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Ciências e Matemática
nos anos iniciais
Guilherme Trópia
Reginaldo Fernando Carneiro
Rita de Cássia Reis
Organizadores
Práticas Docentes em Ciências e
Matemática nos anos iniciais
Guilherme Trópia
Reginaldo Fernando Carneiro
Rita de Cássia Reis
Organizadores
Juiz de Fora – MG
2020
Copyright 2020
Todos os direitos reservados.
Revisão
Autores dos artigos
Ilustração capa
Rita de Cássia Reis e Marcela Arantes Meirelles
ISBN: 978-65-990909-0-5
CDU 5(07)
Prefácio.......................................................................................................6
Apresentação................................................................................................9
Formação continuada de professores que lecionam ciências nos anos iniciais do ensino
fundamental: superando medos e angústias numa experiência de pesquisa-ação com
brinquedos científicos.................................................................................. 59
Paulo Henrique Dias Menezes, Vanessa Cristina Mattoso
Como planejar uma boa aula de ciências e matemática para crianças................ 145
João Alberto da Silva
Narrativas sobre aprender e ensinar ciências: pausa para uma conversa!........... 184
Cristhiane Carneiro Cunha Flôr, Leonardo Alves do Valle
Prática pedagógica e formação de professores no ensino de ciências no contexto da
educação integral...................................................................................... 194
Cláudia Starling, Michelle Soares, Danilo Marques
O ensino de ciências nos anos iniciais e o aedes aegypti: uma análise de uma sequência
didática à luz da perspectiva do letramento científico..................................... 218
Andréia Francisco Afonso, Wallace Alves Cabral
Autores.................................................................................................... 228
Prefácio
Hilda Micarello1
O convite para prefaciar esta obra me trouxe algumas memórias da minha própria
trajetória de formação como professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental e
dos meus primeiros anos de docência. Essas memórias não são fruto apenas de um
saudosismo, cujo relato certamente entediaria os leitores deste prefácio, e os desviaria
do tema de que tratam os textos aqui reunidos, mas, pelo contrário, guardam estreita
relação com a relevância da produção aqui apresentada.
Cursei o Normal de nível médio na década de 80 do século XX. Aos 17 anos
assumia, como regente, minha primeira turma da 2ª série do 1º grau, atual 3º ano do
Ensino Fundamental, lecionando todas as disciplinas da matriz curricular: Matemática,
Português (era esta a denominação do componente curricular àquela época), Estudos
Sociais (englobando História e Geografia) e Ciências. Para cada componente, um livro
didático que devia ser vencido até o final do ano. As disciplinas cursadas ao longo dos
três anos do curso Normal deveriam nos capacitar para a abordagem dos fundamentos
e da didática de todas essas disciplinas. Eu, assim como as demais normalistas
recém-formadas (sim, éramos só mulheres!), enfrentava as aulas que ministrava muito
insegura, especialmente quando se tratava das aulas de Matemática e Ciências, pois
esses componentes curriculares foram também aqueles tratados de maneira mais
superficial em minha própria experiência como estudante. Minha formação acadêmica
posterior, na Faculdade de Pedagogia, não contribuiu muito para que essa insegurança
fosse superada. À época, o curso era voltado para a formação dos especialistas em
Inspeção, Administração, Orientação Educacional e havia poucas disciplinas voltadas
aos conhecimentos próprios das áreas de conhecimento que compunham o currículo
dos anos iniciais do 1º grau. Assim, para fazer frente a minha insegurança com relação
a “o quê” e “como” ensinar, ia criando estratégias de sobrevivência em sala de aula:
1
Pós-doutora em Educação. Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora.
um tratamento mais superficial de alguns temas; ênfase, nas aulas, nos exercícios
de fixação, cujas respostas se encontravam no Livro do Professor; criação de poucas
oportunidades, nas aulas, para perguntas dos alunos, que eu julgava que deveria
sempre saber responder, dentre outros artifícios. Em Ciências, por exemplo, quando
o livro didático sugeria alguma experiência, eu mesma fazia, os alunos observavam e
as conclusões eram sempre as que o livro didático sugeria.
Pouco mais de 35 anos se passaram desde aquele ano em que assumi minha
primeira turma... O cenário da formação de professores para a docência nos anos
iniciais do Ensino Fundamental, no Brasil, se alterou. Temos Diretrizes Nacionais
para a Formação de Professores que enfatizam a importância de os docentes serem
pesquisadores de sua própria prática. A formação inicial se dá, preferencialmente,
em nível superior, embora o Curso Normal de nível médio ainda sobreviva. O curso
de Licenciatura em Pedagogia assumiu a docência na Educação Infantil e nos anos
iniciais do Ensino Fundamental como sua meta e identidade. Aqueles que, como eu,
frequentam as escolas de Educação Básica observam que, no interior das salas de
aula, muitas coisas interessantes acontecem e muitos projetos que envolvem parcerias
entre a Universidade e a escola de Educação Básica ensejam novas práticas. Políticas
de formação continuada de professores, como o Pacto Nacional pela Alfabetização
na Idade Certa (PNAIC), programas de fortalecimento da formação para a docência,
como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), além de
programas de residência docente em diferentes universidades têm contribuído para
estreitar os laços entre a Universidade e a escola de Educação Básica, fortalecendo a
formação inicial e continuada de professores e professoras e também a produção de
conhecimentos sobre o ensinar e o aprender.
O conjunto de artigos reunidos nesta obra, “Práticas docentes em Ciências e
Matemática nos anos iniciais”, apresenta aos leitores algumas dessas experiências de
ensinar e aprender Ciências e Matemática, vivenciadas por professores da escola de
Educação Básica e professores da universidade, num movimento de partilha de saberes,
de busca de novas formas de fazer Ciências e Matemática nos anos iniciais do Ensino
Fundamental e de produzir conhecimentos sobre essa experiências. Os artigos estão
divididos em duas seções: na primeira, “Práticas de formação de professores”, o foco
se coloca na reflexão sobre os processos de formação de professores para o ensino de
Ciências e Matemática, a partir de diferentes estratégias e experiências de formação;
na segunda, “Práticas de sala de aula”, são apresentadas experiências realizadas por
professores e professoras no ensino e aprendizagem de Ciências e Matemática, junto
aos estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Em seu conjunto, os textos estimulam a pensar na formação como um processo
que se dá sempre em colaboração, no qual educandos e educadores compartilham,
cada um do lugar que ocupa na relação pedagógica, saberes, dúvidas e descobertas,
sendo esse processo de partilha o cerne da relação pedagógica. Convidam também
o leitor a pensar na docência como uma permanente invenção, para além de uma
didática estática. Para contribuir com a formação de professores dos anos iniciais para
o ensino de Ciências e Matemática é preciso compreender o que fazem os docentes e
as docentes, como fazem, que critérios utilizam nas suas escolhas e, principalmente,
estabelecer um diálogo entre aquilo que fazem e sabem esses e essas docentes e
o que ainda podem aprender, para melhor qualificar suas práticas pedagógicas e a
reflexão sobre elas. O conjunto de textos reunidos nesta obra tem o intuito de avançar
nessa compreensão. Como afirma Freire:
É da experiência de que fala Freire que se trata neste livro. Boa leitura!
Referência
Freire, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2018.
Apresentação
12
Práticas Docentes em Ciências e Matemática nos anos iniciais
Alves do Valle foi intitulado “Narrativas sobre aprender e ensinar ciências: pausa para
uma conversa!”. Os autores propõem um texto autoral que foi escrito a partir de suas
próprias experiências e elaborações teóricas em que refletem sobre práticas e apren
dizados de ser professor e ensinar ciências.
“Prática pedagógica e formação de professores no ensino de ciências no
contexto da educação integral” de Cláudia Starling, Michelle Soares e Danilo Marques
teve como objetivo discutir sobre a contribuição da elaboração coletiva de uma
sequência didática por uma professora dos anos iniciais, trazendo a complexidade
que envolve ensinar Ciência para crianças. Além disso, problematizam sobre os
desafios da prática pedagógica e da formação em um contexto da Educação Integral
que permitiu a abertura da escola a um currículo mais flexível com elaboração de
oficinas.
Marise Basso Amaral escreveu o capítulo “O que o encontro com as crianças
ensina às ciências?”, em que apresenta algumas histórias, alguns relatos e algumas
observações de suas aprendizagens com pesquisadores, professores e com as
crianças. A autora propõe em tom de conversa, algumas discussões e reflexões que
fizeram parte de sua apresentação na mesa de abertura do III CIMAI.
O último capítulo dessa seção e também do livro, de Andréia Francisco Afonso
e Wallace Alves Cabral, “O ensino de ciências nos anos iniciais e o Aedes Aegypti:
uma análise de uma sequência didática à luz da perspectiva do letramento científico”,
investigou uma sequência de aula à luz da perspectiva do letramento científico, a
partir do planejamento de uma sequência produzida por uma professora em exercício
no âmbito de um curso de Especialização em Ensino de Ciências e Matemática.
Assim, esperamos que os textos presentes neste livro tragam reflexões e
problematizações sobre as práticas em ciências e matemática nos anos iniciais do
Ensino Fundamental. Que a leitura destes capítulos possibilite à leitora e ao leitor um
convite a estar conosco nas próximas edições do CIMAI e a trazer outras experiências
que nos constituam como uma comunidade que pensa e valoriza a ciência e a ma
temática na infância.
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Práticas de
Formação de Professores
Espaços de formação de professores como cenário de
desenvolvimento do pensamento geométrico
Este capítulo visa suscitar reflexões para que práticas formativas de desen
volvimento do pensamento geométrico possam compor o fazer docente dos profes
sores que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Partimos da premissa que
práticas docentes para ensino de matemática nos anos iniciais ainda têm privilegiado
os conteúdos da aritmética em detrimento dos conteúdos do campo da álgebra, da
estatística e probabilidade e da geometria.
Entendemos que esse fenômeno é reflexo da tradição escolar e também da forma
ção inicial de professores. Em diferentes situações nos deparamos com depoimentos
de professores em formação inicial ou em processos de formação continuada – que
revelam lacunas conceituais que os inibem em propor tarefas que possibilitem a
construção do pensamento geométrico. Entendemos que é urgente criar espaços e
contextos de formação “com” professores nos quais se possa ocorrer estudo teórico
e debate metodológico que sejam promissores para o ensino de geometria.
Em Passos e Nacarato (2014) é discutido que o ensino de geometria ficou
relegado a um segundo plano por longo período com o advento do movimento da
matemática moderna. No Brasil esse quadro começou a mudar com os Parâmetros
Curriculares Nacionais (1997) fazendo com que o ensino de geometria nas escolas
fosse desenvolvido de modo mais integrado.
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Espaços de Formação de Professores como Cenário de Desenvolvimento do Pensamento Geométrico
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Cármen Lúcia Brancaglion Passos, Lívia de Oliveira Vasconcelos
Juliana faz brincos e colares para vender. Ela demora quinze minutos
para fazer um par de brincos simples e meia hora para fazer um par de
brincos sofisticados. Juliana recebeu uma encomenda para entregar no
final do mês. São 20 pares de brincos simples e 10 pares de brincos
sofisticados. Quantas horas Juliana terá que trabalhar para fazer todos
os pares de brincos encomendados?
2
Caso elaborado pela Professora Ms. Brenda Mengali
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Espaços de Formação de Professores como Cenário de Desenvolvimento do Pensamento Geométrico
seus alunos. Neste momento, a aluna Sara questionou quantos minutos eram
“meia hora”.
Então, Andréia disse que faria no quadro o desenho de dois relógios, e os alunos
iriam ajudá-la a representar neles: quinze minutos (tempo para fazer um par de
brincos simples) e, meia hora (tempo para fazer um par de brincos sofisticado).
Para que a circunferência do relógio ficasse bem desenhada, a professora Andréia
pegou em seu estojo um pedaço de barbante, uma vez que não dispunha de
compasso. Ao ver a professora enrolando a caneta no barbante para prendê-la e
então começar a desenhar a circunferência, Bruno perguntou:
— Professora, o que você vai fazer? Por que está enrolando a caneta no barbante?
Neste momento, Andréia percebeu a necessidade de dar uma pausa na situação-
problema proposta e esclarecer ao Bruno e, provavelmente, aos demais, que
também deveriam estar fazendo a mesma pergunta, o porquê da caneta presa ao
barbante.
Então, a professora disse aos alunos que usaria o barbante e a caneta como
um compasso – instrumento utilizado para fazer o desenho de circunferências.
Quando a professora traçou no quadro as duas circunferências, Júlia perguntou:
— Professora, a senhora desenhou uma bola?
— Eu acho que é um círculo, professora. — falou Bruno.
Com o surgimento desses questionamentos, Andréia identificou na fala dos alunos
a dificuldade em diferenciar as figuras planas das espaciais. Explicou para eles que
a figura desenhada no quadro era a representação de uma circunferência e que
daria continuidade à discussão inicial, mas planejaria uma sequência de atividades
para abordar tais conteúdos e discutir com eles as características de cada um
desses modelos geométricos: circunferência, círculo e esfera (o que os alunos
chamaram de bola); e assim, consequentemente, possibilitar a diferenciação entre
esses modelos.
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Cármen Lúcia Brancaglion Passos, Lívia de Oliveira Vasconcelos
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Espaços de Formação de Professores como Cenário de Desenvolvimento do Pensamento Geométrico
O PNAIC foi uma política pública educacional que entrou em vigor no Brasil em
2012 e teve foco a formação continuada de Professores Alfabetizadores. O programa
tinha como proposta um pacto entre o Governo Federal, Distrito Federal, estados
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Cármen Lúcia Brancaglion Passos, Lívia de Oliveira Vasconcelos
3
Identificadas na pesquisa com nomes fictícios.
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Espaços de Formação de Professores como Cenário de Desenvolvimento do Pensamento Geométrico
[...] o Pacto mostrou outro olhar sobre a geometria, quando eu peguei uma
criança e [perguntei] ao virar uma peça do material manipulável e ela falou para
mim que aquela peça não era mais um retângulo [devido a sua rotação]. O que é
um retângulo? E, eu vi que eu tinha feito uma coisa errada, nesses anos todos,
eu nunca tinha feito ou pensado nisso. (Entrevista, professora Joseli, 3º ano,
fev. 2016). (FRANCISCHETTI, 2016, p. 138)
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Cármen Lúcia Brancaglion Passos, Lívia de Oliveira Vasconcelos
4
Nome fictício.
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Espaços de Formação de Professores como Cenário de Desenvolvimento do Pensamento Geométrico
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Cármen Lúcia Brancaglion Passos, Lívia de Oliveira Vasconcelos
Liene: Olá a todos! Hoje em dia gosto muito de ensinar matemática. Mas nem
sempre foi assim. Quando criança e adolescente, sofria muito. Não entendia
nada da matéria. Em época de provas e notas, nem me iludia, tanto que repeti
de ano duas vezes. Uma tragédia! Os detalhes eu não me esqueço, mas só
para ter certeza de não reproduzi-los. Esse dilema só teve fim quando eu resolvi
me entender com a matemática, fazendo as pazes com ela. Sim, isso mesmo.
Partiu de mim a iniciativa. Eu já era adulta, já tinha alguns anos de experiência,
(tinha feito o magistério) e não me sentia bem com meu posicionamento diante
de minha “ensinagem” no campo da matemática. Não queria que meus alunos
passassem pelo que eu havia passado. Então, comecei a estudar, pesquisar e
tirar dúvidas com pessoas que sabiam matemática (muito mais do que eu!).
Precisei de coragem, tempo, cara de pau e humildade. Quando inicia o ano
letivo, geralmente fazemos uma conversa inicial com os alunos. Há três anos,
nesse dia, quando todos estão com aquela expectativa e ansiedade, pergunto
qual a matéria que eles mais gostam. A matemática fica sempre em último ou
penúltimo lugar para a maioria. Dizem que é difícil e chata. Então eu afirmo que
não é chata e proponho um desafio: digo a eles que até o final do ano, todos
estarão gostando muito de matemática...E há três anos tenho conseguido!!! Pra
maioria. Abraços. (Fórum de Socialização e Apresentação)
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Espaços de Formação de Professores como Cenário de Desenvolvimento do Pensamento Geométrico
surgem a partir do problema lançado e não na resposta final. “Essas ideias emergentes
serão provavelmente mais integradas com as já existentes e, portanto, haverá uma
melhor compreensão” (VAN DE WALLE, 2009, p. 59).
Com o objetivo de explorar o tópico de localização e movimentação e minimizar
uma lacuna do ensino de geometria nos anos iniciais, que tem “ignorado os sentidos,
o próprio corpo e as experiências dos estudantes em relação ao espaço, reduzindo o
estudo da geometria a figuras planas” (BRASIL, 2014, p. 46), elaboramos o fórum
“Onde está Wally7?”. Nesse problema os participantes tinham como desafio encontrar
o personagem em meio ao cenário e descrever no ambiente virtual - fórum - maneiras
para localizá-lo. Configuramos o fórum para que as participantes só tivessem acesso
à resposta das colegas depois que efetuassem sua própria postagem. A professora
experiente Silvia8, explicou a localização de Wally da seguinte maneira:
Silvia: Olá, pessoal! Que difícil encontrar esse personagem! Mas eu acredito ter
encontrado. Porém, agora ficou difícil descrever sua localização, mesmo e apesar
da imagem tridimensional. Na minha concepção, o Wally está no chão entre as
imagens do Superman e de um avião que está exibindo uma faixa. Ele está próximo,
um pouco à frente e à direita da estátua de um animal com chifres. Esta estátua
está atrás de uns arbustos. Atrás do Wally há uma construção com muitas portas
e janelas. Ele está, aproximadamente, em frente e de costas para a 2ª porta (da
direita p/ a esquerda na imagem). Ao solo, ele está de frente para um homem negro
de camiseta azul e atrás dele há dois homens: um de camiseta branca e o outro de
camiseta amarela. De costas para o Wally, está um homem branco, forte, trajando
calça branca, camisa azul e blazer vermelha. Espero que essas comandas sejam
viáveis para a localização do Wally. Foi o que pensei no momento. Estou curiosa
para ler a descrição dos colegas de curso... Rsrs. Abraços! (Fórum 3 – Onde está
Wally?, negrito nossos).
Para descrever onde está Wally, em meio a um cenário que faz uso de recursos
visuais colocados intencionalmente para dificultar o investigador, Silvia mobiliza as
noções de lateralidade e o conceito de referencial, que são ideias complementares.
7
Wally é o personagem principal de uma série de livros criada pelo ilustrador Martin Handford. Nas ilustrações
dos livros o leitor precisa encontrar, em algum lugar, o Wally, personagem central da série que está escondido.
Utilizamos uma ilustração em três dimensões para discussão com as professoras. Link da Ilustração:
<https://www.fastcompany.com/3065798/good-luck-figuring-out-wheres-waldo-in-360-degrees>.
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Nome fictício.
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Cármen Lúcia Brancaglion Passos, Lívia de Oliveira Vasconcelos
Para pensar em expressões como direita, esquerda, à frente e atrás, faz-se necessário
especificar a direita ou a esquerda de qual referencial.
O primeiro referencial adotado pela criança é seu próprio corpo. À medida que ela
amadurece essa ideia, consegue eleger também referenciais externos como objetos
e pessoas. No caso de Silvia, ela vai mencionando diversos referenciais que estão
demarcados em negrito no excerto, demonstrando a complexidade de ideias que estão
presente na tarefa de encontrar Wally.
Utilizando orientações da metodologia de resolução de problemas, foi possível
criar atividades, como a do Wally, que contribuíram para o desenvolvimento do
pensamento geométrico dos participantes. Por meio de fóruns e do desenvolvimento
de planos de aula, foi possível também debater a respeito do papel da linguagem e
das representações em aulas de geometria, sobre a necessidade de desenvolver um
repertório geométrico para que o aluno consiga comunicar suas ideias e elaborar e
interpretar representações.
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Espaços de Formação de Professores como Cenário de Desenvolvimento do Pensamento Geométrico
Referências
BRASIL. Pacto nacional pela alfabetização na idade certa: geometria. Brasília: MEC,
SEB, 2014.
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Cármen Lúcia Brancaglion Passos, Lívia de Oliveira Vasconcelos
um olhar a partir da provinha Brasil. Revista Educ. Matem. Pesq., São Paulo, v. 16, n.
4, pp. 1147-1168, 2014.
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A alfabetização científica nas aulas de ciências: uma
proposta de formação continuada para professores
dos anos iniciais de Mato Grosso
Introdução
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A alfabetização científica nas aulas de ciências: uma proposta de formação continuada para professores
dos anos iniciais de Mato Grosso
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Verondina Ferreira Santana, Ana Carolina Araújo da Silva
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A alfabetização científica nas aulas de ciências: uma proposta de formação continuada para professores
dos anos iniciais de Mato Grosso
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Verondina Ferreira Santana, Ana Carolina Araújo da Silva
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A alfabetização científica nas aulas de ciências: uma proposta de formação continuada para professores
dos anos iniciais de Mato Grosso
afirmam alguns teóricos, torna se necessário buscar uma formação continuada que
possa auxiliá-los e assim promover um ensino, no qual os alunos desenvolvam uma
aprendizagem com qualidade.
A formação foi proposta a partir de metodologias que abrangessem a alfabetização
científica e também oficinas e socializações das práticas.
A princípio entregamos uma folha para que os participantes escrevessem quais
seriam suas maiores dificuldades em trabalhar a disciplina de Ciências, bem como
quais os conteúdos enfrentavam dificuldades para ministrar, o diagnóstico nos
mostrou que temas como meio ambiente, células, tecnologias no ensino de ciências,
sexualidade, gêneros, dentre outros eram muito complexos, carecia então de um
olhar mais amplo e específico para compreender e aprender como abordar essas
temáticas em sala de aula.
No primeiro encontro, discutimos o que é Meio Ambiente e coadunamos com
Lima e Silva (1999) quando nos trazem que é um “conjunto de fatores naturais, sociais
e culturais que envolvem um indivíduo e com os quais ele interage, influenciando e
sendo influenciado por eles”, pois mostramos a eles que este conceito vai para além
da natureza, mas que estamos imersos em vários meio ambientes, por exemplo:
ambiente familiar, ambiente externo, ambiente virtual, entre outros.
Assim, desenvolvemos nos encontros oficinas para melhor compreensão destes
conceitos que eles apresentaram dificuldades em desenvolver.
No segundo encontro, foram discutidos conceitos de célula e uma oficina para
montarem células comestíveis. Deste modo, separamos os docentes em 5 grupos
e entregamos a eles desenhos esquemáticos de célula eucariótica animal e vegetal.
Para realizar essa atividade foram disponibilizados diversos doces de variadas formas
e cores, bombons, leite condensado, leite ninho e bolo. Orientamos aos professores
que utilizassem o bolo para representar a célula e representando o citoplasma o leite
condensado e leite ninho.
Conforme fossem olhando para o desenho íamos discutido qual organela colocar
na célula e também qual era sua função deixando-os à vontade para escolher o doce,
ou bombom, que iriam utilizar para representar as organelas. Nos grupos que tinham
professores de Ciências dos anos finais e médio junto aos pedagogos observamos
que o trabalho fluiu melhor do que os que tinham apenas unidocentes. Depois de
confeccionar a célula escolhida, chegou o momento mais esperado por eles: comerem
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Verondina Ferreira Santana, Ana Carolina Araújo da Silva
as células que fizeram e conforme degustavam teriam que dizer qual a organela,
suas funções e importância no funcionamento dos organismos vivos com o intuito de
alfabetizar cientificamente os professores com os conceitos.
Observamos que houve uma compreensão melhor sobre os conceitos de
células por meio da realização desta oficina, desta forma foi lhes proporcionado
uma aprendizagem significativa. Percebemos que o ensino desta disciplina pelos
pedagogos ainda encontra muitas dificuldades, pois só após a assimilação pelos
professores destes conceitos é que eles puderam desenvolvê-la em sala de aula com
mais segurança. Pedracini et al (2007, p. 301), enfatiza que “parece evidente que o
modo como o ensino é organizado e conduzido está sendo pouco eficaz em promover
o desenvolvimento conceitual”.
Neste sentido, se faz necessário que os professores dos anos iniciais da educação
básica de ensino compreendam esses conceitos imprescindíveis ao desenvolvimento
de seu trabalho docente, de acordo com Chassot (2014, p. 17) “somente a partir da
compreensão das ciências é que podemos instruir nossos alunos a fazer uma leitura
do mundo em que vive e assim conseguir transformar o que se faz neste mundo.”
A sexualidade e os gêneros foram muito discutidos pelo grupo, pois encontram
dificuldades em trabalhar com os alunos, logo assistimos a um vídeo de Drauzio
Varela que aborda esse assunto, e a partir das discussões puderam compreender de
que forma pode ser levada para a sala de aula essa temática tão polêmica. Uma vez
que envolve toda a parte biológica e química das funções do organismo humano.
Para os docentes dos anos finais foi gratificante a interação com os pedagogos,
pois eles têm muita facilidade em desenvolver atividades lúdicas. Conforme Kraemer
(2010, p.1-3) “as atividades lúdicas são utilizadas desde a antiguidade” e para ela
“brincando a criança e o adulto aprende a compreender o mundo em que vivem”.
Para além, foi realizada uma oficina no laboratório de informática em que
discutimos a importância de se trabalhar a ludicidade por meio da utilização das
tecnologias. Discutimos o conceito de lúdico, como pode ser abordado no ensino
fundamental, contextualizamos objetos de aprendizagem, no qual Cunha (2004)
preconiza que os jogos
são indicados como um tipo de recurso didático educativo que podem ser
utilizados em momentos distintos, como na apresentação de um conteúdo,
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A alfabetização científica nas aulas de ciências: uma proposta de formação continuada para professores
dos anos iniciais de Mato Grosso
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Verondina Ferreira Santana, Ana Carolina Araújo da Silva
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A alfabetização científica nas aulas de ciências: uma proposta de formação continuada para professores
dos anos iniciais de Mato Grosso
Considerações finais
41
Verondina Ferreira Santana, Ana Carolina Araújo da Silva
unidades escolares, em que houve uma aproximação dos professores dos anos iniciais,
finais e médio no momento do planejamento das aulas. Sendo assim, a formação
continuada desses docentes a partir da troca de saberes possibilitou um melhor
trabalho no momento do planejamento e execução da aula, buscando assim uma
melhor maneira de trabalhar os conceitos da disciplina de Ciências em todo o Ensino
Fundamental e Médio, consequentemente uma melhor aprendizagem dos alunos e
uma melhoria na qualidade do ensino.
Referências
42
A alfabetização científica nas aulas de ciências: uma proposta de formação continuada para professores
dos anos iniciais de Mato Grosso
SÁ, Eliane Ferreira de.; Paula, H. F. ; MUNFORD, D.. Ensino de Ciências com caráter
investigativo II. In: Maria Emília Caixeta de Castro Lima; Carmen Maria De Caro
Martins; Danusa Munford. (Org.). Ensino de Ciências com caráter investigativo II. Belo
Horizonte, 2009
43
Narrativas de formação de uma professora que ensina
matemática nos anos iniciais
Introdução
tanto, a primeira autora deste texto escreveu narrativas autobiográficas e relatou suas
vivências e experiências nas disciplinas de um curso de Especialização em Ensino de
Ciências e Matemática nos anos iniciais. Neste capítulo, abordaremos e discutiremos
apenas as narrativas que trataram das disciplinas de matemática.
Inicialmente, apresento as reflexões teóricas que norteiam a escrita deste texto.
Em seguida, descrevo a abordagem metodológica adotada neste trabalho e o contexto
de produção das narrativas. Depois trago as narrativas e suas respectivas análises
e reflexões. Por fim, teço algumas considerações em que expresso as implicações
do trabalho para minha formação docente e para meu desenvolvimento pessoal e
profissional.
45
Beatriz Gonçalves de Faria, Reginaldo Fernando Carneiro
Ampliando esse conceito, Marcelo (2009) defende ainda que devemos compre
ender o desenvolvimento profissional dos professores como uma construção do
eu profissional, que evolui ao longo de sua carreira e que sofre influências dos
mais diferentes contextos. Em outras palavras, é a construção de uma identidade
profissional, um processo evolutivo de interpretação de si e que se traduz na forma
como os professores definem-se a si mesmos e aos outros.
Assim, a identidade vai sendo construída ao longo da vida, pois “não é um dado
adquirido, não é uma propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas
e de conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e de estar na profissão”
(NÓVOA apud CAPORALE; NACARATO, 2018, p. 573).
Esse processo de formação construído permanentemente e de forma única em
cada um, perpassa pela forma que cada professor, como autor de sua própria história,
confere sentido à sua prática docente no cotidiano, a partir do seu modo de ser e
estar no mundo, com seus valores, com sua história, com seus saberes, com suas
angústias, nas suas mais diversas relações e nos mais diversos contextos.
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Narrativas de formação de uma professora que ensina matemática nos anos iniciais
47
Beatriz Gonçalves de Faria, Reginaldo Fernando Carneiro
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Narrativas de formação de uma professora que ensina matemática nos anos iniciais
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Beatriz Gonçalves de Faria, Reginaldo Fernando Carneiro
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Narrativas de formação de uma professora que ensina matemática nos anos iniciais
Meu trabalho, em parceria com uma amiga, foi sobre resolução de problemas e
nosso objetivo era desenvolver uma atividade que, além de atrativa e diversificada,
permitisse a construção de conteúdos matemáticos de forma significativa,
possibilitando que a criança criasse, refletisse e utilizasse diferentes estratégias
para a solução. Para isto, desenvolvemos um trabalho a partir da literatura
através do livro “E o dente ainda doía” de Ana Terra e construímos pequenos
problemas apoiados na história do livro. O resultado nos agradou tanto que
decidimos apresentá-lo na terceira edição do Encontro de Práticas em Ciências
e Matemática nos Anos Iniciais (CIMAI).
51
Beatriz Gonçalves de Faria, Reginaldo Fernando Carneiro
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Narrativas de formação de uma professora que ensina matemática nos anos iniciais
[...] a realização de atividades com os alunos a partir de uma história que havíamos
criado na disciplina da especialização. Em parceria com três amigas, desenvolvi
uma história em quadrinhos de quatro cenas que abordava o aniversário da
Magali e a ida da turma da Mônica para uma pizzaria para comemorar o dia.
Inicialmente havíamos pensado na história para trabalhar os conteúdos de fração
e possibilidades de combinação, mas, como desenvolvi a atividade com alunos
do primeiro ano do ensino fundamental, tive que fazer algumas adaptações
e trabalhei com eles sobre a divisão da pizza utilizando materiais concretos,
discutimos sobre diferentes soluções para o problema apresentado na história
(Magali ter comido todo o restante da pizza) e construímos um gráfico sobre os
sabores de pizza preferidos pelos alunos.
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Beatriz Gonçalves de Faria, Reginaldo Fernando Carneiro
de crianças pode gerar certa agitação, mas, como apontam Filho e Ghedin (2018),
os alunos são curiosos o suficiente para iniciar um processo investigativo e devem
compreender a matemática como uma ciência útil, que os ajude a compreender,
explicar ou organizar sua realidade. Os alunos sentem a necessidade de coisas novas,
de atividades que lhes tragam algum significado, assim o professor pode direcionar
esse tipo de atividade.
E, de fato, as crianças não estavam acostumadas a trabalhar em grupos e ao
realizar a proposta de uma dinâmica de trabalho diferente do habitual, é natural que
cause nelas uma movimentação, estranhamento e aparente desordem na turma.
Mas, o resultado foi muito positivo e além do esperado, pois as crianças ficaram
empolgadas e participaram ativamente das atividades propostas, inclusive as crianças
que possuem mais dificuldades e, normalmente, não se manifestam ou aquelas que
frequentemente demonstram desinteresse e apatia. Nossa postura enquanto professor
diante dessas e de outras situações também precisa ser repensada.
A disciplina “Educação Matemática: Concepções e Aspectos Filosóficos”
atendeu exatamente a esse propósito, pois nos tirou de nossa zona de conforto. Para
muito além de conteúdos matemáticos, a disciplina levou-nos a refletir, desconstruir
e reconstruir nossos olhares e nossas práticas.
54
Narrativas de formação de uma professora que ensina matemática nos anos iniciais
E na sala de aula acontece muita coisa, nós é que estamos habituados a não
ver ou a não querer ver. Não queremos abrir espaço para o novo que chega,
de repente, sem avisar. Afinal, não temos dúvidas que é muito mais cômodo
e seguro se orientar pelo currículo proposto e seguir o planejamento de uma
aula do que responder a uma questão inusitada, falar de um acontecimento
importante, dar espaço para que uma novidade seja compartilhada, entrar em
uma brincadeira, ouvir uma piada, contar um caso, explicar um fenômeno na
natureza, observar uma borboleta voando que passa devagar... “Quantas vezes
dizemos “não é hora disto” ou “não temos tempo para isto agora” ou ainda “se
sobrar tempo fazemos isto”? Que tempo é este que nunca temos? Que tempo
é este que nos consome? Que tempo é este que nunca podemos perder? Que
tempo é este de aprender? Aprendemos somente quando estamos debruçados
sobre conteúdos impostos pelo currículo? Aprendemos apenas quando seguimos
o planejamento? Quanto de aprendizagem não poderia aparecer no que passa
despercebido em uma sala de aula? Não aprendemos quando falamos da vida?
Não é tarefa fácil desenvolver um olhar sensível para essas sutilezas, mas a
disciplina despertou esse desejo. E despertou também para refletir sobre o processo
de ensino e aprendizagem e para repensar o aluno que desejo formar e o profissional
que desejo ser, delineando a minha identidade profissional, os espaços que desejo ou
não ocupar e os modos de ser e estar na profissão.
Envolver-me nesse processo foi fundamental para minha formação, pois precisamos
ter clareza do papel que queremos exercer e como explicitam Filho e Ghedin (2018),
enquanto os professores não forem protagonistas de seu desenvolvimento profissional
e enquanto a formação do professor não assumir uma identidade, o docente seguirá
carente de reflexões sobre a sua práxis.
55
Beatriz Gonçalves de Faria, Reginaldo Fernando Carneiro
Algumas considerações
56
Narrativas de formação de uma professora que ensina matemática nos anos iniciais
57
Beatriz Gonçalves de Faria, Reginaldo Fernando Carneiro
Referências
SILVA, Francisco das Chagas Rodrigues da; MAIA, Sidclay Ferreira. Narrativas
autobiográficas: interfaces com a pesquisa sobre formação de professores. In:
ENCONTRO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO DA UFPI, 6., 2010, Teresina. Anais...
Teresina, 2010.
58
Formação continuada de professores que lecionam
ciências nos anos iniciais do ensino fundamental:
superando medos e angústias numa experiência de
pesquisa-ação com brinquedos científicos
Introdução
científicos projetados para esse fim (EIRAS; MENEZES, 2012), e foi norteada pelo
ideal de fazer com que as ações formativas ultrapassassem os limites dos modelos
tradicionais de capacitação que, em geral, instrumentaliza o professor, mas não dá
suporte para a aplicação em sala de aula.
Nesse sentido, o curso foi organizado em módulos que intercalavam o estudo da
metodologia com aplicações em turmas piloto, conduzidas pelas próprias professoras
cursistas acompanhadas por um professor formador. É importante destacar que isso
só foi possível porque a proposta contou com o apoio da Secretaria Municipal de
Educação que liberou as professoras em um turno aula da semana para participar
do curso. Dessa forma, as aplicações nas turmas pilotos podiam ser acompanhadas
todas as professoras cursistas.
Posteriormente, em 2013, com o apoio do programa de pesquisa em educação
básica da “Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerias” (FAPEMIG),
tivemos a oportunidade de elaborar um novo projeto que possibilitou o acompanhamento
da transposição dessa metodologia em uma turma do 5º ano do ensino fundamental
de uma escola pública de tempo integral, durante um ano letivo regular. Para isso, foi
feita uma parceria com uma das escolas inscrita no curso de capacitação ministrado
em 2012. Por motivos pessoais, a professora que havia passado pela capacitação não
pode participar desse novo projeto. Em seu lugar a direção da escola indicou outra
professora que se tornou membro da equipe de pesquisadores e recebeu o apoio de
uma bolsa de pesquisa durante o tempo em que permaneceu no projeto.
Neste texto narramos e analisamos uma parte do processo de desenvolvimento
profissional dessa professora durante a execução do projeto. Partimos da perspectiva
de uma pesquisa qualitativa orientada pelos pressupostos da pesquisa-ação formativa
(MION; SAITO, 2001). A análise da experiência vivenciada pela professora foi conduzida
através de uma ação auto reflexiva crítica que envolveu a elaboração de um diário
de bordo, que foi revisitado posteriormente, a partir da releitura das aulas registradas
em vídeo, em um processo recursivo orientado pela teoria da ação dialógica de Paulo
Freire.
60
Formação continuada de professores que lecionam ciências nos anos iniciais do ensino fundamental:
superando medos e angústias numa experiência de pesquisa-ação com brinquedos científicos
Referencial teórico
A formação inicial dos professores que lecionam ciências nos anos iniciais do ensino
fundamental
[…] A análise dos conteúdos das ementas indica, que nas disciplinas referentes aos
conhecimentos relativos à formação profissional específica também predominam
enfoques que buscam fundamentar os conhecimentos de diversas áreas, mas
pouco exploram seus desdobramentos em termos das práticas educacionais.
Suas ementas frequentemente expressão preocupação com justificativas,
com o porquê ensinar, o que pode contribuir para evitar que os conteúdos se
transformem em meros receituários. Entretanto, só de forma muito insipiente
registram o quê e como ensinar. […]. (GATTI; BARRETO, 2009, p.121)
Com ponderações que não iremos tratar neste texto, esse tipo de formação
quase sempre gera insegurança ao professor quando desafiado a lidar com conteúdos
de áreas específicas, em especial no campo das ciências da natureza (LORENZETTI;
DELIZOICOV, 2001; HAMBURGUER, 2007; BAROLLI; BELUSCI, 2013).
Os cursos de capacitação em ensino de ciências têm sido uma estratégia
amplamente utilizada para cobrir possíveis lacunas da formação inicial dos
professores que atuam nos anos iniciais do ensino fundamental. Entretanto, alguns
estudos indicam que os resultados desse tipo de estratégia costumam ser bastante
tímidos (DAMASIO; STEFFANI, 2008; MONTEIRO; MONTEIRO, 2010). De acordo
com esses estudos, uma das principais fragilidades desses cursos encontra-se na
distância entre os saberes acadêmicos abordados e os saberes experienciais dos
61
Paulo Henrique Dias Menezes, Vanessa Cristina Mattoso
62
Formação continuada de professores que lecionam ciências nos anos iniciais do ensino fundamental:
superando medos e angústias numa experiência de pesquisa-ação com brinquedos científicos
Freire (1993), uma ação dialógica deve apresentar quatro características principais:
a colaboração, a união, a organização e a síntese cultural. A colaboração, como
característica primeira, se opõe à conquista naquilo que Freire denomina de ação
antidialógica. Para Freire (1993), na teoria dialógica da ação não há um objeto a ser
dominado ou conquistado e sim sujeitos que se encontram para a pronúncia do mundo
em co-laboração. Essa colaboração se concretiza na comunicação, que tem no diálogo
o principal elemento de articulação e mediação.
Na concepção de colaboração de Freire, os sujeitos dialógicos se voltam sobre a
realidade, problematizando-a. As respostas aos desafios da realidade problematizada
já são, em si, ações dos sujeitos sobre a realidade para transformá-la por meio do
“desvelamento” do mundo e da “desmitificação”.
A união – como segunda característica da ação dialógica – se dá em favor da
libertação. Para Freire (1993, p.172-173), os sujeitos oprimidos se encontram em
situação de “aderência” à realidade que se apresenta como algo “todo-poderoso,
esmagador”, que o aliena, dando-lhe um conhecimento falso de si e da própria
realidade. Por isso, a união deve ocorrer no sentido de uma ação libertadora em que os
sujeitos “reconhecendo o porquê e o como de sua aderência (à realidade mitificada),
exerçam um ato de adesão à práxis verdadeira de transformação da realidade”.
Na teoria da ação dialógica, a organização é o “processo no qual a liderança
(considerada como democrática e revolucionária) instaura o aprendizado da pronúncia
do mundo, aprendizado verdadeiro, por isto, dialógico.” (FREIRE, 1993, p.177). Freire
considera a organização como um desdobramento natural da união. Por isso, na
concepção libertadora de Freire, a liderança não pode dizer sua palavra sozinha, mas,
sim, com o outro.
A síntese cultural reconhece e funda-se nas diferentes visões dos diferentes
sujeitos. Para Freire (1993, p.178), “toda ação cultural é sempre uma forma
sistematizada e deliberada de ação que incide sobre a estrutura social, ora no sentido
de mantê-la como está ou mais ou menos como está, ora no de transformá-la.”
Com isso, a síntese cultural pode estar a serviço da dominação ou da libertação dos
homens, se constituindo naquilo que Freire (1993, p.179) denomina de “dialeticidade
permanência-mudança”. Desta forma, uma ação cultural dialógica não visa fazer
desaparecer essa dialeticidade, mas superar as contradições antagônicas que impedem
a libertação dos homens.
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Paulo Henrique Dias Menezes, Vanessa Cristina Mattoso
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Formação continuada de professores que lecionam ciências nos anos iniciais do ensino fundamental:
superando medos e angústias numa experiência de pesquisa-ação com brinquedos científicos
A metodologia do estudo
O contexto da pesquisa
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Paulo Henrique Dias Menezes, Vanessa Cristina Mattoso
O contexto da escola
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Formação continuada de professores que lecionam ciências nos anos iniciais do ensino fundamental:
superando medos e angústias numa experiência de pesquisa-ação com brinquedos científicos
escola eram filhos de mães que vinham trabalhar nas residências localizadas nas
proximidades da escola.
O espaço físico era muito restrito, possibilitando oferecer apenas uma sala
de aula para cada ano escolar. A rotatividade das crianças era baixa, com isso um
determinado aluno convivia com os mesmos colegas desde sua entrada na escola até
a saída no quinto ano.
Na época da pesquisa a escola funcionava das 7:50 às 16:10. As atividades
curriculares eram vinculadas com outras atividades diversificadas, como a dança e o
teatro. Havia também, outros projetos em andamento desenvolvidos pelos professores
de forma interdisciplinar. Esses projetos visavam garantir não somente a ampliação
do tempo de permanência dos alunos na escola, mas também a perspectiva de uma
educação integral.
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Paulo Henrique Dias Menezes, Vanessa Cristina Mattoso
Medo e coragem
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Formação continuada de professores que lecionam ciências nos anos iniciais do ensino fundamental:
superando medos e angústias numa experiência de pesquisa-ação com brinquedos científicos
Neste fragmento, do relato da 2ª aula, o medo ainda está presente, mas não é
um medo que paralisa. A professora não só consegue propor ações para superar as
dificuldades encontradas na 1ª aula, mas também reconhece o efeito dessas ações no
comportamento e no aprendizado dos alunos. Esse tipo de reflexão dificilmente ocorre
de forma isolada. A construção dessa narrativa já é por si só uma ação dialógica,
visando a comunicação com o grupo de pesquisa. Dessa forma entendemos que a
participação em programas de formação continuada não pode se constituir somente
por eventos isolados em que o professor recebe uma série de informações durante a
capacitação e depois é abandonado na hora da aplicação em sala de aula.
É importante frisar que no processo da ação dialógica proposta por Freire o
objetivo não é transformar uma consciência transitiva ingênua em uma consciência
transitiva crítica, mas sim, manter a transitividade da consciência de tal modo a não
permitir o predomínio de uma consciência ingênua.
69
Paulo Henrique Dias Menezes, Vanessa Cristina Mattoso
O Brinca Ciência apresenta uma nova forma de ensinar com a qual a professora
não estava habituada. Às vezes a mudança pode representar um desafio capaz de
imobilizar as ações do professor a ponto de ele desistir da inovação e retornar aos
métodos convencionais. Na ação dialógica a insegurança não vai desaparecer, mas
também não irá se tornar um impedimento para que o processo continue. A coragem
para o enfrentamento surge da confiança que se tem no grupo. Em saber que há com
quem se possa compartilhar as angústias e, ao mesmo tempo, buscar o apoio para o
enfrentamento delas.
Com o passar do tempo a professora foi, aos poucos, reconhecendo os resultados
e superando suas principais dificuldades, como, por exemplo, a dependência da leitura
da explicação apresentada no caderno de atividades.
A cada aula do Brinca Ciência que se aproxima percebo como os alunos vibram
e fazem questão de que as aulas aconteçam. [...]
[..] Mesmo com muita insegurança, procurei falar e não ler sobre que tipo de
material que é bom para produzir som, sobre a importância da caixa de ressonância
encontrada em alguns instrumentos e sobre como a própria sala onde os sons
são produzidos funcionam como uma caixa de ressonância. (Fragmentos do
relato da 6ª aula. Destaques nossos)
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Formação continuada de professores que lecionam ciências nos anos iniciais do ensino fundamental:
superando medos e angústias numa experiência de pesquisa-ação com brinquedos científicos
Considerações finais
71
Paulo Henrique Dias Menezes, Vanessa Cristina Mattoso
Agradecimentos
Referências
DAMASIO, F.; STEFFANI, M. H. A física nas séries iniciais (2ª a 5ª) do ensino
fundamental: desenvolvimento e aplicação de um programa visando a qualificação
de professores. Revista brasileira de ensino de física. São Paulo. Vol. 30, n. 4 (dez.
2008), 4503, 9 p., 2008.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 24. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2000.150p.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.185p.
KLISYS, A.; SCARINCI, A. L.; FONSEDA NETO, A.; SONCINI, M. I. Brinca Ciência: um
ensaio lúdico educativo sobre ciência & tecnologia na escola pública do município de
Santo André. 1.ed. São Paulo: Soft Graf Editora, 2010.v.1.
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Formação continuada de professores que lecionam ciências nos anos iniciais do ensino fundamental:
superando medos e angústias numa experiência de pesquisa-ação com brinquedos científicos
ROSA, C. W.; ROSA, A. B.; PECATTI, C. Atividades experimentais nas séries iniciais:
relato de uma investigação. Revista Electrônica de Enseñanza de las Ciencias, v.6,
n.2, p.263-274, 2007.
73
Processos educativos: composições e aprendizagens e
formação docente
Ao final de abril do ano de dois mil e dezesseis, chega a mim uma conquista.
Conquista banhada com poesia e, contudo, algo mais. Torno-me graduada em
Pedagogia pela Faculdade de Educação (Faced) da Universidade Federal de Juiz de
Fora (UFJF). Num breve contexto, destaco que durante a graduação sempre participei
de projetos e bolsas que muito contribuíram com minha formação. Tive participação
numa pesquisa2 muito significativa, como bolsista de Iniciação Científica, que chegou
até mim como um presente para possibilitar pensar em outros modos possíveis de
educar e modos outros de ocupar as salas de aula da Educação Básica junto ao que
se aproxima da Educação Matemática. Hoje, posso dizer que as salas de aula se
tornaram grandes exercícios que se abrem aos possíveis no território do pesquisar e
no entorno da formação docente.
1
LAWRENCE, 1994, p. 1.
2
Intitulada: Formação de professores que ensinam matemática: produção do conhecimento matemático
através do dispositivo-oficina e seus efeitos no ensino e na aprendizagem da matemática na escola,
financiada pela (FAPEMIG/CAPES), através do Edital para Educação Básica (13/2012 – Processo APQ-
03416-12).
Processos educativos: composições e aprendizagens e formação docente
75
Leiliane Aparecida Gonçalves Paixão
Venho percebendo nessas tramas que para a aprendizagem não basta apenas
a solução dos problemas. É possível notar uma aprendizagem como produção de
subjetividade, como invenção de si. Um pensar como exercício de problematização.
Exercício de arrombamento, tombando um eu em fazeção que reinventa.
Enquanto professora, venho pensando numa figura que se deixa ser afetada
pelos encontros que vêm, trazendo um movimento de pensar a vida junto aos seus
acontecimentos, aos seus encontros. Um corpo-professora-pesquisadora que permite
aberturas às experiências no processo de ensino e aprendizagem.
Assim, como Rotondo destaca é “excitar a experiência no risco com o fora do
pensamento. Agitar viveres colados à representação e ao modo único e verdadeiro
de operar, experimentando a desconfiança. Dando fiança a modos outros de viver”
(2019, p. 129).
76
Processos educativos: composições e aprendizagens e formação docente
77
Leiliane Aparecida Gonçalves Paixão
78
Processos educativos: composições e aprendizagens e formação docente
79
Leiliane Aparecida Gonçalves Paixão
e Matemática nos anos iniciais3, sendo que no quarto Encontro participei como ouvinte
o que possibilitou também participar de modo potente como nos anos anteriores.
Nas participações ao longo dos anos no evento, alguns trabalhos4 enviados para
efetivar diálogos e trocas entre o público participante foram:
3
Os trabalhos citados no texto foram apresentados no CIMAI (Volumes: I, II e III referentes aos anos de
2016, 2017 e 2018) e podem ser conferidos pelos anais do evento de cada ano. Disponíveis em: <http://
www.ufjf.br/anaisdocimai/>.
4 Os trabalhos foram inspirados junto às oficinas desenvolvidas na época em que fui bolsista de Iniciação
Científica na pesquisa citada (CAPES/FAPEMIG). Recentemente foi lançado um livro de atividades realizadas
com professores participantes dessa pesquisa. A referência encontra-se em: ROTONDO, M. CAMMAROTA,
G., AZEVEDO, F. Experimentações em educação matemática: entre oficinas e salas de aula. Curitiba:
Appris, 2019.
80
Processos educativos: composições e aprendizagens e formação docente
que o material pode ser usado em diferentes anos escolares e que pode propiciar
momentos enriquecedores (PAIXÃO, 2018).
Assim, tais práticas pedagógicas fizeram com que as reflexões sobre a formação
docente e as práticas desenvolvidas em salas de aula ampliassem meu campo
docente, incluindo a participação no quarto encontro, que embora não tenha enviado
trabalho, a escuta atenta aos trabalhos apresentados, muito contribuíram ao meu
fazer pedagógico, considerando a recém-formação em Pedagogia e o trabalho com
crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Pode-se dizer que a aprendizagem não se dá como aquisição, mas como uma
complicação, sendo na implicação com o que acontece numa sala de aula. Uma
aprendizagem que se dá no estar com, no entre, em processo.
Assim como numa sala de aula, os planejamentos do professor são feitos. Mas
o que vem quando se chega à sala de aula? Outros movimentos acontecem e o que
havia sido planejado pode ocorrer de outros modos, atravessam outros caminhos,
como na oficina de cerâmica, envolvendo certa expectativa com o encontro que
chega. Nesse exercício, sala de aula e seus atravessamentos com aprendizagens,
81
Leiliane Aparecida Gonçalves Paixão
banhada por encontros. Venho apostando numa aprendizagem que não forme hábitos
cristalizados, com modos únicos. Segundo Kastrup “a aprendizagem inclui a experiência
de problematização e a invenção de problemas” (2005, p. 1282).
82
Processos educativos: composições e aprendizagens e formação docente
Referências
CAMPOS, Juliana; TOMÉ, Neila. Geometria e HQ’s, vamos fazer? Uma prática de
leitura e produção textual em articulação com a matemática. In: ENCONTRO DE
83
Leiliane Aparecida Gonçalves Paixão
84
Processos educativos: composições e aprendizagens e formação docente
ROOS, Ana Paula. Nunca se sabe como alguém aprende... In: COLÓQUIO FRANCO-
BRASILEIRO DE FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO – O DEVIR-MESTRE: ENTRE DELEUZE E
A EDUCAÇÃO, II., 2004, Rio de Janeiro. Anais..., 2004.
85
Práticas docentes em ciências e matemática de
professores dos anos iniciais: aprendizagens e reflexões
Ser professora sempre foi meu grande sonho. Amava estar com as crianças e
sentia uma vontade imensa de fazer algo por elas de forma efetiva.
Cursei pedagogia e fiz os estágios obrigatórios durante a faculdade, porém
sentia falta de uma aproximação maior da teoria de sala de aula com a prática que
me deparava nas escolas. Não via relevância em todos os conteúdos estudados e
percebia uma lacuna enorme entre essas duas vertentes que me faziam sentir insegura
e amedrontada, visto que lidaria com vidas e com a formação de pessoas, algo que
considero de suma importância e de muita responsabilidade. Segundo Libâneo e
Pimenta (1999, p. 267), as investigações sobre
87
Monique Cássia de Assis
A matemática era vista como tabu pelos alunos. Ela era trabalhada apenas no
quadro de forma mecânica e sem momentos de interação ou concretos. A disciplina
de ciências era apenas ensinada a partir do livro didático que era considerado quase
que uma “muleta” do professor. Aquelas formas de trabalho não estavam obtendo
êxito com os alunos.
Ao deparar-me com uma realidade totalmente diferente daquela estudada na
graduação em pedagogia (em meu estágio não tive tanta abertura para participação),
percebi que precisava de ajuda. Recebi, então, o convite para participar do projeto e
percebi uma oportunidade que era o que eu buscava.
Os encontros ocorridos no grupo trouxeram infinitas possibilidades. Refletimos
sobre nossa escolha pela carreira docente, como foi nossa jornada na formação,
compartilhamos nossas dúvidas e inseguranças por meio de oficinas, aprendemos
novas formas de construir o conhecimento e transformar o ensino em uma proposta
significativa para o aluno. Pude me desenvolver muito enquanto profissional e pessoa.
Minha prática com esses alunos foi melhorando por conta de minha participação
e das reflexões travadas nos debates do grupo. Ao final do ano letivo, constatei que
consegui envolver mais os alunos e fazer com que o aprendizado ocorresse de forma
mais eficiente.
88
Práticas docentes em ciências e matemática de professores dos anos iniciais: aprendizagens e reflexões
Nossa rotina em sala de aula deve trazer sempre novos estímulos aos alunos.
Precisamos buscar formas de tornar o ensino mais eficaz e estimulante, ou seja,
revestidos de significados.
89
Monique Cássia de Assis
Nesse sentido, trabalhar com projetos torna-se um apoio que pode ser utilizado
com a finalidade de contribuir de maneira positiva, no qual os alunos tenham a pos
sibilidade de avançar no processo de alfabetização e letramento. É uma forma eficaz
de ensinar o aluno a aprender durante o processo e isso fornece oportunidade para
que este se torne sujeito do seu conhecimento.
Com o aumento de casos de pessoas infectadas pelas doenças transmitidas
pelo mosquito Aedes aegypti em nossa cidade, percebi a importância de disseminar
informações junto aos alunos que serão semeadores de tudo que foi apresentado em
classe, aos pais, demais familiares e vizinhança.
O tema foi abordado de forma interdisciplinar, durante 10 aulas – sendo tra
balhado uma vez por semana – em conteúdos: nas disciplinas de ciências, português
e matemática.
O estabelecimento de educação, no qual desenvolvi o Projeto foi a Escola Municipal
“Marieta Miranda Couto”, mesma instituição citada anteriormente, no município de
Matias Barbosa, Minas Gerais, com turmas pertencentes a uma comunidade escolar
que recebe também muitos alunos da zona rural.
Lecionava em uma turma de 2º ano do Ensino Fundamental, composta por 18
crianças de idades entre 6 e 7 anos, sendo 7 meninas e 11 meninos. Conhecia bem a
turma, pois também trabalhei com a sala no 1°ano.
Utilizei como ponto de partida uma simples conversa para ver o que os alunos
conheciam sobre o mosquito Aedes aegypti e a partir dessas informações, planejar de
forma coerente os próximos passos. O trabalho, penso, deve ser significativo para o
aluno, assim ele se sente parte do processo e o interesse, com certeza, será maior.
Trouxe para a sala diversos materiais que abordavam a temática e isso despertou
a curiosidade dos alunos.
Trabalhei também com um livrinho de atividades que o Governo do Estado de
Minas Gerais disponibilizou para as escolas em anos anteriores. Este foi de grande
valia, pois pude explorar o assunto de forma prazerosa e dinâmica. Cada aluno recebeu
o seu exemplar para realizar as inúmeras atividades contidas no material.
Ressalto que os conhecimentos prévios que os alunos possuíam contribuíram
muito para realizarmos as atividades. A oralidade foi bastante explorada durante o
projeto.
Aproveitei para passar um vídeo e aprofundar o tema. Nele os alunos conheceram
90
Práticas docentes em ciências e matemática de professores dos anos iniciais: aprendizagens e reflexões
91
Monique Cássia de Assis
Referências
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Ciências naturais e formação docente na pedagogia:
reflexões na perspectiva de uma educação democrática
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Ciências naturais e formação docente na pedagogia: reflexões na perspectiva de uma educação democrática
1
A produção da Feira de Ensino de Ciências da FEUFF está divulgada em Vilela e Salomão (2016).
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Mariana Lima Vilela
3) A Terra e o tempo
4) A Terra de perto
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Ciências naturais e formação docente na pedagogia: reflexões na perspectiva de uma educação democrática
Modelo para estudo das estações do ano (Fig.2): Um modelo com um sistema “Sol
– Terra” produzido com uma lâmpada, esfera de isopor e palito (de churrasco) reproduz
o movimento de translação da Terra evidenciando a inclinação do eixo de rotação que
permite visualizar a incidência luminosa nos diferentes hemisférios, caracterizando
as estações do ano. O modelo também permite problematizar as estações do ano
em diferentes partes do globo, colocando em questão os estereótipos de figuras de
paisagens comumente veiculados nos livros didáticos.
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Mariana Lima Vilela
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Ciências naturais e formação docente na pedagogia: reflexões na perspectiva de uma educação democrática
Linha do tempo interativa (Fig. 7): Uma exposição em painel com as características
das Eras Geológicas é montada. À frente do painel de cada Era é colocado um modelo
em esfera de isopor pintada representando as características da Terra naquela Era.
Figuras de seres vivos presas em palitos (de dente) de madeira são disponibilizadas e o
observador lê as informações sobre as Eras e adiciona elementos às esferas de isopor,
interagindo e compreendendo as transformações do planeta em cada momento.
99
Mariana Lima Vilela
Uma maquete é montada em uma caixa plástica utilizando argila, pedras, água
e corante azul representando um ambiente estuarino. Sobre a argila são colocadas
algumas pequenas mudas de plantas e pequenas placas com figuras de animais que
habitam o mangue. Um painel com fotos e esquemas que demonstram as adaptações
da flora de solo alagadiço complementam a exposição. O observador participa de uma
discussão com questionamentos sobre a importância ecológica desse ambiente.
100
Ciências naturais e formação docente na pedagogia: reflexões na perspectiva de uma educação democrática
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Mariana Lima Vilela
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Ciências naturais e formação docente na pedagogia: reflexões na perspectiva de uma educação democrática
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Mariana Lima Vilela
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Ciências naturais e formação docente na pedagogia: reflexões na perspectiva de uma educação democrática
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Mariana Lima Vilela
muitas outras formas de vida. Nesse sentido, as Ciências Naturais desafiam valores
antropocêntricos e egocêntricos. Além disso, também podem se ampliar as noções
de dinâmicas e transformações com a compreensão de que coisas aparentemente
estáticas estão mudando permanentemente, seja em fenômenos irreversíveis no
tempo – as transformações da energia, o envelhecimento, o crescimento -, seja por
repetições cíclicas – os ciclos de vida, os ciclos climáticos, os ciclos da matéria
na natureza. O olhar para os processos de construção de conhecimentos científicos
permite ainda, aprender a aceitar a dúvida, o erro, a diversidade de possibilidades
e explicações para determinado fenômeno natural, estimulando a formulação de
hipóteses, o questionamento e, sobretudo a criatividade e a imaginação. Além disso, os
processos de subjetivação podem ser estimulados pela simples percepção de detalhes
e delicadezas do mundo vivo, promovendo o valor a vida em todos os sentidos.
Esse conjunto de possibilidades quanto à socialização e à subjetivação que
podem ser desenvolvidas em abordagens pedagógicas voltadas para temáticas das
Ciências Naturais foram construídas e aprofundadas nas atividades da Feira de Ensino
de Ciências da FEUFF e passaram a compor um repertório de referências para as/os
futuras/os pedagogas/os.
Nesse sentido, retomando a ideia de Paulo Freire de que “A leitura do mundo
precede a leitura da palavra” (FREIRE,1992), as experiências formativas no curso de
Pedagogia da FEUFF também ampliaram o repertório de leitura de mundo e sobre nós
mesmos. E na medida em que isso se torna possível, começamos a vislumbrar uma
compreensão não hierarquizada sobre ser e estar no mundo. A partir dessa experiência
compreendemos que quando muitos mundos – diferentes desse que está posto - se
tornam possíveis, estamos construindo projetos de educação emancipatórios.
Referências
BYBEE, R.W. (1995). Achieving Scientific Literacy, The Science Teacher, v. 62, n. 7,
28-33.
106
Ciências naturais e formação docente na pedagogia: reflexões na perspectiva de uma educação democrática
GERMANO, M.G. Uma nova ciência para um novo senso comum [online]. Campina
Grande: EDUEPB, 2011. 400 p.
107
A formação de professores para a docência em
ciências nos anos iniciais do ensino fundamental
109
Wallace Alves Cabral, Wilton Rabelo Pessoa, Andréia Francisco Afonso
110
A formação de professores para a docência em Ciências nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
111
Wallace Alves Cabral, Wilton Rabelo Pessoa, Andréia Francisco Afonso
112
A formação de professores para a docência em Ciências nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
113
Wallace Alves Cabral, Wilton Rabelo Pessoa, Andréia Francisco Afonso
Considerações finais
114
A formação de professores para a docência em Ciências nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
forma mais ampla, mas necessária para a tomada de decisões para os problemas que
são colocados no dia a dia.
A tomada de decisão pode vir a ser desenvolvida quando são colocadas situações-
problema aos estudantes, desafiando-os a mobilizar os conhecimentos construídos,
a partir de diferentes metodologias utilizadas nas aulas, como, por exemplo, as que
foram planejadas pelas licenciandas: leitura e discussão de história infantil, escrita de
receitas, realização de experimentação, elaboração de desenhos e anotações.
Assim, quando o futuro professor vivencia um ensino de Ciências, voltado a
valorização dos saberes e das descobertas, durante sua formação inicial, ele constrói
saberes que constituirão sua prática docente.
Referências
115
Wallace Alves Cabral, Wilton Rabelo Pessoa, Andréia Francisco Afonso
LIMA, M. E. C. C.; MAUÉS, E. Uma releitura do papel da professora das séries iniciais
no desenvolvimento e aprendizagem de ciências das crianças. Ensaio: pesquisa em
educação em ciências, v.8. n.2., p.184-198, 2006.
116
Inventando ciências (im)possíveis?
Guilherme Trópia
Pedro da Cunha Pinto Neto
Aprendo contigo mas você pensa que eu aprendi com tuas lições, pois
não foi, aprendi o que você nem sonhava em me ensinar. Você acha que
eu ofendo a minha estrutura social com a minha enorme liberdade?
Clarice Lispector, Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, 1998, p.157.
Muitas das questões que elas sugeriram foram extraídas de livros didáticos que
consultavam, como por exemplo: O ar tem peso? Por que as bexigas flutuam?
O que é o ar? Na tentativa de elaborar questões sem empregar o livro didático,
a deficiência nos conteúdos científicos conduzia à formulação de perguntas que
não favoreciam uma ampliação do rol de conhecimentos dos alunos sobre o
tema, como ocorreu com a professora aspirante (...) (LONGHINI, 2008, p.247).
Pensando no ensino de ciências nos anos iniciais, não é difícil perceber que
raramente tópicos de física são abordados em sala de aula. Um dos principais
motivos deve-se ao fato de que a maioria dos professores não consegue (ou
não sabe) ensinar este tema tão amplo e presente na vida cotidiana, já que
não o estudaram durante sua formação inicial e raros tiveram contato durante
a formação continuada. (COLOMBO JÚNIOR et al., 2012, p.490).
118
Inventando ciências (im)possíveis?
119
Guilherme Trópia, Pedro da Cunha Pinto Neto
dado, tudo é rotina. Já se aprendeu o que ver, quando ver e por que ver (...) não
cabem perguntas, dúvidas surpresas, estranhamentos. (...) não há mais espaços para
(re)invenções, para experimentar outras formas de ser (...)”. (CHAVES, 2013, p. 39).
Esses estudos em Educação em Ciências marcam um discurso político fundado sob
uma presumível verdade: os atores sociais são incapazes de pensar por conta própria
aqui materializado pela figura do pedagogo.
A partir da leitura desses estudos, busquei outros olhares que afastavam essa
separação sujeito e objeto de conhecimento, mas foi no trabalho cotidiano com os
alunos do curso de pedagogia que arriscamos não somente um deslizamento de
sentidos da desigualdade e distanciamento entre o sujeito e o conhecimento, mas
pensamentos outros de sujeitos e conhecimentos. Numa tentativa de desnaturalizar o
discurso e anteriormente a qualquer assertiva a designação de um “problema”, pensei
que ensinos e ciências da natureza são possíveis ser inventados com os percursos
formativos. Não assumi como fundamento a perspectiva da “falta” de conteúdos que
antecipa o tradicionalmente considerado “problema” na relação do pedagogo com o
modo de se pensar o mundo natural.
Queria sair da rotina, ver outras coisas, em outros tempos com outros motivos –
e talvez, até sem motivos... Queria perguntar e ser perguntados, inclusive gostaria de
não ter as respostas prontas, de inventar, também de aprender, de expormos juntos.
Queria estranhar a ciência e possibilitar ciências... Queria expandir o espaço, o tempo,
experimentar formas de ser outra coisa, inclusive outras gentes. O poeta Manoel de
Barros (2010, p. 302) nos impulsionava quando diz que “as coisas não querem mais
ser vistas por pessoas razoáveis: Elas desejam ser olhadas de azul – Que nem uma
criança que você olha de ave”. Era preciso, talvez, permitir sermos outras coisas para
estar na disciplina de outros modos: inventando ciências (im)possíveis?
Na tentativa de desnaturalizar formações, ensinos e ciências que modulam,
calam, definem, restringem nossa apropriação da vida, nosso movimento no
mundo, apostamos em movimentos de explorar a vida e experimentar o mundo em
pensamentos. Mas como desenhamos experiências e pensamentos nas relações entre
sujeito e objeto de conhecimento diante dessa aposta?
E era bom. “Não entender” era tão vasto que ultrapassava qualquer entender –
entender era sempre limitado. Mas não entender não tinha fronteiras e levava
120
Inventando ciências (im)possíveis?
“(...) a escola chama os jovens para o tempo presente e os liberta tanto da carga
potencial de seu passado quanto da pressão potencial de um futuro pretendido
planejado (ou já perdido). A escola, como uma questão de suspensão, implica
não só a interrupção temporária do tempo (passado e futuro), mas também
a remoção das expectativas, necessidades, papéis e deveres ligados a um
determinado espaço fora da escola. Nesse sentido, a escola é um espaço aberto
e não fixo.” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2014b, p.36-37).
121
Guilherme Trópia, Pedro da Cunha Pinto Neto
1
Ao longo deste texto há vários pequenos textos destacados da obra Uma aprendizagem ou o livro dos
prazeres que acusam essas experiências em que Lóri se arrisca para experimentar o mundo.
122
Inventando ciências (im)possíveis?
A mulher não está sabendo: mas está cumprindo uma coragem. Com a praia
vazia nessa hora, ela não tem o exemplo de outros humanos que transformam
a entrada no mar em simples jogo leviano de viver. Lóri está sozinha. O mar
salgado não é sozinho porque é salgado e grande, e isso é uma realização da
Natureza. A coragem de Lóri é a de, não se conhecendo, no entanto, prosseguir,
e agir sem se conhecer exige coragem.
Clarice Lispector, uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, 1998, p.79.
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Guilherme Trópia, Pedro da Cunha Pinto Neto
A madrugada se abria em luz vacilante. Para Lóri a atmosfera era de milagre. Ela
havia atingido o impossível de si mesma.
Clarice Lispector, uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, 1998, p.159.
Sua voz era outra, perdera o tom do professor, sua voz agora era a de um
homem apenas. Ele quisera ensinar Lóri através de fórmulas? Não, pois não era
homem de fórmulas, agora que nenhuma fórmula servia: ele estava perdido num
mar de alegria e de ameaça de dor. Lóri pôde enfim falar com ele de igual para
124
Inventando ciências (im)possíveis?
igual. Porque enfim ele se dava conta de que não sabia nada e o peso prendia a
sua voz. Mas ele queria a vida nova perigosa.
Clarice Lispector, uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, 1998, p.154.
125
Guilherme Trópia, Pedro da Cunha Pinto Neto
alguma coisa, um saber, uma capacidade, uma energia que está de um lado e
deve passar para o outro. O que o aluno deve aprender é aquilo que o mestre o
faz aprender. (RANCIÈRE, 2012, p. 18).
(...) o ignorante, por sua vez, não se acredita capaz de aprender por si mesmo
– menos, ainda, de instruir um outro ignorante. Os excluídos do mundo da
inteligência subscrevem, eles próprios, o veredicto de sua exclusão. (RANCIÈRE,
2002, p. 34-35).
A distância que o ignorante precisa transpor não é o abismo entre sua ignorância
e o saber do mestre. É simplesmente o caminho que vai daquilo que ele já sabe
àquilo que ele ainda ignora, mas pode aprender como aprendeu o resto, que
pode aprender não para ocupar a posição intelectual, mas para (...) pôr suas
experiências em palavras e suas palavras à prova, de traduzir suas aventuras
intelectuais para uso dos outros. (...) O mestre (...) não ensina seu saber,
mas ordena-lhes que se aventurem na floresta das coisas e dos signos, que
digam o que viram e o que pensam do que viram, que o comprovem e o façam
comprovar. O que ele ignora é a desigualdade das inteligências. Toda distância
é uma distância factual, e cada ato intelectual é um caminho traçado entre
uma ignorância e um saber, um caminho que abole incessantemente, com suas
fronteiras, a fixidez e a hierarquia das posições. (RANCIÈRE, 2012, p. 15-16).
126
Inventando ciências (im)possíveis?
127
Guilherme Trópia, Pedro da Cunha Pinto Neto
procurei pensar com Jacotot/Rancière que todos nós somos igualmente qualificados
a pensar e a desenhar ideias que não se referem à interpretação ou explicação, mas
a um exercício de ganhar experiência em como pensar sem prescrições sobre o que
pensar ou que verdade sustentar; procurei, também, pensar com Lóri, uma professora
primária que se inunda em incríveis jogos de pensamentos com a vida. Deixo então a
seguinte pergunta para finalizar esse texto:
O estado de graça em que estava não era usado para nada. Era como se viesse
apenas para que se soubesse que realmente se existia. Nesse estado, além da
tranquila felicidade que se irradiava de pessoas lembradas e de coisas, havia
uma lucidez que Lóri só chamava de leve porque na graça tudo era tão, tão leve
(...) o que lhe acontecera era apenas o estado de graça de uma pessoa comum
que de súbito se torna real, porque é comum e humana e reconhecível e tem
olhos e ouvidos para ver e ouvir. As descobertas naquele estado eram indizíveis
e incomunicáveis.
Clarice Lispector, uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, 1998, p.135.
Referências
128
Inventando ciências (im)possíveis?
COLOMBO JÚNIOR, Pedro D.; LOURENÇO, Adriana B.; SASSERON, Lúcia H.;
CARVALHO, Anna Maria P. Ensino de Física nos anos iniciais: análise da argumentação
na resolução de uma “atividade de conhecimento físico”. Investigações em Ensino de
Ciências, v. 17, n.2, p.489-507, 2012. Disponível em: <https://www.if.ufrgs.br/
cref/ojs/index.php/ienci/article/view/200>.
129
Práticas de
Sala de Aula
O ensino de ciências na perspectiva das professoras
dos anos iniciais
Neste capítulo, vamos refletir sobre a docência nos anos iniciais no que diz
respeito ao ensino de ciências para as crianças na visão de professoras do município
de Juiz de Fora, MG. Apresentamos a pesquisa desenvolvida por (CASTOR, 2019)
que teve como objetivo investigar qual a concepção que professoras dos anos iniciais,
com diferentes anos de atuação docente, têm sobre o Ensino de Ciências. Para isso, a
autora analisou as metodologias e/ou estratégias de trabalho mais desenvolvidas nos
anos iniciais, as principais dificuldades encontradas, o grau de motivação dos alunos
e qual a finalidade do ensino de Ciências na visão das profissionais investigadas.
Sabe-se que uma característica comum à grande maioria das crianças é a
curiosidade e a criatividade. A infância é marcada por muitas descobertas e ques
tionamentos que farão parte da construção dos conhecimentos aprendidos no decorrer
da vida do indivíduo. Se uma criança é estimulada a manifestar o que já lhe é natural:
a investigação, o questionamento e a necessidade de comunicar suas ideias e pontos
de vista, há uma grande chance de se tornar um ser pensante e crítico, e não apenas
receptor passivo do que aprendeu.
Nesse sentido, pensamos a educação em ciências para as crianças como
direito de acesso a um modo de pensar diferente daquele que construímos no nosso
cotidiano. Logo, a abordagem das ciências na educação infantil e nos anos iniciais
busca propiciar a criança o encantamento com o mundo e compartilhar socialmente
um modo singular de compreender e explicar o que acontece e o que nos acontece
(LIMA; LOUREIRO, 2018).
Rafaela Reis Castor, Rita de Cássia Reis
Para que haja a participação dos/as discentes com vistas ao exercício da cidadania,
destacamos que o/a professor/a ao planejar suas aulas precisa considerar a vivência
das crianças e a identidade da instituição da qual faz parte, ou seja, o currículo precisa
estar aliado à realidade da comunidade escolar. A escolha dos materiais didáticos
e das práticas para o trabalho docente são muito importantes para o alcance dos
objetivos propostos ao Ensino de Ciências.
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O ensino de ciências na perspectiva das professoras dos anos iniciais
“ [...] será nesse momento da vida do educando que ele terá a oportunidade
de compreender como se constituem enquanto ser humano e como os seres
vivos que estão ao seu redor se constituem e como sobrevivem. [...]” (P10)
“[...] o ensino de ciências nos anos iniciais se faz importante por sistematizar
informações e levar a criança a compreensão do conhecimento formal.” (P8)
141
Rafaela Reis Castor, Rita de Cássia Reis
Algumas considerações
142
O ensino de ciências na perspectiva das professoras dos anos iniciais
os dados obtidos, verificamos que a curiosidade e envolvimento dos alunos nas aulas é
satisfatória. Vale ressaltar também, que acreditamos que se novas estratégias fossem
utilizadas, a curiosidade e o espírito investigativo das crianças poderiam ser ainda
mais aguçados.
Segundo essas considerações, acreditamos que para haver uma mudança nas
estratégias de ensino de Ciências, precisamos de uma mudança de perspectiva por
parte dos professores, como também da própria instituição escolar, saindo de um
formato que planeja aulas para um formato que planeja sequências didáticas. Conforme
percebemos, por meio das informações levantadas nesta pesquisa, a maior parte das
professoras segue o planejamento que a escola oferece e precisam cumprir com os
prazos estabelecidos pelas instituições.
Consideramos válido que os estabelecimentos de ensino deem abertura para
que os profissionais atuantes no espaço escolar possam juntos ajustar o currículo
que rege a escola, considerando a realidade e as especificidades de cada comunidade
e turma envolvida. Levando em consideração que seus professores são mediadores
importantes no processo de ensino e aprendizagem das crianças e que precisam estar
atentos às metodologias e/ou estratégias de trabalho desenvolvidas em suas aulas,
para que contribuam na formação crítica, criativa, cidadã e intelectual das crianças.
ReferênciaS
BIZZO, Nelio. Ciências: fácil ou difícil?. 1ª edição. São Paulo, Biruta, 2009.
CARVALHO, Ana Maria Pessoa de. Critérios Estruturantes para o Ensino das Ciências.
In: Ensino de Ciências: Unindo a Pesquisa e a Prática. São Paulo, 2004.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Brasília: MEC. 2017. Disponível
em: < http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_20dez_site.pdf
143
Rafaela Reis Castor, Rita de Cássia Reis
FONSECA, Daniel Medeiros da. FONSECA, Girlê Medeiros da. VALOIS, Raquel Souza.
O uso da experimentação de ciências nos anos iniciais do ensino fundamental em três
escolas de Bom Jesus – Piauí. Form@re. Revista do Plano Nacional de Formação de
professores da Educação Básica. Universidade Federal do Piauí, Teresina, v. 4 n.1, p.
218-224, jan/jun. 2016.
LIMA, Maria Emilia Caixeta de Castro, LOUREIRO, Mairy Barbosa. Ciências da Natureza
na Educação Infantil. Belo Horizonte, Ed.UFMG/Fino Traço, 2018.
ROSA, Cleci Werner da. PEREZ, Carlos Ariel Samudio. DRUM, Carla. Ensino de Física
nas séries iniciais: Concepções da prática docente. Investigações em Ensino de
Ciências – V12 (3), pp 357-368, 2007.
VIECHENESKI, Juliana Pinto. CARLETTO, Marcia. Por que e para quê ensinar ciências
para as crianças. R. B. E. C. T., vol 6, núm. 2 mai-ago.2013.
144
Como planejar uma boa aula de ciências e matemática
para crianças
que quero produzir um pensamento a partir de uma escrita mais fluída e leve. Aos
poucos vou destacando os autores com os quais falo e o leitor que está até aqui
comigo pode entender que aquilo que escrevo próximo refere-se aos pensamentos
que empreendo a partir do autor citado.
Destaque-se aqui que o que falo precisa ser incluído dentro de uma conjuntura e de
um contexto social. Gostaria que tudo o que digo fosse direcionado para professores que
são socialmente valorizados, que possuem boa infraestrutura de trabalho com salários
que permitem uma vida digna e acesso a materiais de estudo, leitura e formação.
Lamento por todos e todas que precisam trabalhar manhã, tarde, noite e aos sábados,
que recebem bem menos do que outros profissionais com formação equivalente, que
trabalham em instituições com condições precárias, turmas superlotadas e com alunos
sem motivação. Boas aulas não são apenas resultados de bons professores, mas são
a consequência de professores adequados com boas condições de trabalho somados
a famílias que valorizam a educação e motivam os filhos.
Lastimo também pelas famílias que não podem produzir condições econômicas
para que seus filhos tenham uma vida apropriada, que possam ter livros e acesso a bens
culturais, que possam se sentir valorizados e valorizar seus professores. Sobretudo,
pranteio pelas próprias crianças que vão para a escola vendo que a instituição e os
professores não são valorizados pelos governos, pelas próprias famílias e, por vezes,
pela sociedade em geral. É por elas que nós professores ainda acordamos todas as
manhãs e procuramos algum ânimo para fazer melhor o nosso trabalho. Por elas,
voltemos ao tema de uma boa aula.
O primeiro ponto que quero destacar para uma boa aula é a tomada de consciência
sobre a intencionalidade da aula. Muitas das coisas que fazemos são conduzidas por
modos de ser e fazer que estamos tão acostumados que não pensamos muito. Dar
aulas pode ser uma dessas coisas. Temos uma tradição sobre o que é ser professor e
sobre o que deve ser ensinado tão forte que, por vezes, as propostas mais inovadoras
são pouco implementadas frente a esse modo de fazer oriundo da tradição.
Em 2006 a legislação introduziu o Ensino Fundamental de 9 anos com a entrada de
crianças a partir dos 6 anos. Foi uma mudança bem importante na estrutura dos anos
iniciais e que foi sofridamente incorporada no imaginário dos professores. A pergunta
mais usual naquela época era se o 1º ano era uma primeira série mais fraquinha ou
um pré mais reforçado. Foi muito difícil para os professores e professoras pensar que
146
Como planejar uma boa aula de ciências e matemática para crianças
147
João Alberto da Silva
poderiam ter encontrado uma resposta para esta questão sobre quando ensinar a
tabuada? Houve um movimento de mudança e transformação, mas onde saber como
ficariam as coisas a serem ensinadas se o modo como faziam estava sendo alterado?
A resposta parece ser simples, mas pouco adotada na prática: no currículo.
Ao tentar propor atividades didáticas diferenciadas ou trabalhar habilidades em
Matemática e Ciências pouco usuais nos anos iniciais, tais como: energia, saúde
ou estatística e pensamento algébrico, deparei-me com várias colegas dizendo que
isso seria possível fazer, mas apenas como projeto, pois não fazia parte do currículo.
Sabendo que estes temas fazem parte dos currículos oficiais perguntava: mas onde
está este currículo que diz o que vamos ensinar? Em geral, a resposta dizia estar
na coordenação ou direção. Ao irmos lá investigar, a resposta é: Está na secretaria
municipal ou estadual. E ao lá irmos em peregrinação, descobríamos que estava
sempre em construção. De fato, não havia na instituição um currículo vigente, vigiado
e fortemente estruturado, mas existia uma impressão que havia. A tradição dava esta
certeza de que o currículo que compartilhamos no imaginário social está impresso a
ferro, fogo e sangue em algum lugar e temos de “vencer os conteúdos” em uma luta
inglória. Assim, qualquer inovação ou política pública que parta do governo é traduzida
na escola para manter um modo de fazer já estabelecido. A inovação é absorvida
apenas parcialmente e com muitas transformações para se manter o que se faz. Assim,
destaco que a diretriz da intencionalidade só se estabelece quando há o conhecimento
docente do currículo a ser ensinado. Saber ensinar e planejar uma boa aula passa por
saber o porquê daquilo que faz, mas também o que precisa ser ensinado.
Ao escutar mais profundamente as queixas dos professores sobre o desempenho
dos estudantes nas avaliações externas comecei a perceber que os itens de Matemática
que apresentavam menor acerto são aqueles referentes à Estatística, Geometria,
frações e reta numérica. Nota-se, também, que estes são os conteúdos que são menos
abordados pelos professores ou com os quais eles se sentem menos confortáveis
trabalhando. Tenho pensado na hipótese de que o baixo desempenho dos estudantes
não se deve a uma dificuldade de aprendizagem, mas a um desconhecimento do que
é cobrado na prova. Ao conversar com professores sobre quais suas impressões dos
instrumentos de avaliação, a análise é sempre negativa. Ela sustenta-se na ideia de
que a prova não é boa por que não cobra o que não tem no currículo (sic), que é feita
no centro do país e por isso não cobra as coisas da realidade das crianças. Ora, a
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Como planejar uma boa aula de ciências e matemática para crianças
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João Alberto da Silva
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Como planejar uma boa aula de ciências e matemática para crianças
posso aplicar para aquela turma. Entretanto, nem sempre a atividade é adequada e
mostra-se boa. Consigo avaliar isso em minha aula? Tenho registro do desenvolvimento
da atividade, do tempo, dos recursos e das ações? Se sim, então estou avaliando. Se
desenvolvo minha aula conforme planejei e ao final dela não sei a qualidade da tarefa,
da adequação do tempo, ou vou “olhando e vendo o que fazer”, então não estou
avaliando, mas conduzindo a aula de modo intuitivo.
No que tange a avaliar o estudante, é importante ter em mente que o objetivo
desse processo é aprender e auxiliar a criança a compreender o que precisa entender
e fazer. Não se trata de dizer se sabe ou não, mas de acompanhar a habilidade
que está sendo desenvolvida e os modos de pensar e agir do aluno. Por exemplo,
se estou desenvolvendo a habilidade de identificar pontos e deslocamentos na reta
numérica. Peço que o estudante identifique onde está o 5 em uma representação de
reta numérica. Ele o faz corretamente. Tenho algum tipo de atividade no qual peço
que some mais 2 a partir de onde está. A resposta da criança é 3. Opa, o que tem
aí? Como professor sei que ele já tem noção de quantidade e consegue identificar os
numerais. Sabe onde está o 5 e sabe também o que a quantidade 2 representa, pois
deslocou-se na reta nesta quantidade. Veja como identifico várias coisas que ele sabe
e acerta. Entretanto, vejo que na ação foi para o lado errado. Será que sabe o que é
esquerda e direita? Será que sabe o funcionamento da ordem crescente para a direita na
reta numérica? Isso preciso me perguntar na avaliação, mas só posso fazê-lo se tenho
conhecimento pedagógico do conteúdo e sou capaz de compreender os diferentes
modos de pensar dos estudantes. A avaliação vai sustentar-se na intencionalidade
pedagógica, no conhecimento pedagógico do conteúdo e em tantos outros saberes
docentes que pode se configurar como uma expressão do fazer pedagógico e da
Didática. Se a avaliação promove a aprendizagem, ajuda o professor e está adequada,
dificilmente o aluno não avança no domínio das habilidades por que essa ferramenta
expressa e sintetiza a qualidade da didática do trabalho docente.
Até aqui falamos em um tom coloquial e bastante amistoso com a intenção de
seduzir o leitor até o meio do texto para que de posse da sua atenção possamos
agora falar de coisas mais complexas e profundas do fazer pedagógico. Tudo o que
falei pode ser interpretado como algo oriundo do mundo prático, do saber fazer e de
alguém que tem experiência na área. Difere-se da teoria, do mundo das leituras e dos
autores, que não se aplicam em nossa sala de aula. Ledo engano. Teoria e prática
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Como planejar uma boa aula de ciências e matemática para crianças
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Referências
Introdução
O presente artigo tem os jogos para crianças do ciclo inicial do Ensino Fundamental
(doravante EF) como principal foco de atenção. A relevância desse trabalho justifica-se
pela escassez de artigos publicados com essa temática nos periódicos especializados
em Ciências da Natureza, conforme constatam Eiras, Menezes e Flôr (2018). Unir
campos de conhecimentos na prática pedagógica diária não é tarefa fácil, uma vez que
a formação dos profissionais da educação, seja a área que for, é pautada em disciplinas
que isolam seus conteúdos em caixinhas, como reflete Nara Leão na canção Little
Boxes (1969). Passados 50 anos, muita coisa mudou na formação de professores,
mas ainda há muito que mudar. Interessa-nos, entretanto, discutir o papel dos jogos
no aprendizado de crianças do EF de forma a articular dois componentes curriculares,
quais sejam, Ciências da Natureza e Língua Portuguesa, mais especificamente o período
da alfabetização inicial de crianças. A proposta desse trabalho nasceu do desejo de se
propiciar às crianças, sobretudo de escolas públicas com poucos recursos, a vivência
de um aprendizado prazeroso, por meio de materiais didáticos compilados pelos(as)
próprios(as) professores(as).
Entendemos e defendemos que o ato de aprender é um direito, o qual deve
ser garantido às crianças. Aprender sobre os animais provoca nas crianças um
interesse bem peculiar, estimula a curiosidade e desperta a atenção, envolvendo-a
mais intrinsecamente ao processo de aprendizado. Aprender a ler e escrever são
duas habilidades para além de uma questão escolar, uma questão social. Vivemos
Luciane Manera Magalhães, Letícia Goulart Pimentel
em uma sociedade em que a língua escrita está em todo lugar, nas ruas, nas placas,
propagandas, jornais, livros. Dessa forma, aprender a ler e a escrever está diretamente
relacionado ao fato do sujeito poder reconhecer-se como cidadão, como parte ativa da
sociedade, poder interpretá-la e modificá-la.
O processo de aprendizagem precisa fazer sentido para as crianças, o que
nem sempre é simples como possa parecer, uma vez que muitas crianças vivem
em lares cujos responsáveis são analfabetos, em que a leitura e a escrita não são
práticas rotineiras, mas esporádicas. É nesse sentido que acreditamos serem os jogos
potencializadores do aprendizado da língua escrita em interface com as ciências, pois
por meio deles a criança tem a oportunidade de refletir sobre o Sistema de Escrita
Alfabética (doravante SEA) de forma lúdica, interagindo com seus colegas de sala e
o(a) professor(a), ao mesmo tempo que retoma conhecimentos acerca dos animais.
Os jogos são um modo prazeroso de aprendizagem; se bem desenvolvidos,
podem desencadear o interesse das crianças e ser uma boa forma do aprendiz entrar
em conflito cognitivo e avançar em suas hipóteses de escrita1. Os jogos contribuem,
também, para o(a) professor(a) identificar os conhecimentos já constituídos pelas
crianças e aqueles que ainda precisam ser sistematizados.
Eles são parte da realidade infantil, são desafiadores e envolventes; por meio da
leitura de suas regras proporcionam além da apropriação do SEA e das características
dos animais, no caso dos jogos apresentados, o desenvolvimento de atitudes letradas
por parte das crianças, colaborando, assim, tanto com o processo de alfabetização2 e
o ensino de ciências, quanto com o de letramento3.
Apresentamos, neste trabalho, algumas possibilidades do uso dos jogos como
recurso didático para auxiliar no aprendizado das crianças. Assim, elaboramos jogos
voltados tanto para a reflexão das crianças sobre o SEA, quanto para a identificação
de algumas características que envolvem o mundo animal como locomoção e
cobertura do corpo. Os jogos foram pensados para crianças do 1º ao 3º ano do
Ensino Fundamental e com base nas hipóteses de escrita formuladas pelas crianças
(FERREIRO; TEBEROSKY, 1999).
1
As hipóteses de escrita dizem respeito à forma de entender a escrita pelas crianças; elas passam por
etapas evolutivas desde o uso de garatujas até à escrita denominada alfabética, que apresenta relações
consistentes entre fonemas e grafemas. (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999).
2
A alfabetização é o processo de aprendizado da leitura e da escrita.
3
O letramento diz respeito aos usos e funções sociais da cultura escrita.
158
Ensino por meio de jogos promotores da interface entre ciências da natureza e alfabetização inicial
159
Luciane Manera Magalhães, Letícia Goulart Pimentel
ser usado em ambiente escolar, faz parte da cultura infantil e é campo que desperta o
interesse das crianças, porém para que haja aprendizado, o jogo deve ser um trabalho
sistematizado. Ou seja, o jogo por si só não ensina, por isso precisa ser entendido
como uma atividade que contribui no processo de aprendizado. Para Kishimoto (1997):
Optamos por elaborar os jogos focando nos animais, uma vez que é uma temática
que atrai qualquer criança inserida nos mais diversos contextos sociais. Os animais
conhecidos por elas fortalecem os laços de afetividade e os desconhecidos despertam
o interesse e a curiosidade. Assim, cabe ao(à) professor(a) ser o(a) mediador(a) deste
processo, proporcionando o conhecimento de mundo das crianças.
Nos anos iniciais, as características dos seres vivos são trabalhadas a partir
das ideias, representações, disposições emocionais e afetivas que os alunos
trazem para a escola. Esses saberes dos alunos vão sendo organizados a partir
de observações orientadas, com ênfase na compreensão dos seres vivos do
entorno, como também dos elos nutricionais que se estabelecem entre eles no
ambiente natural (BRASIL, 2017, p. 326).
160
Ensino por meio de jogos promotores da interface entre ciências da natureza e alfabetização inicial
Para elaboração dos jogos, recorremos às habilidades propostas pela BNCC, tanto
no que concerne ao ensino de Ciências da Natureza, quanto ao de Língua Portuguesa.
Os objetivos postulados pela BNCC na seção Ciências da Natureza (referentes ao
2º e 3º ano) selecionados para orientar os jogos são:
Cabe destacar que os jogos, assim como qualquer outra atividade pedagógica de
ensino, precisam de apresentar objetivos bem definidos e com foco em determinadas
habilidades, uma vez que se apresentarem uma infinidade de objetivos ao mesmo
tempo, o risco de não haver aprendizado ou desse ser marginal torna-se grande.
Quando o(a) professor(a) identifica pontualmente o que as crianças aprendem a
partir de cada jogo ou atividade fica mais fácil poder avaliar se aquele determinado
objetivo foi alcançado. Conforme já alertamos anteriormente, o ensino sistemático do
conhecimento é de fundamental importância para o aprendizado.
161
Luciane Manera Magalhães, Letícia Goulart Pimentel
Proposta de jogos
Nessa seção, apresentamos os jogos criados por nós com o objetivo de auxiliar
o(a) professor(a), dos anos iniciais, no ensino das Ciências da Natureza e no processo
inicial de alfabetização. A apresentação dos jogos segue o seguinte esquema: título,
fotos sugestivas, objetivos a serem alcançados, materiais necessários para sua
confecção e regras para se jogar.
Os jogos foram pensados com base nos níveis de apropriação do sistema de
escrita pelas crianças, os quais são revelados pelas hipóteses da psicogênese. Existem
unidades linguísticas que precisam ser privilegiadas em determinados jogos, com o
objetivo de auxiliar cada criança no avanço de suas hipóteses. Entendemos, assim,
que os jogos podem propiciar o desenvolvimento da consciência fonêmica como,
também, ser apoiados em unidades linguísticas como letras, sílabas e palavras, de
acordo com o que se pretende alcançar com a criança.
O primeiro jogo – Corrida Animal – tem foco no tipo de locomoção dos animais
(voam, rastejam, andam, nadam) e na reflexão linguística das unidades: letras e
palavras. O segundo – Alfabeto dos animais – explora o tipo de cobertura do corpo
dos animais (pelos, pena, pele nua/sem cobertura, escama, carapaça) e tem duas
alternativas de trabalho na alfabetização: a primeira, para crianças que se encontram
nas hipóteses de escrita pré-silábica, silábica ou silábica-alfabética, focaliza as letras
do alfabeto e o desenvolvimento da consciência fonêmica; a segunda, para crianças
alfabéticas, explora a ortografia das palavras.
A interface entre os dois componentes curriculares se dá por meio do contato com
diversos animais que aparecem nos jogos, desde os da convivência e conhecimento
das crianças até aqueles que ampliarão o conhecimento de mundo delas.
162
Ensino por meio de jogos promotores da interface entre ciências da natureza e alfabetização inicial
CORRIDA ANIMAL
Objetivos
Materiais
• 4 pinos de cores diferentes (neste caso podem ser usados objetos pequenos
como apontador e borracha ou tampinhas de garrafas de cores diferentes para
identificar cada jogador em sua posição);
• 1 dado.
9
Podemos compartilhar o tabuleiro da Corrida Animal e as imagens dos animais do Alfabeto dos Animais por
e-mail.
10
As imagens dos dois jogos apresentados foram retiradas dos sites: https://pixabay.com/ e https://freeimages.
com/.
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Luciane Manera Magalhães, Letícia Goulart Pimentel
Participantes
• 1 juiz.
Regras
• O primeiro jogador (ou trio) lança o dado e anda as casas indicadas pelo
número sorteado;
• Ao parar na casa, o jogador deve dizer: o nome da letra (ex: essa é a letra “C”)
e, em seguida, o nome de um animal que contenha a mesma letra inicial em
que o pino parou, por último, deve dizer o(s) tipo(s) de locomoção do referido
animal (ex: “C” de cobra, a cobra rasteja). No caso de se jogar em trios, pode-
se solicitar a cada participante e resposta de uma questão (podendo solicitar
ajuda aos colegas do grupo);
• Se o jogador (ou trio) não souber responder as três perguntas ele volta à casa
em que estava naquela jogada;
• Caso um jogador (ou trio) caia em uma letra já sorteada ele teve sorte e pode
repetir o nome de um animal já dito no jogo ou dizer outro;
• Quando o jogador (ou trio) sortear a casa “perde uma rodada”, ele passa a vez
para o próximo jogador;
11
A quantidade de participantes pode variar de acordo com o tamanho da turma. Pensamos em grupos de
5 ou 7 participantes (4 jogadores e 1 juiz ou dois trios e 1 juiz) de forma a termos impressos entre quatro
e cinco tabuleiros caso toda a turma vá jogar o mesmo jogo no mesmo horário, mas é muito interessante
quando a dinâmica da sala de aula permite que o(a) professor(a) trabalhe diferentes jogos ao mesmo
tempo, um para cada grupo. Ao trabalhar diferentes jogos no mesmo horário o(a) professor(a) pode planejar
intervenções de acordo com os níveis de aprendizado das crianças e não precisa ter várias cópias de um
mesmo jogo.
164
Ensino por meio de jogos promotores da interface entre ciências da natureza e alfabetização inicial
• Obs.: pode-se optar também pela classificação dos ganhadores: o jogador ‘X’
ganhou em 1º lugar; o jogador ‘Y’ em 2º lugar, de forma que ao final todos
ganham.
Materiais
• 22 tampinhas com imagens reais de animais (uma para cada letra do alfabeto,
com exceção do K, Y, W e X);
Objetivos
12
As imagens são impressas em papel fotográfico adesivo e protegidas com fita adesiva transparente.
165
Luciane Manera Magalhães, Letícia Goulart Pimentel
Regras
• Cada criança, de uma vez, retira uma tampinha do pote, olha o animal, diz
seu nome e com qual letra inicia. Em seguida, a criança deve dizer uma
característica externa do animal sorteado. Cada resposta correta vale 5
pontos.
• Vence o jogo a criança ou grupo que somar mais pontos ao final do jogo.
Objetivos
• Consolidar a ortografia.
Regras
13
Esse suporte pode ser um livrinho com coleção de animais preferidos ou animais estudados e por isso
conhecidos, de acordo com os objetivos propostos para o momento.
166
Ensino por meio de jogos promotores da interface entre ciências da natureza e alfabetização inicial
Considerações finais
167
Luciane Manera Magalhães, Letícia Goulart Pimentel
Referências
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017. Disponível em:
<http://basenacionalcomum.mec.gov.br>. Acesso em: 08 set. 2018.
______ Jogo, brinquedo, brincadeira na educação. 2ed. São Paulo: Cortez, 1997.
LEÃO, Nara. Little Boxes. Álbum Coisas do mundo, 1969. Disponível em: < https://
www.youtube.com/watch?v=1fbQhGvRVnY>. Acesso em: 28 set. 2019.
SOARES, Magda. Alfabetização: a questão dos métodos. São Paulo: Contexto, 2016.
168
Que educação os anos iniciais têm a ensinar ao campo
da matemática?
Introdução
170
Que educação os anos iniciais têm a ensinar ao campo da matemática?
171
Deniele Pereira Batista
(ou deveria provocar) um repensar sobre a formação teórica em sua articulação com
os contextos concretos de atuação dos profissionais. Além disso, provoca (ou deveria)
uma mudança de paradigma nas pesquisas sobre os saberes profissionais docentes,
tempo em que passa a assumir o local de trabalho dos professores como instância
crucial para se conhecer de fato o que fazem, como fazem, por que fazem.
A epistemologia da prática profissional sustenta que é preciso analisar o conjunto
dos saberes mobilizados e utilizados pelos professores em suas tarefas (TARDIF,
2000), compreendendo que esse conjunto não abarca apenas os conhecimentos da
matéria ensinada e os conhecimentos pedagógicos a elas vinculados. Tardif (2000)
identifica e define os diferentes saberes presentes na prática do professor, e afirma
que ele tende a hierarquizá-los em função de sua utilidade no ensino: “Quanto menos
utilizável no trabalho é um saber, menos valor profissional parece ter. Nessa ótica, os
saberes oriundos da experiência de trabalho cotidiana parecem constituir o alicerce da
prática e da competência profissionais” (TARDIF, 2011, p. 21).
Roldão (2007), embora esclareça que o conhecimento profissional docente é uma
construção histórico-social, parte do pressuposto de que a ação de ensinar constitui-se
a característica distintiva do professor, relativamente permanente ao longo do tempo.
No que concerne à representação do conceito de ensinar, a autora, sem desconsiderar
a tensão que dela imana, adota a compreensão relacionada ao “fazer aprender alguma
coisa a alguém” (ROLDÃO, 2007, p. 94), considerada uma leitura mais alargada e
pedagógica, atrelada a um campo vasto de saberes. Parte do entendimento de que a
função de ensinar já não é hoje definida pela transmissão de saber, mas, sobretudo,
caracterizada pela dupla transitividade e pelo lugar de mediação (características essas
imprescindíveis para que essa função de ensinar se estabeleça vinculada a fazer
aprender alguma coisa a alguém). É com essa proposição conceitual que a autora
avança na tentativa de clarificar o complexo processo de profissionalização docente.
172
Que educação os anos iniciais têm a ensinar ao campo da matemática?
A autora alerta para o fato de existir uma estreita ligação entre a natureza da
função e o tipo de conhecimento específico que se reconhece como necessário para
exercê-la. Para ela, tanto a função (de ensinar) como o conhecimento profissional são
mutuamente contaminados.
Por um lado, por uma tendência para a difusão envolvida de uma discursividade
humanista abrangente, que não permite aprofundar a especificidade da função
nem do saber; por outro lado, e no extremo oposto, por uma orientação para a
especificação operativa, associada à redução do ensino a ações práticas que se
esgotam na sua realização, em que o saber é mínimo e a reflexão dispensável,
e que acabam traduzindo-se numa tecnicização da atividade. (ROLDÃO, 2007,
p. 97)
173
Deniele Pereira Batista
174
Que educação os anos iniciais têm a ensinar ao campo da matemática?
pelos professores durante a sua vida profissional, em estreita relação com a teoria
e a prática, ou melhor, em estreita relação com a sua práxis pedagógica, a partir de
situações que o levem a construir um novo conhecimento capaz de transformar o
conteúdo a ser ensinado em conteúdo a ser aprendido.
Como se vê, ao esquadrinharem as especificidades do trabalho do professor, os
autores centram suas perspectivas na prática, apresentando as forças e as fraquezas
desse entendimento sobre a profissão docente. Para além disso, é possível perceber
que existe um ponto de convergência: a ação de ensinar. Na perspectiva dos autores
aqui analisados, a ação de ensinar é considerada própria do professor.
Com efeito, importa sinalizar que a formação de professores fará sentido aos
professores e aos futuros professores quando pensada a partir de seu trabalho,
quando refletida criticamente sobre o chão da escola. Em outras palavras, o esforço
deve concentrar-se na tentativa de pensar a formação docente a partir do trabalho
real efetivado pelos professores (LÜDKE; BOING, 2012), na busca por uma formação
cujo movimento seja de “dentro para fora” (NÓVOA, 2009).
Transpondo esse cenário teórico para o chão da escola, é possível pensar
em caminhos, de preferência caminhos efetivos, para fazer aprender matemática
estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental. Dessa forma, a partir da minha
experiência como professora dos anos iniciais, apresento algumas reflexões sobre o
trabalho pedagógico com a matemática. Essas reflexões apontam, a meu ver, para
contribuições que o magistério dos anos iniciais pode oferecer à educação básica, no
campo educacional da matemática.
175
Deniele Pereira Batista
alguma coisa a alguém que as professoras dos anos iniciais do ensino fundamental
desenvolvem-se e aprimoram os seus conhecimentos; alguns adquiridos em seus
cursos de formação, outros em suas buscas individuais. Nesse contexto, verificou-
se no material empírico uma variedade de depoimentos que apontam para o valor
que as professoras atribuem à prática que exercem no “chão da escola” como parte
importante de suas profissionalidades. Em linhas gerais, essas são as características
destacadas da prática pedagógica das professoras entrevistadas: a) processual, pois
se apresenta para o professor como inacabada e inconclusa, necessitando ser (re)
construída a cada dia; b) pragmática, porque o processo de aprender a ensinar ou
de ensinar a aprender se dá a partir das próprias ações praticadas pelo professor; c)
provocadora, pois suscita no professor a necessidade de refletir sobre, durante e após
as suas ações; d) articulada, pois é moldada de forma indissociável às situações e aos
sujeitos nela operantes; e) edificadora, porque muito daquilo do que proporciona ajuda
a elevar o potencial humano e profissional do professor (BATISTA, 2017).
A imagem que se pode depreender desse quadro é a de superação da “pedagogia
da certeza” (JAPIASSU, 1983), pela impossibilidade de o professor alimentar a ilusão
do porto seguro, das evidências enganosas e da quimera das teorias certas. Ao
contrário disso, as professoras sinalizam que suas práticas se alinham muito mais
com a “pedagogia da incerteza” (JAPIASSU, 1983), por reconhecerem que é no
enfrentamento das incertezas do dia a dia que conseguem, de fato, apreender questões
relacionadas à docência.
A lida diária em uma sala de aula de ensino fundamental, na tarefa cotidiana de
fazer aprender estudantes que se encontram no início do processo de escolarização,
é desafiante. Esse desafio propicia o desenvolvimento de inúmeras aprendizagens
docentes àquele que quer, de fato, desenvolver-se na/pela profissão. É assim que me
enxergo em minha prática pedagógica: como uma educadora-matemática que vai se
constituindo aos poucos.
Atuando no magistério há quase trinta anos, sendo os nove últimos no ensino de
matemática do 4º ano do ensino fundamental, sinto-me cotidianamente desafiada a
encontrar caminhos para a realização do trabalho pedagógico em sala de aula. Busco
coerência para minhas ações, preferencialmente embasando-as em teorias subjacentes
para desvinculá-las de ações espontaneístas. Em resumo, posso afirmar que a forma
como desenvolvo o trabalho docente está alinhada com o seguinte pensamento
176
Que educação os anos iniciais têm a ensinar ao campo da matemática?
Afetividade e humanismo
177
Deniele Pereira Batista
Esse quadro pode ser melhorado se, como professores, encontrarmos ex
plicações corretas do ponto de vista da matemática, mas que sejam compreendidas
pelos estudantes. O conhecimento que o professor possui não pode ser “passado
diretamente” para os seus alunos. Eis um dos grandes desafios do professor:
“Desmontar” o conhecimento matemático e torná-lo acessível para a compreensão
de seus alunos, tal como defende Shulman (1987). Quando assume essa condição, o
professor revela a sua consciência sobre a humanidade da matemática. E, quando isso
ocorre, parece que a visão que se tem da matemática mudou, melhorou.
Problematização
178
Que educação os anos iniciais têm a ensinar ao campo da matemática?
Comunicação
Dar espaço para a comunicação em sala de aula é dar aos estudantes a possibilidade
de organizar e explorar pensamentos e ideias. Sabe-se que a compreensão de qualquer
conceito matemático está relacionada à comunicação eficiente desse conceito.
Inclusive, é a partir da comunicação que o professor poderá fazer intervenções
eficazes em relação à aprendizagem de seus alunos. Destaque-se, aqui, a importância
da oralidade nas aulas de matemática. Nesse processo, o erro pode ser valorizado
como importante etapa da aprendizagem.
A comunicação também pode ser estabelecida com outros campos do
conhecimento, a partir de atividades integradas a outros temas (apresentar os avanços
científicos, os problemas de hoje e os interesses das crianças). Nesse contexto, a
realização de projetos representa um caminho viável e promissor.
Contextualização
179
Deniele Pereira Batista
Raciocínio independente
Investigação
Neste ponto, o foco é colocado sobre o professor, sua formação e seu trabalho,
que têm a investigação como um de seus pilares. Em tempos remotos, John Dewey
nos Estados Unidos da América, Anísio Teixeira no Brasil e Lowrence Stenhouse na
Inglaterra já defendiam os ideais de uma formação docente que mantivesse o labor
teórico em contato direto com as exigências da prática. Stenhouse (1984) defende
uma formação de professores centrada na investigação da própria prática pedagógica.
A matemática está em evolução permanente, sobretudo na atualidade, tempo
de tantos avanços tecnológicos. Reproduzir a prática dos professores que tivemos
durante nossa vida escolar pode nos levar a um abismo. A postura investigativa sobre
a sua prática e sobre novas práticas passa a ser função necessária ao professor: é
preciso investigar, buscar fontes para alimentar o nosso trabalho como educadores
matemáticos. Por isso a importância de os professores dos anos iniciais comunicarem
suas experiências pedagógicas, por meio de artigos, relatos de experiência, comunicação
em eventos acadêmico-científicos e em programas de formação continuada. É
necessário fazer circular as experiências docentes que acontecem no chão da escola.
180
Que educação os anos iniciais têm a ensinar ao campo da matemática?
Autonomia
Considerações finais
A intenção deste texto foi suscitar reflexões sobre o ensino de matemática nos
anos iniciais do ensino fundamental. Para isso, foi feita uma trança entre a minha
experiência docente e a literatura correlata. A prática de sala de aula teve muito o
que revelar, visto ser instância onde os meus saberes docentes são construídos,
mobilizados, transformados e aplicados.
181
Deniele Pereira Batista
Referências
182
Que educação os anos iniciais têm a ensinar ao campo da matemática?
NÓVOA, Antônio. (Org.). Vidas de professores. 2. ed. Porto: Porto Editora, 1995.
SHULMAN, Lee. Knowledge and teaching: foundations of the new reform. Harvard
Educational Review, Cambridge, v. 57, n. 1, p. 1-22. 1987.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 12. ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2011.
183
Narrativas sobre aprender e ensinar ciências: pausa
para uma conversa!
1
Dimenstein, Gilberto; Alves, Rubem. Fomos maus alunos. Campinas, São Paulo: Papirus 7 Mares, 2008.
P. 10.
2
Eco, Umberto; Carriére, Jean-Claude. Não contem com o fim do livro. Tradução: André Telles. Rio de
Janeiro: Record, 2010.
Narrativas sobre aprender e ensinar ciências: pausa para uma conversa!
que terminei meu doutorado, faz dez anos: quando poderei escrever sobre tudo o que
tenho aprendido com meus estudos e minha prática? Essa é uma questão que penso
ser urgente atualmente, a de valorizar e trazer à tona os conhecimentos produzidos
em nossas práticas como professores, como ensinantes/aprendentes e seres humanos
no mundo! Porque os ombros dos gigantes também têm seus limites, nos permitem
olhar longe, distante, mas o que é próximo, familiar, pequeno e realmente importante,
dada sua proximidade, fica relegado muitas vezes ao esquecimento. Diante dessa
oportunidade, pensei em escrever um capítulo que contivesse uma conversa sobre
práticas e aprendizados sobre ser professor e ensinar ciências. Precisava então de
um interlocutor que tivesse também ele a vontade e coragem de escrever sobre seus
aprendizados, suas histórias de ensinante/aprendente, que quisesse contar suas
histórias. E logo me surgiu a ideia de convidar Leo, este admirável professor cientista
que conta histórias. O texto que se segue é composto, então, por essa prazerosa e
instigante conversa que tivemos sobre nossas vivências.
185
Cristhiane Carneiro Cunha Flôr, Leonardo Alves do Valle
edição, quer seja como palestrante, como organizadora ou participante dos minicursos
e rodas de conversa e as histórias de vidas de outros professores e professoras me
interessam, comovem e incentivam a buscar sempre o melhor em nossa profissão.
Com a realização do Pós-Doutorado no ano de 2019, novas formas e possibilidades
de narrar histórias de professores vieram à tona e essa é uma delas.
Leo: Meu nome é Leonardo Alves do Valle, sou contador de histórias, professor de
física e militar do exército. Dessa mistura boa surgiu o meu interesse em pensar a arte
de narrar como um meio termo, uma interseção, um elemento com possibilidades de
ater-se à produção de algo que aliasse o belo ao útil, o encantamento ao aprendizado,
às ciências naturais à educação.
Assim, sigo procurando pessoas que queiram ouvir boas histórias, estejam elas
em escolas, hospitais, orfanatos, teatros ou praças! É isso que me move e que não me
deixa enrijecer a ponto de desacreditar no amor, na amizade, na paz, no respeito, no
caráter e na alegria. Afinal, essas coisas também se fazem com uma pitada de ciência
e educação.
Atualmente, eu e minha família estamos morando na cidade de Rio Branco, no
Acre, por conta de meu trabalho. Daí, devo confessar que recebi com grata surpresa
e prazer, o inusitado convite da Cris para produzirmos esse texto sobre “leitura, arte
e ensino de ciências” utilizando um software de comunicação para estreitarmos os
quase 3.800 km que separam nossas cidades.
Espero que possamos contribuir, de algum modo, para que outras pessoas se
inspirem para compartilhar seus aprendizados e vivências na educação.
186
Narrativas sobre aprender e ensinar ciências: pausa para uma conversa!
187
Cristhiane Carneiro Cunha Flôr, Leonardo Alves do Valle
Cris: Às vezes é quase proibido, não é? A alegria não faz parte da escola!
Leo: Aí faz parte dessa escolarização que você falou. Esse formato que a gente
tem, principalmente nas ciências, de falar de coisas difíceis, de coisas que estão às
vezes distantes da realidade dos alunos. Queremos passar somente informações e
esquecemos que também há outros valores importantes.
Cris: É, eu tenho lido poemas para as turmas nas quais leciono... Eu li ontem um
poema que você deve conhecer, do Manoel de Barros...
Leo: Gosto do Manoel de Barros. O pouco que eu já li me fez uma pessoa melhor!
Cris: Essa coisa do excesso... Da falta de poesia. Eu vou dizer que há uma falta
de poesia na escola, porque tem uma ideia, especialmente equivocada, de que as
ciências não comportam a criatividade e nem alegria, não é? Então tem essa ideia de
que se não for muito sério...
Leo: É outra coisa que a gente carrega da nossa formação: que se não for sisudo,
muito definitivo, não é científico.
Cris: O poema está no livro “Meu quintal é maior do que o mundo”, e diz:
Cris: Acho que essa é a questão da falta de poesia. Parece ser trabalho do
ensino de ciências retirar toda a poesia do mundo, até que só sobrem nomes e
definições. E depois disso, sim, ensinar. É preciso ensinar o nome, sim, mas ele não
precisa empobrecer as imagens do mundo. Pode compor com elas mais uma forma de
compreensão, contar outras histórias!
Leo: É isso mesmo! A ciência apresentada com essa dimensão estética se
potencializa para transformar ambientes, realidades. E atualmente conversando com
188
Narrativas sobre aprender e ensinar ciências: pausa para uma conversa!
4
Valle, Leonardo Alves do. Uma história sobre as águas. In: Águas sentidas, sentidos compartilhados.
Encarte. Disponível em: <https://educapes.capes.gov.br/handle/capes/173188>
189
Cristhiane Carneiro Cunha Flôr, Leonardo Alves do Valle
com suas leituras de mundo, não é? E por isso ela é muito democrática. E quando a
gente tira isso, tira essa possibilidade de o ouvinte ser coautor dessa história... Aí a
gente escolariza. Vamos tirando essa beleza da arte e trazendo isso para um campo
muito cartesiano, não é Cris?
Cris: Sim.
Leo: O que eu acho curioso, assim, surpreendente, é que um professor de
ciências, uma pessoa que ensina ciências, não pense que isso aconteça na cabeça
da criança ou do adolescente também. Por isso acredito que precisamos lançar mão
de todas as possibilidades que existem para tratar as competências e habilidades
propostas pelos programas curriculares, trabalhando juntamente com os conteúdos as
questões humanas como a alegria, o medo, os sentimentos, as crenças, as dúvidas e
as leituras de mundo dos alunos. Caso contrário, nossas aulas correrão o risco de se
tornarem desinteressantes e antieducativas, à medida que se afastarem da realidade,
da curiosidade e das vivências dos alunos.
Cris: Por isso que eu gosto de dar aula para crianças! Se você, no seu caminho
para a escola, pegar uma folhinha de uma árvore, uma flor, chegar na escola e disser:
– gente, vocês viram isso? Vocês viram esses risquinhos que tem na folha? Vai ter
todas as crianças ao seu redor, curiosas, prontas para aprender! A criança vai passar
a pegar as folhas, comparar com outras folhas. Vai te fazer perguntas, as quais você
pode nem saber responder! A vontade de entender o mundo é muito forte nas crianças.
As ciências da natureza se pronunciam sobre o mundo material, e as crianças são
naturalmente curiosas. Somos nós que fazemos decorar: o ser humano tem cabeça,
corpo e membros. A planta tem raiz, caule, folha, flor e fruto.
Leo: E temos muitas histórias para contar sobre e com as ciências da natureza!
Cris: Uma vez, há muito tempo atrás, uma professora dos anos iniciais do ensino
fundamental, minha conhecida, sabendo que tinha formação em química e dava aula
de ciências, pediu ajuda, pois estava ensinando sobre as partes das plantas. Aqui
eu já acho triste a abordagem, por que a planta não é mais inteira, é uma coisa de
partes, não é? Como é que você vai manter a poesia de uma flor, se ela é apenas
uma parte da planta? A dificuldade dela estava em ensinar as diferenças entre raízes
e caules, porque tem caule que cresce abaixo do solo tem raiz que cresce acima do
solo. Então eu fui fazer uma fala com as crianças. Antes de fazer a fala, eu passei
na verdureira, comprei umas batatas doces, uns rabanetes, umas batatas baroas. As
190
Narrativas sobre aprender e ensinar ciências: pausa para uma conversa!
crianças ficaram todas impressionadas, curiosas. Elas queriam pegar a batata na mão,
pegar o rabanete. Provavelmente nunca viram um rabanete. Então eu fico pensando
em como estamos formando os professores, que não lhes passa pela cabeça trazer
uma plantinha para a sala enquanto ensina sobre as plantas. Ou ir para a rua observar
plantas. O mínimo que pode ser feito ao estudar plantas com crianças do segundo
ano! Ou quando se forma professores para atuar nessa etapa da escolaridade. Mas
quantas dessas professoras, elas próprias, foram levadas a um estudo de campo
quando estudaram as plantas em sua formação inicial?
Leo: É verdade Cris, é verdade! Eu estou lembrando aqui de um tempo em que
eu também dei aula pra pré-vestibular, há alguns bons anos atrás. O professor de pré-
vestibular é um pouco estressado, porque ele tem uma gama de assuntos a serem
abordados e o tempo é reduzido. Porque são dois tempos de aula de física, e tem que
dar uma matéria extensa. Mas eu corri o risco de produzir experimentos de material
reciclado e levar para a sala de aula. Era uma sala muito grande, e eu tinha quer dar
aula com um microfone. Eram quase oitenta alunos na sala, era um salão na verdade, e
eu ficava lá na frente com o microfone, e aí, eu corria o risco. Eu preparava um único
experimento, porque tinha que ser coisa muito rápida, e levava aquele experimento
pra aula. A gente conversava durante alguns minutos mostrando, visualizando o
fenômeno, um pouco diferente daquela linguagem matemática pura que era cobrada
no vestibular daquela época. Era um período muito rico, muito precioso. Ah! Também
levava o violão e vez por outra surgiam algumas paródias com os conteúdos das
matérias! E hoje eu encontro com alguns deles que fizeram concurso militar e são
meus colegas de trabalho. Eu tive a satisfação de, aí em Juiz de Fora, encontrar com
dois desses ex-alunos.
Cris: É uma das melhores coisas de ser professor!
Leo: Sim! Sabe Cris — eles não se recordam dos cálculos de física, das fórmulas,
das questões de vestibular. Mas eles vieram falar comigo e se lembraram com alegria
das músicas que a gente cantava, dos experimentos! Eles guardaram aquilo que
foi uma experiência bacana, que trouxe alegria, satisfação, prazer em aprender. Eu
fiquei na mente deles como aquele professor que levava experimentos, que cantava e
contava histórias lá na frente do salão. Isso me deixou muito feliz! Poxa! Consegui...
Consegui colocar uma sementinha lá no coração deles, de que a ciência não é aquele
bicho papão, que até então tínhamos ouvido falar que era.
191
Cristhiane Carneiro Cunha Flôr, Leonardo Alves do Valle
Cris: Pois é! Eu tenho um amigo que fez cursinho, e ele conta que a aula mais
marcante no cursinho foi quando um professor de química, eu acho, foi falar sobre
viscosidade, e pegou alguns tubos de maionese, azeite, mostarda, vinagre, ketchup e
espirrou no quadro, mostrando as diferentes velocidades com as quais eles escorriam.
E meu amigo nunca esqueceu daquela imagem, do vinagre, da maionese, do azeite. Eu
já imagino a foto linda que daria aquela imagem no quadro! Porque eu já extrapolo, sabe?
Eu já penso fora e imagino que daria uma imagem belíssima. Porque é uma experiência
estética também! Assim como a experimentação também é uma experiência estética.
Não é só uma confirmação ou demonstração de teorias. Ver aquilo acontecendo
emociona, é artístico, estético. E quando emociona, a gente lembra.
Leo: Lembra mesmo! Falando de lembrança, alguns autores falam do esque
cimento. Que o esquecimento é importante, e às vezes, para aprender, a gente precisa
esquecer. E agora eu me lembro de um texto, é uma história de que havia um príncipe
belíssimo, e as donzelas se apaixonavam por ele. Mas um dia uma bruxa malvada se
apaixonou por esse príncipe, e queria casar com ele, mas o príncipe negou o pedido
de casamento. Então, como punição, a bruxa olhou bem nos olhos dele e falou: —
Então, se você não se casar comigo, não se casará com mais ninguém, você vai ser
sapo! Aquelas palavras entraram na sua mente e ele aceitou que era sapo! E ele se
transformou num sapo. Quando se viu sapo, pensou que o palácio não era seu lugar
e foi para os pântanos. Lá frequentou a escola de sapos, aprendeu a cantar grosso
como um sapo, a apanhar moscas com a língua, a tirar boas notas nos saltos que
dava, e ficou famoso! O tempo foi passando e ele esqueceu que um dia fora um
príncipe, aceitando a condição de ser sapo. Até que em determinado momento alguém
lhe diz que ele é um príncipe, e não um sapo. Agora, ele tem que esquecer de que
é um sapo, para reaprender a ser príncipe. E eu acho que é esse exercício que nós,
enquanto professores, precisamos fazer. O exercício de esquecer!
Cris: Acho que a formação vai fazendo a gente ter certeza de que é sapo, não
é mesmo? Afinal, tiramos tão boas notas nas provas para ser sapo! Mas não somos
sapo. E aí, em algum momento, quer seja por uma força externa, quer seja por uma
memória muito íntima, distante, você vai lembrando: eu não sou sapo. Não sou sapo
mesmo!
Leo: Verdade Cris! O convencimento de que uma ideia abarque a verdade absoluta
pode nos levar a eliminar a possibilidade de compreensão de outros pensamentos,
192
Narrativas sobre aprender e ensinar ciências: pausa para uma conversa!
5 Morin, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução Eloá Jacobina –
12ª Ed. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 200
193
Prática pedagógica e formação de professores no
ensino de ciências no contexto da educação integral
Cláudia Starling
Michelle Soares
Danilo Marques
1
O nome adotado é fictício e corresponde à necessidade de preservar a identidade da professora que
participou da pesquisa.
195
Cláudia Starling, Michelle Soares, Danilo Marques
Integral ora pesquisados, visa romper esses paradigmas priorizando o estudante como
centro da aprendizagem. Ao indagarmos sobre os currículos, devemos refletir se os
mesmos cooperam para a construção de uma educação integral, crítica, dialógica e
democrática. Faz-se necessário aprimorar cada vez mais as práticas pedagógicas que
corroboram para a problematização, diálogo e reflexão acerca do currículo no intuito
de criarmos resistência aos modelos fragmentados e hegemônicos.
Ou seja, no que se refere ao ensino de Ciência, que é objeto desta pesquisa,
é preciso que o contexto escolar esteja em consonância com os princípios de um
ensino que não fique preso ao livro didático e aos programas institucionais, mas que
ultrapassem a barreira do “cumprir conteúdo”. Para isso, ao investigar as práticas
docentes no contexto da EI, adotamos o termo práticas pedagógicas por considerar
que, segundo Franco (2016), prática educativa e prática pedagógica não são sinônimas.
Segundo a autora:
196
Prática pedagógica e formação de professores no ensino de ciências no contexto da educação integral
Por que ensinar ciências para crianças? Como? Quais os desafios e possibilidades?
Como o professor constrói sua identidade neste campo? Esta discussão abrange
aspectos complexos, pois as escolhas profissionais a serem trilhadas estão intimamente
ligadas aos aspectos histórico-sociais e identitários pelos quais nos constituímos
durante nossa existência. Essa identidade também se constrói na relação com o outro,
formando identidades sociais e identificações com grupos de naturezas distintas:
trabalho, religião, política, entre outros. Podemos destacar, ainda, que a identidade
profissional está pautada pelas representações que o indivíduo tem das profissões
e dos profissionais. Como indica Pimenta (2005), “uma identidade profissional se
197
Cláudia Starling, Michelle Soares, Danilo Marques
Em relação à docência, podemos afirmar que é uma profissão que traz consigo
a experiência de como ela se configura pela visão do aluno que sempre se submeteu
à situações escolares, professor iniciante ambiente da sala de aula e o conjunto
experiencial que ele traz no papel de aluno. Mizukami e Reali (2002) afirmam que no
caso específico do docente, a formação inicial é “considerada uma ponte ritual entre
o mundo do aluno e o mundo do professor [devendo assinalar o] período em que a
prática do ser professor é inicialmente informada pelas teorias educacionais e ocasião
em que a metamorfose entre o papel de ser professor e de aluno começa a ocorrer”
(MIZUKAMI; REALI, 2002, p. 124).
A narrativa da professora Eduarda traz a discussão sobre o lugar do ensino de
Ciências nos anos iniciais:
2
Entende-se como regência globalizada quando o mesmo professor ministra diferentes disciplinas, ou seja, o
professor polivalente.
3
No final dos anos de 1980, os estudos sobre a psicogênese da escrita ganharam força no meio educacional.
A psicogênese da língua escrita tem como premissa que as crianças constroem hipóteses complexas sobre a
escrita, como a garatuja, escrita pré-silábica, silábica, silábico-alfabética e alfabética. Consultar: FERREIRO,
E; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
198
Prática pedagógica e formação de professores no ensino de ciências no contexto da educação integral
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Cláudia Starling, Michelle Soares, Danilo Marques
200
Prática pedagógica e formação de professores no ensino de ciências no contexto da educação integral
em cursos de licenciatura não é suficiente para abarcar todos os desafios com os quais
a docência se depara e além disso o trabalho em sala é solitário. Destacam também
a ausência de uma base de conhecimentos socialmente reconhecida, uma grande
dificuldade em formalizar um trabalho interativo, destacando a personalidade docente
sobre os aspectos mais técnicos, além da cristalização da experiência que faz com
que a rotina do trabalho sempre se reproduza gerando respostas e comportamentos
quase automáticos para todas as situações cotidianas.
Essas experiências formam a identidade do professor à medida em que são
responsáveis pela dimensão existencial subjetiva do trabalho interativo. Os estudos
de Tardif e Lessard (2009) afirmam que nesta interação professor-aluno o professor
passa a conhecer seus limites e suas novas capacidades que vão além do domínio da
“tarefa” e o constituem como pessoa e profissional.
O objetivo observado na proposição do trabalho com sequência didática foi
engajar os estudantes no estudo do tema, explorar os conhecimentos prévios e
os interesses das crianças, além de desenvolver atividades em que a dimensão da
investigação estivesse presente, propor situações nas quais as crianças pudessem
discutir, experimentar, colocar em ação suas ideias, discutir, avaliar e comunicar os
resultados obtidos.
O evento analisado denomina-se “Congresso dos cientistas: comer ou não
o pão?”. Aconteceu na aula número 7 no total de 15 aulas no dia 2 de maio de
2012 (STARLING-BOSCO, 2015), quando as crianças participaram de uma atividade
de elaboração de procedimentos para investigar o processo de decomposição dos
alimentos, no caso o pão.
Na etapa da sequência didática relativa ao eixo “discussão e comunicação dos
procedimentos e dos resultados das investigações”, foi se constituindo o momen
to intitulado “Congresso dos Cientistas Mirins”. Nesses “Congressos” quando as
crianças discutiam um determinado procedimento ou resultado de uma investigação,
elas assumiam o papel de “cientistas”; e a professora, o papel de “apresentadora”,
simulando uma apresentação em uma conferência de pesquisadores. Isso favoreceu
o aparecimento de diversas estratégias de uso dos gêneros orais na sala de aula,
instituindo um espaço coletivo específico para as discussões em sala de aula.
Geralmente esses “congressos” aconteciam quando a professora queria organizar
o debate, quando as crianças socializavam algo no espaço coletivo, explicitavam
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Cláudia Starling, Michelle Soares, Danilo Marques
202
Prática pedagógica e formação de professores no ensino de ciências no contexto da educação integral
alimentos, no caso o pão. Quando uma das crianças expôs seu ponto de vista de que
“comer o pão era uma boa ideia para investigá-lo”, outras crianças se posicionaram
de maneira contrária. Nesse momento, iniciou-se então o “Congresso dos cientistas:
comer ou não o pão?”, com intuito de debater se comer o pão era ou não um
procedimento adequado e necessário para investigá-lo.
A seguir, apresentamos as interações estabelecidas no evento:
Professora Eduarda: Se para fazer esta investigação vai ser preciso comer ou
não o pão? O que vocês acham? [Alunos em silêncio, ouvindo a entrevista].
Renata: Eu acho que não!
Professora Eduarda: Não deve comer o pão? Por quê?
Renata: Porque ele será um objeto de experiência.
Professora Eduarda: Ahh... Ahhhh boa resposta palmas para Renata [Crianças
batem palmas]. Agora quem já pensou e quer responder?
Henrique: E! Nós podíamos investigar, trazer um pão para cá e olhar ele bem
direito. Ver se ele está estragado ou não.
Professora Eduarda: Por que você acha que comer o pão não é uma boa
estratégia?
Henrique: Quando você investigar ele pode estar todo babado [Muitos risos]
Professora Eduarda: Ok. Palmas para o Henrique.
(Arquivo de vídeo da pesquisadora, Aula 7, 02 de maio de 2012).
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Cláudia Starling, Michelle Soares, Danilo Marques
Reflexões finais
204
Prática pedagógica e formação de professores no ensino de ciências no contexto da educação integral
como cultura, não como algo já pronto e acabado, mas como uma prática social.
Também se faz necessário valorizar o papel das interações sociais, como elementos
que possibilitam a construção de novos modos de ensinar e aprender no contexto
escolar. Candau (2000) defende a necessidade de reinventar a escola e pensa na
complexidade da docência diante do contexto social. Ela afirma que o processo
pedagógico é dinâmico e está sempre em reconstrução, de modo que a reflexão
sobre tudo o que acontece é imprescindível, principalmente no sentido de sistematizar
diferentes práticas educativas.
Por isso, o contexto institucional, como no caso apresentado, da Educação
Integral, possibilitou o desenvolvimento da sequência didática em consonância com
os princípios educativos que baseiam o ensino de ciências por investigação, além de
uma abordagem curricular mais flexível, de acordo com os objetivos propostos para
o trabalho realizado.
Referências
205
Cláudia Starling, Michelle Soares, Danilo Marques
MOLL, Jaqueline. Educação Integral: texto referência para o debate nacional. Brasília:
Mec, Secadi, 2009
MOREIRA, Antônio Flávio; SILVA, Tomaz Tadeu. (org.). Currículo, cultura e sociedade.
8. ed. São Paulo: Cortez, 2005.
206
Prática pedagógica e formação de professores no ensino de ciências no contexto da educação integral
discursivas nos anos iniciais do ensino fundamental / Cláudia Starling Bosco. – Belo
Horizonte, 2015. Tese de Doutorado.
TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude. O trabalho docente: elementos para uma teoria
da docência como profissão de interações humanas. Petrópolis: Vozes, 2009
207
O que o encontro com as crianças ensina às ciências?
faculdade, fui a uma aula de ciências de uma turma da primeira série, com um colega
falar sobre baratas, a pedido da professora. Estudei bastante a biologia da barata,
o aparelho bucal do tipo mastigador da barata, classificação (Reino Animalia, Filo
Arthropoda, Classe Insecta, Ordem: Blattodea, Família Blattidae, Gênero: Periplaneta,
Espécie: Periplaneta americana) Enfim... foi o meu primeiro “fracasso pedagógico”, um
de muitos que ainda viriam. Rapidamente me dei conta que nada do que as crianças
queriam saber sobre as baratas eu sequer havia pensado, eu até podia responder, mas
não havia previsto aquilo, e aquela distância entre o que eu havia pensado e preparado,
me impediu de potencializar ainda mais aquelas informações. As crianças, na verdade
me reapresentaram ‘a barata’, como um ser muito mais digno, interessante, com
história própria e o desejo de saber delas me fez olhar para o meu próprio, pensar
meus limites, pensar minhas perguntas.
O autor Jorge Larrosa (1998) tem um texto ‘antigo’ muito bonito sobre educação
intitulado “O enigma da Infância: ou o que vai do impossível ao verdadeiro”. Nesse
texto ele nos apresenta um mundo onde nada se sabe sobre as crianças, esses seres
misteriosos e impossíveis de conter. Porém nesse desconhecimento, nesse não saber
cabem algumas considerações. Afirma Larrosa (1998):
Segue o autor, “temos roupas para crianças, livros para crianças, objetos para
quartos de crianças, filmes para crianças, espetáculos para crianças, escolas de músicas,
de artes plásticas, de dança, para crianças.” Assim esse autor vai demonstrando que
de certo modo existe um conjunto de profissionais (pediatras, professores, psicólogos,
educadores físicos, animadores, publicitários) que tem olhado, cuidado e produzido um
conhecimento sobre as crianças. Assim, a infância é algo que nossos saberes, nossas
práticas e nossas instituições de certo modo já capturaram. Como diz Larrosa (1998)
209
Marise Basso Amaral
(mas também outros autores), a infância passa a ser algo que podemos nomear e
explicar, algo sobre o qual podemos intervir, algo que podemos acolher. Enfim, parece
que nós sabemos o que são as crianças e procuramos falar com elas de um modo que
elas possam nos entender, nos lugares que organizamos para abrigá-las.
Mas, o que o texto desse autor no traz é que se é verdade que todo esse
conjunto de saberes sobre a infância existe, é verdade também que a infância é
ao mesmo tempo um outro. Larrosa (1998) declara, também em seu texto, que
ao mesmo tempo a infância é aquilo que “sempre além de qualquer tentativa de
captura, inquieta a segurança de nossos saberes, questiona o poder de nossas
práticas e abre um vazio em que se abisma o edifício bem construído de nossas
instituições de acolhimento” (p.230).
Pensar a infância como um outro, a partir desse autor, é pensar justamente nessa
inquietação, nessa imprevisibilidade, naquilo que sempre nos escapa. A infância como
alteridade, como diferença, como presença enigmática na medida em que inquieta
o que sabemos, ou aquilo que achamos que sabemos, também suspende o que
podemos, além de colocar em questão os lugares que construímos para as crianças
nesse mundo.
Diante do enigma da infância, nos resta olhar com atenção à experiência dessa
presença em nossas vidas, nossas casas, nossas escolas, olhar com cuidado para
esses seres estranhos dos quais nada se sabe, os quais não entendem nossa língua.
Nesse nosso encontro, nos diz Larrosa (1998), resta encontrar a medida da nossa
responsabilidade pela resposta ante a exigência que essa infância, sobre a qual nada
sabemos, nos apresenta.
Essas colocações me ajudaram a entender melhor meu sentimento de es
tranhamento naquela minha primeira aula sobre as baratas, bem como encontrar um
caminho para articular possibilidades de resposta ao tema que me trouxe aqui. “Que
educação os anos iniciais têm a ensinar às ciências e à matemática”? Em função do
que eu apresentei até aqui eu me permito mudar um pouco essa pergunta e formulá-la
de agora em diante da seguinte forma: o que as crianças têm a ensinar às ciências? O
que nós educadores, pesquisadores sobre ensino de ciências podemos aprender com
as crianças?
210
O que o encontro com as crianças ensina às ciências?
A função da arte/1
Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que
211
Marise Basso Amaral
Esse pode ser o papel de um adulto, de uma criança mais velha, da ciência,
em resposta ao assombro infantil causado pela imensidão do mar, pela infinitude
das estrelas, pelo entardecer no sertão, pela neblina que sobe no inverno, pela
germinação de uma única semente.... ajudar a olhar. Para tanto talvez a ciência tenha
que desaprender um certo modo de olhar por demais dado, escrutinado, medido e
analisado sobre o mundo. O convite ao ensino das ciências é para reaprender com as
crianças, a imaginar também o mundo.
Girardello (2011) vai nos alertar para o fato de que vários campos, tais como
filosofia, a psicologia, a pedagogia e a teoria literária, vão nos apresentar indicações
das condições mais adequadas para que a imaginação da criança floresça em todo
seu potencial. Essa mesma autora, nos lembra ainda que muitos também são os
atores que contribuem para isso, afirmando que a atitude dos adultos no ambiente
em que a criança vive, como mediadores entre as crianças e o mundo físico, bem
como a qualidade dos espaços físicos e sociais, criados pelas famílias e pelas
instituições educativas também influenciam a imaginação. Girardello (2011), usando
especificamente o trecho acima do “A função da Arte”, de Eduardo Galeano, nos
presenteia com o modo como podemos, diante do assombro do mundo, ajudar as
crianças a olhar, e portanto, a imaginar:
212
O que o encontro com as crianças ensina às ciências?
Assim, uma narrativa rica em detalhes, contando outras histórias, pode ajudar a
compor em conjunto com a imaginação das crianças, novos entendimentos e novos
roteiros na construção de saberes. Esse é um pedido que as crianças fazem em alguma
medida, a todos nós, ajudá-las a olhar o mundo. E nós professores e professoras, ao
fazer isso, ao olhar generosamente, com tempo e com atenção o mundo, a partir do
olhar assombrado da criança, podemos recuperar muito do seu encanto.
Sobre essa possibilidade, cabe dizer que temos observado nossos alunos e alunas
de licenciatura em Ciências Biológicas, que escolhem desenvolver projetos com as
crianças da educação infantil ou dos anos iniciais, um profundo efeito transformador
que o contato com as crianças permite. Na construção das aulas e no trabalho efetivo
em sala de aula nossos alunos e nossas alunas aprendem, a fazer outras perguntas,
a construir outras linguagens, a recorrer à literatura infantil e construir com ela um
diálogo fecundo. No assombro provocado pelo encontro com as crianças, nossos
alunos e alunas se reinventam, fazem as pazes com a imaginação, constroem novos
repertórios e se ajudam mutuamente a olhar o mundo.
213
Marise Basso Amaral
214
O que o encontro com as crianças ensina às ciências?
215
Marise Basso Amaral
rodeada pela Baía de Guanabara e por praias de mar aberto, a presença desses
cenários e seus habitantes no currículo escolar ainda é, por vezes, insuficiente. Após
trabalhar em sala de aula alguns conceitos e algumas informações que envolveram os
ecossistemas marinhos, bem como verificar com o grupo de estudantes sobre suas
próprias histórias e memórias em relação a esse ambiente, a licencianda entregou
para os alunos cartões postais por ela previamente produzidos, com espaço para
escrever e um espaço em branco para que os cartões fossem por eles ilustrados.
Com o mapa do Brasil, cada criança escolheu uma cidadezinha, bem longe do litoral,
para onde mandaria seu cartão postal, com seus desenhos e um pequeno texto
apresentado o mar e o ecossistema marinho para quem ainda não o conhecia. Em
função do pouco tempo essa atividade não se concretizou na forma de encaminhar
realmente os postais para as crianças em outros estados do Brasil, o que certamente
teria imprimido ainda outros sentidos ao trabalho, mesmo assim, ela revelou-se
muito produtiva para o grupo de participantes, bem como uma forma interessante
de avaliar quais informações sobre o ecossistema e sobre o lugar de cada um foram
selecionadas para compor os textos dos postais.
216
O que o encontro com as crianças ensina às ciências?
E para aqueles de nós, que ainda sofrem muito com as demandas curriculares do
ensino de ciências, pautadas nas tradicionais perguntas que definem sem nenhuma
hesitação o que as coisas do mundo natural são, sua importância e utilidade, eu me
manteria inspirada pelas provocações de Manoel de Barros (2006), que nos afirma
que: “a importância de uma coisa não se mede com fita métrica, nem com balanças,
nem com barômetros etc. A importância de uma coisa há que ser medida pelo
encantamento que ela provoca em nós.”.
Referências
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O ensino de ciências nos anos iniciais e o aedes
aegypti : uma análise de uma sequência didática à luz
da perspectiva do letramento científico
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Andréia Francisco Afonso, Wallace Alves Cabral
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O ensino de ciências nos anos iniciais e o aedes aegypti: uma análise de uma sequência didática à luz da
perspectiva do letramento científico
Metodologia
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Andréia Francisco Afonso, Wallace Alves Cabral
• Educação em Ciências nos anos iniciais: o que ensinar? E por que ensinar?
1
G1 Zona da Mata: Segundo LIRAa de 2018 mantém Juiz de Fora em estado de alerta. Disponível em:
https://g1.globo.com/mg/zona-da-mata/noticia/segundo-liraa-de-2018-mantem-juiz-de-fora-em-estado-de-
alerta.ghtml Acesso em 24 de setembro de 2019.
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O ensino de ciências nos anos iniciais e o aedes aegypti: uma análise de uma sequência didática à luz da
perspectiva do letramento científico
223
Andréia Francisco Afonso, Wallace Alves Cabral
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O ensino de ciências nos anos iniciais e o aedes aegypti: uma análise de uma sequência didática à luz da
perspectiva do letramento científico
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Andréia Francisco Afonso, Wallace Alves Cabral
Considerações finais
Referências
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O ensino de ciências nos anos iniciais e o aedes aegypti: uma análise de uma sequência didática à luz da
perspectiva do letramento científico
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Autores
Cláudia Starling
Professora Adjunta da Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação,
atua no Setor de Didática e na linha Didática e Docência da Pós-Gradução (Promestre).
Participa dos grupos de pesquisa DIDAKTIKÈ (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre
Didática), LAPENSI (Laboratório de Pesquisa sobre Experiências Formativas e Narrativas
de Si) e GESTRADO (Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente).
Envolve-se com pesquisas no campo da Didática, formação de professores e narrativas
(auto)biográficas. E-mail: claudiastarling@hotmail.com
Danilo Marques
Professor da Educação básica e pesquisador do Grupo de Estudos sobre Política
Educacional e Trabalho Docente (GESTRADO/UFMG). Mestre em Educação pela
UEMG, Especialista em Mídias na Educação pela UFJF. Envolve-se em pesquisas sobre
a formação docente e políticas educacionais. E-mail: marques7danilo@gmail.com
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Andréia Francisco Afonso, Wallace Alves Cabral
Guilherme Trópia
É professor do Departamento de Educação da Faculdade de Educação da Universidade
Federal de Juiz de Fora (FACED/UFJF). Possui licenciatura em Ciências Biológicas
(UFMG), mestrado em Educação Científica e Tecnológica (UFSC) e doutorado em
Ensino de Ciências e Matemática (UNICAMP). Atualmente, é coordenador do curso
de Pedagogia da FACED/UFJF e atua na formação inicial de professores em diferentes
cursos de licenciatura e na formação continuada na Especialização em Ensino de
Ciências e Matemática nos anos iniciais. E-mail: guilherme.tropia@ufjf.edu.br
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O ensino de ciências nos anos iniciais e o aedes aegypti: uma análise de uma sequência didática à luz da
perspectiva do letramento científico
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Andréia Francisco Afonso, Wallace Alves Cabral
Michelle Soares
Professora da Educação Básica, Mestranda do Promestre – FaE UFMG. Participa
do grupo Didaktikè (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Didática). Envolve-se com
pesquisas no campo da Didática, Educação Integral e formação de professores. E-mail:
oaresmichelle@bol.com.br
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perspectiva do letramento científico
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