriqueceram
muito e que levarei para a minha sala de aula e para a minha vida.

Albuquerque e Gontijo (2013) defendem que deve haver nos processos de


formação uma participação ativa do professor, de forma que possam manifestar
seus pensamentos e questionamentos, agindo dessa forma na sua própria formação
viabilizando a constituição de um profissional reflexivo, crítico e investigativo. Refletir
sobre essas questões me levou a parar para repensar a minha postura em sala de
aula frente às diferentes situações que acontecem em nosso dia a dia e que estamos
acostumados a ignorar

54
Narrativas de formação de uma professora que ensina matemática nos anos iniciais

E na sala de aula acontece muita coisa, nós é que estamos habituados a não
ver ou a não querer ver. Não queremos abrir espaço para o novo que chega,
de repente, sem avisar. Afinal, não temos dúvidas que é muito mais cômodo
e seguro se orientar pelo currículo proposto e seguir o planejamento de uma
aula do que responder a uma questão inusitada, falar de um acontecimento
importante, dar espaço para que uma novidade seja compartilhada, entrar em
uma brincadeira, ouvir uma piada, contar um caso, explicar um fenômeno na
natureza, observar uma borboleta voando que passa devagar... “Quantas vezes
dizemos “não é hora disto” ou “não temos tempo para isto agora” ou ainda “se
sobrar tempo fazemos isto”? Que tempo é este que nunca temos? Que tempo
é este que nos consome? Que tempo é este que nunca podemos perder? Que
tempo é este de aprender? Aprendemos somente quando estamos debruçados
sobre conteúdos impostos pelo currículo? Aprendemos apenas quando seguimos
o planejamento? Quanto de aprendizagem não poderia aparecer no que passa
despercebido em uma sala de aula? Não aprendemos quando falamos da vida?

Não é tarefa fácil desenvolver um olhar sensível para essas sutilezas, mas a
disciplina despertou esse desejo. E despertou também para refletir sobre o processo
de ensino e aprendizagem e para repensar o aluno que desejo formar e o profissional
que desejo ser, delineando a minha identidade profissional, os espaços que desejo ou
não ocupar e os modos de ser e estar na profissão.
Envolver-me nesse processo foi fundamental para minha formação, pois precisamos
ter clareza do papel que queremos exercer e como explicitam Filho e Ghedin (2018),
enquanto os professores não forem protagonistas de seu desenvolvimento profissional
e enquanto a formação do professor não assumir uma identidade, o docente seguirá
carente de reflexões sobre a sua práxis.

O aprender é processo. É acontecimento. Aprender não é reprodução. Não é


imitação. O aprender não acontecerá para todos da mesma forma, pois cada
sujeito é único e será tocado de uma forma diferente. Cada sujeito é singular
e por este motivo aprenderá de uma maneira diferente, ao seu modo. Como
podemos imaginar que teríamos controle neste processo? Como podemos querer
que todos aprendam ao mesmo tempo e da mesma forma? Infelizmente a nossa
prática tende a querer homogeneizar e nosso propósito é que os alunos caminhem
juntos e cheguem todos juntos ao mesmo lugar. Não nos sensibilizamos para
uma questão tão importante: uma sala de aula é formada por múltiplos sujeitos,

55
Beatriz Gonçalves de Faria, Reginaldo Fernando Carneiro

múltiplos saberes, múltiplas vivências, múltiplas expectativas, múltiplos interesses,


múltiplos conflitos, múltiplos sentimentos... Não podemos ter a pretensão de que
todos irão aprender juntos e a disciplina me fez pensar muito sobre isto e me
ajudou inclusive a rever meu planejamento, adaptar e modificar algumas práticas
que não estavam funcionando para todos, a lidar melhor com minhas frustrações
e a desenvolver um olhar mais sensível para o que acontece em sala de aula.

Essas experiências provocaram muitos aprendizados, inquietações, reflexões e


experiências que foram compartilhadas e a descoberta do quanto à disciplina pode ser
divertida, desafiadora e prazerosa e o quanto precisamos, enquanto profissionais da
educação, de sensibilidade, criatividade, receptividade e respeito ao saber do educando.

Algumas considerações

Sabe-se que refletir sobre os processos de formação docente, o desenvolvimento


profissional e a identidade docente é uma tarefa difícil, que necessita considerar
diversos aspectos e abordagens por ser um campo muito amplo e diverso. Portanto,
não espero com este trabalho findar as discussões sobre o tema, mas contribuir para
essa tarefa a partir das reflexões aqui realizadas.
Nas reflexões apresentadas, procurei destacar a potencialidade das narrativas
auto­
biográficas como método de pesquisa nos estudos sobre formação docente.
Ao refletir sobre suas possibilidades no âmbito dos estudos sobre a formação de
professores, compreendi que essa metodologia se constitui como um espaço privilegiado
de investigação, aprendizagens e reflexão, revelando-se como uma possibilidade de
autoformação e como instrumento de reflexão e de transformação do sujeito e de
suas práticas.
Desse modo, na pesquisa sobre formação de professores, as narrativas auto­
biográficas servem tanto à produção de conhecimento quanto à autoformação. O uso
das narrativas possibilita a compreensão da realidade a partir da perspectiva do sujeito,
revelando também as implicações da pessoa com suas experiências, possibilitando que
o professor se coloque no centro do seu processo formativo, conferindo-lhe o papel
de um agente ativo, transformador, responsável e coparticipante do seu processo de
formação e de construção da sua identidade profissional.

56
Narrativas de formação de uma professora que ensina matemática nos anos iniciais

Ao escrever revelamos nossos saberes, experiências e identidades, e as narrativas,


produtos dessa escrita, desvelam os olhares para a (re)significação do vivido e para
o reconhecimento de si como sujeito ativo e responsável de seu processo formativo.
Adentrei nas minhas vivências e experiências a partir da escrita não apenas com o
objetivo de recordar o passado, mas reconstruir e refletir sobre a minha trajetória
pessoal e profissional, minha prática profissional e os caminhos que quero seguir.
Compreendo que a transformação da escola está intimamente ligada ao trabalho
docente. Nesse sentido, para que tenhamos uma educação de qualidade é necessário
formar profissionais responsáveis, qualificados e comprometidos com a educação e
com as pessoas.
Devemos, enquanto profissionais da educação, nos comprometer com a formação
de um sujeito crítico, autônomo e participativo em nossa sociedade e, desta forma,
não podemos lidar com o conhecimento de forma acrítica e descontextualizada
da realidade. Ao primar pela articulação entre os saberes científicos e os saberes
experienciais que são adquiridos no cotidiano, o curso de Especialização promoveu
essa tarefa muito bem, possibilitando a construção e reconstrução de conhecimentos
que hoje se tornaram importantes para minha prática profissional.
A partir das aprendizagens e das experiências vivenciadas ao longo do curso de
Especialização, tive a oportunidade de refletir sobre meu próprio percurso enquanto
aluna no processo de escolarização, refletir sobre minhas crenças/práticas e construir
novos conhecimentos para a sala de aula.
Esse processo fez-me perceber que os impactos e as contribuições das disciplinas
cursadas já começaram a refletir em minha prática em sala de aula, trazendo um
resultado muito positivo no que diz respeito ao envolvimento e ao interesse dos alunos,
além de possibilitar a construção de um saber com muito mais sentido e significado.
Para além de uma formação compensatória destinada a preencher lacunas de
uma formação inicial polivalente, a Especialização possibilitou-me ampliar meus
horizontes e descobrir o quanto a disciplina de matemática pode e deve ser divertida,
desafiadora e prazerosa e o quanto precisamos, enquanto profissionais da educação,
de sensibilidade, criatividade, receptividade e respeito ao saber do educando. E o
primeiro passo para a mudança é estar aberto para elas, com a consciência de que
somos profissionais inacabados e que devemos, sempre, estar em constante formação.

57
Beatriz Gonçalves de Faria, Reginaldo Fernando Carneiro

Referências

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formação do professor de matemática e suas implicações para a prática docente.
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ou professora de matemática: percurso de (trans)formação. Perspectiva – Revista do
Centro de Ciências da Educação, Florianópolis, v. 36, n. 2, p. 558-579, abr./jun. 2018.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São


Paulo: Paz e Terra, 1996.

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professor dos anos iniciais: reflexões e considerações. In: COLBEDUCA E CIEE, 4.,
2., 2018, Braga e Paredes de Coura, Portugal. Anais... Braga e Paredes de Coura,
Portugal, 2018.

GASPAR, Mônica Maria Gadelha de Souza; PEREIRA, Fátima; PASSEGGI, Maria da


Conceição. Diário de acompanhamento: reflexões sobre a escrita do memorial de
formação. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE PESQUISA (AUTO)BIOGRÁFICA
(CIPA), 5., 2012, Porto Alegre, RS. Anais... 2012, Porto Alegre, RS.

GATTI, Bernardete Angelina; BARRETO, Elba Siqueira de Sá. Professores do Brasil:


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MARCELO, Carlos. Desenvolvimento profissional docente: passado e futuro. Sísifo


-Revista de Ciências da Educação, Lisboa, n. 8, p. 7-22, jan./abr. 2009.

MARQUESIN, Denise Filomena Bagne; NACARATO, Adair Mendes. Cenas de práticas


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Maria, v.44, p. 1-22, 2019.

SILVA, Adelmo Carvalho da. Literatura infantil e a formação de conceitos matemáticos


em crianças pequenas. Ciências & Cognição, Rio de Janeiro, v.17, n. 1, p. 37-57, 2012.

SILVA, Francisco das Chagas Rodrigues da; MAIA, Sidclay Ferreira. Narrativas
autobiográficas: interfaces com a pesquisa sobre formação de professores. In:
ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO DA UFPI, 6., 2010, Teresina. Anais...
Teresina, 2010.

58
Formação continuada de professores que lecionam
ciências nos anos iniciais do ensino fundamental:
superando medos e angústias numa experiência de
pesquisa-ação com brinquedos científicos

Paulo Henrique Dias Menezes


Vanessa Cristina Mattoso

Introdução

Este estudo insere-se no contexto de um projeto de pesquisa que objetivou


investigar a transposição de uma metodologia de ensino, baseada na construção de
brinquedos científicos, para aulas de ciências dos anos iniciais do Ensino Fundamental. O
projeto global foi orientado por três objetivos principais: I) investigar as potencialidades
dessa metodologia para o ensino de ciências; II) investigar a relação entre o lúdico e
o didático na construção dos brinquedos científicos; e III) investigar a transposição
dessa metodologia para sala de aula pelo professor. Neste texto apresentamos um
dos resultados inerentes ao terceiro objetivo, mais especificamente, no que tange
ao processo de formação e desenvolvimento profissional docente da professora do
ensino fundamental que compôs a equipe de pesquisadores.
O projeto global teve início em 2012 com um curso de capacitação para professoras
do 4º e do 5º ano do ensino fundamental, intitulado “Brinca Ciência”, que contou
com o apoio do “Programa Novos Talentos” da “Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior” (CAPES). A proposta do curso era disseminar uma
nova metodologia de ensino de conceitos de física em aulas de ciências do ensino
fundamental através da construção e da análise do funcionamento de brinquedos
Paulo Henrique Dias Menezes, Vanessa Cristina Mattoso

científicos projetados para esse fim (EIRAS; MENEZES, 2012), e foi norteada pelo
ideal de fazer com que as ações formativas ultrapassassem os limites dos modelos
tradicionais de capacitação que, em geral, instrumentaliza o professor, mas não dá
suporte para a aplicação em sala de aula.
Nesse sentido, o curso foi organizado em módulos que intercalavam o estudo da
metodologia com aplicações em turmas piloto, conduzidas pelas próprias professoras
cursistas acompanhadas por um professor formador. É importante destacar que isso
só foi possível porque a proposta contou com o apoio da Secretaria Municipal de
Educação que liberou as professoras em um turno aula da semana para participar
do curso. Dessa forma, as aplicações nas turmas pilotos podiam ser acompanhadas
todas as professoras cursistas.
Posteriormente, em 2013, com o apoio do programa de pesquisa em educação
básica da “Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerias” (FAPEMIG),
tivemos a oportunidade de elaborar um novo projeto que possibilitou o acompanhamento
da transposição dessa metodologia em uma turma do 5º ano do ensino fundamental
de uma escola pública de tempo integral, durante um ano letivo regular. Para isso, foi
feita uma parceria com uma das escolas inscrita no curso de capacitação ministrado
em 2012. Por motivos pessoais, a professora que havia passado pela capacitação não
pode participar desse novo projeto. Em seu lugar a direção da escola indicou outra
professora que se tornou membro da equipe de pesquisadores e recebeu o apoio de
uma bolsa de pesquisa durante o tempo em que permaneceu no projeto.
Neste texto narramos e analisamos uma parte do processo de desenvolvimento
profissional dessa professora durante a execução do projeto. Partimos da perspectiva
de uma pesquisa qualitativa orientada pelos pressupostos da pesquisa-ação formativa
(MION; SAITO, 2001). A análise da experiência vivenciada pela professora foi conduzida
através de uma ação auto reflexiva crítica que envolveu a elaboração de um diário
de bordo, que foi revisitado posteriormente, a partir da releitura das aulas registradas
em vídeo, em um processo recursivo orientado pela teoria da ação dialógica de Paulo
Freire.

60
Formação continuada de professores que lecionam ciências nos anos iniciais do ensino fundamental:
superando medos e angústias numa experiência de pesquisa-ação com brinquedos científicos

Referencial teórico

A formação inicial dos professores que lecionam ciências nos anos iniciais do ensino
fundamental

De um modo geral, os professores que lecionam ciências nos anos iniciais do


Ensino Fundamental são graduados em cursos de pedagogia que proveem uma formação
generalista em diferentes campos do conhecimento escolar. Nesse modelo formativo,
conteúdos de ciências são ministrados, geralmente, em uma ou duas disciplinas
durante todo o curso. No caso das disciplinas ligadas à formação mais específica do
professor, um estudo conduzido por Gatti e Barreto (2009) indica a predominância em
enfoques de fundamentação que pouco exploram as práticas educacionais.

[…] A análise dos conteúdos das ementas indica, que nas disciplinas referentes aos
conhecimentos relativos à formação profissional específica também predominam
enfoques que buscam fundamentar os conhecimentos de diversas áreas, mas
pouco exploram seus desdobramentos em termos das práticas educacionais.
Suas ementas frequentemente expressão preocupação com justificativas,
com o porquê ensinar, o que pode contribuir para evitar que os conteúdos se
transformem em meros receituários. Entretanto, só de forma muito insipiente
registram o quê e como ensinar. […]. (GATTI; BARRETO, 2009, p.121)

Com ponderações que não iremos tratar neste texto, esse tipo de formação
quase sempre gera insegurança ao professor quando desafiado a lidar com conteúdos
de áreas específicas, em especial no campo das ciências da natureza (LORENZETTI;
DELIZOICOV, 2001; HAMBURGUER, 2007; BAROLLI; BELUSCI, 2013).
Os cursos de capacitação em ensino de ciências têm sido uma estratégia
amplamente utilizada para cobrir possíveis lacunas da formação inicial dos
professores que atuam nos anos iniciais do ensino fundamental. Entretanto, alguns
estudos indicam que os resultados desse tipo de estratégia costumam ser bastante
tímidos (DAMASIO; STEFFANI, 2008; MONTEIRO; MONTEIRO, 2010). De acordo
com esses estudos, uma das principais fragilidades desses cursos encontra-se na
distância entre os saberes acadêmicos abordados e os saberes experienciais dos

61
Paulo Henrique Dias Menezes, Vanessa Cristina Mattoso

professores, advindos da ação em sala de aula. Nesse aspecto, corroboramos com


Gatti e Barreto (2009, p.231-232) ao afirmarem que:

[…] os processos de formação continuada que buscam modificar conceitos,


atitudes e práticas não podem ignorar o que pensam e sabem os professores e as
influências do ambiente sociocultural em que vivem e trabalham. Para isso não
bastam os levantamentos informativos sobre os participantes de um processo
de formação continuada, ou mesmo mapeamento preliminares sobre seus
conhecimentos e necessidades. Os professores clamam por muito mais. Querem
ser ouvidos no processo, querem poder expressar suas dúvidas e expectativas
profissionais em um ambiente de trabalho em que seja possível estabelecer
laços sociocognitivos, afetivos e motivacionais com seus formadores, seus
tutores, seus pares, laços que abram as portas para novas ideias, concepções
e caminhos alternativos a trilhar. Querem encontrar em seus formadores e nos
processos formativos dos quais participam, sinais de respeito e interesse pelo
seu trabalho e compromisso em torno de um propósito comum que é a melhoria
da formação e aprendizagem dos alunos.

Além disso, apesar da considerada relevância do ensino de ciências para a


formação de crianças e jovens, as pesquisas nessa área não têm priorizado estudos
sobre os anos iniciais do ensino fundamental. De acordo com Hamburguer (2007) a
preocupação dos pesquisadores da área de educação em ciências até o final do século
XX estava concentrada basicamente nos anos finais do ensino fundamental e no
ensino médio. Os poucos estudos voltados para os anos iniciais do ensino fundamental
(NASCIMENTO; BARBOSA-LIMA, 2006; ROSA, C.; ROSA, A.; PECATTI, 2007;
ZANON; FREITAS, 2007; SASSERON; CARVALHO, 2008) indicam haver uma grande
dificuldade em transferir os resultados obtidos para sala de aula. Vários obstáculos
são evidenciados, entre os quais destaca-se a fragilidade da formação em ciências das
professoras e professores que lecionam nesse seguimento de ensino.

A teoria da ação dialógica de Paulo Freire

A perspectiva de pesquisa-ação que orienta este estudo (MION; SAITO, 2001)


tem como fundamentação principal a teoria da ação dialógica de Paulo Freire. Segundo

62
Formação continuada de professores que lecionam ciências nos anos iniciais do ensino fundamental:
superando medos e angústias numa experiência de pesquisa-ação com brinquedos científicos

Freire (1993), uma ação dialógica deve apresentar quatro características principais:
a colaboração, a união, a organização e a síntese cultural. A colaboração, como
característica primeira, se opõe à conquista naquilo que Freire denomina de ação
antidialógica. Para Freire (1993), na teoria dialógica da ação não há um objeto a ser
dominado ou conquistado e sim sujeitos que se encontram para a pronúncia do mundo
em co-laboração. Essa colaboração se concretiza na comunicação, que tem no diálogo
o principal elemento de articulação e mediação.
Na concepção de colaboração de Freire, os sujeitos dialógicos se voltam sobre a
realidade, problematizando-a. As respostas aos desafios da realidade problematizada
já são, em si, ações dos sujeitos sobre a realidade para transformá-la por meio do
“desvelamento” do mundo e da “desmitificação”.
A união – como segunda característica da ação dialógica – se dá em favor da
libertação. Para Freire (1993, p.172-173), os sujeitos oprimidos se encontram em
situação de “aderência” à realidade que se apresenta como algo “todo-poderoso,
esmagador”, que o aliena, dando-lhe um conhecimento falso de si e da própria
realidade. Por isso, a união deve ocorrer no sentido de uma ação libertadora em que os
sujeitos “reconhecendo o porquê e o como de sua aderência (à realidade mitificada),
exerçam um ato de adesão à práxis verdadeira de transformação da realidade”.
Na teoria da ação dialógica, a organização é o “processo no qual a liderança
(considerada como democrática e revolucionária) instaura o aprendizado da pronúncia
do mundo, aprendizado verdadeiro, por isto, dialógico.” (FREIRE, 1993, p.177). Freire
considera a organização como um desdobramento natural da união. Por isso, na
concepção libertadora de Freire, a liderança não pode dizer sua palavra sozinha, mas,
sim, com o outro.
A síntese cultural reconhece e funda-se nas diferentes visões dos diferentes
sujeitos. Para Freire (1993, p.178), “toda ação cultural é sempre uma forma
sistematizada e deliberada de ação que incide sobre a estrutura social, ora no sentido
de mantê-la como está ou mais ou menos como está, ora no de transformá-la.”
Com isso, a síntese cultural pode estar a serviço da dominação ou da libertação dos
homens, se constituindo naquilo que Freire (1993, p.179) denomina de “dialeticidade
permanência-mudança”. Desta forma, uma ação cultural dialógica não visa fazer
desaparecer essa dialeticidade, mas superar as contradições antagônicas que impedem
a libertação dos homens.

63
Paulo Henrique Dias Menezes, Vanessa Cristina Mattoso

Nesse sentido, entendemos que os obstáculos que os professores encontram


para lecionar ciências nos anos iniciais podem ser superados por meio de uma ação
dialógica que promova a superação de seus medos e angústias por meio de estratégias
que comunguem com as quatro características apontadas no início desta seção: a
colaboração, a união, a organização e a síntese cultural.

Desenvolvimento profissional docente e conscientização

O desenvolvimento profissional docente, em geral, requer uma tomada de


consciência que, por sua vez, é um processo repleto de lutas e de conflitos, de
hesitações e de recuos (NÓVOA, 1995). Segundo Freire (1993), a tomada de cons­
ciência alcança sua plenitude na prática social, em que homens e mulheres se fazem
sujeitos no contato com outros homens e outras mulheres. Para Freire (2000), o
estado de desenvolvimento de uma pessoa adulta pode ser caracterizado pela forma
como ela se relaciona com o mundo e com os outros, e como se posiciona diante dos
desafios do mundo concreto. Essa relação pode ser caracterizada por dois estados
de consciência: a consciência intransitiva e a consciência transitiva. A consciência
intransitiva é característica do homem no seu estado mais bruto, em que suas ações
são norteadas pelo instinto básico da sobrevivência. Na concepção de Freire educar
significa romper com esse estado de consciência, evoluindo para um estado de
consciência transitiva que pode ser ingênua ou crítica (MENEZES, 2003).
O estado de consciência transitiva ingênua se caracteriza, entre outros aspectos,
“pela simplicidade na interpretação dos problemas, pela tendência a julgar que o
tempo melhor foi o tempo passado, pela subestimação do homem comum, pelo gosto
acentuado pelas explicações fabulosas, pela fragilidade da argumentação” (FREIRE,
2000, p.68-69). Para Freire, esse é o estado de consciência predominante na maioria
dos homens e mulheres.
Por outro lado, o estado de consciência transitiva crítica se caracteriza,
principalmente, pela profundidade na interpretação dos problemas, por despir-se ao
máximo de preconceitos na análise e na apreensão destes, pela substituição das
explicações mágicas por princípios causais, pela prática do diálogo e não da polêmica.
Para Freire, esse estado consciência pode ser alcançado por meio de uma educação

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Formação continuada de professores que lecionam ciências nos anos iniciais do ensino fundamental:
superando medos e angústias numa experiência de pesquisa-ação com brinquedos científicos

dialógica e ativa, voltada para a responsabilidade social e política do ser humano.


(FREIRE, 2000, p.69)
É importante notar que na concepção de Freire homens e mulheres são sempre
seres em construção e que sua plenitude se dá na relação com o outro e com o
mundo. Daí o fato de a consciência estar sempre em um estado transitivo.
Para Freire (1993), uma das formas de se atingir uma educação dialógica e
ativa é por meio dos “círculos de cultura”. Espaços comuns em que os sujeitos se
encontram e reencontram-se, na coincidência das intenções, na comunicação e no
diálogo que “criticiza” e promove os participantes do círculo.
No círculo de cultura, a rigor, não se ensina, aprende-se em “reciprocidade de
consciências”; não há professor, há um coordenador, que tem por função dar as
informações solicitadas pelos participantes e propiciar condições favoráveis à dinâmica
do grupo, reduzindo ao mínimo sua intervenção direta no curso do diálogo. (FREIRE,
1993, p.12).
Nesse sentido, apropriamo-nos da ideia dos círculos de cultura e dos princípios
dialógicos descritos por Paulo Freire para criar um grupo de pesquisa que propiciasse a
instauração de um diálogo capaz de gerar a emancipação das pessoas envolvidas. Esse
grupo foi formado por um professor pesquisador da universidade, por uma professora
do ensino fundamental, por um aluno de graduação, bolsista de iniciação científica,
e um aluno do ensino médio, bolsista de iniciação científica júnior. A dinâmica das
reuniões desse grupo será apresentada nas seções seguintes.

A metodologia do estudo

O contexto da pesquisa

A pesquisa foi desenvolvida no sentido de se estabelecer uma relação dialógica


entre a universidade e a escola. Para isso, todos os participantes do grupo tinham
o status de pesquisador. Consideramos de suma importância o fato de a professora
do ensino fundamental também ter recebido uma bolsa de pesquisadora, não só
pelo aspecto da valorização do seu trabalho, mas também para o estabelecimento e
configuração de uma relação de pertencimento ao ambiente universitário.

65
Paulo Henrique Dias Menezes, Vanessa Cristina Mattoso

O grupo de pesquisa foi constituído em setembro de 2013 e se reuniu semanalmente


por um período de dois anos. Na fase inicial do projeto as reuniões foram focadas na
organização do cronograma de aplicação das atividades, na construção dos brinquedos
científicos e na discussão dos conceitos físicos envolvidos no funcionamento desses
brinquedos.
O caderno de atividades (KLISYS, et al, 2010) apresentava dezesseis roteiros de
brinquedos, dois quais dois foram descartados porque o material não estava disponível.
Os kits de brinquedos, juntamente com os cadernos de atividades, foram adquiridos
com as verbas do projeto da FAPEMIG e distribuídos gratuitamente para todos os
alunos que participaram do projeto. O cronograma de aplicação foi estabelecido em
consonância com o calendário escolar de 2014, procurando, sempre que possível,
seguir a programação da professora. Foram previstas oito aplicações, quatro por
semestre. Cada aplicação previa a construção de um ou dois brinquedos.
Para fins de coleta de dados foram feitos registros em vídeo de todas as aplicações.
Para isso, a pesquisa foi registrada na Plataforma Brasil e autorizada pelo Comitê de
Ética em pesquisa da universidade. Todos os pais (ou responsáveis) assinaram um
termo de consentimento livre e esclarecido, autorizando a participação dos alunos nas
atividades do projeto.
Durante a execução da proposta a equipe de pesquisadores reunia-se semanalmente
para discussão das ações desenvolvidas na escola, revisão dos tópicos que seriam
abordados nas aulas seguintes e avaliação das aulas já ministradas. O corpo de dados
da pesquisa foi composto por: registros em vídeo das aulas, anotações feitas pela
professora (diário de bordo) e os registros dos alunos no caderno de atividades. Neste
trabalho apresentamos a análise dos registros da professora.

O contexto da escola

A aplicação do projeto foi feita em uma escola municipal de ensino fundamental


em tempo integral, situada em uma região nobre da zona sul do município de Juiz de
Fora, MG. Apesar disso, o bairro, de classe média alta, onde a escola está localizada
não condiz com a realidade dos alunos que a frequentam. A diversidade sociocultural
se reflete no cotidiano escolar pelo contingente de famílias oriundas de diversos
outros bairros do município. Uma parte significativa dos alunos que estudavam na

66
Formação continuada de professores que lecionam ciências nos anos iniciais do ensino fundamental:
superando medos e angústias numa experiência de pesquisa-ação com brinquedos científicos

escola eram filhos de mães que vinham trabalhar nas residências localizadas nas
proximidades da escola.
O espaço físico era muito restrito, possibilitando oferecer apenas uma sala
de aula para cada ano escolar. A rotatividade das crianças era baixa, com isso um
determinado aluno convivia com os mesmos colegas desde sua entrada na escola até
a saída no quinto ano.
Na época da pesquisa a escola funcionava das 7:50 às 16:10. As atividades
curriculares eram vinculadas com outras atividades diversificadas, como a dança e o
teatro. Havia também, outros projetos em andamento desenvolvidos pelos professores
de forma interdisciplinar. Esses projetos visavam garantir não somente a ampliação
do tempo de permanência dos alunos na escola, mas também a perspectiva de uma
educação integral.

A dinâmica de construção dos brinquedos

A dinâmica de construção dos brinquedos envolvia a leitura de um pequeno


texto introdutório sobre o objeto que seria construído e sobre os materiais que
seriam utilizados; a construção do brinquedo seguindo o passo a passo indicado no
caderno de atividades; a utilização do brinquedo pelos alunos; e a discussão do seu
funcionamento a partir de um conceito físico.

Análise dos relatos da professora

O trabalho na escola foi desenvolvido numa perspectiva de pesquisa-ação. Após


cada aplicação a professora regente da turma fazia o registro de suas impressões para
apresentar na reunião do grupo de pesquisa na semana seguinte. Nesses momentos a
professora tinha a possibilidade de manifestar suas angústias e dúvidas em relação ao
processo auto-formativo que estava vivenciando. Além das dificuldades relacionadas
à formação inicial, indicadas no início deste texto, era a primeira vez que ela ministrava
aulas de ciências.

67
Paulo Henrique Dias Menezes, Vanessa Cristina Mattoso

Medo e coragem

Na perspectiva da ação dialógica, o desenvolvimento profissional docente deve


ser orientado por um processo reflexivo que leve à superação dos medos e angústias
relativos ao enfrentamento da profissão. Analisando os relatos da professora percebe-
se que o medo e a insegurança estiveram presentes na maioria deles, mas, ao mesmo
tempo, percebe-se também um permanente movimento reflexivo de transitividade de
consciência que impede a estagnação num estado de consciência transitiva ingênua.
Vejamos um fragmento do relato da primeira aula, quando foram construídos os
brinquedos: campeão de cambalhotas e barco a remo.

Mesmo tendo recebido as orientações, me senti insegura, pois não domino os


conceitos. Tentei ir lendo a parte teórica junto com os alunos e ir explicando
aos poucos. Nesse momento de leitura, a maioria dos alunos não se mostrou
interessada e precisei chamar a atenção de muitos. Tentarei na próxima aula,
conscientizá-los da importância dessa etapa e reduzir, na medida do possível, a
quantidade de leitura. (Fragmento do relato da 1ª aula. Destaques nossos.)

No contexto da ação docente o medo e a insegurança podem levar o professor


a situações perigosas que vão da omissão ao isolamento, podendo chegar, em casos
mais severos, ao adoecimento. Temos medo dos nossos alunos, das perguntas que
eles podem fazer, da reação deles às atividades que propomos, do que os pais e
a direção da escola vão pensar sobre trabalho que estamos desenvolvendo. Para
enfrentar esses medos e necessário ter coragem. Ter a capacidade de agir apesar do
medo. Esse enfrentamento costuma ser mais fácil quando há um trabalho colaborativo.
Quando há pessoas com as quais possamos dialogar, tomar uma opinião.
Infelizmente, de acordo com Thurler (2001), desde os cursos de formação até
o exercício profissional em sala de aula, o professor é preparado, sobretudo, para
trabalhar de forma isolada. Segundo a autora, essa cultura é reforçada pela estrutura
das escolas que se configura em um ambiente que se assemelha a uma “caixa de
ovos”, cujas paredes impedem as pessoas de se encontrarem. Na maioria das escolas
não há espaços que favoreçam e incentivem o trabalho coletivo.
Na concepção de formação continuada adota para este trabalho, entendemos

68
Formação continuada de professores que lecionam ciências nos anos iniciais do ensino fundamental:
superando medos e angústias numa experiência de pesquisa-ação com brinquedos científicos

que o processo de desenvolvimento profissional deve acontecer num ambiente que


favoreça a união e a colaboração entre os participantes, que inspire a reflexão e a
transitividade da consciência. Esse movimento pode ser observado nos destaques
que fizemos na fala da professora. Nesse ambiente dialógico as dificuldades são
reconhecidas e enfrentadas.

Organizei a nossa sala de aula em forma de U e confeccionei o passo a passo


do material juntamente com os alunos. Percebi que a compreensão das etapas
a serem seguidas melhorou e senti que, com essa disposição das carteiras, a
turma ficou mais concentrada nas atividades propostas.
Reduzi, na medida do possível, a quantidade de leitura. Fui explicando a teoria,
na medida do possível com minhas palavras, mas com muito medo de estar
falando alguma coisa errada.
Percebi que os alunos lendo menos e escutando minhas explicações assimilaram
melhor o que leram e o que ouviram. (Fragmento do relato da 2ª aula. Destaque
nosso.)

Neste fragmento, do relato da 2ª aula, o medo ainda está presente, mas não é
um medo que paralisa. A professora não só consegue propor ações para superar as
dificuldades encontradas na 1ª aula, mas também reconhece o efeito dessas ações no
comportamento e no aprendizado dos alunos. Esse tipo de reflexão dificilmente ocorre
de forma isolada. A construção dessa narrativa já é por si só uma ação dialógica,
visando a comunicação com o grupo de pesquisa. Dessa forma entendemos que a
participação em programas de formação continuada não pode se constituir somente
por eventos isolados em que o professor recebe uma série de informações durante a
capacitação e depois é abandonado na hora da aplicação em sala de aula.
É importante frisar que no processo da ação dialógica proposta por Freire o
objetivo não é transformar uma consciência transitiva ingênua em uma consciência
transitiva crítica, mas sim, manter a transitividade da consciência de tal modo a não
permitir o predomínio de uma consciência ingênua.

Os métodos didáticos, apesar de diferentes da minha realidade, não estão


me causando desconforto. Percebo que esses métodos têm tido uma grande
aceitação por parte dos alunos que têm se mostrado interessados nas aulas.
Entretanto, a cada aula, minha insegurança com relação aos conteúdos se

69
Paulo Henrique Dias Menezes, Vanessa Cristina Mattoso

renova. Acredito que isso esteja acontecendo, pois os conteúdos do Brinca


Ciência são, em grande parte do tempo, diferentes daqueles que costumo
explorar. (Fragmento do relato da 4ª aula. Destaques nossos.)

O Brinca Ciência apresenta uma nova forma de ensinar com a qual a professora
não estava habituada. Às vezes a mudança pode representar um desafio capaz de
imobilizar as ações do professor a ponto de ele desistir da inovação e retornar aos
métodos convencionais. Na ação dialógica a insegurança não vai desaparecer, mas
também não irá se tornar um impedimento para que o processo continue. A coragem
para o enfrentamento surge da confiança que se tem no grupo. Em saber que há com
quem se possa compartilhar as angústias e, ao mesmo tempo, buscar o apoio para o
enfrentamento delas.
Com o passar do tempo a professora foi, aos poucos, reconhecendo os resultados
e superando suas principais dificuldades, como, por exemplo, a dependência da leitura
da explicação apresentada no caderno de atividades.

A cada aula do Brinca Ciência que se aproxima percebo como os alunos vibram
e fazem questão de que as aulas aconteçam. [...]
[..] Mesmo com muita insegurança, procurei falar e não ler sobre que tipo de
material que é bom para produzir som, sobre a importância da caixa de ressonância
encontrada em alguns instrumentos e sobre como a própria sala onde os sons
são produzidos funcionam como uma caixa de ressonância. (Fragmentos do
relato da 6ª aula. Destaques nossos)

Conforme afirmado por Nóvoa (1995), o desenvolvimento profissional docente


requer uma tomada de consciência em meio a um processo que é repleto de lutas,
conflitos, hesitações e recuos. Nesse sentido, compreendemos que um processo
dialógico de formação continuada deve reconhecer que os professores possuem medos
e angústias que se configuram como elementos impeditivos da adoção de práticas
inovadoras em detrimento das práticas tradicionais de ensino. Em vários momentos das
reuniões do grupo de pesquisa esses medos foram declarados abertamente; em outros,
eles apareciam implícitos num determinado contexto ou em alguma situação narrada
pela professora. Independente da forma como foram revelados, o enfrentamento do
medo só foi possível porque havia confiança no trabalho do grupo.

70
Formação continuada de professores que lecionam ciências nos anos iniciais do ensino fundamental:
superando medos e angústias numa experiência de pesquisa-ação com brinquedos científicos

Considerações finais

Muitas vezes, o professor deixa de ousar, de inovar e de mudar sua prática,


simplesmente porque tem medo. Nos fragmentos de relatos aqui apresentados o
medo e as angústias foram recorrentes, mas, ao mesmo tempo, percebe-se que houve
uma vontade explícita e genuína da professora em enfrentá-los. No contexto da ação
dialógica, coragem e medo se misturaram na busca de caminhos que possam levar a
um exercício profissional mais consciente e feliz.
No caso específico da formação dos professores que lecionam ciências nos anos
iniciais do ensino fundamental, ainda pairam os mitos da precariedade do conhecimento
e da necessidade de apropriação de saberes especializados para a “correta” informação
dos alunos. Daí resulta o medo de falhar. O medo de não conseguir explicar a dúvida
do aluno. O medo de errar a resolução de um exercício, ou de um experimento não
dar “certo”. Medo que, em alguns casos, pode até mesmo banir certos conteúdos de
ciências da prática dos professores, porque falta a coragem para enfrentá-los.
Nesse sentido, entendemos que os programas de formação continuada devem
focar também no encorajamento dos professores para superação de seus medos por
meio de um acompanhamento recorrente da transposição das ações inovadoras para
o contexto da sala de aula. Para isso o diálogo entre a universidade e a escola deve
ser potencializado no sentido de se tornar genuinamente dialógico, de possibilitar a
colaboração e a união entre professores dessas duas instituições em torno do ideal
comum de levar o aluno a aprender.
Existem muitos professores que estão insatisfeitos com a sua prática. No entanto,
poucos conseguem mudá-la efetivamente. As pesquisas educacionais podem contribuir
muito para a melhoria deste quadro, mas para isso é necessário que pesquisadores e
professores trabalhem juntos. Há uma grande riqueza de conhecimentos em ambas
as práticas que precisam e devem ser compartilhados. Para Nóvoa (1999, p.18), “o
reforço de práticas pedagógicas inovadoras, construídas pelos professores a partir de
uma reflexão sobre a experiência, pode ser a única saída possível”. O que tentamos
fazer neste estudo foi transformar um processo de formação continuada numa via
de mão dupla em que professores da universidade e professores da educação básica
trabalham juntos em co-laboração.

71
Paulo Henrique Dias Menezes, Vanessa Cristina Mattoso

Agradecimentos

Agradecemos à CAPES e a FAPEMIG pelo apoio financeiro e pelas bolsas que


possibilitaram a execução deste estudo

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73
Processos educativos: composições e aprendizagens e
formação docente

Leiliane Aparecida Gonçalves Paixão

Entre processos educativos

A poesia consiste em combinar palavras para fazê-las ondular e vibrar e


colorir. A poesia é um jogo de imagens. A poesia é a iridescente sugestão
de uma ideia. A poesia é todas essas coisas e, contudo, é algo mais1.

Ao final de abril do ano de dois mil e dezesseis, chega a mim uma conquista.
Conquista banhada com poesia e, contudo, algo mais. Torno-me graduada em
Pedagogia pela Faculdade de Educação (Faced) da Universidade Federal de Juiz de
Fora (UFJF). Num breve contexto, destaco que durante a graduação sempre participei
de projetos e bolsas que muito contribuíram com minha formação. Tive participação
numa pesquisa2 muito significativa, como bolsista de Iniciação Científica, que chegou
até mim como um presente para possibilitar pensar em outros modos possíveis de
educar e modos outros de ocupar as salas de aula da Educação Básica junto ao que
se aproxima da Educação Matemática. Hoje, posso dizer que as salas de aula se
tornaram grandes exercícios que se abrem aos possíveis no território do pesquisar e
no entorno da formação docente.

1
LAWRENCE, 1994, p. 1.
2
Intitulada: Formação de professores que ensinam matemática: produção do conhecimento matemático
através do dispositivo-oficina e seus efeitos no ensino e na aprendizagem da matemática na escola,
financiada pela (FAPEMIG/CAPES), através do Edital para Educação Básica (13/2012 – Processo APQ-
03416-12).
Processos educativos: composições e aprendizagens e formação docente

Salas de aulas junto a suas multiplicidades e a seus tantos modos de compor


e criar vida numa escola. Criação que opera com o viver no entre dos encontros
engendrando políticas, éticas e estéticas num fazer educacional. Um fazer docente que
tem convergido para o campo do problemático, que coloca em destaque a subjetivação
e a produção de mundos junto à produção de uma matemática na escola.
Uma professora-pesquisadora foi se constituindo para além de uma pesquisa, se
colocando num exercício de pensar e de problematizar o que a movia neste percurso
professoral. Um contexto de aprendizagens em meio a seus entrelaçamentos. Um
pesquisar em movimento acionando outros pensares num processo de educar e de
aprender.
Durante o processo de graduação, uma aluna exposta ao campo, exposta aos
problemas educacionais e aos modos inventivos, inventando formação. No que diz
Larrosa (2002) não importa a posição, nem a o-posição, tão menos a im-posição ou
a proposição, mas sim a ex-posição, a maneira como expomos, com toda a extensão
que um risco se coloca e possibilita. Nesse sentido, um corpo é incapaz de experenciar
sem que algo lhe passe ou toque ou afete. Um pesquisar coloca-se no processo de
arriscar caminhos desconhecidos, de educar, de fazer, de encorajar, de seguir e ir até
o fim, porém, questiona-se, há um fim. Para esta professora, não há um fim, tudo
termina no eterno recomeçar, em processualidade, com cada um de nós produzindo-
se a si mesmo e ao mundo.
Uma professora-pesquisadora exposta a perturbações e, em meio a isso, a invenção
de problemas numa aprendizagem. Problema aqui, entendido como possibilidade de
invenção. Uma invenção que arromba pensamento, arromba um eu, que faz produzir!
Invenção do novo, junto ao acontecimento do imprevisível. E nesse imprevisível, um
estranhar-se. Estranhamento de um modo habitual tornando a pesquisa mais potente,
mais viva no fazer docente, inventando-a.

Mas a invenção de que eu falo, e para isso me baseio na filosofia de G. Deleuze


(1988), não é uma capacidade de solução de problemas mas, sobretudo, de
invenção de problemas. Além disso, a invenção é sempre invenção do novo,
sendo dotada de uma imprevisibilidade que impede sua investigação e o
tratamento no interior de um quadro de leis e princípios invariantes da cognição
(KASTRUP, 2005, p. 2).

75
Leiliane Aparecida Gonçalves Paixão

Venho percebendo nessas tramas que para a aprendizagem não basta apenas
a solução dos problemas. É possível notar uma aprendizagem como produção de
subjetividade, como invenção de si. Um pensar como exercício de problematização.
Exercício de arrombamento, tombando um eu em fazeção que reinventa.

A política da invenção é, assim, uma política de abertura da atenção às


experiências não-recognitivas e ao devir. O desafio da implementação dessa
política é conceber práticas que viabilizem o desencadeamento de processos
de problematização que não se esgotem ao encontrar uma solução. Trazendo o
problema para o âmbito das práticas pedagógicas, cabe destacar que o problema
da atenção tem tido lugar de destaque na escola contemporânea (KASTRUP,
2005, p. 10).

Enquanto professora, venho pensando numa figura que se deixa ser afetada
pelos encontros que vêm, trazendo um movimento de pensar a vida junto aos seus
acontecimentos, aos seus encontros. Um corpo-professora-pesquisadora que permite
aberturas às experiências no processo de ensino e aprendizagem.
Assim, como Rotondo destaca é “excitar a experiência no risco com o fora do
pensamento. Agitar viveres colados à representação e ao modo único e verdadeiro
de operar, experimentando a desconfiança. Dando fiança a modos outros de viver”
(2019, p. 129).

Composições entre aprendizagens

Durante a graduação e a conquista de ser bolsista de Iniciação Científica, esta


permitiu refletir mais a fundo o campo da educação e a discussão de atividades
matemáticas. Junto a estas práticas pedagógicas, nosso desejo, incluindo o grupo da
pesquisa, era de propor atividades que se relacionassem com o produzir matematicamente
colocando no movimento de discussão algumas de nossas concepções de matemática
e seus entornos. Mais a frente, apresentarei de modo sucinto as atividades relatadas
nos Encontros de Práticas em Ciências e Matemática nos anos iniciais – CIMAI -, que
ao mesmo tempo possibilitou trocas entre os outros trabalhos que foram apresentados

76
Processos educativos: composições e aprendizagens e formação docente

durante o evento e a possibilidade de amadurecimento profissional e de vida enquanto


professora e pesquisadora.
Desse modo, considero um aprender como um encontro a novas possibilidades:

[...] aprender é sempre encontrar-se com o outro, com o diferente, a invenção de


novas possibilidades; o aprender é o avesso da reprodução do mesmo. Segundo
Deleuze isso se dá porque se aprender é relacionar-se com signos, eles, como
problemas, pedem uma resposta e esta é sempre singular, inovadora. Cada um
reage aos signos de uma maneira; cada um produz algo diferente na sua relação
com os signos, o que equivale a dizer que cada um aprende de uma maneira,
a seu modo singular. Ou seja, numa mesma aula, com um mesmo professor,
múltiplas aprendizagens acontecem, na medida em que são múltiplos os alunos
e que cada um aprende a seu próprio modo. A heterogeneidade de que fala
Deleuze é esta multiplicidade. É por esta razão, por ser relação, que o signo
implica em heterogeneidade, em diferença, e não em mesmidade, na contramão
dos esforços de toda a pedagogia escolar com sua maquinaria de serialização,
de produção de subjetividades em série (GALLO, 2012, p.8).

Um corpo-pesquisador. Corpo-pesquisa-alegria. Corpo pesquisa-ação. Corpo


pesquisa-educação e seus entornos. Uma educação se fazendo enquanto um constante
exercício de problematização e potência e invenção. Em invenções e encontros em
diferentes lugares escolares, diferentes tempos em diferentes passeios. Uma pesquisa
em aprendizagens, entre signos, que nos tocam e nos afetam. Uma aprendizagem
vai se dando no contato com os signos. Quem aprende a nadar compõe no e com
o contato com a água. Inventa um corpo nadador junto à água. De certo modo, os
movimentos e as explicações do professor não asseguram o nadar de seus alunos,
mas abrem brechas para um educar e seus possíveis.
A explicação do professor também não o protege de uma complicação no
processo de ensino e aprendizagem. São composições que vão se dando e são capazes
de promover implicações com um educar, com uma matemática, com um aprender.
Aprendizagem aqui, conforme Kastrup (1999) nos aponta, é entendida como invenção
de si e do mundo, ou seja, um coengendramento, apresentando uma invenção nos
modos de aprender matemática. A aprendizagem, a cognição e o conhecimento estão
coengendrados, produzindo vida e sendo por ela produzidos. Assim, politicamente

77
Leiliane Aparecida Gonçalves Paixão

dimensionado, interessa a esse modo de pensar – pensamento e vida coengendrados


– a produção de uma política cognitiva. Trata-se, portanto, de viver entre as políticas
cognitivas que produzam, nas práticas pedagógicas concretas das salas de aula,
modos mais inventivos no processo escolar.
Uma espécie de constituição e de transformação de um si que vai sendo inventada
sobre a figura de uma professora-pesquisadora. Discussões que passam pelo campo
das políticas cognitivas que estão imbricadas no fazer docente. Enfrentamentos que
dão a problematizar sobre um como fazer em atividades matemáticas, que propicie
modos inventivos de alunos e alunas conceberem e produzirem seus mundos.

Perspectivada pela invenção, a aprendizagem surge como processo de invenção


de problemas. Aprender é, então, em seu sentido primordial, ser capaz de
problematizar a partir do contato com uma matéria fluida, portadora de diferença
e que não se confunde com o mundo dos objetos e das formas. A noção de
aprendizagem inventiva inclui então a invenção de problemas e revela-se também
como invenção de mundo. Trata-se de dotar a aprendizagem da potência de
invenção e de novidade (KASTRUP, 2005, p. 5).

Assim, foram se dando composições com os fazeres matemáticos e pedagogia


e pesquisa e histórias de vidas. Um possível modo nesse encontro formativo foi
sendo inventado junto ao já habituado, permitindo outras aberturas e rachaduras no
processo de aprendizagem experimentando e tateando outros modos numa formação.

A invenção não opera sob o signo da iluminação súbita, da instantaneidade.


A invenção implica uma duração, um trabalho com restos, uma preparação
que ocorre no avesso do plano das formas visíveis. Ela é prática de tateio, de
experimentação, e nessa experimentação que se dá o choque, mais ou menos
inesperado, com a matéria. O resultado é necessariamente imprevisível. A
invenção implica tempo. Não é reserva particular de um sujeito nem se confunde
com o mundo dos objetos. Ela é a condição mesma do sujeito e do objeto
(KASTRUP, 1999, p. 23).

Nesse sentido, pensando numa aprendizagem inventiva e nos processos vividos


na pesquisa de Iniciação Científica, deparei-me com os encontros realizados pelo

78
Processos educativos: composições e aprendizagens e formação docente

evento intitulado Encontro de Práticas em Ciências e Matemática nos anos iniciais, no


qual participei dos processos de discussão e apresentação de trabalhos voltados para
a área da Educação Matemática e Ciências.
Com alegria participei desde o primeiro até o quarto evento do CIMAI realizado na
Faculdade de Educação da UFJF que teve como proposta compartilhar os processos de
ensino e aprendizagem destacando contextos de ciências e matemática entrelaçando
as experiências de professores dos anos iniciais. Evento este que me auxiliou a pensar
nas práticas pedagógicas de ensino nas salas de aula da Educação Básica. Os diálogos
envolvidos em cada etapa possibilitaram ampliar ainda mais meu contato com a sala
de aula.
Recordo-me de um relato de experiência muito belo e potente que me levou a
pensar nos possíveis modos de utilizar a história em quadrinhos junto à geometria,
relacionando a prática de leitura e de produção textual entrelaçando com a matemática
(CAMPOS; TOMÉ, 2016). O trabalho destacado ainda possibilitou pensar em minhas
práticas pedagógicas levando a pensar na interdisciplinaridade dentro das salas de
aula, trazendo as HQ’s como um recurso de ampliar o repertório cultural das crianças
e relacioná-lo com a matemática. Foi muito significativo participar nas edições do
CIMAI, permitindo alargar nossos processos educacionais em sala de aula.
Nesses quatro anos de evento, a troca de experiências de exploração, com­
preensão e problematização do mundo a partir dos conhecimentos escolares em
ciências e matemática aconteceu sob potentes encontros que nos colocou a repensar
em nossas práticas escolares. Um momento de trocas e experiências que nos fez
apostar numa escola que produz e inventa conhecimento, nos fez acreditar numa
escola que valoriza o profissional docente, valoriza a criação da criança e, que ainda,
é possível propiciarmos momentos ricos e potentes nas salas de aulas, aprendendo
em relação com o outro, em processo.

Composições com os encontros de práticas em ciências e matemática


nos anos iniciais

Com alegria, tive a oportunidade de participar e de ter alguns trabalhos


apresentados no primeiro, no segundo e no terceiro Encontro de Práticas em Ciências

79
Leiliane Aparecida Gonçalves Paixão

e Matemática nos anos iniciais3, sendo que no quarto Encontro participei como ouvinte
o que possibilitou também participar de modo potente como nos anos anteriores.
Nas participações ao longo dos anos no evento, alguns trabalhos4 enviados para
efetivar diálogos e trocas entre o público participante foram:

• Uma turma de 1º ano e os numerais: trabalhando a contagem de 1 a 9.


No primeiro CIMAI, meu relato trouxe uma atividade que teve como propósito
trabalhar com os numerais de 1 a 9 utilizando a contagem e os registros através
de alguns materiais concretos, como o uso de canudinhos e vídeos. Um contar foi
acontecendo em meio as multiplicidades da sala de aula. (PAIXÃO, 2016).

• Entre problemas matemáticos - tabelas, balas, adição e subtração;


Neste relato de experiência, foi levado para o grupo um momento da sala de aula
para dialogarmos sobre uma atividade realizada no segundo ano do Ensino Fundamental,
na qual utilizamos alguns materiais para problematizarmos as operações matemáticas
de adição e subtração. Foram usados pacotinhos de balas com diferentes quantidades
cada, uma folha para os alunos registrarem as quantidades de balas encontradas e
outra folha para a resolução dos problemas. Tal proposta foi feita em minigrupos o
que contribuiu para ampliar as discussões. Na atividade, foram preparadas questões
para trabalhar a noção de comparação e igualdade de balas de quem havia mais,
menos ou igual (PAIXÃO, 2017).

• No entre da sala de aula: possibilidades com o Geoplano;


Nesta proposta levada para apresentação e discussão, foi possível trazer para
o diálogo a possibilidade de se trabalhar com o geoplano e alguns possíveis modos
de se trabalhar com ele utilizando formas de usar a geometria exercitando criar
diferentes figuras com o auxílio do material e da malha quadriculada. Percebemos

3
Os trabalhos citados no texto foram apresentados no CIMAI (Volumes: I, II e III referentes aos anos de
2016, 2017 e 2018) e podem ser conferidos pelos anais do evento de cada ano. Disponíveis em: <http://
www.ufjf.br/anaisdocimai/>.
4 Os trabalhos foram inspirados junto às oficinas desenvolvidas na época em que fui bolsista de Iniciação
Científica na pesquisa citada (CAPES/FAPEMIG). Recentemente foi lançado um livro de atividades realizadas
com professores participantes dessa pesquisa. A referência encontra-se em: ROTONDO, M. CAMMAROTA,
G., AZEVEDO, F. Experimentações em educação matemática: entre oficinas e salas de aula. Curitiba:
Appris, 2019.

80
Processos educativos: composições e aprendizagens e formação docente

que o material pode ser usado em diferentes anos escolares e que pode propiciar
momentos enriquecedores (PAIXÃO, 2018).

Assim, tais práticas pedagógicas fizeram com que as reflexões sobre a formação
docente e as práticas desenvolvidas em salas de aula ampliassem meu campo
docente, incluindo a participação no quarto encontro, que embora não tenha enviado
trabalho, a escuta atenta aos trabalhos apresentados, muito contribuíram ao meu
fazer pedagógico, considerando a recém-formação em Pedagogia e o trabalho com
crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Em exercício: uma prática docente

Pode-se dizer que a aprendizagem não se dá como aquisição, mas como uma
complicação, sendo na implicação com o que acontece numa sala de aula. Uma
aprendizagem que se dá no estar com, no entre, em processo.

Se aprender é relacionar-se com signos, eles, como problemas, pedem uma


resposta e esta é sempre singular, inovadora. Cada um reage aos signos de
uma maneira; cada um produz algo diferente na sua relação com os signos,
o que equivale a dizer que cada um aprende de uma maneira, a seu modo
singular. Ou seja, numa mesma aula, com um mesmo professor(a), múltiplas
aprendizagens acontecem, na medida em que são múltiplos os alunos(as) e que
cada um aprende a seu próprio modo. A heterogeneidade de que fala Deleuze
é esta multiplicidade. É por esta razão, por ser relação, que o signo implica
em heterogeneidade, em diferença, e não em mesmidade, na contramão dos
esforços de toda a pedagogia escolar com sua maquinaria de serialização, de
produção de subjetividades em série (GALLO, 2012, p.8).

Assim como numa sala de aula, os planejamentos do professor são feitos. Mas
o que vem quando se chega à sala de aula? Outros movimentos acontecem e o que
havia sido planejado pode ocorrer de outros modos, atravessam outros caminhos,
como na oficina de cerâmica, envolvendo certa expectativa com o encontro que
chega. Nesse exercício, sala de aula e seus atravessamentos com aprendizagens,

81
Leiliane Aparecida Gonçalves Paixão

banhada por encontros. Venho apostando numa aprendizagem que não forme hábitos
cristalizados, com modos únicos. Segundo Kastrup “a aprendizagem inclui a experiência
de problematização e a invenção de problemas” (2005, p. 1282).

É importante ressaltar que as dificuldades num trabalho de inovação são muitas.


Porém, mais valiosa é a ajuda de todos os que buscam melhorar com você.
Anotar, avaliar e refletir sobre tudo o que trabalhamos na sala de aula não
são tarefas menores que ensinar. É preciso acreditar que podemos fazer algo
pela educação. Quanto maior o grupo de professores que pensa assim, mais
perceptível será a mudança. Inovar não é cair no espontaneísmo, mas, sim,
preparar algo de novo ou até mesmo melhorar nossos velhos métodos para
que realmente se atinja a compreensão do que se quer ensinar (CRISTÓVÃO,
2001, p. 82).

Sendo assim, a produção de conhecimento que aqui se apresenta não se pauta na


representação e, sim, junto a uma política da cognição inventiva que exige problematizar
o cotidiano da escola influenciando, assim, num modo de fazer pesquisa.

Sempre notei que as características da argila moldam a pessoa também, ao


mesmo tempo. A argila dá flexibilidade pois é um material plástico. Você vai
trabalhar na perda, porque o processo termina com a mão no forno [...]. Trabalha
também com expectativa. Você tem que moldar, mas não vai sair exatamente
do jeito que você queria (KASTRUP, 2011, p. 123).

Potências num pesquisar, no qual, palavras vazam territórios constituídos, vazam


linhas de fugas, transbordam-se num inventar. Transbordamentos de pensares numa
professora dos anos iniciais que estranha um cotidiano.

Entre as composições de um viver: In-conclusões

O CIMAI contribuiu para a construção de um olhar mais intensivo junto à escola


e à sala de aula, em especial no que se refere às muitas aprendizagens e às políticas
cognitivas praticadas numa aula, possibilitando ao professor e a professora tornar

82
Processos educativos: composições e aprendizagens e formação docente

problema suas ações pedagógicas, motivando-o e fazendo-o perceber os efeitos nas


distintas aprendizagens que podem ser gerados, sendo assim, inventar distintos modos
de uma aprendizagem acontecer numa sala de aula, poderá fortalecer os processos
formativos dos alunos e das alunas.
Espaço este, no qual foram discutidas diferentes abordagens didático-
metodológicas e múltiplas aprendizagens onde o pesquisador deve estar atento
e sensível ao captar os movimentos de uma aula, que por sua vez, acionam uma
formação docente mais sensível no exercício de sua prática.
Assume-se como um processo de adaptação ao mundo através de sua
representação, uma aprendizagem que se faz enquanto invenção, acionando outros
modos de aprender (CAMMAROTA; CLARETO, 2012). Assim, de modo geral, a
proposta colocou em um movimento o exercitar de uma prática docente banhada com
teoria e vivenciada na prática com cuidado e responsabilidade, trazendo respeito ao
convívio de todos os envolvidos.
E com alunas e alunos, professoras e professores, nas escolas e em seu redor,
vamos seguindo inventando aprendizagens, inventando uma formação docente,
inventando composições...
Assim, uma pesquisadora expõe modos de encontros com aberturas para o
desconhecido, para o incerto, ao imprevisível! Uma experiência que aposta pelo que
não se sabe. Um talvez. Um risco. Não se sabe o resultado... Experiência é atenção, é
escuta, soa vida. Assim, um corpo-pesquisador vai se formando ou se (de) formando
num turbilhão de coisas... Formação que deforma, que desmancha uma professora-
pesquisadora em seu tornar-se!

Referências

CAMMAROTA, Giovani; CLARETO, Sonia Maria. A cognição em questão: invenção,


aprendizagem e Educação Matemática. Práxis Educativa, Ponta Grossa, v. 7, n. 2, p.
585-602, jul./dez. 2012.

CAMPOS, Juliana; TOMÉ, Neila. Geometria e HQ’s, vamos fazer? Uma prática de
leitura e produção textual em articulação com a matemática. In: ENCONTRO DE

83
Leiliane Aparecida Gonçalves Paixão

PRÁTICAS EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA NOS ANOS INICIAIS, I., Juiz de Fora.


Anais... Juiz de Fora, 2016.

CRISTÓVÃO, Eliane Matesco. Pelos caminhos de uma nova experiência no ensino


de geometria. In: FIORENTINI, Dario. MIORIM, Maria Ângela. Por trás da porta, que
matemática acontece? Campinas, SP: Editora Graf. FE/Unicamp – Cempem, 2001.

FERNANDES, Filipe Santos. A quinta história: composições da educação matemática


como área de pesquisa. 2014. 233 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática).
Instituto de Geociências e Ciências Exatas. Universidade Estadual Paulista. Rio
Claro. 2014.

GALLO, Sílvio. As múltiplas dimensões do aprender... In: CONGRESSO DE EDUCAÇÃO


BÁSICA: APRENDIZAGEM E CURRÍCULO. Florianópolis, Anais... Florianópolis, 2012.
p. 01-10.

KASTRUP, Virgínia. A invenção de si e do mundo: uma introdução do tempo e do


coletivo no estudo da cognição. Campinas, São Paulo: Papirus, 1999.

KASTRUP, Virgínia. Políticas cognitivas na formação do professor: o problema do


devir-mestre. Educação e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 93, p.1273-1288, 2005.

KASTRUP, Virgínia. A invenção de si e do mundo: uma introdução do tempo e do


coletivo no estudo da cognição. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

KASTRUP, Virgínia. Cognição contemporânea e a aprendizagem inventiva. In:


KASTRUP, V.; TEDESCO, S; PASSOS, E. Políticas da cognição. Porto Alegre: Sulina,
2008.

KASTRUP, Virgínia. O lado de dentro da experiência: atenção a si e produção de


subjetividade numa oficina de cerâmica para pessoas com deficiência visual adquirida.
In: CLARETO, M. S.; ROTONDO, M. A. S.; VEIGA, A. L. V. S da. (Org.). Entre
composições: formação, corpo e educação. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2011.

LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira


de Educação, Rio de Janeiro, n. 19, p. 20-28, jan./abr. 2002.

LAWRENCE, David Herbert. O caos da poesia. David Herbert Lawrence. Wordsworth.


Editions, 1994 – 352 páginas.

84
Processos educativos: composições e aprendizagens e formação docente

PAIXÃO, Leiliane Aparecida Gonçalves. Uma turma de 1º ano e os numerais:


trabalhando a contagem de 1 a 9. In: ENCONTRO DE PRÁTICAS EM CIÊNCIAS E
MATEMÁTICA NOS ANOS INICIAIS, I., Juiz de Fora. Anais... Juiz de Fora, 2016.

PAIXÃO, Leiliane Aparecida Gonçalves. Entre problemas matemáticos - tabelas, balas,


adição e subtração. In: ENCONTRO DE PRÁTICAS EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA
NOS ANOS INICIAIS, II., Juiz de Fora. Anais... Juiz de Fora, 2017.

PAIXÃO, Leiliane Aparecida Gonçalves. No entre da sala de aula: possibilidades com


o geoplano. In: ENCONTRO DE PRÁTICAS EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA NOS ANOS
INICIAIS, III., Juiz de Fora. Anais... Juiz de Fora, 2018.

ROOS, Ana Paula. Nunca se sabe como alguém aprende... In: COLÓQUIO FRANCO-
BRASILEIRO DE FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO – O DEVIR-MESTRE: ENTRE DELEUZE E
A EDUCAÇÃO, II., 2004, Rio de Janeiro. Anais..., 2004.

ROTONDO, M. A. S. Caminhada pelo abrigo da vida-escola: a(travessa)ndo umas


orações. In: CLARETO, Sônia Maria; ROTONDO, Margareth. A. Sacramento; VEIGA,
Ana Lygia V. Schil. (Org.). Entre composições: formação, corpo e educação. Juiz de
Fora: UFJF, 2011, p. 167-196.

ROTONDO, Margareth. Formação docente: inventando formação com matemática.


In: ROTONDO, Margareth. CAMMAROTA, Giovani, AZEVEDO, Fernanda de Oliveira.
Experimentações em educação matemática: entre oficinas e salas de aula. Curitiba:
Appris. 139 p. 2019.

85
Práticas docentes em ciências e matemática de
professores dos anos iniciais: aprendizagens e reflexões

Monique Cássia de Assis

Ser professora sempre foi meu grande sonho. Amava estar com as crianças e
sentia uma vontade imensa de fazer algo por elas de forma efetiva.
Cursei pedagogia e fiz os estágios obrigatórios durante a faculdade, porém
sentia falta de uma aproximação maior da teoria de sala de aula com a prática que
me deparava nas escolas. Não via relevância em todos os conteúdos estudados e
percebia uma lacuna enorme entre essas duas vertentes que me faziam sentir insegura
e amedrontada, visto que lidaria com vidas e com a formação de pessoas, algo que
considero de suma importância e de muita responsabilidade. Segundo Libâneo e
Pimenta (1999, p. 267), as investigações sobre

Formação de professores apontam como questão essencial o fato de que os


professores desempenham uma atividade teórico-prática. É difícil pensar na
possibilidade de educar fora de uma situação concreta e de uma realidade
definida. A profissão de professor precisa combinar sistematicamente elementos
teóricos com situações práticas reais.

Durante a graduação, trabalhava em um emprego formal de carga horária de


oito horas diárias, o que dificultava minha permanência maior no estágio, gerando um
sentimento intenso de frustração e dúvidas.
Até que chegou a sonhada formatura e em pouco tempo iniciaria minha carreira
docente na escola que estudei quando criança. Era a realização de um sonho, mas,
ao mesmo tempo, vinha a sensação de não estar preparada para assumir uma sala de
aula e uma turma de alunos.
Práticas docentes em ciências e matemática de professores dos anos iniciais: aprendizagens e reflexões

Iniciei minha participação no projeto de pesquisa e extensão “Práticas docentes


em ciências e matemática de professores dos anos iniciais em início de carreira” bem
no começo de minha jornada como professora na Rede Municipal de Ensino de Matias
Barbosa – MG. Esse projeto teve como proposta a criação de um grupo de estudos em
que os participantes eram estudantes das licenciaturas em Pedagogia, Matemática e
Química, estudantes de mestrado e doutorado, professores da Educação Infantil e dos
anos iniciais do Ensino Fundamental e professores da universidade. Nos encontros do
grupo, escolhíamos temas que eram discutidos em forma de oficinas.
Tive conhecimento sobre a proposta de estudo do grupo por meio de divulgação
na escola em que atuava, porém não vi nenhum outro colega de profissão interessado.
Ao conversar com os demais professores ouvia sempre o mesmo discurso: “falta de
tempo”. Não desanimei, pois tinha grande perspectiva sobre o que poderia aprender
e compartilhar neste projeto que poderia ser tudo que eu estava precisando para ter
mais segurança em minha rotina de trabalho.
A escola em que trabalhava é de pequeno porte, com aproximadamente 300
alunos no total e em dois turnos. Atendia desde o 1° período da Educação Infantil até
o 5º ano do Ensino Fundamental.
Antes de minha participação no grupo, sentia-me como o “patinho feio” da escola.
Recém-formada, passei em concurso público e não quis assumir uma sala de aula
por medo de não dar conta. Fui alocada como professora substituta e bibliotecária,
todavia, era solicitada com frequência para reger as turmas devido ao número elevado
de faltas dos professores. Aos poucos fui ganhando mais experiência, mas ainda não
era o suficiente. Surgiu então a oportunidade de assumir uma turma de quinto ano até
o final do ano letivo, totalizando quatro meses.
Essa sala era considerada difícil pelos profissionais da instituição de ensino.
Alunos com bastante dificuldade, indisciplina, defasagem idade/ano escolar, com
lacunas importantes em todos os conteúdos, nível socioeconômico delicado e muitos
repetentes, porém eles tinham muita vontade de aprender.
Sentia-me bastante insegura, principalmente, no trabalho com matemática e
ciências, pois ao analisar as notas dos alunos e no decorrer das semanas, percebi que
a maioria da turma estava com médias extremamente baixas e com grande chances
de mais uma vez serem reprovados. Precisava criar estratégias para fazer com que
esses alunos conseguissem avançar e acreditassem que podiam vencer.

87
Monique Cássia de Assis

A matemática era vista como tabu pelos alunos. Ela era trabalhada apenas no
quadro de forma mecânica e sem momentos de interação ou concretos. A disciplina
de ciências era apenas ensinada a partir do livro didático que era considerado quase
que uma “muleta” do professor. Aquelas formas de trabalho não estavam obtendo
êxito com os alunos.
Ao deparar-me com uma realidade totalmente diferente daquela estudada na
graduação em pedagogia (em meu estágio não tive tanta abertura para participação),
percebi que precisava de ajuda. Recebi, então, o convite para participar do projeto e
percebi uma oportunidade que era o que eu buscava.
Os encontros ocorridos no grupo trouxeram infinitas possibilidades. Refletimos
sobre nossa escolha pela carreira docente, como foi nossa jornada na formação,
compartilhamos nossas dúvidas e inseguranças por meio de oficinas, aprendemos
novas formas de construir o conhecimento e transformar o ensino em uma proposta
significativa para o aluno. Pude me desenvolver muito enquanto profissional e pessoa.
Minha prática com esses alunos foi melhorando por conta de minha participação
e das reflexões travadas nos debates do grupo. Ao final do ano letivo, constatei que
consegui envolver mais os alunos e fazer com que o aprendizado ocorresse de forma
mais eficiente.

Encontro de práticas em ciências e matemática nos anos iniciais -


CIMAI: compartilhando experiências e ampliando saberes

Tive a oportunidade de participar ativamente do I Encontro de Práticas em Ciências


e Matemática nos anos iniciais – CIMAI. Foi muito importante e gratificante, tanto
profissionalmente quanto pessoalmente. Tive a chance de conversar com colegas de
Juiz de Fora e de outras cidades sobre a realidade que as cercam e perceber que todas
dividimos o mesmo amor e grande parte dos nossos dilemas são comuns.
Se eu tivesse participado apenas como ouvinte já teria sido de grande valia, pois
o mesmo me motivou ainda mais na profissão. Juntamente com a comissão, pude
ajudar na organização e pensar em ideias para o evento. Ver tudo acontecendo de
forma positiva nos trouxe grande alegria e motivação para os próximos.

88
Práticas docentes em ciências e matemática de professores dos anos iniciais: aprendizagens e reflexões

Tive o prazer de estar na mesa de abertura do evento, ao lado de dois profissionais


da educação referências em suas áreas, a professora Carmen Lúcia Brancaglion Passos
e o professor Paulo Henrique Dias Menezes. Vê-los falando sobre suas práticas e
experiências proporcionou aos presentes muita satisfação. Foi muito significativa a
explanação de ambos e agregou saberes de suma importância para a prática de sala
de aula e, consequentemente, melhora da qualidade da educação.
Representei os professores iniciantes que chegam às escolas cheios de vontade
de ensinar e deparam-se, muitas vezes, com um cenário bem diferente do que foi
idealizado nos cursos de pedagogia, normal superior e magistério. Pude perceber
durante a minha fala, os olhares dos colegas que compartilhavam comigo toda essa
angústia que passamos durante os primeiros anos de carreira. Foi emocionante. Pude
também mostrar um pouco do que fazemos nos encontros do nosso grupo de estudos.
Outro ponto que me deixou muito lisonjeada foi a de poder apresentar aos
participantes, durante a roda de conversa, o trabalho que realizei na escola Municipal
Marieta Miranda Couto, em Matias Barbosa. Compartilhei dados e como o projeto
“Bichinho Perigoso” ajudou meus alunos a irem além dos conteúdos e tornarem-se
“agentes” no combate a dengue. A professora que mediou a roda fez muitas co­
locações importantes e conseguiu motivar os presentes a pensar novas formas de
realizar ações simples que podem trazer grandes resultados para nossos alunos.
Ver tudo que planejamos sendo efetivado durante os dois dias do evento foi
maravilhoso. Tudo ocorreu dentro do planejado e pelo entusiasmo dos participantes
tivemos a certeza que o CIMAI foi um verdadeiro sucesso.
Saímos fortalecidos e inspirados com nossa troca de experiências. O encontro
serviu para transpirar nosso amor pela educação e contribuiu certamente para a
melhoria do ensino.

Relato de prática: “bichinho perigoso”

Nossa rotina em sala de aula deve trazer sempre novos estímulos aos alunos.
Precisamos buscar formas de tornar o ensino mais eficaz e estimulante, ou seja,
revestidos de significados.

89
Monique Cássia de Assis

Nesse sentido, trabalhar com projetos torna-se um apoio que pode ser utilizado
com a finalidade de contribuir de maneira positiva, no qual os alunos tenham a pos­
sibilidade de avançar no processo de alfabetização e letramento. É uma forma eficaz
de ensinar o aluno a aprender durante o processo e isso fornece oportunidade para
que este se torne sujeito do seu conhecimento.
Com o aumento de casos de pessoas infectadas pelas doenças transmitidas
pelo mosquito Aedes aegypti em nossa cidade, percebi a importância de disseminar
informações junto aos alunos que serão semeadores de tudo que foi apresentado em
classe, aos pais, demais familiares e vizinhança.
O tema foi abordado de forma interdisciplinar, durante 10 aulas – sendo tra­
balhado uma vez por semana – em conteúdos: nas disciplinas de ciências, português
e matemática.
O estabelecimento de educação, no qual desenvolvi o Projeto foi a Escola Municipal
“Marieta Miranda Couto”, mesma instituição citada anteriormente, no município de
Matias Barbosa, Minas Gerais, com turmas pertencentes a uma comunidade escolar
que recebe também muitos alunos da zona rural.
Lecionava em uma turma de 2º ano do Ensino Fundamental, composta por 18
crianças de idades entre 6 e 7 anos, sendo 7 meninas e 11 meninos. Conhecia bem a
turma, pois também trabalhei com a sala no 1°ano.
Utilizei como ponto de partida uma simples conversa para ver o que os alunos
conheciam sobre o mosquito Aedes aegypti e a partir dessas informações, planejar de
forma coerente os próximos passos. O trabalho, penso, deve ser significativo para o
aluno, assim ele se sente parte do processo e o interesse, com certeza, será maior.
Trouxe para a sala diversos materiais que abordavam a temática e isso despertou
a curiosidade dos alunos.
Trabalhei também com um livrinho de atividades que o Governo do Estado de
Minas Gerais disponibilizou para as escolas em anos anteriores. Este foi de grande
valia, pois pude explorar o assunto de forma prazerosa e dinâmica. Cada aluno recebeu
o seu exemplar para realizar as inúmeras atividades contidas no material.
Ressalto que os conhecimentos prévios que os alunos possuíam contribuíram
muito para realizarmos as atividades. A oralidade foi bastante explorada durante o
projeto.
Aproveitei para passar um vídeo e aprofundar o tema. Nele os alunos conheceram

90
Práticas docentes em ciências e matemática de professores dos anos iniciais: aprendizagens e reflexões

de forma lúdica o ciclo do mosquito e o que devemos fazer para combatê-lo.


Confeccionamos gráficos para ilustrar as ações de combate que os alunos faziam
em casa.
No segundo encontro, propus aos alunos a escrita de produções de texto e
ilustrações, uma vez que minha intenção era registrar os conhecimentos prévios para
que ao final do projeto pudesse comparar a evolução dos conceitos e conhecimentos
adquiridos, trabalhar também o letramento.
Alguns alunos apresentaram seus textos em sala. Foi muito gratificante. Fizemos
visitas às demais turmas da escola e eles puderam envolver ainda mais crianças ao
processo.
Nos encontros seguintes fizemos várias atividades relacionadas, nas quais os
alunos interagiram bastante, dentre elas, uma gincana. Em grupo, os alunos decidiram
as regras e confeccionaram todo o material a ser usado no desenvolvimento da
brincadeira. Isso contagiou toda a escola!
Confeccionamos folhetos que foram levados às famílias para disseminação das
informações. Os alunos foram incentivados a se tornarem agentes de combate ao
mosquito. Também receberam material informativo para distribuir aos vizinhos e
familiares.
A cada encontro registrávamos nossas novas informações, produzíamos gráficos
e tabelas para comparações entre os avanços de nossa campanha e ao final de cada
aula algum aluno lia para os colegas um breve resumo de tudo que foi discutido em
classe. A oralidade deve ser explorada a todo momento. A habilidade de comunicação
entre os pares é extremamente necessária e deve ser estimulada.
Os educandos passaram a se sentir responsáveis e parte do projeto. Cada passo
seguinte e atividade a ser trabalhada eram mostrados previamente a eles, que davam
sugestões e traziam suas opiniões. O próprio nome “Bichinho perigoso” foi escolhido
pela turma em votação democrática e realizada pelas crianças.
A cada momento do trabalho em turma, os alunos demonstravam mais interesse
e contavam como levavam o que foi aprendido para suas famílias e o que estava
sendo feito para combater o transmissor.
Fizemos entrevistas com os pais para saber se nas residências existia o cuidado
para evitar o mosquito, o tempo gasto com essas ações, dias mais usados, etc.
As mesmas foram compartilhadas em sala. Montávamos gráficos com os resultados

91
Monique Cássia de Assis

e fazíamos comparações, cruzando dados e quantitativos descobertos. Após cada


fechamento de aula, traçávamos novas estratégias para a melhora no cuidado das
residências e próximas etapas do projeto.
A culminância do mesmo ocorreu com a confecção de um mural que ficou exposto
na escola para apreciação de toda a comunidade. Em um dia letivo, no qual as famílias
puderam participar de atividades escolares, tivemos a oportunidade de divulgar nosso
trabalho e ampliar nosso objetivo de conscientizar um maior número de pessoas sobre
esse bichinho tão perigoso que vive entre nós.
O grupo de estudos “Práticas docentes em ciências e matemática de professores
dos anos iniciais em início de carreira” foi extremamente relevante para minha formação
enquanto professora e hoje como supervisora escolar.
Percebo ainda mais a necessidade de se refletir sobre as formas de ensinar e
aplico tudo que aprendi no período que fiz parte dos encontros, buscando propiciar aos
educadores que chegam com os mesmos desafios que vivi formações e momentos de
troca de experiências para apoiá-los nesse período de construção da vivência docente.
A valorização do profissional da educação vai muito além de apenas melhorar a
remuneração, precisamos investir em uma formação de qualidade e que alie teoria e
prática. Lidamos com formação de vidas e a responsabilidade é gigantesca.

Referências

LIBÂNEO, José Carlos; PIMENTA, Selma Garrido. Formação de profissionais da


educação: visão crítica e perspectiva de mudança. Educação & Sociedade, Campinas,
v. 20, n.68, p.239-277, dez., 1999.

92
Ciências naturais e formação docente na pedagogia:
reflexões na perspectiva de uma educação democrática

Mariana Lima Vilela

As finalidades da Educação em Ciências na escolarização brasileira vêm sendo


disputadas em diferentes projetos educacionais para o país pelo menos desde a década
de 1930. Krasilchik e Marandino (2002) analisam a evolução histórica do Ensino
de Ciências no Brasil, apontando que diversas foram as abordagens e finalidades
propostas para o Ensino de Ciências, seja para a formação de uma elite intelectual
de futuros especialistas, ou para a formação para o trabalho e o desenvolvimento
industrial e tecnológico do país, ou ainda, em outros momentos, para a formação
para o exercício da cidadania. As autoras mostram que as perspectivas para ensinar
e aprender ciências vão se modificando em função das alterações nas concepções de
ciência e de sociedade nos diferentes momentos históricos e contextos das políticas
educacionais mais amplas.
A partir dos anos de 1980, o debate acadêmico brasileiro sobre Educação e
Democracia situou-se, por um lado, entre aqueles que defendiam a pedagogia crítico-
social dos conteúdos viabilizada por meio da ampliação da escolarização e consequente
democratização do acesso ao conhecimento (erudito/científico) acumulado na
sociedade. Enquanto por outro lado, movimentos de Educação Popular passaram a
interpelar a hierarquia entre saberes eruditos/científicos e populares, na defesa da
participação popular nas decisões do país e, portanto, situando os conhecimentos
científicos como parte da formação para a cidadania não meramente aplicável a regras
já estabelecidas, mas como possiblidade aquisição de poder para atuação na própria
formulação dessas regras.
Na área de Educação em Ciências, principalmente a partir da década de 1990,
Mariana Lima Vilela

desenvolveram-se estudos e abordagens que dialogam com ideais democráticos e


ampliam e aprofundam relações entre Educação em Ciências e Democracia. Neste
texto destacamos: (i) a Popularização da Ciência; (ii) a Alfabetização Científica e (iii)
as Relações Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente (CTSA).
A Popularização da Ciência diz respeito ao conjunto de processos de comunicação
que contribuam para que cidadãos construam um pensamento crítico e reflexivo sobre
questões científicas e tecnológicas para se posicionarem diante de problemáticas do
cotidiano. Germano (2011) defende que:

popularizar é muito mais do que vulgarizar ou divulgar a ciência. É colocá-la no


campo da participação popular e sob o crivo do diálogo com os movimentos
sociais. É convertê-la ao serviço e às causas das maiorias e minorias oprimidas
numa ação cultural que, referenciada na dimensão reflexiva da comunicação e
no diálogo entre diferentes, oriente suas ações respeitando a vida cotidiana e o
universo simbólico do outro. (GERMANO, 2011. p. 305.)

Nesse sentido, para o autor, a popularização na dimensão de uma ação cultural


consiste em algo mais complexo do que a divulgação. Enquanto a divulgação científica
se constitui em uma via única – dos produtores e detentores dos conhecimentos para
os leigos –, a Popularização da Ciência contém a dimensão da participação pública
em que a ciência é parte da cultura da sociedade e nesse sentido, todo cidadão deve
conhecer as características da atividade científica e ser também responsável pela
ciência que é produzida e pelas decisões sobre sua aplicação.
No que se refere à Alfabetização Científica, há uma pluralidade de concepções,
mas que têm como pressuposto o Ensino de Ciências que almeja a formação
cidadã dos estudantes para o domínio e uso dos conhecimentos científicos e seus
desdobramentos nas mais diferentes esferas de sua vida. (SASSERON; CARVALHO,
2011, p. 60). Nos anos de 1990, Bybee (1995) já propunha diferentes dimensões da
Alfabetização científica – funcional, conceitual, procedimental e multidimensional – e
defendia uma alfabetização científica multidimensional que integrasse o domínio do
vocabulário e linguagem das ciências, a compreensão sobre como o conhecimento
científico é construído e a percepção sobre o papel das ciências e tecnologias na
sociedade e na vida dos indivíduos.
As abordagens CTSA, por sua vez, incorporam discussões éticas e emergem

94
Ciências naturais e formação docente na pedagogia: reflexões na perspectiva de uma educação democrática

sobretudo a partir de grandes catástrofes ambientais e do desenvolvimento de


biotecnologias de manipulação da vida, com preocupação central em formar cidadãos
capazes de se posicionar criticamente frente as questões de ciência, tecnologia e
meio ambiente que envolvem seus aspectos políticos, sociais, culturais e éticos. Para
López e Cerezo (1996), essas propostas curriculares integram educação científica,
tecnológica e social, e os conteúdos científicos e tecnológicos não podem ser tratados
sem uma discussão sobre os aspectos históricos, éticos, políticos e sócio-econômicos.
No presente artigo, proponho, em diálogo com essas três abordagens de Ensino
de Ciências, pensarmos sobre as contribuições das Ciências Naturais no currículo
escolar, como espaço de construção de projetos de Educação Democráticos. Paulo
Freire afirmava que “A leitura do mundo precede a leitura da palavra” (FREIRE, 1992).
Então podemos questionar em que medidas as abordagens de Ciências Naturais aqui
descritas podem contribuir para a leitura de mundo dos estudantes? Como as Ciências
Naturais podem tecer relações subjetivas sobre SER e ESTAR no mundo? E quais as
relações dessas possibilidades com a produção de projetos de Educação democráticos?
A seguir apresento um relato de experiências formativas do curso de Pedagogia da
Universidade Federal Fluminense e, por fim, busco dialogar com essas questões.

Sobre ser e estar no mundo: as ciências naturais no curso de


pedagogia da UFF

As atividades aqui descritas foram desenvolvidas no contexto da Feira de Ensino


de Ciências da Faculdade de Educação da UFF1 que vem se constituindo como espaço
formativo de futuras/os pedagogas/os. Integrada às atividades da Disciplina “Ciências
Naturais: Conteúdo e Método” do curso de Pedagogia, a feira tem como objetivo
estreitar e aprofundar relações de graduandas/os com conhecimentos das Ciências
Naturais, por meio da elaboração de materiais didáticos e atividades experimentais de
Ciências voltados para diferentes níveis de escolaridade. Em diálogo com propostas
curriculares dos anos iniciais do ensino fundamental, são focalizadas as seguintes
temáticas: biodiversidade, ecologia, microbiologia, corpo humano, química, física,

1
A produção da Feira de Ensino de Ciências da FEUFF está divulgada em Vilela e Salomão (2016).

95
Mariana Lima Vilela

astronomia, geologia e paleontologia. As propostas são desenvolvidas em grupos,


após um ciclo de estudos sobre cada temática. Para fins de descrição, as atividades
foram aqui organizadas nos seguintes tópicos:

- Sobre ESTAR no mundo:


1) A Terra vista de longe

2) A Terra por dentro

3) A Terra e o tempo

4) A Terra de perto

5) A Terra da gente, dos bichos e das plantas

- Sobre SER no mundo:


6) Esse corpo das ciências é o meu corpo?

7) O corpo biológico, social e cultural

1) A TERRA VISTA DE LONGE: Nesta seção apresentamos os materiais produzidos


sobre temáticas da astronomia.
Guarda-chuva do sistema solar (Fig. 1): Em um guarda-chuva são penduradas
esferas de isopor pintadas representando os planetas do sistema solar. Uma esfera
maior é colocada no eixo central do guarda-chuva representando o sol. Com inspiração
em uma seção de cúpula do Planetário, propôs-se que o observador escute um áudio
com descrições e questões sobre o sistema solar enquanto observa o modelo. A
proposta não permite o estudo dos movimentos dos planetas, mas focaliza a descrição
e características detalhadas sobre cada um deles.

Figura 1– Guarda-chuva do sistema solar

96
Ciências naturais e formação docente na pedagogia: reflexões na perspectiva de uma educação democrática

Modelo para estudo das estações do ano (Fig.2): Um modelo com um sistema “Sol
– Terra” produzido com uma lâmpada, esfera de isopor e palito (de churrasco) reproduz
o movimento de translação da Terra evidenciando a inclinação do eixo de rotação que
permite visualizar a incidência luminosa nos diferentes hemisférios, caracterizando
as estações do ano. O modelo também permite problematizar as estações do ano
em diferentes partes do globo, colocando em questão os estereótipos de figuras de
paisagens comumente veiculados nos livros didáticos.

Figura 2 – Modelo para estudo das estações do ano

2) A TERRA POR DENTRO: Nesta seção apresentamos materiais produzidos


acerca da Deriva Continental, Tectônica de Placas e suas relações com o cotidiano,
tais como os tipos de rochas e atividade vulcânica.
“Quebra-cabeça” das Placas Tectônicas (Fig.3): A imagem de um planisfério é
recortada nos limites das Placas tectônicas formando as peças de um quebra-cabeça.
O jogo permite que o observador perceba a diferença entre os continentes e as placas
tectônicas. Um modelo feito de esfera de isopor expõe as camadas da Terra indicando
que as peças do “quebra-cabeça” correspondem à parte mais externa, a crosta terrestre.

Figura 3 – “Quebra-cabeça” das Placas tectônicas

97
Mariana Lima Vilela

“Magma de gelatina” (Fig. 4): Um “pirex” retangular com gelatina vermelha


líquida é colocado acima de duas chamas (bico de Bunsen ou lamparinas a álcool).
Peças de EVA flutuantes com figuras das placas tectônicas são colocadas sobre a
gelatina. Enquanto a gelatina ferve, observa-se o movimento das placas.

Figura 4 – “Magma de gelatina”

“Vulcões: Modelos X Realidade” (Fig.5): Uma maquete de paisagem com vulcão é


montada com uma lâmpada por baixo e um recipiente de vidro acima representando o
duto do vulcão. Nesse recipiente são colocados bicarbonato, vinagre e corante vermelho.
A reação produz uma espuma que é lançada para fora do vulcão e, com a lâmpada
acesa dá um efeito de lava. As diferenças entre essa erupção química da maquete e
os fatores que levam a uma erupção vulcânica real são apresentadas em um painel e
o observador é desafiado a comparar as diferenças entre a experiência do vulcão e as
erupções reais, buscando responder quais as causas das erupções vulcânicas.

Figura 5 – Vulcões: Modelos X Realidade

98
Ciências naturais e formação docente na pedagogia: reflexões na perspectiva de uma educação democrática

3) A TERRA E O TEMPO: Nesta seção apresentamos as propostas de atividades


didáticas que permitem compreender as transformações da Terra ao longo do tempo,
valorizando aspectos da paleontologia.

Duas maquetes de um suposto mesmo ambiente em diferentes períodos


geológicos são montadas. Uma representa um momento do período jurássico e outra
representa o tempo presente contendo um sítio paleontológico. O observador analisa
a representação do período jurássico e explora o sítio paleontológico encontrando
fósseis e buscando identificá-los, ao comparar as maquetes. O trabalho de campo do
paleontólogo é discutido e apresentado nessa atividade.

Figura 6 – Encontre o fóssil

Linha do tempo interativa (Fig. 7): Uma exposição em painel com as características
das Eras Geológicas é montada. À frente do painel de cada Era é colocado um modelo
em esfera de isopor pintada representando as características da Terra naquela Era.
Figuras de seres vivos presas em palitos (de dente) de madeira são disponibilizadas e o
observador lê as informações sobre as Eras e adiciona elementos às esferas de isopor,
interagindo e compreendendo as transformações do planeta em cada momento.

99
Mariana Lima Vilela

Figura 7 – Linha do tempo interativa

4) A TERRA VISTA DE PERTO: Nesta seção apresentamos propostas de ensino


que focalizam paisagens terrestres, suas dinâmicas e características com ênfase em
aspectos ecológicos.

Uma maquete é montada em uma caixa plástica utilizando argila, pedras, água
e corante azul representando um ambiente estuarino. Sobre a argila são colocadas
algumas pequenas mudas de plantas e pequenas placas com figuras de animais que
habitam o mangue. Um painel com fotos e esquemas que demonstram as adaptações
da flora de solo alagadiço complementam a exposição. O observador participa de uma
discussão com questionamentos sobre a importância ecológica desse ambiente.

Figura 8 – Biodiversidade no Mangue

Condições de germinação de sementes (Fig. 9): Essa atividade consiste em um


experimento de germinação de sementes em diferentes condições ambientais. São
montados dois conjuntos de sistemas de 4 garrafas sendo: (1) solo adubado sem
água; (2) solo adubado com água; (3) algodão com água e (4) algodão sem água.

100
Ciências naturais e formação docente na pedagogia: reflexões na perspectiva de uma educação democrática

São acrescentadas sementes de feijão, milho ou alpiste. Um dos conjuntos dessas


4 garrafas é mantido em local claro e outro é colocado dentro de uma caixa lacrada
(escuro), ao longo de uma semana. Após uma semana a caixa é aberta e as garrafas
são comparadas e levantando-se hipóteses sobre as condições de germinação das
sementes.

Figura 9 – Condições de germinação de sementes

5) A TERRA DA GENTE, DOS BICHOS E DAS PLANTAS: Nesta seção apresentamos


propostas de ensino que focalizam animais plantas e a biodiversidade em seus aspectos
morfológicos e ecológicos.
Jogo da classificação dos animais vertebrados (Fig. 10): Nesta atividade propõe-
se um jogo no qual são escolhidos variados critérios para classificar os animais
vertebrados. O jogo é composto por cartas e um dado. As cartas têm figuras de
diversos animais vertebrados e palavras que descrevem suas características quanto
a: revestimento do corpo (escamas, penas, pelos); habitat (aquático, terrestre),
locomoção (nada, voa, anda, pula), reprodução (põe ovos ou não; se os filhotes
mamam ou não), alimentação. Cada face do dado tem um critério de classificação
dos animais: revestimento do corpo, habitat, locomoção, reprodução, alimentação
e ciência. Na face “ciência” há uma figura do Darwin. Na medida em que se variam
os critérios, diferentes configurações de grupos de cartas se formam. Após várias
rodadas é possível discutir a ideia de que os cientistas agrupam os animais vertebrados
a partir de um conjunto de características preestabelecido, e que para os cientistas,
os critérios têm base na Teoria da Evolução de Darwin.

101
Mariana Lima Vilela

Figura 10 – Jogo da classificação dos animais vertebrados

Um pé de que? (Fig. 11): Inspirado no programa de TV Um pé de que? Apresentado


pela atriz Regina Casé no canal Futura, foi realizada uma pesquisa sobre duas espécies
de árvores brasileiras: o pau-brasil e a araucária. A pesquisa versou sobre todos
os aspectos biológicos – o tipo de ambiente que vivem, até qual tamanho ficam,
como são suas flores, frutos e sementes, quem são os seus agentes polinizadores,
qual sua distribuição geográfica – e também sobre os aspectos ligados à utilidade
para o homem e sua história. A partir da pesquisa foi elaborado um texto na forma
de narrativa, colocando o pau-brasil e a araucária como narradores de sua própria
história. Para apresentar a narrativa foram confeccionados aventais customizados
com as características das árvores. Para contar as histórias foram confeccionados
vários personagens, ilustrações e detalhes concretos em peças de EVA que eram
colocadas no bolso do avental e, na medida em que a história ia sendo contada, os
detalhes iam sendo retirados do bolso e presos com velcro no próprio avental. A
atividade é realizada na forma de um pequeno teatrinho.

Figura 11 – Apresentação da história Um pé de quê?

102
Ciências naturais e formação docente na pedagogia: reflexões na perspectiva de uma educação democrática

6) ESSE CORPO DA CIÊNCIA É O MEU? (Fig. 12): São selecionadas diversas


imagens didáticas de órgãos do corpo humano. As imagens são montadas em
um arquivo de power point com fundo branco na forma de slides, para que sejam
projetadas por um Datashow. Os alunos devem colocar um avental ou jaleco branco
que servirá de tela e óculos escuros para proteger os olhos da luz. As imagens
didáticas são projetadas pelo Datashow em uma tela branca na frente da qual os
alunos se posicionam de forma que a imagem dos órgãos apareça sobre o corpo deles.
A projeção das imagens é feita de forma que enquanto um aluno fica na frente do
projetor os outros observam e depois trocam de lugar sucessivamente. Ao final, os
alunos fazem outro desenho sobre o que aprenderam sobre seu corpo.

Figura 12 – Esse corpo da Ciência é o meu?

7) O CORPO BIOLÓGICO, SOCIAL E CULTURAL (Fig. 13): O material consiste


em quatro caixas, sendo uma maior, dentro da qual ficam as outras três menores,
sendo: caixa 1 “Diversidade cultural, corpo humano e saúde ”; Caixa 2 “Sociedade,
corpo humano e saúde”; e Caixa 3 “Ciência, corpo humano e saúde”. Todas as caixas
contêm imagens, textos e questões que abordam mudanças nas representações de
corpo na sociedade, destacando diferentes épocas, focalizando como o corpo tende
a cumprir determinadas regras em contextos sociais diferentes. Todas possuem

103
Mariana Lima Vilela

imagens no exterior e no interior, assim como textos curtos poemas, reportagens


e músicas, além de charges e vídeos curtos que são apresentados utilizando um
computador disponibilizado em sala. Esses materiais foram escolhidos por provocarem
impressões rápidas, interação, discussões que possibilitam reflexões imediatas entre
os participantes.

Figura 13 – Caixas e parte de seu conteúdo

Refletindo sobre contribuições das ciências naturais na construção de


projetos de educação democráticos

As três abordagens de Educação em Ciências inicialmente apresentadas –


Popularização da Ciência, Alfabetização Científica e CTSA – embora valorizem aspectos
distintos entre si, têm em comum a noção de que ensinar ciências nunca deve se
reduzir a transmitir conteúdos e/ou procedimentos científicos. Isto é, o ensino das
ciências deve ser um meio para promover a emancipação dos sujeitos, contribuindo,
assim, para a construção de projetos de educação democráticos. Quero apostar que
essas abordagens são capazes de engendrar um processo libertário, uma vez que
reduzem hierarquias sobre nossa existência no mundo e nos coloca como atores
sociais capazes de transformar o mundo e, portanto, produzindo possibilidades para
se construir muitos mundos possíveis.
O problema da supervalorização da transmissão de conteúdos e/ou procedimentos
também é advertida por Gert Biesta (2012), quando defende que há um grave
reducionismo contemporâneo: a supervalorização da função de qualificação entre

104
Ciências naturais e formação docente na pedagogia: reflexões na perspectiva de uma educação democrática

as finalidades educacionais nas políticas do nosso tempo. O autor se contrapõe a


esse reducionismo defendendo que quaisquer discussões sobre o que seria uma boa
educação devem apresentar propostas não hierarquizadas em relação às três funções
da educação - qualificação, socialização e subjetivação. A qualificação se refere
ao processo de conferir conhecimentos que permitam aos alunos capacidades em
diferentes áreas. Pode-se pensar desde a capacitação para o trabalho até a instrução
política ou cultural. A socialização se relaciona às muitas formas como a educação
insere os indivíduos nas ordens sociais, políticas e culturais. A subjetivação é a função
que proporciona processos de individualização dos sujeitos pela educação.
O autor ressalta que estas três dimensões se sobrepõem, e por isso a questão
sobre os propósitos da Educação deve ser vista como uma questão composta. Tais
funções são sempre efeitos que o sistema educacional desempenha, mesmo em
propostas que neguem uma ou duas delas, elas acontecem e produzem seus efeitos
nos indivíduos e na sociedade. Por isso, é preciso se comprometer também com a
discussão acerca dos valores, isto é, o que e para que os alunos aprendem (BIESTA,
2012). É por tais razões que ou autor defende um aprofundamento nas discussões
sobre os objetivos e fins da educação, com o ensejo de se favorecer a manutenção do
status quo e de injustiças sociais se não o fizermos.
Dentre essas três finalidades, a qualificação é a dimensão educativa mais
mensurável objetivamente, pois diz respeito à aquisição de conteúdos e procedimentos.
E, portanto, se supervalorizada, produz hierarquizações nos sistemas educacionais
por meio de estratégias de avaliação como provas, testes e verificações. Nossos
sistemas educacionais, e, portanto, também as políticas educacionais do nosso tempo
têm limitado cada vez mais os processos educativos a essa única finalidade. Porém,
podemos pensar que são muitas as possibilidades das temáticas das Ciências Naturais
contribuírem para a valorização das outras duas finalidades propostas por Biesta.
Muitas são as funções de socialização e de subjetivação que as atividades for­
mativas descritas na proposta da Feira de Ensino de Ciências da FEUFF podem exercer
na contribuição de projetos de educação democráticos. As temáticas das Ciências
Naturais permitem explorar características de objetos intocáveis, invisíveis ou distantes
– estrelas, satélites, planetas, vírus, bactérias, células. Também concorrem para
os sujeitos aprenderem sobre e aceitarem o mundo para além da própria existência
ampliando as noções de tempo e de espaço e também de que a vida humana é uma entre

105
Mariana Lima Vilela

muitas outras formas de vida. Nesse sentido, as Ciências Naturais desafiam valores
antropocêntricos e egocêntricos. Além disso, também podem se ampliar as noções
de dinâmicas e transformações com a compreensão de que coisas aparentemente
estáticas estão mudando permanentemente, seja em fenômenos irreversíveis no
tempo – as transformações da energia, o envelhecimento, o crescimento -, seja por
repetições cíclicas – os ciclos de vida, os ciclos climáticos, os ciclos da matéria
na natureza. O olhar para os processos de construção de conhecimentos científicos
permite ainda, aprender a aceitar a dúvida, o erro, a diversidade de possibilidades
e explicações para determinado fenômeno natural, estimulando a formulação de
hipóteses, o questionamento e, sobretudo a criatividade e a imaginação. Além disso, os
processos de subjetivação podem ser estimulados pela simples percepção de detalhes
e delicadezas do mundo vivo, promovendo o valor a vida em todos os sentidos.
Esse conjunto de possibilidades quanto à socialização e à subjetivação que
podem ser desenvolvidas em abordagens pedagógicas voltadas para temáticas das
Ciências Naturais foram construídas e aprofundadas nas atividades da Feira de Ensino
de Ciências da FEUFF e passaram a compor um repertório de referências para as/os
futuras/os pedagogas/os.
Nesse sentido, retomando a ideia de Paulo Freire de que “A leitura do mundo
precede a leitura da palavra” (FREIRE,1992), as experiências formativas no curso de
Pedagogia da FEUFF também ampliaram o repertório de leitura de mundo e sobre nós
mesmos. E na medida em que isso se torna possível, começamos a vislumbrar uma
compreensão não hierarquizada sobre ser e estar no mundo. A partir dessa experiência
compreendemos que quando muitos mundos – diferentes desse que está posto - se
tornam possíveis, estamos construindo projetos de educação emancipatórios.

Referências

BIESTA, G. Boa educação na era da mensuração. Cadernos de Pesquisa, v. 42, n.


147, p.808-825, set/dez. 2012.

BYBEE, R.W. (1995). Achieving Scientific Literacy, The Science Teacher, v. 62, n. 7,
28-33.

106
Ciências naturais e formação docente na pedagogia: reflexões na perspectiva de uma educação democrática

FERIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido.


Rio de Janeiro. Paz e Terra. 1992.

GERMANO, M.G. Uma nova ciência para um novo senso comum [online]. Campina
Grande: EDUEPB, 2011. 400 p.

KRASILCHIK, M. ; MARANDINO, M. . Estudando a Biosfera - Introduzindo a Discussão


sobre Biodiversidade. In: Secretaria Estadual de Educação de SP; USP; UNESP; PUC.
(Org.). Natureza, Ciências, Meio Ambiente e Saúde. São Paulo: Fundação Vanzolini,
2002, v., p. 1359-1365.

LÓPEZ, J. L. L., CEREZO, J. A. L. (1996). Educación CTS en acción: enseñanza


secundaria y universidad. In: GARCÍA, M. I. G., CEREZO, J. A. L., LÓPEZ, J. L. L.
Ciencia, tecnología y sociedad: una introducción al estudio social de la ciencia y la
tecnología. Madrid: Editorial Tecnos S. A.

SASSERON, L. M. e CARVALHO, A. M .P. Alfabetização científica: uma revisão


bibliográfica. Investigações em Ensino de Ciências – V16(1), pp. 59-77, 2011.

VILELA, M. L. e SALOMÃO, S. R. Trabalhando Ciências na Educação Infantil e Anos


Iniciais: um acervo de ideias e produções. [CD-rom]. FAPERJ / PROEX. UFF. Niterói,
RJ. 2016. Disponível na Biblioteca Central do Gragoatá.

107
A formação de professores para a docência em
ciências nos anos iniciais do ensino fundamental

Wallace Alves Cabral


Wilton Rabelo Pessoa
Andréia Francisco Afonso

O presente trabalho é resultado de reflexões de docentes de três instituições de


Ensino Superior no Brasil, que tem em comum a atuação e o interesse pela inserção do
Ensino de Ciências nos Anos Iniciais do Nível Fundamental. Nesse sentido, temos como
objetivo discutir acerca do lugar do Ensino de Ciências nos Anos Iniciais, a partir do
relato de uma experiência de formação inicial de professores para o referido contexto.
Os Anos Iniciais do Ensino Fundamental é o momento em que as crianças têm o
primeiro contato com os saberes científicos escolarizados. Pires e Malacarne (2018)
acreditam que esse processo deve acontecer de maneira agradável, fomentando a
curiosidade e auxiliando os estudantes na busca de explicações para os diferentes
fenômenos.
De acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2018, p.
58), é no Ensino Fundamental que “os alunos se deparam com uma variedade de
situações que envolvem conceitos e fazeres científicos, desenvolvendo observações,
análises, argumentações e potencializando descobertas”. Para isso, os professores
precisam oportunizar em sala de aula temas que valorizem os saberes e que despertem
o interesse pelas Ciências.

O ensino de ciências, nesse sentido, assume um papel significativo na formação


do cidadão, e remete ao professor o desafio de promover a ação pedagógica a
partir de uma abordagem interdisciplinar e contextualizada, ou, dito de outro
A formação de professores para a docência em Ciências nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental

modo, desenvolver uma prática centrada na articulação dos conhecimentos


das diversas áreas entre si, e entre essas e o mundo dos alunos. Trata-se de
um processo dialógico, que envolve sujeitos em interação social de produção
e aprendizagem compartilhada em sala de aula (VIECHENESKI; CARLETTO,
2013, p. 526).

A interdisciplinaridade surge em um cenário em que se busca a superação


da fragmentação dos conhecimentos, na tentativa de compreender os fenômenos
apresentados em sala de aula, em uma visão mais ampla, procurando relacionar
conceitos específicos das diferentes áreas, que proporcione a reflexão e a criticidade.
Porém, Viecheneski, Lorenzetti e Carletto (2012) mostram que muitos pro­
fessores em formação e em exercício apresentam dificuldades em promover em
sala de aula um Ensino de Ciências crítico, reflexivo e investigativo. Uma possível
justificativa apresentada pelos autores reside na formação docente precária quanto ao
embasamento conceitual para o trabalho com Ciências. Podemos ainda acrescentar
para o desenvolvimento da prática interdisciplinar.
Ao olhar para os cursos que habilitam esses professores, de modo geral, apre­
sentam somente disciplinas regulares ligadas ao campo da Didática ou Metodologia de
Ensino das áreas de conhecimento específico. Mas, exercer a polivalência nos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental não significa que o docente tenha apenas que “operar
um somatório de disciplinas, mas envolver-se na formação humana de seus alunos,
adotando-se uma perspectiva interdisciplinar” (CRUZ; BATISTA NETO, 2012, p.389).
Entendemos que são muitos os desafios e, por isso, a formação inicial nunca
formará completamente o sujeito, ou seja, não há completude ao final do processo
formativo.

Formar para a atuação, ensinando ciências e matemática nos anos iniciais, na


perspectiva da suspensão da ideia de completude passa por compreender que
não é possível abordar com profundidade todos os conhecimentos teóricos
referentes a conteúdos específicos, didática e metodologia das ciências e
matemática no tempo/espaço formativo possível. Mais que isso: é considerar
que formação é processo e não produto, logo, não passível à completude. O
desejo da completude, por si, tem o potencial de pôr em movimento. No entanto,
esse movimento é em direção às in­completudes fundantes de outros sujeitos da
educação (FLÔR; CARNEIRO, 2017, p. 7)

109
Wallace Alves Cabral, Wilton Rabelo Pessoa, Andréia Francisco Afonso

Nessa linha de raciocínio, o tornar-se professor para os Anos Iniciais do Ensino


Fundamental envolve a compreensão de que não é possível abordar com profundidade
todos os conhecimentos teóricos oriundos das áreas específicas, didáticas e suas
metodologias. O profissional formado e incompleto apresenta o potencial de se colocar
em movimento, trazendo à tona não só sua formação acadêmica, mas suas histórias
de vida na construção docente.
Ao se formarem professores polivalentes, diferentes relações são estabelecidas
com suas trajetórias, podendo assim ressignificar sua prática docente à luz desses
conhecimentos. Portanto, é importante elencar de forma criteriosa o que contemplar
na construção curricular e que tipo de professor se pretende formar. Diante de tais
considerações, temos como questão: Como tem ocorrido tal formação, tendo em
vista sua preparação para atuar no processo de ensino e aprendizagem de Ciências
nos anos iniciais do Ensino Fundamental?
De modo geral, os cursos de Pedagogia tem sido o contexto mais frequente
de formação docente para os Anos Iniciais. No caso específico desse trabalho,
focalizamos uma Prática de Formação Inicial em Ciências (PFIC), no âmbito do curso
de Licenciatura Integrada em Ciências, Matemática e Linguagens (LIECML/UFPA),
em funcionamento na Universidade Federal do Pará (UFPA). O referido curso é
voltado para a formação de professores para ensinar Ciências e Matemática nos
anos Iniciais do Ensino Fundamental em integração com a Língua Materna e as
Ciências Humanas.

Apresentando a prática de formação inicial em ciências

A PFIC, que apresentamos neste texto, culminou com a elaboração e desen­


volvimento de planejamentos de ensino sobre a temática alimentação, por estudantes
do curso de Licenciatura Integrada em Educação em Ciências, Matemática e Linguagens
(LICML), como produção final do componente curricular intitulado “Conhecimentos
Atitudinais e Procedimentais no Ensino de Ciências e Linguagens I”.
A turma participante da PFIC era constituída por 14 graduandos que cursavam
o oitavo semestre do curso, momento em que eles deveriam realizar, em duplas de
licenciandos, o terceiro Estágio de Docência. Nesse sentido, a produção dos pla­

110
A formação de professores para a docência em Ciências nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental

nejamentos levou em consideração que seriam desenvolvidos com estudantes da


Educação Básica, no contexto do Estágio Curricular Obrigatório.
Na PFIC, a opção pela abordagem do tema alimentação, foi pensada de modo
a contribuir tanto para a Alfabetização Científica dos licenciandos quanto para a
experiência formativa no trabalho com temas de relevância social, visando a docência
futura nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, numa perspectiva metodológica de
simetria invertida. Segundo Fraiha-Martins (2004), tal perspectiva expressa a coerência
entre o que se faz na formação inicial e o que se espera da professora como profissional.
Ao iniciarmos o processo formativo, buscamos conhecer as ideias dos
licenciandos acerca das seguintes questões: Para você, por que é importante
abordarmos a temática da alimentação nos Anos Iniciais? Que temas e conteúdos
podem ser trabalhados a partir dessa temática? Como você considera que podemos
abordar a alimentação nos Anos Iniciais? Além dessas questões, por concebermos
que a formação docente não inicia no curso de graduação e continua depois dele
(MALDANER, 1999), abordamos também as vivências dos licenciandos em sua
história escolar, para problematização delas em sua formação inicial: Considerando
sua experiência como estudante na Educação Básica, relate uma experiência que
você teve sobre o estudo da alimentação.
Num segundo momento, houve apresentação, em duplas de graduandos, do aspecto
referente ao tema central alimentação, que seria abordado por eles. Posteriormente, as
duplas socializaram seus planejamentos para a turma toda, de modo a refletir sobre o
que produziram e receber possíveis contribuições dos demais licenciandos.
Os planejamentos foram voltados para o desenvolvimento de atividades de Ensino
de Ciências com estudantes no contexto do 4º e 5º Anos do Ensino Fundamental e da
Educação de Jovens e Adultos (EJA) – 1º e 2º Etapas. Hábitos alimentares é um dos
objetos de aprendizagem do quinto ano do Ensino Fundamental, e compõe a Unidade
Temática Vida e Evolução da Base Nacional Comum Curricular. Em relação a esse
objeto de aprendizagem, é esperado que o estudante desenvolva a habilidade de:

(EF05CI08) Organizar um cardápio equilibrado com base nas características


dos grupos alimentares (nutrientes e calorias) e nas necessidades individuais
(atividades realizadas, idade, sexo etc.) para a manutenção da saúde do
organismo (BRASIL, 2018, p.341).

111
Wallace Alves Cabral, Wilton Rabelo Pessoa, Andréia Francisco Afonso

A produção dos planejamentos levou em consideração os seguintes aspectos


relativos ao Ensino de Ciências nos Anos Iniciais: a) A abordagem de Ciências a partir
de um tema de relevância social, qual seja, a alimentação; b) A inserção de conteúdos
de Ciências numa perspectiva interdisciplinar, que considerasse especialmente
relações entre Ciências e Língua Materna, a partir do trabalho com gêneros textuais
diversos e c) A previsão de espaços para consideração dos contextos de vivência dos
alunos, além de interações e diálogo entre estudantes/professor e estudantes entre si.
A fim de ilustrar os aspectos considerados nos planejamentos de ensino,
apresentamos o registro baseado no planejamento e no relato escrito de duas
licenciandas, contendo as etapas de desenvolvimento das atividades de Ensino de
Ciências pensadas por elas para os contextos citados anteriormente. Em seguida,
discutimos aspectos emergentes, na sequência em que aparecem no planejamento
em foco, que ao nosso ver, são relevantes para a reflexão sobre a formação inicial e
a docência em Ciências nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
O planejamento de ensino foi desenvolvido pelas estudantes a partir da pro­
blematização da temática da alimentação, abordando em particular o subtema referente
ao reaproveitamento de alimentos, de acordo com as etapas a seguir:
1. Iniciamos com a mediação de leitura de um livro de literatura infantil1. A estratégia
utilizada foi a contação da história e posterior diálogo com os estudantes sobre temas
relativos a ela, como, por exemplo, suas experiências pessoais com reaproveitamento
de cascas e talos de vegetais, consumo consciente e sustentabilidade.
2. Foi solicitado aos estudantes que fossem até o quadro e ajudassem na
montagem de uma receita de pão, numa atividade de organização e colagem em uma
folha de papel, das partes constituintes do texto.
3. Os estudantes realizaram um experimento investigativo, com objetivo de
estudar a ação do fermento biológico em relação aos ingredientes do pão. Antes da
realização do experimento, os estudantes foram incentivados a fazer previsões sobre
o que iriam observar e a expor suas ideias sobre o tema em questão. O foco inicial da
discussão recaiu sobre o papel do fermento a partir do seguinte problema: O fermento
biológico atua sobre que fermento do pão? Foram elaborados quatro sistemas, com
o uso de garrafinhas de água mineral e balões de aniversário adaptados a partir da
atividade proposta em Lima, Aguiar Júnior e Braga (2004).
1
A gritadeira, da escritora Sandra Aymone. Editora Educar, 2011.

112
A formação de professores para a docência em Ciências nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental

Durante e após a realização do experimento, os alunos registraram suas ob­


servações, por meio de desenhos e anotações, que foram socializados com a turma.
Em seguida, os estudantes responderam a algumas questões sobre o experimento,
que estavam relacionadas ao problema inicial sobre a ação do fermento biológico.
4. Houve o retorno ao estudo do gênero textual, por meio de atividade em que
os estudantes foram convidados a pesquisar, fora do horário de aula, uma receita
de sua preferência que envolvesse alguma forma de reaproveitamento de alimentos,
atentando para sua estrutura textual, a fim de compor um livro de receitas da turma.

Discussão sobre a prática de formação inicial e o planejamento de ensino

A partir do planejamento de ensino produzido no contexto da PFIC, identificamos


os seguintes aspectos relativos ao ensino de Ciências nos Anos Iniciais:
O enfoque interdisciplinar do conteúdo de Ciências em diálogo com outros
componentes curriculares dos Anos Iniciais e com o universo dos estudantes, pode
ser desenvolvido a partir da abordagem de temas de relevância social. Segundo
Matta (2011), o ensino interdisciplinar de Ciências no Nível Fundamental possibilita
priorizar a problematização de situações concretas que não estão situadas em uma
área de conhecimento específica. No caso em análise, foram abordados conteúdos
de Ciências sobre transformações envolvidas na produção de pães, articulados ao
estudo do gênero textual ‘receita culinária’, a partir do tema ‘Reaproveitamento de
Alimentos’. Sobre isto, a utilização de livros de literatura infantil na introdução de
temas sociais pode ser atrativa para os estudantes, em função de seu aspecto lúdico
que incentiva o encanto e a imaginação infantil, além de relacionar o conhecimento
escolar com situações da vida diária (ALMEIDA; MESSEDER; ARAÚJO, 2018).
Sobre o trabalho com o gênero textual, foi possível perceber que o texto não
foi utilizado apenas inicialmente e deixado de lado para contagem de letras e sílabas
(ROJO, 1998) ou ainda como introdução para o desenvolvimento dos conteúdos de
Ciências. Na perspectiva da abordagem interdisciplinar, que é desejável nos Anos
Iniciais, o gênero ‘receita culinária’ apareceu como objeto de estudo em interação
com conteúdos de Ciências.

113
Wallace Alves Cabral, Wilton Rabelo Pessoa, Andréia Francisco Afonso

Foi possível identificar também o caráter investigativo do experimento, consi­


derando o ensino de Ciências por investigação como aquele em que uma ou mais
situações-problema, propostas pela professora/professor ou trazida pelos estudantes,
orientam o desenvolvimento das atividades a partir da interação entre os sujeitos,
do diálogo e da exploração do mundo natural (LIMA; MAUÉS, 2006). Além disso,
julgamos importante destacar que o ensino de Ciências por investigação não envolve
obrigatoriamente atividades práticas ou experimentação e, mesmo a opção por esse
tipo de atividade, não implica que o professor deve ficar restrito a ele (MUNFORD;
LIMA, 2007).
Outro aspecto a ser destacado é a solicitação para que os estudantes dos Anos
Iniciais produzam registros no contexto da investigação, por meio de desenhos ou
anotações, além da socialização que disponibiliza as produções individuais para
discussão e redimensionamento no plano social da sala de aula. Ao nosso ver, os
registros são importantes pois, desta forma os alunos podem refletir sobre suas
produções e se envolver com a construção de explicações individuais e entre pares,
com a orientação da professora ou professor. Por fim, o retorno ao gênero textual
abordado possibilita um espaço para a expressão dos estudantes a partir de seus
interesses, bem como possibilita a avaliação deles em relação à temática inicial,
reaproveitamento de alimentos e ao gênero ‘receita culinária’.

Considerações finais

A partir do planejamento elaborado pelas licenciandas, podemos afirmar que o


Ensino de Ciências, quando está voltado a abordagem de temas que são familiares
aos estudantes da Educação Básica, especialmente àqueles dos Anos Iniciais do Nível
Fundamental, ele se torna atrativo e instigante, o que pode promover a reflexão e a
criticidade.
A abordagem desses temas pode ser feita em diálogo com conceitos que são
específicos de outras disciplinas, como por exemplo, a Língua Portuguesa, ou até
mesmo com questões pertinentes à cultura, sociedade, política, entre outras. Dessa
forma, o estudante tem a possibilidade de construir o conhecimento científico de uma

114
A formação de professores para a docência em Ciências nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental

forma mais ampla, mas necessária para a tomada de decisões para os problemas que
são colocados no dia a dia.
A tomada de decisão pode vir a ser desenvolvida quando são colocadas situações-
problema aos estudantes, desafiando-os a mobilizar os conhecimentos construídos,
a partir de diferentes metodologias utilizadas nas aulas, como, por exemplo, as que
foram planejadas pelas licenciandas: leitura e discussão de história infantil, escrita de
receitas, realização de experimentação, elaboração de desenhos e anotações.
Assim, quando o futuro professor vivencia um ensino de Ciências, voltado a
valorização dos saberes e das descobertas, durante sua formação inicial, ele constrói
saberes que constituirão sua prática docente.

Referências

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literatura infantil no ensino de ciências: da contação à produção coletiva de um livro.
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iniciais da escolarização básica: refletindo sobre experiências de pesquisas Revista
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FLÔR, C. C. C.; CARNEIRO, R. F. O tornar-se professor de sujeitos que ensinam


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LIMA, M. E. C. C.; AGUIAR JÚNIOR, O. G.; BRAGA, S. A. M. Aprender Ciências: Um


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115
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Revista Atos de Pesquisa em Educação, v.7, n.3, p. 853-876, 2012.

116
Inventando ciências (im)possíveis?

Guilherme Trópia
Pedro da Cunha Pinto Neto

Aprendo contigo mas você pensa que eu aprendi com tuas lições, pois
não foi, aprendi o que você nem sonhava em me ensinar. Você acha que
eu ofendo a minha estrutura social com a minha enorme liberdade?
Clarice Lispector, Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, 1998, p.157.

Ao ser designado professor das disciplinas Fundamentos Teóricos Metodológicos


e Prática Escolar em Ciências I e Fundamentos Teóricos Metodológicos e Prática Escolar
em Ciências II no curso de pedagogia na Faculdade de Educação da Universidade Federal
de Juiz de Fora no fim de 2011, pulsaram ideias, questões e muitas possibilidades
de caminhos a percorrer. Junto havia também angústias, inseguranças, incertezas
com o novo, pois como arriscar ensinos, ciências naturais e pedagogias? Defendia,
naquele momento, que experiências docentes no nível de ensino da educação básica
eram fundamentais para compor um formador de professores, sendo que nas minhas
vivências docentes nunca havia experimentado ensinar ciências na educação infantil
ou nos anos iniciais do ensino fundamental. Assim havia certa impressão pessoal
contraditória de ser o professor daquelas disciplinas o que foi se dissolvendo no
percurso das potencialidades das atividades partilhadas.
O curso de pedagogia da UFJF se configurava a partir da organização de três
grandes grupos de disciplinas: o primeiro era o grupo das disciplinas de Fundamentos
da Educação (Sociologia da Educação, Filosofia da Educação, Psicologia da Educação,
Política Educacional, etc.); o segundo era o grupo das disciplinas dos Fundamentos
Guilherme Trópia, Pedro da Cunha Pinto Neto

Teórico-Metodológicos e Prática Escolar voltado para as práticas de ensino de


(Fundamentos Teórico-Metodológicos e Prática Escolar em Ciências, Geografia,
Matemática, EJA, Língua Portuguesa, entre outras); e o terceiro era o grupo dos
estágios supervisionados (educação, infantil, alfabetização, anos iniciais do ensino
fundamental, gestão educacional, EJA). Assim, as disciplinas Fundamentos Teórico-
Metodológicos em Ciências e Prática Escolar I e II compunham o segundo grupo de
disciplinas. Compreendia até então que essas disciplinas “serviam” para formar o
professor de ciências da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental.
Essa ideia seria diluída ao longo das experiências formativas.
Nas semanas seguintes fiquei com a pergunta: que formações, ciências,
linguagens, leituras, sensibilidades poderiam ser inventadas em uma disciplina com
ciências da natureza no curso de pedagogia?... Essa pergunta ainda me acompanha.
Ela não é o problema de pesquisa desta investigação, mas ela o acompanha. Assim,
para expor um pouco como fomos lidando com essa questão e com outras, tento, a
seguir, narrar alguns pensamentos que nos acharam nos percursos das práticas e da
pesquisa a partir de diferentes leituras.

Os professores polivalentes que atuam nas quatro primeiras séries do ensino


fundamental têm poucas oportunidades de se aprofundar no conhecimento
científico e na metodologia de ensino específica da área, tanto quando sua
formação ocorre em cursos de magistério como em cursos de Pedagogia.
(BIZZO, 1998, p. 65).

Muitas das questões que elas sugeriram foram extraídas de livros didáticos que
consultavam, como por exemplo: O ar tem peso? Por que as bexigas flutuam?
O que é o ar? Na tentativa de elaborar questões sem empregar o livro didático,
a deficiência nos conteúdos científicos conduzia à formulação de perguntas que
não favoreciam uma ampliação do rol de conhecimentos dos alunos sobre o
tema, como ocorreu com a professora aspirante (...) (LONGHINI, 2008, p.247).

Pensando no ensino de ciências nos anos iniciais, não é difícil perceber que
raramente tópicos de física são abordados em sala de aula. Um dos principais
motivos deve-se ao fato de que a maioria dos professores não consegue (ou
não sabe) ensinar este tema tão amplo e presente na vida cotidiana, já que
não o estudaram durante sua formação inicial e raros tiveram contato durante
a formação continuada. (COLOMBO JÚNIOR et al., 2012, p.490).

118
Inventando ciências (im)possíveis?

Portanto, considerando-se a indissociabilidade entre forma e conteúdo, ainda


que as professoras compreendam e dominem algumas estratégias metodológicas
de ensino (como se evidenciou pela adesão à ideia-chave Ensino centrado no
universo do aluno), essas ficam comprometidas pelas deficiências no campo
dos conteúdos específicos. E a falta de domínio dos conteúdos faz com que as
professoras tenham dificuldade em elaborar e introduzir estratégias de ensino
inovadoras, por isso, a maior expectativa das docentes em relação aos cursos
de formação em serviço é de que eles forneçam novas metodologias de ensino.
(AUGUSTO; AMARAL, 2015, p.506).

Todos os trechos acima são fragmentos de pesquisas e estudos em Educação


em Ciências que discutem as práticas e formação de professores de ciências naturais
dos anos iniciais do ensino fundamental. Os trabalhos referem-se à atuação do
pedagogo como professor de ciências. É muito comum que estudiosos da Educação em
Ciências, ao produzirem discursos da relação do pedagogo com o ensino de ciências,
centralizem a discussão no conteúdo, e, notadamente, na “falta” / “deficiência”
do conteúdo de ciências do pedagogo e suas implicações “problemáticas” para a
Educação em Ciências.
Incomodado com essa insistência da “falta”, algumas questões me mobilizaram:
que condições históricas possibilitam para que estudiosos da Educação em Ciências
vejam e digam do pedagogo professor de ciências dessa perspectiva? Que lugares
ocupam os discursos da “deficiência”? Como esse discurso circula, se sustenta e
se mantém? Dentre muitas possibilidades de pensamentos a essas questões e sem
querer prescrever uma única resposta ou esgotar as possibilidades de discussão,
entendo que os discursos da “falta” do conteúdo em ciências pressupõem que no seu
oposto há um conteúdo definido a ser empenhado pelos pedagogos para tornarem-
se “verdadeiros” professores de ciências. Como se pensássemos que houvesse um
texto com uma única mensagem, a qual, o leitor deveria dominar suficientemente
bem as habilidades para capturá-la. Essa “falta” remeteria a um modelo educacional
ancorado em uma visão do conhecimento científico como algo acabado, completo
e sem espaços para o novo. Tal visão apontaria para um modelo educacional de
transmissão, ou seja, uma vez que o conhecimento a ser galgado no ensino de ciências
está pronto, bastaria o pedagogo alcança-lo e transmiti-lo, superando a “falta” e
garantindo o acesso a um conhecimento em que tudo “já tem seu lugar, tudo já está

119
Guilherme Trópia, Pedro da Cunha Pinto Neto

dado, tudo é rotina. Já se aprendeu o que ver, quando ver e por que ver (...) não
cabem perguntas, dúvidas surpresas, estranhamentos. (...) não há mais espaços para
(re)invenções, para experimentar outras formas de ser (...)”. (CHAVES, 2013, p. 39).
Esses estudos em Educação em Ciências marcam um discurso político fundado sob
uma presumível verdade: os atores sociais são incapazes de pensar por conta própria
aqui materializado pela figura do pedagogo.
A partir da leitura desses estudos, busquei outros olhares que afastavam essa
separação sujeito e objeto de conhecimento, mas foi no trabalho cotidiano com os
alunos do curso de pedagogia que arriscamos não somente um deslizamento de
sentidos da desigualdade e distanciamento entre o sujeito e o conhecimento, mas
pensamentos outros de sujeitos e conhecimentos. Numa tentativa de desnaturalizar o
discurso e anteriormente a qualquer assertiva a designação de um “problema”, pensei
que ensinos e ciências da natureza são possíveis ser inventados com os percursos
formativos. Não assumi como fundamento a perspectiva da “falta” de conteúdos que
antecipa o tradicionalmente considerado “problema” na relação do pedagogo com o
modo de se pensar o mundo natural.
Queria sair da rotina, ver outras coisas, em outros tempos com outros motivos –
e talvez, até sem motivos... Queria perguntar e ser perguntados, inclusive gostaria de
não ter as respostas prontas, de inventar, também de aprender, de expormos juntos.
Queria estranhar a ciência e possibilitar ciências... Queria expandir o espaço, o tempo,
experimentar formas de ser outra coisa, inclusive outras gentes. O poeta Manoel de
Barros (2010, p. 302) nos impulsionava quando diz que “as coisas não querem mais
ser vistas por pessoas razoáveis: Elas desejam ser olhadas de azul – Que nem uma
criança que você olha de ave”. Era preciso, talvez, permitir sermos outras coisas para
estar na disciplina de outros modos: inventando ciências (im)possíveis?
Na tentativa de desnaturalizar formações, ensinos e ciências que modulam,
calam, definem, restringem nossa apropriação da vida, nosso movimento no
mundo, apostamos em movimentos de explorar a vida e experimentar o mundo em
pensamentos. Mas como desenhamos experiências e pensamentos nas relações entre
sujeito e objeto de conhecimento diante dessa aposta?

E era bom. “Não entender” era tão vasto que ultrapassava qualquer entender –
entender era sempre limitado. Mas não entender não tinha fronteiras e levava

120
Inventando ciências (im)possíveis?

ao infinito, ao Deus. Não era um não entender como um simples de espírito. O


bom era ter inteligência e não entender. Era uma benção estranha como a de ter
loucura sem ser doida. Era um desinteresse manso em relação às coisas ditas
do intelecto, uma doçura de estupidez. (...) Compreender era sempre um erro –
preferia a largueza tão ampla e livre e sem erros que era não entender. Era ruim,
mas pelo menos se sabia que se estava em plena condição humana.
Clarice Lispector, Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, 1998, p.43-44.

Alguns estudos, como Jan Masschelein e Maarten Simons (2014a, 2014b),


inspiraram a pensar a relação entre os alunos do curso de pedagogia e o ensino de
ciências naturais como um espaço de suspensão entre o sujeito e objeto de conhecimento
e um tempo para experiência do pensamento. Os autores atribuem o espaço educativo
como lugar do pensamento que suspende o passado e o futuro abrindo uma lacuna no
tempo linear, o presente. O espaço educativo não é pensado como lugar de prescrições
a que conhecimento se filiar, a que verdade defender ou a que sujeito ser.

“(...) a escola chama os jovens para o tempo presente e os liberta tanto da carga
potencial de seu passado quanto da pressão potencial de um futuro pretendido
planejado (ou já perdido). A escola, como uma questão de suspensão, implica
não só a interrupção temporária do tempo (passado e futuro), mas também
a remoção das expectativas, necessidades, papéis e deveres ligados a um
determinado espaço fora da escola. Nesse sentido, a escola é um espaço aberto
e não fixo.” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014b, p.36-37).

O conhecimento em ciências naturais dentro de um percurso formativo de


professores deriva de seus usos sociais convencionais, mas não coincide com eles. No
espaço educativo, esses conhecimentos são suspensos de sua tradição de pensamento.
O conhecimento “não está mais nas mãos de um grupo social ou geração particulares
e não há nenhuma conversa de apropriação: o material foi removido – liberado da
circulação regular.” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014b, p.32). O sujeito também está
suspenso no contexto educativo, suspenso de regras e contextos sociais que explicam
o modo de ser e de expectativas sociais que definem o que pode alcançar. Ele pode
ser outra coisa.
Masschelein e Simons (2014b) discutem o espaço educativo como lugar de
experiência do pensamento. A ação de pensar não é baseada fundamentalmente

121
Guilherme Trópia, Pedro da Cunha Pinto Neto

na explicação ou interpretação de conhecimentos, mas abre brechas para agir e se


relacionar com o presente. “Isso quer dizer que o presente, como a lacuna onde
esses exercícios acontecem, só existe na medida em que o homem reconhece ou
experimenta a si mesmo com um iniciante, como um sujeito da ação, e se insere
no tempo.” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014b, p.13). Poderíamos em percursos
formativos no curso de pedagogia com ensinos e ciências mover-se no presente,
adquirir experiências em como pensar e renovar sentidos com o presente? “Como
estar presente no/para o presente, como ver o presente outra vez, como se relacionar
com ele e como continuar?” (p.16).
Acompanhando as questões iniciais apresentadas, resgato as experiências
de dois personagens de produções literárias que compuseram pensamentos nos
percursos formativos do curso de pedagogia com ensinos e ciências e com os
percursos desta tese, são eles: Lóri, da obra Uma aprendizagem ou o livro dos
prazeres de Clarice Lispector (1998), e Joseph Jacotot, da obra O mestre ignorante
de Jacques Rancière (2002).
Loreley ou Lóri é uma protagonista complexa que se apresenta pouco a pouco
por meio de uma viagem internalizada, complicada e angustiante em torno do amor. O
romance Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres de Clarice Lispector (1998) constrói-
se em um jogo em direção à aprendizagem de amar entre Lóri, uma professora primária
que se muda do interior para o Rio de Janeiro, e Ulisses, professor universitário de
filosofia. A narrativa está em terceira pessoa e raramente aparece em primeira, mas em
grande parte expõe os pensamentos, as experiências, as aprendizagens da protagonista.
No processo de aprender, Lóri arrisca e experimenta.1 O acontecimento do aprender
afeta o tempo. A narrativa que revive a memória não segue uma ordem cronológica
linear, mas registra as sensações de Lóri com o presente. Por exemplo, não há menção
de qualquer prescrição que remeta a uma distância de conhecimento pelo fato de
Ulisses ser professor universitário e Lóri ser professora primária. Muito pelo contrário!
Ambos no jogo de sedução, no aprendizado de amar se encontram perdidos. Não se
conhecem, por vezes, nem a si mesmos. Mas caminham com a coragem de seguir, de
se expor e de experimentar a vida no presente sem um ideal a ser alcançado. Lóri, nos
registros das sensações, partilha o comum como algo novo, reinventa.

1
Ao longo deste texto há vários pequenos textos destacados da obra Uma aprendizagem ou o livro dos
prazeres que acusam essas experiências em que Lóri se arrisca para experimentar o mundo.

122
Inventando ciências (im)possíveis?

A mulher não está sabendo: mas está cumprindo uma coragem. Com a praia
vazia nessa hora, ela não tem o exemplo de outros humanos que transformam
a entrada no mar em simples jogo leviano de viver. Lóri está sozinha. O mar
salgado não é sozinho porque é salgado e grande, e isso é uma realização da
Natureza. A coragem de Lóri é a de, não se conhecendo, no entanto, prosseguir,
e agir sem se conhecer exige coragem.
Clarice Lispector, uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, 1998, p.79.

Alguns pensamentos de Lóri nos acompanham ao longo deste texto compondo e


atravessando as inquietações que apresento. Apesar de uma breve apresentação da
obra, a intenção, neste texto, não se trata em falar sobre os percursos de Lóri, mas
de pensar e escrever com ela, compor pensamentos.
As sensações de Lóri a aproxima de pensamentos com o amor, com o processo
de aprendizagem e experimentação da vida. Lóri cria pensamentos com os raios do
luar, com a ação de entrar no mar, com a tarde quente, com o perfume da terra, com
o gosto e a textura das frutas e com a decisão de cortar os cabelos. A aprendizagem
ocorre por meio da experiência que ela tem quando se aproxima das coisas sem liga-
las à sua função (LIN, 2015, p.31). E, sim, Lóri é uma professora primária! Ela é uma
pedagoga! Apesar do termo pedagoga não ser utilizado no romance.
O segundo personagem é Joseph Jacotot. O filósofo Jacques Rancière encontra
o personagem Jacotot a partir de estudos sobre trabalhadores operários do início do
século XIX que em suas experiências tentavam romper com a desigualdade e divisão
social que o trabalho promovia: de um lado os que pensam e os que sabem e de
outro os trabalhadores que agem e são ignorantes. De acordo com Masschelein e
Simons (2014a), Rancière retoma as histórias desses trabalhadores que lutavam por
emancipação que (...) consistia em reivindicar o tempo que a burguesia requeria para
si própria: o tempo que não é o tempo do trabalhador e da necessidade, mas o tempo
livre (...) (p.84). Rancière recorre à memória desses trabalhadores e coloca-os no
tempo presente para discutir política, democracia e emancipação. Rancière re-produz
o personagem, de certa forma o reinventa, e por isso o entendo também como parte
de certa produção literária, de uma dada noção de ficção trabalhada pelo filósofo.
A retomada da história de Jacotot traz os estudos de Rancière para discussões do
campo educativo para pensar a igualdade de inteligências e uma perspectiva outra
de emancipação intelectual. Joseph Jacotot foi um professor de Retórica em Dijon e

123
Guilherme Trópia, Pedro da Cunha Pinto Neto

revolucionário na França de 1789. Ao se restaurar a Dinastia dos Bourbons, foi exilado


nos Países Baixos. No exílio, recebeu a permissão do rei dos Países Baixos para o posto
de professor e leitor de literatura francesa na Universidade de Louvain. De acordo com
Rancière (2002), foi nesse contexto, no ano de 1818, após 30 anos de carreira como
professor, que Jacotot viveu uma aventura intelectual. Entre os estudantes holandeses
e Jacotot havia o que denominaria uma impossibilidade comunicativa. Se de um lado
os estudantes não sabiam francês, por outro Jacotot ignorava o holandês. Não havia
uma língua comum para instruí-los, uma impossibilidade de transmissão e compreensão
no processo educativo tradicional. Jacotot buscou, então, algo comum que pudesse os
reunir e caminhar apesar de suas dessemelhanças. Encontrou na publicação da edição
bilíngue do livro Telêmaco o ponto de partida dos estudos. Com a ajuda de um intérprete
indicou aos alunos a leitura e aprendizado do texto francês amparado pela tradução no
livro. Não houve no processo qualquer compreensão dos estudantes que fosse mediada
pela explicação do professor. Durante o curso solicitou exercícios de repetição do que
os alunos haviam aprendido e constante leitura do livro para que pudessem narrá-lo. Ao
pedir aos alunos que escrevessem em francês o que pensavam sobre o que haviam lido,
Jacotot se surpreendeu. Antevendo textos mal escritos, o professor encontrou textos
em que os estudantes se saíram muito bem como possivelmente um francês nativo
o faria. Como os alunos puderam aprender sem a tutela explicadora do professor? É
nessa aventura intelectual de Jacotot que Rancière mergulha para pensar a educação.
Ao rememorar as experiências de Jacotot, o filósofo recria pensamentos e reflexões
colocando-as na educação contemporânea em questões como: quem e para quem
educará os educadores? Receber a palavra do mestre é um testemunho de igualdade ou
desigualdade? O sistema de ensino tem por pressuposto uma desigualdade naturalizada
ou uma igualdade em intervir? (RANCIÈRE, 2002).

A madrugada se abria em luz vacilante. Para Lóri a atmosfera era de milagre. Ela
havia atingido o impossível de si mesma.
Clarice Lispector, uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, 1998, p.159.

Sua voz era outra, perdera o tom do professor, sua voz agora era a de um
homem apenas. Ele quisera ensinar Lóri através de fórmulas? Não, pois não era
homem de fórmulas, agora que nenhuma fórmula servia: ele estava perdido num
mar de alegria e de ameaça de dor. Lóri pôde enfim falar com ele de igual para

124
Inventando ciências (im)possíveis?

igual. Porque enfim ele se dava conta de que não sabia nada e o peso prendia a
sua voz. Mas ele queria a vida nova perigosa.
Clarice Lispector, uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, 1998, p.154.

A noção de emancipação intelectual em Jacques Rancière situa em uma preocu­


pação diferenciada ao que frequentemente damos à palavra emancipação nas
pesquisas em Educação em Ciências. Rancière afasta-se da perspectiva da eman­
cipação associada às práticas de conscientização ou de libertação, por exemplo,
tratada nos estudos de Paulo Freire. A prática emancipatória em Paulo Freire está
dirigida para o coletivo, para uma conscientização que busca organizar os oprimidos
em coletividade rumo a uma emancipação social. Enquanto a noção de emancipação
de Rancière, a partir da experiência de Jacotot, dirige-se ao indivíduo. Para Rancière,
a igualdade não é uma perspectiva de conscientização coletiva, mas um investimento
no desenvolvimento da subjetivação, uma emancipação intelectual. Mas há algo em
comum entre os pensadores da emancipação. Os estudos de Rancière se aproximam
de Paulo Freire quando ambos pensam no processo de emancipação intelectual como
vetor de movimentos de emancipação política que rompem com uma lógica social,
uma lógica de instituição. (VERMEREN et al, 2003, p.199).
De acordo com Rancière (2012), a relação pedagógica situa de forma oposta a
noção de emancipação intelectual. Na relação pedagógica, há um papel atribuído ao
mestre de eliminar a distância entre seu saber e a ignorância do ignorante (aluno). O
mestre sabe como transformar seu saber em objeto de saber ao ignorante, o momento
que deve fazê-lo e também o protocolo que deve utilizar. O que falta ao aluno é o saber
da ignorância, o conhecimento da distância que separa o saber da ignorância. Assim,
Rancière aponta que a relação pedagógica tem como pressuposto a desigualdade das
inteligências. Essa desigualdade separa o mestre que possui o saber e sabe em que
consiste a ignorância e o aluno que não possui o saber e não sabe em que consiste
a ignorância. Esse processo pedagógico é caracterizado como embrutecimento em
que há um domínio hegemônico do saber do mestre que coloca o aluno sempre como
um sujeito da falta, da incapacidade intelectual, de uma inteligência menor-desigual,
como aponta o estudioso:

É a lógica do pedagogo embrutecedor, a lógica da transmissão direta e fiel: há

125
Guilherme Trópia, Pedro da Cunha Pinto Neto

alguma coisa, um saber, uma capacidade, uma energia que está de um lado e
deve passar para o outro. O que o aluno deve aprender é aquilo que o mestre o
faz aprender. (RANCIÈRE, 2012, p. 18).

(...) o ignorante, por sua vez, não se acredita capaz de aprender por si mesmo
– menos, ainda, de instruir um outro ignorante. Os excluídos do mundo da
inteligência subscrevem, eles próprios, o veredicto de sua exclusão. (RANCIÈRE,
2002, p. 34-35).

A noção de emancipação intelectual, diferente do embrutecimento, tem como


pressuposto a igualdade das inteligências. No processo pedagógico emancipatório o
mestre situa o aluno em experiências de pensamento em que se rompe a desigualdade
das inteligências e hierarquia das posições. São experiências que não antecipam o
que deve ser aprendido, mas potencializa sensibilidades em aprender algumas coisas
novas para ambos e juntos.

A distância que o ignorante precisa transpor não é o abismo entre sua ignorância
e o saber do mestre. É simplesmente o caminho que vai daquilo que ele já sabe
àquilo que ele ainda ignora, mas pode aprender como aprendeu o resto, que
pode aprender não para ocupar a posição intelectual, mas para (...) pôr suas
experiências em palavras e suas palavras à prova, de traduzir suas aventuras
intelectuais para uso dos outros. (...) O mestre (...) não ensina seu saber,
mas ordena-lhes que se aventurem na floresta das coisas e dos signos, que
digam o que viram e o que pensam do que viram, que o comprovem e o façam
comprovar. O que ele ignora é a desigualdade das inteligências. Toda distância
é uma distância factual, e cada ato intelectual é um caminho traçado entre
uma ignorância e um saber, um caminho que abole incessantemente, com suas
fronteiras, a fixidez e a hierarquia das posições. (RANCIÈRE, 2012, p. 15-16).

Na lógica da emancipação intelectual há sempre entre o mestre e o aprendiz uma


terceira coisa que nenhum deles é dono, cujo sentido nenhum deles detém exclusivamente
ou que se mantém com eles, afastando qualquer perspectiva de transmissão fiel.
De acordo com Pellejero (2009), o exercício intelectual de Jacotot desperta
pensamentos do que pode uma inteligência quando considerada como qualquer
outra e considera qualquer outra inteligência igual à sua. O mestre se retira do jogo
da desigualdade, reestruturando as relações pedagógicas. Ele disponibiliza o livro, a

126
Inventando ciências (im)possíveis?

atividade, interroga, provoca uma palavra, provoca a manifestação de uma inteligência


que se ignora ou que se descuidava. Não se sabe que percurso o aluno caminhará. O
aluno deve ver tudo por ele mesmo, comparar incessantemente e sempre responder à
tríplice questão: o que vês? o que pensas disso? o que fazes com isso? (RANCIÈRE,
2002, p.44). O mestre também ignora aquilo que o aluno deve aprender. O aluno (...)
aprenderá o que quiser, nada, talvez. Ele saberá que pode aprender porque a mesma
inteligência está em ação em todas as produções humanas, que um homem sempre
pode compreender a palavra de um outro homem. (RANCIÈRE, 2002, p. 37). O mestre
acompanha e verifica ao longo do processo os pensamentos mobilizados por essa
inteligência ignorada e o faz com atenção para que o pensamento proferido não seja
alvo de repressão.
Pensando com a experiência de Jacotot e as reflexões de Rancière, retomo o
discurso da “incapacidade”, da “deficiência” do pedagogo com ensino e ciências da
natureza. Ao remeter a questão da “falta” e do distanciamento entre o pedagogo e
o conhecimento em ciências da natureza, os estudiosos da Educação em Ciências
produzem uma hierarquia, uma ordem social. Essa hierarquia situa em uma ordem
explicadora embrutecedora que expressa uma razão dominante de pensamento que
caracteriza as relações sociais de poder e implica em uma série de questões: é possível
o pedagogo ensinar ciências da natureza? Não seria melhor o professor especialista
em ciências ensinar os estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental? São essas
relações sociais de poder que se acomodam discursivamente e configuram uma visão
embrutecedora do mundo ao acreditar na realidade da desigualdade de inteligências.
Este texto tentou retomar algumas inquietações e pensamentos que me acom­
panharam nas minhas experiências formativas de professores de ciências no curso de
pedagogia. De alguma forma, trazer essas inquietações e pensamentos para o presente
requer uma poética de rememoração e de recriação do vivido com os caminhos trilhados
em percursos formativos de pesquisa e de pesquisador. Nesse sentido, a tentativa de
problematizar o processo formativo se fez ao costurar pensamentos em que: busquei
práticas formativas de professores de ciências em curso de pedagogia que se afastam
de qualquer assertiva a designação do problema da “falta” do conhecimento científico
pelos alunos; tentei estranhar essa “falta” em exercícios de pensamentos marginais
em relação a um conhecimento científico pré-estabelecido, e de potencializar a
criação e invenção, a partir de textos literários, pensamentos com ensinos e ciências;

127
Guilherme Trópia, Pedro da Cunha Pinto Neto

procurei pensar com Jacotot/Rancière que todos nós somos igualmente qualificados
a pensar e a desenhar ideias que não se referem à interpretação ou explicação, mas
a um exercício de ganhar experiência em como pensar sem prescrições sobre o que
pensar ou que verdade sustentar; procurei, também, pensar com Lóri, uma professora
primária que se inunda em incríveis jogos de pensamentos com a vida. Deixo então a
seguinte pergunta para finalizar esse texto:

O estado de graça em que estava não era usado para nada. Era como se viesse
apenas para que se soubesse que realmente se existia. Nesse estado, além da
tranquila felicidade que se irradiava de pessoas lembradas e de coisas, havia
uma lucidez que Lóri só chamava de leve porque na graça tudo era tão, tão leve
(...) o que lhe acontecera era apenas o estado de graça de uma pessoa comum
que de súbito se torna real, porque é comum e humana e reconhecível e tem
olhos e ouvidos para ver e ouvir. As descobertas naquele estado eram indizíveis
e incomunicáveis.
Clarice Lispector, uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, 1998, p.135.

Que textos e imagens expomos, experimentamos e estamos atentos ao pensar a


formação de professores de ciências a partir de movimentos de percepção e expressão
com leituras literárias e aquilo que temos inventado como mundo natural em um curso
de pedagogia?

Referências

AUGUSTO, Thaís G. S.; AMARAL, Ivan A. A formação de professoras para o ensino


de ciências nas séries iniciais: análise dos efeitos de uma proposta inovadora. Ciência
& Educação, v.21, n.2, p. 493-509, 2015. Disponível em: <http://www.scielo.br/
pdf/ciedu/v21n2/1516-7313-ciedu-21-02-0493.pdf>.

BARROS, Manoel de. Poesia Completa. São Paulo: Leya, 2010.

BIZZO, Nélio. Ciências: fácil ou difícil? São Paulo: Ática, 1998.

CHAVES, Sílvia N. Reencantar a ciência, reinventar a docência. São Paulo: Editora


Livraria da Física, 2013.

128
Inventando ciências (im)possíveis?

COLOMBO JÚNIOR, Pedro D.; LOURENÇO, Adriana B.; SASSERON, Lúcia H.;
CARVALHO, Anna Maria P. Ensino de Física nos anos iniciais: análise da argumentação
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LIN, Ma. A formação da mulher em Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, de


Clarice Lispector. Dissertação (Mestrado em Teoria e História Literária). Universidade
Estadual de Campinas, 2015.

LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. Rio de Janeiro:


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LONGHINI, Marcos D. O conhecimento do conteúdo científico e a formação do professor


das séries iniciais do ensino fundamental. Investigações em Ensino de Ciências, v.13,
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MASSCHELEIN, Jan; SIMONS, Maarten. A pedagogia, a democracia e a escola. Belo


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MASSCHELEIN, Jan; SIMONS, Maarten. Em defesa da escola: uma questão pública.


Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014b.

PELLEJERO, Eduardo. A lição do aluno: uma introdução à obra de Jacques Rancière.


Saberes – revista interdisciplinar de filosofia e educação, v. 2, n. 3, p.18-30, 2009.
Disponível em: <https://periodicos.ufrn.br/saberes/article/view/574>.

RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre emancipação intelectual.


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RANCIÈRE, Jacques. O Espectador Emancipado. São Paulo: Editora Martins Fontes,


2012.

VERMEREN, Patrice; CORNU, Laurence; BENVENUTO, Andrea. Atualidade de O


mestre ignorante. Educação & Sociedade, v.24, n.82, p.185-202, 2003. Disponível
em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v24n82/a09v24n82.pdf>.

129
Práticas de
Sala de Aula
O ensino de ciências na perspectiva das professoras
dos anos iniciais

Rafaela Reis Castor


Rita de Cássia Reis

Neste capítulo, vamos refletir sobre a docência nos anos iniciais no que diz
respeito ao ensino de ciências para as crianças na visão de professoras do município
de Juiz de Fora, MG. Apresentamos a pesquisa desenvolvida por (CASTOR, 2019)
que teve como objetivo investigar qual a concepção que professoras dos anos iniciais,
com diferentes anos de atuação docente, têm sobre o Ensino de Ciências. Para isso, a
autora analisou as metodologias e/ou estratégias de trabalho mais desenvolvidas nos
anos iniciais, as principais dificuldades encontradas, o grau de motivação dos alunos
e qual a finalidade do ensino de Ciências na visão das profissionais investigadas.
Sabe-se que uma característica comum à grande maioria das crianças é a
curiosidade e a criatividade. A infância é marcada por muitas descobertas e ques­
tionamentos que farão parte da construção dos conhecimentos aprendidos no decorrer
da vida do indivíduo. Se uma criança é estimulada a manifestar o que já lhe é natural:
a investigação, o questionamento e a necessidade de comunicar suas ideias e pontos
de vista, há uma grande chance de se tornar um ser pensante e crítico, e não apenas
receptor passivo do que aprendeu.
Nesse sentido, pensamos a educação em ciências para as crianças como
direito de acesso a um modo de pensar diferente daquele que construímos no nosso
cotidiano. Logo, a abordagem das ciências na educação infantil e nos anos iniciais
busca propiciar a criança o encantamento com o mundo e compartilhar socialmente
um modo singular de compreender e explicar o que acontece e o que nos acontece
(LIMA; LOUREIRO, 2018).
Rafaela Reis Castor, Rita de Cássia Reis

Na educação em ciências durante a educação infantil, a ludicidade não tem por


objetivo seduzir as crianças para aprenderem conteúdos que irão precisar no futuro.
Brincar, sorrir, conversar está presente em todos os momentos da vida como eventos
socialmente humanos para além do caráter motivacional que comumente adquirem
nos contextos educativos. (LIMA; LOUREIRO, 2018)
Nos anos iniciais do ensino fundamental a educação em ciências já se manifesta
de maneira mais clara como um conhecimento disciplinar que compõe as orientações
curriculares. Nesse sentido, a disciplina de Ciências tem como um dos objetivos, segundo
a Base Comum Curricular possibilitar que os estudantes “tenham um novo olhar sobre
o mundo que os cerca, como também façam escolhas e intervenções conscientes e
pautadas nos princípios da sustentabilidade e do bem comum” (BRASIL, 2017, p. 319).
Diante disso, entendemos que a disciplina de Ciências contribui para a formação
integral da criança, uma vez que a mesma é parte atuante da sociedade em que vive
e participa das mudanças e transformações ocorridas no mundo atual.
Logo, pensar no currículo de Ciências como uma ferramenta para essa formação,
é (re) pensar algumas práticas de ensino e concepções sobre a importância dessa
disciplina na formação dos estudantes. Portanto, é fundamental refletirmos sobre as
estratégias, os métodos de ensino e as temáticas abordadas ao longo do ano escolar,
durante o planejamento curricular, a fim de se considerar os conhecimentos da área
de Ciências da Natureza. Uma vez que,

[...] o planejamento curricular pode proporcionar momentos que aliem o


estudo aprofundado de questões conceituais com temáticas mais amplas,
incentivando a participação dos alunos nas questões de seu tempo e de seu
interesse pessoal, fazendo da escola um espaço de exercício da cidadania
plena. (BIZZO, 2009, p. 108)

Para que haja a participação dos/as discentes com vistas ao exercício da cidadania,
destacamos que o/a professor/a ao planejar suas aulas precisa considerar a vivência
das crianças e a identidade da instituição da qual faz parte, ou seja, o currículo precisa
estar aliado à realidade da comunidade escolar. A escolha dos materiais didáticos
e das práticas para o trabalho docente são muito importantes para o alcance dos
objetivos propostos ao Ensino de Ciências.

132
O ensino de ciências na perspectiva das professoras dos anos iniciais

Neste sentido, propomos uma reflexão sobre as aulas ministradas, as metodologias


e/ou estratégias de trabalho mais desenvolvidas com os estudantes, as principais
dificuldades encontradas por elas e o grau de motivação dos alunos para aprender
Ciências.

Sobre ensinar ciências...

Considerar os conhecimentos prévios dos estudantes pode ser um grande aliado


ao desempenho escolar. Fazer a criança refletir sobre a aplicabilidade dos conceitos
aprendidos em seu dia a dia torna a aprendizagem mais concreta. Desse modo, partir do
estudo dos fenômenos diários para então introduzir os conceitos científicos possibilita
um ensino contextualizado. Sobre o que foi dito, a Base Nacional Comum Curricular
afirma para o ensino de Ciências que

[...] ao iniciar o Ensino Fundamental, os alunos possuem vivências, saberes,


interesses e curiosidades sobre o mundo natural e tecnológico que devem
ser valorizados e mobilizados. Esse deve ser o ponto de partida de atividades
que assegurem a eles construir conhecimentos sistematizados de Ciências,
oferecendo-lhes elementos para que compreendam desde fenômenos de seu
ambiente imediato até temáticas mais amplas. (BRASIL, 2017, p. 329)

Para isso, o estudante precisa se envolver com os temas apresentados em sala


de aula a fim de conseguir refletir e tomar decisões sociais relevantes. Além disso,
as abordagens feitas nos anos iniciais podem ser mais abrangentes e integradoras,
conforme salientam Moreira et. al (2016) de que o ensino de Ciências pode ser
trabalhado em integração aos outros componentes curriculares, assim como, com as
outras áreas de conhecimento. E a princípio essa postura encontraria apoio no fato
de nos anos iniciais termos a professora da turma, que leciona todas as componentes
disciplinares.
Rosa, Perez, Drum (2007) afirmam que o papel da escola no ensino de Ciências
é favorecer e alimentar a curiosidade e o poder investigativo das crianças, e que
ao ensinar Ciências não precisamos nos preocupar com a precisão e sistematização

133
Rafaela Reis Castor, Rita de Cássia Reis

dos conhecimentos a nível de rigorosidade científica, pois as crianças evoluirão e


reconstruirão seus conceitos e significados sobre o que foi estudado.
Nesse sentido, o importante seria proporcionar situações de aprendizagem que
valorizem as situações vivenciadas pelas crianças, incentivando a investigação e que
estimem a diferença cultural e a multiplicidade de vivências encontradas na sala de
aula, é essencial para promover a evolução conceitual indicada pelos autores. Assim
como, proporcionar um desenvolvimento não só na apropriação da leitura e da escrita,
como em todas as dimensões, inclusive na educação científica.
Perante essa reflexão sobre ensinar Ciências, ressaltamos a importância de o
professor refletir sobre suas práticas levando em consideração os seguintes pontos:
(i) segundo Carvalho (2004), estar aberto a um processo de mudança constante, no
qual possam ser integrados os avanços tecnológicos e novas metodologias de ensino,
(ii) compreender que o ensino de Ciências não é baseado em saberes absolutos, e sim,
em um exercício que envolve comparação e diferenciação de modelos, pois de acordo
com Pozo e Crespo (2009) não podemos trabalhar com as crianças a ideia de que a
Ciência é um saber definitivo e acabado.
Logo, quando o professor consegue pensar em quais habilidades e competências
deseja despertar em seu aluno, criando neles a ideia de que a Ciência não é algo
definitivo, o trabalho e as práticas pedagógicas contribuirão para a formação integral
e cidadã do mesmo.
A respeito das práticas pedagógicas desenvolvidas em aulas de Ciências, os
autores que respaldam este capítulo citam em suas pesquisas algumas dificuldades
presentes no cotidiano de professores que ministram esta disciplina. Dentre alguns
desafios apresentados, destacamos a insegurança dos professores dos anos iniciais
em lecionar os conteúdos, a pouca quantidade de aulas de Ciências e a falta de
recursos que possibilitam explorar os conteúdos em sala de aula.
Segundo Viecheneski e Carletto (2013), como na maioria das vezes, o professor
dos anos iniciais é polivalente, ou seja, é responsável por ministrar todas as componentes
disciplinares, é comum encontrarmos profissionais que se sentem inseguros para
trabalhar conteúdos relacionados ao conhecimento científico apresentado aos alunos
dessa faixa etária. Muitos deles desenvolvem suas aulas ancorados em livros didáticos
adotados pela escola, ou em livros didáticos particulares, o que pode gerar um ensino
baseado em memorização dos conceitos pelos alunos.

134
O ensino de ciências na perspectiva das professoras dos anos iniciais

Contudo, a abordagem tradicional baseada na memorização dos conceitos não é


garantia de aprendizagem dos alunos e contribui para gerar insegurança nos professores,
uma vez que eles mesmos não os dominam totalmente. Além da insegurança dos
professores em relação ao conteúdo, a quantidade de aulas de Ciências ministradas
nos anos iniciais é outro fator relevante. Na grande maioria das matrizes curriculares,
as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática ganham destaque, como afirmam
Rosa, Perez e Drum (2007). Isso ocorre, segundo os autores, por considerarem essas
disciplinas mais importantes no período de alfabetização, no qual os alunos do Ensino
Fundamental I se encontram.
Somado à insegurança dos professores e às poucas aulas de Ciências temos a
questão dos materiais didáticos disponíveis para o trabalho em sala. Entendemos que
estes podem ser: (i) objetos simples e manipuláveis - que ilustram um experimento em
sala de aula, como um recipiente de vidro, areia, água, ou um coador, por exemplo;
(ii) aparatos mais sofisticados – como os encontrados em um laboratório de Ciências,
aparelhos tecnológicos (televisão, data show, computador, celular, entre outros); e
(iii) os livros didáticos e de literatura. Esses materiais são muito enriquecedores no
trabalho pedagógico, pois além de permitirem o manuseio pelas crianças, podem
contribuir para motivação, facilitar a compreensão e a percepção dos fatos e conceitos,
e auxiliar na aprendizagem e na construção do conhecimento.
Todavia, a carência e a falta de clareza pelos professores do potencial de uso
desses recursos são vistos como um obstáculo para o trabalho docente. De acordo com
Fonseca, Fonseca e Valois (2016) muitos professores acreditam que para trabalhar
Ciências é necessário laboratórios ou materiais sofisticados. No entanto, os próprios
livros didáticos trazem ideias de experimentos com materiais simples, possíveis de
serem desenvolvidos pelos alunos.
As considerações levantadas nesta seção ilustram alguns desafios a serem
superados no que se refere à disciplina de Ciências nos anos iniciais. Vale ressaltar
que outros aspectos podem ser relevantes, porém, destacamos os mais recorrentes
segundo os autores que embasam esta reflexão (POZO; CRESPO, 2009; VIECHENESKI;
CARLETTO, 2013; VASCONCELOS; SOUTO, 2003; ROSA, PEREZ; DRUM, 2007;
FONSECA, FONSECA; VALOIS, 2016). Logo, precisamos pensar em como ensinar
Ciências para as nossas crianças de forma a desenvolver nelas habilidades e
competências previstas para sua formação integral.

135
Rafaela Reis Castor, Rita de Cássia Reis

A pesquisa desenvolvida com as professoras dos anos iniciais

Para investigar as concepções sobre o ensino de ciências junto as professoras


dos anos iniciais, elaboramos e aplicamos um questionário; por acreditarmos que esse
instrumento permitiria atingir um número maior de pessoas simultaneamente e que
haveria maior liberdade nas respostas em razão do anonimato. Esse questionário foi
pré-testado a fim de adequá-lo aos objetivos que queríamos alcançar.
Foram distribuídos 40 questionários para professoras dos anos iniciais, do quais
35 foram entregues pessoalmente e 05 enviados via e-mail. Foi dado um prazo inicial
de 05 dias úteis para a devolutiva, mas esse período precisou ser prolongado por 15
dias, devido à grande demanda de atividades que as professoras estavam realizando
nas suas respectivas escolas.
As professoras escolhidas para participarem da pesquisa são profissionais que
atuam em escolas públicas e particulares do município de Juiz de Fora – MG, no
primeiro segmento do ensino fundamental, com diferentes tempos de atuação docente.
Essas professoras foram identificadas por um código: P1, P2, P3..., e podem ser
divididas em 03 grupos que justificam a escolha pelo convite para participarem da
pesquisa: trabalham na mesma instituição escolar da primeira autora deste capítulo; já
trabalharam em outra instituição com ela; ou se formaram em Pedagogia com a mesma.
Ou seja, a rede mobilizada neste estudo foi composta por suas colegas de profissão.
Do total de questionários distribuídos, obtivemos 14 respondidos, os quais foram
analisados. O questionário foi estruturado em 21 perguntas, sendo 14 objetivas e
07 discursivas, que objetivavam investigar: as metodologias e/ou estratégias de
trabalho mais desenvolvidas com os alunos dos anos iniciais, as principais dificuldades
encontradas por essas profissionais, o grau de motivação dos alunos e qual a finalidade
do ensino de Ciências para elas. Talvez pela sua extensão e pelo excesso de demandas
nas escolas, tenhamos conseguido apenas 14 dos 40 questionários enviados.
Para analisarmos as respostas, estas foram organizadas em 08 categorias conforme
a temática das perguntas presentes no questionário: formação acadêmico-profissional,
tempo de carreira, trabalho docente, planejamento, interesse dos estudantes,
dificuldades encontradas no ensino, metodologias e/ou estratégias empregadas. A
seguir apresentamos as análises e reflexões feitas a partir das respostas coletadas.

136
O ensino de ciências na perspectiva das professoras dos anos iniciais

O que nos contam as professoras dos anos iniciais sobre o ensino


de ciências

Os dados que apresentamos foram analisados segundo uma categorização


feita a partir dos temas abordados no questionário. As perguntas em comum, foram
organizadas nas categorias apresentadas anteriormente para melhor mapeamento das
informações.
Em relação a formação acadêmico-profissional das 14 professoras pesquisadas,
11 possuem graduação plena em Pedagogia, 02 em Normal Superior/Magistério (P6
e P13) e 01 possui graduação em Pedagogia e Letras (P4). Além disso, 08 possuem
especialização concluída, 01 delas atualmente é mestranda (P14), e 02 pós-graduandas
(P12 e P6).
Ao serem questionadas a respeito do domínio dos conteúdos lecionados nas aulas
de Ciências, 09 professoras responderam ter pleno domínio e 05 docentes disseram
não ter domínio, mas que conseguiam trabalhar de maneira dinâmica, relacionando as
discussões ao cotidiano. Quando as professoras explicam fenômenos do cotidiano, elas
conseguem aproximar o conhecimento científico ao dia a dia, reforçando a ideia de que
os conteúdos não são isolados e que vão além de memorização de conceitos ou fórmulas.
Porém, pelo instrumento utilizado na pesquisa não conseguimos de­terminar se essa
aproximação ao cotidiano se dá por uma exemplificação ou por uma contextualização.
A partir das respostas dadas, constatamos que a maior parte das educadoras
investiram em algum programa de formação continuada e estudam frequentemente
para lecionar. O que segundo Colaço, Giehl e Zara “se faz necessário para suprir
essas deficiências em conteúdos específicos de todo o contingente de professores
habilitados nos moldes atuais para a docência nas séries iniciais” (2007 p. 60).
Esse apontamento evidencia a importância dos professores continuarem os
estudos após se graduarem para superarem um quadro dicotômico, no qual de um
lado temos a matriz curricular do curso de Pedagogia que não possibilita um estudo
aprofundado nas diferentes áreas do conhecimento e de outro à docência nos anos
iniciais que por vezes exige uma postura polivalente em sala de aula.
Além da formação acadêmica, as professoras informaram o tempo de carreira.
Verificamos que quase metade das entrevistadas possuem de 06 a 10 anos de atuação

137
Rafaela Reis Castor, Rita de Cássia Reis

docente e apenas 3 possuem mais de 21 anos de atuação. As docentes com maior


tempo de atuação não possuem formação continuada, o que nos leva a supor que já
se sintam preparadas para os desafios atuais da docência, em virtude da bagagem de
experiências profissionais que acumularam ao longo da carreira.
Segundo informações sobre o trabalho docente, temos que 10 professoras atuam
somente em 01 escola privada, 01 em apenas uma escola pública (P1) e 03 atuam
em duas escolas (pública e privada – P14, P4, P11). Ou seja, 10 das 14 pesquisadas
trabalham apenas em uma instituição de rede particular. A ideia desse levantamento
é investigar se as professoras possuem dedicação exclusiva, ou não, à instituição
escolar em que atuam e identificar se estão investindo na formação; uma vez que, se
trabalham apenas em um turno, a disponibilidade para formação continuada torna-se
um pouco maior.
Tendo em vista o tempo de atuação profissional das professoras, procuramos
averiguar em qual ano escolar elas preferem atuar e comparamos com o tempo de
carreira. Percebemos que as professoras que manifestaram preferência em trabalhar
com os anos iniciais da Alfabetização são as que estão em início de carreira, e
justificaram a preferência dizendo que gostam de ver o interesse e de participar das
descobertas dos alunos durante a fase de alfabetização, como expressou a professora
P6: “Amo ver a descoberta das crianças no mundo das letras”. As professoras que
preferem trabalhar com os anos finais, são as docentes que possuem mais tempo
de carreira, alegando gostar da autonomia dos alunos, dos conteúdos lecionados e
da linguagem que podem utilizar com eles, como pode ser observado pela fala da
professora P13: “Nessa faixa etária (9-10 anos) o aluno traz uma bagagem maior de
conhecimentos e o diálogo professor/aluno é mais envolvente”.
Ao considerarmos as justificativas apresentadas pela preferência das turmas
podemos relacioná-las ao planejamento dos conteúdos e atividades que as professoras
aplicam em suas turmas, ou seja, as atividades desenvolvidas nos diferentes anos
influenciam suas escolhas de preferência conforme observamos nas justificativas de
algumas delas.
Acerca do planejamento, os dados nos informam que somente as professoras
P11 E P9 possuem de 3 a 4 aulas de Ciências por semana, as restantes possuem de
1 a 2 aulas.
Sobre a relevância da quantidade de aulas, apenas 4 (P13, P11, P9, P8) das 14

138
O ensino de ciências na perspectiva das professoras dos anos iniciais

professoras consideram a quantidade de aulas ministradas relevante. Evidenciamos


que nos anos iniciais, o currículo escolar prioriza os conteúdos de Matemática e
Linguagem, ao passo que as Ciências são deixadas em segundo plano.
Apesar das poucas aulas ministradas 71% das professoras reconhecem a
importância dessa área do conhecimento quando dizem que essa quantidade de aulas
não é satisfatória. Mesmo a maioria tendo poucas aulas semanais, elas responderam
sobre às unidades temáticas mais abordadas em suas aulas e observamos que as
unidades temáticas Vida e Evolução e Terra e Universo destacam-se nos currículos dos
anos iniciais de Ciências desenvolvidos pelas professoras consultadas. Além disso,
as docentes destacaram alguns conhecimentos centrais de Biologia como: higiene,
corpo humano, saúde, classificação e nomenclatura de animais e vegetais como os
mais trabalhados nessa faixa etária. Já os conteúdos relacionados aos conhecimentos
das áreas disciplinares da Física e da Química, por exemplo, são poucos abordados.
Ainda sobre a abordagem/seleção dos conteúdos em sala de aula, uma das
questões propostas às participantes da pesquisa foi a de fazerem uma análise de um
fragmento de texto da Base Nacional Comum Curricular, e relatarem se, ao planejarem
e ministrarem as aulas de Ciências, procuram saber o que os alunos gostariam de
aprender. Apenas 5 professoras disseram considerar o que os alunos gostariam de
aprender, justificando que o ensino torna-se mais agradável. As 9 professoras restantes,
marcaram as opções “Não” (5 professoras) e “Quando possível” (4 professoras),
justificando que devem priorizar o cumprimento do material didático (livro didático) e
plano de curso que a escola oferece.
Parente e Pessoa (2018) falam sobre a importância dos professores acolherem
os questionamentos que os alunos trazem para sala de aula como orientadores no
processo de ensino. As professoras que vão no movimento contrário do que diz
os autores, explicam a falta de considerar a opinião dos alunos pela demanda de
conteúdo da escola que precisam cumprir.
Independente se as professoras buscam contemplar as curiosidades dos alunos em
seus planejamentos, elas foram questionadas sobre o nível de interesse e envolvimento
deles em suas aulas de Ciências. Segundo os dados apresentados, verificamos que no
geral, os alunos apresentam curiosidade sobre os conteúdos estudados e participam
das aulas fazendo menção a algum tipo de informação que já tiveram sobre o assunto.
Isso reforça o que Parente e Pessoa (2018, p. 16) dizem que

139
Rafaela Reis Castor, Rita de Cássia Reis

Desde muito cedo, as crianças fazem perguntas e demonstram interesses


diversos por temáticas que são objetos de estudo na área das ciências naturais.
Preservar e incentivar o encanto por questões relativas à área não é uma tarefa
fácil, pois, entre outras coisas, requer valorizar espaços de diálogos e reflexões
como fundamentais para o desenvolvimento delas. Além disso, deve-se expressar
interesse por seus questionamentos. Acolhê-los. E por que não assumir suas
perguntas como orientadoras do processo de ensino?

Nesse sentido, mesmo os alunos mostrando-se interessados nas aulas de


Ciências, as professoras encontram dificuldades para desenvolverem os conteúdos
em virtude: da matriz curricular com poucas aulas, do número excessivo de alunos e
da carência de materiais de apoio.
Ao serem questionadas sobre as metodologias e/ou estratégias empregadas no
trabalho docente, as professoras apontaram algumas que já aplicaram e aquelas que
mais priorizam em suas aulas. Como elas apontaram mais de uma metodologia e/ou
estratégia, destacamos as mais recorrentes: experiências em sala de aula, jogos ou
dinâmicas, pesquisas escolares e o uso do livro didático que foram marcadas como já
trabalhadas. O uso do livro didático, do quadro-giz e de trabalhos de pesquisa foram
apontados como as que mais priorizam.
Ao analisarmos as respostas obtidas, podemos fazer dois apontamentos: o
primeiro, sobre as estratégias tradicionais de ensino; e o segundo, sobre os ambientes
de aprendizagem de Ciências na escola. A respeito do primeiro apontamento,
destacamos que as professoras buscam diversificar as estratégias de ensino em sua
prática docente, porém, ainda priorizam o livro didático, o quadro e o giz.
Sobre o segundo apontamento, observamos que grande parte dos estudantes
desse segmento do ensino fundamental não frequenta laboratórios de Ciências.
Entretanto, as professoras realizam atividades experimentais com os alunos em sala
de aula. O que corrobora a fala de Fonseca, Fonseca e Valois (2016), de que a falta
de atividades experimentais não pode ser justificada pela falta de laboratórios nas
instituições.
Além dos aspectos levantados até aqui: formação acadêmico-profissional, tempo
de carreira, trabalho docente, planejamento, interesse dos estudantes, dificuldades
encontradas no ensino e metodologias e/ou estratégias de ensino empregadas, as

140
O ensino de ciências na perspectiva das professoras dos anos iniciais

questões discursivas do questionário procuraram investigar a visão das professoras


sobre o ensino de ciências. Os questionamentos propostos nos forneceram um leque
de respostas para análise, que ao aproximá-las, subcategorizamos em três grupos
menores. As considerações a seguir dizem respeito a importância do ensino de
Ciências, na visão das professoras entrevistadas:

• Permite o aluno conhecer melhor a si mesmo e ao mundo: “ [...] é importante


para trazer conhecimentos gerais de mundo e também relativamente
conhecimento pessoal, aprender a pesquisar e investigar.” (P5)

“ [...] será nesse momento da vida do educando que ele terá a oportunidade
de compreender como se constituem enquanto ser humano e como os seres
vivos que estão ao seu redor se constituem e como sobrevivem. [...]” (P10)

• Incentiva o interesse dos alunos:“[...] despertar nas crianças o interesse por


essa área, aumentado o conhecimento e quem sabe no futuro, teremos dado
a nossa contribuição para formação de cientistas ou futuros pesquisadores
engajados com a ciência.” (P11)

“A ciência é um campo de estudo importante, porque além de nos possibilitar


conhecer o que nos cerca, desde o corpo, os seres, os ambientes e alimentos,
nos torna investigadores e questionadores.” (P12)

• Permite a aprendizagem de conceitos: “O ensino de ciências é de grande im­


portância, visto que, além da aprendizagem de conceitos, ele permite com
que o aluno compreenda e interprete o mundo.” (P2)

“[...] o ensino de ciências nos anos iniciais se faz importante por sistematizar
informações e levar a criança a compreensão do conhecimento formal.” (P8)

No geral, observamos que todas as professoras participantes da pesquisa


reconhecem a importância do ensino de Ciências. Percebemos em seus argumentos
que essa área do conhecimento se articula como uma disciplina que, além de ajudar
e orientar a criança a compreender o mundo a sua volta e se tornar participante da
sociedade, permite que ela se aproprie de conceitos. As colocações das professoras
vão ao encontro dos principais objetivos para o ensino de Ciências, segundo a BNCC,
por exemplo.

141
Rafaela Reis Castor, Rita de Cássia Reis

Apesar do reconhecimento desses objetivos e da importância dessa área, vimos


que o trabalho pedagógico se vê preso ao currículo praticado pelas instituições e segue
o planejamento didático institucional, que muitas vezes não leva em consideração, ou
não deixa espaço para as individualidades de cada turma. Todavia, cabe salientar que
observamos uma lenta mudança de perspectiva.

Algumas considerações

Retomando o objetivo inicial do trabalho, que era o de investigar qual a concepção


das professoras sobre o ensino de Ciências, concluímos, que as mesmas compreendem
a disciplina Ciências como importante para o processo formativo da criança, pois
permite que ela se sinta parte integrante do meio em que vive, incentiva a curiosidade
e permite a aprendizagem de conceitos.
De acordo com os argumentos fornecidos pelas docentes, percebemos que
suas concepções são compatíveis com os objetivos do ensino de Ciências previstos
nos documentos oficiais que orientam essa disciplina. Todavia, mesmo tendo essa
consciência, podemos verificar que uma das estratégias de trabalho que mais priorizam
com os alunos em sala de aula são o uso do livro didático, do quadro e do giz.
Uma razão pela qual se veem apegadas a essas práticas pode ser, segundo Rosa,
Perez e Drum (2007) o fato de se acharem presas a programas preestabelecidos pelas
Secretarias de Educação, ou por roteiros de livros didáticos. Essa hipótese pode ser
representada pelos argumentos que apareceram, por exemplo, quando justificaram a
falta de considerar a opinião do aluno em seu aprendizado, dizendo que a escola tem
uma demanda de conteúdos e que a escola oferece um plano de curso que precisa
ser seguido.
A respeito do livro didático, sabemos que na grande maioria das escolas ele é
adotado e que há uma cobrança dos pais e/ou da própria coordenação pedagógica
para o seu uso frequente. Isso contribui para que a professora planeje suas aulas
com vistas ao cumprimento desse material, tendo pouca flexibilidade de ajustar os
conteúdos, já que os alunos têm de 1 a 2 aulas de Ciências, em média por semana.
Por outro lado, apesar dessa estratégia ser uma das mais aplicadas, se observarmos

142
O ensino de ciências na perspectiva das professoras dos anos iniciais

os dados obtidos, verificamos que a curiosidade e envolvimento dos alunos nas aulas é
satisfatória. Vale ressaltar também, que acreditamos que se novas estratégias fossem
utilizadas, a curiosidade e o espírito investigativo das crianças poderiam ser ainda
mais aguçados.
Segundo essas considerações, acreditamos que para haver uma mudança nas
estratégias de ensino de Ciências, precisamos de uma mudança de perspectiva por
parte dos professores, como também da própria instituição escolar, saindo de um
formato que planeja aulas para um formato que planeja sequências didáticas. Conforme
percebemos, por meio das informações levantadas nesta pesquisa, a maior parte das
professoras segue o planejamento que a escola oferece e precisam cumprir com os
prazos estabelecidos pelas instituições.
Consideramos válido que os estabelecimentos de ensino deem abertura para
que os profissionais atuantes no espaço escolar possam juntos ajustar o currículo
que rege a escola, considerando a realidade e as especificidades de cada comunidade
e turma envolvida. Levando em consideração que seus professores são mediadores
importantes no processo de ensino e aprendizagem das crianças e que precisam estar
atentos às metodologias e/ou estratégias de trabalho desenvolvidas em suas aulas,
para que contribuam na formação crítica, criativa, cidadã e intelectual das crianças.

ReferênciaS

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143
Rafaela Reis Castor, Rita de Cássia Reis

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144
Como planejar uma boa aula de ciências e matemática
para crianças

João Alberto da Silva

A experiência como professor da Educação Básica e, posteriormente, como


formador de professores de crianças fez com que me deparasse com grupos de
profissionais muito bem-intencionados, mas que seguidamente tinham uma questão:
Como posso planejar uma boa aula de Ciências ou Matemática para as crianças?
Também escutei relatos de colegas que diziam terem se esforçado muito no seu
planejamento, mas sentiam-se frustrados pela receptividade dos alunos. Esses mesmos
professores empenhavam-se mais ainda, sentiam-se agindo corretamente, mas não
obtinham os resultados, em termos de motivação e aprendizagem, que esperavam.
Recentemente, tenho realizado pesquisas sobre avaliações externas que são aplicadas
para as crianças, tais como Prova Brasil, Avaliação Nacional da Alfabetização - ANA e
outras. Escuto os professores dizendo: - Nossa! Não sei o que aconteceu. Eu ensinei
esse conteúdo várias vezes e os alunos erraram essas questões mesmo acertando em
sala de aula. Não sei o que houve!
Tenho pensando sobre todas essas escutas que faço e acredito que posso
contribuir provocando uma reflexão no campo do currículo, do planejamento e da
avaliação ou, em termos gerais, do que chamamos de Didática. Vou também falar
a partir do ensino de Ciências e Matemática por que esse é o campo em que jogo,
mas as diretrizes sobre o que considero uma boa aula podem ser estendidas para
outras áreas do saber. Opto aqui em escrever para um colega professor a partir do
pensamento que construo sustentando em muitos autores da comunidade científica,
mas não me ocuparei de fazer citações, referências e formalidades acadêmicas por
João Alberto da Silva

que quero produzir um pensamento a partir de uma escrita mais fluída e leve. Aos
poucos vou destacando os autores com os quais falo e o leitor que está até aqui
comigo pode entender que aquilo que escrevo próximo refere-se aos pensamentos
que empreendo a partir do autor citado.
Destaque-se aqui que o que falo precisa ser incluído dentro de uma conjuntura e de
um contexto social. Gostaria que tudo o que digo fosse direcionado para professores que
são socialmente valorizados, que possuem boa infraestrutura de trabalho com salários
que permitem uma vida digna e acesso a materiais de estudo, leitura e formação.
Lamento por todos e todas que precisam trabalhar manhã, tarde, noite e aos sábados,
que recebem bem menos do que outros profissionais com formação equivalente, que
trabalham em instituições com condições precárias, turmas superlotadas e com alunos
sem motivação. Boas aulas não são apenas resultados de bons professores, mas são
a consequência de professores adequados com boas condições de trabalho somados
a famílias que valorizam a educação e motivam os filhos.
Lastimo também pelas famílias que não podem produzir condições econômicas
para que seus filhos tenham uma vida apropriada, que possam ter livros e acesso a bens
culturais, que possam se sentir valorizados e valorizar seus professores. Sobretudo,
pranteio pelas próprias crianças que vão para a escola vendo que a instituição e os
professores não são valorizados pelos governos, pelas próprias famílias e, por vezes,
pela sociedade em geral. É por elas que nós professores ainda acordamos todas as
manhãs e procuramos algum ânimo para fazer melhor o nosso trabalho. Por elas,
voltemos ao tema de uma boa aula.
O primeiro ponto que quero destacar para uma boa aula é a tomada de consciência
sobre a intencionalidade da aula. Muitas das coisas que fazemos são conduzidas por
modos de ser e fazer que estamos tão acostumados que não pensamos muito. Dar
aulas pode ser uma dessas coisas. Temos uma tradição sobre o que é ser professor e
sobre o que deve ser ensinado tão forte que, por vezes, as propostas mais inovadoras
são pouco implementadas frente a esse modo de fazer oriundo da tradição.
Em 2006 a legislação introduziu o Ensino Fundamental de 9 anos com a entrada de
crianças a partir dos 6 anos. Foi uma mudança bem importante na estrutura dos anos
iniciais e que foi sofridamente incorporada no imaginário dos professores. A pergunta
mais usual naquela época era se o 1º ano era uma primeira série mais fraquinha ou
um pré mais reforçado. Foi muito difícil para os professores e professoras pensar que

146
Como planejar uma boa aula de ciências e matemática para crianças

aquela proposição implicava uma mudança em toda a estrutura e não se tratava de


uma adaptação ao que já se tinha. Igualmente, a partir de 2010, com a introdução do
Ciclo de Alfabetização, que incluía a progressão até o final do 3º ano, a dificuldade
em entender como uma mudança funciona reapareceu. A tradição da primeira série,
da professora alfabetizadora, de ensinar a ler e a escrever tiveram muito peso e foi um
grande empecilho para que esta política se organizasse. Entendo que até hoje não foi
completa e corretamente empreendida em sua intencionalidade.
Em uma rede de escolas municipais com a qual interajo aconteceu um caso bem
interessante para ilustrar a força da tradição. As professoras dos anos iniciais ficaram
muito desorientadas com o currículo de Matemática a partir da introdução dos 9 anos
do Ensino Fundamental e o mesmo dilema apareceu por ocasião da implementação
do Ciclo de Alfabetização. Historicamente, a tabuada era ensinada na 3ª série. Todos
(sic) nós aprendemos a multiplicar, a decorar e a fazer prova oral da tabuada nesta
série. É a professora da 3ª série que sabe e tem a obrigação de ensinar a tabuada. Mas
e agora? É a professora do 3º ano ou a do 4º ano que faz isso? Escutei esse grupo de
professoras e acompanhei suas decisões procurando respeitar tudo o que sabiam, o
que faziam e que sentiam ser importante. Elas decidiram por uma saída salomônica.
A professora do 3º ano ensinaria até a tabuada do 5 e a colega do 4º ano ensinaria a
tabuada do 6 em diante. A confusão foi grande por que a professora do 4º ano ficava
vigiando a colega do ano anterior para que não invadisse o seu conteúdo. Se um
aluno do 3º ano produzisse um pensamento do tipo: “Professora, se 3x7= 21, então
7x3 também é 21? “ então a resposta era “Sim, mas vais poder aprender só ano que
vem senão a professora Fulana me mata”. Longe do homicídio, esta decisão trouxe
várias consequências pedagógicas para o ensinar e o aprender que limitaram muito o
pensamento das crianças.
Por que fizeram isso? Pela influência da tradição, por um modo de fazer ao qual
estavam habituadas e pela ausência do que se chama intencionalidade pedagógica.
A escolha se deu pela comodidade, pelo hábito e pela reminiscência do que sempre
se fez. Não houve um questionamento de por que fazer desse ou daquele modo em
termos pedagógicos. Entendo que a boa aula é aquela que o professor ou a professora
se pergunta o tempo todo: Por que estou fazendo isso?
Contudo, podemos aprofundar um pouco mais a reflexão sobre este caso para
pensarmos ainda mais sobre o que tem de ter uma boa aula: onde as professoras

147
João Alberto da Silva

poderiam ter encontrado uma resposta para esta questão sobre quando ensinar a
tabuada? Houve um movimento de mudança e transformação, mas onde saber como
ficariam as coisas a serem ensinadas se o modo como faziam estava sendo alterado?
A resposta parece ser simples, mas pouco adotada na prática: no currículo.
Ao tentar propor atividades didáticas diferenciadas ou trabalhar habilidades em
Matemática e Ciências pouco usuais nos anos iniciais, tais como: energia, saúde
ou estatística e pensamento algébrico, deparei-me com várias colegas dizendo que
isso seria possível fazer, mas apenas como projeto, pois não fazia parte do currículo.
Sabendo que estes temas fazem parte dos currículos oficiais perguntava: mas onde
está este currículo que diz o que vamos ensinar? Em geral, a resposta dizia estar
na coordenação ou direção. Ao irmos lá investigar, a resposta é: Está na secretaria
municipal ou estadual. E ao lá irmos em peregrinação, descobríamos que estava
sempre em construção. De fato, não havia na instituição um currículo vigente, vigiado
e fortemente estruturado, mas existia uma impressão que havia. A tradição dava esta
certeza de que o currículo que compartilhamos no imaginário social está impresso a
ferro, fogo e sangue em algum lugar e temos de “vencer os conteúdos” em uma luta
inglória. Assim, qualquer inovação ou política pública que parta do governo é traduzida
na escola para manter um modo de fazer já estabelecido. A inovação é absorvida
apenas parcialmente e com muitas transformações para se manter o que se faz. Assim,
destaco que a diretriz da intencionalidade só se estabelece quando há o conhecimento
docente do currículo a ser ensinado. Saber ensinar e planejar uma boa aula passa por
saber o porquê daquilo que faz, mas também o que precisa ser ensinado.
Ao escutar mais profundamente as queixas dos professores sobre o desempenho
dos estudantes nas avaliações externas comecei a perceber que os itens de Matemática
que apresentavam menor acerto são aqueles referentes à Estatística, Geometria,
frações e reta numérica. Nota-se, também, que estes são os conteúdos que são menos
abordados pelos professores ou com os quais eles se sentem menos confortáveis
trabalhando. Tenho pensado na hipótese de que o baixo desempenho dos estudantes
não se deve a uma dificuldade de aprendizagem, mas a um desconhecimento do que
é cobrado na prova. Ao conversar com professores sobre quais suas impressões dos
instrumentos de avaliação, a análise é sempre negativa. Ela sustenta-se na ideia de
que a prova não é boa por que não cobra o que não tem no currículo (sic), que é feita
no centro do país e por isso não cobra as coisas da realidade das crianças. Ora, a

148
Como planejar uma boa aula de ciências e matemática para crianças

prova da avaliação externa é sustentada em itens mínimos feitos a partir do currículo


oficial que deveria obrigatoriamente ser ensinado na escola, mas se a professora diz
que a prova é ruim por não seguir o currículo que ela ensina, significa que se evidencia
que o currículo escolar é feito por outra coisa que não a orientação legal do que se
deve ensinar.
Não advogo em favor do cumprimento exclusivo de currículos obrigatórios ou de
bases comuns, como se quer impor. Sequer percebo sua necessidade, mas saliento
que o currículo oficial é pouco conhecido e estudado e menos ainda desenvolvido. No
mesmo sentido, o currículo da escola, que poderia ser uma potência autoral e criativa
do fazer pedagógico, é feito sem intencionalidade, com base no que se vem fazendo
desde “sempre”.
Quando nos apropriamos do currículo e do que um programa de ensino prevê,
temos de ter a capacidade de ler e interpretar o que ali se orienta. Isso é muito difícil
e é tarefa que cabe apenas a um profissional, como é o caso do professor. Quero citar
um exemplo da atual Base Nacional Comum Curricular. Lá está que é esperado que
se ensine crianças dos anos iniciais a resolver problemas que envolvem adição com o
significado de juntar, acrescentar, retirar e separar. Para ler, entender e poder planejar
uma aula que contemple o ensino de todos esses significados é evidente que tenho
que saber ao que eles se referem. Há um conhecimento pedagógico do conteúdo que
toda professora precisa conhecer para poder planejar uma boa aula. Para um cidadão
qualquer ou para um matemático, descobrir o total da soma de 3 maçãs mais 2 maçãs
exige a mesma operação que descobrir quantos brinquedos há se somarmos 3 carrinhos
mais 2 bonecas. Entretanto, uma professora que domina os aspectos pedagógicos do
conteúdo específico sabe que no primeiro caso a situação é de acrescentar, isto é,
tem-se uma coisa mais a mesma coisa resultando numa quantidade maior ainda da
mesma coisa. No segundo caso, temos duas coisas diferentes: bonecas e carrinhos,
que somados dão uma terceira coisa diferente: o total de brinquedos. Em ambos os
casos o cálculo é 3+2, mas os processos cognitivos que estas situações exigem são
muito diferentes para uma criança que está aprendendo a somar. Saber esta diferença
é fundamental para o planejamento de uma boa aula. Temos de saber o que ensinar
(currículo), por que estamos ensinando (intencionalidade) e como o conteúdo funciona
se queremos planejar uma boa aula.
Por fim, mas deveria ser o começo, temos de falar da avaliação. O modo como

149
João Alberto da Silva

organizamos a nossa sociedade influencia muito a escola e a avaliação parece-me


ser o elemento pedagógico que mais sofre interferência dos valores sociais. Saber
o IDEB de uma escola tornou-se uma curiosidade quase sádica de cunho fetichista.
Em geral, serve para que façamos algum tipo de julgamento sobre a qualidade da
escola ou dos professores que ali trabalham. Por vezes, há atenuantes do tipo…. Mas
observem os alunos que lá frequentam… Há EJA naquela instituição… Olha onde fica
e que comunidade atende. De fato, pouco serve para se analisar as políticas públicas
que produzem esses resultados e pouco se transformam em medidas para modificar
a situação. Quando há algum tipo de intervenção, ela é, em geral, ligada a aumento
ou corte de recursos financeiros e, dificilmente, em alguma qualificação do trabalho
pedagógico. Por que isso acontece assim?
Estamos focados nos resultados custe o que custar. Se a nota está boa, se a
criança está aprovando e não há queixas siga-se o baile. Os professores incorporaram
essa ideia. Avaliação é para dar notícias: contar se a criança passou, se está reprovada,
tem um desempenho mediano ou é excelente. Ela tornou-se ferramenta para controle,
classificação e divulgação de “dados”, os quais não entendemos muito o que dizem e
servem, para a sociedade.
Quero dizer que uma boa aula de Ciências e Matemática precisa ter um processo
avaliativo inerente e constante. De fato, é na avaliação que sabemos se esta “boa
aula” é boa mesmo, mas se acontece só no final, então, o estrago já está feio. A
avaliação precisa começar desde o planejamento ou início da aula. Entretanto, não se
trata de pensar em fazer uma prova para saber “o nível” em que estão os alunos ou
ficar realizando testes a todo momento. Entendo que avaliação é a ação pedagógica de
estarmos o tempo todo nos perguntando se o que queríamos está, de fato, acontecendo
ou o que posso mudar para que aconteça o que queria. Só posso avaliar se sei
claramente o que quero, ou seja, avaliação só acontece se houver intencionalidade
pedagógica consciente e explícita. Caso estejamos no piloto automático ditado pela
tradição, pelo jeito de ser professor que achamos ser o correto, então a avaliação
fica relegada ao final do processo para ver o que aconteceu. Diferentemente, se
há intenção no que se quer, é preciso avaliar o caminho a todo instante para ver o
desenrolar essas intenções.
É importante destacar que a avaliação pode ter três dimensões: a dos estudantes,
a do professor e a da tarefa. Quando planejo, penso sempre qual a melhor tarefa que

150
Como planejar uma boa aula de ciências e matemática para crianças

posso aplicar para aquela turma. Entretanto, nem sempre a atividade é adequada e
mostra-se boa. Consigo avaliar isso em minha aula? Tenho registro do desenvolvimento
da atividade, do tempo, dos recursos e das ações? Se sim, então estou avaliando. Se
desenvolvo minha aula conforme planejei e ao final dela não sei a qualidade da tarefa,
da adequação do tempo, ou vou “olhando e vendo o que fazer”, então não estou
avaliando, mas conduzindo a aula de modo intuitivo.
No que tange a avaliar o estudante, é importante ter em mente que o objetivo
desse processo é aprender e auxiliar a criança a compreender o que precisa entender
e fazer. Não se trata de dizer se sabe ou não, mas de acompanhar a habilidade
que está sendo desenvolvida e os modos de pensar e agir do aluno. Por exemplo,
se estou desenvolvendo a habilidade de identificar pontos e deslocamentos na reta
numérica. Peço que o estudante identifique onde está o 5 em uma representação de
reta numérica. Ele o faz corretamente. Tenho algum tipo de atividade no qual peço
que some mais 2 a partir de onde está. A resposta da criança é 3. Opa, o que tem
aí? Como professor sei que ele já tem noção de quantidade e consegue identificar os
numerais. Sabe onde está o 5 e sabe também o que a quantidade 2 representa, pois
deslocou-se na reta nesta quantidade. Veja como identifico várias coisas que ele sabe
e acerta. Entretanto, vejo que na ação foi para o lado errado. Será que sabe o que é
esquerda e direita? Será que sabe o funcionamento da ordem crescente para a direita na
reta numérica? Isso preciso me perguntar na avaliação, mas só posso fazê-lo se tenho
conhecimento pedagógico do conteúdo e sou capaz de compreender os diferentes
modos de pensar dos estudantes. A avaliação vai sustentar-se na intencionalidade
pedagógica, no conhecimento pedagógico do conteúdo e em tantos outros saberes
docentes que pode se configurar como uma expressão do fazer pedagógico e da
Didática. Se a avaliação promove a aprendizagem, ajuda o professor e está adequada,
dificilmente o aluno não avança no domínio das habilidades por que essa ferramenta
expressa e sintetiza a qualidade da didática do trabalho docente.
Até aqui falamos em um tom coloquial e bastante amistoso com a intenção de
seduzir o leitor até o meio do texto para que de posse da sua atenção possamos
agora falar de coisas mais complexas e profundas do fazer pedagógico. Tudo o que
falei pode ser interpretado como algo oriundo do mundo prático, do saber fazer e de
alguém que tem experiência na área. Difere-se da teoria, do mundo das leituras e dos
autores, que não se aplicam em nossa sala de aula. Ledo engano. Teoria e prática

151
João Alberto da Silva

são indissociáveis e se correlacionam diretamente. Profissionais que dizem não usar


qualquer teoria ou abordagem ou que “usam um pouco de tudo”, apenas têm uma
concepção ingênua do trabalho do professor. Estamos encharcados de teorias até a
medula. Agora vou contar sobre as que falei até agora.
Os conceitos centrais que abordei para pensar uma boa aula de Ciências e
Matemática para crianças são: planejamento, currículo e avaliação. Vou retomar cada
um desses pontos agora fazendo referências às teorias que me fazem compreender
esses eixos da maneira que apresentei até o momento.
Para a ideia de planejamento e das intenções pedagógicas quero fazer uma
interlocução com um teórico conhecido do campo da Educação, mas não no
campo do planejamento. Quero falar de Jean Piaget e seu conceito de Tomada de
Consciência (1975). Para Piaget, as ações cotidianas e rotineiras que demandam a
nossa inteligência podem ser feitas de modo automatizado, sem que ali depositemos
nosso foco de atenção ou pensemos sobre os mecanismos que nos levam a agir
de determinada maneira. Quando vamos escrever um texto a mão, superadas as
dificuldades da infância e da alfabetização, dificilmente pensamos como pegamos o
lápis ou seguramos o papel. Fazemos sempre do mesmo jeito sem tomar consciência
do que fazemos. Mas e se quiséssemos mudar ou fazer melhor? De fato, parece
pouco razoável que nos digam faça isso ou faça aquilo. Copie este ou aquele modelo.
Mesmo que mudemos desta forma-cópia, ainda faremos ações automatizadas e pouco
conscientes. Para Piaget, tomar consciência é apropriar-se dos mecanismos das ações
e sair da periferia da interação com os objetos de conhecimento, isto é, significa
compreender aquilo que faz e por que o faz. Penso que o ato de planejar uma aula
tem que ser feito com relativo estado de consciência ou, em outras palavras, que
se planeje para além da execução das tarefas, mas sabendo o como se aprende e o
porquê se ensina de determinada maneira.
Neste ponto, quero introduzir outro teórico, que é Shulman (1986). Este autor
vai estudar os conhecimentos dos professores e observar que eles não são de mesma
natureza. Os conhecimentos que temos para ser professor são de diferentes origens.
Para me sustentar em Shulman e não me estender muito nesta teoria, vou abordar
três diferentes tipos: o conhecimento pedagógico, o conhecimento do conteúdo e o
conhecimento pedagógico do conteúdo.
Para Shulman (1986) existe um conhecimento pedagógico geral sobre a história,

152
Como planejar uma boa aula de ciências e matemática para crianças

sociologia, filosofia da educação, bem como da didática geral e de metodologias de


ensino. Existe também um conhecimento do conteúdo, como por exemplo o que é
uma célula ou como funciona o ciclo da água. Estes conhecimentos de conteúdo
são fundamentais aos professores, mas são compartilhados com profissionais de
outras áreas, tais como os biólogos, os agrônomos, os biotecnologistas, etc. Agora o
conhecimento pedagógico do conteúdo é específico do professor da área.
Resolver um problema que demanda qual o total de maças que João comeu
sabendo que haviam 17 e sobraram 8 pode ser resolvido com o conhecimento de
conteúdo, mas saber que uma criança questionará como João foi capaz de comer 9
maçãs é uma preocupação apenas do professor. Entender, também, que uma criança
que respondeu 8 é aquela apenas capaz de identificar uma informação ou que a
que respondeu 25 realizou a operação complementar a esperada ou ainda a que
respondeu 11 por que este é o erro provável no algoritmo da subtração é competência
única e exclusiva do professor. Trata-se do que Shulman chama de conhecimento
pedagógico do conteúdo. É este tipo de saber que faz com que um planejamento
com intencionalidade pedagógica possa ser arquitetado com atividades para além
do divertimento e da recreação como chamarizes e com tarefas que demandam
pensamento e colocam o estudante frente às situações nas quais precisa superar as
dificuldades esperadas e apropriadas para si.
Falando-se destes dois teóricos para pensar o planejamento, Piaget e Shulman,
quero agora pensar a partir de Sacristán e Bernstein para discutir o currículo. Sacristán
(2000) vai mostrar que o currículo não é apenas um só, mas que possui diferentes
níveis. Existe o currículo oficial, construído pelos governos, o currículo apresentado,
que é aquele que chega aos professores através das políticas públicas, dos programas
de formação e livros didáticos, há ainda o currículo moldado, que é aquele planejado
de fato pelos professores a partir de tudo o que até eles chega, e há o currículo
em ação, que é o que realmente acontece dentro da sala de aula. Não obstante, há
ainda o currículo avaliado, que é dado pelas provas externas que se propõe a avaliar
a qualidade do sistema de ensino. Todos esses níveis de currículo mostram que ele
não é o mesmo e depende de quem por ele fala ou a que se propõe. Os governos, ao
pensarem um novo currículo, não precisam se preocupar com certos problemas que
os professores lidam ao por o currículo em ação. O currículo oficial não dá conta do
menino e da menina que não tem lápis ou a família está desorganizada pelas perdas

153
João Alberto da Silva

cotidianas, isto é, ele é destituído de subjetividade. Os currículos apresentados aos


professores são cheios de elementos de sedução para que os docentes abarquem a
ideia, indiquem o livro didático ou participem de determinada proposta de ensino. Já
o currículo em ação depende de inúmeras condições subjetivas e jogos de negociação
que acontecem no chão da escola.
Bernstein (1996) ensina que todo currículo é dominado por um discurso
pedagógico. Normalmente o discurso visível refere-se aos propósitos de conteúdo
a serem ensinados, mas há um discurso invisível e intrínseco através do qual se
comunicam muitos pressupostos político-epistemológicos sobre o currículo e o ato de
ensinar. O professor, segundo Bernstein, faz uma tradução do discurso pedagógico
oficial para um discurso pedagógico escolar, no qual leva em consideração suas
demandas e possibilidades práticas com seus alunos, que são pouco abordadas ou
desconsideradas no discurso pedagógico oficial.
O que quero dizer ao trazer estes dois autores é de que os currículos que temos
de seguir na escola não são neutros, não são santificados e não precisam ser vencidos.
Eles são uma estratégia da política dominante para induzir as escolas e os professores
a determinadas ações, mas que somos senhores legítimos do nosso fazer e sempre
faremos um trabalho de tradução para o currículo. É importante que não estejamos
engessados por este currículo oficial ou imaginário que nos determina o que fazer. A
potência de criação na sala de aula pode estar a serviço de um currículo autoral a ser
construído por professores e alunos haja vista que o discurso oficial não é, nem pode
ser, efetivamente implementado.
Por fim, mas não deveria ser o fim, vou falar da avaliação. Talvez, um dos maiores
pro­blemas desta parte do trabalho pedagógico, a avaliação, seja ser considerada o fim de
tudo ou que deve ser feita ao final do processo. Isso traz à avaliação a ideia de certificação
de tudo que se fez com vistas a um certo ou errado a um aprovado ou reprovado. Essa
avaliação muito pouco ou nada serve ao trabalho do professor. Quero pensar isso com
Hadji (2001) e Perrenoud (1998), os quais partilham a ideia de que a avaliação não
pode ser apenas classificatória. Ela pode ajudar a melhorar o ensino. O professor que
está comigo até aqui no texto é um vitorioso por que ainda não desistiu de me dar
atenção, mas agora ele pode estar pensando: lá vem este sujeito falar da importância, do
fundamento da avaliação, mas ninguém diz como fazer. E não vou mesmo.
A boa avaliação não é uma coisa a ser feita. Ela é uma postura ativa de avaliação

154
Como planejar uma boa aula de ciências e matemática para crianças

ao longo de todo o processo pedagógico no qual vamos vendo o que funciona ou


não funciona e através do qual temos de estar dispostos a abandonar o planejamento
que temos para a aula do dia ou mesmo o currículo que temos. É fundamental avaliar
para saber se o aluno aprende e entende o que se quer desenvolver e a partir dali
tomar decisões. Pode ser uma prova, um portfólio, uma observação ou como bem
se sente confortável o professor, desde que ele tenha tomada de consciência (olha
ela de novo aí) do que está fazendo e que possa registrar seu processo. Avaliar é
observar a aprendizagem acontecendo diante dos seus olhos e ser capaz de intervir
e desenvolver novas estratégias quando isso não acontece mesmo que a revelia dos
tempos determinados pela escola ou currículos.
Por isso, avaliação não é processo de encerramento de qualquer atividade
pedagógico. Nessa posição ela pouco serve por que não podemos voltar e refazer
tudo novamente. Um fracasso ao final de um ano letivo, um trimestre ou um bimestre
pouco diz para o professor o que deve fazer. Assim, defendo que a postura avaliativa é
muito mais importante do que o uso deste ou daquele instrumento. Avaliação acontece
todo o tempo em uma boa aula e isso que quero convidar o professor a experimentar.
Como fazer? Ora, eu tenho encontrado certo respaldo no registro. Sempre que tenho
um fechamento de um ciclo ou programa eu realizo avaliações formais como prova ou
teste, mas neste interim recomendo o uso do diário de classe para além da burocracia.
Lá o professor pode registrar a avaliação que faz da turma em cada aula. Este registro
formal faz com que o ato de escrever promova a própria reflexão avaliativa sobre o
grupo de alunos e aqueles que precisam de atenção individual. É a partir da leitura
posterior do que se vai escrevendo ao longo do tempo que se nota o desenrolar das
ações pedagógicas e vai se regulando o ensino. Avaliação é fundamentalmente ligada a
regulação do ensino e do feedback. Explico: quando avaliamos e registramos estamos
em uma reflexão constante sobre o que fazemos. Isto pode e deve gerar um feedback
ao professor sobre suas próprias ações, tais como perceber as maiores dificuldades dos
alunos, quais as aulas que se mostraram mais motivadoras, quais os conteúdos que
pareceram mais complicados e os dias em outros assuntos poderiam ser explorados.
Dar-se conta desses elementos provindos da avaliação é ter um feedback do trabalho
pedagógico. A partir deste retorno, então, pode-se fazer uma regulação do planejamento
e do ensino. Assim avaliação faz sentido, engrandece o trabalho pedagógico e melhora
a aula e o aprendizado do estudante, que é o foco de toda a ação didática.

155
Referências

BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle.


Petrópolis: Vozes, 1996.

HADJI, C. A. Avaliação desmistificada. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001.

SACRISTÁN, J. G. O currículo: uma reflexão sobre a prática, 3ª ed, Porto Alegre:


ArtMed, 2000.

SHULMAN, L. S. Those Who Understand: Knowledge Growth in Teaching. Educational


Researcher. v. 15, n. 2, p.4-14, fev. 1986.

PERRENOUD, P. Avaliação: da excelência à regularização das aprendizagens: entre


duas lógicas. Porto Alegre, Artmed, 1998.

PIAGET, J. A tomada de Consciência. São Paulo. Edusp: 1975.


Ensino por meio de jogos promotores da interface
entre ciências da natureza e alfabetização inicial

Luciane Manera Magalhães


Letícia Goulart Pimentel

Introdução

O presente artigo tem os jogos para crianças do ciclo inicial do Ensino Fundamental
(doravante EF) como principal foco de atenção. A relevância desse trabalho justifica-se
pela escassez de artigos publicados com essa temática nos periódicos especializados
em Ciências da Natureza, conforme constatam Eiras, Menezes e Flôr (2018). Unir
campos de conhecimentos na prática pedagógica diária não é tarefa fácil, uma vez que
a formação dos profissionais da educação, seja a área que for, é pautada em disciplinas
que isolam seus conteúdos em caixinhas, como reflete Nara Leão na canção Little
Boxes (1969). Passados 50 anos, muita coisa mudou na formação de professores,
mas ainda há muito que mudar. Interessa-nos, entretanto, discutir o papel dos jogos
no aprendizado de crianças do EF de forma a articular dois componentes curriculares,
quais sejam, Ciências da Natureza e Língua Portuguesa, mais especificamente o período
da alfabetização inicial de crianças. A proposta desse trabalho nasceu do desejo de se
propiciar às crianças, sobretudo de escolas públicas com poucos recursos, a vivência
de um aprendizado prazeroso, por meio de materiais didáticos compilados pelos(as)
próprios(as) professores(as).
Entendemos e defendemos que o ato de aprender é um direito, o qual deve
ser garantido às crianças. Aprender sobre os animais provoca nas crianças um
interesse bem peculiar, estimula a curiosidade e desperta a atenção, envolvendo-a
mais intrinsecamente ao processo de aprendizado. Aprender a ler e escrever são
duas habilidades para além de uma questão escolar, uma questão social. Vivemos
Luciane Manera Magalhães, Letícia Goulart Pimentel

em uma sociedade em que a língua escrita está em todo lugar, nas ruas, nas placas,
propagandas, jornais, livros. Dessa forma, aprender a ler e a escrever está diretamente
relacionado ao fato do sujeito poder reconhecer-se como cidadão, como parte ativa da
sociedade, poder interpretá-la e modificá-la.
O processo de aprendizagem precisa fazer sentido para as crianças, o que
nem sempre é simples como possa parecer, uma vez que muitas crianças vivem
em lares cujos responsáveis são analfabetos, em que a leitura e a escrita não são
práticas rotineiras, mas esporádicas. É nesse sentido que acreditamos serem os jogos
potencializadores do aprendizado da língua escrita em interface com as ciências, pois
por meio deles a criança tem a oportunidade de refletir sobre o Sistema de Escrita
Alfabética (doravante SEA) de forma lúdica, interagindo com seus colegas de sala e
o(a) professor(a), ao mesmo tempo que retoma conhecimentos acerca dos animais.
Os jogos são um modo prazeroso de aprendizagem; se bem desenvolvidos,
podem desencadear o interesse das crianças e ser uma boa forma do aprendiz entrar
em conflito cognitivo e avançar em suas hipóteses de escrita1. Os jogos contribuem,
também, para o(a) professor(a) identificar os conhecimentos já constituídos pelas
crianças e aqueles que ainda precisam ser sistematizados.
Eles são parte da realidade infantil, são desafiadores e envolventes; por meio da
leitura de suas regras proporcionam além da apropriação do SEA e das características
dos animais, no caso dos jogos apresentados, o desenvolvimento de atitudes letradas
por parte das crianças, colaborando, assim, tanto com o processo de alfabetização2 e
o ensino de ciências, quanto com o de letramento3.
Apresentamos, neste trabalho, algumas possibilidades do uso dos jogos como
recurso didático para auxiliar no aprendizado das crianças. Assim, elaboramos jogos
voltados tanto para a reflexão das crianças sobre o SEA, quanto para a identificação
de algumas características que envolvem o mundo animal como locomoção e
cobertura do corpo. Os jogos foram pensados para crianças do 1º ao 3º ano do
Ensino Fundamental e com base nas hipóteses de escrita formuladas pelas crianças
(FERREIRO; TEBEROSKY, 1999).

1
As hipóteses de escrita dizem respeito à forma de entender a escrita pelas crianças; elas passam por
etapas evolutivas desde o uso de garatujas até à escrita denominada alfabética, que apresenta relações
consistentes entre fonemas e grafemas. (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999).
2
A alfabetização é o processo de aprendizado da leitura e da escrita.
3
O letramento diz respeito aos usos e funções sociais da cultura escrita.

158
Ensino por meio de jogos promotores da interface entre ciências da natureza e alfabetização inicial

Os jogos que exploram as letras do alfabeto e a consciência fonológica4 são


importantes para as crianças pré-silábicas5, silábicas6 e silábico-alfabéticas7 já as
crianças alfabéticas8 poderão se beneficiar dos jogos, sobretudo, para o aprendizado
da ortografia, uma vez que já compreenderam como funciona o SEA. As crianças
neste nível podem também aperfeiçoar sua compreensão leitora (por meio da leitura
das regras) e desenvolver suas possibilidades de interação com o outro, porém,
por questão de espaço, não trataremos desta questão nesse trabalho. Quanto ao
aprendizado dos conceitos que envolvem os animais, optamos por conceitos mais
próximos das crianças, uma vez que esta temática vai se aprofundando de acordo
com o ano em que o aluno está matriculado. Por isso escolhemos o reconhecimento
dos animais, seu tipo de locomoção, características externas e cobertura da pele.

O jogo como potencializador do processo de aprendizado das


crianças

O jogo, no senso comum, é interpretado como passa tempo, muitas escolas se


limitam a utilizá-lo em momentos de recreação, festas, intervalo escolar e educação
física. É preciso desconstruir esta concepção para que as potencialidades do jogo possam
ser utilizadas para outros fins, pois “o jogo é um instrumento de desenvolvimento da
linguagem e do imaginário” (KISHIMOTO, 1994, p 29) e, por isto mesmo, pode vir a
ser um aliado do(a) professor(a) nos processos de ensino e aprendizagem.
Adotaremos o jogo como instrumento lúdico, com objetivos pedagógicos a fim
de interrogar, instigar e pôr em conflito as hipóteses das crianças. O jogo pode e deve
4
A consciência fonológica diz respeito à “capacidade de focalizar os sons das palavras, dissociando-as de
seu significado, e de segmentar as palavras nos sons que as constituem” (SOARES, 2016).
5
A fase pré-silábica (PS) é comumente caracterizada pela crença por parte da criança de que a escrita
representa o objeto concreto e, por isso, traz no seu bojo características desse objeto (seja por meio de
garatujas ou de escritas que tentam se aproximar do objeto: coisas grandes com muitas letras e coisas
pequenas com poucas letras).
6
A fase silábica (S) aponta para uma grande conquista no aprendizado da criança, que passa a identificar as
sílabas orais e assim a representa-las por meio da escrita, anotando uma letra para cada sílaba oral, haja
correspondência sonora ou não.
7
A fase silábico-alfabética (SA) marca um momento de transição na evolução da escrita pela criança, ora ela
representa no papel as sílabas orais, ora representa os fonemas constituídos pelas sílabas.
8
As crianças consideradas alfabéticas são aquelas que ao escrever representam todos os fonemas da cadeia
sonora, havendo ou não equívocos ortográficos.

159
Luciane Manera Magalhães, Letícia Goulart Pimentel

ser usado em ambiente escolar, faz parte da cultura infantil e é campo que desperta o
interesse das crianças, porém para que haja aprendizado, o jogo deve ser um trabalho
sistematizado. Ou seja, o jogo por si só não ensina, por isso precisa ser entendido
como uma atividade que contribui no processo de aprendizado. Para Kishimoto (1997):

A utilização do jogo potencializa a exploração e construção do conhecimento,


por contar com a motivação interna, típica do lúdico, mas o trabalho pedagógico
requer a oferta de estímulos externos e a influência de parceiros bem como a
sistematização de conceitos em outras situações que não jogos (KISHIMOTO,
1997, p. 37-38).

Segundo a Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2017), exercitar


a curiosidade, imaginação e criatividade a fim de elaborar e testar hipóteses são
algumas das competências gerais da educação básica.

A BNCC do Ensino Fundamental – Anos Iniciais, ao valorizar as situações lúdicas


de aprendizagem, aponta para a necessária articulação com as experiências
vivenciadas na Educação Infantil. Tal articulação precisa prever tanto a
progressiva sistematização dessas experiências quanto o desenvolvimento,
pelos alunos, de novas formas de relação com o mundo, novas possibilidades
de ler e formular hipóteses sobre os fenômenos, de testá-las, de refutá-las, de
elaborar conclusões, em uma atitude ativa na construção de conhecimentos
(BRASIL, 2017, p. 55-56).

Optamos por elaborar os jogos focando nos animais, uma vez que é uma temática
que atrai qualquer criança inserida nos mais diversos contextos sociais. Os animais
conhecidos por elas fortalecem os laços de afetividade e os desconhecidos despertam
o interesse e a curiosidade. Assim, cabe ao(à) professor(a) ser o(a) mediador(a) deste
processo, proporcionando o conhecimento de mundo das crianças.

Nos anos iniciais, as características dos seres vivos são trabalhadas a partir
das ideias, representações, disposições emocionais e afetivas que os alunos
trazem para a escola. Esses saberes dos alunos vão sendo organizados a partir
de observações orientadas, com ênfase na compreensão dos seres vivos do
entorno, como também dos elos nutricionais que se estabelecem entre eles no
ambiente natural (BRASIL, 2017, p. 326).

160
Ensino por meio de jogos promotores da interface entre ciências da natureza e alfabetização inicial

Para elaboração dos jogos, recorremos às habilidades propostas pela BNCC, tanto
no que concerne ao ensino de Ciências da Natureza, quanto ao de Língua Portuguesa.
Os objetivos postulados pela BNCC na seção Ciências da Natureza (referentes ao
2º e 3º ano) selecionados para orientar os jogos são:

• Descrever características de plantas e animais (tamanho, forma, cor, fase


da vida, local onde se desenvolvem etc.) que fazem parte de seu cotidiano e
relacioná-las ao ambiente em que eles vivem (EF02CI04);

• Identificar características sobre o modo de vida (o que comem, como se


reproduzem, como se deslocam etc.) dos animais mais comuns no ambiente
próximo (EF03CI04);

• Comparar alguns animais e organizar grupos com base em características


externas comuns (presença de penas, pelos, escamas, bico, garras, antenas,
patas etc.), (EF03CI06).

Os objetivos propostos pela BNCC na seção de Língua Portuguesa (para o 1º e


2º ano) selecionados para orientar os jogos são:

• Escrever, espontaneamente ou por ditado, palavras e frases de forma alfabética


– usando letras/grafemas que representem fonemas (EF01LP02);

• Reconhecer o sistema de escrita alfabética como representação dos sons da


fala (EF01LP05);

• Identificar fonemas e sua representação por letras (EF01LP07).

Cabe destacar que os jogos, assim como qualquer outra atividade pedagógica de
ensino, precisam de apresentar objetivos bem definidos e com foco em determinadas
habilidades, uma vez que se apresentarem uma infinidade de objetivos ao mesmo
tempo, o risco de não haver aprendizado ou desse ser marginal torna-se grande.
Quando o(a) professor(a) identifica pontualmente o que as crianças aprendem a
partir de cada jogo ou atividade fica mais fácil poder avaliar se aquele determinado
objetivo foi alcançado. Conforme já alertamos anteriormente, o ensino sistemático do
conhecimento é de fundamental importância para o aprendizado.

161
Luciane Manera Magalhães, Letícia Goulart Pimentel

A seguir apresentaremos a proposta dos dois jogos, seus objetivos, regras e


materiais utilizados.

Proposta de jogos

Nessa seção, apresentamos os jogos criados por nós com o objetivo de auxiliar
o(a) professor(a), dos anos iniciais, no ensino das Ciências da Natureza e no processo
inicial de alfabetização. A apresentação dos jogos segue o seguinte esquema: título,
fotos sugestivas, objetivos a serem alcançados, materiais necessários para sua
confecção e regras para se jogar.
Os jogos foram pensados com base nos níveis de apropriação do sistema de
escrita pelas crianças, os quais são revelados pelas hipóteses da psicogênese. Existem
unidades linguísticas que precisam ser privilegiadas em determinados jogos, com o
objetivo de auxiliar cada criança no avanço de suas hipóteses. Entendemos, assim,
que os jogos podem propiciar o desenvolvimento da consciência fonêmica como,
também, ser apoiados em unidades linguísticas como letras, sílabas e palavras, de
acordo com o que se pretende alcançar com a criança.
O primeiro jogo – Corrida Animal – tem foco no tipo de locomoção dos animais
(voam, rastejam, andam, nadam) e na reflexão linguística das unidades: letras e
palavras. O segundo – Alfabeto dos animais – explora o tipo de cobertura do corpo
dos animais (pelos, pena, pele nua/sem cobertura, escama, carapaça) e tem duas
alternativas de trabalho na alfabetização: a primeira, para crianças que se encontram
nas hipóteses de escrita pré-silábica, silábica ou silábica-alfabética, focaliza as letras
do alfabeto e o desenvolvimento da consciência fonêmica; a segunda, para crianças
alfabéticas, explora a ortografia das palavras.
A interface entre os dois componentes curriculares se dá por meio do contato com
diversos animais que aparecem nos jogos, desde os da convivência e conhecimento
das crianças até aqueles que ampliarão o conhecimento de mundo delas.

162
Ensino por meio de jogos promotores da interface entre ciências da natureza e alfabetização inicial

CORRIDA ANIMAL

Objetivos

• Identificar o(os) tipo(s) de locomoção do animal escolhido (andam, rastejam,


nadam e/ou voam);

• Reconhecer e nomear as letras do alfabeto;

• Relacionar grafemas (letras) com fonemas (sons das letras).

Materiais

• Tabuleiro9 impresso com imagens reais de animais10 e as letras do alfabeto em


ordem alfabética;

• 4 pinos de cores diferentes (neste caso podem ser usados objetos pequenos
como apontador e borracha ou tampinhas de garrafas de cores diferentes para
identificar cada jogador em sua posição);

• 1 dado.

9
Podemos compartilhar o tabuleiro da Corrida Animal e as imagens dos animais do Alfabeto dos Animais por
e-mail.
10
As imagens dos dois jogos apresentados foram retiradas dos sites: https://pixabay.com/ e https://freeimages.
com/.

163
Luciane Manera Magalhães, Letícia Goulart Pimentel

Participantes

• 4 jogadores ou dois trios11, para cada tabuleiro impresso;

• 1 juiz.

Regras

• O juiz sorteia o dado para definir a ordem dos jogadores;

• Cada jogador (ou trio) escolhe seu pino;

• O jogo inicia com os pinos fora do tabuleiro;

• O primeiro jogador (ou trio) lança o dado e anda as casas indicadas pelo
número sorteado;

• Ao parar na casa, o jogador deve dizer: o nome da letra (ex: essa é a letra “C”)
e, em seguida, o nome de um animal que contenha a mesma letra inicial em
que o pino parou, por último, deve dizer o(s) tipo(s) de locomoção do referido
animal (ex: “C” de cobra, a cobra rasteja). No caso de se jogar em trios, pode-
se solicitar a cada participante e resposta de uma questão (podendo solicitar
ajuda aos colegas do grupo);

• Se o jogador (ou trio) não souber responder as três perguntas ele volta à casa
em que estava naquela jogada;

• Caso um jogador (ou trio) caia em uma letra já sorteada ele teve sorte e pode
repetir o nome de um animal já dito no jogo ou dizer outro;

• Quando o jogador (ou trio) sortear a casa “perde uma rodada”, ele passa a vez
para o próximo jogador;

• Ganha quem completar a volta completa primeiro.

11
A quantidade de participantes pode variar de acordo com o tamanho da turma. Pensamos em grupos de
5 ou 7 participantes (4 jogadores e 1 juiz ou dois trios e 1 juiz) de forma a termos impressos entre quatro
e cinco tabuleiros caso toda a turma vá jogar o mesmo jogo no mesmo horário, mas é muito interessante
quando a dinâmica da sala de aula permite que o(a) professor(a) trabalhe diferentes jogos ao mesmo
tempo, um para cada grupo. Ao trabalhar diferentes jogos no mesmo horário o(a) professor(a) pode planejar
intervenções de acordo com os níveis de aprendizado das crianças e não precisa ter várias cópias de um
mesmo jogo.

164
Ensino por meio de jogos promotores da interface entre ciências da natureza e alfabetização inicial

• Obs.: pode-se optar também pela classificação dos ganhadores: o jogador ‘X’
ganhou em 1º lugar; o jogador ‘Y’ em 2º lugar, de forma que ao final todos
ganham.

ALFABETO DOS ANIMAIS

Materiais

• Um pote reaproveitável para guardar as tampinhas com as imagens12 dos


animais;

• 22 tampinhas com imagens reais de animais (uma para cada letra do alfabeto,
com exceção do K, Y, W e X);

• Um gabarito com as imagens, nomes dos animais e o tipo de cobertura do


corpo.

Opção 1: para crianças em fase inicial de alfabetização (PS;S e SA)

Objetivos

• Reconhecer os nomes dos animais que figuram no jogo;

• Identificar uma característica externa do animal sorteado;

12
As imagens são impressas em papel fotográfico adesivo e protegidas com fita adesiva transparente.

165
Luciane Manera Magalhães, Letícia Goulart Pimentel

• Nomear as letras do alfabeto;

• Desenvolver a consciência fonêmica.

Regras

• Cada criança, de uma vez, retira uma tampinha do pote, olha o animal, diz
seu nome e com qual letra inicia. Em seguida, a criança deve dizer uma
característica externa do animal sorteado. Cada resposta correta vale 5
pontos.

• Vence o jogo a criança ou grupo que somar mais pontos ao final do jogo.

• Variação: Pode-se solicitar que a criança vá até o alfabeto da turma e indique


a letra correspondente ao nome do animal. Em seguida, a criança desenha
o animal no caderno ou em outro suporte conveniente13 com a atividade e
escreve o nome do animal e a letra inicial.

Opção 2: para crianças alfabéticas

Objetivos

• Identificar a cobertura do corpo dos animais (pelos, penas, pele nua/sem


cobertura, escama);

• Reconhecer que os animais podem ter coberturas do corpo diferenciadas;

• Consolidar a ortografia.

Regras

• em grupos de 3, cada criança retira uma tampinha, diz o nome do animal


e o tipo de cobertura de seu corpo. Em seguida, anota as duas palavras

13
Esse suporte pode ser um livrinho com coleção de animais preferidos ou animais estudados e por isso
conhecidos, de acordo com os objetivos propostos para o momento.

166
Ensino por meio de jogos promotores da interface entre ciências da natureza e alfabetização inicial

em um papel de rascunho. No total, cada criança vai retirar 7 tampinhas.


Quando todas terminarem, vão conferir a escrita no gabarito. Quem acertar
mais palavras é o vencedor. (Pode-se solicitar que as crianças mais avançadas
utilizem letra cursiva).

Considerações finais

O propósito do presente trabalho foi o de fornecer aos(às) professores(as) e


estudantes da área da educação um material que concilie a alfabetização inicial de
crianças com os conhecimentos relativos às Ciências da Natureza. O uso dos jogos
como auxiliadores no processo de aprendizado é extremamente relevante, sobretudo,
no mundo atual, em que a escola nem sempre consegue despertar o interesse dos(as)
alunos(as) para o aprendizado.
Entendemos que a criança é um ser lúdico por natureza e, por isso, mesmo
interessa-se por atividades que envolvem tanto a brincadeira quanto o jogo.
Ainda temos presenciado muitas salas de aula em que a cópia exacerbada de
atividades do quadro e o uso de metodologias mecanicistas que afastam a criança do
desejo de aprender, são uma rotina diária; por isso insistimos em buscar alternativas
pedagógicas e divulgá-las entre os(as) professores(as) e demais interessados(as)
nessa questão.
Destacamos que os jogos são aliados do(a) professor(a) para enriquecer sua
prática, despertar o interesse dos(as) alunos(as) e contribuir com a melhoria da
educação. Os jogos auxiliam no aprendizado, mas certamente não realizam o processo
sozinhos.
Entendemos que o jogo não entra em sala de aula para ocupar lacunas, mas para
complementar um trabalho planejado e sistemático.
Saber identificar em que níveis de conhecimento a criança se encontra e ter
clareza sobre o que ela vai aprender com cada jogo é fundamental para que esse
recurso didático cumpra sua função em ambiente escolar.
Finalmente, acreditamos que aprender com significado/sentido é direito de todos.
Por isso defendemos um ensino menos mecanizado e mais prazeroso, tanto para
professores(as) quanto para alunos(as).

167
Luciane Manera Magalhães, Letícia Goulart Pimentel

Referências

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017. Disponível em:
<http://basenacionalcomum.mec.gov.br>. Acesso em: 08 set. 2018.

EIRAS, Wagner; MENEZES, Paulo; FLÔR, Cristhiane Cunha. Brinquedos e Brincadeiras


na Educação em Ciências: Um Olhar para a Literatura da Área no Período de 1997 a
2017. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, n. 18, v. 1, p. 179-
203, 2018.

FERREIRO, Emilia; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Trad. Diana


Myriam Lichtenstein, Liana Di Marco e Mário Corso. Poro Alegre: Artes Médicas Sul,
1999.

KISHIMOTO, Tizuco Morchida. O jogo e a Educação infantil. São Paulo. Editora


Pioneira, 1994.

______ Jogo, brinquedo, brincadeira na educação. 2ed. São Paulo: Cortez, 1997.

LEÃO, Nara. Little Boxes. Álbum Coisas do mundo, 1969. Disponível em: < https://
www.youtube.com/watch?v=1fbQhGvRVnY>. Acesso em: 28 set. 2019.

SOARES, Magda. Alfabetização: a questão dos métodos. São Paulo: Contexto, 2016.

168
Que educação os anos iniciais têm a ensinar ao campo
da matemática?

Deniele Pereira Batista

Introdução

Este texto, fruto da conferência de abertura do III Encontro de Práticas em


Ciências e Matemática nos Anos Iniciais (CIMAI), realizada no dia 22 de junho de
2018, é constituído a partir de uma trança entre os estudos que realizo no campo
da educação matemática e a minha prática pedagógica como professora dos anos
iniciais que, cotidianamente, é desafiada a encontrar caminhos para fazer aprender
matemática estudantes do 4º ano do ensino fundamental.
Tanto professores formados como futuros professores encontram no CIMAI um
espaço convidativo para a reflexão acerca da atuação docente no campo educacional.
Falar de Educação, de Ciências e de Matemática implica pensar no papel do educador
ou do futuro educador. Por esse motivo, inicio este texto apresentando uma visão
geral sobre o que é ser professor: qual o seu papel? Qual a especificidade da profissão
docente? O que a distingue das demais profissões? Quais aspectos dificultam a
clarificação da especificidade do conhecimento profissional docente? Trata-se de
questões que abrem caminho para a reflexão associada à prática pedagógica nos anos
iniciais do ensino fundamental e suas contribuições para o campo da matemática.

Um pouco sobre a profissionalização docente

Nas últimas décadas, temos assistido o movimento de profissionalização docente,


Deniele Pereira Batista

cujo objetivo se resume, em linhas gerais, a conseguir implantar características


próprias ao ensino e à formação de professores. Como sugere Tardif (2000), trata-
se da tentativa de reformular e renovar os fundamentos epistemológicos do ofício de
professor e da formação para o magistério. Os esforços se concentram no sentido
de construir um repertório de conhecimentos específicos ao ensino, como uma forma
de distinguir a profissão docente (TARDIF, 2000, ROLDÃO, 2007, LESSARD, 2009,
SHULMAN, 1987).
Sabe-se, contudo, que o processo de profissionalização docente é marcado por
tensões e contradições. Segundo Nóvoa (1995, p. 21), “a afirmação profissional dos
professores é um percurso repleto de lutas e de conflitos, de hesitações e de recuos”.
Tal contexto, de certa forma, é motivado por um cenário macro que aponta para a
crise do profissionalismo como um fenômeno que afeta várias profissões, inclusive
aquelas consideradas bem consolidadas como a medicina, o direito e a engenharia.
As profissões que construíram um estatuto profissional próprio são distinguidas por
possuírem um corpo próprio de saberes, que é partilhado, produzido e divulgado
pelo grupo, legitimando, assim, o exercício de dada função profissional. Todavia, no
caso dos professores, esse processo tem sido marcado por fatores que engendram
dificuldades, a ponto de o conhecimento profissional docente representar um ponto
frágil da profissão.
Nessa direção, Tardif (2000, p. 9) afirma que “a crise a respeito do valor dos
saberes profissionais, das formações profissionais, da ética profissional e da confiança
do público nas profissões e nos profissionais constitui o pano de fundo do movimento
de profissionalização do ensino e da formação para o magistério”.
É, portanto, sem perder de vista as tensões que atravessam tal processo, que
alguns autores se debruçam sobre o tema na tentativa de apresentar possíveis caminhos
para a afirmação da profissionalidade dos docentes, de modo a clarificar o que, de fato,
constitui o ofício do professor: qual a especificidade de sua atividade? O que é próprio
de sua profissão? O que o distingue de outros profissionais? Diversos autores trazem
contribuições nessa seara, cada qual apresentando perspectivas específicas. Neste
texto, privilegio estudos de Tardif, Roldão e Shulman, especialmente por considerarem
o conhecimento profissional docente como fator decisivo da distinção profissional.
Tardif (2000) dá centralidade à epistemologia da prática profissional, ao
considerar a sua importância no processo de renovar ou definir os fundamentos da

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Que educação os anos iniciais têm a ensinar ao campo da matemática?

profissão docente. A ideia é examinar a natureza dos fundamentos epistemológicos


do ofício de professor para que se possa, a partir dela, extrair elementos que
permitam refletir, repensar e redirecionar as práticas dos professores. Essa ênfase na
prática está sustentada, em grande medida, na passagem da dissolução das teorias
metafísicas do conhecimento à ascensão do positivismo, na qual a epistemologia
passa, progressivamente, de teoria do conhecimento à teoria da ciência, mais es­
pecificamente das ciências empíricas da natureza. Ou seja, desde a segunda metade
do século passado a autonomia das ciências e da racionalidade científica vem sendo
questionada, tempo em que saberes mobilizados e produzidos em contextos sociais e
culturais passam a ser reivindicados.

Desde a década de 1960, pode-se dizer que assistimos a um certo esfacelamento


do campo tradicional da epistemologia (as ciências psicomatemáticas) e sua
abertura a diferentes “objetos epistêmicos”, especialmente o estudo dos saberes
cotidianos, do senso comum, dos jogos de linguagem e dos sistemas de ação
por meio dos quais a realidade social e individual é constituída. O conhecimento
dos profissionais (médicos, psicólogos, trabalhadores sociais, professores etc.)
faz parte desses objetos epistemológicos, e é nesse âmbito que nos situamos.
(TARDIF, 2000, p. 10)

É neste contexto que o autor propõe a epistemologia da prática profissional, uma


espécie de parâmetro que permite revelar os saberes (conhecimentos, competências,
habilidades e atitudes) utilizados pelos profissionais para desempenhar as tarefas no
exercício cotidiano de sua profissão. Com efeito, compreender como esses saberes
são incorporados, produzidos, utilizados e transformados concretamente na prática
dos professores. Mais ainda, conhecer a natureza desses saberes e o seu papel no
processo identitário profissional do professor. Daí decorre um entendimento caro para
Tardif (2000), de que os saberes profissionais estão encravados na prática, cujo
sentido se estabelece vinculado às situações de trabalho, pois é neste contexto que
são construídos, modelados e utilizados de maneira significativa pelos profissionais.
“O trabalho não é primeiro um objeto que se olha, mas uma atividade que se faz, e é
realizando-a que os saberes são mobilizados e construídos” (TARDIF, 2000, p. 10).
Tal entendimento gera algumas consequências, dentre elas o distanciamento
entre os saberes profissionais e os conhecimentos acadêmicos. Essa distância provoca

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Deniele Pereira Batista

(ou deveria provocar) um repensar sobre a formação teórica em sua articulação com
os contextos concretos de atuação dos profissionais. Além disso, provoca (ou deveria)
uma mudança de paradigma nas pesquisas sobre os saberes profissionais docentes,
tempo em que passa a assumir o local de trabalho dos professores como instância
crucial para se conhecer de fato o que fazem, como fazem, por que fazem.
A epistemologia da prática profissional sustenta que é preciso analisar o conjunto
dos saberes mobilizados e utilizados pelos professores em suas tarefas (TARDIF,
2000), compreendendo que esse conjunto não abarca apenas os conhecimentos da
matéria ensinada e os conhecimentos pedagógicos a elas vinculados. Tardif (2000)
identifica e define os diferentes saberes presentes na prática do professor, e afirma
que ele tende a hierarquizá-los em função de sua utilidade no ensino: “Quanto menos
utilizável no trabalho é um saber, menos valor profissional parece ter. Nessa ótica, os
saberes oriundos da experiência de trabalho cotidiana parecem constituir o alicerce da
prática e da competência profissionais” (TARDIF, 2011, p. 21).
Roldão (2007), embora esclareça que o conhecimento profissional docente é uma
construção histórico-social, parte do pressuposto de que a ação de ensinar constitui-se
a característica distintiva do professor, relativamente permanente ao longo do tempo.
No que concerne à representação do conceito de ensinar, a autora, sem desconsiderar
a tensão que dela imana, adota a compreensão relacionada ao “fazer aprender alguma
coisa a alguém” (ROLDÃO, 2007, p. 94), considerada uma leitura mais alargada e
pedagógica, atrelada a um campo vasto de saberes. Parte do entendimento de que a
função de ensinar já não é hoje definida pela transmissão de saber, mas, sobretudo,
caracterizada pela dupla transitividade e pelo lugar de mediação (características essas
imprescindíveis para que essa função de ensinar se estabeleça vinculada a fazer
aprender alguma coisa a alguém). É com essa proposição conceitual que a autora
avança na tentativa de clarificar o complexo processo de profissionalização docente.

Exige-se, na interpretação de ensinar como fazer aprender alguma coisa a


alguém, a equilibração inteligente, por parte do profissional, do saber conteudinal
que ensina ou que subjaz à sua ação – e que tem de dominar profundamente,
desde os primeiríssimos níveis de educação e ensino – e do modo como o usa
e mobiliza para construir a sua apropriação pelos alunos. (ROLDÃO, 2005, p.
117, grifo meu)

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Que educação os anos iniciais têm a ensinar ao campo da matemática?

A autora alerta para o fato de existir uma estreita ligação entre a natureza da
função e o tipo de conhecimento específico que se reconhece como necessário para
exercê-la. Para ela, tanto a função (de ensinar) como o conhecimento profissional são
mutuamente contaminados.

Por um lado, por uma tendência para a difusão envolvida de uma discursividade
humanista abrangente, que não permite aprofundar a especificidade da função
nem do saber; por outro lado, e no extremo oposto, por uma orientação para a
especificação operativa, associada à redução do ensino a ações práticas que se
esgotam na sua realização, em que o saber é mínimo e a reflexão dispensável,
e que acabam traduzindo-se numa tecnicização da atividade. (ROLDÃO, 2007,
p. 97)

Os vários sentidos associados ao conceito de ensinar resultaram em entendimentos


confusos e oscilantes sobre a função de ensinar, ora se aproximando da indefinição,
ora da tecnicização, fato que resultou em fortes implicações para o desenvolvimento
profissional dos professores. Aliado a esse aspecto, outro fator que dificulta a
clarificação da especificidade do conhecimento profissional docente é a “preexistência
histórica da ação de ensinar ante a formalização da formação para ensinar, que vem a
articular os corpos de saber necessários à formação de alguém que ensina” (ROLDÃO,
2007, p. 97). Dessa forma, torna-se extremamente complexa a “conversão de um
campo de prática profissional num campo de conhecimento” (MONTERO, 2005 apud
ROLDÃO, 2007, p. 97). Ou seja, antes mesmo de se produzir conhecimentos sobre o
ato de ensinar, este já era praticado, o que, de certa forma, naturaliza a ideia de que
ensinar é algo relativamente fácil e que pode ser feito por “qualquer pessoa”.
Sobre esse assunto, cabe a afirmação de que “ensinar é um trabalho enormemente
difícil, que parece fácil” (LABAREE, 2004 apud LÜDKE; BOING, 2012, p. 431).
Nesse sentido, o autor chama atenção para a necessidade de se observar o que os
professores fazem como uma forma de se conhecer o elevado valor de seus saberes
e denuncia: “O engano que os críticos têm feito é tomar-nos pela nossa palavra ao
invés de nos observar em ação, ouvindo a fala dos professores sobre sua prática, ao
invés de observar o que eles fazem nas salas de aula” (LABAREE, 2004 apud LÜDKE;
BOING, 2012, p. 436).

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Deniele Pereira Batista

Segundo Roldão (2007), esse quadro de praticidade, imanada na profissão


docente, quando não questionada e/ou teorizada, impede a transformação da atividade
em ação profissional; no entanto, a progressiva teorização da ação faz gerar novos
corpos de conhecimento que passam a subsidiar a forma de agir dos profissionais.
Em suma, Roldão defende a valorização da dimensão analítica e teorizada da ação
de ensinar por parte do professor, como forma de reforçar a profissionalidade dos
docentes.
Para pensar a especificidade da profissão docente, Shulman (1987) sugere a base
de conhecimento para a docência, que distingue alguns tipos de conhecimento presentes
no desenvolvimento cognitivo do professor: conhecimento sobre a matéria ensinada;
conhecimento curricular; conhecimento pedagógico da matéria; conhecimento dos
alunos e de suas características; conhecimento dos contextos educacionais.
Shulman (1987), ao abordar esses tipos de conhecimento, afirma que o domínio do
conhecimento sobre a matéria ensinada, embora não seja suficiente, é imprescindível
para que o professor tenha condições de mediar os conhecimentos historicamente
produzidos e os conhecimentos escolares, de forma que os alunos possam, de fato,
apropriar-se deles. Entretanto, para além dessa importância, dentre os conhecimentos
que compõem a base para a docência, o autor admite que o conhecimento pedagógico
da matéria figura como o de maior repercussão, visto ser específico da docência e
construído pelos professores a partir de sua prática.

[...] o conhecimento pedagógico do conteúdo é de especial interesse, porque


identifica os distintos corpos de conhecimento necessários para ensinar. Ele
representa a combinação de conteúdo e pedagogia no entendimento de como
tópicos específicos, problemas ou questões são organizados, representados e
adaptados para os diversos interesses e aptidões dos alunos, e apresentados
no processo educacional em sala de aula. (SHULMAN, 1987, p. 12, tradução
minha)

Esse tipo de conhecimento não se limita ao conhecimento da matéria nem


tampouco ao aspecto pedagógico do ensino da matéria, mas implica, acima de tudo,
a construção de um novo conhecimento que dá ao professor a competência para
ensinar. E como se dá esse processo? Tal conhecimento é construído e reconstruído

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Que educação os anos iniciais têm a ensinar ao campo da matemática?

pelos professores durante a sua vida profissional, em estreita relação com a teoria
e a prática, ou melhor, em estreita relação com a sua práxis pedagógica, a partir de
situações que o levem a construir um novo conhecimento capaz de transformar o
conteúdo a ser ensinado em conteúdo a ser aprendido.
Como se vê, ao esquadrinharem as especificidades do trabalho do professor, os
autores centram suas perspectivas na prática, apresentando as forças e as fraquezas
desse entendimento sobre a profissão docente. Para além disso, é possível perceber
que existe um ponto de convergência: a ação de ensinar. Na perspectiva dos autores
aqui analisados, a ação de ensinar é considerada própria do professor.
Com efeito, importa sinalizar que a formação de professores fará sentido aos
professores e aos futuros professores quando pensada a partir de seu trabalho,
quando refletida criticamente sobre o chão da escola. Em outras palavras, o esforço
deve concentrar-se na tentativa de pensar a formação docente a partir do trabalho
real efetivado pelos professores (LÜDKE; BOING, 2012), na busca por uma formação
cujo movimento seja de “dentro para fora” (NÓVOA, 2009).
Transpondo esse cenário teórico para o chão da escola, é possível pensar
em caminhos, de preferência caminhos efetivos, para fazer aprender matemática
estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental. Dessa forma, a partir da minha
experiência como professora dos anos iniciais, apresento algumas reflexões sobre o
trabalho pedagógico com a matemática. Essas reflexões apontam, a meu ver, para
contribuições que o magistério dos anos iniciais pode oferecer à educação básica, no
campo educacional da matemática.

O professor, sua prática e seu compromisso de fazer aprender alguma


coisa a alguém

Em estudo (BATISTA, 2017) que focalizou o processo de formação docente de


professoras dos anos iniciais do ensino fundamental, questões relacionadas à prática
pedagógica dessas professoras e ao dia a dia na sala de aula, não apenas permearam
as suas reflexões, mas apareceram com força e relevância. É na relação com os
alunos, no enfrentamento de situações desafiadoras e na tarefa de fazer aprender

175
Deniele Pereira Batista

alguma coisa a alguém que as professoras dos anos iniciais do ensino fundamental
desenvolvem-se e aprimoram os seus conhecimentos; alguns adquiridos em seus
cursos de formação, outros em suas buscas individuais. Nesse contexto, verificou-
se no material empírico uma variedade de depoimentos que apontam para o valor
que as professoras atribuem à prática que exercem no “chão da escola” como parte
importante de suas profissionalidades. Em linhas gerais, essas são as características
destacadas da prática pedagógica das professoras entrevistadas: a) processual, pois
se apresenta para o professor como inacabada e inconclusa, necessitando ser (re)
construída a cada dia; b) pragmática, porque o processo de aprender a ensinar ou
de ensinar a aprender se dá a partir das próprias ações praticadas pelo professor; c)
provocadora, pois suscita no professor a necessidade de refletir sobre, durante e após
as suas ações; d) articulada, pois é moldada de forma indissociável às situações e aos
sujeitos nela operantes; e) edificadora, porque muito daquilo do que proporciona ajuda
a elevar o potencial humano e profissional do professor (BATISTA, 2017).
A imagem que se pode depreender desse quadro é a de superação da “pedagogia
da certeza” (JAPIASSU, 1983), pela impossibilidade de o professor alimentar a ilusão
do porto seguro, das evidências enganosas e da quimera das teorias certas. Ao
contrário disso, as professoras sinalizam que suas práticas se alinham muito mais
com a “pedagogia da incerteza” (JAPIASSU, 1983), por reconhecerem que é no
enfrentamento das incertezas do dia a dia que conseguem, de fato, apreender questões
relacionadas à docência.
A lida diária em uma sala de aula de ensino fundamental, na tarefa cotidiana de
fazer aprender estudantes que se encontram no início do processo de escolarização,
é desafiante. Esse desafio propicia o desenvolvimento de inúmeras aprendizagens
docentes àquele que quer, de fato, desenvolver-se na/pela profissão. É assim que me
enxergo em minha prática pedagógica: como uma educadora-matemática que vai se
constituindo aos poucos.
Atuando no magistério há quase trinta anos, sendo os nove últimos no ensino de
matemática do 4º ano do ensino fundamental, sinto-me cotidianamente desafiada a
encontrar caminhos para a realização do trabalho pedagógico em sala de aula. Busco
coerência para minhas ações, preferencialmente embasando-as em teorias subjacentes
para desvinculá-las de ações espontaneístas. Em resumo, posso afirmar que a forma
como desenvolvo o trabalho docente está alinhada com o seguinte pensamento

176
Que educação os anos iniciais têm a ensinar ao campo da matemática?

de Roldão (2007, p. 102): “Aprende-se e exerce-se na prática, mas numa prática


informada, alimentada por velho e novo conhecimento formal, investigada e discutida
com os pares”.

Que contribuições o trabalho pedagógico nos anos iniciais pode


oferecer à matemática?

A prática pedagógica aliada a estudos no campo da educação matemática permite


ao professor compreender melhor o seu papel, bem como identificar elementos que
sirvam como fontes válidas para se pensar o ensino e a aprendizagem da matemática
nos anos iniciais. Com base nessa premissa, descrevo, na sequência do texto, alguns
“achados” de minha prática pedagógica que, articulados com a teoria, podem, em
alguma medida, representar contribuições para a difícil tarefa de fazer aprender
matemática.

Afetividade e humanismo

Sabe-se que a maioria das crianças não consegue compreender o verdadeiro


significado dos conceitos matemáticos. Por quê? Uma das possíveis respostas para
essa pergunta está situada na visão que se tem da matemática. Na maioria das vezes,
os conceitos matemáticos são apresentados prontos, fechados, como um conjunto
de regras e técnicas (como uma espécie de caixa preta a ser desvendada). Com
essa visão sobre a matemática, o gosto da criança pela aprendizagem e o seu bom
desempenho ficam comprometidos.
Acresce-se a isso a condição em que muitas crianças chegam à escola em relação
à sua falta de habilidade com a matemática, muitas vezes reforçada pelo discurso dos
pais (“Fulaninho não é bom em matemática”; “Ele não gosta de matemática; eu também
nunca gostei”). O reconhecimento de que “minha ciência e meu conhecimento estão
subordinados ao meu humanismo [...]. O aluno é mais importante que programas e
conteúdos” (D’AMBRÓSIO, 2005, p. 107), nos ajuda a realizar nossa principal tarefa
como educadores: fazer aprender.

177
Deniele Pereira Batista

Esse quadro pode ser melhorado se, como professores, encontrarmos ex­
plicações corretas do ponto de vista da matemática, mas que sejam compreendidas
pelos estudantes. O conhecimento que o professor possui não pode ser “passado
diretamente” para os seus alunos. Eis um dos grandes desafios do professor:
“Desmontar” o conhecimento matemático e torná-lo acessível para a compreensão
de seus alunos, tal como defende Shulman (1987). Quando assume essa condição, o
professor revela a sua consciência sobre a humanidade da matemática. E, quando isso
ocorre, parece que a visão que se tem da matemática mudou, melhorou.

Problematização

Não há nada mais básico para o desenvolvimento intelectual de uma criança do


que a habilidade de resolver problemas (CARVALHO; SZTAJN, 1997). De acordo com
essa assertiva, investir no trabalho com problemas que se aproximam da realidade
infantil é um caminho para estimular argumentações e interações, proporcionando a
possibilidade de pensar em estratégias de cálculo para a resolução do problema que lhe
é apresentado. Além disso, o uso de problematização na matemática propicia um clima
de aprendizagem em que conceitos e operações fazem sentido. A problematização de
situações extraídas da realidade, apoiada em um contexto matemático que envolva
alguns domínios de conhecimentos, como algébrico, geométrico e numérico, possui
elevado valor formativo para crianças que se encontram no início do processo da
aprendizagem matemática.
Outro aspecto desenvolvido a partir da exploração da resolução de problemas
nas aulas de matemática é dar autoria às crianças na elaboração dos problemas, da
resolução e das respostas. Pela possibilidade dada à criança de aplicar conceitos e
operações de forma mais livre, esse processo vai ao encontro de pressupostos da
Pedagogia da Autoria que, de acordo com Neves (2005, p. 21), “busca concretizar
desafios lançados por Paulo Freire, Vigotsky, Piaget, Morin e outros educadores que
põem em relevo a complexidade e totalidade do ser humano e sua capacidade de
construir significados e de gerar projetos e conhecimentos socialmente relevantes”.

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Que educação os anos iniciais têm a ensinar ao campo da matemática?

Comunicação

Dar espaço para a comunicação em sala de aula é dar aos estudantes a possibilidade
de organizar e explorar pensamentos e ideias. Sabe-se que a compreensão de qualquer
conceito matemático está relacionada à comunicação eficiente desse conceito.
Inclusive, é a partir da comunicação que o professor poderá fazer intervenções
eficazes em relação à aprendizagem de seus alunos. Destaque-se, aqui, a importância
da oralidade nas aulas de matemática. Nesse processo, o erro pode ser valorizado
como importante etapa da aprendizagem.
A comunicação também pode ser estabelecida com outros campos do
conhecimento, a partir de atividades integradas a outros temas (apresentar os avanços
científicos, os problemas de hoje e os interesses das crianças). Nesse contexto, a
realização de projetos representa um caminho viável e promissor.

Contextualização

Como vimos, para caminharmos no sentido da humanização dessa ciência, é


necessário nos afastarmos da visão de uma matemática pronta e acabada. Mostrar
o seu dinamismo e a sua presença em nosso dia a dia e nas várias atividades que
realizamos é algo que propicia às crianças um contato mais próximo com a matemática,
e com uma matemática “viva”.
A aprendizagem matemática tende a ganhar sentido quando parte da realidade
dos estudantes e da realidade social, política e econômica em que vivem. Nesse
contexto, os textos jornalísticos com notícias atuais sobre a região local em que
se encontra a turma, sobre o estado, o país ou o mundo, auxiliam sobremaneira o
professor e encorajam os estudantes. Questões ambientais (como o consumo da
água, a tragédia da Vale em Brumadinho etc.) e temas relacionados à cultura de
povos e de regiões, por exemplo, podem propiciar aprendizados matemáticos, ao
mesmo tempo em que desenvolvem conhecimentos de outras áreas. Ou seja, na
matemática, como em qualquer área, a valorização de aplicações contextualizadas é
imprescindível quando se deseja que os conteúdos escolares tenham significado para
aquele que aprende.

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Deniele Pereira Batista

Raciocínio independente

Um dos fascínios exercidos pela matemática está na promoção do raciocínio


independente e autônomo: levar as crianças a perceberem que existem muitos
caminhos para se chegar ao mesmo resultado é fascinante, tanto para quem aprende
como para quem faz a mediação dessa aprendizagem. Em sala de aula, é de encantar
qualquer professor as estratégias diversas com as quais as crianças resolvem questões
matemáticas: agrupamento, cálculo mental, cálculo por estimativa, algoritmos,
desenhos etc.
Para garantir ou propor que o raciocínio da criança seja acionado, é importante ter
atenção com a qualidade das questões que propomos a elas. Ao invés de perguntas
de confirmação, é preferível o uso de perguntas de focalização, localização, hipóteses
e inquirição. Assim, a criança é convocada a colocar o seu raciocínio em ação, de
forma criativa e independente, expressando nele a sua individualidade.

Investigação

Neste ponto, o foco é colocado sobre o professor, sua formação e seu trabalho,
que têm a investigação como um de seus pilares. Em tempos remotos, John Dewey
nos Estados Unidos da América, Anísio Teixeira no Brasil e Lowrence Stenhouse na
Inglaterra já defendiam os ideais de uma formação docente que mantivesse o labor
teórico em contato direto com as exigências da prática. Stenhouse (1984) defende
uma formação de professores centrada na investigação da própria prática pedagógica.
A matemática está em evolução permanente, sobretudo na atualidade, tempo
de tantos avanços tecnológicos. Reproduzir a prática dos professores que tivemos
durante nossa vida escolar pode nos levar a um abismo. A postura investigativa sobre
a sua prática e sobre novas práticas passa a ser função necessária ao professor: é
preciso investigar, buscar fontes para alimentar o nosso trabalho como educadores
matemáticos. Por isso a importância de os professores dos anos iniciais comunicarem
suas experiências pedagógicas, por meio de artigos, relatos de experiência, comunicação
em eventos acadêmico-científicos e em programas de formação continuada. É
necessário fazer circular as experiências docentes que acontecem no chão da escola.

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Que educação os anos iniciais têm a ensinar ao campo da matemática?

Autonomia

Como professores, para atingirmos o nível de discernimento e consciência sobre


a humanidade da matemática, é importante que também a escola repense o seu papel,
no sentido de constituir-se como “espaço de criação” para o professor. Espaço onde
o docente possa, na troca com seus pares e equipe pedagógica, comunicar suas
experiências, suas dificuldades e fazer novas experiências para atuar com autonomia
e criatividade. Nessa era de apostilamento do ensino em que vivemos (uma espécie
de retorno ao Tecnicismo), cada vez mais se torna premente que o professor conheça
profundamente para negar, como nos faz compreender Fiorentini et al. (1998, p. 319):

O saber do professor não está em saber aplicar o conhecimento teórico ou


científico, mas sim em saber negá-lo, isto é, não aplicar pura e simplesmente
este conhecimento, mas transformá-lo em saber complexo e articulado ao
contexto em que ele é trabalhado/produzido, mas, para isso, é preciso conhecê-
lo, pois só negamos algo se o conhecemos profundamente.

Os “espaços de criação” (BATISTA, 2017), que considerem o professor como


sujeito que faz experiência e que, a despeito desse fazer, tem o que dizer e necessita
dizer, podem funcionar como molas propulsoras para o desenvolvimento da autonomia
docente. As boas práticas carecem de compartilhamento com os pares, por meio de
processos de mediações e reflexõe. Sem processos desse tipo, as aprendizagens
docentes tendem a pairar num subnível, dominadas pela reprodução (irreflexiva) de
crenças e princípios (BATISTA, 2017).

Considerações finais

A intenção deste texto foi suscitar reflexões sobre o ensino de matemática nos
anos iniciais do ensino fundamental. Para isso, foi feita uma trança entre a minha
experiência docente e a literatura correlata. A prática de sala de aula teve muito o
que revelar, visto ser instância onde os meus saberes docentes são construídos,
mobilizados, transformados e aplicados.

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Deniele Pereira Batista

É na lida diária com os alunos, no enfrentamento de situações desafiadoras,


na necessidade constante de atingir objetivos de ensino e aprendizagem, de fazer
articulações entre teoria e prática que o professor dos anos iniciais do ensino
fundamental se vale dos conhecimentos de que dispõe para desenvolver e aprimorar
conhecimentos outros necessários ao exercício docente (BATISTA, 2017). Ou seja, o
desenvolvimento profissional do professor é gradativo. Da mesma forma ocorre com o
educador matemático, que cotidianamente encara os desafios impostos pelo campo,
lança um olhar atento e crítico à sua ação pedagógica e a ações pedagógicas de seus
pares para, gradativamente, ir se constituindo educador matemático.
Por fim, importa dizer que os elementos apontados no texto sobre as possíveis
contribuições que o trabalho pedagógico nos anos iniciais da matemática oferece ao
campo da matemática são frutos, principalmente, das observações que faço sobre o
trabalho que desenvolvo na escola com as crianças de 4º ano. Portanto, expressam
aquilo que considero ter se destacado no meu processo de produção de saberes
docentes para ensinar matemática. É possível, contudo, que novas leituras remetam
para outros elementos. O importante é que, como professora do primeiro segmento do
ensino fundamental, estou tendo a oportunidade de comunicar as minhas experiências
neste texto.

Referências

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STENHOUSE, Lowrence. Investigación y desarrollo del curriculum. Madrid: Morata,


1984.

TARDIF, Maurice. Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários:


elementos para uma epistemologia da prática profissional dos professores e suas
consequências em relação à formação para o magistério. Revista Brasileira de
Educação, Rio de Janeiro, n. 13, p. 5-24, jan./fev./mar./abr. 2000.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 12. ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2011.

183
Narrativas sobre aprender e ensinar ciências: pausa
para uma conversa!

Cristhiane Carneiro Cunha Flôr


Leonardo Alves do Valle

Que ideia é essa? De onde partimos para escrever nosso capítulo...

Quando um dos organizadores do livro “Práticas em Ciências e Matemática


nos anos iniciais”, o professor Guilherme Trópia, fez o convite para a escrita de um
capítulo, vi nele uma possibilidade criativa. Surgiu para mim, Cris, como uma das
convidadas, a seguinte questão: e se propuséssemos um capítulo totalmente autoral?
E se escrevêssemos unicamente a partir de nossas próprias experiências e elaborações
teóricas? Essa possibilidade foi inspirada no livro “Fomos maus alunos”, de Gilberto
Dimenstein e Rubem Alves. Segundo Gilberto Dimenstein, ele fez a seguinte proposta
ao amigo, professor e escritor: “Rubem, por que não nos reunimos para conversar
informalmente sobre nossa experiência escolar? Gravamos a conversa e ela poderá se
transformar em um livro”1! Considero essa proposta e o livro que deriva dela, geniais.
Também Umberto Eco e Jean-Claude Carriére, em seu “Não contem com o fim do
livro2”, escreveram um livro que decorre de uma conversa entre os autores, desta
vez, mediada por um jornalista. A ideia, de publicar uma conversa, não é original, mas
tem um quê de transgressora, principalmente diante de nossa academia, tão formal
e baseada em modelos. Há muito que tenho esses questionamentos comigo, desde

1
Dimenstein, Gilberto; Alves, Rubem. Fomos maus alunos. Campinas, São Paulo: Papirus 7 Mares, 2008.
P. 10.
2
Eco, Umberto; Carriére, Jean-Claude. Não contem com o fim do livro. Tradução: André Telles. Rio de
Janeiro: Record, 2010.
Narrativas sobre aprender e ensinar ciências: pausa para uma conversa!

que terminei meu doutorado, faz dez anos: quando poderei escrever sobre tudo o que
tenho aprendido com meus estudos e minha prática? Essa é uma questão que penso
ser urgente atualmente, a de valorizar e trazer à tona os conhecimentos produzidos
em nossas práticas como professores, como ensinantes/aprendentes e seres humanos
no mundo! Porque os ombros dos gigantes também têm seus limites, nos permitem
olhar longe, distante, mas o que é próximo, familiar, pequeno e realmente importante,
dada sua proximidade, fica relegado muitas vezes ao esquecimento. Diante dessa
oportunidade, pensei em escrever um capítulo que contivesse uma conversa sobre
práticas e aprendizados sobre ser professor e ensinar ciências. Precisava então de
um interlocutor que tivesse também ele a vontade e coragem de escrever sobre seus
aprendizados, suas histórias de ensinante/aprendente, que quisesse contar suas
histórias. E logo me surgiu a ideia de convidar Leo, este admirável professor cientista
que conta histórias. O texto que se segue é composto, então, por essa prazerosa e
instigante conversa que tivemos sobre nossas vivências.

Nossas histórias, nossas memórias: conversando sobre narrar, contar


histórias e ensinar ciências

Cris: Me chamo Cristhiane Carneiro Cunha Flôr, geralmente Cris, ou Flor, e


sou professora de ciências e estudante em Juiz de Fora, Minas Gerais. Os títulos,
formações, interesses, habilidades, incompetências penso que surgirão ao longo
da fala, do texto. Talvez não de forma explícita, mas nas entrelinhas. De qualquer
forma, penso que sempre seremos mais que qualquer classificação ou título, portanto,
apresentar alguns é sempre eleger um ponto para ser visto. Deixo aos leitores a
curiosidade de eleger seus próprios pontos de vista. Em tempos de internet e redes
sociais, de qualquer forma, nossas histórias estão no mundo, para serem criadas! Penso
que sempre fui os dois, professora e estudante. Filha de uma professora, sobrinha de
professoras, fui aprendendo na escola, em casa e, mais tarde, nas universidades, a
profissão. E continuo aprendendo até hoje, porque, como o conhecimento é ilimitado,
seu aprendizado não conhece, ele mesmo, um fim. Participo do CIMAI, o Encontro de
Práticas em Ciências e Matemática nos Anos Iniciais desde 2016, ano de sua primeira

185
Cristhiane Carneiro Cunha Flôr, Leonardo Alves do Valle

edição, quer seja como palestrante, como organizadora ou participante dos minicursos
e rodas de conversa e as histórias de vidas de outros professores e professoras me
interessam, comovem e incentivam a buscar sempre o melhor em nossa profissão.
Com a realização do Pós-Doutorado no ano de 2019, novas formas e possibilidades
de narrar histórias de professores vieram à tona e essa é uma delas.
Leo: Meu nome é Leonardo Alves do Valle, sou contador de histórias, professor de
física e militar do exército. Dessa mistura boa surgiu o meu interesse em pensar a arte
de narrar como um meio termo, uma interseção, um elemento com possibilidades de
ater-se à produção de algo que aliasse o belo ao útil, o encantamento ao aprendizado,
às ciências naturais à educação.
Assim, sigo procurando pessoas que queiram ouvir boas histórias, estejam elas
em escolas, hospitais, orfanatos, teatros ou praças! É isso que me move e que não me
deixa enrijecer a ponto de desacreditar no amor, na amizade, na paz, no respeito, no
caráter e na alegria. Afinal, essas coisas também se fazem com uma pitada de ciência
e educação.
Atualmente, eu e minha família estamos morando na cidade de Rio Branco, no
Acre, por conta de meu trabalho. Daí, devo confessar que recebi com grata surpresa
e prazer, o inusitado convite da Cris para produzirmos esse texto sobre “leitura, arte
e ensino de ciências” utilizando um software de comunicação para estreitarmos os
quase 3.800 km que separam nossas cidades.
Espero que possamos contribuir, de algum modo, para que outras pessoas se
inspirem para compartilhar seus aprendizados e vivências na educação.

Sobre contar histórias: leitura, arte e ensino de ciências

Leo: Gostaria de começar nossa prosa contando um trecho muito conhecido


da obra de Guimarães Rosa: [...] o mais importante e bonito no mundo é isto: as
pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas — mas que elas vão
sempre mudando. Afinam ou desafinam [...]. Sabe Cris — Tenho a impressão que
estou desafinando e que agora a minha melodia está soando dissonante! Digo isso,
pois essa temporada em que me encontro afastado das salas de aula, envolvido
com as muitas missões de caserna, tenho vivido experiências riquíssimas enquanto

186
Narrativas sobre aprender e ensinar ciências: pausa para uma conversa!

compartilho minhas histórias pelos corredores e enfermarias do hospital do câncer.


Tal exercício me levou a revisitar a minha prática docente e a perceber a necessidade
de começar a promover algumas reformas naquilo que julgava estar bom. Uma delas
é possibilitar que a arte de contar histórias com toda sua poesia e encantamento
me torne mais sensível a ponto de perceber que os conhecimentos científicos que
compartilho em sala de aula, além de suas inerentes funcionalidades e utilidades,
também podem comunicar o deslumbramento, o êxtase e o mistério, que vai muito
além do dizível. Eles podem me ensinar a ver o mundo esteticamente. E quando isso
acontece, me desafino, transformo, modulo e (re)afino em outros tons, a ponto de não
mais ser capaz de partilhar a ciência distante de sua dimensão poética da existência
humana. Enfim, passar esses dias olhando a escola de longe, do lado de fora tem me
ajudado a repensar a contação de histórias, a ciência e a educação.
Cris: E talvez a escola não seja o lugar mesmo. Minha experiência como professora
mostra que quando a gente escolariza demais uma coisa, ela morre! Quando você
escolariza, põe lugar, data, período de tempo e avaliação formal, traz os elementos da
cultura escolar. Um pouco do que você fala em sua dissertação, de como foi montada
a lona de circo dentro da sala de aula. As crianças não podiam mexer na lona, nem
se movimentar pelo espaço, tinham que ficar sentadas nas carteiras. O circo tinha
sido escolarizado. Nós somos professores e temos uma vida de escola. Eu tenho 46
anos, 40 anos de escola. Então quando eu entro na escola, tudo já muda, porque
eu vou escolarizando as coisas. Vou tornando-as escolarizadas, pois aquele espaço/
tempo também constitui nossas leituras sobre o mundo e nos impele a fazer as coisas
de certa forma. Então, nesse sentido, acho que é bom não estar somente na escola
e educar em outros espaços, levar as ciências e seu ensino para outros formatos
mesmo.
Leo: Pois é, você falou agora na escola e eu me lembrei de um dos livros que
comprei quando estava no mestrado, até te presenteei com um exemplar.
Cris: Está ali, A alegria de ensinar3, do Rubem Alves, não é?
Leo: Aquele livro foi tão legal pra mim! Ele diz que nós, os professores, somos
pastores da alegria. E quando nos perguntarem o que ensinamos, teríamos que dizer:
eu ensino alegria. Na matemática, na química, na física, na literatura. Ele chama a
atenção para um detalhe: na escola, a gente esquece de ensinar com alegria!
3
Alves, Rubem. A alegria de ensinar. Campinas, SP: Papirus, 14ª Edição, 2011.

187
Cristhiane Carneiro Cunha Flôr, Leonardo Alves do Valle

Cris: Às vezes é quase proibido, não é? A alegria não faz parte da escola!
Leo: Aí faz parte dessa escolarização que você falou. Esse formato que a gente
tem, principalmente nas ciências, de falar de coisas difíceis, de coisas que estão às
vezes distantes da realidade dos alunos. Queremos passar somente informações e
esquecemos que também há outros valores importantes.
Cris: É, eu tenho lido poemas para as turmas nas quais leciono... Eu li ontem um
poema que você deve conhecer, do Manoel de Barros...
Leo: Gosto do Manoel de Barros. O pouco que eu já li me fez uma pessoa melhor!
Cris: Essa coisa do excesso... Da falta de poesia. Eu vou dizer que há uma falta
de poesia na escola, porque tem uma ideia, especialmente equivocada, de que as
ciências não comportam a criatividade e nem alegria, não é? Então tem essa ideia de
que se não for muito sério...
Leo: É outra coisa que a gente carrega da nossa formação: que se não for sisudo,
muito definitivo, não é científico.
Cris: O poema está no livro “Meu quintal é maior do que o mundo”, e diz:

O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa era a


imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrás
de casa.
Passou um homem depois e disse: Essa volta que o
rio faz por trás de sua casa se chama enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que
fazia uma volta atrás de casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.

Cris: Acho que essa é a questão da falta de poesia. Parece ser trabalho do
ensino de ciências retirar toda a poesia do mundo, até que só sobrem nomes e
definições. E depois disso, sim, ensinar. É preciso ensinar o nome, sim, mas ele não
precisa empobrecer as imagens do mundo. Pode compor com elas mais uma forma de
compreensão, contar outras histórias!
Leo: É isso mesmo! A ciência apresentada com essa dimensão estética se
potencializa para transformar ambientes, realidades. E atualmente conversando com

188
Narrativas sobre aprender e ensinar ciências: pausa para uma conversa!

os contadores de histórias, participando das oficinas, dos cursos, ouvindo pessoas


que vivem da arte de narrar, ouvi por inúmeras vezes a seguinte frase: nós temos que
contar boas histórias, e as boas histórias não têm a intenção de ensinar. Histórias que
querem ensinar alguma coisa não são boas histórias. Daí eu fiquei com a pulga atrás
da orelha: mas será mesmo?
Cris: Eu acho que o que tem a ver é a intenção, aquela voz do professor ensinador.
Não é que as histórias que são boas não querem ensinar, porque o mundo sempre nos
ensina algo. Ouvir uma história é aprender. Vejo que tem a ver com essa didatização
mesmo, sabe, torná-la didática, pronta para uma forma específica de aprendizado, e
além de tudo, conteudista. A gente pensa: deixa eu inserir um nome da ciência aqui,
deixa inserir um pouquinho de conteúdo, um conceito... Vou parar e explicar essa
parte para eles entenderem melhor... Eu acho que quando isso é proposital, quando
você cria ou conta uma história unicamente para ensinar algo “científico” acontece
o que estou chamando de escolarização. Perde. Porque perde a espontaneidade.
Você criou uma história belíssima sobre as águas para uma produção audiovisual que
fizemos num projeto para a CAPES, chamada “Uma história sobre as águas”4. Lá,
você não termina a história dizendo: estão vendo? A água evaporou! Então ela fez
um processo de evaporação e depois choveu, fazendo a condensação... A história
acaba com a chuva! Na história tem muita ciência, tem a poluição das águas, o ciclo
das águas, estados físicos..., mas você não ficou dizendo, apontando: Olha aqui é
onde a água evaporou... Eu acho que a história, ela age. E cada um vai ampliando seu
mundo a partir da história. A curiosidade sobre a evaporação, sobre a poluição, virá.
E a vontade de aprender também!
Leo: E a beleza da arte de contar histórias é que ela é uma arte muito democrática
e por conta disso, cada um, cada ouvinte, tem a possibilidade de ser coautor do texto.
Quando eu vou narrando uma história, diferente de um teatro, no qual as pessoas
aparecem já com seus figurinos, com cenário a retaguarda, com todo o ambiente
montado, na contação de histórias há a liberdade de você construir junto com o
contador a imagem de seu personagem. Porque quando eu falo, por exemplo, dessa
história da chuva, da água, cada um imagina a chuva caindo de um modo específico,
com pingos mais grossos, pingos mais finos, em um cenário diferente, e de acordo

4
Valle, Leonardo Alves do. Uma história sobre as águas. In: Águas sentidas, sentidos compartilhados.
Encarte. Disponível em: <https://educapes.capes.gov.br/handle/capes/173188>

189
Cristhiane Carneiro Cunha Flôr, Leonardo Alves do Valle

com suas leituras de mundo, não é? E por isso ela é muito democrática. E quando a
gente tira isso, tira essa possibilidade de o ouvinte ser coautor dessa história... Aí a
gente escolariza. Vamos tirando essa beleza da arte e trazendo isso para um campo
muito cartesiano, não é Cris?
Cris: Sim.
Leo: O que eu acho curioso, assim, surpreendente, é que um professor de
ciências, uma pessoa que ensina ciências, não pense que isso aconteça na cabeça
da criança ou do adolescente também. Por isso acredito que precisamos lançar mão
de todas as possibilidades que existem para tratar as competências e habilidades
propostas pelos programas curriculares, trabalhando juntamente com os conteúdos as
questões humanas como a alegria, o medo, os sentimentos, as crenças, as dúvidas e
as leituras de mundo dos alunos. Caso contrário, nossas aulas correrão o risco de se
tornarem desinteressantes e antieducativas, à medida que se afastarem da realidade,
da curiosidade e das vivências dos alunos.
Cris: Por isso que eu gosto de dar aula para crianças! Se você, no seu caminho
para a escola, pegar uma folhinha de uma árvore, uma flor, chegar na escola e disser:
– gente, vocês viram isso? Vocês viram esses risquinhos que tem na folha? Vai ter
todas as crianças ao seu redor, curiosas, prontas para aprender! A criança vai passar
a pegar as folhas, comparar com outras folhas. Vai te fazer perguntas, as quais você
pode nem saber responder! A vontade de entender o mundo é muito forte nas crianças.
As ciências da natureza se pronunciam sobre o mundo material, e as crianças são
naturalmente curiosas. Somos nós que fazemos decorar: o ser humano tem cabeça,
corpo e membros. A planta tem raiz, caule, folha, flor e fruto.
Leo: E temos muitas histórias para contar sobre e com as ciências da natureza!
Cris: Uma vez, há muito tempo atrás, uma professora dos anos iniciais do ensino
fundamental, minha conhecida, sabendo que tinha formação em química e dava aula
de ciências, pediu ajuda, pois estava ensinando sobre as partes das plantas. Aqui
eu já acho triste a abordagem, por que a planta não é mais inteira, é uma coisa de
partes, não é? Como é que você vai manter a poesia de uma flor, se ela é apenas
uma parte da planta? A dificuldade dela estava em ensinar as diferenças entre raízes
e caules, porque tem caule que cresce abaixo do solo tem raiz que cresce acima do
solo. Então eu fui fazer uma fala com as crianças. Antes de fazer a fala, eu passei
na verdureira, comprei umas batatas doces, uns rabanetes, umas batatas baroas. As

190
Narrativas sobre aprender e ensinar ciências: pausa para uma conversa!

crianças ficaram todas impressionadas, curiosas. Elas queriam pegar a batata na mão,
pegar o rabanete. Provavelmente nunca viram um rabanete. Então eu fico pensando
em como estamos formando os professores, que não lhes passa pela cabeça trazer
uma plantinha para a sala enquanto ensina sobre as plantas. Ou ir para a rua observar
plantas. O mínimo que pode ser feito ao estudar plantas com crianças do segundo
ano! Ou quando se forma professores para atuar nessa etapa da escolaridade. Mas
quantas dessas professoras, elas próprias, foram levadas a um estudo de campo
quando estudaram as plantas em sua formação inicial?
Leo: É verdade Cris, é verdade! Eu estou lembrando aqui de um tempo em que
eu também dei aula pra pré-vestibular, há alguns bons anos atrás. O professor de pré-
vestibular é um pouco estressado, porque ele tem uma gama de assuntos a serem
abordados e o tempo é reduzido. Porque são dois tempos de aula de física, e tem que
dar uma matéria extensa. Mas eu corri o risco de produzir experimentos de material
reciclado e levar para a sala de aula. Era uma sala muito grande, e eu tinha quer dar
aula com um microfone. Eram quase oitenta alunos na sala, era um salão na verdade, e
eu ficava lá na frente com o microfone, e aí, eu corria o risco. Eu preparava um único
experimento, porque tinha que ser coisa muito rápida, e levava aquele experimento
pra aula. A gente conversava durante alguns minutos mostrando, visualizando o
fenômeno, um pouco diferente daquela linguagem matemática pura que era cobrada
no vestibular daquela época. Era um período muito rico, muito precioso. Ah! Também
levava o violão e vez por outra surgiam algumas paródias com os conteúdos das
matérias! E hoje eu encontro com alguns deles que fizeram concurso militar e são
meus colegas de trabalho. Eu tive a satisfação de, aí em Juiz de Fora, encontrar com
dois desses ex-alunos.
Cris: É uma das melhores coisas de ser professor!
Leo: Sim! Sabe Cris — eles não se recordam dos cálculos de física, das fórmulas,
das questões de vestibular. Mas eles vieram falar comigo e se lembraram com alegria
das músicas que a gente cantava, dos experimentos! Eles guardaram aquilo que
foi uma experiência bacana, que trouxe alegria, satisfação, prazer em aprender. Eu
fiquei na mente deles como aquele professor que levava experimentos, que cantava e
contava histórias lá na frente do salão. Isso me deixou muito feliz! Poxa! Consegui...
Consegui colocar uma sementinha lá no coração deles, de que a ciência não é aquele
bicho papão, que até então tínhamos ouvido falar que era.

191
Cristhiane Carneiro Cunha Flôr, Leonardo Alves do Valle

Cris: Pois é! Eu tenho um amigo que fez cursinho, e ele conta que a aula mais
marcante no cursinho foi quando um professor de química, eu acho, foi falar sobre
viscosidade, e pegou alguns tubos de maionese, azeite, mostarda, vinagre, ketchup e
espirrou no quadro, mostrando as diferentes velocidades com as quais eles escorriam.
E meu amigo nunca esqueceu daquela imagem, do vinagre, da maionese, do azeite. Eu
já imagino a foto linda que daria aquela imagem no quadro! Porque eu já extrapolo, sabe?
Eu já penso fora e imagino que daria uma imagem belíssima. Porque é uma experiência
estética também! Assim como a experimentação também é uma experiência estética.
Não é só uma confirmação ou demonstração de teorias. Ver aquilo acontecendo
emociona, é artístico, estético. E quando emociona, a gente lembra.
Leo: Lembra mesmo! Falando de lembrança, alguns autores falam do esque­
cimento. Que o esquecimento é importante, e às vezes, para aprender, a gente precisa
esquecer. E agora eu me lembro de um texto, é uma história de que havia um príncipe
belíssimo, e as donzelas se apaixonavam por ele. Mas um dia uma bruxa malvada se
apaixonou por esse príncipe, e queria casar com ele, mas o príncipe negou o pedido
de casamento. Então, como punição, a bruxa olhou bem nos olhos dele e falou: —
Então, se você não se casar comigo, não se casará com mais ninguém, você vai ser
sapo! Aquelas palavras entraram na sua mente e ele aceitou que era sapo! E ele se
transformou num sapo. Quando se viu sapo, pensou que o palácio não era seu lugar
e foi para os pântanos. Lá frequentou a escola de sapos, aprendeu a cantar grosso
como um sapo, a apanhar moscas com a língua, a tirar boas notas nos saltos que
dava, e ficou famoso! O tempo foi passando e ele esqueceu que um dia fora um
príncipe, aceitando a condição de ser sapo. Até que em determinado momento alguém
lhe diz que ele é um príncipe, e não um sapo. Agora, ele tem que esquecer de que
é um sapo, para reaprender a ser príncipe. E eu acho que é esse exercício que nós,
enquanto professores, precisamos fazer. O exercício de esquecer!
Cris: Acho que a formação vai fazendo a gente ter certeza de que é sapo, não
é mesmo? Afinal, tiramos tão boas notas nas provas para ser sapo! Mas não somos
sapo. E aí, em algum momento, quer seja por uma força externa, quer seja por uma
memória muito íntima, distante, você vai lembrando: eu não sou sapo. Não sou sapo
mesmo!
Leo: Verdade Cris! O convencimento de que uma ideia abarque a verdade absoluta
pode nos levar a eliminar a possibilidade de compreensão de outros pensamentos,

192
Narrativas sobre aprender e ensinar ciências: pausa para uma conversa!

outras percepções e até mesmo outras pessoas. E na academia, algumas vezes,


somos levados a crer nisso e distraídos acabamos por murchar, endurecer antes do
tempo! Gosto de um trecho da obra do Edgar Morin5 que diz o seguinte: [...] Conhecer
e pensar não é chegar a uma verdade absolutamente certa, mas dialogar com a
incerteza [...].
Cris: Concordo com essa visão da complexidade, de que o conhecimento
é múltiplo, variado, e se faz por diferentes caminhos e abordagens. Assim como
esse nosso capítulo de livro, que se desdobra em conversa! Penso que conversamos
sobre aspectos muito importantes do ensinar ciências na atualidade! Um ensinar que
não se dá apenas nas escolas, mas ganha o mundo e rompe barreiras, mostrando
que as ciências da natureza também podem ser belas, questionadas, questionáveis!
Encerramos aqui nossa conversa, na vontade, expectativa e certeza de que continua,
entre nós dois e também com os leitores que, oferecendo a contra palavra, enriquecem
o diálogo com suas próprias visões e experiências sobre o ensino de ciências!

5 Morin, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução Eloá Jacobina –
12ª Ed. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 200

193
Prática pedagógica e formação de professores no
ensino de ciências no contexto da educação integral

Cláudia Starling
Michelle Soares
Danilo Marques

Diante dos desafios da construção e efetiva consolidação de uma política de


educação integral que priorize o protagonismo dos estudantes, bem como as práticas
pedagógicas que dialogam na perspectiva de um currículo mais flexível e multicultural,
este capítulo objetiva discutir aspectos referentes às práticas pedagógicas de uma
professora que atua no campo do ensino de Ciências, em uma escola de Educação
Integral, no ensino fundamental.
A Educação Integral (EI) e as práticas pedagógicas são temas de grande
complexidade e abrangência, que podem ser investigados sob vários aspectos, dentre
os quais podemos citar as políticas públicas, a legislação educacional, a trajetória
histórica, entre outras. Neste território, abordaremos nesta pesquisa a concepção de
Maurício (2009):

A concepção de educação integral com a qual partilhamos, que embasa a


proposta de extensão do tempo escolar diário, reconhece a pessoa como um
todo e não como um ser fragmentado, por exemplo, entre corpo e intelecto.
Entende que esta integralidade se constrói através de linguagens diversas,
em variadas atividades e circunstâncias. A criança desenvolve seus aspectos
afetivo, cognitivo, físico, social e outros conjuntamente. Não há hierarquia do
aspecto cognitivo, por exemplo, sobre o afetivo ou social. Por isso, as atividades
a que é exposta devem envolver multiplicidade de aspectos para benefício de
seu desenvolvimento (MAURÍCIO, 2009, p. 27).
Prática pedagógica e formação de professores no ensino de ciências no contexto da educação integral

Em diálogo à concepção apresentada por Maurício (2009), adotamos também as


reflexões de Guará (2009) que acrescenta a formação humana e o direito à cidadania
em sua concepção. De todo modo, a associação entre educação e desenvolvimento
integral conduz à reflexão sobre as condições que favorecem a formação humana de
crianças e adolescentes. Para isso, buscamos fundamentar as bases da educação
integral numa teoria do desenvolvimento humano que reconhece a complementaridade
entre processos e contextos de aprendizagem para um crescimento integral da criança
(GUARÁ, 2009, p. 72).
Objetivamos discutir sobre a contribuição da elaboração coletiva de uma se­
quência didática pela professora Eduarda1, que atua nos anos iniciais, trazendo a
complexidade que envolve ensinar Ciência para crianças, além de discutir sobre os
desafios da prática pedagógica e da formação em um contexto da Educação Integral,
que propiciou a abertura da escola a um currículo mais flexível com elaboração de
oficinas. Ou seja, o contexto onde a sequência didática foi desenvolvida refere-se a
um território propício para o desenvolvimento do trabalho.
Reiteramos que a Educação Integral não pode ser confundida com escola de
tempo integral, pois ela emerge numa busca para ressignificar os tempos e os espaços
escolares. Restringir a Educação Integral à ampliação do tempo escolar é, no mínimo,
um reducionismo conceitual. Reafirmamos as ideias de Moll (2009, p.18) quando
apresenta que “de nada adiantará esticar a corda do tempo: ela não redimensionará,
obrigatoriamente, esse espaço. E é, nesse contexto, que a educação integral emerge
como uma perspectiva capaz de ressignificar os tempos e os espaços escolares”.
Neste sentido, a discussão sobre o currículo vem à tona e traz muitos pontos de vista.
Várias abordagens são feitas de acordo com o posicionamento político, histórico,
social e cultural dos pesquisadores e autores que se dedicam ao estudo do tema.
Entre as abordagens frequentes neste campo, podemos destacar uma grande
preocupação referente ao “por quê” das formas de organização do conhecimento
escolar em detrimento ao “como”. Para Moreira e Silva (2005) o currículo é considerado
um artefato social e cultural. O campo do currículo não é um campo neutro, tampouco
desinteressado, antes é um espaço de disputa e de relações de poder.
Assim, a perspectiva das práticas pedagógicas, nos contextos de Educação

1
O nome adotado é fictício e corresponde à necessidade de preservar a identidade da professora que
participou da pesquisa.

195
Cláudia Starling, Michelle Soares, Danilo Marques

Integral ora pesquisados, visa romper esses paradigmas priorizando o estudante como
centro da aprendizagem. Ao indagarmos sobre os currículos, devemos refletir se os
mesmos cooperam para a construção de uma educação integral, crítica, dialógica e
democrática. Faz-se necessário aprimorar cada vez mais as práticas pedagógicas que
corroboram para a problematização, diálogo e reflexão acerca do currículo no intuito
de criarmos resistência aos modelos fragmentados e hegemônicos.
Ou seja, no que se refere ao ensino de Ciência, que é objeto desta pesquisa,
é preciso que o contexto escolar esteja em consonância com os princípios de um
ensino que não fique preso ao livro didático e aos programas institucionais, mas que
ultrapassem a barreira do “cumprir conteúdo”. Para isso, ao investigar as práticas
docentes no contexto da EI, adotamos o termo práticas pedagógicas por considerar
que, segundo Franco (2016), prática educativa e prática pedagógica não são sinônimas.
Segundo a autora:

a prática educativa pode existir sem o fundamento da prática pedagógica, existirá


de forma espontaneísta, fragmentada, às vezes até produtiva, outras vezes não.
Aquilo que transforma uma prática educativa em uma prática compromissada
(práxis), intencional, relevante, será o filtro e a ação dos saberes pedagógicos
transformados pedagogicamente em conhecimentos (FRANCO, 2016).

Neste sentido, partimos da concepção segundo a qual para a implementação


de uma Educação Integral torna-se fundamental a reflexão sobre projetos e práticas
pedagógicas dos docentes do Ensino Fundamental, bem como a consolidação das
concepções de Educação Integral presentes na escola.
Assim, destacamos que este estudo dialoga com Veiga (1992) que considera
a prática pedagógica como uma prática social orientada por objetivos, finalidades e
conhecimentos. Portanto todo o contexto socio-histórico, bem como a subjetividade
docente estão implicadas em todo o processo de ensino, não havendo possibilidade
de uma prática pedagógica descolada da prática social.
Ou seja, articulando o contexto institucional e práticas pedagógicas como uma
prática social, é possível combater paradigmas tão ainda arraigados no ensino de
ciências para crianças. Uma visão tradicional do ensino de Ciências enfatizou, ao
longo do tempo, a aprendizagem individualizada e esteve vinculado à transmissão de
informações científicas sem considerar os conhecimentos que as crianças possuem.

196
Prática pedagógica e formação de professores no ensino de ciências no contexto da educação integral

Atualmente, estudos tanto no campo da Didática quanto na Educação e Ciências


têm apontado a necessidade de repensar a forma de conceber e desenvolver os processos
de ensinar e aprender. Especificamente, o ensino esteve vinculado à transmissão
de conhecimentos científicos como exatos e rígidos, atemporais, desvinculados da
ação humana e descontextualizados historicamente. Reafirmamos que “a situação da
formação de professores no Brasil exige reflexões sobre conceito de formação, seus
objetivos e os contextos em que ela ocorre, pois tais questões estão intimamente
relacionadas a diferentes concepções pedagógicas e interesses políticos. (STARLING-
BOSCO et al, 2018).

Docência nos anos iniciais no ensino de ciências: trajetórias e desafios


na formação

Na entrevista com a professora Eduarda, que atua há 25 anos no campo da


educação ela sinaliza que

Cursei o antigo curso de magistério em que as disciplinas tinham especificamente


o caráter de didática, focando-me no “como ensinar”. Porém, na perspectiva
teórica que vigorava na época, quando não havia espaço para a troca de
informações, o professor era considerado o detentor de todo o saber. Assim,
em minha formação, várias limitações apontadas na literatura da área sobre o
assunto estiveram presentes.
(Trecho Narrativa Professora Eduarda, 2014).

Por que ensinar ciências para crianças? Como? Quais os desafios e possibilidades?
Como o professor constrói sua identidade neste campo? Esta discussão abrange
aspectos complexos, pois as escolhas profissionais a serem trilhadas estão intimamente
ligadas aos aspectos histórico-sociais e identitários pelos quais nos constituímos
durante nossa existência. Essa identidade também se constrói na relação com o outro,
formando identidades sociais e identificações com grupos de naturezas distintas:
trabalho, religião, política, entre outros. Podemos destacar, ainda, que a identidade
profissional está pautada pelas representações que o indivíduo tem das profissões
e dos profissionais. Como indica Pimenta (2005), “uma identidade profissional se

197
Cláudia Starling, Michelle Soares, Danilo Marques

constrói, pois, a partir da significação social da profissão; da revisão das tradições.


Mas, também da reafirmação de práticas consagradas culturalmente e que permanecem
significativas” (PIMENTA, 2005, p. 18-19).
Outro trecho da narrativa da professora Eduarda, corrobora com essa discussão:

Na minha trajetória, após o magistério, graduei-me em Pedagogia em 1996. Na


época, outras perspectivas teórico-metodológicas sobre a formação do professor
ganhavam relevância, enfatizando-se não mais na transmissão de informações,
mas na construção do conhecimento em sala de aula. Porém, as limitações
apontadas por pesquisadores da Educação em Ciências ainda revelaram-se
pertinentes. (Trecho Narrativa Professora Eduarda, 2014).

Em relação à docência, podemos afirmar que é uma profissão que traz consigo
a experiência de como ela se configura pela visão do aluno que sempre se submeteu
à situações escolares, professor iniciante ambiente da sala de aula e o conjunto
experiencial que ele traz no papel de aluno. Mizukami e Reali (2002) afirmam que no
caso específico do docente, a formação inicial é “considerada uma ponte ritual entre
o mundo do aluno e o mundo do professor [devendo assinalar o] período em que a
prática do ser professor é inicialmente informada pelas teorias educacionais e ocasião
em que a metamorfose entre o papel de ser professor e de aluno começa a ocorrer”
(MIZUKAMI; REALI, 2002, p. 124).
A narrativa da professora Eduarda traz a discussão sobre o lugar do ensino de
Ciências nos anos iniciais:

No campo profissional, atuando como alfabetizadora e na regência globalizada,2


meu investimento em sala de aula era, prioritariamente, na disciplina Língua
Portuguesa,3 como se a leitura, a escrita e a oralidade fossem eixos exclusivos
dessa disciplina. O ensino de ciências era colocado como “pano de fundo” diante
do predomínio do trabalho com o código escrito. (Trecho Narrativa Professora
Eduarda, 2014).

2
Entende-se como regência globalizada quando o mesmo professor ministra diferentes disciplinas, ou seja, o
professor polivalente.
3
No final dos anos de 1980, os estudos sobre a psicogênese da escrita ganharam força no meio educacional.
A psicogênese da língua escrita tem como premissa que as crianças constroem hipóteses complexas sobre a
escrita, como a garatuja, escrita pré-silábica, silábica, silábico-alfabética e alfabética. Consultar: FERREIRO,
E; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.

198
Prática pedagógica e formação de professores no ensino de ciências no contexto da educação integral

Se pensarmos na docência, especificamente nos anos iniciais, novos desafios


são colocados. Ensinar ciências é um grande desafio, principalmente quando se
trata de ensinar para crianças, devido à própria natureza da área, ou seja, o que se
compreende por ciência, seu desenvolvimento dinâmico e histórico e como a ciência
assume seu papel na sociedade, seus desdobramentos e impactos sociais. Essa
complexidade também se insere, dentre outros aspectos, no quadro de reflexões
discutidas anteriormente sobre a formação de conceitos e o desenvolvimento infantil.
Nessa perspectiva, torna-se fundamental compreender a natureza do conhecimento
científico, bem como os objetivos de uma educação científica. Acevedo Díaz
(2005) questiona para que é importante a ciência e quem decide o que é relevante,
argumentando que geralmente fala-se que é para os alunos, mas que na prática
ela atende mais especificamente aos interesses dos professores. Segundo o autor,
qualquer proposta de educação científica deve se pautar na compreensão explícita de
suas finalidades, para dar sentido ao processo de aprendizagem, pois “si de verdad se
desea que la enseñanza de las ciencias esté destinada a educar en ciencia – esto es,
que sea una auténtica educación científica – no se pueden restringir sus finalidades
al elitista punto de vista propedéutico” (p. 12). Na mesma direção, Longhini (2008)
cita os estudos de Carvalho (2003), afirmando que “para a autora, as crenças que o
professor possui influenciam suas práticas pedagógicas, o que implica a necessidade,
primeiramente, de trabalhar com os docentes o significado do que é Ciência e de
como ela é construída” (LONGHINI, 2008, p. 243).
Tardif (2002) revela que o saber herdado da experiência escolar anterior é
muito forte e persiste através do tempo, assim, são necessários investimentos que
reconfigurem ou (re)signifiquem essas experiências no processo de formação, criando
novos sentidos subjetivos nas ações e dinâmicas relacionais da escola.

Reflexões sobre o ensino de ciências nos anos iniciais

Vários estudos enfatizam a importância da interação social na sala de aula, tendo a


linguagem como elemento fundamental, possibilitando ao aluno a inserção em práticas
culturais da ciência (JIMÉNEZ-ALEIXANDRE; ERDURAN, 2007; MORTIMER, 1998;
DRIVER et al., 1998; CARVALHO, 2013). Nesta mesma perspectiva, Delizoicovet al.

199
Cláudia Starling, Michelle Soares, Danilo Marques

(2002) têm enfatizado a importância das mudanças no campo educacional no que


diz respeito ao ensino de ciências, envolvendo a formação do professor, a concepção
do que ensinar e como ensinar a partir de um processo de aprendizagem baseado na
compreensão e não na memorização de conteúdos descontextualizados.
Para a construção de conhecimentos científicos é fundamental que sejam
propostas situações em sala de aula para as crianças apresentarem seus pontos de
vista e confrontarem resultados, principalmente no início do processo de escolarização.
Nesse sentido, ganha relevância a concepção do ensino de ciências por investigação
baseada nos estudos de Munford e Lima (2008), ressaltando a importância da
argumentação e do engajamento dos estudantes em práticas científicas. O ensino por
investigação está relacionado a construção de práticas argumentativas, não no sentido
de conhecer e nomear simplesmente os fatos, mas possibilitar que os estudantes
possam promover a argumentação.
O trabalho a seguir foi realizado em uma turma de 3º ano do Ensino Fundamental
em uma escola pública, localizada em Belo Horizonte. Foi elaborada e desenvolvida
uma sequência didática sobre o tema Microorganismo. Trabalharam neste projeto a
pesquisadora e um grupo de trabalho constituído por professores do ensino superior,
estudantes e licenciandos em Ciências Biológicas, em parceria com a professora do
Ensino Fundamental. Esta diversidade de formações e experiências, bem como a
articulação entre a Universidade e a Educação Básica, potencializaram ainda mais a
elaboração do planejamento como um momento de pensar e refletir sobre a prática
pedagógica. Starling-Bosco et al, (2018), sinalizam que as sequências didáticas
podem ser consideradas “tentativas de superação do modelo tradicional de ensino,
priorizando a participação das crianças nas atividades da aula, buscando romper a
ideia de que o professor apenas transmite o conhecimento para o aluno” (p.51).
Tardif e Lessard (2009) qualificam o trabalho docente como trabalho interativo,
por compreenderem que o objeto do trabalho docente é outro ser humano e ocorre por
meio de interação. Neste sentido o trabalho passa a ser “sobre e com o outro”. Assim,
para analisar o trabalho docente, os autores privilegiam três dimensões, entre elas a
experiência. Para os autores, a experiência designa a noção de verdade da vivencia
prática da docência, pois é na própria prática cotidiana que o professor se qualifica. A
experiência tem um grande peso e se faz necessária neste processo de autoformação,
por vários motivos, entre eles, os autores destacam que a formação inicial universitária

200
Prática pedagógica e formação de professores no ensino de ciências no contexto da educação integral

em cursos de licenciatura não é suficiente para abarcar todos os desafios com os quais
a docência se depara e além disso o trabalho em sala é solitário. Destacam também
a ausência de uma base de conhecimentos socialmente reconhecida, uma grande
dificuldade em formalizar um trabalho interativo, destacando a personalidade docente
sobre os aspectos mais técnicos, além da cristalização da experiência que faz com
que a rotina do trabalho sempre se reproduza gerando respostas e comportamentos
quase automáticos para todas as situações cotidianas.
Essas experiências formam a identidade do professor à medida em que são
responsáveis pela dimensão existencial subjetiva do trabalho interativo. Os estudos
de Tardif e Lessard (2009) afirmam que nesta interação professor-aluno o professor
passa a conhecer seus limites e suas novas capacidades que vão além do domínio da
“tarefa” e o constituem como pessoa e profissional.
O objetivo observado na proposição do trabalho com sequência didática foi
engajar os estudantes no estudo do tema, explorar os conhecimentos prévios e
os interesses das crianças, além de desenvolver atividades em que a dimensão da
investigação estivesse presente, propor situações nas quais as crianças pudessem
discutir, experimentar, colocar em ação suas ideias, discutir, avaliar e comunicar os
resultados obtidos.
O evento analisado denomina-se “Congresso dos cientistas: comer ou não
o pão?”. Aconteceu na aula número 7 no total de 15 aulas no dia 2 de maio de
2012 (STARLING-BOSCO, 2015), quando as crianças participaram de uma atividade
de elaboração de procedimentos para investigar o processo de decomposição dos
alimentos, no caso o pão.
Na etapa da sequência didática relativa ao eixo “discussão e comunicação dos
procedimentos e dos resultados das investigações”, foi se constituindo o momen­
to intitulado “Congresso dos Cientistas Mirins”. Nesses “Congressos” quando as
crianças discutiam um determinado procedimento ou resultado de uma investigação,
elas assumiam o papel de “cientistas”; e a professora, o papel de “apresentadora”,
simulando uma apresentação em uma conferência de pesquisadores. Isso favoreceu
o aparecimento de diversas estratégias de uso dos gêneros orais na sala de aula,
instituindo um espaço coletivo específico para as discussões em sala de aula.
Geralmente esses “congressos” aconteciam quando a professora queria organizar
o debate, quando as crianças socializavam algo no espaço coletivo, explicitavam

201
Cláudia Starling, Michelle Soares, Danilo Marques

seus pontos de vista, comunicavam suas investigações ou havia uma determinada


diferença de opinião.
As carteiras estavam em círculo, e a professora andava no meio, indagando e
orientando as crianças no preenchimento da atividade que discutia sobre a investigação
do pão, orientada pelas seguintes questões: i) O que queremos saber? ii) O que
precisamos fazer? iii) Que materiais, iremos utilizar? iv) O que você pensa que vamos
descobrir?
A professora Eduarda iniciou a aula retomando quais foram as investigações já
realizadas, e as crianças relembraram com facilidade: “a primeira foi do ovo, depois do
lixo e depois nós fizemos outra do lixo”. A professora, então, continuou a aula lendo
a primeira pergunta da atividade: “para investigar o pão, o que, primeiro, precisamos
fazer?” Uma criança respondeu que era preciso observar e outra que era necessário
comprar o pão. A professora continuou reforçando que então era preciso planejar a
investigação.
A professora questionou as crianças “o que nós queremos saber sobre o pão?”.
As crianças manifestaram várias ideias, como por exemplo: “do que ele é feito?”;
“se ele está estragado ou não?”; “quem criou o pão?”; “se ele tem energia?”; “quem
inventou o pão?”; “o pão pode estragar”?; “se pode ser feito doce”?. Eduarda, então
solicitou, então, que as crianças registrassem as perguntas. Logo, a seguir, a pro­
fessora iniciou a discussão da segunda questão da atividade perguntando “para
saber essas coisas, o que precisamos fazer?” e retomou as perguntas que foram
registradas. Praticamente, todo o grupo respondeu que iriam precisar do pão. A
pro­fessora aceitou esse ponto de vista e continuou questionando com as crianças:
“mas e depois o que precisaríamos fazer com o pão?”. Ela continuou questionando
as crianças sobre os procedimentos metodológicos “o que mais?”. Pedro respondeu:
“pegar o pão era importante para ver se ele estava duro”, e Henrique reforçou
dizendo: “temos que saber se está mole ou duro, se está estragado ou não”, e, para
isso, seria necessário colocá-lo “em algum lugar”.
Uma criança verbalizou a opção que, para investigar, seria necessário “comer
um pedaço do pão”, a turma ficou agitada, conversando e dando gargalhadas. É esse
evento que selecionamos para discutir a seguir.
O evento iniciou-se quando as crianças participavam de uma atividade sobre
os procedimentos necessários para investigação do processo de deteriorização de

202
Prática pedagógica e formação de professores no ensino de ciências no contexto da educação integral

alimentos, no caso o pão. Quando uma das crianças expôs seu ponto de vista de que
“comer o pão era uma boa ideia para investigá-lo”, outras crianças se posicionaram
de maneira contrária. Nesse momento, iniciou-se então o “Congresso dos cientistas:
comer ou não o pão?”, com intuito de debater se comer o pão era ou não um
procedimento adequado e necessário para investigá-lo.
A seguir, apresentamos as interações estabelecidas no evento:

Professora Eduarda: Se para fazer esta investigação vai ser preciso comer ou
não o pão? O que vocês acham? [Alunos em silêncio, ouvindo a entrevista].
Renata: Eu acho que não!
Professora Eduarda: Não deve comer o pão? Por quê?
Renata: Porque ele será um objeto de experiência.
Professora Eduarda: Ahh... Ahhhh boa resposta palmas para Renata [Crianças
batem palmas]. Agora quem já pensou e quer responder?
Henrique: E! Nós podíamos investigar, trazer um pão para cá e olhar ele bem
direito. Ver se ele está estragado ou não.
Professora Eduarda: Por que você acha que comer o pão não é uma boa
estratégia?
Henrique: Quando você investigar ele pode estar todo babado [Muitos risos]
Professora Eduarda: Ok. Palmas para o Henrique.
(Arquivo de vídeo da pesquisadora, Aula 7, 02 de maio de 2012).

Nesse evento, a professora, então, direcionou a discussão para o aspecto


metodológico: se seria preciso comer ou não o pão para investigá-lo. Como evidenciado
na transcrição, as crianças apresentaram seus pontos de vista, eram encorajadas
pela professora a participarem e eram valorizadas pela participação, como sinalizado
quando expressa “ahhhh”. Esse evento reafirma a importância da argumentação no
ensino de ciências diante da apresentação e das justificativas de pontos de vista.
Para se engajar na discussão, a criança precisa se posicionar diante do mundo,
demonstrando seus pontos de vista e interagindo com o outro. Para justificar, é
preciso olhar de outra maneira para a situação e construir um discurso que apoie seu
ponto de vista de maneira coerente, o que no início da escolarização é um grande
desafio para as crianças.
Logo a seguir, houve a participação do estudante Henrique, evidenciando as­
pectos fundamentais da necessidade de introduzir práticas científicas no ensino de

203
Cláudia Starling, Michelle Soares, Danilo Marques

ciências, se considerarmos a perspectiva investigativa, mencionando a importância


da observação e elaboração de procedimentos e evidências. Entretanto, a construção
de significados e de modos de ser e de agir é flexível e se altera a partir de novas
interações que são estabelecidas na turma.
A partir da análise do evento “Congresso dos cientistas: comer ou não o
pão?”, descrevendo as atividades desenvolvidas e focalizando as ações e discurso
dos sujeitos foi possível perceber que os aspectos investigativos de uma pesquisa
foram privilegiados pela professora e crianças, na medida em que ao discutirem
sobre se comer o pão era ou não importante para investigá-lo. Observamos como
as crianças vivenciaram e construíram práticas científicas, explicitando pontos de
vista, justificativas, indicando diferença de opinião, propondo novas estratégias de
metodológicas, fundamentais no ensino de Ciências. (STARLING-BOSCO et al. 2012).
Quando as crianças elaboraram e discutiram os procedimentos para investigar
o processo de conservação e decomposição do pão, foi possível perceber maneiras
particulares de construção de determinados modos de ser e de agir, em consonância
com as práticas científicas e argumentativas.

Reflexões finais

Um aspecto importante para a discussão sobre o ensino de Ciências nos anos


iniciais envolve questões relacionadas ao saber disciplinar, aos conhecimentos
científicos, escolares e cotidianos. Os discursos disciplinares são dinâmicos, de­
finidos socialmente co-construídos por meio da linguagem, interação, e nas práticas
culturais. Mortimer (1998) discute algumas características da linguagem científica
e da cotidiana, reforça a necessidade de reconhecer suas diferenças e analisa como
essas características contribuem para compreender as dificuldades na aprendizagem
de ciências. Ele argumenta que as características da linguagem científica, como por
exemplo, a complexidade lexical e a estrutura conceitual, foram construídas no decorrer
do desenvolvimento científico, com objetivo de registrar e ampliar o conhecimento, o
que a torna uma linguagem difícil para os estudantes.
Neste sentido, pensar o ensino de Ciência a partir da concepção de ciência

204
Prática pedagógica e formação de professores no ensino de ciências no contexto da educação integral

como cultura, não como algo já pronto e acabado, mas como uma prática social.
Também se faz necessário valorizar o papel das interações sociais, como elementos
que possibilitam a construção de novos modos de ensinar e aprender no contexto
escolar. Candau (2000) defende a necessidade de reinventar a escola e pensa na
complexidade da docência diante do contexto social. Ela afirma que o processo
pedagógico é dinâmico e está sempre em reconstrução, de modo que a reflexão
sobre tudo o que acontece é imprescindível, principalmente no sentido de sistematizar
diferentes práticas educativas.
Por isso, o contexto institucional, como no caso apresentado, da Educação
Integral, possibilitou o desenvolvimento da sequência didática em consonância com
os princípios educativos que baseiam o ensino de ciências por investigação, além de
uma abordagem curricular mais flexível, de acordo com os objetivos propostos para
o trabalho realizado.

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207
O que o encontro com as crianças ensina às ciências?

Marise Basso Amaral

O presente texto é resultado de uma mesa, da qual tive oportunidade de participar


durante o III CIMAI – Encontro de Práticas em Ciências e Matemática nos anos iniciais
que aconteceu em Juiz de Fora, na Faculdade de Educação da UFJF, em junho de
2018. As discussões que farei nesse texto guardam aproximação com um certo tom
de “conversa” que adotei naquele momento da mesa e apresentam as ideias reunidas
no texto construído para o evento. Gostaria de dizer que muito mais do que uma
pessoa que “sabe e conhece” a infância e que “domina” as discussões relativas à
como o ensino de ciências “deve ser” na educação infantil e anos iniciais, eu me coloco
aqui, mais uma vez, no lugar de alguém que vem experimentando e ensaiando nesse
campo, portanto, aprendendo muito com minhas colegas Mariana Villela e Simone
Rocha Salomão, da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, bem
como com as professoras desse segmento da educação ao longo dos nossos cursos
de extensão e, principalmente, com as crianças.
Assim, eu pretendo trazer para esse texto algumas histórias, alguns relatos,
algumas observações desse meu tempo de aprendizado. Gostaria de dizer que a
primeira coisa que me chamou muito atenção no convite feito foi a escolha do tema
para a mesa. Na verdade, da pergunta que me foi proposta: “Que educação os anos
iniciais têm a ensinar às ciências e à matemática?” Tal proposição me colocou num
movimento muito interessante de pensar o que eu venho construindo sobre ensinar
ciências no meu encontro com as crianças. Melhor ainda o que as crianças podem nos
colocar a pensar sobre aquilo que, a partir do ensino de ciências, julgamos que elas
devam saber.
O primeiro estremecimento nessa convicção aconteceu quando, ainda no início da
O que o encontro com as crianças ensina às ciências?

faculdade, fui a uma aula de ciências de uma turma da primeira série, com um colega
falar sobre baratas, a pedido da professora. Estudei bastante a biologia da barata,
o aparelho bucal do tipo mastigador da barata, classificação (Reino Animalia, Filo
Arthropoda, Classe Insecta, Ordem: Blattodea, Família Blattidae, Gênero: Periplaneta,
Espécie: Periplaneta americana) Enfim... foi o meu primeiro “fracasso pedagógico”, um
de muitos que ainda viriam. Rapidamente me dei conta que nada do que as crianças
queriam saber sobre as baratas eu sequer havia pensado, eu até podia responder, mas
não havia previsto aquilo, e aquela distância entre o que eu havia pensado e preparado,
me impediu de potencializar ainda mais aquelas informações. As crianças, na verdade
me reapresentaram ‘a barata’, como um ser muito mais digno, interessante, com
história própria e o desejo de saber delas me fez olhar para o meu próprio, pensar
meus limites, pensar minhas perguntas.
O autor Jorge Larrosa (1998) tem um texto ‘antigo’ muito bonito sobre educação
intitulado “O enigma da Infância: ou o que vai do impossível ao verdadeiro”. Nesse
texto ele nos apresenta um mundo onde nada se sabe sobre as crianças, esses seres
misteriosos e impossíveis de conter. Porém nesse desconhecimento, nesse não saber
cabem algumas considerações. Afirma Larrosa (1998):

Podemos, no entanto, abrir um livro e livro de psicologia infantil e saberemos


de suas satisfações, de seus medos, de suas necessidades, de seus peculiares
modos de sentir e pensar. Podemos ler um estudo sociológico e saberemos de
seu desamparo, da violência que se exerce sobre elas, de seu abandono, de
sua miséria. Temos bibliotecas inteiras que contêm tudo o que sabemos das
crianças e legiões de especialistas que nos dizem o que são, o que querem, e do
que necessitam em lugares como a televisão, as revistas, os livros, as salas de
conferência ou as salas de aulas universitárias. (p.229)

Segue o autor, “temos roupas para crianças, livros para crianças, objetos para
quartos de crianças, filmes para crianças, espetáculos para crianças, escolas de músicas,
de artes plásticas, de dança, para crianças.” Assim esse autor vai demonstrando que
de certo modo existe um conjunto de profissionais (pediatras, professores, psicólogos,
educadores físicos, animadores, publicitários) que tem olhado, cuidado e produzido um
conhecimento sobre as crianças. Assim, a infância é algo que nossos saberes, nossas
práticas e nossas instituições de certo modo já capturaram. Como diz Larrosa (1998)

209
Marise Basso Amaral

(mas também outros autores), a infância passa a ser algo que podemos nomear e
explicar, algo sobre o qual podemos intervir, algo que podemos acolher. Enfim, parece
que nós sabemos o que são as crianças e procuramos falar com elas de um modo que
elas possam nos entender, nos lugares que organizamos para abrigá-las.
Mas, o que o texto desse autor no traz é que se é verdade que todo esse
conjunto de saberes sobre a infância existe, é verdade também que a infância é
ao mesmo tempo um outro. Larrosa (1998) declara, também em seu texto, que
ao mesmo tempo a infância é aquilo que “sempre além de qualquer tentativa de
captura, inquieta a segurança de nossos saberes, questiona o poder de nossas
práticas e abre um vazio em que se abisma o edifício bem construído de nossas
instituições de acolhimento” (p.230).
Pensar a infância como um outro, a partir desse autor, é pensar justamente nessa
inquietação, nessa imprevisibilidade, naquilo que sempre nos escapa. A infância como
alteridade, como diferença, como presença enigmática na medida em que inquieta
o que sabemos, ou aquilo que achamos que sabemos, também suspende o que
podemos, além de colocar em questão os lugares que construímos para as crianças
nesse mundo.
Diante do enigma da infância, nos resta olhar com atenção à experiência dessa
presença em nossas vidas, nossas casas, nossas escolas, olhar com cuidado para
esses seres estranhos dos quais nada se sabe, os quais não entendem nossa língua.
Nesse nosso encontro, nos diz Larrosa (1998), resta encontrar a medida da nossa
responsabilidade pela resposta ante a exigência que essa infância, sobre a qual nada
sabemos, nos apresenta.
Essas colocações me ajudaram a entender melhor meu sentimento de es­
tranhamento naquela minha primeira aula sobre as baratas, bem como encontrar um
caminho para articular possibilidades de resposta ao tema que me trouxe aqui. “Que
educação os anos iniciais têm a ensinar às ciências e à matemática”? Em função do
que eu apresentei até aqui eu me permito mudar um pouco essa pergunta e formulá-la
de agora em diante da seguinte forma: o que as crianças têm a ensinar às ciências? O
que nós educadores, pesquisadores sobre ensino de ciências podemos aprender com
as crianças?

210
O que o encontro com as crianças ensina às ciências?

Diante do assombro do mundo...

Construo as respostas às questões anteriores em diálogo com alguns autores e


algumas histórias. Recorro primeiramente à autora Gilka Girardello (2011), em seu lindo
texto chamado “Imaginação: Arte e Ciência na Infância” em que nos ensina, a partir
de suas leituras de outros autores, tais como Georges Jean (1990) vai afirmando que
a infância é o campo em que a invenção pedagógica mais se impõe, para tal operação
o pré-requisito necessário seria, “para o docente, para o educador, a invenção de si
mesmos” (Jean,1990 apud Giradello,2011, p.76).
Assim, as crianças convidam a ciência a olhar para si mesma, e como diz Larrosa
(2003), a demora-se nisso. O encontro da ciência com as crianças demanda da primeira
humildade, abertura ao desconhecido, suspensão daquilo que ela pensa já saber e
conhecer. Demanda também uma escuta amorosa daquilo que faz sentido para as
crianças. Enfim, exige que a ciência, observe atentamente, reflita profundamente,
construa algumas hipóteses e, principalmente, se reinvente.
Ainda esse encontro pede que a ciência faça as pazes com a imaginação, demanda
que ela seja parceira na construção de mundos criativos, ricamente ilustrados, habitado
por histórias, repleto de personagens reais e inventados. Muitos autores têm dado o
devido reconhecimento à importância da imaginação na educação das crianças, mas,
de modo geral, ‘na prática’, isso parece fazer todo o sentido na educação artística,
mas deixa de ser tão evidente no campo das ciências. O encontro com as crianças
convida o ensino de ciências a alçar outros vôos, para além dos muros divisórios entre
razão e emoção, entre fato e ficção.
Sempre gostei muito de literatura e sempre acho que ela me permite dizer melhor
algumas coisas que, construídas num exercício acadêmico necessário, por vezes
podem perder sua força, sua possibilidade de construir no outro uma interrupção,
uma quebra, uma parada. A literatura, por vezes, nos brinda com essa possibilidade.
Trago um texto de Eduardo Galeano, do “Livro dos Abraços”, que sempre me ajudou
a desafiar o meu encontro com as crianças; eis a pequena história.

A função da arte/1

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que

211
Marise Basso Amaral

descobrisse o mar. Viajaram para o Sul.


Ele o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o
menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito
caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão
do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo e gaguejando, pediu ao pai:
– Me ajuda a olhar!!
(Galeano, 2000, p.15)

Esse pode ser o papel de um adulto, de uma criança mais velha, da ciência,
em resposta ao assombro infantil causado pela imensidão do mar, pela infinitude
das estrelas, pelo entardecer no sertão, pela neblina que sobe no inverno, pela
germinação de uma única semente.... ajudar a olhar. Para tanto talvez a ciência tenha
que desaprender um certo modo de olhar por demais dado, escrutinado, medido e
analisado sobre o mundo. O convite ao ensino das ciências é para reaprender com as
crianças, a imaginar também o mundo.
Girardello (2011) vai nos alertar para o fato de que vários campos, tais como
filosofia, a psicologia, a pedagogia e a teoria literária, vão nos apresentar indicações
das condições mais adequadas para que a imaginação da criança floresça em todo
seu potencial. Essa mesma autora, nos lembra ainda que muitos também são os
atores que contribuem para isso, afirmando que a atitude dos adultos no ambiente
em que a criança vive, como mediadores entre as crianças e o mundo físico, bem
como a qualidade dos espaços físicos e sociais, criados pelas famílias e pelas
instituições educativas também influenciam a imaginação. Girardello (2011), usando
especificamente o trecho acima do “A função da Arte”, de Eduardo Galeano, nos
presenteia com o modo como podemos, diante do assombro do mundo, ajudar as
crianças a olhar, e portanto, a imaginar:

Ajudar a olhar pode ser simplesmente estar ao lado da criança, acompanhando-a


naquele momento de espanto. Pode ser também explorar ludicamente a situação,
contando, por exemplo, que além da linha do horizonte, se remássemos cem
dias e noites em uma canoa (como fez o navegador brasileiro Amyr Klink),
chegaríamos à outra praia, onde outras crianças brincam, e quem sabe naquele
exato momento uma delas também esteja contemplando o mar. Ou poderíamos

212
O que o encontro com as crianças ensina às ciências?

dizer que, se caminhássemos mar adentro, vestindo trajes de mergulhador,


iríamos descendo até chegar à beira de um penhasco submarino; e, se
saltássemos dali ao fundo, chegaríamos a uma região tão profunda que nem
a luz do sol a alcança, onde vivem peixes que trazem no corpo suas próprias
luzinhas. (Girardello, p. 79, 2011)

Assim, uma narrativa rica em detalhes, contando outras histórias, pode ajudar a
compor em conjunto com a imaginação das crianças, novos entendimentos e novos
roteiros na construção de saberes. Esse é um pedido que as crianças fazem em alguma
medida, a todos nós, ajudá-las a olhar o mundo. E nós professores e professoras, ao
fazer isso, ao olhar generosamente, com tempo e com atenção o mundo, a partir do
olhar assombrado da criança, podemos recuperar muito do seu encanto.
Sobre essa possibilidade, cabe dizer que temos observado nossos alunos e alunas
de licenciatura em Ciências Biológicas, que escolhem desenvolver projetos com as
crianças da educação infantil ou dos anos iniciais, um profundo efeito transformador
que o contato com as crianças permite. Na construção das aulas e no trabalho efetivo
em sala de aula nossos alunos e nossas alunas aprendem, a fazer outras perguntas,
a construir outras linguagens, a recorrer à literatura infantil e construir com ela um
diálogo fecundo. No assombro provocado pelo encontro com as crianças, nossos
alunos e alunas se reinventam, fazem as pazes com a imaginação, constroem novos
repertórios e se ajudam mutuamente a olhar o mundo.

Quem conta um conto, aumenta um ponto...

Passo brevemente a apresentar alguns trabalhos desenvolvidos nos anos iniciais


e na formação de professores, que tiveram na articulação entre histórias, memórias
e imaginação o seu enfoque principal. Machado & Amaral (2015a) apresentam em
seu artigo uma discussão mais cultural do ensino de Botânica, a partir de um trabalho
feito em sala de aula com as memórias ilustradas sobre esse tema dos alunos do curso
de licenciatura em Ciências Biológicas. Tal dimensão pode ser construída a partir do
resgate das histórias, das memórias pessoais dos alunos, bem como das narrativas
culturais sobre os personagens botânicos em filmes, documentários, música, poesias,

213
Marise Basso Amaral

ciências, literatura etc. O trabalho desenvolveu-se principalmente a partir dos desenhos


e fotografias reunidos pelos alunos e as histórias a eles relacionadas ao longo de três
encontros. Mas o que mais chamou atenção no desenvolvimento do trabalho foi a
possibilidade de elaborar perguntas que conectassem os alunos com sua infância,
acionando suas memórias botânicas. Assim, foi entregue um questionário aos alunos
e foi pedido, num primeiro momento que as respostas fossem construídas na forma
de desenhos. Esse primeiro momento foi muito interessante, os alunos se sentiram
surpreendidos e ao mesmo tempo tocados pelas perguntas feitas. Existiu alguma planta
importante nas suas brincadeiras em quintais ou jardins? Quando você era criança,
qual parte da planta mais te despertava interesse? Na sua infância, existia alguma
parte de planta em especial que você costumava colher e comer diretamente do pé?
Qual planta era a sua favorita para cheirar? Existia alguma planta com uma textura
diferente que você gostava de tocar? Qual foi a planta nativa mais incomum que
você já encontrou? Existe alguma planta que fez barulhos que você se lembre de sua
infância? Essas foram algumas das muitas perguntas que colocaram em movimento
muitas histórias e afetos. Os alunos disseram que nunca haviam pensado nas plantas
dessa forma e se deram conta, apesar de uma alegada “cegueira botânica” que alguns
autores apontam existir na sociedade, as histórias e memórias da infância daquele
grupo de alunos e alunas estavam atravessadas por sujeitos botânicos. Tal percepção
impactou profundamente o modo como passaram a pensar o próprio ensino de botânica
junto às crianças. Na sequência dessa atividade, o grupo organizou desenhos, fotos,
histórias letras de música, artigos científicos e montou no corredor da faculdade um
grande painel. Como nos contam Machado & Amaral, (2015):

A montagem do painel foi interessante e diversificada. Os alunos apresentavam


suas imagens e contavam suas histórias e, em seguida, colavam no painel
(Figura 2). Foi notável e, em certa medida, surpreendente a emoção dos alunos
ao contar as histórias botânicas relacionadas à infância. Nesse momento, foi
possível conhecer um pouco mais uns aos outros, pois descobrimos habilidades
e interesses dos alunos em meio as suas plantas e histórias, o que, muitas
vezes, não nos é permitido em aulas convencionais, como por exemplo, a
habilidade de tocar instrumentos ou a infância vivida em um horto da família.
Dois alunos levaram imagens de pessoas da família: dois desenhos infantis e
algumas fotos.(p. 13)

214
O que o encontro com as crianças ensina às ciências?

Essa mesma vontade de atentar para o registro da memória, e ao mesmo tempo


articular com o mundo da imaginação foi o desejo de trabalho de conclusão de
monografia de Dias (2017), intitulado “Caderno de aventuras: ficções, animações e
narrativas nas aulas de ciências”. O trabalho foi realizado com uma turma do quarto
ano do Ensino Fundamental I, de uma escola pública de Niterói (RJ), ele se realizou a
partir da apresentação em sala de aula, para o grupo de crianças, do filme “Up-Altas
Aventuras”. Através dessa história que narra uma aventura, pretendeu-se inspirar os
alunos e as alunas a construírem, através das atividades de sala de aula, suas próprias
narrativas e aventuras atravessadas por alguns conteúdos de ciências. Para tanto,
após a exibição do filme, a cada encontro, uma atividade era proposta e levada para
a sala de aula numa grande sacola azul, com o desenho da casa voadora. A cada
encontro a licencianda tirava da sacola uma atividade e um convite á imaginação
e a buscar informações sobre os temas relacionados ao filme. O primeiro “convite”
apresentou-se aos alunos na forma de um “caderno de aventuras”, confeccionado por
ela para cada um dos integrantes daquele grupo. Assim, a cada atividade e etapa do
trabalho, o grupo registrava individualmente, de forma escrita, em desenhos e autoral,
todas as atividades e saídas de campo feitas ao longo do projeto. Alguns alunos ao
final do projeto conseguiram fazer seus registros e disseram ter vivido uma ventura,
principalmente quando se deslocaram a pé da escola, até a universidade, para fazer
uma atividade especial no laboratório de ciências, relatando no caderno de forma
cuidadosa e constante todas as suas impressões e registros. Outros, mostraram certo
descontentamento com o “rumo” que o trabalho tomou, mostrando maior resistência
na confecção dos registros e na continuidade dos trabalhos. Mostrando, de certa
forma, os limites que sempre enfrentamos nesse encontro com a infância.
Um terceiro trabalho, que penso que pode também trazer essa articulação é
também um trabalho de monografia de Dutra (2018), intitulado “O lugar do mar:
conhecimento e percepção ambiental de alunos do sétimo ano (...)”, que embora
tenha sido feito com um grupo de crianças mais velhas, tenta fazer essa articulação
entre o ensino de ciências, a construção de narrativas, a imaginação e nesse caso,
mais especificamente, a construção de um certo senso de lugar e de pertencimento.
O trabalho se desenvolveu sobre um conteúdo específico de ciências que diz respeito
aos ecossistemas marinhos e costeiros. Cabe ressaltar que esses conteúdos ainda
têm pouca visibilidade nos livros de ciências, e mesmo sendo Niterói uma cidade

215
Marise Basso Amaral

rodeada pela Baía de Guanabara e por praias de mar aberto, a presença desses
cenários e seus habitantes no currículo escolar ainda é, por vezes, insuficiente. Após
trabalhar em sala de aula alguns conceitos e algumas informações que envolveram os
ecossistemas marinhos, bem como verificar com o grupo de estudantes sobre suas
próprias histórias e memórias em relação a esse ambiente, a licencianda entregou
para os alunos cartões postais por ela previamente produzidos, com espaço para
escrever e um espaço em branco para que os cartões fossem por eles ilustrados.
Com o mapa do Brasil, cada criança escolheu uma cidadezinha, bem longe do litoral,
para onde mandaria seu cartão postal, com seus desenhos e um pequeno texto
apresentado o mar e o ecossistema marinho para quem ainda não o conhecia. Em
função do pouco tempo essa atividade não se concretizou na forma de encaminhar
realmente os postais para as crianças em outros estados do Brasil, o que certamente
teria imprimido ainda outros sentidos ao trabalho, mesmo assim, ela revelou-se
muito produtiva para o grupo de participantes, bem como uma forma interessante
de avaliar quais informações sobre o ecossistema e sobre o lugar de cada um foram
selecionadas para compor os textos dos postais.

Alguns breves apontamentos finais

Ao encaminhar minhas considerações finais, caberia dizer ainda que o encontro


com o enigma da infância demanda de nós autoria. Os trabalhos aqui brevemente
apresentados, e outros tanto que temos orientados nossos alunos a fazer, princi­
palmente aqueles que se dirigem especialmente ao público infantil, demandam de nós
um investimento pessoal na construção de um repertório de textos e imagens que
irão nos ajudar a compor olhares criativos, instigantes, lúdicos, desafiadores sobre
o mundo. Ao mesmo tempo, o contato com as crianças tem nos ensinado a todos
a aprender uma escuta mais atenta e mais conectada com aquilo que as crianças
nos dizem, suspendendo, muitas vezes, as nossas próprias falas tão planejadas e
didaticamente encadeadas. Essa escuta é essencial para recolocar o assombro, o
espanto, o encantamento de volta no chão da sala, onde junto com as crianças
podemos inventar narrativas sobre os seres desse mundo que reúnam literatura, arte,
ciências, tornando-o mais habitável para os pequenos, mas não só para eles.

216
O que o encontro com as crianças ensina às ciências?

E para aqueles de nós, que ainda sofrem muito com as demandas curriculares do
ensino de ciências, pautadas nas tradicionais perguntas que definem sem nenhuma
hesitação o que as coisas do mundo natural são, sua importância e utilidade, eu me
manteria inspirada pelas provocações de Manoel de Barros (2006), que nos afirma
que: “a importância de uma coisa não se mede com fita métrica, nem com balanças,
nem com barômetros etc. A importância de uma coisa há que ser medida pelo
encantamento que ela provoca em nós.”.

Referências

BARROS, M. Memórias inventadas: a segunda infância. São Paulo. Planeta. 2006.

DIAS,R. R. Cadernos de aventuras:ficções, animações e narrativas nas aulas de


ciências. Monografia (Licenciatura em Ciências Biológicas) – Instituto de Biologia,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2017.

DUTRA, L. S. de A. O lugar do mar: conhecimento e percepção ambiental de alunos


do sétimo ano do ensino fundamental sobre os ecossistemas marinhos e costeiros e
sua articulação a partir de um material didático. Monografia (Licenciatura em Ciências
Biológicas) - Instituto de Biologia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2018.

GALLEANO, E. O Livro dos Abraços. Porto Alegre: L&PM, 7ª, 2000.

GIRARDELLO, G. Imaginação: arte e ciência na infância. Pro-Posições, Campinas, v.


22, n. 2 (65), p. 75-92, maio/ago. 2011.

LARROSA, J. Pedagogia Profana: danças, piruetas e mascarados. Porto Alegre; Editora


Contrabando, 1998.

MACHADO, C. C. & AMARAL, M. B. Memórias Ilustradas: Aproximações entre


Formação Docente, Imagens e Personagens Botânicos. ALEXANDRIA Revista de
Educação em Ciência e Tecnologia, v.8, n.2, p.7-20, junho 2015.

217
O ensino de ciências nos anos iniciais e o aedes
aegypti : uma análise de uma sequência didática à luz
da perspectiva do letramento científico

Andréia Francisco Afonso


Wallace Alves Cabral

Letramento científico nos anos iniciais: um caminho possível

As Ciências estão constantemente presentes em inúmeros fenômenos do dia a dia.


Entretanto, alguns desses fenômenos vêm sendo apresentados, especialmente pelas
mídias, como desafios a serem solucionados. Como exemplo, podemos mencionar
os acidentes ambientais, cujas consequências interferem diretamente na relação dos
seres vivos com o meio ambiente.
Assim, é preciso que o conhecimento científico, por meio do Ensino de Ciências,
seja construído de forma reflexiva e crítica, de modo que o estudante dê significado
a esse conhecimento e consiga mobilizá-lo em situações que necessitam de uma
solução, ou simplesmente, para explica-las cientificamente, levando-o ao Letramento
Científico.
Pensar o Ensino de Ciências, articulado à perspectiva do Letramento Científico,
significa, de modo geral, levar os estudantes a compreenderem como a Ciência e a
Tecnologia influenciam-se mutuamente, fazendo uso do conhecimento científico e
tecnológico na solução de problemas e a tomarem decisões com responsabilidade
social (SANTOS; MORTIMER, 2001).
Dentre os diferentes pesquisadores que discutem o Letramento Científico,
ancoramos esta pesquisa nos trabalhos de Wildson Santos. Segundo o pesquisador
O ensino de ciências nos anos iniciais e o aedes aegypti: uma análise de uma sequência didática à luz da
perspectiva do letramento científico

(2007), o sujeito letrado cientificamente é capaz de agir minimamente como con­


sumidor e cidadão, indo desde os princípios e fenômenos básicos do cotidiano até a
capacidade de tomada de decisão.

Assim, uma pessoa funcionalmente letrada em ciência e tecnologia saberia,


por exemplo, preparar adequadamente diluições de produtos; compreender
satis­fatoriamente as especificações de uma bula de um medicamento; adotar
profilaxia para evitar doenças básicas que afetam a saúde pública; exigir
que as mercadorias atendam às exigências legais de comercialização, como
especificação de sua data de validade, cuidados técnicos de manuseio, indicação
dos componentes ativos; operar produtos eletroeletrônicos etc. Além disso, essa
pessoa saberia posicionar-se, por exemplo, em uma assembleia comunitária para
encaminhar providências junto aos órgãos públicos sobre problemas que afetam
a sua comunidade em termos de ciência e tecnologia (SANTOS, 2007, p. 480).

Mas para a efetivação do Letramento Científico, incialmente, é preciso um de­


senho curricular que inclua práticas que superem o modelo de ensino predominante
nas escolas, centradas na memorização, repetição dos conteúdos e desvinculadas dos
contextos. Pozo e Crespo (2009), inclusive, relacionam esses fatores às dificuldades
dos estudantes para a aprendizagem de Ciências, à medida que a resolução de pro­
blemas propostos nas aulas se dá de modo repetitivo, rotineiro, sem a devida exigência
de reflexão e tomada de decisão.
Nesse sentido, Santos (2007) apresenta alguns aspectos teóricos que devem
ser considerados para balizar a construção metodológica dos currículos de Ciências,
dentre eles estão:
• A natureza da ciência – Remete-se ao entendimento da maneira como
cientistas trabalham e as suas limitações, necessitando da articulação dos
conhecimentos sobre História, Filosofia e Sociologia da Ciência.

• A linguagem científica – Refere-se ao Ensino de Ciências como uma estrutura


sintática e discursiva, em que, ao trazer o conceito, seja realizada a sua
interpretação, suas fórmulas, esquemas, gráficos, diagramas, tabelas, dentre
outros. A partir daí, pode-se aludir, ainda, ao desenvolvimento e a avaliação
de argumentos científicos.

• Os aspectos sociocientíficos – Associam a perspectiva da Ciência e da

219
Andréia Francisco Afonso, Wallace Alves Cabral

Tecnologia com as questões ambientais, políticas, econômicas, éticas, sociais


e culturais.

Partindo desses aspectos, concordamos com Delizoicov e Lorenzetti (2001),


quando afirmam que o objetivo do Ensino de Ciências nos anos iniciais não é
formar futuros cientistas, ainda que isso possa acontecer. Viechenesk, Lorenzetti
e Carletto (2012, p.856-857), fazendo uma alusão à pesquisa de Driver et al.
(1999), afirmam que

[...] a aprendizagem das ciências envolve inserir o aluno em um mundo de


significados novos. Implica em iniciá-lo em um modo diferente de pensar, ver e
explicar o mundo – o modo científico - e de familiarizá-lo com uma linguagem
diferente daquela utilizada no cotidiano – a linguagem científica – que possui
características próprias da cultura científica.

Apesar de Delizoicov e Lorenzetti (2001) trabalharem com a perspectiva da


Alfabetização Científica, aproximamos dos autores à medida que compreendemos que
o Ensino de Ciências objetiva que os conhecimentos científicos sejam apresentados e
discutidos, envolvendo seus significados e aplicados para o entendimento do mundo.
Porém, cabe ressaltar que esse processo deve ser desenvolvido de modo gradual
e ao longo da vida do indivíduo, pois está intrinsicamente relacionado ao contexto
sociocultural do sujeito.
Buscando um olhar mais abrangente no âmbito escolar, Pereira e Teixeira (2015),
além de discutirem a relação entre os termos Alfabetização Científica e Letramento
Científico nos anos iniciais, também, observaram o impacto das políticas públicas na
valorização dos professores para a promoção do conhecimento científico dos alunos
nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
A partir das análises das autoras, a Alfabetização Científica (domínio da linguagem
científica) e o Letramento Científico (uso social da linguagem científica) nos anos iniciais
representam um importante eixo no desenvolvimento e no alcance das metas propostas
pelas políticas públicas vigentes. Desse modo, argumentam que o Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) tem sido apontado como uma possibilidade de
formação continuada para os docentes, contribuindo para uma nova visão de currículo
e prática pedagógica que estejam pautados na formação integral do sujeito.

220
O ensino de ciências nos anos iniciais e o aedes aegypti: uma análise de uma sequência didática à luz da
perspectiva do letramento científico

Diante desse contexto, para que ocorra o desenvolvimento de atividades


sus­
tentadas pela perspectiva do Letramento Científico, é preciso pensarmos em
professores preparados para tal finalidade, e, para isso, passa a ser necessário uma
ampla discussão nos cursos de formação inicial e continuada de professores sobre
o tema.
Portanto, esse trabalho tem como objetivo investigar uma sequência de aula à luz
da perspectiva do Letramento Científico. O planejamento da sequência foi produzido
por uma professora em exercício, no âmbito de um curso de formação continuada
intitulado Especialização em Ensino de Ciências e Matemática, na disciplina Tópicos
Especiais de Ciências Naturais I, que aconteceu no primeiro semestre letivo de 2018
na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Metodologia

O curso de Especialização em Ensino de Ciências e Matemática da UFJF teve início


em 2018, com o ingresso da primeira turma composta por professoras, licenciadas
em Pedagogia, e atuantes nas escolas da rede pública e/ou privada. O curso, além de
estar voltado à formação continuada de professores, apresenta os seguintes objetivos
específicos:

– Levar o professor a refletir sobre suas concepções de ensino de ciências e


matemática;
– Possibilitar aos professores um aprofundamento das temáticas em ensino de
ciências e matemática que tiveram oportunidade de vivenciar ao longo de sua
formação e atuação;
– Construir, junto aos professores, propostas de intervenção nas salas de aula
nas quais atuam (UFJF, 2017).

Entre as nove disciplinas do curso, além da Monografia, está a de Tópicos


Especiais de Ciências Naturais I. Ela foi ofertada, pela primeira vez, nos meses de
maio e junho de 2018, totalizando 45 horas. As unidades temáticas discutidas no
âmbito da disciplina foram:

221
Andréia Francisco Afonso, Wallace Alves Cabral

• Educação em Ciências nos anos iniciais: o que ensinar? E por que ensinar?

• Letramento e Alfabetização científica.

• O enfoque CTS no ensino de Ciências.

• A pedagogia de projetos no ensino de Ciências.

O planejamento da sequência didática, analisado neste trabalho, foi uma das


atividades avaliativas solicitadas às professoras, quando foi apresentado o tópico
Letramento e Alfabetização Científica. A ele foram destinadas duas aulas: na primeira
buscamos promover uma reflexão e discussão sobre o letramento científico e sua
contribuição para o desenvolvimento da leitura e da escrita nos anos iniciais do Ensino
Fundamental; e na segunda, houve a apresentação das produções (planejamento de
aula ou sequência didática).
Os planejamentos foram solicitados no final do primeiro encontro. As docentes
puderam apresentar aqueles já produzidos para suas aulas de Ciências, desde que
fossem considerados na perspectiva do Letramento ou da Alfabetização Científica, e que
se relacionasse, de algum modo, com a Base Nacional Comum Curricular, na área de
Ciências da Natureza, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, seja por meio dos objetos
de conhecimento, das habilidades, ou até mesmo, da proposta de ensino de Ciências.
A escolha pela análise do referido planejamento da sequência de aulas, cujo
nome da autora foi modificado por um codinome para preservar sua identidade, se deu
por ter tratado de um tema que, na época, era divulgado pelas mídias e considerado
epidemia na cidade de Juiz de Fora (MG): a dengue. Uma reportagem do G1, do dia
17/04/2018, indicava que: “De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, foram 85
notificações de dengue, com 23 casos confirmados. A chikungunya teve 18 notificações,
com três confirmações. Já a zika apresentou seis notificações, com um caso confirmado”1.
Assim, por se tratar de uma doença, cuja prevenção pode estar alcance de cada
um, acreditamos ter o referido planejamento de aulas, potencial para o desenvolvimento
do Letramento Científico dos estudantes do 1º ano do Ensino Fundamental, a quem
ele se destina.

1
G1 Zona da Mata: Segundo LIRAa de 2018 mantém Juiz de Fora em estado de alerta. Disponível em:
https://g1.globo.com/mg/zona-da-mata/noticia/segundo-liraa-de-2018-mantem-juiz-de-fora-em-estado-de-
alerta.ghtml Acesso em 24 de setembro de 2019.

222
O ensino de ciências nos anos iniciais e o aedes aegypti: uma análise de uma sequência didática à luz da
perspectiva do letramento científico

O que diz o planejamento de aulas a partir das lentes do letramento


científico?

Diante dos caminhos metodológicos, neste tópico, analisaremos o planejamento


de aulas produzido pela professora Bruna, à luz dos pressupostos do Letramento
Científico. A temática selecionada é o mosquito Aedes aegypti e o vírus da dengue.
O planejamento de aulas é dividido em quatro dias, com duas aulas em cada um
deles. Cada dia foi organizado em distintas atividades.
Iniciamos as análises refletindo sobre uma observação inserida pela professora
ao final do planejamento da sequência didática:
“Observação: esse plano de aula foi adaptado do 3° ano para o 1° ano devido à
necessidade de se trabalhar o tema na sociedade”.
A professora, ao mencionar plano de aula, na verdade, está se referindo ao
planejamento de oito aulas, as quais podemos caracterizá-las como uma sequência
didática. O comentário nos dá indícios que a docente compreendeu que o tema, mesmo
não sendo pertencente à proposta curricular do primeiro ano do Ensino Fundamental,
necessitou ser explorado em virtude do aumento preocupante de pessoas infectadas
pelo vírus da dengue em sua região. Ou seja, a professora flexibilizou o proposto pela
BNCC (BRASIL, 2017, p.333) (Habilidade EF01CI03: Discutir as razões pelas quais os
hábitos de higiene do corpo - lavar as mãos antes de comer, escovar os dentes, limpar
os olhos, o nariz e as orelhas etc. - são necessários para a manutenção da saúde), em
prol de sua demanda local.
A conduta dela vai ao encontro do que é dito por Santos (2007), ao apresentar
que “processos de letramento científico é defender abordagens metodológicas con­
textualizadas com aspectos sociocientíficos” (grifos nossos, p. 486).
No que tange aos objetivos do plano de aulas, seis foram propostos, sendo eles:

1 Investigar os conhecimentos prévios dos alunos sobre o mosquito Aedes


aegypti;
2 Diferenciar o mosquito comum do mosquito Aedes aegypti;
3 Identificar onde este mosquito nasce e como se alimenta;
4 Conhecer e identificar o ciclo de vida do mosquito;
5 Criar o ciclo de vida do mosquito Aedes aegypti utilizando materiais recicláveis.
6 Refletir sobre soluções para evitar que este mosquito se reproduza.

223
Andréia Francisco Afonso, Wallace Alves Cabral

Ao investigar os caminhos metodológicos do planejamento de aulas, há uma


coerência com esse primeiro objetivo. Tal como apresentado, “no primeiro dia de aula
propor uma roda de conversa para investigar os conhecimentos prévios dos alunos
[...]”. Além disso, essa ação é concordante com os fundamentos da BNCC.

Assim, ao iniciar o Ensino Fundamental, os alunos possuem vivências, saberes,


interesses e curiosidades sobre o mundo natural e tecnológico que devem
ser valorizados e mobilizados. Esse deve ser o ponto de partida de atividades
que assegurem a eles construir conhecimentos sistematizados de Ciências,
oferecendo-lhes elementos para que compreendam desde fenômenos de seu
ambiente imediato até temáticas mais amplas (BRASIL, 2017, p. 331).

Essa possibilidade de construção de saberes a partir dos conhecimentos prévios dos


estudantes alinha-se com a perspectiva do Letramento Científico. Tais conhecimentos
podem ser explorados pelas lentes da Ciência, trazendo à tona elementos da natureza
ciência, linguagem científica e aspectos sociocientíficos (SANTOS, 2007).
Ao analisar os objetivos de 2 a 6, observa-se que esses podem levar os estudantes
à tomada de decisão, tal como será delineado. Para tentar explicar como os diferentes
objetivos se articulam com o Letramento Científico, apresentamos a Figura 1.
Inicialmente, cabe destacar que a sigla CTS é oriunda da corrente acadêmica
Ciência, Tecnologia e Sociedade. E o seu principal objetivo é promover o Letramento
Científico de tal modo que capacite o cidadão nas tomadas de decisões na sociedade
(SANTOS; MORTIMER, 2001).

Figura 1 – Fluxograma representante das possíveis articulações CTS.


Fonte: elaborado pelos autores.

224
O ensino de ciências nos anos iniciais e o aedes aegypti: uma análise de uma sequência didática à luz da
perspectiva do letramento científico

Analisando a Figura 1, primeiramente, no nível da “Sociedade”, é possível identificar


questionamentos que podem emergir pelos estudantes e/ou pela mediação da docente
quando se discute a partir dos conhecimentos prévios (objetivo 1). Em um segundo
momento, para responder algumas dessas perguntas, são necessários conhecimentos
da “Ciência” (objetivos de 2 a 5), principalmente da área de Ciências Biológicas (ciclo
de vida do mosquito Aedes aegypti, diferenciação desse para o mosquito comum,
onde nasce e sua reprodução, etc.). E ao refletir, principalmente, nas possibilidades
de prevenção e controle da doença, algumas tecnologias podem ser pensadas (barreira
física, vacina e inseticida). Nesse processo não linear e não hierárquico, articulações
entre a Ciência e Tecnologia e Sociedade podem ser estabelecidas rumo a uma futura
tomada de decisão por cada estudante (objetivo 6).
Com relação ao objetivo de número 6, ao almejar soluções pelos discentes em
torno da diminuição da reprodução do mosquito Aedes aegypti, espera-se uma tomada
de decisão no âmbito social.

O letramento dos cidadãos vai desde o letramento no sentido do entendimento


dos princípios básicos de fenômenos do cotidiano até a capacidade de tomada de
decisão em questões relativas à ciência e tecnologia em que estejam diretamente
envolvidos, sejam decisões pessoais ou de interesse público. Esse letramento
envolve, assim, a preparação do cidadão para ser capaz de fazer julgamentos
críticos e políticos. (SANTOS, 2006, p. 612).

Por fim, cabe destacar que na seção “desenvolvimento” do planejamento de


aulas, mesmo sem muita especificidade, é importante perceber diferentes estratégias
adotadas, como por exemplo, leitura de imagens, confecção de cartazes e painéis com
diferentes materiais recicláveis. Além disso, a ação dialógica (questionar os alunos)
e a mediação (montar com as crianças) surgem em diferentes momentos, sendo de
fundamental importância quando se busca a construção de conhecimentos rumo a
tomada de decisão.

225
Andréia Francisco Afonso, Wallace Alves Cabral

Considerações finais

O Ensino de Ciências deve estar voltado não só para a construção de conhecimentos


científicos, como também para o desenvolvimento de saberes que proporcionem a
reflexão e a criticidade. Ao longo do processo de escolarização, os estudantes devem
ser capazes de mobilizá-los em diferentes situações, especialmente, naquelas que
demandam soluções para um problema que é apresentado no cotidiano.
Mas para alcançar este objetivo, o ensino de Ciências, desde os Anos Iniciais do
Ensino Fundamental, deve estar voltado para o Letramento Científico, contrapondo-
se à abordagem voltada à memorização que, muitas vezes, é explorada nas salas
de aulas, tornando o conteúdo científico com pouco, ou nenhum significado, para o
estudante.
Um fator que pode auxiliar no desenvolvimento do Letramento Científico, nas
aulas de Ciências, está relacionado com a formação do professor. É preciso que o
professor identifique situações, que possam ser consideradas instigantes e do contexto
dos estudantes, para que consiga planejar e conduzir a construção do conhecimento
no viés do Letramento Científico.
A partir da análise do plano da sequência didática sobre o ciclo de vida do Aedes
aegypti foi possível perceber que a professora identificou um problema comum a
região, por meio do qual, conseguiu inserir em suas aulas, uma das habilidades do 1º
ano do Ensino Fundamental presente na BNCC.
Além disso, a docente adotou diferentes recursos didáticos que pudessem
auxiliá-la durante a explicação, abordagem e discussão do conteúdo, o que pode
contribuir para motivar os estudantes, despertando o interesse e a curiosidade para a
aprendizagem de Ciências.

Referências

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular: Educação Infantil e Ensino Fundamental.


Brasília: MEC/Secretaria de Educação Básica, 2017.

DELIZOICOV, D.; LORENZETTI, L. Alfabetização científica no contexto das séries

226
O ensino de ciências nos anos iniciais e o aedes aegypti: uma análise de uma sequência didática à luz da
perspectiva do letramento científico

iniciais. Ensaio – Pesquisa em Educação em Ciências, v. 3, n. 1, p. 37-50, 2001.

PEREIRA, J. C; TEIEIRA, M. R. F. Alfabetização científica, Letramento Científico e o


impacto das políticas públicas no Ensino de Ciências nos anos iniciais: uma abordagem
a partir do PNAIC. In: Anais do X Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em
Ciências, Águas de Lindóia, 2015.

POZO, J. I.; CRESPO, M. A. G. A aprendizagem e o ensino de Ciências: do conhecimento


cotidiano ao conhecimento científico. Porto Alegre: Artmed, 5ed., 2009.

SANTOS, W. L. P; MORTIMER, E. F. Tomada de decisão para ação social responsável


no Ensino de Ciências. Ciência e Educação. v. 7, n. 1, p. 95-111, 2001.

SANTOS, W. L. P. Educação científica na perspectiva de letramento como prática


social: funções, princípios e desafios. Revista Brasileira de Educação. v. 12, n. 36,
2007.

______. Letramento em Química, Educação Planetária e Inclusão Social. Química Nova.


v. 29, n. 3, 2006.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA. Especialização em Ensino de


Ciências e Matemática nos anos iniciais. Disponível em: https://www.ufjf.br/
faculdadedeeducacao/2017/10/01/especializacao-em-ensino-de-ciencias-e-
matematica-nos-anos-iniciais/ Acesso em 24 de setembro de 2019.

VIECHENESKI, J. P.; LORENZETTI, L.; CARLETTO, M. R. Desafios e práticas para o


Ensino de Ciências e Alfabetização Científica nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Atos de Pesquisa em Educação, v.7, n.3, p.853-876, 2012.

227
Autores

Ana Carolina Araújo da Silva


Professora da Universidade Federal de Juiz de Fora, Doutora em Educação pela
Universidade Federal de Minas Gerais e Mestre em Educação pela Universidade Federal
de Mato Grosso. E-mail: anacarolina.silva@ufjf.edu.br

Andréia Francisco Afonso


Licenciada em Química pela Universidade de Uberaba e em Ciências Biológicas pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Zoologia pelo Museu Nacional
do Rio de Janeiro e Doutora em Ciências pela Universidade Federal de São Carlos.
Professora do Departamento de Química da Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF). Coordenadora do Subprojeto Química do PIBID da UFJF. E-mail: andreia.
afonso@ufjf.edu.br

Beatriz Gonçalves de Faria


Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF. Especialista
em Educação Inclusiva e Especial pela Faculdade Futura. Especialista em Ensino de
Ciências e Matemática nos anos iniciais pela UFJF. Professora de Educação Infantil e
dos anos iniciais do Ensino Fundamental na Rede Municipal de Ensino de Juiz de Fora.
E-mail: beatriz_jf@yahoo.com.br

Cármen Lúcia Brancaglion Passos


Professora de Matemática (PUC-Campinas). É Doutora em Educação: Educação
Matemática e Mestre em Educação: Metodologia de Ensino pela Unicamp. Realizou
Pós-Doutorado na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e na Faculdade de
Educação da USP, com estágio no Instituto de Educação na Universidade de Lisboa.
O ensino de ciências nos anos iniciais e o aedes aegypti: uma análise de uma sequência didática à luz da
perspectiva do letramento científico

É Professora Titular-Sênior da Universidade Federal de São Carlos - Departamento


de Teorias e Práticas Pedagógicas e do Programa de Pós-Graduação em Educação
da UFSCar desde 2002. Coordenou o Programa de Pós-Graduação em Educação
da UFSCar (2010 a 2015). Investiga e orienta pesquisas de mestrado e doutorado
e supervisiona pós-doutoramentos na área de Educação e Educação Matemática
focalizando a formação e desenvolvimento profissional de professores, narrativas
como prática de formação de professores e de pesquisa. Coordena o Grupo de Estudos
e Pesquisas em Educação Matemática (GEM) na UFSCar e é pesquisadora do grupo
GEPFPM na Unicamp. É bolsista Produtividade do CNPq. E-mail: carmen@ufscar.br

Cláudia Starling
Professora Adjunta da Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação,
atua no Setor de Didática e na linha Didática e Docência da Pós-Gradução (Promestre).
Participa dos grupos de pesquisa DIDAKTIKÈ (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre
Didática), LAPENSI (Laboratório de Pesquisa sobre Experiências Formativas e Narrativas
de Si) e GESTRADO (Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente).
Envolve-se com pesquisas no campo da Didática, formação de professores e narrativas
(auto)biográficas. E-mail: claudiastarling@hotmail.com

Cristhiane Carneiro Cunha Flôr


Licenciada em Química, mestre e doutora em Educação Científica e Tecnológica
pela Universidade Federal de Santa Catarina. Filha de uma professora, sobrinha de
professoras, aprendeu na vida, nas escolas e universidades sobre ciências, criatividade
e autonomia na profissão docente. Gosta de narrar suas histórias com o ensino de
ciências. E-mail: cristhianeflor@yahoo.com.br

Danilo Marques
Professor da Educação básica e pesquisador do Grupo de Estudos sobre Política
Educacional e Trabalho Docente (GESTRADO/UFMG). Mestre em Educação pela
UEMG, Especialista em Mídias na Educação pela UFJF. Envolve-se em pesquisas sobre
a formação docente e políticas educacionais. E-mail: marques7danilo@gmail.com

229
Andréia Francisco Afonso, Wallace Alves Cabral

Deniele Pereira Batista


Possui licenciatura em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ), doutorado e mestrado em Educação pela Universidade Católica de Petrópolis
(UCP). É professora do ensino básico, técnico e tecnológico do Colégio de Aplicação
João XXIII/UFJF, atuando nos anos iniciais do ensino fundamental. É editora-chefe da
Instrumento - Revista de Estudo e Pesquisa em Educação do CAp João XXIII/UFJF.
E-mail: deniele.batista@ufjf.edu.br

Guilherme Trópia
É professor do Departamento de Educação da Faculdade de Educação da Universidade
Federal de Juiz de Fora (FACED/UFJF). Possui licenciatura em Ciências Biológicas
(UFMG), mestrado em Educação Científica e Tecnológica (UFSC) e doutorado em
Ensino de Ciências e Matemática (UNICAMP). Atualmente, é coordenador do curso
de Pedagogia da FACED/UFJF e atua na formação inicial de professores em diferentes
cursos de licenciatura e na formação continuada na Especialização em Ensino de
Ciências e Matemática nos anos iniciais. E-mail: guilherme.tropia@ufjf.edu.br

João Alberto da Silva


Pedagogo e Psicólogo, com Pós-Doutorado em Educação Matemática pela Universidade
Federal de Pernambuco. Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul-UFRGS, com doutorado-sanduíche na Universidade de Genebra. Professor
Associado na Universidade Federal do Rio Grande-FURG. E-mail: joaosilva@furg.br

Leiliane Aparecida Gonçalves Paixão


Mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF). Pedagoga pela mesma instituição. Técnica em
Multimeios Didáticos (IF-Sudeste MG). Atualmente, realizo o curso de Especialização
em Conhecimentos Tradicionais: práticas escolares na Educação Básica (CEAD/UFJF)
e atuo como professora contratada da rede municipal de Juiz de Fora/MG. E-mail:
leilianepaixao2014@gmail.com.

Leonardo Alves do Valle


Licenciado em Física pela Universidade Federal de São João del Rey, mestre em

230
O ensino de ciências nos anos iniciais e o aedes aegypti: uma análise de uma sequência didática à luz da
perspectiva do letramento científico

Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Professor de Física, militar do


exército e contador de histórias, gosta de pensar a arte de narrar como um elemento
com possibilidades de produzir de algo que alie o belo ao útil, o encantamento ao
aprendizado, as ciências naturais à educação. E-mail: vallefisica@yahoo.com.br

Letícia Goulart Pimentel


Graduanda do oitavo período do curso de pedagogia da Universidade Federal de Juiz
de Fora/MG. Defendeu Trabalho de Conclusão de Curso na área de jogos pedagógicos
enquanto recurso para auxiliar no aprendizado do Sistema de Escrita Alfabético. Área
de interesse e estudos com foco na alfabetização de crianças. E-mail: leticiagpimentel@
hotmail.com

Lívia de Oliveira Vasconcelos


Professora de Matemática, graduada pela Universidade Federal de Lavras (2012).
Possui mestrado em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (2015) e
atualmente cursa o doutorado na mesma instituição. Realiza pesquisas no campo
da Educação Matemática, atuando principalmente nos seguintes temas: matemática
nos anos iniciais, alfabetização matemática e formação de professores. E-mail:
profliviavasconcelos@gmail.com

Luciane Manera Magalhães


Doutora em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas/SP.
Atualmente, professora do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Juiz de
Fora/MG, responsável pelas disciplinas relacionadas à Alfabetização. Coordenadora
do Grupo de Estudos e Pesquisa ALFABETIZE. Atua nas áreas de formação inicial e
continuada de professores alfabetizadores. E-mail: lucianemanera@gmail.com

Mariana Lima Vilela


É professora da Faculdade de Educação da UFF – Universidade Federal Fluminense
- onde compõe a equipe do Laboratório de Ensino de Ciências, atuando nos cursos
de Graduação em Pedagogia e Licenciatura em Ciências Biológicas. No Programa de
Pós-graduação em Educação da UFF compõe a Linha de Pesquisa Ciência, Cultura e
Educação e é membro do Grupo de Pesquisa Currículo, Docência e Cultura (CDC). É

231
Andréia Francisco Afonso, Wallace Alves Cabral

bacharel em Ecologia (1995) e Licenciada em Ciências Biológicas (1999) pela UFRJ.


Mestre em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social pela UFRJ (2000) e
Doutora em Educação pela UFF (2008). E-mail: m.limavilela@gmail.com

Marise Basso Amaral


Possui graduação em Licenciatura em Ciências Biológicas, graduação em Bacharelado
em Ciências Biológicas, mestrado em Educação e doutorado em Educação, todos,
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente é professora adjunta
da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense e tem experiência na
área de Educação, com ênfase na educação em Ciências e Biologia, principalmente,
nos seguintes temas: cultura e formação de professores, espaços não formais e a
educação em ciências, pedagogias culturais e estudos culturais.

Michelle Soares
Professora da Educação Básica, Mestranda do Promestre – FaE UFMG. Participa
do grupo Didaktikè (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Didática). Envolve-se com
pesquisas no campo da Didática, Educação Integral e formação de professores. E-mail:
oaresmichelle@bol.com.br

Monique Cássia de Assis


Formada em Pedagogia, com especialização em Gestão Pedagógica, Gestão Pública
Municipal, Educação a Distância, Tecnologias e Psicopedagogia. Atuou como professora
dos anos iniciais na Prefeitura Municipal de Matias Barbosa (MG) e atualmente ocupa
o cargo de supervisora pedagógica efetiva na Prefeitura Municipal de Itabirito (MG).
E-mail: monique.c.assis@hotmail.com

Paulo Henrique Dias Menezes


Possui licenciatura em Ciências (1991), pela Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Sete Lagoas, licenciatura em Física (1996) pela Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Formiga, Mestrado (2003) e Doutorado (2010) em Educação
pela Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente é professor associado do
Departamento de Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de
Juiz de Fora (UFJF), atuando no Núcleo de Educação em Ciência, Matemática e

232
O ensino de ciências nos anos iniciais e o aedes aegypti: uma análise de uma sequência didática à luz da
perspectiva do letramento científico

Tecnologia, onde desenvolve pesquisas nas áreas de formação de professores, ensino


de física e educação em ciência. E-mail: paulo.menezes@ufjf.edu.br

Pedro da Cunha Pinto Neto


É professor do Departamento de Ensino e Práticas Culturais (DEPRAC) da Faculdade de
Educação da Universidade Estadual de Campinas (FE/UNICAMP). É líder do Grupo de
Estudos e Pesquisa em Ciências e Ensino (gepCE) e atua na formação de pesquisadores
nos Programas de Pós-Graduação em Educação (FE/UNICAMP) e Multiunidades em
Ensino de Ciências e Matemática (PECIM/UNICAMP). E-mail: pedrocpn@unicamp.br

Rafaela Reis Castor


Professora dos anos iniciais na rede particular de Juiz de Fora. Possui graduação em
Pedagogia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2014) e Pós-graduação em
Organização do Trabalho Pedagógico: Orientação Educacional, Supervisão e Gestão
Escolar, pela UNINTER (2016). Especialista em Ensino de Ciências e Matemática nos
anos iniciais, pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2019). Tem experiência
na área de Alfabetização e Letramento e Trabalho docente. E-mail: rafaelacastor@
hotmail.com

Reginaldo Fernando Carneiro


Doutor em Educação e Licenciado em Matemática pela Universidade Federal de São
Carlos – UFSCar. Professor da Faculdade de Educação e dos Programas de Pós-
Graduação em Educação e em Educação Matemática da Universidade Federal de Juiz
de Fora – UFJF. Tem atuado na formação de professores de Matemática e dos anos
iniciais do Ensino Fundamental e pesquisado sobre o desenvolvimento profissional
docente, as narrativas (auto)biográficas, os grupos de estudos e a colaboração.
Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. E-mail: reginaldo.carneiro@ufjf.edu.

Rita de Cássia Reis


Professora Adjunta da Universidade Federal de Juiz de Fora na Faculdade de Educação,
atua junto as disciplinas da área de Educação em Ciências. Participa do Programa de
Pós-graduação Lato Sensu em Ensino de Ciências e Matemática nos Anos Iniciais
(Faced/UFJF) e do Programa de Pós-graduação Profissional em Gestão e Avaliação

233
Andréia Francisco Afonso, Wallace Alves Cabral

da Educação Pública (UFJF). Desenvolve pesquisas sobre a formação de professores


de Ciências da Natureza que atuam no Ensino Fundamental. E-mail: ritaeduquim@
hotmail.com

Vanessa Cristina Mattoso


É formada em Magistério de 1° grau pelo Colégio Normal São José (1997). Possui
graduação em Pedagogia com habilitação em Supervisão Escolar de 1° e 2° Graus
pelo Centro de Ensino superior de Juiz de Fora (2001), e Especialização em Educação
Infantil pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2003). Atualmente é professora
da Educação Infantil e do Ensino Fundamental I das Prefeituras Municipais de Juiz de
Fora/MG e Santos Dummont/MG. E-mail: vanessacmattoso@hotmail.com

Verondina Ferreira Santana


Professora Formadora de Química do Centro de Formação e Atualização dos
Profissionais da Educação Básica – Cefapro de Rondonópolis, mestre em Educação
pela Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail: verondinafesa@gmail.com

Wallace Alves Cabral


Licenciado em Química pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Mestre e
Doutor em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da UFJF.
Professor do Departamento de Ciências Naturais da Universidade Federal de São João
del-Rei (UFSJ). Vice coordenador do curso de Química da UFSJ. Coordenador do
Programa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID – Química e Física). E-mail:
wallaceacabral@gmail.com

Wilton Rabelo Pessoa


Licenciado em Química pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre e Doutor em
Educação em Ciências e Matemática pelo Programa de Pós-Graduação em Educação
em Ciências e Matemáticas (PPGECM/UFPA). Professor do Instituto de Educação
Matemática e Científica da Universidade Federal do Pará (IEMCI/UFPA). E-mail:
wiltonrabelo@yahoo.com.br

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