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UFMS – CPTL

HISTÓRIA – LICENCIATURA

Docente: Prof. Dr. Vitor Wagner Neto de Oliveira


Discente: Matheus Medeiros Piquera

FICHAMENTO
LENHARO, Alcir. Sacralização da política. Campinas-SP: Papirus,
1986.
p.11-14 • “O que ocorreu no país nas duas últimas décadas, domínio da
farsa, porque repetição, não perdeu, entretanto, o seu conteúdo
trágico original. A progressiva armação da ditadura relembra
uma escalada de violência por demais conhecida, responsável
pela supressão das liberdades individuais e civis, pela ameaça
física e psicológica, pela perseguição e tortura, pela corrupção e
cinismo, pela mentira da propaganda a espalhar a crença no
progresso e na ascensão social como solução de toda ordem de
problemas. Em 'troca do 'desenvolvimento econômico e das
gordas taxas do PNB impôs-se, persuasiva- mente, a supressão
do exercício das liberdades civis, subsumidas como componente
inerente ao progressismo, transfigurado em farsa através da
encenação político-religiosa do "milagre brasileiro".”
• “Um segundo registro, dentre outros, refere-se ao sistema
indireto de eleição, lançado pelo Estado Novo e que ele próprio
não chegou a utilizar, mas retomado e praticado pelo regime dos
generais presidentes é tão contraditoriamente utilizado também
na "última eleição indireta" recente, a primeira de um presidente
civil não escolhido por voto popular. Pertence ao domínio da
tragédia ou da farsa o fazer da democracia por vias não
democráticas? A, decepção para o historiador tensamente ligado
à relação passado/presente origina-se do receio de não se
investir, de fato, na aventura democrática; sob a capa dos
contornos formais restam o continuísmo e às alianças
obstacularizadoras da gestação do novo. Não estaríamos
conformados à solução do "mal- menor", em detrimento das
possibilidades do dever democrático?”
• “Quando se fala de colonização no período, fala-se da "Marcha
para o Oeste", apenas para apontar seu caráter retórico e mítico,
distante de uma possível factibilidade material. Num texto de
resulta- dos parciais, pude alinhar, no entanto; o peso relativo das
realizações materiais dos programas nascidos dessa proclamação.
À medida em que a pesquisa evoluiu, os desdobramentos da
proclamação permitiram-me perceber como foi sendo, articulada
a política geral de colonização do Estado Novo, estrategicamente
centrada sobre a criação de colônias agrícolas nacionais no
interior do país, nas áreas ditas "vazias". Tal política foi sendo
implantada simultaneamente à manutenção de alianças com os
grandes proprietários de terras que não foram afetados
diretamente pelas obrigações trabalhistas aplica- das nas
cidades.”
p.15-18 • “Ao se atentar para a localização das colônias agrícolas nacionais,
percebe-se que elas foram programadas para compor uma linha
divisória entre as áreas "vazias" e as "ocupadas". Dessa forma,
objetivava-se "cercar" as áreas ocupadas com a nova proposta de
colonização escorada sobre a pequena propriedade e,
principalmente, sobre o sistema cooperativo de produção, e
comercialização, todo concentrado nas mãos de burocratas ligados
à alta administração. Mais importante que isso, tratava-se de criar
um novo, conceito de trabalho e trabalhador, uma contrapartida do
que já, se praticava no setor, urbano-industrial: o forjamento do
trabalhador despolitizado, disciplinado e produtivo.”
• “Há que se considerar também a fácil penetração e a eficiência
política dessa instrumentalização em um terreno cultural
preparado pelo uso e pelo culto das imagens, dos símbolos, das
comparações ensinamentos por meio das parábolas evangélicas,
da fala figurativa, que, o cristianismo e o catolicismo, em
particular, costumam propagar. Roberto Romano observa, a esse
respeito, que a imagem religiosa aponta para intenções políticas,
ainda que camufladas, e se desdobra em aplicações mais
complexas em relação a um primeiro enunciado. Em outras
palavras, dirige-se politicamente ao que interessa, sem a
necessidade de precisá-lo, de demonstrá-lo; o convenci- mento é
alcançado por outras vias, à margem das tensões ideológicas e das
contradições que uma definição comporta.”
• “Foi através da exploração desses sinais de sacralização do "corpo
que trabalha" que pensamos haver contribuído para desvendar
recônditos sombrios da máquina de poder político, uma face
pouco ou quase nada visualizada pelos críticos dos projetos
totalitários no país. Numa época histórica em que as experiências
totalitárias demonstram um forte apego à sacralização do político
como instrumento de dominação, interessou-nos, particularmente,
perscrutar esse tratamento religioso e o aparato litúrgico assumido
cada vez com maior intensidade, isso num momento em que o
Estado se laicizara e estabelecera for- malmente fronteiras
definitivas com o chamado poder religioso. Os projetos totalitários
e fascistas utilizavam, em diferentes gradações, conteúdos
teológicos com vistas à sua instrumentalização para solucionar os
problemas sociais e políticos existentes. A própria configuração
do corporativismo fascista bebe nas águas do catolicismo, cuja
doutrina do Corpo Místico de Cristo o antecede e o alimenta. A
sacralização da política visava dotar o Estado de uma legitimidade
escorada em pressupostos mais nobres que os tirados da ordem
política, funcionando como escudo religioso contra as oposições
não debeladas. Da mesma forma, os canais convencionais,
alimentados pela religiosidade, podiam ser utilizados como
condutores mais eficientes dos novos dispositivos de dominação
que o poder engendrava.”
p.19-22 • “Ainda recentemente, não se costumava caracterizar a sociedade
brasileira nos anos 30, como, uma real sociedade de classes. Face
a esse modo de pensar, o estudo da política tende a desvincular o
que se passava no país, dos conflitos capitais que tomavam conta
do mundo naquele momento; por essa mesma razão, fenômenos
políticos, como o do Estado Novo, ficavam distantes, nesse
quadro analítico, de uma aproximação com a tendência
fascistizante que assolava o mundo capitalista.”
• “Em nosso caso, o assemelhamento também se manifesta; releva,
no entanto, o fato de que não se nota uma diferença relativizadora
dos planos discursivos. Pelo contrário, o discurso crítico atua aqui
como atenuador da caracterização de uma realidade que o poder
ditatorial não fez questão de ocultar. A visão de um Estado que
cumpre necessárias tarefas para uma sociedade ainda incapaz de
efetivá-las ator principal que encampa o conjunto do espaço social
vem ao encontro da auto-imagem propagada pelo Estado Novo,
anunciadora da construção de uma identidade societária e da auto-
proclamação de ser agente capaz de intervir no fluxo histórico e
estancar as tensões da luta de classes.”
• “A ordem corporativa proposta vinha confirmar, como se
declarava então, a substituição do negativo conceito da luta de
classes pelo conceito positivo de-colaboração de classes. Talvez
não haja uma apreciação tão cabal como a de Francisco Campos
sobre a nova realidade em gestação: ‘O corporativismo mata o
comunismo como o liberalismo gera o comunismo. O
corporativismo interrompe o processo de decomposição do
"mundo capitalista previsto por Marx como resultante da anarchia
liberal.’.”
p.23-26 • “É notável o número e a qualidade de textos saídos. do regime que
explicitavam o intento fulcral da política do Estado Novo: a
despolitização da sociedade e, em particular, da classe operária.
Tais textos (que acompanham a prática repressiva) lêem o
conjunto da cobiçada mudança, passando, necessária e
primeiramente, pela contenção dos trabalhadores. Para controlar
as diversas partes da sociedade, priorizam o enquadramento da
classe operária e de suas formas de organização.”
• “Convém registrar, mais uma vez, como os discursos que se
pretendem 'críticos acompanham pari passu os textos básicos
gerados dentro do regime. Fora a "simbiose perfeita", o esquema
explicativo do "Estado de compromisso" passa muito próximo
do "entrosamento eficaz" que permite ao Estado, como árbitro
imparcial, garantir à classe operária, às expensas dos
dominantes; a legislação social- que a burguesia industrial
resistia em ceder, face às exigências dos trabalha- dores. Frise-se
a limitação dos resultados do compromisso: que dizer da massa
de trabalhadores rurais de todo o país, sobre quem se falava
como uma possibilidade remota de ter acesso à legislação
social?”
• “Os benefícios oferecidos pelo Estado atuavam como armadilhas
de envolvimento e enquadramento dos trabalhadores, fato de alta
significação para uma classe que ampliava rapidamente os índices
de sua proletarização. São Paulo, por exemplo, receberia somente
entre os anos de 1936-1940 mais de 295 mil imigrantes de outros
estados, principalmente nordestinos 13. Ao comentar o
aparecimento dos sucessivos decretos que foram introduzindo a
carteira profissional como documento de identificação do
trabalhador, um funcionário do go- verno não escondeu a malha
do seu envolvimento para ter acesso às "regalias" trabalhistas. As
férias remuneradas e o direito de apresentar reclamações perante
as Juntas de Conciliação e Julgamento ficavam adstritos somente
aos trabalhadores, sindicalizados.”
p.27-30 • “Além de se posicionarem como locutores privilegiados, os
empresários desrespeitavam permanentemente o cumprimento
das leis trabalhistas, sinal evidente de sua diluição no jogo da
oposição de classes. "As greves operárias e as denúncias
constantes das condições de trabalho feminino se sucederam à
promulgação da lei, deixando claro que os industriais não
respeitavam a proibição do trabalho noturno, não instalavam
creches nem davam condições de trabalho para as mães
trabalhadoras, não respeitavam a proibição de mais de duas horas
de trabalho extra e, sobretudo, manipulavam as tabelas salariais
de menores e mulheres na base dos estigmas a eles atribuídos."
(Paoli, citado, p. 38).”
• “A proibição da greve, à unicidade sindical em bases corporativas,
juntava-se o atrelamento necessário ao Estado, medida que seria
incrementada logo depois com a criação do imposto sindical
(cobrado já em 1941) responsável pela cimentação de uma
organização burocrática pelega de fôlego muito mais longo que o
período. De. 1940 também vem a criação do salário mínimo,
medida de cunho político muito mais voltada para angariar as
simpatias da classe através da propaganda, do que efetivamente
premiá-la. É sabido que em São Paulo o nível do mínimo não
alcançaria o valor médio dos salários o mesmo parece ter-se dado
na Capital e outros centros industriais do país. Sabe-se também
que a "média positiva" para o conjunto dos salários no país foi
corroída rapidamente pela inflação e o aumento do custo de vida
nos últimos anos do Estado Novo.”
• “É sabido da falta de estudos que registrem as possíveis
resistências dos trabalhadores à violência sindical do Estado Novo
nos anos mais duros da repressão. As palavras de Maria Célia
Paoli, recém citadas, não se referem exatamente a esse momento
cronológico, mas devem ser levadas em conta a partir das tímidas
reivindicações sala- riais conhecidas, em 1944, indício de que os
trabalhadores, e somente eles, haviam interpretado, coletivamente
sua experiência de trabalho, oprimido pela economia de guerra.”
p.31-34 • “É preciso estar atento para as intervenções do Estado na questão
trabalhista, antes de 1930. Ainda em 1911, é criado em São Paulo
o DET (Departamento Estadual do Trabalho), voltado
principalmente para o problema das migrações rurais e que se
preocupou também com a' elaboração de pesquisas sobre o custo
de vida, o mercado de trabalho, salários e acidentes de trabalho.
Médicos higienistas, engenheiros, quase sempre de encomenda;
deram início a pesquisas sobre problemas de moradia, urbanização
e saúde pública; preocupados em delimitar um outro perfil para a
identidade do trabalhador.”
• “Já antes dos anos 30, parte da classe trabalhadora determinou
para o seu conjunto a opção por uma forma centralizada de
organização sindical, que facilitaria sobremaneira a ação
desarticuladora do Estado logo depois. Na disputa entre
anarquistas e comunistas ganhou força a segunda tendência,
voltada para o reforço dos sindicatos existentes, a fundação de
novas unidades, a criação de um sólido "bloco de ferro' do
proletariado" é a centralização das forças sindicais sob sua
liderança (Idem, p. 42). O BOC, braço partidário do PC, visava
exatamente através do processo eleitoral, fazer a propaganda,
arregimentação da classe e reforço dos sindicatos 19. Nesse clima
de com- petição, o que estava em jogo era a afirmação de uma
postura política excluidora da outra. As lutas "menores" forjadas
no cotidiano da fábrica foram relegadas pelo PC,
excepcionalmente quando encampadas pela conjugação partido-
hierarquia sindical. Semelhantemente, a irrupção grevista do após
guerra não foi acompanhada pelo partido, alienado da luta
concreta dos trabalhadores e mais compromissado com a
conjuntura político-institucional, que, a seu ver, exigia
moderação, conciliação por parte dos trabalhadores e sua aliança
com outros setores da sociedade (Paoli, citado, p. 48).”
• “"Consultai o homem da rua, a mulher do campo, o cavalheiro
habitué dos salões, se estão satisfeitos com o Brasil em face de si
mesmo e em face do mundo, Perguntai ao homem do comércio,
ao lavrador da terra, ao operário das cidades se está feliz com as
leis que o governo lhe oferece; se tem algo a reclamar contra o
estado geral da sua vida, em confronto com a sua vida de anos
atrás. Todos lhe responderão pela afirmativa, porque só a
segurança permite tal resposta. De tal modo a vida política se
ajusta à vida social, de tal maneira as duas se influenciam
mutuamente numa troca de concessões socializadoras, que o
descontentamento não existe. Vozes isoladas, porém, poderão se
erguer para reclamar, mas o seu eco se perderá com o próprio
sentido das palavras que pro- 'nunciar, porque, também eles, não
encontram correspondência na realidade.".”
p.35-38 • “Classes, grupos, indivíduos encontraram o seu lugar na
hierarquia que rege o corpo. pronto da Nação. Já o liberalismo
predispôs as partes da sociedade em situação de permanente
conflito e condenara o indivíduo à solidão de sua abstração, à
deriva e mercê dos interesses politiqueiros. A vértebra da Nação,
já o sabemos, são as organizações sindicais, que vêm cimentar a
união "pela qual transitam as aspirações das classes até o encontro
com o poder público".”
• “Crítico das abstrações do liberalismo, o poder elabora através de
outra grande abstração: a Nação. Por mais que ocultasse o
conteúdo real, que se pretendia totalizante, restringia-se à esfera
do Estado, personagem solitária da Nação consubstancializada no
"todos". O Estado não buscou criar a sua organização partidária
de massas, ainda que a Ação Integralista se dispusesse a ceder-lhe,
seus préstimos (um milhão de militantes em 1936...). Pelo
contrário, o poder decidiu-se por desestruturar a vida político-
partidária deslocando, através do seu congelamento, a dimensão
política dos partidos para a sociedade. A Democracia agora era
social... Iniciativas de organizações setoriais de massa também
não foram adiante. O movimento de Organização Nacional da
Juventude; uma tentativa de militarização dos jovens, foi recusado
e refeito em um programa de educação moral e cívica 26.”
• “Quando do golpe de estado em 37, a grande Organização
Burocrática mostrou-se portadora de mais um novo e poderoso
componente do poder a máquina de propaganda: Há inúmeros
indícios de 'que antes disso, esboçava-se uma articulada e bem
montada organização da propaganda. Após 37, entretanto, essa
máquina se expande e se aperfeiçoa, consoante a introdução de
novos elementos essenciais à sua implementação e, cada vez mais,
direcionada para atuar como uma máquina de dominação.”
p.39-42 • “Vargas, em inúmeras oportunidades, chamou 'a atenção para o
papel da imprensa, em particular, e dos meios de comunicação em
geral como dispositivos de controle e mudança da opinião pública.
O ofício do jornalismo era por ele chamado de "sacerdócio cívico"
Atribuía aos, jornalistas grandes importância na formação da
opinião pública"... para que, ela seja, de corpo e alma, um. só
pensamento brasileiro".”
• “Dos dispositivos utilizados em larga escala, o rádio foi o
principal deles pelo clima e pelo teor simbólico que alcançava
entre emissores e ouvintes. Francisco Campos parecia estar
convencido disso ao apreciar que, não era preciso contato físico
entre o líder e as massas para haver multidão (Citado, p. 25).
Lembra Sérgio Cabral que Vargas foi o primeiro estadista da
América Latina a utilizar o rádio nos moldes de Hitler, assim como
a máquina de propaganda do Estado Novo assemelhava-se à
utilizada 'por Goebbles 36. O mesmo autor notifica a presença
ostensiva do DIP nos desfiles, carnavalescos, nas gravadoras de
discos e estações de rádio.”
• “De outro lado, o rádio servia, eficazmente, para se espalhar a
imagem onipresente de Vargas por todo o país. A estratégia
radialista do Estado Novo parece acompanhar as pegadas deixadas
por Hitler, para quem a palavra falada, não a escrita, tinha sido a
responsável principal pelas grandes transformações históricas 7.
O líder nazista apregoava, por sinal, a necessidade da propaganda
ser popular e de se equiparar ao nível intelectual da capacidade de
compreensão dos mais ignorantes entre aqueles a quem ela era
dirigida. A propaganda, afirmou Hitler, devia levar em
consideração principalmente o senti- mento da massa,
acompanhar os "desejos vagos e as convicções indeterminadas"
do povo para alcançar os fins a que se propunha (Idem, pp. 121 e
320).”
p.43-46 • “Qualquer aproximação ao estudo da propaganda no período
detectará, necessariamente, o peso das instâncias micropolíticas
atuando sobre o cotidiano, dos indivíduos; ao atuar dessa maneira,
o poder dissemina-se pelo social para obter um controle, de caráter
muito mais persuasivo do que diretamente repressivo. As
instâncias moleculares atingidas não ficam circunscritas a
determinados espaços sociais; por isso mesmo, dão acabamento à
obra da máquina da propaganda, podendo os condutores dos
micropoderes ir do mundo do trabalho ao âmago do cotidiano de
cada um para intervir em suas expectativas e sonhos, reorientar
seus projetos de vida, docilizar seus corpos e mentes, o que pode
implicar, reversivamente, numa nova relação política com o
trabalho e imprimir um novo sentido até mesmo, nas relações
interpessoais.”
• “O cruzamento de dispositivos da macro e micropolíticas é que
permitem explicar como uma "química totalitária" envolve as
estruturas do Estado, as estruturas institucionais político-
partidárias e sindicais, as familiares e até mesmo as estruturas
individuais. Nessa perspectiva, o fascismo pode ser localizado em
condições larvares, não necessariamente cristalizado em fórmulas
político-institucionais- nacionais. "Quando compõe um conjunto",
diz Guatari, "seria importante desvendar quais dos seus
componentes fizeram funcionar a fórmula de poder" (Idem, pp.
179 e 181).”
• “Ao contrário de Le Bon, que separava a alma individual da
coletiva, Pereira da Silva vê a alma da nação como ampliação da
alma de um indivíduo participante dessa mesma nação. Sem a
ligadura da afetividade, o coletivo estaria sob ameaça de
desagregação e dissolução. Quando o indivíduo "se deixa
sugestionar pelos outros, o faz por sentir a necessidade de se achar
de acordo com eles, e não por oposição a eles ou, numa palavra:
por amor aos demais" (Idem, pp. 9 e 10).”
p.47-51 • “A abordagem psicanalítica de Pereira da Silva difere-
complementa a proposição daqueles que divisam a aplicação
racional, e técnica da propaganda para a obtenção dos mesmos
fins. Francisco Campos, por exemplo, se não defendia
abertamente, não deixava de mostrar intensa admiração, pelo
"maravilhoso arsenal, construído pela inteligência humana, de
instrumentos da sugestão, de intensificação, de ampliação, de
propagação e de contágio de emoções..." (Citado, p. 12).”
• “Esse traço de getulização do regime aponta claramente para a
confluência da abordagem psicanalítica da propaganda com a sua
organização maquínica propriamente dita. Por meio da afirmação
da onipresença unidimensional da pessoa física e-simbólica,
assegu- rada pelos meios de comunicação, a imagem do chefe
ganha con tornos morais perfilados, a se reproduzirem nas
infindáveis situações de identificação entre os subalternos e a
autoridade do chefe. No dizer do mesmo Pereira da Silva, "um
povo é tanto mais disciplinado, próspero e feliz quanto maior for
a sua identificação com o seu chefe" (Idem, p. 15).”
• “Vivia-se, portanto, a certeza de que a sociedade estivesse contida
nas suas diferenças e neutralizados seus focos de conflito. Aqui e
ali, no entanto, vão se manifestando os sinais de fissura nessa
unanimidade precária. Em uma de suas falas aos trabalhadores,
pela "Hora do Brasil", Marcondes Filho afirmava que o êxito da
aplicação das leis trabalhistas era devido "em grande parte ao
espírito compreensivo dos nossos empregadores" 52. Dito
diretamente para o público trabalhador, não é difícil perceber
como o discurso é traído inconscientemente, desejoso de afirmar
exatamente que a outra parte – os trabalhadores é que não tinham
correspondido às expectativas. Não se consegue, por vezes,
esconder o desânimo, apesar do discurso monolítico, diante das
dificuldades que o "consenso" enfrentava. Para um colaborador do
regime, a guerra viera atrapalhar tudo, tirando o país da rota
prevista e obrigando-o a "reajustar o seu organismo". Escritas em
1944, as palavras que se seguem impressionam menos pela
incontida desilusão diante da realidade e mais pelas
recomendações nas quais se parece acreditar:

"Tudo isso me vem à consideração, porque uma onda de


pessimismo ameaça avassalar a juventude do Brasil, a mocidade
radiosa das escolas, em face do momento agudo que atravessamos,
sob o regime da economia-de-guerra (...)
Impõe-se a cada brasileiro, nestes instantes dolorosos, o espírito
de sacrifício, o amor à responsabilidade, o respeito ao Estado, o
silêncio, o trabalho, a cooperação decidida".”

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